Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

Verdades pobres ditas em Portugal, e nos Algarves d’aquém e d’além América África Etiópia etc., de Tomás Pinto Brandão


Texto de referência:

Verdades pobres de Tomás Pinto Brandão – edição crítica e estudo, de Jair Norberto Rattner.

Dissertação de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1993

.

Verdades pobres ditas em Portugal, e nos Algarves d’aquém e d’além América África Etiópia etc.

Primeira parte oferecida à Majestade de El-Rei D. João V. nosso Senhor

Descritas pelo muito pobre e muito verdadeiro Tomás Pinto Brandão

Lisboa ocidental

Ano de 1717

Senhor

Graças a Deus, que cheguei a tempo de oferecer a V. Majestade alguma coisa; o ponto esta, em que a coisa chegue a tempo a V. Majestade ainda que não seja coisa; mas, como lá diz o sábio, não há coisa tão má, que a seu tempo não seja coisa boa. Eu bem sei, que para melhor expressar a minha graça não havia de expor a de V. Majestade (Joanes hoc est gratia) por não indecorar a tanto com tão pouco; mas leva-me o afeto pela mão, que não é mau padrinho, em semelhantes atrevimentos. Vem a ser a coisa, ou é o caso; dedicar eu a V. Majestade esta primeira parte, do parto primeiro, com que saiu à luz; que não poder sustentá-lo, o meto nessa Real Roda, que será para ele, a da melhor fortuna, como verdadeiro filho da folha; batizei-o em Verdades Pobres, por nu, e sem fábula; que são duas razões de aborrecido, para muitos que tem a pobreza por enfadonha, e por azeda a verdade; mas como eu não vou a fazer dessas, com eles, granjearia; não se me dá, que muitos as aborreçam; basta-me que V. Majestade as goste, como amante dos pobres, e das verdades. Advertindo, que está V. Majestade obrigado a defendê-las de um popular formigueiro, que debaixo dos pés da nobreza, se tem levantado contra elas, e contra mim; dizendo, que me não podem crer poeta verdadeiro; por mais que os admoesto, não menos que com as palavras do texto si veritatem etc. e mordem-me nos versos tirana mente: mas que a propósito vinha aqui, aquela empresa de Saavedra, em que pinta dois cachorros mordendo a massa, ou clava de Hércules, tanto à custa do sangue das suas bocas que também lá vem pintado; e diz a letra: Sibimet invidia vindex: eu não tenho massa, mas tenho bico, e bem posso usar da mesma empresa, por diferente pintura, que é um Pinto cercado de formigas; elas a querer mordê-lo nos pés, ele a picá-las nas bocas; e a letra bem pode ser a mesma, nem eu sei outra; sibimet invidia vindex.

Mas isto, Senhor, não é verdadeiro sentido; que em mim não há nada que invejar; há só uma pobreza verdadeira, a bom fim dirigida; que por isso a joeirei de tudo o que parecesse mau costume, salvo engano; e é certo que muitos dos que a lerem, têm bem de que se aproveitar, fugindo de cair donde eu (por meus pecados) tropecei; e poderão vir a ser uns servos de Deus; confessando sempre, que bem o prega Frei Tomás: torno a advertir, e a rogar a V. Majestade que com os seus mesmos Reais olhos a leia, até o fim; para ver o quanto se engana, quem, só no que costuma, me condena; e também para me animar na segunda parte, que fico encaminhando aos seus Reais pés; onde por mais licenciosa, poderá ficar manuscrita; que a mim me basta o dar-se esta ao prelo, com ajuda de custo. Isto é o que se oferece a Vossa Majestade. Vossa Majestade mandará o que for servido.

E Nosso Senhor guarde a sua pessoa Real, como todos os vassalos desejamos, em Lisboa Ocidental, aos 15 de Dezembro de 1717.

Verdadeiro pobre de Vossa Majestade

Tomás Pinto Brandão.

Ao leitor, de telhas abaixo.

Lente, Loiro, Leigo, Longo, Longuinho, ou outro qualquer que comeces por, L.

Se tu és quem eu cuido (aqui ninguém nos ouve) não sabes quanto estimo o encontrar-te! Hás-de saber, que fiz este livro, não mais que para desencataratar a algumas pessoas, que por si, me julgam; e a outras também, que pelo sentir destas, me avaliam (povo enfim, que de opiniões se sustenta); nele acharás algumas coisas boas, e outras más, mas todas minhas, que é o pior que tem; que se o livrinho fora de outro, não havia de ser mau livro; e ainda te digo mais (não passe daqui) mas vamos devagar, não sejas tu outro, a quem me não a como de declarar tanto! Resta-me que sejas Frei Simão? irra.

Se és Loiro, que é o mesmo que poeta, lê este livro todo a ver se achas nele alguns furtos; e se os não achares, dize lá contigo; este magano, se estudara, havia de encovar-me; que é o que dizem muitos.

Se és Leigo, que é o mesmo que pobre, consola-te comigo; que eu contigo farei o mesmo.

Se és Longo, que é o mesmo que fidalgo, lê um bocado a horas de palito; dando-me aquele costumado louvor, de valha-te o Diabo.

Se és Longuinho, que é o mesmo que, já me entendes, tens pouco que ver, e menos que cegar; mas podes dizer o que quiseres; que não vai a criar postema.

E se finalmente fores medíocre, que é, nem Lente, nem tu; nem poeta, nem eu; nem fidalgo, nem nós; nem pobre, nem tolo; e nem Cocles, nem jus; os Diabos te levem, se não disseres a verdade; e se a disseres, Deus te guarde.

Próximo

Ao Crítico

Meu amigo, e meu Senhor, estimarei que bem passe com saúde, como eu lhe desejo: Eu bem podia trazer a bem no prólogo atrás, mas quis levá-lo na crise adiante, porque já agora me não fio de ninguém.

Se me condenar por arte, desculpe-me por natureza; que esta é muito melhor que essa outra, tanto assim, que a Arte poética, pode V. M. decorá-la, sem ser estudante; e a natureza, sendo estudante, não poderá aprendê-la; com ela só, bem pode ser poeta; e com a outra, não, que é bastante mofina, mas paciência; digo-lhe isto, porque bem sei que há-de dizer aquele outro; mas guarde-se não tope com quem lhe responda, que o faça melhor; porque nesse caso, desconfia V. M. certa mente.

Ninguém melhor que V. M. conhece esta verdade, se é também quem eu cuido; que se o não é; não seja asno.

A uma Tulipa singular no primor da natureza, que passando por boas mãos, foi dar à melhor, da Sra. Infante D. Francisca; e querendo a prender ao peito, lhe caíram as folhas.

Soneto 1.

Tão pomposa essa flor, na louçania,

de mão em mão as palmas se levava,

que vendo a estimação que se lhe dava,

cuidou que muito mais se lhe devia;

Das flores aspirou à monarquia,

só porque de fermosa arrebentava;

mas vendo outra melhor, no que intentava,

desmaiou, viu-se morta, e ficou fria;

Desfolhou-se do adorno, com que esteve

na gala mais florida de seus Maios,

mas à gloria chegou, a que se atreve;

E é certo que ficou, por tais desmaios,

fria, daquelas mãos na pura neve

morta, daquele Sol, nos belos raios.

Fazendo anos uma fermosíssima Senhora.

Soneto 2.

Um ano mais tem Fílis! tenha embora,

que talvez que de um menos mais se preze;

contudo, não é bem que se despreze

dar-nos um ano, e dia mais de Aurora;

Cá pelas minhas contas, nem uma hora

tem mais Fílis; e é justo que me pese,

que, vendo a ainda ontem nos seus treze,

me digam que dezoito faz agora:

Digam que tem de bela os seus quinhentos,

que são outros quinhentos mais de ingrata,

ou que sem conto são seus luzimentos;

Mas dizer que anos cumpre, é patarata,

que Fílis nunca foi de comprimentos,

nem faz anos, nem vive, que só mata.

Memorial natalício a Sua Majestade.

Soneto 3.

Bem vejo que é fatal temeridade,

arrojo flatulento, e furibundo,

dar um Poeta indigno o mais imundo

boas festas a vossa Majestade;

Porém, Senhor, baixai da divindade,

e imitando ao mistério mais profundo

(se Deus um alegrão dá hoje ao Mundo)

em mim podeis dar outro a esta Cidade:

Mundo pequeno sou; porém no intento

de festejar um Rei Dom João o Quinto,

não posso subir mais de pensamento;

Por vós, por Deus, me morro de faminto,

e pois de Cristo herdais o mandamento,

O quinto é não matar a Tomás Pinto.

por nenhum caso.

Ao Marquês Mordomo Mor, dizendo ao Autor, que no dia de Reis seria despachado com hábito de Cristo.

Soneto 4.

Senhor Mordomo, a festa já se fez,

mas eu fiquei queixoso ao Juiz,

que me pôs na Esperança, por Matriz,

a armação que eu queria nas Mercês;

Na Sé nova também, a seis do mês,

de festejar a Cruz, mais conta fiz;

porém dei no Calvário, e tornar quis

para as Necessidades outra vez:

Alguém de São Miguel por aqui jaz,

que ao fazer do sinal, apaga a luz,

e contra toda a Graça é pertinaz;

Não há de ser assim, que por Jesus,

hei de ir, pelas Mercês que Deus me faz,

celebrar em Gouveia a Santa Cruz.

Memorial, em fé de ofícios ao Secretário Bertolameu de Souza Mixia.

Soneto 5.

Onze anos e meio, em Mar, e terra,

sem interpolação, baixa, nem nota,

tenho servido ao Rei, com fé devota,

como consta da fé, que o mais encerra;

Mil fomes que venci, por vale, e serra,

duas viagens, conduzindo frota,

uma Batalha, não de Algibarrota,

porque essa foi com paz, e esta com guerra:

Este o serviço é, que tenho feito,

porque o hábito peço, e ando nisto

há três anos e meio, sem efeito;

Sempre espero o Mexia para isto;

mas não cuidem que sou na Fé suspeito,

A que d’El-Rei, despachem me, por Cristo.

Missão militar.

Soneto 6.

Oh vós que sois no Mundo perdulários,

se é que quereis salvar-vos penitentes,

confessai vos um ano pretendentes,

consultando a dous doutos Secretários;

Haveis de jejuar despachos vários,

pondo-vos arrastados, não correntes;

que nessa disciplina de abstinentes,

ao Céu vos levarão tais Missionários;

Ide atrás deles sempre com gemidos

reconciliando aos poucos nas escadas

aquilo que vos pregam nos ouvidos;

Porque of’recendo a Deus tantas passadas,

creio que lá no fim, de arrependidos,

haveis de dar em vós mil bofetadas.

misericórdia

Ao tolo que busca sogra, verbigratiæ.

Soneto 7.

Todo o solteiro que este Mundo logra,

e por casar-se assazonado berra,

considere que peste, fome, e guerra

o Diabo lhe da, em dar-lhe sogra;

A doce liberdade se malogra,

de todo o paraíso se desterra;

e de viver, enfim, os termos erra,

por que em vida se enterra, se se ensogra:

Terá sogra, ab initio et ante bruxa,

terá sogra, ad perpetuam rei tarasca,

sogra, per omnia secula proluxa;

Que é peste, no contágio que lhe encasca,

é fome, na miséria que lhe embuxa,

e é guerra, no dragão que se lhe enfrasca.

e mais

Ao Senhor Infante Dom António fazendo anos.

Foi assunto acadêmico.

Soneto 8.

Se anos fazeis, Senhor, com tal compasso,

que voz beijam a mão todos por isso;

bem podereis ganhar a vida nisso,

que eu só a vida perco, quando os faço.

Fazei muitos, fazei, sem embaraço,

que essa vossa oficina é um feitiço,

e diz que nesse Paço gostam disso;

mas eu só ajoelho nesse passo:

O muito que os festejam não tem preço;

nem pretende ser pago este alvoroço,

por que vá hem de graça tanto excesso:

Eu como nada dou, pedir-vos posso

o bem de cada ano, como peço

o pão de cada dia, ao Padre nosso.

que está no Céu

Vendo o Autor o grande cabelo louro e igual beleza de uma senhora filha do Conde de São João.

Soneto 9.

Dois extremos vi hoje, a qual mais belo,

em uma (benza a Deus) viva pintura;

porque no bom cabelo, e boa figura

não há do Sol mais louro paralelo;

Bem podia cegar, quem pôde vê-lo,

por não ter mais que ver, nem mais ventura;

é cousa grande a sua fermosura;

porém não é maior que o seu cabelo:

Deste mar de beleza descendia,

por mina descoberta, um rio de ouro,

que com ondas as costas lhe cobria;

Aos mais quilates serve de desdouro,

porque se o Sol a todo o ouro cria,

ela toda é um Sol, todo ele é um ouro.

é

Assistindo Carlos Quinto às suas mesmas Exéquias.

Assunto acadêmico.

Soneto 10.

Ver, do seu funeral, a Majestade,

segundo a opinião da douta gente,

foi uma, em Carlos quinto, ação prudente;

mas bem podia ser também vaidade;

Para mim foi pequena novidade

ver vivo o seu Real corpo presente;

se acaso o visse, estando de alma ausente,

então seria grande habilidade:

Desta fúnebre ação, isto é o que sinto;

e se foi nas Heroicas celebrado,

em todas venho, e nesta não consinto;

Antes tenho por caso bem trilhado

ver seu enterro em vida Carlos quinto,

que o mesmo pode ver um enforcado.

Credo

Ao nascimento do Senhor Infante que foi o quinto parto da Rainha Nossa Sra.

Assunto acadêmico.

Soneto 11.

Este caso de cinco do corrente,

que hoje por esses ares se repica,

é astro, que por sino se publica,

é estrela, que nasce no Ocidente;

Toca-me pois mostrar naturalmente,

que nascer em tal polo, nada implica,

pois Fênix imortal se verifica

astro que tem no ocaso o seu Oriente:

Do Sol e d'Alva, em conjunção de fato,

(Segundo a opinião de Tomás Pinto)

nasceu a aparição de que aqui trato;

Batizá-lo por ora não consinto,

só digo que é do pai vivo retrato,

pois, por graça de Deus, também é quinto.

Estando o Bispo D. Francisco da Câmara na Portaria das Damas falando com sua Irmã a Sra. D. Inácia; estava assistindo de longe, com o noivo, D. Luiz de Portugal.

Soneto 12.

Ontem vi, quando menos o esperava

o Céu aberto em uma portaria,

adonde sumas graças concedia

um bispo, que em tal templo então se achava.

Vi, que Lício também dali bispava,

no altar que ajoelhava, o que queria;

porque do templo o adro, permitia

o que a face da Igreja dilatava:

O bispo dispensava, no parente,

que a sua obrigação fizesse Lício,

rezando à sua Imagem, mudamente;

Eu que acólito era ao benefício,

dei-lhe os améns, louvando reverente,

Bispo, Imagem, Altar, e Sacrifício.

bom

Na profissão de Frei Gaspar, em Varatojo; em cujo ato choraram todos os circunstantes, e assistiu El-Rei.

Soneto 13.

Buscando o Céu, ao mundo vai fugindo

Gaspar, que já do mundo está zombando;

nele pudera ter o melhor mando,

mas não quis ir, mandando, onde vai indo;

Grande gente, por vê-lo, o foi seguindo,

e nenhum lá ficou; porém voltando,

dele chegaram cá muitos chorando,

ele de todos lá se ficou rindo:

Chorou o Rei, e seus Irmãos choraram;

mas que ditosos deles, se Irmãos foram

nesse mesmo saial em que o deixaram!

Porém chorem de gosto, os que o adoram,

que ele em três votos que hoje o aclamaram,

professou ser amigo dos que choram.

Ouvindo cantar a Senhora D. Inês Antónia perante seu marido o Morgado de Oliveira, e um Conde, e um Visconde.

Soneto 14.

Grosseira, quanto ingrata, culpa fora,

que a minha Musa, Nise, em nada avara,

(posto que em roco estilo) não cantara

o que vi, e o que ouvi, em vós, Senhora;

Fui onte a vossa casa, em tão boa hora,

que uma fortuna achei, em tudo rara,

na voz, donaire, gala, corpo, e cara,

dessa Luz, Alva, Estrela, Sol, e Aurora:

Vi um Conde, admirado do que ouvia,

farto do que lograva, outro morgado,

e a mim fora de mim, no que sentia;

Por sinal que outro mais embasbacado

aos seus cuidados creio que dizia:

que quereis a um visconde enamorado?

nada

A uma Dama na procissão dos Passos, com duas Espadas:

Assunto acadêmico.

Soneto 15.

Movida da devota concorrência,

em seus passos, é Fílis tão galante,

que até vestida de disciplinante,

tem graça, e mostra culpa na aparência;

Cuidará alguém que o fez de consciência,

ou que se confessou talvez de amante,

pois não foi, senão só de extravagante,

para fazer fermosa a penitência:

Como de se emendar não tinha intento,

eram as confissões nela escusadas,

que em Fílis não se dá arrependimento;

Antes, por ver que matam rebuçadas,

embainhou dos olhos o instrumento,

e partiu a ferir com duas espadas.

A um ladrão que estando já ao pé da força lhe perdoou El-Rei, indo passando para a Madre de Deus; e tinha furtado um castiçal no Hospital Real.

Soneto 16.

Oh tu ladrão que vives do furtado,

posto que a bom sagrado hoje te acoites

por esse exemplar de ontem não te afoites

que amanhã poderás ser enforcado;

Olha que ao Hospital tinhas deixado,

pela falta de luz, as boas noites;

e que levaste lá dous mil açoutes,

só te faltava ser Crucificado;

Mas viu-te o Rei, e cremos, piamente,

que ver te, e perdoar-te era preciso,

julgando te, por simples, inocente.

De Deus quis imitar o alto juízo,

pondo-te um bom ladrão, no penitente,

e dando-te na vida um paraíso.

hodie

Ao mesmo assunto culpando aos clérigos do Hospital, por entregarem o tal preso à Justiça.

Soneto 17.

Há caso como uns sumos sacerdotes

mandarem do Hospital, por mentecaptos,

ao Pretório, o maior dos insensatos,

entregue pelos tais Escariotes!

Nunca cuidei que fossem tão maus zotes,

que depois dos açoites, e dos tratos,

dessem também ajuda, e aparatos

para na Cruz o porem dos garrotes;

Ao Calvário chegou, porem livrou-se,

porque o viu entre as turbas inocente

um Cezar, que nos viva muitos anos;

A Madre de Deus foi, que ali o trouxe,

para obrar uma ação, que eternamente

viverá nos Católicos Romanos!

viva

Depois de curado o Autor de certo achaque.

Soneto 18.

Um Planeta me tem muito obrigado,

de outro vivo também muito ofendido,

por este já seis vezes fui ungido,

por aquele me vi ressuscitado;

Devo a Mercúrio o bem de restaurado,

a Vênus devo o mal de destruído,

por esta andei baboso, e bem rendido,

por aquele fui porco, e bem curado:

Oh quanto a estrela invejo aos mugidores,

pois na sua união de almas barbadas,

nem venturas lhe influi, nem suores;

Lá têm também algumas estufadas,

mas é na esfregação dos seus amores,

com suor só no rosto, e mãos untadas.

seja para saúde

Mete ao Marquês Mordomo-mor por valia, para que El-Rei lhe dê uma mula de sege.

Soneto 19.

Meu bom Marquês, por falta de um sendeiro,

não farto de assistir-vos a vontade;

que as mulas, e os cavalos de outra idade

me puseram a pé; mas sem dinheiro:

Cansado estou de andar nisso ligeiro;

e quem mais me apeou nesta cidade,

foi (Deus o guarde) sua Majestade,

por que não quis que eu fosse cavaleiro:

Mas por não ser com ele mais cansado,

ordene que comigo mais não bula,

sem que por quatro pés seja levado;

E pois de andar em sege, tenho bula,

(já que por mulas más fui arrastado)

ande arrastado já, por boa mula.

andar

A uma Dama que trazia uma memória no dedo, cuja pedra era uma caveira

Assunto acadêmico.

Soneto 20.

A morte em mãos de anéis! é boa história,

parece que ao moral Fílis se inclina:

sem ver que se desmente de divina,

na lembrança da vida transitória;

De caveira na mão, cousa é notória

que a pregar de missão se determina,

porém como lhe esquece o ser benigna,

trazendo sempre a morte na memória?

Oh não vedes que Fílis nesta Corte,

a todos faz em cinza; e quer ingrata

dar-lhe um memento homo dessa sorte?

Mas não, que de matar somente trata,

e a memória no dedo, com a morte,

é só para lembrar-se de que mata.

Ao Conde da Ericeira, dando ao Autor um relógio por prêmio de um romance que fez no Certame Patriarcal.

Soneto 21.

São horas, sábio Conde, no meu prazo,

dadas pelo relógio recebido,

de que se mostre, entanto, agradecido,

este triste poeta, em tudo, raso;

Juiz reto, e piedoso, em todo o caso,

sois, de ampulheta à vista, bem medido,

por dar esmola a tempo conhecido

a um pobre enxota-cães desse Parnaso:

Atento irei, na corda permitida,

que se não desconcerte, dentro, ou fora,

o mostrador da vossa ação luzida;

Para que em descrever-vos, sem demora,

(se a musa a cada canto me convida)

o relógio mo diga a cada hora.

Depois de darem ao Autor um ofício, pediu vinte moedas de ajuda de custo, e lhe mandavam dar só cinco.

Soneto 22.

Fui jogar com meu Amo, em tom de brinco,

não as peras (que em mim é arrenegada)

mas os dados, que nele quando nada

sempre são de uma sorte, sem afinco;

Ganhei, e de alegria dando um trinco,

os paus lhe armei melhor, noutra parada;

porém nunca cuidei dessa bolada,

que o que vinte esperava, fosse cinco;

Cincos deu, realmente bem julgados,

por aquelas razões ou fundamentos

de haverem sempre quinas nos seus dados;

Mas eu lhe armarei jogo de mais tentos,

onde sejam os piques tão dobrados,

que o que perdeu aos cincos, pague aos centos.

pagou

À Sé Patriarcal.

Soneto 23.

Fermosa minha Sé, quão diferente

da Sé velha te vês agora, e viste!

tu mui alegre estás, ela mui triste,

ela amuada mal, tu bem contente;

A ti fertilizou-te a grossa enchente

daquele braço, a quem ninguém resiste;

a ela deu-lhe a breca, em que consiste

ficar de pé quebrado, e descontente:

Teus cônegos já são participantes

dos bens, que quem lhos deu, também os dera

aos outros, se os achara semelhantes;

Mas estes formam cá tal primavera,

que vemos a capela que era dantes

florescer mais que a Sé que dantes era.

Despedida dos bailes em Quarta-feira de Cinza.

Soneto 24.

Memento baile.

Adeus plumas, tussus, galões, e sedas,

adeus saias, donaires, vãs arpias,

adeus máscaras boas, más, e frias,

adeus saltos, mudanças, voltas, quedas;

Adeus carne, que tanto nos enredas,

deixando-te comer por tantas vias;

adeus bailes, até quarenta dias,

e para nunca mais, adeus moedas:

Adeus tanto Ladrão serra morena,

adeus outra melhor serra nevada,

que de aturar a bucha não tens pena;

Adeus Dona Tereza traquejada,

e adeus todas; porém grande, e pequena,

vede que sois pó, cinza, sombra, e nada.

et impulverem

A um impossível.

Soneto 25.

Impossível Divino, mas visível,

incrível humanado, mas tratável,

falível divindade, mas estável,

imóvel simulacro, mas sensível;

Notável gravidade, mas risível,

difícil consequência, mas provável,

insofrível achaque, mas curável,

admirável amor, mas impossível;

Esta contradição, grata, e ingrata,

que por dar vida, mata nesta Corte

a quem só para ver, de cegar trata;

É Fílis, belo, enigma, de tal sorte

que sendo um impossível quem me mata,

vem a ser impossível minha morte.

A dois amigos de que é espelho este.

Soneto 26.

A duas luzes brilham, dous fatais

de tojo, e de pavio bacharéis,

um graduado em formas cascavéis,

outro formado em Letras garrafais;

Na sua poesia dão sinais

daquela mesma luz que têm das Leis,

um satisfeito, em versos de dous reis,

outro bem pago, em décimas reais;

Ambos são uns grandíssimos tafuis,

em deitarem aos livros seus anzóis,

para peixinhos verdes, ou azuis;

E havemos de aturar estes breões

até virem dois pés de ventos suis,

que as velas quebre a um, a outro os faróis

A um mazombo que mentia em tudo, mais que todos.

Soneto 27.

É uma maravilha mais das sete,

este pigmeu que a tudo dá resgate,

não há homem no mundo que não mate,

nem mulher, como diz Maria Amete;

Lá o afirma Domingos Pirinete,

cá o prova Domingos Honorate;

ora vejam que belo disparate,

amete, amate, horate, Pirinete:

O homem traz consigo tal parlenga,

que deveras mentindo, a todos canga

com a sua pendanga, e a sua arenga;

Cá na quinta em Lisboa, tem pitanga,

lá na jacaracanga, tem flamenga,

pitanga, canga, lenga, jacaracanga.

Ao Conde Presidente do Senado, quando mandou pôr aquela figura no chafariz do Rocio, e consertar o chão dele.

Soneto 28.

Dever, meu Conde, a terra em tanto aumento,

o povo agradecido, no seu tanto,

achando um novo invento a cada canto,

quer dar um novo canto a cada invento;

Se endireitar a terra é o vosso intento,

e desse bom compasso é todo o espanto,

não desprezeis ser chão o nosso canto,

pois que também é chão o vosso assento;

Por tanta natureza, força e traça

cante o povo, que mais disso interessa,

entre a sua ventura, a vossa graça;

E sirva de instrumento a nova peça,

de levantar figura, quem lá passa,

que não pode deixar de erguer cabeça.

para o ar

Nos touros de N. Sra. de Nazaré, em que choveu tanta água, que estiveram os dous cavaleiros quase atolados.

Soneto 29.

Pois dos touros passados não vi nada,

não quero ser de ouvida maldizente;

se Santo António teve, ou não, mais gente,

nos seus dias há muita, e sorteada;

Deixo a festa da Câmara atrasada,

suponho que seria bem corrente;

mas sempre confessando a boa mente,

e guapa ideia, ao Conde reservada:

Nesta, em que entrei, por ver tudo dobrado,

digo que vi, nos dous aventureiros,

de Nazaré o milagre acrescentado;

Que a Senhora os livrou dos atoleiros

tanto, que o Provedor já está empenhado

em que tenha o painel três cavaleiros.

Nos touros do Senado do ano passado que não prestaram; entrou o Neto com dous criados vestidos de amarelo.

Soneto 30.

Senhores, ontem vi, sem poder vê-lo,

o Neto em cela, e osso, a pouco abalo;

e pois cheguei a vê-lo, hei de pintá-lo,

vá, com perdão da Câmara, sem selo:

Dois serviços trazia de amarelo

para as necessidades do intervalo;

era um bacalhau posto a cavalo

tão seco, que ninguém pôde cozê-lo;

Postura do Senado parecia;

mas por cara os Diabos espantava,

e no Terreiro o povo anão sofria;

Enfim nas altas puas bem mostrava

que aquilo só por Câmara saía,

pois no cu, a si mesmo se picava.

Ao mesmo Manoel Neto da Câmara no segundo dia de Touros.

Soneto 31.

Entrou o Neto, de nariz, por vara

em maior cavalete, que o da nora

que a Câmara lhe deu; e melhor fora

que a Câmara lhe dera que o levara;

O nariz a cavalo, cousa rara!

Entrou antes que o dono quase uma hora,

e foi-se logo a El-Rei sem mais demora,

de nariz a nariz, não cara a cara;

Saía o boi com fúria, mas voltava,

por que o nariz saía com a sua,

de sorte, que de cá no cu o picava;

Que este Neto a fez limpa, é voz cumũa

pois co'o nariz à Câmara poupava

cavalete, aguilhada, chopa, e pua.

Ao mesmo Manoel Neto Cortês, fazendo as Cortesias aos trancos, e às avessas.

Soneto 32.

Por força há de levar outro soneto

este amigo, este caco, este casquilho,

que é de todas as festas o estribilho,

e dos tabaqueados o seleto;

Por mais que em touros corra, eu lhe prometo,

que agarrando-se sempre ao cepilho,

enquanto tiver pés, tenha a mãe filho,

e a Câmara também há de ter Neto:

Correu nas Cortesias com tal traça,

que inda as não vi fazer com maior pressa,

nem beija cus de trote, com mais graça;

Galante andou dos pés até a cabeça,

porque mostrando o cu a toda a Praça,

da Câmara assoalhou a melhor peça.

Ao mesmo Manoel Neto Arraiz querendo cair.

Soneto 33.

Oh Manoel, que fazes? tem-te mão,

puxa-me essas escotas mais à ré;

quem te mandou vir cá com esse pé?

valham-te mil Diabos, mandrião;

Carrega o leme, agarra-te ao timão,

e tem nesses cachopos muita fé;

anda avante, não percas a maré,

que não sei se acharás outra monção:

Tu não estavas lá na caravela?

quem te mandou vir cá, com tal feitio?

perdoe Deus a quem te tirou dela;

A Câmara proveu-te por bacio,

que andas (depois de andar na praia à vela)

à vara, no Terreiro, e no Rocio.

No quarto dia de touros, que não houve um que investisse, e todos foram para os cães;

mas não deixou de cair um cavaleiro.

Soneto 34.

Senhores meus, já vejo, que queriam

ouvir tanger, em lira maldizente,

os touros que vieram de presente,

ou de mimo, que assim mo pareciam;

Com virem tão pintados, não traziam

mosca nenhuma; e todos mansamente

se foram para os cães, não para a gente,

e alguns deles nem cães os comeriam:

Piores que os da Câmara passada,

foram estes no dia mais traseiro,

onde não houve mais que uma cuada;

E pois ordena o Duque, mor toureiro,

que os bravos sejam só para a Tapada,

mandem repor ao povo o seu dinheiro.

Avisos venéreos.

Soneto 34.

Oh vós homens, ó moços, ó rapazes,

mestres, oficiais, ou aprendizes,

que andais buscando flores meretrizes,

que tudo esponjas são, em boas frases;

Tomai em mim exemplo, pertinazes,

aprendei de mim tolos, infelizes      ,

que dando em bem de flores e os narizes,

recebi mal das Lizes     , nos carnazes;

Espinhado saí, da melhor rosa,

roto, do mais florido vestuário,

fedorento da esponja mais cheirosa:

E assim filhos, que andais no tal fadário,

vede que a mais fragrante, e a mais fermosa,

tudo enfim rosas são de boticário.

Recipe

A uns cavalheiros que se não lembraram do Autor na sua doença.

Soneto 35.

Meus Fidalgos, por força hei de queixar me,

e vossas insolências hão-de ouvir me;

deem-me licença, pois, de despedir me;

mas nem me darão isso, por não dar-me;

Tão prontos no seu bem para chamar me!

tão tardos no meu mal para acudir-me!

irra, querem lograr-me, e persuadir-me!

arre, e não quero eu desenganar-me!

Bem conheço que alguns honra me deram

nessa pontualidade que mostraram,

quando notícia do meu mal tiveram;

Mas eu não culpo aqui, os que faltaram,

antes de alguns me queixo que vieram,

pois muito melhor fora que mandaram.

pouco

Despedida dos bailes em outra Quarta-feira de Cinza.

Memento tolo.

Soneto 36.

Se eu talvez não tivera aos bailes ido

por meu gosto, e por partes bem internas,

eu me dera a mim mesmo tais fraternas,

que o muito que asno fui, fosse entendido;

Três moedas comprei de estalecido,

três cruzados de archotes, e linternas,

três vezes fui a pé, quebrando as pernas,

e três mil de lá vim arrependido:

Pequei, Senhores, de asno de mão cheia.

(vão dizendo comigo os que eu suspeito)

em perder tempo, bolsa, sono, e ceia;

Mas pelo dia de hoje, e seu efeito,

(como não faça bailes Joao Correa)

se eu lá tornar, em cinza seja eu feito.

[et impulverem]

A Júlio César, defendendo-se com o estilo, ou ponteiro de escrever.

Assunto Acadêmico.

Soneto 37.

Um exemplo, ou um passo bem ligeiro,

que vem frisando à nossa Academia,

se licença me dessem, contaria;

ora ouçam, que é caso verdadeiro:

Na minha escola do A, B, C, primeiro,

era eu bem criança, quando um dia,

por uma graça má que me dizia,

tirei um olho a um frade, com um ponteiro:

O caso não virá comparativo,

porém eu tanto a ele me reporto,

que creio, pode ser superlativo;

Porque enfim, Júlio César saiu morto,

eu pelo meu estilo fiquei vivo,

e o frade pela graça ficou torto.

Fazendo anos um amigo, aqui à ilharga declarado.

Soneto 38.

O dia em que vos conto mais um ano,

dignamente vos canto mais um hino;

Vendo (pois sois de cantos muito digno)

que vos não fará este muito dano;

Vestir-me quero (pois) do vosso pano,

e pintar-vos aqui, que de oiro pino;

Dando graças ao pai, do bom ensino,

onde não coube nunca o mau insano;

Mostrando em trinta e um a vossa data,

junta a setenta e oito a vossa dita,

Abraçais a tal tronco, era tão grata:

Isto suposto, e o mais que o povo grita;

Montai tantos anais, que os seus abata

essa filha de si, que a Arábia habita.

A Frei Frade [de Belém], e a outro florentino, que o atiça.

Soneto 39.

em sílabas cortadas, na sexta, e na última.

Simão, já que és poé_  não sejas to_

olha que é teu ami_ quem te aconsê_

que um Demônio nas vol_ é quem te mé_

só para que te lé_ outro Demô_

Recolhe-te à Igrê_ não saias fó_

dize lá as tuas grá_ no teu presé_;

por que na Academi_ e na tripé_

já nunca a farás lim_ por que te bó_

Segue, pobre, outro ru_ que vás perdi_;

e quem teu fogo ati_ está enganá_

que é já nas suas trá_ mui conheci_

O velhaco sem du_ é também frá_

e por ser dos meus vér_ tão bem mordi_

quer tirar a sardi_ co’a mão do ga_

Sape

A um frade de jeito, que dizia muito mal do Autor.

Soneto 40.

Se és torto, meu amigo,                  põe-te à mira

se dizes mal de mim,                    escuta agora;

se por um olho ris,                          por outro chora;

se por ambos choraras,                   eu me rira;

Se és um frade mendigo,              esmolas tira;

se só seis meses vês,                      não saias fora

se és graça de presépio,                  em Belém mora,

e se enforcar te queres,                quem te vira!

Se és de arribação frade,                 que te embarquem;

se em mentiras te vazas,                 que te emborquem;

se cantas imundices,                       que te encharquem;

Se no bodum tresandas,                 que te emporquem;

se não és conhecido,                       que te marquem;

e se és ladrão de versos,                 que te enforquem.

Aos que tugem, e mugem nos meus versos.

Soneto 41.

Não me direis, oh vós, que em mim falais,

cães, para que ladrais, se não mordeis?

bestas, por que atirais, sem que acerteis?

porcos, sem que fosseis, por que roncais?

Se é porque versos faço, talvez mais

ou melhores, talvez, que os que fazeis;

brutos, para que deles maldizeis,

se os quereis, se os pedis, se os tresladais?

Eu creio que o motivo é um de dois,

ou inveja de ver que não luzis,

ou receio de arder nos meus foróis;

Pois cães, se voz não dou, por que latis?

bestas, se vos não pico, porque o sois?

e porcos, se comeis, por que grunhis?

porque sim.

Avisos para os brasileiros chamados Mandus, que vierem a esta Corte a requerer; com exemplos em cabeça própria.

Oitavas.

Era o tempo em que pálido retrata

um Mandu, como passa a noite fria,

já quando a pobre bolsa não desata,

por fazê-lo pão nosso cada dia;

Já quando, enfim, trocado o Ouro, e prata

naquela funeral descortesia,

que a todos os Mandus faz ver estrelas;

e então para o Brasil largam as velas.

Oh tu, quem quer que és, dizia nu,

(porque sendo Mandu, serás quem quer)

se é que do Rio vens, rico Mandu,

a este mar de Lisboa a requerer,

Nada, nada; e repara neste oh tu

princípio de epitáfio, que a meu ver,

a pouco bracejar te afogarás,

quando ao mar te meteres contumaz.

Posto que em cifra aqui Pinto o que sou,

outro tal como tu, talvez, me vi,

e podes crer, na morte cor que estou,

que quando a mim me escrevo, escrevo a ti;

Mas pois tal escarmento a todos dou,

por flores, aprended Mandus de mí,

que ayer fue maravilla mi grandeza,

y hoy sólo es perpetua mi pobreza.

No Rio de Janeiro, o Rio Douro

mostrei que descobrira, em várias cavas,

distribuindo a mil oitavas de ouro,

que me custaram mais, que estas oitavas;

Mas como umas, de outras são agouro,

em tal termo me põem as que são bravas,

que vindo à Corte a casos mui diversos,

por meus pecados, vim a fazer versos.

E posto que converso, nestes tratos,

não me ouvirás sentenças, nem conceitos;

posto que no processo de meus fatos

mereçam bem sentenças os meus feitos;

Conceitos direi, sim, de mentecaptos,

por que os não faças tu de tais sujeitos;

tampouco escreverei humanidades,

que fábulas não diz quem diz verdades.

Primeiramente entrando pela barra,

desvia dos cachopos que há na terra,

seja tudo vigia, tudo amarra,

porque no casco dão a quem não ferra;

E ainda a quem mais deles se desgarra,

com fortaleza ao longe fazem guerra;

mas se funduras buscas sem perigo,

leva por sondareza o que te digo.

Logo mais para dentro põe-te a capa,

que pela proa tens muita cachopa,

das quais já sem talento a nado escapa

quem a tão ruins baixos não dá a popa;

São os mais perigosos que há no mapa,

onde, por encobertos, quem quer topa;

e se se lança a eles de braçada,

há de sair despido, quando nada.

Nem a uns, nem a outros do que trazes

parte des, nem de rico des desenho,

que se senhor de engenho lá te fazes,

hão de fazer cá canas desse engenho;

Cajás, cajus, goiabas, ananases,

sobejam a encalcar o teu empenho,

e assim evitarás outros perigos,

que procedem de ter muitos amigos.

Este te vem dizer, e disse aquele,

que te não fies deste, nem destoutro;

que farás tu então, se te diz dele

também que te não fies, aqueloutro!

De todos o melhor é que nem ele,

nem este, nem aquele, nem o outro

a tua casa vão, pois por tais modos

um bom não acharás, achando todos

Quem cá vem a gastar para comer,

nem só para comer há de gastar;

e se favor requer, o que requer,

muito melhor do que ir, será mandar;

que logo alcançará quanto quiser,

se neste segredinho souber dar;

e será, como pede, o que pedir,

que a respeitos, não há que deferir.

Para vencer os longes do despacho,

é necessário porte em sela ficho;

porém não compres fêmea, basta um macho,

de que tratar te pode qualquer mixo;

que o ter uso de besta, a pouco empaxo,

é não ser atolado de capricho;

e alcançarás (na bolsa dando um puxo)

despacho ficho, macho, mixo, e mucho.

Se por pedreiras buscas cavalheiros,

filhos segundos acharás fecundos;

que estes não necessitam de terceiros

para pedir, nem nisso são segundos;

e se o posto te dão, são os primeiros

que se mostram no logro mais jucundos;

pois sempre a prestar vem, nos militares,

se para os militares tu prestares.

Se às freiras te levarem, vem de arranco,

e se escarro te derem, dai-lhe um ronco,

não caias de tais grades no barranco,

por que é uma prisão, pior que o Tronco:

Ali entra o mulato, o preto, o branco,

por ser lenço geral de todo o monco;

e lá dentro, por fora, custa um brinco,

o que cá fora, e dentro, quatro ou cinco.

Item não vás lograr casas de pasto

com moços foliões, nem com michelas

(se é que não queres ver teu cu de rasto)

porque dizem de ti, saindo delas,

eles que tens bom gosto, elas bom gasto;

e te logram a ti logrando a elas;

pois sendo então bom pasto, tão bem posto,

vens tu a ser do gasto, elas do gosto.

Não digo que só comas, ao jantar,

que antes deves a amigos comprazer;

de alguns que comem só para passar,

não dos que passam só para comer;

que estes, por crime ser fome matar,

não te podem tragar, com te beber;

porque como interesse amor já seja,

a pobreza também, é já inveja.

De uns que vêm empenhar peças de prata,

olha bem se têm liga as suas peças;

que há destas prendas muito patarata,

que morrendo por outras, vivem dessas;

e então se pressa dás ao que resgata,

com esse mesmo é força ver-te em pressas;

pois todo o seu empenho é fabricado

a que por peça fiques empenhado.

Aqui com atenção mais pronta escuta,

se com espadachins também te enganas;

em valente não dês, com manha astuta,

por que usam de venidas desumanas;

e vês como te metes nesta fruta,

por que há valentes cá, também bananas,

que querendo-os comprar de alguma vez,

nunca virás a dar, por mais que dês.

Na venérea fome, o teu bocado,

se o buscas por terceiro, vais perdido;

pela boca da bolsa dá o recado,

que quem assim se serve é bem servido;

em bom metal de voz serás chamado,

se com voz de metal fores ouvido;

porém melhor será, e mais barato

o menos que comeres desse prato.

Se a desonrou tal Conde, para, para,

se saiu de Convento, fora, fora;

se é filha das espumas, cara, cara;

se está da mão de alguém, embora, embora;

Se tiver virgo ainda, rara, rara;

e se for colareja, agora, agora;

dá fundo nesse baixo, já que bogas,

que para o alto, nada, que te afogas.

Mas se com presunções entras ufanas,

e para Divindades mais te inclinas,

filhas de Acríssios, acharás humanas,

e Júpiter serás, se vens das minas;

estas, chovendo ouro, são mui lhanas,

mas em passando a chuva; peregrinas,

por que esgotada a bolsa, a casa nua,

há de chover em ti, como no rua.

Se quiseres montar a toda a rédea,

como lá no Brasil a todo o trote,

um dia só não percas de Comédia

ganhando a introdução de um fidalgote;

que quando tudo, enfim, pare em tragédia,

fica-te a inculcação do Camarote,

além daquela entrada peregrina,

con mi Señora Doña Catalina.

Mas tem mão, e tem pés, oh caminhante,

que é bem que o pé, e a mão aqui te impida;

porque o pé, sem ter mão, já vai errante,

como a mão, sem ter pé, já vem perdida;

Se sua mãe for morta, passa avante,

quando não, não vás lá, por tua vida;

olha que te admoesto, meu Mandu,

que encontras um cruel surucucu.

Vai, que bem sei que hás de ir, mas à entrada

que lhe não deves párias, logo veja;

por que diz que de todos é pejada,

sabendo nós que de nenhum se peja;

dize que és impotente, por que em nada

ao filho, parecido tal pai seja,

que se a entrar a feitura te aparelhas,

há de sair a ti, até as orelhas.

Essa que representa como mata,

essa que vês mulher, em sol mentida,

nas tablas, verdadeira patarata,

nos ensaios, verdade mal vestida;

essa, enfim, que de tarde é bela ingrata,

se de manhã cruel desconhecida;

é o Diabo em carne; vê tu agora

como entregas a alma a tal senhora.

Mas olha que Castela é quase França,

galo não queiras ser, como eu fui Pinto;

que entrar bem castelhano, se se alcança,

é sair mal francês, segundo eu sinto;

E assim galo te canto, em confiança

de que ao choro te negues, bem sucinto;

que quiçá este Pinto não chorara,

se dantes outro galo lhe cantara.

Que não dês a tunantes agasalho,

te dou Mandu, por último conselho;

pondo na tua bolsa um tal serralho,

que to não possa abrir, nenhum besbelho;

e por que te não vejas em trabalho,

vê-te, e revê-te bem, no meu espelho,

que de desopilado não tem aço,

gasto já, em tantíssimo regaço.

Mas ay, que toca o bronze a embarcar,

tendo pouco de leva o meu navio!

Adeus Mandu, adeus até voltar,

sirva-te de exemplar o meu desvio;

pois quando os rios todos vão ao mar,

só eu, mar de miséria, vou ao Rio;

que alfim é barra d'ouro; e quem agarra,

vai perdido, se deixa aquela barra.

Saindo a nossa armada pela barra, a primeira vez, em socorro do Papa, contra o turco.

Fim, do Poema.

Oitava.

Saiu a nossa Armada, pelos ares,

com todos os seus cabos, pelos eres;

das estocadas que há de haver nos mares,

se hão de borrar as Naus, e os escaleres;

Esta se aparelhou sem os vagares

que costumam haver noutros misteres;

e segundo o roteiro por que eu surco

papa leva, acha Papa, e papa turco.

A um amigo frade mal dizente.

Oitava.

Oh tu Simão leproso, envolto em frade,

Simon Petrus, que negas o que choras,

flevit amare, em muita quantidade,

por um olho; que o outro, egressus foras;

tu, exilis, catana, em falsidade,

que as orelhas ofendes no que ignoras;

embainha, por Deus, a parvoíce,

por que eu, já agora, quod scripsi scripsi.

A Sua Majestade, em festa de Reis, pedindo-lhos.

Décimas.

Monarca heroico, são leis

entre todos manifestas,

assim como aos Reis dar festas,

achar-nos Príncipes Reis;

Esses quero que me deis,

por mercê tão senhoril,

que apesar da inveja vil,

tenha o mundo que admirar,

de eu vir a três Reis buscar,

e levar duzentos mil.

Os que em levantado choro

com voz de metal espantam,

só por três Reis e que cantam,

e eu só por quatro reis choro;

Nesta miséria, onde moro

há dez anos por meu mal,

ouso dizer cada qual,

que ao som que mais lhe convém,

convosco real voz tem,

eu só nem voz, nem real.

Se quereis hoje imitar

aos três, que ofertas a Deus

dão, por Decreto dos Céus;

por Decreto podeis dar;

podeis com ouro incensar

quem de mirra vos isenta;

e a quem parecer-se intenta

a Deus, convosco este dia,

pois na vossa Epifania,

um pobre a Deus representa.

O menos que dais aos mais,

quero eu que por mais me deis;

que mercês feitas por Reis

de força hão de ser reais;

Esses busco orientais

nessa mão propícia e bela,

confiado de achar nela

o que mais luz do oriente,

que para o meu ocidente,

era soberana estrela:

Pois logo, na aparição

de Constelação tão bela,

em mim senti, por estrela,

influxos de um Rei Dom João:

É de Plutarco opinião

que os príncipes são planetas;

e assim, livres de dietas,

serão por vos abastados

os poetas desastrados,

se sois astro de poetas.

Se o muito pedir enfada,

já, senhor, lhe abaixo o preço,

nada peço, e tudo peço,

que o que eu peço é tudo nada;

Mas se o dar também agrada,

por que o pletro vá cabal,

a vos, of’reço este tal,

humilhado, e reverente;

dedicando-o realmente

à vossa mente Real.

Sim Senhor.

Petição a Sua Majestade vendo que lhe retardavam a mercê do hábito de Cristo.

Décima.

Diz Tomas Pinto Brandão,

há mil anos pretendente,

por hábito impertinente,

e por natureza não;

que na muita dilação,

muito desengano vê;

e pois tudo hábito é;

Pede a Vossa Majestade,

lhe mande dar um de frade,

E receberá mercê.

Logo

A dous amigos, cada qual por seu gênio, extremosos.

Décima.

Que grandes barretes são,

por seu modo cada qual;

Frei Bento do Cadaval,

e Dom Manoel de Unhão,

Aquele por comilão,

este por enfidalgar,

um a encher, outro a vazar,

ambos têm sagrado intento;

porque a papar vai Frei Bento,

Dom Manoel a Bispar.

Petição, que fez da cadeia, ao Governador, que o tinha preso.

Décima.

Diz Tomás Pinto Brandão

estrangeiro na Bahia,

a quem vossa senhoria

faz natural da prisão;

porquanto está sem ração,

como todo o mundo vê;

(se acaso crime não é

querer a fome matar);

pede lhe deem de jantar

e recebera a mercê.

Ao Bispo de Lamego, que mandando ao Duque, seu irmão, seis caixas de peras, para repartir na picaria com os amigos, recomenda muito, que Tomás Pinto as não provasse.

Décimas.

Meu Duque, eu estou admirado

da tirania, e rigor

que comigo o Irmão Pastor

usa, sendo homem sagrado!

Cachaporra o seu cajado

foi para mim desta vez,

na encomenda que vos fez;

por que tão mal me assemelha,

que ou me julga fraca ovelha,

ou me tem por triste rês.

Em capítulo que eu vi,

feito pela sua mão,

vinha uma condição,

que lida, dizia assi:

Seis caixas remeto aí

da melhor pera que há cá;

na picaria fará

repartição vosselência,

porém com uma advertência,

que a Tomás Pinto, arre lá.

De que na boca me tome,

tenho por categoria,

um Bispo, que eu juraria

que me não sabia o nome!

porém o que me consome,

é ter mais que recear

do seu categorizar;

pois no que me confirmou,

quem de lá me batizou,

de lá me pode crismar.

Cada instante estou banzando

no homem, que me aturdiu,

por que cá nunca me viu,

e de lá me esta bispando;

Às mitras lhe vou chegando,

quer o tome bem, quer mal;

mas quem julgaria tal,

de quem eu rezava, cego,

Flossanctorum de Lamego,

em báculo pastoral!

Que das seis caixas, nenhuma

me dizeis, diz; e é de crer,

que o mesmo viria a ser,

se me mandara dar uma;

a razão é bem cumũa,

falando no foro externo;

mas no que toca ao interno

cá de Francisco Leitão,

doce que lhe vai a mão,

é alma que cai no Inferno.

etc.

Diálogo em que falam dous, que não sabem; a saber, um macaco, com seu dono, querendo ir para o Rio de Janeiro; Repartido em duas Jornadas, uma para cá, outra para lá.

Jornada 1ª.

Dono       Isto já vai concluído,

é tempo, amigo Macaco,

ou de melhorar com dono,

ou de piorar com amo;

Das duas há de ser uma,

ambas por caminho estranho,

porque ou hás de ir bem vendido,

ou hás de ficar mal dado;

Bem sei que me tens servido,

alfim como meu Criado,

de que estou mui satisfeito,

mas quisera estar mais pago;

Tu tens aqui muito amigo,

bem pode ser que em tal caso

quem te conhecer te compre;

verá que peça lhe encaixo.

Macaco    Também, meu amo, é já tempo,

de justificar que é falso

o que de mim dizem todos,

que por não servir não falo;

Dê-me atenção, por que o dito

é tanto pelo contrário,

que eu por falar arrebento,

e bem por isso trabalho;

Mas suposto que mais serve

aquele que é mais calado,

entenda que falo agora,

para buscar meu descanso:

Isto suposto, e aquilo

de não ser muito estranhado

que bugios arrazoem,

adonde replicam asnos;

Visto estar pelo cu preso,

e não pela língua atado,

desculpe-me o falar solto,

perdoe-me, se for largo:

Bem sei que sou um bugio,

que nunca falo, de farto,

que sempre de graça como,

inda que as vezes o pago;

Bem sei que sou mui travesso,

que sou o estrondo do bairro,

dos vizinhos prejuízo,

de vossa mercê o estrago;

Bem sei que as casas lhe sujo,

quando lhe alimpo os almários;

que lhe sumo o que lhe vejo,

que lhe perco o que lhe acho;

Bem sei que sou feio bicho,

no cu com tamanhos calos,

que a tê-los um Polifemo

nos pés, não daria um passo:

Mas tudo isso não pesa

a feição com que o abraço,

a presteza com que o busco,

o instinto com que o cato;

A mentira com que o mordo,

a graça com que o engano,

o modo com que o invisto,

a manha com que o encravo;

A cortesia que tenho

com o preto, e com o branco,

tirando o chapéu a muitos,

e a todos bamboleando;

A traça com que lhe sirvo

às molheres de reclamo,

sofrendo que a despedida

seja: valha-te o Diabo;

E confessar você mesmo,

que sou das molheres pasmo,

divertimento dos homens,

dos rapazes desenfado;

Além de outras macaquices,

que por ser modesto calo;

e ainda assim quer vender-me?

ora é Judas dos Macacos;

Que lhe podem dar por mim?

quatorze, ou quinze cruzados?

muito mais lhe custa às vezes

qualquer bugia do trato;

Se por engraçado, cuida

que me hão-de comprar, é engano;

por que ir a contento é força;

e em indo, fui desgraçado;

Nem eu tenho graça própria,

pois com a sua é que passo;

e perder a graça, é certo,

vendo-me em pior estado:

Se me quer deixar a amigos,

os que você tem, meu amo,

mais val’ afincar-lhe o mono,

do que embutir-lhe o Macaco;

Mande-os bugiar a todos,

façam todos o que eu faço;

se a pança lhe não fizerem,

não se desfaça do Sancho.

Dono       Tens muita razão, bugio,

e com muita mais me espanto,

de que fazendo maus feitos,

faças bons arrazoados;

Revogada está a sentença,

visto isso, e o mais dos saltos;

solto não irá você,

mas livre, e desembargado;

Hás de ser meu companheiro,

e hás de ir comigo no rancho,

pois dás razão do teu dito,

como um bugio barbado;

E pois estou tanto a pique,

quanto tu de verga de alto,

vamos; que eu já com bugios

meti mais vezes pé em barco.

Macaco    Nem eu menos esperava

do seu proceder bizarro;

tantas honras a um seu servo!

pesa-me não ser veado;

Mas bom será despedir-nos

daqueles seus amigaços,

daqueles meus manteeiros,

e destes nossos fidalgos.

Dono       Isso puxava por verso,

e eu por hora não me acho

(pois me custa caro tudo)

com cabedal para tanto.

Macaco    Isso declaro é o menos,

ainda que peça emprestado,

sirva a seus caros amigos,

que foram amigos caros.

Dono       E que Musa escolheremos,

para invocar neste caso?

Macaco    Nesta casa embocam muitas,

escolha do tal Parnaso

alguma que tenha fonte

que também terá cavalo,

verbi gratiæ, como alguns

em que você tem montado.

Dono       Ora, andar, seja a gatinha.

Macaco    Com ela estávamos ambos.

Dono       Ela já me fez mercê,

em outros esgateados;

e erro fora tomar outra,

que não tivesse tomado.

Macaco    A gatinha tem-lhe conta,

segundo tenho alcançado

dos poetas que costumam

dar nos conceitos gatázios.

Dono       Sape, nunca usamos disso;

que não somos tão bichanos,

que tiremos a sardinha

aqui com a mão do gato:

Ora minha bela Andreza,

já que em tuas voltas ando,

empresta-me dous assopros,

que eu te darei dous sopapos;

E pois te não fede a boca,

põe-te aqui no meu cachaço,

canta como musa um pouco,

brinca como gata um rato,

A matéria é despedida,

o pletro é o esperado,

a musa é a mais jocosa,

e o autor o mais velhaco.

Macaco    O adjunto é o mais sujeito,

que se viu em cepo atado,

de orelhas o mais subido,

e de rabo o mais alçado:

E quem vir o tal poema

alternado entre nós ambos,

verá que sou seu bugio,

no que o vou arremedando;

Musa, quero uma bugia,

do Cirieiro do Parnaso;

que aqui me assopre acendendo,

e não me apague assoprando.

Dono       Seja estudante o primeiro.

Macaco    Seja, e seja o deste pátio:

Dono       Adeus, meu belo Rodrigo,

adeus, meu licenciado,

meu fidalgo, ainda pequeno,

mas sempre grande fidalgo.

Macaco    Adeus, que quando cá vínheis,

sempre vínheis codeando;

Adonde eu tinha a fatia

mais certa, do que em meu amo.

Dono       Adeus da porta adentro,

adeus tudo alto, e malo.

Macaco      Tenha mão que a mim me toca

o que toca a escada abaixo:

adeus meus homens de pé,

que também sois de cavalo;

Adeus Urbano, e Silvestre,

por não dizer cão, e gato.

Dono       Muito a esta casa devo.

Macaco      Eu tão bem devo outro tanto.

Dono       Bem com lágrimas me explico.

Macaco      Eu bem me tenho explicado.

Dono       Na cara levo ferretes.

Macaco    E eu correntes no rabo:

Não fala com São Cristóvão?

Dono       Eu do Santo não me aparto.

Macaco    Quem se despede do Cristo,

pode fazê-lo do Santo;

Quando não, aqui à esquerda,

num baluarte do Carmo,

uma boa peça temos,

a tacada até o gargalo.

Dono       Adeus meu Frei Manoel,

farte o mais arrebentado,

massa, a mais bem estendida

nas roscas desse cachaço

Para que saibam quem fomos,

haveis de ir esdruxulado,

não por melhor despedir-vos,

mas por bem diferençar-vos:

Apesar de alguns famélicos,

conservai sempre esse astâmago,

para enchimento de púlpitos,

para bojo de preâmbulos,

para entalação de estíticos,

para coragem de pálidos,

para desterro de rústicos,

e para assombro de clássicos.

Macaco    Pois meu amo fala crítico,

eu não quero ficar sátiro:

apesar de quantos pícaros

vos quiserem chamar cágado,

andai sempre todo lépido;

comei sempre o vosso láparo;

para reforço do pírtigo,

e para inveja do párracho;

Dono       Ora vamos, por meu gosto,

ver um amigo forçado.

Macaco    Será no Cais do Carvão?

Dono       É aqui no Mestre Gonçalo;

que: ainda que é de rua de Mestres,

eu nunca escrúpulo faço,

sendo, quando a obra os pede,

oficiais necessários:

Adeus meu bom Dom Alonso

espanhol aflamengado;

que grandes saudades levo

daquele vosso tabaco;

Por ora, do vosso pó

somente memento faço;

que vós não sois esquecido,

para haver de ser lembrado;

E porque não posso a todos,

vista a pressa com que embarco,

tomareis à vossa conta

os quatro amigos contados:

Pedro Gomes, no indivíduo,

Pedro Baptista, no arduo,

no fixo, Manoel Pinheiro,

no duxo, António Lobato.

Macaco    O Segundo é bom terceiro,

o terceiro é forte quarto,

o quarto é um tanto azedo,

e o primeiro atesta os quatro;

Esta gente, é a minha gente;

la andam sempre forjando

as merendas em que eu entro,

e os folguedos em que eu saio.

Dono       Item aquele curioso

enigmático fidalgo,

que um tempo foi dos banidos,

e hoje é já dos degolados;

Aquele, enfim cavalheiro,

que sustentar seu estado,

pelo caro mais podia,

que pode pelo barato.

Macaco    Esse é Francisco da Costa,

se há verdade nos baralhos.

Dono       Adeus Senhores banqueiros,

que me vou, mas obrigado

A dar cá segunda queda,

se eu cá der segundo salto.

Macaco    . Adeus olheiros do cu,

que estais, sem crime, acusando

aos que são tão inocentes,

quanto meu amo foi asno.                      Capote.

Dono       Adeus destros guriteiros,

ofícios bem necessários

à república; pois tudo

fazem que seja barato.

Macaco    Não pagam direitos novos

desse ofício, nem despacho,

nem décima, nem meneio,

nem um real a São Lázaro.

Dono       Lá dão seu par de confeitos

aos tafuis de ano, em ano.

Macaco    Se é com cartas de garrote,

são os próprios de enforcado.

Dono.

Para que é já falar nisso?

ao que mais importa vamos,

que é despedir-nos do mundo

Macaco    E da carne, e do diabo.

Dono       Adeus meretrizes Vênus,

Amantíssimas de Bacos,

úmidas como Netunos,

e quentes como Vulcanos.

Macaco    Adeus acesas bugias,

que vendo a meu dono exausto,

partiste a buscar fogo

no pavio de outro asno;

Andai bugias de cheiro,

que enganastes a meu amo,

dando-lhe a boca ao princípio,

Dando-lhe o rabo ao cabo.

Dono       Macaco, não sejas porco,

Bugio, não sejas asno;

ou tira o rabo da boca,

ou mete a língua no rabo;

no que tocar as mulheres,

falar bem, ou estar calado.

Macaco    Já aqui não está quem falou;

muito composto é meu amo;

mas com o devido respeito,

um serafim humanado

que o coração lhe roubou,

não será bom decantá-lo?

Dono       Outro anjo dizer puderas,

que ainda que eu queira louvá-lo,

podendo de vanglorioso,

não quero de recatado.

Macaco    A inculcação está boa,

no cabo por seus pecados,

senão é a Dama sem cu,

será a do cu queimado:

Ou será talvez de Aveiro

um pássaro de bom canto,

que bem tempo viveu solto,

mas morreu engaiolado;

Um que lhe deu um capote,

de que ficou tão picado,

que só por duas mãozinhas

que ganhou, com dez de branco,

Se foi tanto atrás do jogo,

que veio a dar num barranco;

por sinal que alguém cuidou

ter eu no tal jogo entrado,

Com quatorze de bugios,

que eu só valia por quatro;

mas descartou-se de mim,

dando-lhe isso de barato.

Dono       Bem tens os centos corridos

não tens que estar cochichando,

porque outro pássaro era,

que foi de mim só caçado;

mas já desse me arrependo.

Macaco    Bem, pois está  confessado,

subamos aqui a glória,

que é o que se segue aos Anjos.

Dono       Nada por esse caminho,

me não chama Deus, Macaco;

levar me podes por outro.

Macaco    Por qualquer vai mal guiado:

será acaso uma de duas

mulheres, como dous barcos,

que para comprar tais fêmeas,

lhe importou vender tal macho?

As de quem por natureza

se chulava a cada canto,

Izabel, e mais Francisca

ambas vão jogar ao aro?

Dono       Nisso do aro concedo,

que algum tempo andei colado;

mas do macho nego a causa,

que se cheguei a largá-lo,

foi por melhorar de besta.

Macaco    Sim, quando andou a cavalo,

alguns seis, ou sete meses

sobre uns rocins castelhanos;

E não foi essa a primeira,

que a segunda foi do Pátio

mi Señora Catalina,

que também fez papel de Anjo.

Dono       Era pícara nos ossos.

Macaco    Pelo seco e pelo saco,

pelo pico e pelo peco,

pelo porco e pelo parco.

Dono       Algum cuidado me custa.

Macaco    E custou-lhe alguns cruzados;

resta-me que seja essa.

Dono       E donde esta aí o recato?

Macaco    Como fez papel de boa,

ter-se-lhe-á representado

uma verdade mentida,

na aparência dos seus cascos:

e era Dama de tramoia.

Dono       Estoutra sobe mais alto.

Macaco    Pois não é nenhuma destas?

Dono       Não tens que te estar cansando,

porque eu não hei de dizê-lo.

Macaco    Pois eu hei de adivinhá-lo.

Dono       Ora vai bugiar tolo.

Macaco    Irei se fôramos ambos:

mas tornando à vaca fria,

ao Boi fermoso tornando,

será porventura a filha

daquele milhafre hircano,

que tem tantos estorninhos,

e taralhões depenado?

Dono       Quer você senhor Bugio

não ser desavergonhado,

e tratar com mais respeito

a filha de um homem branco?

Macaco    Sim mas é tão pequinino,

que parece mal criado.

Dono       Ao sexo feminino,

devemos todos honrá-lo.

Macaco. Esse feminino sexo

é como o meu calejado.

Dono       Ora basta já, e caminha,

que hemos de ir a Santo Amaro

a ver um compadre amigo.

Macaco    Já é morto o afilhado,

por quem tão compadres eram.

Dono       Verei ao filho morgado,

a quem devo muitas honras.

Macaco    Eu não vou lá, irra Vasco!

Dono       Pois adonde havemos de ir?

Macaco    Tornemos ao atrasado:

esse anjo em flor mentido,

Sol, em mulher rebuçado,

esse prodígio encoberto,

essa serpe, ou esse adrago,

não me dirá já quem é,

por livrar me de cuidado?

porque eu, em minha consciência,

nunca encontrei nos seus ganchos

mulher que tivesse jeito,

salvo a torta lá do bairro.

Dono       Isso é ridicularia,

de que eu já nunca fiz caso.

Macaco    será Maricas de Melo,

que é mulher também de encanto?

Dono       Dizem que foi boa moça

haverá duzentos anos;

e por deidade a busquei,

mas desprezou o holocausto,

ou por eu ir muito inteiro,

ou por me sentir quebrado;

porém é mulher de conta.

Macaco    E pirata de contado;

pois é o Anjo algum destes?

que estes também são azados;

Dono       Isso é já impertinência,

Ora digo que é o Diabo.

Macaco    Eu estava para dizê-lo,

tem bom gosto, que é bom anjo:

Cada vez que considero

qualquer destes ladronaços,

por não entrarem pedindo,

a forma em que iam tomando,

dá-me vontade de rir;

Entravam todas folgando;

umas a trinco-lhe brinco,

outras a furta-lhe fato;

atira capaz, deveras,

de farsa atira sapatos,

de amor atira camisas,

de remendo atira trapos.

Dono       Quem usa disso, é somente

da serra morena o bando;

que dos ladrõezinhos de alma,

é riqueza o ser roubado,

é amor ficar despido,

é fineza andar descalço.

Macaco.

É asneira, o ser presumido,

parvoíce o ser logrado,

ventosidade, o ser fofo,

e enfim, trampa, o ser papalvo:

Só freirático não foi?

Dono       Lá fui três vezes levado,

e vim trinta arrependido;

porque uma de três Diabos,

depois de tentar-me a vida,

a alma me ia levando;

O débil daquele alento,

daquele grosso o delgado,

o mimo daquele momo.

daquele honesto, o bizarro,

O alto daquele corpo,

a alma daquele baixo,

a gala daquele cu,

e o ar daquele rabo.

Macaco    Tenha mão vossa mercê,

que esse ar, se não me engano,

aqui para nós é peido;

e assi não lhe gabo o olfato:

ar, de rabo! Deus nos livre;

e mais em freira abafado;

isso não me cheira bem.

Dono       Ora não sejas velhaco:

Digo que estes requisitos,

e outros mais que não relato,

quase me tiveram doudo;

que me andou por certos flatos,

na grade o miolo à roda,

na roda o juízo ao ralo,

no ralo a memória ao dedo,

no dedo a vontade ao palmo.

Macaco    E no palmo o beijo ao cu,

que é remate do espinhaço:

essa freira não tem nome?

ou temos nela outro anjo?

Dono       Dous tem que ambos juntos formam

um amoroso recado.

Macaco    Já sei, Antônia Teadora?

Dono       Cale a boca, não seja asno.

Macaco    Senhor, na venérea fome,

tenho por melhor bocado

(segundo o que ouço, e que vejo)

aquele que cheira, e apalpo.

Dono       Tens razão; porque cá fora,

terão por algum desmancho,

as candeias às avessas,

mas nunca o caldo entornado.

Macaco    Não fala às alcoviteiras,

que foram neste oceano

daquelas fragatas remos,

lemes daqueles patachos,

pilotos daquelas proas,

sebos daqueles costados;

seguros daqueles fretes,

cobertas daqueles fardos!

Dono       Que bem falas maldizendo!

que bem dizes, mal falando!

o falar bem nelas, louvo;

dizer mal delas não gabo:

Sem molestar, dizer podes,

que são somente inclinando,

o influxo de tais estrelas,

de tais sinos o badalo;

a cauda de tais cometas,

e a aparição de tais astros;

mas que as forcem não se prova.

Macaco    Item sendo necessário,

da luxúria corretoras,

requerentas do pecado,

escrivãs de ambas as fés,

de ambas as partes letrados;

Doutoras dos pareceres,

do feito Juízes Louvados:

arbitradoras das custas;

e nós sempre pelos autos.

Dono       Isso é um processo infinito.

Macaco    E mil vezes é ordinário:

Deixe-me tornar a elas,

só porque as deixe, tornando;

Chaves que servem nas portas

do recato mais fechado;

que inda que seja de um poço,

as hão de ir tirar com gancho:

Pontes de enfeitadas bestas,

passadiço de outros asnos,

arrochos daquelas burras,

que se apertam para machos;

Cabeçadas de fogosos,

ou cabrestos de barbados;

e enfim tirantes de mulas,

em estufas de cavalos.

Dono       Com isso, por isso, e disso,

levo bastante cuidado.

Macaco    Pois por isso, torne às minas,

venha disso carregado,

que eu fico que ache, com isso,

isso tudo, e disso tanto.

Dono       Tomara me eu já lá ver.

Macaco    Vamo-nos embarcar?

Dono       Vamos

Jornada 2ª

Macaco    O vento está de Lisboa.

Dono       Milagre é, não ser escasso!

vê se achas um fragateiro.

Macaco    Veja lá se acha um cruzado

pelos fundilhos da bolsa,

e despeça-se do gasto.

Dono       Adeus meus fidalgos moços,

benignos, sem embaraço,

sem afetação, corteses,

e sem cerimônia, lhanos.

Macaco    Adeus alguns que não todos,

nos filhos segundos falo;

que terceiros, quartos, quintos,

já não cheiram a fidalgos;

e assim é; que entre os segundos

nunca vi, nem achei quartos;

moedas algumas vezes,

mas em dinheiro mulato:

O que há de achar nos primeiros,

com despejo, e com agrado,

com xáxara sacudida,

com riso cabeceado,

é: que fazemos amigo?

pois? em que nos ocupamos?

requeremos alguma cousa?

veja o que quer que façamos;

Faça um memorialzinho,

e leve-mo logo, ou mande-o,

que vou agora depressa;

anda lá: adeus; vejamo-nos.

Fica você muito tolo,

e ele se vai rodando:

amanhece o outro dia,

vai de memória buscá-lo,

acham com entendimento

de vontade agasalhado:

dizem-lhe: está recolhido;

espere você um bocado;

Espera as suas seis horas,

pergunta: está levantado?

foi agora para a mesa,

(lhe responde um lambe-pratos)

vendo você que é impossível

esperar outro bocado,

volta-se; e diz lá consigo,

grande cousa são fidalgos!

Dono       Eu com eles não me perco.

Macaco    Pois eu sem eles me acho.

Dono       Acharás tu um arrocho:

ora anda embarca-te vamos.

Macaco      Vamos: bota para fora.

Dono       Adeus terreiro do Paço,

adeus passo do meu Rei,

adeus meu Rei soberano;

é cá minha profecia

(ainda que vou sem despacho)

que heis de ser senhor do mundo,

apesar dos Castelhanos.

Macaco    Por que me não deixa ali?

ficava em melhor estado.

Dono       És pequeno para ser

sevandija de Palácio:

Macaco    Também você é comprido,

para ser acrescentado.

Dono       Assim com estes discursos

nos imos pela água abaixo,

e na barra, quando menos:

Cada vez que em barras falo

Lembram-me as minhas do Rio,

em que andei piloto errado.

Macaco      E a mi lembra-me os de corso,

que entravam nelas a salvo:

despeça-se dos cachopos,

enquanto ao bugio falo.

Dono       Ah cães, ah filhos da puta,

que ainda aqui me dais balanço!

Macaco    Já desses baixos vai livre,

e de outras coroas safo;

Adeus Bugio da Torre,

sempre assentado em um banco

sempre posto na carreira,

e sempre em corrente atado.

Dono       E como cresce a mareta!

eu já vou quase enjoado.

Macaco    Pois vomite alguma cousa,

chegue a bom bordo esse estâmago,

aloje esse humor colérico

nesse bacio flemático.

Dono       Tomara voar a terra.

Macaco    Voar a terra? isso é chasco;

que pode querer do fresco,

que não ache no salgado?

Cá verá também cações

de bons altos, e maus baixos;

e com sangue na guelra,

que lá fedem de ordinário:

Se lá tinha a pegadores,

cá os terá mais baratos,

e com tanta diferença,

quanto vai de gosto a gasto:

Se quer Arcos de Rocio,

cá terá Rocio, e arcos,

não são de moças vendendo,

mas de velhas fuzilando:

Se memórias tem da guerra,

de alguns amigos soldados,

da forte cavalaria,

e dos valerosos cabos;

Exércitos numerosos

verá no cerúleo campo,

em várias linhas trazidos,

por fortes cabos alados;

De quem é generalíssimo

Dom Netuno Redovalho;

a cujo escamado império,

os Delfins são tributários;

Sem que seja para isso

muito tempo necessário;

que cá nunca estão quietos,

estando também parados:

Cá verá também judeus,

com quem fazem tão bons autos,

que por que pecam de leves,

são pelo beiço apanhados:

Mas primeiro vão ao fogo

do que saiam relaxados;

e fêmeas também, cachorras,

a quem dão os mesmos tratos:

Sem que  saia do Navio,

as ruas verá, e os bairros;

verá da proa, o Castelo,

da popa avistará Santos;

a boa vista cá em cima,

Cata que farás lá embaixo;

verá das gáveas a rua,

a rua verá dos Mastros;

da enxárcia, a Cordoaria,

e dos moitões, o chiado;

nos fretes, a das partilhas,

e no paiol, a do Saco;

no fundo, a Misericórdia,

e no tope, o Corpo Santo:

Ora se quiser ver touros

daqui donde está sentado,

não será ao pé de El-Rei,

porém sim ao pé do mastro;

Do terreiro a fermosura,

das janelas o aparato,

com todos seus abanicos,

ouça, e vê-los há pintados:

Veja ali o São Vicente

cabo famoso montado

a quem tem aguado o corro,

de Netuno o grande carro;

Veja de lá também muitos,

veja à capinha outros tantos;

veja aqueles pacabotes

com todo o trapinho largo;

Verá o São Lourenço logo

para correr ser chamado,

não sacando pelo lenço,

mas puxando pelo pano;

Vê-lo-á fazer maravilhas,

Liberal, em nada escasso;

não com os touros correndo,

mas com carneiros ventando:

Veja neste largo corro

um mar deles passeando,

espadartes, roncadores,

mexilhões, e baleatos:

Veja aqui odres de vinho,

panelas ali de caldo,

por quem beberá os ventos,

e por quem dará nos gatos:

Veja aquelas alvas costas,

aquele crespo ondeado;

quatro, ou seis desnudos ombros;

oito, ou dez fermosos braços:

Olhe que guarda pé de ondas,

com barras de azul e branco,

murmuradas muitas vezes

no pé de vento picado!

Veja acolá Dona Cila,

a que falou com Dom Glauco,

Um non plus ultra por fora,

mas mui velhaca por baixo:

Levante os olhos acima,

a mão pondo por reparo,

por que não cegue das luzes,

ou não se abrase dos raios,

verá o Sol, vendo o touro,

de Astros luzidos cercados,

não em passo de tribuna,

mas em carroça de passo;

O mesmo que o de Lisboa,

que se alva tem a seu lado,

a quem tocam tantos sinos,

cá tem alva, a sinos tantos;

Somente uma diferença

entre os dous planetas acho,

que parece maioria,

ser um quinto, e outro quarto:

Os Tribunais me esqueciam,

mas aqui vão arrumados;

a Junta daqui e dali,

a Câmara em cima, e embaixo

As Mercês a cada vento,

os Contos a cada rancho;

no porão o da fazenda,

o da moeda no saco;

a Justiça em qualquer pobre,

no tombadilho o do passo:

e no fim o ultramarino,

que é para nós o de Estado.

Dono       Falta-te, o da Consciência.

Macaco    Não posso cá acomodá-lo,

nem o de Guerra tampouco,

que este é fofo, o outro é largo.

Dono       Assaz me tens divertido.

Macaco    Pois acha-se aliviado?

Dono       Menos enjoado vou,

nisso que vais vomitando.

Macaco    Eu vomitei por você

faça por mim outro tanto;

você tem muito no bucho,

lance por cima e por baixo,

bote as tripas de uma vez,

e diga que eu que o engano.

Dono       É muito bom não ter pévide[1]

mas melhor é ser calado.

Macaco    De Letrado é o conselho;

meta-mo aqui no sovaco:            (à parte)

quer ver mais cousas da terra

enquanto não chega ao cabo?

Dono       Tomara ver uma rosa.

Macaco    E eu que me fora roçando

pela chácara do sogro,

que já lhe terá tocado,

por ter na mão o tempero:

Mas alvíssaras, meu amo,

que lá vejo o Pão-de-açúcar,

por baixo do Corcovado.

Dono       Mui diminuto está ele,

se o Corcovado é mais alto!

Macaco    Será do tempo comido,

que não foi em doce gasto.

Dono       Com que já estamos no Rio?

Macaco    Não que ainda no mar estamos.

Dono       Lá vêm duas canoas.

Macaco    Lá vem seu sogro acenando;

levante a ponteira acima,

para que cuide que é cargo;

e diga-lhe alguma cousa,

enquanto estamos de largo,

que esse passo esperam todos.

Dono       Isso há de ser mais de passo,

quando saltarmos no Rio.

Macaco,   Eu somente em terra salto:

escute-me aqui um segredo,

chegue a orelha aqui abaixo:

por vida sua, lá em terra,

não diga a ninguém que eu falo,

que pelas minhas sentenças,

exposto fico a mandados;

e por um recado bom,

me porão a bom recado.

Dono       Farei quanto tu quiseres.

Macaco,   Ora Deus o faça Santo.

Vão-se

Petição a El-Rei, pedindo o Ofício de escrivão dos Defuntos, e ausentes do Rio das Mortes.

Diz Tomás Pinto Brandão,

morto de fomes presentes,

que dos defuntos, e ausentes

pretende ser escrivão;

e porquanto minas são

as de que intenta dar fé,

Pede lhe concedam, que

largando a pena dos cortes,

tome a do Rio das Mortes,

E receba mercê.

Despacho.

Visto a pena de que cede,

como referido há,

e constar-me o quanto já

este defunto aqui fede;

Despache-se, como pede,

para a vida em que renasce;

e um decreto se lhe passe,

que troque o de outros assuntos,

neste ofício de defuntos,

e requiescat in pace.

Amém

Memorial para o tal ofício de Defuntos, e ausentes.

Décima.

Cá de longe e bem de trás

do Tribunal das mercês,

por uma que se lhe fez

que inteira se lhe não faz;

lamenta o pobre Tomás,

com triste e profundo acento;

e ao Real esquecimento,

que se acha com mais adjuntos

neste ofício dos defuntos,

oferece este memento

quiaventus

Petição de desesperado.

Décimas.

Diz Tomás Pinto Brandão

nesta última audiência,

que entende em sua consciência,

que por pedir-lhe não dão;

e vendo a contradição,

fatal, de quem quer que é;

Pede que se lhe não dê

(se ao revés lhe há de sair)

nada de quanto pedir,

E receberá mercê.

Despacho.

Visto estar justificada,

do suplicante a pobreza,

além da grande fineza

de se contentar com nada,

Logo lhe seja passada

de nada uma provisão;

porém com tal condição,

que se a renúncia quiser,

tudo virá a ser

Tomás Pinto Brandão.

Depois de lhe darem ofício, pede a renúncia, sine qua non.

Décima.

Diz Tomás Pinto, já galo,

por cristas do novo ofício;

que em forma de benefício,

intenta renunciá-lo;

e porque quer encartá-lo

em outro, qualquer que é,

Pede a quem lho deu, lhe dê

(já que o viver lhe concede)

um despacho, como pede,

e receberá mercê.

Torna a pedir a renúncia, em dia de Luminárias.

Décima.

Diz Tomás Pinto, escrivão,

sem bom nem mau exercício,

que hoje renuncia o ofício,

se propina lhe não dão;

e pois que aceso o Brandão

por luminária se vê;

Pede lhe permitam, que

possa pôr noutro mancebo,

ofício, luz, mecha, e sebo,

e recebera mercê.

Vendo que lhe não davam nada pelo ofício dos defuntos, e ausentes, intenta trocá-lo por outro.

Décima.

Diz Tomás Pinto Brandão,

morador nesta cidade;

a quem vossa Majestade

fez dos mortos escrivão;

que, por não haver cristão;

que aqui morra por tal fé;

Pede, lhe permitam que

troque em outro de alegria

este ofício de agonia,

E receberá mercê.

Deu EL-REI ao Autor dez moedas, por um soneto que lhe fez, em dia de Real nascimento, e prometeu outras dez para o Batizado que são as que agora pede.

Décima.

Diz Tomás Pinto Brandão,

já das dez mui afastado,

que para as do Batizado

espera a confirmação;

E porque nesta função

é que consiste a sua Fé;

Pede, lhe decretem, que

não morra a fome violento,

sem este tal sacramento,

E recebera mercê.

Recibo de dez moedas, Decreto; que foi necessário dar uma a quem lhas cobrasse: das primeiras se entende.

Décima.

Recebi dez amarelas,

sem poder arrecadá-las;

que é força para cobrá-las,

batê-las e rebatê-las;

Não me posso inteirar delas,

sem ser por outras mercês;

e como com outros pés

anda o impulso que as move,

só logro a dita das nove,

que de outra sorte, das dez.

Mandando-lhe o Conde de Unhão uma leitoa, em tempo que costumava fazê-lo com um porco.

Décima.

Mulato, a Xabregas vai,

e ao Conde, de parte minha,

dirás que a Leitoa vinha

grunhindo por sua mãe;

Mas que de Leitões um pai

suprir pode a mama desta;

porém basta que este ou esta

venha dia de Natal;

e se nisto digo mal,

também direi mal da festa.

Mote

Não há homem como o Duque.

Glosa

Homem, que vens muito inteiro

servir à Corte, ou viver,

tem mão; que te importa ter

homem, para ter dinheiro:

Sim acharás Cavalheiro

velho, que em velho caduque;

Rapaz, que em rapaz trabuque;

Moço, que em moço te tome;

mas se buscas homem em homem,

Não há homem como o Duque.

e assi é.

Tinha prometido ao Autor Pedralves, que o Patriarca lhe havia de dar um ofício na sua jurisdição, porém nada.

Décimas.

Eu, meu Pedralves, cuidei,

que de boa divisão,

me coubesse algum quinhão,

por mercê da Sé d’El-Rei;

já vejo que me enganei,

na véspera, e na completa;

pois por mais que me prometa

Dom Tomás, que tudo abarca,

como ele é bom Patriarca,

eu hei de ser mau Profeta:

Já sei que outro, o ofício logra

da vara que eu procurava;

que a mim só me acomodava,

para prender minha sogra;

e pois que até se malogra

a esperança de Escrivães,

e a fé de Tabeliães;

ao menos, por que não cheguem

estes cães que me perseguem,

procurai-me Enxota-Cães.

A um Cavalheiro que lhe mandou uma espingarda.

Décimas.

À espingarda me atirais,

Dom António, e bem sabeis

que por erro o não fazeis,

quando em um Pinto acertais;

Destro e liberal mostrais

mais do que de vos infiro;

mas se do acerto me admiro,

do indigno aqui me não salvo;

pois em tão pequeno alvo

empregais tão grande tiro.

Com esta nobre espingarda,

meu Capitão, todo o dia

vos farei tal companhia,

que pareça vossa guarda;

o indigno que me acobarda,

tocando esta arma, me exorta

a que sempre à vossa porta

me vejam posto com ela,

uma viva sentinela,

que até ‘qui foi praça morta.

A Fernando José da Gama, dando um relógio ao Autor.

Décima.

Fernando, as minhas melhoras,

por mercês e senhorias,

são de alguns, em vários dias,

de vos é todas as horas;

o relógio sem demoras.

me diz, depois de cá estar,

que a favor de tão singular

de repetição quer ser;

mostrando, no agradecer,

que horas são de o confessar.

Logração que fez ao Autor uma má mulher disfarçada em viúva honrada, saindo da Comédia, já quase de noite.

Romance.

Amigos, que andais à chuva,

por esta rua, e aquela,

que são sujas, uma e outra,

que são más, aquela e esta;

Vede como saís fora,

que suposto que ao Sol seja,

sempre haveis de vir molhados,

quer, em sege, ou em liteira:

Por que de exemplar vos sirva,

e outra tal vos não suceda,

ouvi-me uma história rara,

com seus longes de novela:

Por divertir-me, uma tarde,

dei comigo na Comédia;

não ponho aqui, hora, e dia,

que o dia ontem foi, e era:

Tinha a meu lado um amigo,

que eu a meu lado quisera

em todas as ocasiões

que não fossem como esta;

Cujo nome aqui não digo,

não porque nome não tenha,

mas porque muitos não cuidem

que era Francisco Pereira,

Que é de Vênus na milícia

vigilante sentinela;

e posto que entregue a praça,

nunca os companheiros deixa;

Estávamos na vanguarda

assentados em fileira,

vendo como os Castelhanos

co’os Portugueses pelejam:

Uns gritam, só; saia o Ruivo,

outros, a Dama primeira;

uns, o torto; outros Alonzo;

e alguns, Comédia, Comédia:

Sai um a campo, e pergunta:

quien quieren ustes que sea?

todos então se declaram,

mas o Diabo os entenda;

Os fidalgos mui sisudos,

enfronhados em prudência,

admirados com as turbas,

nada louvam, nem condenam;

Sujeita-se a companhia

a viver sempre em tal guerra;

conhecendo enfim, que é vulgo,

tot capite, tot sentencia:

Ora pelos camarotes

me pus a ver com bem fleuma

toda aquela variedade

de caras, e de cabeças;

Uns às claras namorando,

outros às tortas, e às cegas;

que mais que da sua vista,

se pagam da sua ideia;

Porque por entre uma adufa

qualquer farrapo de seda

inculca uma divindade,

suposto que um ladrão seja;

Outros vêm, que indo a assentar-se,

vão com as mãos às traseiras,

ou a defender as rugas,

ou a sustentar as pregas;

Outros entram, e as mãos firmam,

deitam de fora a cabeça,

e como de parafuso

dão volta acima com ela;

Chega um mui reverendo,

como que a púlpito chega,

repassando o auditório

duas vezes; e o cu, prega;

Outro vem, que por vir tarde,

já não cabe na dianteira,

mas tanto apertam com ele,

que ele com tantos aperta,

Monta a cavalo no banco,

deita o pé fora a inglesa,

mostra do sapato os pontos,

encobrindo alguns da meia;

Até que um, vendo que este outro

muito as nádegas lhe aquenta,

salta fora, pondo a culpa

a uma certa diligência;

Outro mal entra, sai logo,

e mal sai, em outro entra,

e torna; e ainda assentado

mostra que nunca se assenta.

Outro vem de lá gritando,

eu[2] sou Manoel da Fonseca,

abra-nos lá aquela porta:

sim Senhor, aqui está aberta.

Mui cedo hoje começaram!

pois não vê vossa excelência

que hão de ir esta noite ao Paço?

sim, tem razão, já me lembra:

Outros lá por cima, tapam

o seu céu, com a joeira

de dous lenços, que descobrem

moncos de toda a maneira:

Enfim são cousas do mundo,

sendo do mundo a excelência;

pois na sua variedade

consiste a sua firmeza:

Senão quando lá em cima

numa adufa meia aberta,

demos c’uma viuvinha

toda guapa, e toda crespa;

Toda de olhos buliçosa,

toda de mãos inquieta;

ora abrindo, ora fechando,

os olhos mais que a janela;

Assentamos que era boa;

que sempre nisso se assenta,

segundo, como já disse,

o longe faz que pareça;

Estava, pelo que vimos,

dando, e tomando matéria,

como que lhe não pesara

se alguém quisesse espremê-la;

A duas criadas moças,

que inculcavam mais que velhas,

apontando ao vestuário

dizia: Antônia, olha aquela,

Vem vestida em trajos de homem,

mui confiada, e mui feia!

olha Maria, olha a outra;

aquela chamam-lhe a Pepa;

O Bobo tem muita graça!

ai senhora quem nos dera

(diziam as velhas moças)

estar sempre a ver Comédias:

Nós nela todos babosos;

mas com toda a sisudeza,

em tom de contratadores,

que assim mais se negoceia;

Que elas como os veem calados,

por razão das suas quebras,

sempre têm a porta franca,

a quem tem a loge aberta;

Eu com todo o coração

lhe estava fazendo entrega

de alguns miúdos que tinha,

porque de forçura era:

Quando lá bem para o cabo

já da jornada terceira,

ela aos acenos conosco,

nós a pés juntos com ela;

Fomos esperá-la fora,

nós à porta, ela que chega;

mas como a luz já faltava,

supriu a da nossa estrela;

Tomou nos dentes o manto,

e as mãos abaixando as pernas,

saiu, toda tique tique,

nós, trape zape atras dela;

Por entre os fatos luzia

tela amarela e vermelha,

de um guarda-pé, que inculcava

uma enágua guarda-perna,

Que um meio pé descobria,

que cobria um pé de meia,

que era só uma alpercata,

que parece que não era;

Assi aos trambolhões fomos;

aqui cai, ali escorrega,

qual pela mão a tomara,

qual pelo pé a tivera.

De lodo o conceito andava,

e arrastados, por sentenças,

equívocos sem caída,

e metáforas com queda;

Que o pé por um mar de lamas,

quando nada, mais navega

que a vela, a ambos nos punha,

quando se fazia à vela;

Que em capelo só levara

a quem mais caça lhe dera;

e que daquelas colunas

o estreito que se suspeita,

Um non plus ultra seria,

donde não passa quem chega,

e adonde eu só dera fundo,

ainda que me perdera:

Ela tudo era medir-nos;

nós tudo era ver se era;

ela que em nós não caía;

nós mortos por cair nela;

Ela como que não via,

e nós nisso, sempre alerta,

fomos co’o rabo do olho,

no olho do rabo dela;

E já quando a todo custo

(segundo as nossas promessas)

cuidamos que a mão vendia,

o pé apressava ela;

Até que de perseguida,

ou de cansada, ou de destra,

do meu ombro fez encosto:

oh amor, quem tal dissera!

O primeiro pensamento

que me veio à cabeleira,

foi de nunca sair fora,

sem levar muita moeda;

Só dous cruzados levava,

que dous mil pouco então era;

e inda isso recearia

que o tomasse por ofensa:

Da tal viúva, ou senhora

escudeiro fui deveras,

e o amigo apara bufas,

que atrás vinha ao bafo dela:

Deixe-se ir, que vai segura,

lhe disse: e ela, mui tesa;

me respondeu: meus fidalgos,

aqui é força a fraqueza;

Vossas mercês são mui brancos,

segundo as suas presenças,

em cujo seguro ponho

tão importante cautela.

Saibam que corro perigo,

e não posso dar licença

a que passem adiante,

que será custosa empresa,

Mas atenta aos seus primores,

que é o que aqui mais atenta,

ali em casa de uma amiga

farei alguma detença,

Onde podemos ter fala,

de sorte que não se entenda

que é de prepósito o caso,

quando prepósito tenha:

Oh vitor, minha senhora;

com as vidas, e as fazendas

queremos acompanhá-la,

tanto como defendê-la:

Despachou uma criada

não mais que a vila galega;

apressou o passo à dita,

quanto a sorte andou depressa;

Não sei o que lá lhe disse

à parte em vozes secretas;

(que fora el secreto a voces

se com tais tolos não dera).

Um pouco esteve parada,

por dar tempo a tal destreza,

até que nos disse, vamos,

fomos nós, e aqui foi ela;

Pois logo toda ansiada,

começou: que casa é esta?

Jesus,  nunca me vi nisto;

o coração se me aperta;

Eu de casas tão sobrada

achar-me hoje em casa térrea!

que cuidem estes senhores

que sou alguma michela!

Rompi eu então rasgando;

Senhora, que se molesta?

onde quer que o Sol assiste

aí é do Sol a esfera;

Saiu dacolá o outro

minha menina, conheça

que o Sol é maior que o mundo,

e que entra por qualquer fresta:

Custou-nos bem sossegá-la

dando, por satisfazê-la,

um, o antigo costume,

outro, a corrente moeda;

E porque andavam as moças,

pega ali, aqui alumea[3];

caí co’os meus dous cruzados,

que ainda caio nestas:

Enfim, com haja segredo,

(que oxalá que tal houvera)

nós viemos mui sentidos

daquela tirana ausência,

Pasmados de tal fortuna,

indignos de tal beleza,

vangloriosos de lográ-la,

receosos de perdê-la,

Pesarosos de deixá-la;

e se a falar vai deveras,

com ciúmes um do outro

na segunda diligência:

Pela Calçada do Monte

tira, tira a toda a presa

viemos dar co’os narizes

bem no cu da Gabriela;

Abriu-nos a porta, e logo

nos disse: que festa é esta?

vocês ambos, a estas horas,

isso foi força de fêmea:

Dizes bem, de fêmea é força,

e com tão forte violência,

que hoje atolados nos trouxe,

e amanhã nos trará bestas:

Conheces alguma moça

cá para vila galega,

que a todo aquele que a acha

faz com que logo se perca?

Anda em trajos de viúva,

e com seu manto de seda;

não chega de todo a Clori,

mas a sime Clori chega;

Sustenta duas criadas,

e a uma amiga secreta

que sempre lhe empresta a loge,

como honrada alcoviteira?

Ora sois muito noviços,

nos respondeu a abadessa:

essa michela, é a Rosa,

há quarenta anos aberta;

A que despiu Dom Francisco

o da Rua da Oliveira,

e a quem deu tanto cavalo,

que em estufa andou com ela;

As criadas não são suas;

essa amiga é ela mesma;

essa loge é a sua casa;

esse manto é de uma Adela;

Esse capelo é suposto,

que ninguém morre por ela:

essa é a que vos logrou,

se é que lograstes a essa;

Essa é a que usa disso,

e não é essa a primeira:

sabê-lo-ei eu, meus senhores,

que sou quem mais as confessa?

Olhamos um para o outro,

e nessa postura mesma,

com a mesma perspectiva

estivemos ora e meia;

Em êxtase arrebatados

nos teve a notícia certa;

até que um ao outro disse:

Siéntese el buen Aguilera:

Desfechamos a rir todos;

e voltando a Gabriela,

correu do cu a cortina,

e ajoelhou a cabeça;

Com tanto nos deu em rosto;

e nós por não dar em terra,

daquele tal cu tomamos

cada qual sua cadeira;

Pusemo-nos em discurso,

julgando, que da michela,

aquela tela, era lama;

era borra aquela seda

O vermelho, era ordinário,

o amarelo, era merda;

a meia não era toda,

que só por curta era meia;

O que cuidei do sapato

se picado, roto era;

o pé, a perder de vista,

podia servir de perna;

Aquele estreito, era barra

de mais cachopos que areias,

onde fomos dar à costa

com toda aquela tormenta:

Tudo foi mal empregado;

mas bem empregado seja,

já que de prendas supomos

aquelas que são de peças:

Amigos, outra vez digo,

julgai as outras por esta,

que era na comédia dama,

e foi puta da comédia.

foi.

Saindo uma noite de perder à banca, caiu pelas escadas abaixo de tal sorte, que foi nas ancas de outro para casa:

Décimas.

Tontos, aprendei de mi

o que ignorais e eu já sei;

que se entrais como eu entrei,

saireis como eu saí;

Eu fui, eu fiz paroli,

eu perdi mui bons tostões,

eu fui lá aos empuxões

de meus belos camaradas;

enfim, entrei às punhadas,

e saí aos trambolhões.

Tenha por certo o Mandu

que nestas bancas tropeça,

de não levantar cabeça,

até não cair de cu;

há de sair roto e nu

como eu, numa padiola,

(se não der antes à sola)

porque a banca é, sem cautela,

de taralhões, esparrela,

e de bestas, corriola.

Foi meu sucesso tão mau,

que vendo a saída franca,

não caí no que era banca,

caí no que era degrau;

andei tonto, e fui patão,

em perdendo uma moeda,

não tomar logo a vereda,

por não sentir tanto abalo;

mas fui tamanho cavalo,

que dei sobre coice queda.

Juiz da banca toda a perda

cá nas escadas montar,

no maior quinze levar

que caiu da parte esquerda!

O consoante é só merda,

nem tem isto outro desconto;

merda seja para o tonto

que o seu dinheiro não tranca;

cagalhão para ti banca,

e trampa para mi, Ponto.

A Monsieur Laé, grave picador, a quem cativaram os Moiros indo de Lisboa para França.

Décimas.

La é, Amigo, ou cá é

que vieste começar

a carreira de ir parar

mal estribado em Salé;

ontem montado, hoje a pé,

ontem livre, hoje cativo

te vejo e vi, sem motivo;

mais que esse que te julgava

exemplo de lo que acaba

la carrera del estribo.

Cá é que esteve o teu dano,

se lá é que vais, Francês,

de picador Português,

a cavaleiro Africano;

montar muito, foi engano

da fortuna, que infiel

te fez dar queda cruel;

pois quem em pé, corpo, e mão

te invejava em um Lazão,

te lamenta: em um argel.

Sátira pequena, a Pedro Carbon, e a seu Irmão Miguel Carbon; Franceses por sinal.

Décima.

Entre as mais admirações

que em casa do Duque achei,

dois bem criados notei,

tão brancos, como Carbões;

Os mais são homenzarrões,

todos por si singulares,

que dignamente os lugares

ocupam de Portugueses;

porém o par dos Franceses,

mereciam ser dois pares.

etc.

Entrada que fizeram suas Majestades em Santarém; festas com que a Senhora Câmara os recebeu, e retiro para Salvaterra: oferecida ao Monteiro-mor que assistia na Casa das Cortiças com três camaradas.

Silva.

Amigos, os da Casa encortiçada,

gente de Monte, alfim, mas gente honrada;

segundo o que alcancei, nas quatro caras

risonhas, racionais, ricas, e raras,

dos quatro camaradas tão benignos

feiticeiros, fatais, fortes, e finos;

(vão com ff, e rr, mas paciência,

que não pude escusá-lo, em consciência)

ouvi-me da jornada o sucedido,

por não faltar a mi, e ao prometido;

que inda que do caminho molestado,

eu farei por não ser muito cansado:

Não pude, pelo mal que em mi se encerra,

ir, salva tal lugar, a Salvaterra;

e viu-se muito bem

que por milagre fui a Santarém;

por que ir era razão

adonde por milagres todos vão;

muitos têm da tal terra os santuários,

e muitos mais lá eram necessários;

porque sempre os faz Deus como se vê,

naquele Povo, adonde há menos fé;

e essa a causa será

de haver em Santarém esses que há:

Chegou Sua Majestade que Deus guarde,

e na seguinte tarde

quis dar a sua entrada,

por que ficasse a vila autorizada;

fez todo aquele povo o que devia,

em demonstrações várias de alegria;

dando-lhe aquela salva

que dá todo o criado ao sol, e à alva;

onde a câmara obrou famosamente,

porque deu, fez, e pôs, tudo corrente:

Fizeram lá entre si vários concelhos,

para alugarem uns volantes velhos,

com que bem se calçasse, ou se vestisse

a porta, que eu cuidei que não se abrisse;

por ela foi a entrada,

que lhe faltava só o estar fechada,

por uns que a entupiam desumanos

oito Senatus Popullus Romanus;

que eu pintei, ou julguei, nas várias cores,

senão Reis de Armas, oito Imperadores,

próprios e naturais

àqueles que levantam lá. em Cascais

:

Chegou El-Rei, e um deles, resoluto,

lhe empurrou uma décima em tributo;

da qual, por mais seleto,

em memória deixei este quarteto:

Os desta fileira ou fila

que parecem vereadores,

não são senão servidores

da Câmara desta vila:

tanto disse, o poeta desenvolto,

que da Câmara foi um verso solto;

e por ter na cabeça um tão bom dito,

na copa do chapéu o tinha escrito:

motivo foi de riso a toda a gente;

no que El-Rei reparando,  mui prudente,

parece que dizia, em vozes graves,

dai cá, vilão ruim, as minhas chaves;

quando todos, nas varas agarrando,

o foram para dentro paliando:

Ia El-Rei, Deus o guarde, tão airoso,

tão guapo, tão benigno, e majestoso,

que não acho a que possa compará-lo

senão a ele mesmo, a bem pintá-lo:

A Senhora Rainha quis também

entrar pela tal porta, em Santarém;

no que eu reparo fiz,

pois vendo tal, não sei como tal quis!

mas a razão é clara e manifesta

sabendo que entra o Sol por qualquer fresta;

Na gente, que por vê-la se matava,

parecia que o mundo se acabava;

e eu que o Sol, e as estrelas vi rodando,

cuidei que se ia o Céu despovoando;

mas são de Santarém tais os vinagres,

que não conservam estes, por milagres:

Parou também lá junto a Vereação,

e um deles desfechou, nesta oração:

Este povo, Senhora, está alcançado;

e nós, que lhe servimos de Senado,

para forrar as capas desta cor,

ainda o estamos devendo ao mercador;

em tempo que qualquer de nós tomara

ter muito melhor seda, e melhor cara;

mas os tempos correram de tal sorte,

que nos deram de rosto com tal Corte;

pelo que deve vossa Majestade

fazer-nos esta vila já cidade,

para glória de alguns vilões agrestes,

e não repare em nós, que somos estes;

oito somos, com um mais ordinário,

que da Câmara é, bem necessário;

e por que veja bem da vila o tosco,

por nos fazer mercê há-de ir conosco;

verá se pode haver terra mais peca,

ainda que dela, corra Ceca e Meca;

Só folgará de ver (que é o que tem)

esses quatro olivais de Santarém;

mas, perdoando a nossa confiança,

lá dentro não há-de ir, sem esta dança;

e formando-se os oito mui depressa,

foi a dança dos paus, a sua peça;

eu cuidei que algum baile vinha guapo,

no cabo a dança foi, de Manoel trapo:

Estavam moças belas

com todo o seu trapinho nas janelas,

com olhos tão devotos aos respeitos,

que lhes faltava só, bater nos peitos;

uma vi eu chegar mui de lampeira

dizendo a outra sua companheira:

mana, deixai-me ver bem a Rainha,

olhai como vai rica, em cadeirinha!

benza a Deus, creio que anda já ocupada,

e nos aqui metidas sem ver nada!

nossos pais são, sem dúvida, daqueles,

que a maldição dos filhos lhe vem deles;

é alva como a aurora!

a ser de Santarém, milagre fora:

ao que outra disse: apelo eu por ela,

que milagre será sair bem dela;

e todas a compasso, em voz festiva,

viva a nossa Rainha, viva, viva:

Para luzirem mais,

de fogo nessa noite houve sinais;

juntou-se muita gente em tal Rocio,

porém quem viu jamais o fogo frio?

eu o vi, porque vi de oito basbaques,

dois foguetes de rabo, e quatro traques:

Na mesma noite houve a encamisada,

que vinha pela Câmara ensaiada,

com Escudos, com armas, e divisas,

em Campo branco, selos de camisas;

sete cavalos eram, com montantes,

que faziam catorze, com volantes;

aos quais seguia um carro, coisa boa!

em forma de charrua, popa a proa,

que levava três bêbados cantando,

e um rapaz que ia o quarto encomendando;

eu vendo cada qual com seu archote,

mochilas os supus com pacabote:

Passada enfim a noite dos estoiros,

o dia amanheceu, que foi de touros;

alugou-se o terreiro,

em que a Câmara fez mui bom dinheiro,

com que pagou as bufas atrasadas,

ficando as capas, forras, e forradas;

ganhando no curral cento por cento;

que é só o que fizeram com assento:

Por parecerem toiros de verdade,

e ser forçosa aquela autoridade,

entrou um neto feito são longuinho,

que mostrou ser da Câmara meirinho;

pois logo fez limpeza no Terreiro,

sinal de que saía o cavaleiro:

nisto entrou, imitando a António Antunes,

sobre um russo, a Infante Simão Nunes;

em nada ali faltando à Cortesia,

que o não fazia mal, quando as fazia;

toiros matou, de boa, e de má morte,

pois teve era uns desgraça, e em outros sorte;

em um, que degolar lhe foi forçoso,

tais talhos e revezes deu raivoso,

que cuidei que também neles entrava

a gente que agarrando o toiro estava;

mas, por não ofender a quem lhe acode,

cortou por si o homem quanto pôde;

ao que eu disse (pois bota não havia)

que se não fora o loro, a perna ia;

e seria, por certo, a vez primeira

que se perdesse perna, e estribeira;

Retirou-se, ficando do tal dia

a tarde, em sua falta, um tanto fria;

Mas logo se aquentou

com um toiro, ou leão, que se soltou;

a quem fez toda a gente o campo franco;

dizendo a vozes; guardado Boi branco;

da guarda o povo foi o agoureiro,

para o toiro ir direito a um arqueiro;

porém, inda que bruto, bem sabia

a atenção que a tal guarda se devia;

e se nos cornos o ergueu da rua,

foi só para plantá-lo nos da lua;

e tanto o levantou, por vida minha,

que cuidei ao cair, que do céu vinha:

Era o branco animal meio manchado

de negras moscas (para ali pintado)

mas além das que tinha a pele tosca,

nos arrancos mostrava inda mais mosca;

O neto bem tomara, em tais tremores,

esconder-se no cu dos vereadores,

que defronte assistiam,

porque sobre isso Câmara fariam;

e por muito que à pressa foi chamado,

não pôde ir, de outras pressas apertado;

rica figura andava,

quando fazia que ia, e recuava;

ele foi o entremez desta Comédia,

de que o povo se ria, a toda rédea;

graça os toiros tiveram; mas a traça

foi do Conde de Unhão, que fez a graça;

e se a fama não corre, e está quieta,

é por faltarem mulas, e trombeta:

Trataram de ir se embora, no outro dia,

as pessoas reais, e a fidalguia;

por sinal, que eu me fui buscar postura,

para ver da passagem a fermosura;

e onde disse, admirando a clara enchente,

fermoso Tejo meu, quão diferente

por esta é que se disse, em outra era,

mas lá virá a fresca primavera;

porém mui brevemente, nas vazantes,

tu tornarás a ser quem eras dantes:

Assim foi, e ainda mal que foi assim,

pois tudo se passou para Almeirim;

para lá foi El-Rei, à caça grossa,

com todo o principal de Saragoça;

não faltou que matar aos caçadores,

pois lá iam bastantes matadores,

que eu de longe quis ver, e não de perto,

pois lá o dar por erro, diz que é acerto:

Dizem-me que Diana, caçadora,

seguindo a Indimião, ao bosque fora;

e que por comprazer à sua gente,

matara uma raposa guapamente;

caça grossa não quis, nem tal a inclina,

que o seu real emprego é caça fina:

Oh ditosa raposa,

que uma morte lograste, a mais fermosa

que até ‘qui se tem visto, nos anais

de tantos façanhosos animais!

Por um Monteiro-mor foste batida,

para teres na morte, a melhor vida;

que esse sangue, por ora, derramado,

brevemente o verás recuperado,

na veia inesgotável e ligeira

do nosso grande Apolo da Ericeira,

que é quem em Salvaterra tem Parnaso,

tem fonte, tem Talia, e tem Pegaso;

e no jogar dos versos, é quem só

com ninguém quer trocar, porque tem Crô:

Nessa morte, raposa, enfim terás

um discreto Epitáfio: de aqui jaz

uma raposa em Fênix traduzida,

que por meios do fogo teve vida;

serás lá nas estrelas colocada,

e entre animais celestes alvergada,

porque nessa coitada luminosa,

é bem, pois leão há, que haja raposa;

que Astrólogo haverá, lendo essa lauda

que cometa te julgue, pela cauda;

influindo a Almeirim fatalidades,

em grandes de raposas mortandades;

não por lograrem morte como esta,

mas por morrerem, sim, de inveja desta:

Aqui se agacha a Musa, e mais não canta,

que outro valor mais alto se levanta;

que a minha tosca pluma só se afoita,

quando muito, a meter os cães na moita:

Mas fugindo da pena às ocasiões,

vou para o paraíso dos Chavões;

e néscio hei de chamar, por ser preciso,

a quem lhe não chamar o Paraíso;

só uma cousa tem diferençada,

que é não haver ali fruta vedada;

antes notório é, por vários modos,

que aquele Montealvão, é para todos;

e por ser Paraíso inteiramente,

até uma Dona vi, que era serpente;

é Paraíso, enfim, de um bom ladrão,

nem há cousa melhor que isto de Unhão.

não

A certo Senhor Conde, que lhe mandou um moio de Trigo, bastante mente carregado de joio, e ervilhaca.

Décimas.

Recebi, Senhor, um moio,

pela mão daquele amigo,

que não achei todo trigo,

por que era ametade joio;

e ainda assi, vos apoio

no mal que me joeirais;

se vos singularizais

tanto, quanto a razão colhe;

porque a quem dão não escolhe,

e vós, muito a escolher dais.

Não faz dúvida que vinha,

trabalhoso a quem o amassa;

mas não tanto, que não faça

convosco boa farinha;

muito aqui que moer tinha

a quem tais maquias dá;

mas noutro assunto será;

que por agora me escusa

o temer, que até da Musa

me saia a fornada má.

Enfim, ou mau, ou seleto,

tanto chegueis a mandar,

que me venha eu a enfadar

de pagar tanto carreto;

tanto filho, e tanto neto,

quanto os grãos do moio são,

vos dê Deus, potente Unhão;

mas que algum bastardo venha,

por que também joio tenha

a vossa propagação.

Ao mesmo Conde, que mandou ao Autor, por festas, uma porca que parecia gorda, e era só recheada de filhos; mas de parto oculto.

Décimas.

Generosíssimo Unhão;

em particular comum,

que hoje um porco a cada um

dais, por conta da ração;

eu, de ter maior quinhão,

graças ao porqueiro dou;

que ou na conta se enganou,

ou quando distribuiu,

se com outros repartiu,

comigo multiplicou.

Logo que entrega tomei,

disse, a quem me quis ouvir,

este mimo há de parir,

mais do que eu imaginei;

de mangas me arregacei,

e como senhor do bolo,

parti; mas fiquei tão tolo,

que de um puxo que se fez

me caiu um parto aos pés;

e outro subiu-me ao miolo.

Quem fez as repartições,

escolhendo de mercê,

tão pai de famílias é,

que o pode ser de leitões;

já me deu, noutras funções,

trigo com bem a marujo;

mas eu, da razão não fujo,

pois se vazando se emborca,

bem é que dê carne porca

a quem tem dado pão sujo.

Eu só esperava o dia,

a porca esperava a hora,

ela de bácoros fora,

eu de quando o ventre enchia;

Mas de tanta porcaria,

meu bom Conde, o que eu entendo,

é que vos ides fazendo

grandiosamente ardiloso;

se até eu, quando queixoso,

vos fico porcas devendo.

Parabém, e pêsame ao Conde de Unhão, quando se quis retirar da Corte para os Chavões, deixando de todo a Junta dos três Estados

Romance.

Pera bem seja, meu amo,

(se é certa tanta ventura)

a mercê que vos fizeram

de poder largar a Junta;

Para bem seja aos Chavões,

Paraíso que vos puxa

por bom ladrão; tão de casa,

que o título vos acusa;

Para bem seja à serpente

Dona enroscada machucha

que vai tomar de tal terra

tal barrigada de fruta;

Parabém a mim me seja,

que hei-de ir com ela de fúria,

para que comigo colha

uma verde, outra madura;

Parabém a tudo aquilo

que o vosso serviço ocupa,

com todos os de cavalo,

e também alguns de mulas:

Pesa-me que fique a terra

sem tal luzimento escura;

por qualquiera parte sombra,

por qualquiera parte tumba;

Pesa-me de que em Lisboa,

quem dessa isenção murmura

algum mal fazer-vos queira,

que é deitar-vos uma pulha;

Pesa-me, que eu pelas festas

sempre tinha com fartura

de Unhão quatro pés de porco;

e agora roerei unhas;

Pesa-me de ser suspeito,

que isso me faz calar muitas,

para mim particulares,

e para tantos cumũas;

Pesa-me, que as vossas flores,

sem tão guapa agricultura,

se sequem, como no campo,

lhe chova, como na rua;

Foi facada pera o cravo,

pera a flor foi picadura;

no sangue aquele desmaia,

esta, na pompa caduca;

Aquelas que aqui levavam,

por VITÓRIA a palma a muitas,

das mais valentes em folha,

entrincheiradas em murta;

Lo que va de ayer a hoy

tanto com elas se ajusta,

que tudo o que ontem foi gala,

hoje é tudo desventura;

Mas enfim tudo são flores,

vidas de tão pouca dura,

que para nascerem, tardam,

pera morrerem, madrugam:

Já no pátio das Comédias

saudosamente se estuda,

por El Sabio en su Retiro,

Mudanzas de la Fortuna:

Lá nos vossos três Estados,

Santarém, Chavões, e Unha,

vereis rendas espalhadas,

que inda valem mais que Juntas:

Mas ai, filho da minha Alma,

que ao fechar desta minuta

me zuniu pelas orelhas

outra nova que me assusta!

Dizem que estais Camarista,

com mais outras barafundas?

adeus minhas encomendas,

não dou nada pela fúria;

Já toda a minha esperança

deu consigo em terra, murcha;

adeus Chavões, Paraíso,

Serpente, Ladrão, e Fruta:

Vós Camarista formado!

vós com tal manufatura!

que é abaixo de Camareiro

um furo, em cima da Junta!

Vós de Chavão, para Chave!

e vós de Unhão, para Unha!

(perdoai-me, que o conceito

só Deus sabe o que me custa)!

Vós com a Chave dourada!

a que porta, ou que recluta

dará volta essa mão cheia,

que não desfeche em fortunas!

Vós com cinco casas grandes

no bolso, que em poucos se usa,

abertas com chave de ouro,

que entra em toda a fechadura!

Praza a Deus que também sirva

(posto que as molas são duras)

na gaveta, que há três anos

os meus serviços oculta;

Já terei, para que se abra;

quando nada, a vossa ajuda;

que do Marquês de Gouveia,

ainda estou co’a mesma purga;

Não há efeito sem causa,

e aqui, de duas é uma;

ou as pedreiras não obram,

ou come o tempo consultas;

Bem poderá ser que seja

destas duas, a segunda;

que a primeira não será

em que um papel se me suma;

Pois, o que eu pedia nela,

certo que era uma fartura!

uma Cruz para o enterro,

e um hábito para a tumba:

Mas se a liberalidade

reina, como a Corte o jura,

a petição será minha,

mas a data há de ser sua:

Graças a Deus, que aqui vejo

a tantos da minha chusma,

que nada se lhe contrasta,

e a mi tudo se me frustra!

Oh quem me tivera agora

as pedreiras, que eu supunha

ter na Arrábida de Sintra,

ou na Alcântara de Muja!

Talvez que agora me vira

estribado em mais altura;

mas a tortíssima estrela

não há mal, que não influa!

Ora vamo-nos à cama;

que se em sortes ou venturas,

para mi tudo são sonhos,

bem é que sobre isso durma:

Meu Conde, o que me consola,

é, que se toda essa bulha

não redunda em vosso dano;

em meu proveito redunda.

Pouco.

A uma Dama castelhana e fermosa, que veio de novo a Lisboa

é Dona Tereza.[4]

Mote

Válgate Dios por mujer,

quien te truxo a Portugal!

Glosas

Ángel, en mujer vestido,

mujer, disfrazada en flor,

flor, que solo huele a Amor,

Amor, en Dama mentido;

encanto, en tu vos fingido,

hechizo, en ti natural;

vida, muerte, bien, y mal,

que todo lo puedes ser,

válgate Dios por mujer,

quien te truxo a Portugal?

Española, en quien se mira

el mejor bien portugués;

Madama, que el mal francés

puedes tener por mentira;

Mujer, por quien hoy suspira

todo el hombre en general;

donde el pecado venial;

disculpa puede tener;

válgate Dios por mujer

quien te truxo a Portugal?

Ayer de noche sin susto

fuiste a una casa de pasto,

donde uno solo hizo el gasto,

con quien sola hiciste el gusto;

Callar esto fuera injusto,

pues lo haces con gracia tal,

que se puede comer mal,

por verte tan bien comer;

válgate Dios por mujer,

quien te truxo a Portugal?

En ti, por bien empleada,

muchos títulos se ven;

El desdén con el desdén;

Darlo todo, y no dar nada;

La bella mal maridada;

La Fuerza del natural;

Saber del bien, y del mal;

Querer por solo querer:

Válgate Dios por mujer,

quien te truxo a Portugal.

os meus pecados.

A Dom Rodrigo de Além-Castro, que mandou ao Autor dois Carneiros, estando este tomando Mercúrio, por causa de certo achaque.

Décimas.

Senhor, o vosso conforto,

como melhor me convinha,

chegou, quando eu já não tinha

sobre que caísse morto;

já animado, ou já absorto

de termo tão cavalheiro,

digo que sois o primeiro

(por força hei de dizer home)

que me matastes a fome,

dando-lhe enterro em carneiro;

Do carneiro no alabastro

seja um Epitáfio escrito,

em que se leia: Bem dito

Dom Rodrigo de Além-Castro;

que com um animal astro,

de outro atalhou o destino,

(Mercúrio enfim) tão malino,

que de tudo me atrasou;

mas tanto que Áries chegou,

fiquei metido num sino.

Não sei se liberais são,

ou se o querem parecer,

uns que dão em prometer,

e nunca em prometer dão!

O seu presente é onde estão;

o seu mimo, é todo momo;

e como de quem vem, tomo,

vou, enfim, tudo aceitando,

deles não sei como, e quando,

de vós, bem sei quando, e como.

Se de tudo o que colheis

em Curuche me mandais;

quanto em dízimos pagais,

em décimas cobrareis;

bem sei que me excedereis

sempre em magnanimidades;

mas nas possibilidades

em que o mundo nos encerra,

vós, dareis frutos da terra,

e eu, da terra novidades.

boas

Chegando de Muja com o Duque, e o Conde de Vilar maior, escreve a um amigo que lá deixou; e descreve um Frade Arrábido que lá viu a cavalo em Burro, e caçando.

Romance.

Meu amigo, aqui chegamos

ora à vela, e ora ao remo;

a gritos, e a larga escotas,

de um dos nossos companheiros.

Apostarei que estais longe

de quem seja este sujeito?

pois adverti que é o próprio,

que para mi não é o mesmo;

Aquele que com a frauta

(flato no Conde mui certo)

ventosidades sonoras

nos deu, por divertimentos;

Ele, e o Duque são dois,

que é um só; pois lá por dentro

se servem só com uma alma,

atada com dois nós cegos;

Mas ninguém presuma disto

ser amizade do tempo;

que estes buscam outra estrada,

por caminho mais estreito;

É verdade que teimosos,

naquilo dos argumentos;

sempre às maiores negando,

fugindo sempre dos Ergos;

Ferem muito mais que os pontos;

mas a todo o ferimento

logo o seu ceroto aplicam;

que não têm outro remédio:

Mas chegamos, como digo,

e como conto viemos,

tanto de perdizes fartos,

com de saudades cheios;

Lembram-me as largas histórias

do nosso pai duque velho;

que eram sermões com mil graças,

e graças com mil exemplos;

Ele nunca me deu nada,

nem dará, nem eu o espero;

mas que importa, se dá nisso,

que é também dar, ao que entendo?

Mas ou dê, em não dar nada,

ou não dê, em dar conselhos;

Deus lhe dê tanta saúde,

que viva, Deum de Deo:

Lembra-me a grande fartura

da Mesa dos Cavalheiros:

e sobre ela, o muito doce

que tornava para dentro.

Lembra-me Dona Leonarda

toda osso cemitério,

toda espírito malino,

e toda um vivo esqueleto;

Ei-la lá vem, de arribada,

ei-la põe a barba ao vento,

ei-la mete toda à orça:

parece me que a estou vendo.

Lembra-me as peras do tarde,

e o vinho também do cedo,

elas eram de três anos,

ele não podia sê-lo;

Lembra-me aquele tirano

despacho que em um não quero,

me deu lá certa senhora,

filha de um rico avarento;

Porém se eu Lazaro fora,

e a vira a ela no inferno,

quando me pedisse água,

também respondera seco.

Lembra-me a primeira

que o amigo André Coelho

me agasalhou como filho

e me borrou como neto.

Não nos deu pena nenhuma,

em tudo quanto comemos,

tudo foi ave de corno,

em vaca bode e carneiro;

Mas contudo, André é um santo,

no que toca a verdadeiro;

e se lhe faltam as aspas,

Deus lhas dê como eu desejo;

Lembra-me André da Silveira

já traquejado e já velho,

tocando de madrugada

sua alvorada de peidos;

Do rapas as seguidilhas,

e do André os baixos metros,

solfa foi, a que o Caetano

fazia acompanhamento:

Lembra-me o dia em que fomos

à caça grossa, aos pinheiros,

que nem caça fina achamos

pera as voltas dos podengos;

Por sinal que então conosco

saía o Sol encoberto,

de que eu tive um grande influxo,

por um pequeno reflexo;

Bem cuidei que granjeasse

seu grado, em meu afeto;

porém cuidos de fortuna

nunca me sairam certos:

Da caça a melhor figura

foi, sobre um burro fradesco,

andar atrás de um veado

um de Deus galante cervo;

Com dous estribos de pau,

que eram seus tamancos mesmos,

sobre as ensanchas da albarda

ia um ginete pateiro

Em burro vinha nascido,

ou enxertado em jumento,

aquele pedaço de asno

em cima de um asno inteiro;

A carga era desastrada,

e o burro era tão esperto,

que trabalhava, manhoso,

por dar com ela de avesso;

Deu enfim com ela em terra;

e fugindo para um serro,

o frade ficou mui burro,

e o burro andou mui discreto;

Por sinal que eu cá de longe,

vendo os dois iguais objetos,

me quis parecer que o burro

se partira pelo meio;

Mas tal me fizera Deus;

por que era, com santo zelo,

uma flor de jericó

prantada em um combro asneiro:

Lembra-me Pedro Carbon,

perdurável estribeiro,

em Zaragoza enfronhado,

mas inda pouco coberto;

Lembram-me mil entrevalos,

que aqui não posso dizê-los;

pois nem entendo o que digo,

nem dizer quero o que entendo:

Não me lembra mais, amigo;

mas de tudo o que me esqueço,

de não poder confessá-lo,

pesaroso me arrependo.

Ao Duque Dom Jaime, quando tomou posse da Mesa da Consciência, de volta muito comprida.

Décimas.

Mostrar quero, em posse tal,

que em consciência, ninguém

vos deve dar para bem,

parabém, nem para mal;

E pois tão pouco me val’,

Senhor, vossa presidência;

tende santa paciência,

e ouvi-me, a todo o rigor,

esta sátira em louvor,

por cargo de Consciência.

Bizarro de capa solta

naquele lugar vos vi;

mas para chegar ali,

tomastes mui grande volta;

muita gente anda revolta,

e toda a terra está cheia,

que na volta se recreia

vosso pai, quando a tomais;

mas eu ainda faço mais,

pondo-vos de volta e meia.

Eu, vendo tanta ocorrência,

confesso que vos fui ver,

como quem ia a fazer

exame de consciência;

e achei, que por penitência

vosso pai vos tinha dado

bacalhau continuado,

como melhor lhe convinha;

prevendo que assi vos tinha

na consciência ajustado.

Já de perspectiva inteira

não deveis, nem eu o consinto,

falar mais com Tomás Pinto,

nem com Francisco Ferreira;

por que um, na pena ligeira,

outro, na língua teimosa,

um em verso, e outro em prosa,

da consciência usam mal;

Segundo afirma Tojal,

a folhas verso, e Barboza.

etc.

Estando o Autor doente daquele seu achaque de todos, tomando a água de Madama Forqueta, lhe deu na cabeça o pintar um Secretário.

Romance.

Na cama uma destas noites,

que me vi bem atrasado,

com certa Madama às voltas;

mas Fuqueta me declaro:

Entrou esta, no seu pouco,

a chupar-me, no meu tanto,

o de que me tinham cheio

as que me tem esgotado;

Eu pela graça é que as busco;

mas querem os meus pecados

que parem as suas glórias

em purgatórios velhacos;

Já por outro tal defluxo

me fez o ano passado

Cinco meses ver estrelas,

da quarta-feira o mau astro;

Padeço penas presentes,

por gostos já tão passados,

que a penas deles me lembro,

e sempre a penas os acho:

Diz isto, em bom português

(já que eu bem Português falo)

que em mal francês, me caía

Madama Fuqueta ao rabo:

É mofina! que eu sei muitos

que bebem nos mesmos vasos,

e passeiam muito inteiros;

inda quando estão quebrados;

Mas paciência, venha o copo,

que entendo que assim me faço

mártir, por este caminho;

assim me eu fizera Santo:

Também nestes tais concursos

me achei sem nenhum fidalgo;

sentiram-me com ofício,

deixaram-me, remediado:

Entre os vários pensamentos

do pouco sono causados,

me subiu um ao miolo

de pintar um secretário,

Ei-lo lá vem, entre a turba,

por trinta partes cercado

de toda a casta de gentes,

uns assi, outros assados;

Com dois papéis entre os dedos,

e dez debaixo do braço;

a capa às costas caída,

a cara a um e outro lado;

Sempre falando, mas sempre

para diante  tirando,

como postilhão que leva

notícias de algum assalto;

Este lhe toma a dianteira,

aquele o beija no rabo,

aqueloutro  retrocede,

e diz: vá com mil Diabos.

Ah sou Diogo de Mendonça

(diz dacolá um fidalgo)

o meu papel não esqueça:

Sim Senhor, cá vai no saco,

E esse é o que em casa fica

no esquecimento emassado;

porém isso é um sucesso,

que acontece a cada passo;

É força ter inimigos

nisso que lhe fazem cargo,

de algumas mentiras leves,

com pretendentes pesados;

Diz a outro: não podemos

bulir com o seu despacho

sem deitar estas naus fora:

e põe-lhe a mão no cachaço:

A outro dos mais compadres,

diz: meu amigo, cá andamos

com isso; mas até agora:

e encolhe-lhe os ombros ambos;

Como lhe diz sempre o mesmo,

fica o compadre mui asno,

quase quase arrependido

da eleição do bautizado:

Sempre no acompanhamento

vai seu par de castelhanos:

Vué señoría se acuerde:

aguarden, que aún es temprano;

A muitos, algumas vezes,

(que tudo isto lhe necessário)

parece que vai ouvindo;

e então está despachando;

Pelas escadas acima

a empuxões o vão levando,

como se o levassem preso,

ou da prisão fosse o Passo;

Um cá por detrás o empurra,

outro lá lhe atalha o passo;

e alguns que o chapéu lhe tiram,

a capa lhe vão tirando:

Tem mais outro requisito,

que nunca o vem enfadado;

sempre c’uma cara mesma,

que é muito, em tempo de Janos:

Nunca o pude apanhar só,

mas só sempre acompanhado;

e é muito, por que só ele

pode ser só entre tantos:

Se ao descanso vai à quinta,

à quinta vai ao despacho;

se à comédia alguma hora,

a todas se acha no Passo;

Eu não sei como lhe fica

lugar de tomar tabaco

que é o que toma, ao que vejo

nem se viu inda o contrário:

Certamente, neste ponto,

diz lá consigo algum asno;

o poeta que diz isto,

deve de estar recheado;

E nada se me dá disso;

que eu a ninguém satisfaço;

só digo que não tem muito;

e nisto é que digo harto;

Bem sei que estima o Mendonça,

mas não usa do Furtado;

ofício tem para tudo,

porém não é para tanto;

Também sei que sou suspeito

no muito que não relato;

por isso calo o que sinto;

mas também sinto o que calo;

Sim sou muito seu, por certo,

assi fora ele meu tanto;

mas desse nada lhe vivo

graciosamente obrigado;

Por isso as verdades digo,

e com esta a pena abato,

que apesar do esquecimento,

não vi mais memória, e caco:

Agora deste Romance

não dirão os comentários,

que não saiu bem corrente

líquido, público, e raso.

E se nele alguns favores

cantei por razão de Estado,

irão na segunda purga

as Mercês do Bairro Alto.

alto

Na morte de uma filha do Autor, chamada Izabel, muito bonita.

Mote

Que pretende a fermosura,

pensando que se eterniza,

se viu a minha Beliza

ir parar na sepultura?

Glosa

Já, a meu sentir, e a meu ver,

a que ontem, a meu cegar,

vivia para matar,

morre hoje para viver!

esta que a seu parecer

era uma viva pintura,

já de morte cor figura;

na minha mágoa a contemplo!

não sei, com tão claro exemplo,

que pretende a fermosura?

Na vivente Primavera

me enganei com minha filha;

por que sendo Maravilha,

cuidei que perpétua era;

foi engano, e foi quimera

da minha afeição precisa:

e quanto esta morte avisa,

no desengano que dá,

a toda a que em flor está

pensando que se eterniza!

Era em extremo fermosa,

aquela flor em botão;

e por isso a duração

foi a mesma que a da rosa;

ditosa dela: e ditosa

a que por ela se avisa.

Se em mudança tão precisa,

desenganar se quiser;

porque não tem mais que ver,

se viu a minha Beliza.

Alerta pois Divindades

desmentidas em mulheres;

que caducam os prazeres

na melhor flor das idades;

as pompas, e as Majestades

que o mundo vos assegura,

são mentiras; e é loucura

não crer na mais verdadeira,

que é, acabando a carreira,

ir parar na sepultura.

Ao Conde do Rio Grande, dando ao Autor um Óculo pequeno, mas mui galante; por outro feio que lhe havia tomado; pedindo-lhe o retorno, ou a torna, de um

Romancinho.

Meu conde do Rio Grande,

ou Grande conde do Rio,

(por que em vós o grandioso

é bom, por todo o princípio)

Por um favor que fizestes,

pedistes um Romancinho;

pesa-me que vá comprado,

podendo ir of’recido;

Eu bem longe disso estava,

mas o óculo, é atrativo,

que me chega a fazer versos

por vós, e por ele vistos;

Se não é cousa de exame,

parece cousa de rizo

pedir-me versos quem pode

ser neles Juiz do Ofício.

E suposto que obrigado

me veja disto, e daquilo;

pera paga, é pouca obra,

pera obra, é mau feitio;

Mas ficar-me há, por emenda

o de que for repreendido;

e se sair castigado,

será para meu ensino;

E assim por sombra de paga,

ou de clareza recibo,

seja muito à vista a Letra,

pois foi tanto à vista o mimo;

Que posto que o louvar seja

tanto contra o meu estilo,

hei-de formar coisas grandes

dos vossos diminutivos;

Este pouco me declara

quanto em vos é incompreensivo;

porque só por este dedo

todo o gigante diviso:

Por um mau que me tomastes

me dais outro tão polido!

do furtado fazeis gala,

por fazer no furto um brinco;

Hei de guardar esta prenda

mais, do que cousa de vidro;

pois de um amigo moderno,

me faz de longe um amigo;

Quanto mais o meto a cara,

mais vos contemplo bem visto;

e sendo tanto o que vejo,

ainda é mais ou que imagino;

Ver por ele mais favores

ainda espero; e não me admiro,

de achar um mar de grandezas

nesse vosso Grande Rio;

E pois sabeis que vai pouco

de confiado a atrevido;

para fazer-vos mais versos,

tratai de dar-me motivo;

Tenho acabado o romance;

se não for do prêmio digno,

quite el horror de ser malo,

la lástima, de ser mío.

A uma morte nova.

Romance.

Foi descuido, ou foi cuidado,

não ter proposto até ‘gora

qual é a cousa que mais mata

nesta vida de Lisboa!

Quem a adivinhar, primeiro

que leia a última cópia,

terá por prêmio a triaga

desta em coberta peçonha:

Não é bicho de Lamego,

nem é da Bahia cobra,

não é serpente da Líbia,

nem é Lagarto de Angola;

Não é faca de mochila[5],

nem de estudante pelota;

nem espada de lacaio,

que também é cachaporra;

Nem do Neto as partasanas

do verdugo as duas solas;

nem padres da Companhia

na antevéspera da forca:

Não é médico que teima

contra aquilo que outro vota;

que por sair com a sua,

da co’o enfermo na cova:

Não é sapato apertado

sobre calo que magoa,

a quem, para os joanetes,

faz das orelhas escotas:

Não é barbeiro que rapa,

como quem em vinha roça;

e deita uma cara abaixo,

se um homem as não amola:

Não é viver de contínuo

em casa com mulher tola;

que é uma morte pesada,

que se há de aturar por força:

Não é a verdade, se alguma

há por milagre, já agora;

nem é o esperar, que mata,

ainda em tempo de frota:

Não é matador que triunfa,

ladrão, que de falso rouba,

alcoviteiro, que medra,

desaforado, que engorda,

Não é vileza, com fausto,

nem mecânica, com pompa,

nem puridade, com mancha,

nem luzimento, com sombra.

Não é da comédia a dama,

que também é matadora,

e a segunda, quando guincha,

ou a quinta, quando olha:

Não é lidar pretendente

pobre, sem homem, e sem botas;

nem é a escadinha estreita

do passadiço de borra;

Não é beato fingido,

que reza por cerimônia;

e não se sabe o que furta,

senão no ajustar das contas;

Não é cachaço de frade,

que mata o bodum que bota;

nem músico que mal canta

despois que muito se roga;

Não é querer bem a freira;

que no melhor da galhofa,

vem uma carta em que o mandam

degradado pela posta;

Não é chuva que porfia,

com quem a pé tem de ir fora;

nem dos arqueiros o afasta,

impertinentes em forma:

Nem é topar com cangalhas,

ou de peitos, ou de costas;

nem são salpicos de besta

por cara gravata, e volta;

Não é vilão que governa,

nem poderoso que força,

nem fidalgo que não paga

e tiranamente cobra:

Não é tesouro da Junta,

quando é tesoura que corta

os três quartos da casaca,

por um que só deixa em folha;

Não é o esperar um douto

pela merecida toga,

e sair outro com ela,

que uma albarda melhor fora:

Não é conceito em alarve,

equívoco em mariola;

nem presunção em poeta

com couces em verso, e em prosa:

Não é o faltar na pela

quem perde, as vinte e quatro horas;

nem dar o juiz ganhada

a chaça mais duvidosa;

Não é botar-se a fidalgo

quem só se botava fora,

nem também meter-se em coche,

quem se não metia em roda;

Nem é pedir emprestado

com mesurada vergonha;

e depois alevantar-se

com o santo, e com a esmola:

Não é pelo meio dia

uma vezita enfadonha,

que não há quem a despegue,

mas que veja a mesa posta;

Não é comer de ambas partes,

quem por uma mal advoga;

nem é retardar um feito,

quando mais do que isso importa;

Não é passear em sala

de manhã, cinco ou seis horas,

esperando que se vista

quem em Ministro se enfronha;

Não é sofrer por vizinho

um Mestre que ensina solfa,

ou um que baixão aprende;

que são do diabo escolas:

Não é dar em quem se queixa,

ou de fraqueza, ou de força;

nem avaliar por sábio

a quem foi sempre idiota:

Não é sino, que amofina

a quem junto dele mora;

nem são certas badaladas

dadas por certas pessoas:

Não é o disciplinante,

que a puro açoite namora;

nem em passos, espadanas,

nem em procissões, carroças;

Nenhuma das ditas mortes

chega à que direi agora;

aparelhem as orelhas,

que até de ouvida atordoa,

Ela mata a três carrilhos

em vida, fazenda, e honra

(os médicos me perdoem)

eu o digo: é minha sogra.

mas é das Ilhas.

No Certâmen Patriarcal, onde os prêmios foram Livros, entra o Autor com este Romance, no assunto em que era preceito serem oito Oitavas.

Romance.

Eu que ao prêmio não aspiro,

maiormente tendo a taxa

de ser toda a Livraria,

para mim bem escusada;

Demais, que por boas obras

nunca havia de levá-la;

pois sei, quando vou à fonte,

o que a minha musa alcança:

Confesso bem fielmente

que do Latim, não sei nada,

do Castelhano, mui pouco,

do Português, o que basta;

Nele escrever bem podia;

mas não quis ver mal pesada

tanta cousa, em uma onça:

que eram as outo oitavas:

Também um tal romancinho

as procissões acompanha;

faça agora papel nesta,

mas que nunca em outra o faça;

Os dias atrás fiz outro,

que saio logo nas ancas

da procissão, ou no couce,

que é o que me dão de entrada;

Fazer este agora importa,

que senão encontre em nada;

por que os Críticos não tenham

mais razão que a sua raiva;

Mas quem me descobre afetos,

bem me pode encobrir faltas;

e perdoem-me por pobre,

ou deixem-me em minha Casa:

Ora Senhor Secretário,

a ocasião é chegada,

em que vossa Senhoria

a vossa mercê me saiba;

Este pobre papelinho,

Leia com toda aquela alma

Com que lia as suas obras

nas Academias passadas;

Um bamboleio à cabeça

de Copla em Copla me faça;

por que vai a dizer muito,

ainda que não diga nada;

Que os que ficam longe disto,

e não lhe ouvem a sustância,

só julgam por boa a obra

a que vai cabesiada:

Digo pois que do tal dia

foi a tarde mais galharda,

que se viu em Fevereiro;

porque mais de um Sol raiava:

Das ginelas, no fermoso,

das gentes, na matinada,

era um mundo cada rua,

um céu era cada Casa:

De junco a rua coberta,

a terra toda areada,

não era brinco de junco,

nem poeira levantava;

La no terreiro do Passo

é que o Mundo se acabava;

mas antes que acabe o Mundo

quero dizer o que falta:

Dava princípio ao Concurso

O Senado, em cujas capas,

Santarém foi um cuminho;

e tudo ficou de banda:

Vinha a primeira bandeira,

por São José despregada,

publicando o que atrás vinha,

que era outro Patriarca;

As demais, que eram de menos;

vinham como reformadas,

bandeiras sem companhia,

quatro oficiais sem praça:

Chegaram as Regateiras,

vendendo-se muito caras

para darem duas voltas;

por que tudo era apressá-las:

O terço de Henrique Dias

duas fileiras formava;

para filas, fortes bichos!

para as minas,  belas alas!

Mil homens todos de berne,

por Irmãos de um grão monarca,

infantes me pareciam

sim, pela hóstia Sagrada.

Muito menino sem pai,

e sem Mãe, vinha em voz alta,

cantando, entendo que os vivas

daquele que lhe dá a mama;

Vinha entrando, em fradaria,

todo o Mundo, exceto a Ásia;

e ainda lá do Oriente

alguns nos fizeram Graça:

Duas alas da Coroa,

Patriarcal Ordenança,

formavam vistosa uma

reverenda encamisada:

Seguiu-se um Corpo de Cruzes,

Ocidental via Sacra,

bem vestida, quando apenas

tinha pano para mangas:

A tropa dos Cavaleiros,

conhecidos pela Gala,

foi a cousa mais luzida

de Lisboa, ou Alemanha;

Grande soldo merecia;

mas não, por que só lhe basta

na vedoria dos olhos

ver-se cabalmente paga;

Um teve mais queda que outros,

milagrosa, mas não Santa;

pois não caiu no seu dia,

Caiu no do Patriarca:

Uns, brancos como uns arminhos,

que eu cá de longe bispava,

Núncios eram, de ser breve

do Patriarca a chegada;

Vinha em uma mula russa

tão sisuda, e sossegada,

que a gente se espantou muito

do pouco que se espantava;

Nenhum ato de vivente

mostrou a branca alimária;

e se o mistério dissera,

mais que a de Balão falara;

Se quando entrou pelas portas

talvez lhe deitassem palmas,

Geroglífico teria

de Jerusalém a entrada;

O que puxava por ela,

fiador de tanta prata,

ia lhe abrindo o Caminho

com uma chave dourada:

Os dous moços da Estribeira,

que podiam ser ilhargas,

eram, criados, Senhores

de Belmonte, e Vilamaia:

Os mais que levava adjuntos,

era gente abençoada,

que não só o enobrecia,

mas também o paleava:

Concluo, enfim, com dois verbos

a quem tal sólio montava:

que por côngruo, e por condigno,

foi elegido, e isto basta:

No mais de que me não lembro,

remeto-me às cem oitavas;

se é que há da boca à orelha

Esfera em que tanto caiba:

Se quem pasmado se admira

é quem melhor se declara,

pode-o dizer todo o mundo,

por que todo o mundo pasma;

E se do mundo alguma parte

há, que esta verdade estranha;

é povo; e senão pregunto,

responda a parte que fala:

Quem fez isto? quem podia:

teve vontade? e com alma:

que nome tem? Alexandre:

é Português? e Monarca:

Pois se pode, quer, e tem,

e é Português; que te espantas?

não só Patriarca dera,

mas pode me a mim dar papa;

E com razão; que eu de gosto

nesse dia, em certa Casa

onde jantei realmente,

me fiz como um Patriarca.

Isto não merece Livro;

mas de esmola encadernada,

deem-me um alívio de tristes,

que é para mim cristais d’alma.

Deram-lhe de prêmio um relógio, e um Corte de vestido a escolher, e uma memória de diamantes; tudo por uma vez.

Fazendo três anos o Príncipe Nosso Senhor Dom José.

Foi assunto acadêmico.

Romance, Esdrúxulo.

Ouçam-me Senhores Clássicos,

que é passo bem celebérrimo

embutir-me a ser discípulo

de Mestres Peripatéticos;

Neste ato eminentíssimo

preclaríssimo e integérrimo,

só pode ser escolástico

um espírito profético;

Com ser um poeta anônimo,

confesso lhe que vou trêmulo,

receoso dos meus esdrúxulos

que algum me cortem por réprobo;

Ainda faltando-me o júbilo

de um Secretário benévolo,

que é para todos pacífico,

e só para mim foi régulo;

Justiceiro andou, no Tálamo

do meu Loureiro pretérito,

truncando-lhe, para túmulo,

os Ramos, de que foi êmulo;

Nem sendo um tronco Apolíneo

que lograva o foro Délfico,

se pode livrar de um Júpiter,

que opôs, como um raio, térrito:

Deu gosto nisso ao mecânico,

que é meu inimigo acérrimo;

mas eu tenho o nobilíssimo

todo em meu favor autêntico;

Não me hão de faltar acólitos

entre os Sábios do meu séquito;

para resistir aos ímpetos,

dos declarados maléficos.

Tenham paciência os Críticos,

que me hão de aturar poético;

por que tantos doutos próximos

me hão-de supor benemérito:

Hei-de engolir o Satírico

muito apesar do Colérico,

mas que mo não coza o estômago,

mas que o não queiram os médicos:

De hoje há de ser o meu vômito

puro em tudo, em nada fétido;

e se até gora foi lânguido,

agora verão que é lépido;

E dê-me Licença o Lírico,

de que estava bem famélico,

que me importa aqui o heroico,

ainda que com pouco préstimo:

Os anos do augusto Príncipe

são hoje assunto acadêmico,

Deus me acuda com espírito,

que é também filho unigênito;

Cego da Luz entro tímido

neste Labirinto crético

por tanto Sol, a ser Ícaro,

por nenhum fio, a ser Dédalo:

Oh, quem achara um vocábulo,

ainda que fosse de empréstimo,

que em mandamentos harmônicos,

não quero pecar no sétimo;

E só no caso furtuito,

venial cairá no décimo,

por fazer um panegírico,

em discurso apologético;

Empreste-mo algum católico,

ainda que lhe pague réditos;

ou supra ao meu pobre cântico,

desta insigne Aula, o método.

Se em regra de três é o número

nos tenros anos de Angélico,

passe as estrelas o cômputo,

seja o Sol seu aritmético;

Cresça, até que contra o Bárbaro

tanto embrace o escudo Célico,

que se regale o Austríaco,

que pasme de inveja o Céltico;

Para invasão do Judaico,

para extirpação do Herético,

para castigo do indômito,

e para aplauso do intrépido;

Viva, e cresça a tão magnânimo,

que não caiba em todo o esférico,

Príncipe, que nasceu único,

em nome, em caso, e em gênero;

José, hoc est Custos Domini;

não sei mais texto Evangélico,

nem posso ir buscá-lo ao Gênesis,

por que Latim, non inteligo;

Ponham-lhe prósperos práticos,

Sócrates, Sátrapas, Cênicos;

digam-lhe dócilis dísticos

máximos, músicos métricos.

E seu pai Monarca ínclito,

sem que chegue a ser decrépito,

tantos viva anos frutíferos,

que se numerem por séculos;

Para imortal, no histórico,

para invencível, no bélico,

para Glória, no político,

e para prêmio, no mérito;

Humilhando-se-lhe o incógnito

Áfrico, Etiópico, Pérsico;

tributando-lhe o riquíssimo,

Índico, Arábico, Américo.

E aceite-me este bom ânimo,

que é nascido bem doméstico,

de um afeto, o mais intrínseco,

de um poeta, o mais paupérrimo.

Sim.

A uma Dama que desmaiou de ouvir um trovão.

Foi assunto Acadêmico.

Romance.

Já sei que por mi esperam;

pois não sou quem menos anda;

mas o Senhor Secretário,

por seu regalo; me atrasa;

A minha pobre consulta:

sempre lá no fundo se acha;

e não é por que ela o tenha;

se não por ser caudatária:

Mas andar, vamos com isto,

brevemente em duas palavras;

que se a matéria é de estouro,

já se sabe como acaba:

Alguma musa serena

que tempestades aplaca,

com a sua luz me acuda

neste trovão: Santa Bárbara!

O crítico me perdoe,

se no esdrúxulo repara;

quando não, faça justiça,

e mande-me a conta a casa;

Eu não faço o meu conceito,

à medida de quem fala;

à vontade de quem ouve

é que digo a minha graça:

E cuida alguém que está o ponto

em trazer a arte estudada;

sem saber que a natureza

é a memória desta alma;

Algum poeta sei eu

de musa relampeada,

que agora diz lá consigo:

homem, mau raio te parta;

Nele tudo bem assenta;

mas não sei que tenha causa;

Salvo o meu Relógio o obriga

a dar tanta badalada;

E queira Deus lhe não venha

à memória o que lhe falta;

que então de vestir me corta

no mais que eu faço gala;

Algum chuveiro de trovas,

ou trovões, ou trovoadas

(se o medo lho permitira)

sobre mim descarregara;

Mas deste Tonante o raio,

nem me chega, nem me abrasa;

que eu tenho aqui muito louro,

cuja sombra já me ampara;

Esta musa de escabeche

sempre há de ser conservada,

para as faltas de quem pesca

conceitos, a enxutas bragas:

Mui longe vou da matéria!

valha o diabo a má alma

que sempre faz, com que fora

de mim, e do assunto saia:

Era um dia, quase noute,

de uma tarde enfarruscada,

e hora triste em que se vinha

o mundo abaixo com água;

Fílis, que em tom de merenda,

com sua Comadre estava

um Domingo (e é mentira)

que eu bem sei que foi a quarta,

Mas quero que se presuma

que esta Dama jejuava

ao menos meia quaresma;

por que a outra, tinha causa:

Se fora ver à folhinha

o que nesse dia dava,

talvez que não fosse fora,

metendo se toda em casa,

Acendera a sua vela,

que para tais casos guarda

a Mãe, se é filha peona,

ou a Dona, se é fidalga;

Talvez que fosse Senhora;

que o assunto não declara

senão que é fílis; e fílis[6]

quem mais que as senhoras Damas?

Algumas são tão medrosas,

que uma vela lhe não basta;

acendem todo um sepulcro,

com ladainha em voz alta

E põem tantas Candeinhas

à tal Santa esdruxulada,

que parece que a festejam,

porque querem que arda a Santa.

Quando nisto um parto oculto

a negra nuvem prenhada

esborrachou com tal grito,

que a Comadre ficou parva:

Fílis como era mais fílis

ficou toda trespassada;

de morte cor fria toda,

sendo toda viva brasa:

Acudiu como um corisco

a mãe, ou Dona tarasca

feita serviço da pela:

não é nada, não é nada.

Assim como no tal jogo

à para a porta tirada

não é nada, dizem todos,

muito antes do que ela caia;

Assim, à pobre da moça,

por que não desanimara,

gritavam dessa maneira;

mas foi ali mesmo a chaça

Pois no chão caiu redonda

em um desmaio gafada;

com licença dos Juízes

que aqui me podem dar falta;

Esta, pois, Dama caída

no seio tinha uma carta

pera os trovoes cousa boa,

segundo a fé de quem ama;

Declaro que pela letra

era de uma sua mana,

que nas pressas lhe acudia,

mas não lhe valeu de nada:

Se Júpiter fora vivo,

e a Fílis galanteara,

escusava chuva de ouro,

bastava um trovão de prata;

De outra sorte não podia;

que esta é mais que Europa guapa,

e se o tal arremetera,

talvez que mais se picara.

Foi serenando a tormenta,

tornou em si a tal Dama,

dizendo: nunca mais bodas,

se me hão de custar tão caras;

E com todo aquele susto,

também assombrada estava,

que no fuzilar dos olhos

tinha dilúvios de graças:

Como era cousa divina,

do trovão amatinada

seria alguma cadeira,

que no Céu se lhe arrastava.

Mandou chegar a carroça

(se acaso a tanto chegava)

e foi-se; com o escudeiro,

que então aparou dobradas:

Acabou-se esta tormenta;

assim se acabara a água

que a terra está sobreposse

bebendo há quatro semanas.

Deus sobre tudo.

A Dom Quixote investindo a um moinho de vento.

Foi assunto acadêmico.

Romance.

Da parte de Dom Quixote

entra um novo aventureiro,

ainda que saia no assunto

moído o seu pobre emprego:

Dom Quixote era homem branco

conhecido neste Reino;

e nesta Corte andam muitos

que são seus primos direitos.

La no Oriente me dizem

que teve o seu nascimento;

mas isso não faz o caso,

que a ser na Alfama era o mesmo;

O ser fidalgo está visto;

o ter que comer, é certo;

que eu sempre o vi a cavalo,

e de Pança, satisfeito;

Em acudir a uma bulha,

andou como cavalheiro;

que não é pouca a que faz

qualquer moinho de vento;

Se cuidou que eram gigantes,

aí foi maior o empenho;

pois para meter-se em Roda,

escolheu aquele meio;

Demais de que cá em Lisboa

muitos Dons Quixotes vemos,

que não investem moinhos,

por temerem aos moleiros:

Isto não quer dizer nada,

mas é buscar enchimento,

para o vão de quinze coplas,

que é para alguns catorzeno;

Porém, cozido o assunto,

em quatro discursos, quero

mostrar, que venceu Quixote

todos os quatro elementos;

No mar, valerosos cabos

em qualquer borrasca, vejo

que de duas velas fogem;

ele investiu quatro a um tempo.

Na terra, como um moinho

Lá tem forma de castelo,

terra ganhou mais que muitos

em seus castelos de vento:

No ar obrou maravilhas,

pois naqueles tais pinguelos

caiu como a passarola

de Bartolomeu Lourenço;

No fogo há muitos que fazem

de uma faísca um incêndio;

ele matou, só de um sopro,

de quatro velas, o aceso;

Pois se em tão pouco fez tudo,

dizer que andou mal, foi erro;

era cavaleiro, andante,

quis ser andante veleiro;

Se ficou embaraçado,

a muitos sucede o mesmo;

que por furtarem maquias,

moem a torto e direito:

Tenho dito; e é o que basta:

se me não derem o prêmio,

nunca más perro al molinho

cá de fora ladraremos.

Diálogo em que falam duas boas peças; a saber, uma sege muito velha do Conde de Atouguia, e um mantô antiquíssimo do Castanho andador, do Duque.

Silva.

Sege       Ora se haverá dia

de justificar que é falso

em que meu amo Conde de Atouguia

me tenha aposentada, sem mistério,

no seu das carruagens cemitério?

que estou já, com ter funda, tão quebrada,

que não posso servir, nem de soldada;

e diz já que me vê de porta, em porta

que sou em roda viva, praça morta;

e temo que não valha

nem inda para ser praça da palha:

Se andasse só de dia,

transeat; mas de noite, é tirania;

tanto que ouvi dizer a um bom magano,

que comigo três rodas tinha o ano;

Todo o ano trabalho a meu pesar,

mas ainda algum dia hei de folgar,

quando vir que pelão algum me arromba,

ou de cangalhas burro algum me tomba;

e temo nesse instante,

que nem um testemunho me levante:

Porem meu amo é tanto meu amigo,

que talvez antevendo esse perigo,

do respeito a rodela intrometendo

a todos cortesias vai fazendo

por fora das cortinas encolhidas,

mais desavergonhadas, que corridas:

com que nem saberei, triste de mim,

a negra hora para que nasci.

Mantô      Ora se haverá hora,

que o duque meu senhor, que tal não fora,

ou já que senhor é, que tal senhor

eu não servisse de opa de andador?

que é justo que tal cor se me suponha,

pois não sei que outra seja a da vergonha:

ou se alguém haverá que faça a conta

dos anos que lhe sirvo, e quanto monta?

mas aqui para nós,

quem conta há de fazer de tais mantôs?

mas se de velho é força que caduque

digo que já me fede o cu do Duque;

como lá diz o Sêneca estouvado,

que sobre mim tem bem argumentado:

Por que a pena me dobre,

até este a quem cubro, e me descobre,

em presunções metido

(que também há cavalo presumido)

quando ao Sêneca foge,

ou este o deixa só n’alguma loge,

pondo o Cu à parede,

tanto nela se roça, já de adrede,

que jogando de lombo, ou por detrás,

por que mude de cor, branco me faz;

bem sei eu este bruto o que queria,

porém o bruto nada se movia;

pois não só não faz outro, mas é tal

que então cuida que sou de pedra e cal;

e estou vendo, em tal dolo

quando forrar me manda de tijolo;

se não é que por curso derradeiro

vá parar em fundilhos de escudeiro,

e nesta lufa-lufa

ande acabando a vida bufa a bufa;

ou de algum estribeiro: mas chiton,

que o tomará por si Monsieur Carbon.

Seje        Porém ali, do Duque está o castanho;

todavia o meu mal não é tamanho;

sobre cujo manto, tão celebrado,

muito mais invernadas tem mijado;

não é bem que de todo me exaspere,

por que solatium est socios habere.

Mantô      Ter com quem me console, isso é engano,

por que aqui não há outro do meu pano:

mas cá temos a sege do Atouguia,

que é muito mais cagada, todavia,

console-me com ela, e ela comigo:

adeus amiga Sege.

Sege       Adeus amigo.

Mantô      Podemos um ao outro dar conselhos,

pois somos há bem tempo amigos velhos;

e folgo de te ver bem inclinada,

alfim com muito ar bem acabada:

Sege       Neste mundo malvado

sempre o roto se ri do remendado,

que es tu, tampa mantô, merda chairel,

indigno até do cu de um furriel;

Mantô      Do chairel e do mantô não digas mal,

por que val’ cada um, um cada val’;

e deste modo o Duque quer que ature

por que o do salmonete mais lhe dure.

Sege       Anda nesse escabeche, quando nada

por ter o salmonete bem de empada;

de Setúbal é a traça,

e muito sal terá, mas pouca graça.

Mantô      Contudo de teu amo é mais o abuso,

porque o que nele é moda, em ti é uso;

esse varal o diga,

já para cada hora de barriga.

Sege       No que toca ao varal, a boca tapa,

que não deixa de ser um pau de chapa.

Mantô      De conservar-te eterna faz estudo;

mente quem diz que o tempo gasta tudo;

que se o tempo comera ou se gastara,

já lá por Culis mundi te botara:

porém nessas saídas disfarçadas,

vai poupar o coche das entradas.

Sege       Enganaste, a meu ver,

porque se assi me traz, é porque quer;

que inda não tem tão pobre o seu morgado,

e só de que eu o sirva está empenhado.

Mantô      O teu mal não é só o ser quebrada;

creio que também andas galicada?

Sege       Eu galicada, com tanto exercício?

mulas trarei, mas não por esse vício.

Mantô      Corre pela memória a quem levaste,

quem trouxeste, meteste, e tiraste.

Sege       Tens razão, não é bem que dela fuja,

que já fui emprestada à rua suja:

Mas tu falas em tal?

Começando por baixo esse teu mal!

quando ias lá bater a certa adufa,

onde sege não ia, e ia estufa?

queres que te sacuda mais o pó

que tanta pulga tens pobre mantô?

Mantô      Posto que em meus abalos

há tempo, que ando podre de cavalos,

ter gálico, engano é evidente,

que fêmea não cobri, salvo a serpente,

donde me vem a pulga, ao que discorro,

pois já servi de cama de cachorro;

mas no venéreo intento,

também cheguei a ter recolhimento.

Sege       Não tens que remendar daqui ou dali,

que eu conheço a teu amo como a mi.

Mantô      Nem tu que consertar, nem que compor,

que o teu sempre há de ser, seja o que for.

Sege       Não me dirás (aqui ninguém nos ouve)

de que te fez o Duque, ou donde te houve?

Mantô      Fui feito de um capote que tiraram

a um moço de casa, que expulsaram

por um crime que fez,

que inda para o vencer, faltava um mês.

Sege       Logo por este modo foste verde.

Mantô      Não fui tal, porque o verde, a cor não perde;

se eu verde fora, então que mais queria?

Logo o mesmo castanho me comia.

Sege       Pois vive consolado,

que se não estás comido, estás cagado;

e imagina teu amo, feito verga,

que ao correr do cavalo não se enxerga;

vendo este, e aquele, e outro tal,

se o cavalo anda bem, que ele anda mal.

Mantô      Este foi meu princípio sem mentir;

vamos ao teu, por que há de ter que rir.

Sege       Para ter neste mundo triste vida,

de uma caleche velha fui nascida;

para filho segundo começada,

para Pelões pintada,

e acabada fiquei; mas não inteira,

de empréstimos, de tal, ou qual maneira.

Mantô      Pois valha-te o Diabo,

inda com tal princípio, não tens cabo?

Sege       Cabo sim, que é meu amo, e nisto encerra

o vir eu acabar em suja guerra;

mas inda que de costas, e sem tampo,

hei de folgar de o ver senhor do campo.

Mantô      Em dizer mal dos amos, escondidos,

bem mostramos que fomos mal nascidos.

Sege       Mas em tantos serviços continuados,

também se vê que somos bem criados.

Mantô      Falemos cá. em nos, por que eles sós

em nós podem falar, não neles nós;

que eu também se quisera,

muita cousa ruim dizer pudera;

mas recorro ao silêncio, que é mais douto.

Sege       E é também dos castanhos valhacouto;

porém eu ouso lá bulir em rédea;

sem dúvida que vai para a Comédia.

Mantô      É chegado o valente,  e Dom Rodrigo,

picaria no caso: a Deus amigo.

Sege       Adeus, até o dia do Juízo;

porque, amigo, antes disso, isso é riso.

É.

A uma Dama, na procissão dos Passos, com duas espadas.

Foi assunto acadêmico.

Romance.

Do Almotacé da Limpeza Oriental.

Quero contar uma historia

tão verdadeira, e tão Santa,

que obriga a fazer a muitos

boas obras, por sua alma.

Foi o caso, que no dia

de Sesta feira passada,

(depois de varrer as ruas,

por donde o concurso passa,

Que estes são os bons serviços

com que a Câmara despacha)

quis ir ver a procissão,

e fui com a minha vara:

La, por suas dependências,

alguns me fizeram praça,

dos que me fazem monturo

por detrás; enfim canalha:

Chegou primeiro que tudo

o troço dos espadanas

para baixo, e para riba,

por uma, e por outra banda.

Uns perdendo as estribeiras

pelo meio de gainholas;

dando a entender o que roda,

que muito melhor cavalga;

Muita gente em pacabotes,

aos portalós encostada,

tomava o sol para cima,

por ver se em virgo o achava.

Eu vi correr sete vezes

os passos um patarata;

que cá pelas minhas contas

eram sete mil passadas;

Por sinal, que em pés e porco

tão atolado ia em lama,

que estive em fazer limpeza

nele, mandando-o à praia.

Vinha entrando a penitência,

para muitos escusada;

porque poucos vão à gloria,

chegando todos à Graça.

Antes os leva aos infernos;

e a razão disto é tão clara,

como se vê da divisa

no seu pecado encarnada.

Entretantos, como digo,

um me pareceu ser dama;

porem Dama penitente,

só na Madalena se acha.

E estamos no nosso assunto;

agora é que eu desejava

para este passo a limpeza,

que aí é que estava a graça.

Pela grossura da perna,

pela grandeza da pata,

a mulher me parecia

homem de espada, e adaga;

Mas no Redondo do vulto,

suspeitei que era a Bugalha;

ou seria a sota de ouros,

feita de manilha de espadas.

Se o era, foi penitente;

mas não, se eu a confessara;

que, em lugar de espadas nuas,

lhe dera uma boa tranca.

Porém se era outra, que eu cuido,

duvido que desse causa

para lhe darem tal peso,

salvo foi por sobre carga.

E se o bem querer é culpa,

a penitência é mal dada,

que não pecou de amorosa,

seria talvez de ingrata:

Se ela é, perdão lhe peço

de tanto a estender de patas,

e cubra o seu grande pé

a minha boca tamanha.

Espadas levava em folha,

e em folha também enáguas,

além das boas bainhas,

que sobretudo levava.

Mas ou fosse Dama, ou Dueña,

que tudo são arrastadas,

ou de botadas por portas,

ou de metidas por casas.

Foi a que se deu no assunto

desta Dominga passada,

a primeira da quaresma:

acabou-se; e Santas Páscoas.

Indo o Autor a Santo Amaro visitar seu compadre Luís César de Menezes, que tinha chegado de governar a Bahia:

Este o convidou com umas contas de coco vermelhas e al não disse.

Romance.

Senhores, por mais que eu quero

emendar-me em fazer trovas,

quer o Demo que as emendas

sejam crescenças nas obras;

É verdade que os assuntos

são tais, que é uma vergonha,

a vergonha dá matéria,

a matéria faz peçonha;

A peçonha faz postema;

e essa quero eu agora,

não que a picar se despeje,

mas que a gritar se resolva:

Ai que dizem os rapazes

que já está na barra a frota;

que ouro traz já como açúcar,

ou coiro vem como sola.

Ai que se alvoroça a gente!

como se de espantar fora,

que esteja o oiro na barra,

que esteja a Mina na Costa;

Ai que chegou meu Compadre,

e que me há de dar, é força,

alguma seda da Índia,

do Japão alguma loiça,

Do Brasil alguns macacos,

das Minas algumas onças;

o doce do seu engenho,

e do seu tabaco a folha;

Item cocos, e melaços,

farinhas e mandiocas;

que tudo tem serventia

para quem tem sete bocas:

Ai, que lhe há de lembrar inda,

que por ele fui a Angola,

que passei daí a Benguela,

e de Benguela a Caconda;

que lá lhe fiz bem serviços,

negros uns, e negras outras;

para ele de Canastra,

porém para mi de borra:

Ai que já vou à Junqueira:

a cavalo em uma sota

da baralha de um amigo,

que muito de dentro joga;

Era a besta de Coruche

criada em boa palhoça;

mas muito mal ensinada,

posto que tanto se açoita;

Fui fazendo meus discursos

sobre a condução das coisas,

qual seria mais barato,

se em fragata, ou se em carroça;

Levava comigo um negro,

e estive torna, não torna,

a buscar dentro ao Rocio

vinte, ou trinta mariolas;

Mas o Cavalinho fêmea,

(que oxalá que macho fora)

era uma faca alborcada

sem cabo, e não tinha torna;

Valha o Diabo a cavala,

que em metáforas de borra,

tanto a sustância me encurta,

quanto a história me alonga;

Andar o dito está dito,

porém veremos agora,

se mais dos cascos me puxa,

ou se mais de Lombos joga?

Nem direi já que era velha,

sendo uma criança; em forma;

nem que não perdi os estribos

tendo uns loros, podre cousa;

Nem que era Cavalo grego,

que cheguei, e aqui foi Troia;

se não que avistei a casa,

e que me apeei à porta;

Que entrei, que estavam à missa,

que não houve cerimônia,

que veio a mim meu compadre

com, guarde Deus a pessoa,

Que me botei de mergulho

a abraçá-lo pelas coxas;

que lhe dei as boas vindas,

que me deu as boas novas;

Que lhe fiz esta pergunta,

que me deu esta resposta:

pois, como foi de viagem?

não deixou de ser penosa,

Por causa daquele tempo

junto a Fernão de Noronha,

(que é nome impróprio em um baixo,

mas é chegado a coroas)

Na altura de Cabo Verde

tivemos outra derrota,

que deu conosco nas Ilhas,

onde houve alguma demora;

Trouxemos muito bons cabos,

amarras também mui boas,

livres dos sustos das barras,

pois nos guardavam as costas:

Vim com Luís de Miranda;

e enfim na Nau da Coroa

tive São Boaventura,

porque cheguei, e a Deus glória:

E você que faz, compadre?

mui magro está isso! Ó lá,

vejam lá, que vêm visitas:

meu compadre, vá-se embora,

Venha por cá outro dia

em que haja menos revolta;

leva a benção à afilhada,

e reze-me nestas contas:

Encheu-me o Cu de compadre,

e assi me tapou a boca:

ai, outra vez, mas não ai!

mudemos de tono agora:

Ui, que o doce, foram canas!

a seda, tudo foi droga;

de louça, não houve um prato;

no mel, não caiu a sopa,

(ou, quiçá, por eu ser asno,

não foi para a minha boca)

vão bugiar os macacos;

O tabaco é fumo, e voa;

Os cocos nas contas vinham;

a farinha, eu a fiz boa;

o oiro foi à moeda;

onde vão as coisas todas:

Ui, que fiquei satisfeito,

pois de tudo isto se prova,

que me deu de tudo parte,

em me dar do Brasil contas;

As ditas eram vermelhas;

e assi mesmo receosas

vinham de medo enfiadas,

e coradas de vergonha;

Não quero dizer mal delas;

mas antes rezar me toca

por elas algumas vezes,

e por ele em outras horas:

Eu sempre a sua doutrina

tomei; mas queria agora,

não do Brasil os rosários,

das Minas sim, as verônicas;

Porém ele, padre mestre,

educado em boa escola,

por não dar coisa de peso,

ma quis embutir de conta;

De Príncipe foi a data,

se imaginou pela soma

que me dava nos três terços

a carga das três Coroas.

Ou quis usar finalmente

(por que ao timbre corresponda)

comigo, ou César, ou nihil,

no nihil achou-lhe conta:

Ui que não vejo a Cavala!

essa seria ela agora,

vindo por burro à Junqueira,

voltar por besta a Lisboa:

Vim-me embora, destroncado,

por causa da velha potra,

tanto do Braço da Vara,

como da perna da espora:

Oh vós os que fazeis filhos;

se comeis e gostais honra,

tomai Compadres fidalgos,

que os mais são uma bisbórria.

A uma Dama que se queixou de seu Amante lhe não escrever em verso.

Foi assunto Acadêmico.

Romance.

Ora Senhor Secretário,

por vida sua lhe peço:

mas logo o direi; que agora

quero peitá-lo primeiro;

Já que por graça de Apolo,

ou por seus merecimentos,

um lugar está ocupando,

que é na Corte o que sabemos;

Como verifica o Saco

em que vai honra, e proveito;

que até mentirosos fazem

os infalíveis provérbios;

Assim tal propriedade

lhe chegue a filhos, e netos;

e assim até a sepultura

lhe dure o acompanhamento;

Que estes meus fracos serviços

me meta nesse Concelho;

em cuja Secretaria

indigno oficial escrevo;

Item, pois no introduzido

tão mal consultado venho,

que o Senhor Fiscal me supra

as faltas do regimento,

Bem sei que oficiais maiores

têm pera assuntos supremos,

como se tem visto em laudas

de que estão os livros cheios;

Porém se à sombra de um grande

avulta qualquer pequeno,

nele não pode ser mais,

em mi não pode ser menos;

No presente Presidente

falo; porém tão converso,

que venho pera o futuro

já do pretérito alheio;

Eu não sei se me declaro,

por que estamos em tal tempo,

que até dos três sobreditos

me podem pedir comento;

Digo pois, que confiado

nele, e no nobre Congresso,

venho; de que me não chamem

isso que digo que venho;

E pois foi discreto arbítrio

o Acadêmico preceito

de ser em português tudo;

muito há de haver estrangeiro:

Eu não sei outro idioma,

e afastar-me dele mesmo

em que quisera, não posso,

e em que pudesse, não quero;

Que é mui falto de vocab’los,

dizem uns mudos discretos;

e dizem mal, se não sabem

dar a razão de dizê-lo:

Mas que tem isto co’o assunto

perguntara eu a mim mesmo?

Ora os anjos me respondam;

que eu também gosto do alheio;

Mas ó lá manso com isto,

não nos oiça algum coimeiro,

que por exceção me agarre,

e pela regra vá preso;

Desviei-me no romance,

e vim com estes rodeios,

por parecer coisa grande,

o que só é enchimento:

Ora enfim, vamos a isto;

creio que não é preceito

da Academia, serem sempre

Fábio e Clori, nomes certos;

O que visto, e autuado,

escolher dous nomes quero,

que ou me sirvam de toantes,

ou me ajudem nos conceitos;

Como agora, verbi gratia

Repreendeu Maria a Pedro,

já que amante lhe escrevia,

por que o não fazia em verso?

E lá vai o assunto em claro:

ao Orador me encomendo;

a Pedro a vênia aqui tomo,

e a Maria a graça peço:

Por ter de sermão seus laivos,

entendo que há de hi ao prelo;

e antes que largo mo taxem,

vamos assi discorrendo:

Se amante não há tão pobre,

que para gastos caseiros

não tenha ao menos de Musa

os seus quatro Reis e meio,

Tem muita razão Maria;

pois sendo linda em extremo,

se Pedro é amante fino,

Há de andar louco, isto é certo;

Se é louco, há de ser poeta;

(Segundo afirmam talentos

que por sentença o tomaram)

mas nunca o deram por feito,

Se é poeta, como digo,

Maria há de ser o mesmo,

pelo preciso contágio

de transformação de objetos;

Suposta a folhagem acima,

poeta a Maria temos;

se é poeta, há de ser pobre,

se é pobre, não tem remédio;

Em nada já sai provida,

agravado em tudo é Pedro;

e ambos sejam açoutados,

por saberem fazer versos;

Mas ainda assi, com Maria

acho que Pedro andou néscio;

sabendo que ela estudava

de cristais d’alma, dois dedos;

E barato lho fazia,

por que eu Marias conheço

que quando versos lhe mando

respondem me: bom dinheiro!

Enfim, Senhora Maria,

tome agora o meu Conselho;

se Pedro teimar em prosa,

mande-o bugiar em verso:

Foi tolo em não persuadi-la

ao menos com um quarteto;

pois com quatro pés, ficava

menos besta, e mais aceito:

E console-se na causa,

que a sentença, ao que eu entendo,

hão de dá-la a seu favor

mais de quatro, a folhas verso.

Estava certo fidalgo uma noite de bem escuro, falando da rua, com uma moça na janela; que cuidava ser outro com quem andava para casar; deu um relâmpago, que aclarou tudo:

Foi assunto na Academia de tal parte presidindo o Sr. D. Fulano.

Romance.

Era uma vez um amante

de noite pelo escuro;

e não era o cadacanto,

posto que sabia tudo;

Filho de muito bons pais,

(que é muito, ser bons e muitos)

tão morgado, que não tinha

(segundo o que ouvi) segundo;

De prendas mui bem dotado,

bem fornecido de impulsos,

muito liberal nas artes,

mui contínuo nos estudos;

Fazia os seus quatro versos

compostos, graves, e agudos;

dançava o seu minuete

já como o mestre de Hamburgo;

Tocava o seu oitavado,

como toca qualquer chulo;

dava a sua cabriola

tão bem, ou melhor que o Ruivo;

Era pelo grandioso,

largo em tudo, em nada curto;

e final mente, mui destro,

em pés, mãos, e mais miúdos:

Mas deu em andar de noite

tanto com uns vagamundos,

que degenerou em sangue,

ou de morcego, ou de bufo;

Declaro que é bufo macho,

que bufa fêmea é mais sujo;

e pois não é cadacanto,

não seja cada monturo;

Com estas más companhias

tanto se despiu de tudo,

que ficou tal, qual cantei

nesse atrasado noturno:

Este tal viu uma moça;

mal disse, viu um debuxo;

porém para que me canso

com apodos importunos?

Se não há melhor retrato

nem mais rico, a pouco custo,

do que fermosa, alva, e loura,

sem nenhum gênero de unto?

Vejam que tal será a obra,

adonde este é o rascunho?

e sendo alvas as carnaças,

que tais serão os presuntos?

Mas, para que é falar nisso?

digo que ele a viu; e cuido

que não andou bem se logo

não saiu quase defunto;

Por que tem tão matadores

uns dous fermosos carbuncos,

que não há outro remédio,

senão o cair de bruços;

Matam mais nesta cidade

que os Médicos todos juntos;

nem Bernardes, nem Palmela,

Costa, Gil, Xavier, Curvo;

Em parte desculpo a Fábio

(que é o nome que anda intruso)

em não finar-se de todo,

por querer-lhe mais que muito;

Ela Clori há de ser sempre,

não só por aquele turno,

porém por aquela parte

por donde a Fábio desculpo;

Morava lá para Alfama,

adonde, em um marabuto

tinha os olhos empregados;

que fora melhor dous murros

Já tinham corrido banhos,

já estava o negócio justo;

e creio que já teriam

feito seu pouco, seu muito;

Fábio, que na diferença

tinha certo o ser escuso,

determinou de levá-la

por assalto, e por insulto;

E como tinha alcançado

do tal negócio o resumo,

por meio de uma vizinha

alcoviteira ao sisudo,

Fiado em que ela cuidasse

que falava ao seu marujo,

quis, do dia o privilégio

trocar, da noite ao indulto;

E em uma das mais medonhas

que pintam poetas bruscos;

se foi direito ao seu beco,

a pé, sem moço, e sem russo;

Rebuçou-se de broquel,

encostou-se de verdugo,

e em bocejo de valente

deu seu escarro, com cuspo;

Ela, cuidando que era

o sinal do seu brandúzio,

abriu de manso o postigo,

e disse, em voz de sussurro,

És tu, Manoel? eu sou,

lhe disse ele, em voz de burro;

chega-te mais à parede,

que fazes mui grande vulto;

E espera, que eu logo venho,

não tardo, nem um minuto,

que a mãe já se esta despindo,

e o pai está bebendo fumo;

Foi-se Clori para dentro;

eis aqui Fábio confuso,

dando por feito o negócio,

e o casamento por nulo;

Tanto assi, que já tratava

de restituir lhe o furto

pondo a do século fora,

depois de lográ-la o lustro:

Neste tempo chegou ela,

em termos já mais jucundos,

dizendo: aqui estou, amores,

já os velhos ficam seguros;

Graças a Deus, que podemos

falar um pouco sem susto:

nisto um relâmpago dava,

com que ambos ficarão mudos:

Era uma nuvem prenhada,

que esborrachou com tal puxo,

que deu à luz todo o parto

que até então estava oculto:

Ela, vendo claramente,

que era outro o do rebuço

pelo berne do capote,

e do barrete o veludo,

Já tornada à sua voz,

com flato assaz iracundo,

lhe disse: Oh meu cavalheiro,

busque cações, ou cachuchos;

Não tem por cá que arranhar;

porque para meu conjugo,

ou um furo mais abaixo,

ou aqui atrás um furo;

Vá-se embora, antes que venha

quem o fará ir de pulo,

disse: e batendo a janela,

vai, e vira-lhe o rabúncio;

Não achei outro toante;

mas minto que antes o busco,

com licença do modesto,

por tapar a boca ao mundo;

Nem tem muito sal o verso

que não leva deste adubo,

que é só no que dão dentada

os críticos furibundos;

Eu conheço algum dos ditos

tolo invejoso perluxo,

que diz mal das minhas obras,

e delas faz seu pecúlio:

Mas que tem esta matéria

cá com o nosso discurso;

havendo em meu favor doutos,

pera superar estultos?

Vamos ver como está Fábio,

que ficaria, presumo,

mui alumbrado, e mui cego,

mui molhado, e mui enxuto;

Mas que mau foi para ele

o relâmpago, pregunto?

logrando ao lume de raios

dois olhos como punhos?

Tirou-lhe o uso da fala,

mas deu-lhe da vista o uso;

de não falar teve perda,

porém de ver teve lucro;

Livrou-se de um adultério,

desviou-se de um absurdo;

e atalhou, depois de freira,

um sacrilégio, ou estrupo:

Do Céu foi esta alenterna

que veio entre o lusco-fusco,

não a ser de furta-fogo,

mas a estorvar fogo, e furto:

Já vejo que o Presidente

me estranha (vindo este assunto

de relâmpago), vir eu

de versos com um dilúvio.

Não era o Conde de Unhão.

Indo o Autor com Dom Francisco Caim à casa do Mestre de dançar Irlandês; viu formar uma contradança, de vários cavalheiros, e outros de várias nações; em a qual se perderam; com outras circunstâncias que descreve.

Silva.

Já que tanto me esmero,

meu Conde, em dar-vos gosto, ouvi, que quero

contar-vos a galhofa prazenteira

que na noite passei, de quinta-feira:

Levou-me, como digo,

consigo um certo amigo, e bom amigo;

sendo, em liberais artes,

quase como as do mundo as suas partes;

Nem vi homem no mundo outro segundo,

posto que este o segundo foi do mundo;

que ainda que todos são filhos de Adão,

este só lhe faltou, matar o Irmão,

que é da Casa o segundo, e tão frecheiro,

que em destrezas de arco, é o primeiro;

de sorte que bem pode, de munheca,

frechar Ana, e Suzana, com Rabeca,

neste primor do estudo

há outros dous, que são Irmãos em tudo;

tanto assi, que de Apolo no teatro,

as nove aprender podem, deste quatro:

Mas como vou dizendo, fui levado

sobre um tal palafrém, mal amanhado;

(que me fez suspeitar,

que por ir à escola, ia a açoutar)

a certa casa, digo, desta terra,

que fica bem ao pé daquela serra,

tão subida, e tão alta,

que por Alva, da Estrela aqui se exalta;

cuja entrada, por traça,

era de um caracol, também com graça;

por ele enfim desci, e enfim cheguei

adonde vi, e ouvi, o que direi:

A Casa bem vestida, inda que pobre,

por títulos mostrava, que era nobre,

com outros documentos, que vieram,

onde eu tive lugar, porque mo deram;

mas não é de admirar,

que daquilo me deem, que tem que dar;

Sendo que pelo Mestre que os ensina

lição foi estrangeira, e peregrina:

Foi de uma contradança a boa entrada,

dentro de Babilônia fabricada;

pois de língua nenhuma havia mingua,

todas boas; que eu só era a má língua;

posto que diga alguém,

que não falo tão mal, e fala bem;

Tudo ali fez mudança;

e até eu, sem dançar, fui contradança,

pois tais cousas vi nela,

que forçoso me foi ser contra ela:

De oito o número era, em tão boa hora,

que não foi nesta conta Jorge fora;

um Inglês só, que ali turbado andava,

na conta não, no peso sobejava;

pois de cabeça a conta não sabia,

mas caía na conta, pois caía;

sendo que para a conta nada monta,

que nunca saiu certa, feita a conta:

Seguiu-se um andarino saltador

voltando com tal força, e tal primor,

que a gente duvidava

se era bugio, ou homem, quem saltava;

e mostrava o brichote, com tais saltos,

que nunca de vazio pagou altos;

não vi suster no ar com mais alinho!

o nosso voador era um cominho;

que este, no ar obrava,

e outro só no ar, é que falava:

Um mono mais saiu, solfista eterno,

lamentações cantando lá do Inferno,

com voz de Galão velho, que ferreja,

e com uma garganta de cerveja;

quando este tal cantava, os que o ouviam,

ao seu mesmo compasso todos riam;

ridícula figura em solfa esteve,

e enfadonha também, por não ser breve:

A este tal se seguia outro bugio,

de muito menos peso, que feitio;

mas este era bugio de verdade,

com toda a macacal habilidade;

suposto que instruído

no que tinha do mestre já aprendido;

este deu fim à festa, por tais modos,

que ficamos ali bugios todos;

e assim é, que sisudos e velhacos,

quando um bugio é, todos macacos:

coca nele

Ao Feliz e primeiro parto da Rainha Nossa Senhora, que foi às nove horas do dia, e a s nove do mês de Fevereiro.

Romance.

Jesus nome de Jesus!

que de poetas agora,

com pejo das suas musas,

darão do seu parto mostras!

Todos a Apolo pedindo

que lhe dê uma hora boa;

no que andam mui acertados,

sim, porque tudo quer horas;

Quantos nos seus madrigais

(que vêm de molde em tal obra)

darão muita badalada,

que essas nos partos são próprias!

Quantos estão abicados

a parir muita lisonja;

com preces, de que a luz saia,

o que desejam que mova?

Quantos, vendo que o seu fruto

sai mal de pés para fora,

buscaram algum parteiro

que dê nisso alguma volta?

Quantos vieram muito inchados

com suas prenhadas coplas,

que em vento se não desfaça,

espremida aquela coisa!

Quantos muito antes do parto

teriam obras na forja,

ou de versos macho-fêmeas,

ou de hermafroditas prosas?

Quantos com partos escuros

(que tal não há nem por sombras)

andaram quebrando águas,

que são de Aganipe borras!

Quantos vieram enjeitados,

que se a peito isso alguém toma,

corram tão boa fortuna,

que alcancem a sua roda!

Quantos com partos ocultos

vieram fingindo vergonha!

não porque disso se pejem,

mas que suspeitar se possa!

E quantos algum soneto

gerado em Petrarca, ou Gong’ra;

por seu, vieram batizá-lo,

com fé, com firma, e com forma!

E o que irá no bairro alto

na Academia agora nova!

de cujo Parnaso e fonte

eu ando prenhe até gora;

Ora, enfim, Deus os ajude

que eu seguindo outra derrota,

por não me encontrar com eles

lhes quero encontrar as trovas;

Para o que favor não peço

mais que a Deus; que Apolo é droga;

porque há mister muita graça

quem se mete em tanta glória:

Ei-lo vai, já estou em campo,

saia o toiro; fora, fora,

arda a Santa, ferva a Musa,

pés ao verso, mãos à obra:

Lá sai um todo admirado

e diz: que flor tão fermosa

brota ao reino a primavera!

e mente, que o inverno brota:

Diz outro, todo folhagem,

que esta produção de flora

para a terra é maravilha;

e mente, porque ela é Rosa:

Outro lá sai de mergulho,

e diz, que a concha alemoa

trouxe esta pérola Neta;

e ela é filha da tal concha:

Outro, sem outro conceito,

dirá, que é grande senhora;

mas eu vendo que tem ama,

digo que é criada, e moça:

Diz um, que El-Rei que Deus guarde,

já de homem tem dado mostra,

e eu também o digo ainda

que de fêmea a deu por ora;

Outro, que o Senhor Infante

Dom Francisco, teve e logra

muita parte desta dita;

e eu digo que a terá toda:

E o que lhe porão de nomes

de Estrela, de Alva, de Aurora,

de Minerva, de Diana,

de Flora, Palas, Latona?

Porém tudo isso é mentira

assi Deus me dê boa hora;

que eu não sei que nome tenha

antes que seu pai lho ponha:

Dirá outro, que o bom Duque

sempre teve, por pessoa,

de parteiro real jeito;

e eu digo que teve força;

Outro dirá que os fidalgos,

em galas, plumas, e joias,

todos fazem, o que devem:

e eu não digo nada agora:

Finalmente digam eles

tudo quanto dizer possam;

que eu, em tão alta matéria,

só digo, em rasteira forma,

Que Glória ao Céu, Paz à terra,

promete, e nos dá por novas,

parir no mês que Deus nasce,

a Rainha Nossa Senhora;

E rezando nove dias,

já que o faz as nove horas,

de que faça aos nove meses

nove anos, faço conta:

E que mais anos nos vivam

todas as reais pessoas,

dos que vive El-Rei de França,

que é Matusalém da Europa:

Isto disse, e mais dissera

um pobre, que em fazer trovas

verão que não anda inchado,

porém para cada ora.

Pedindo o Autor em Angola uma companhia pelos seus serviços, ao Governador Luiz César de Menezes, para o presídio de Caconda; promete de lhe mandar também negros, como é costume.

Décimas.

Meu Príncipe, desta vez

espero que o plectro obre,

suposto que para um pobre

Todo sucede al revés;

quem já tão raso me fez,

levante-me já de raso;

porque é meu timbre, em tal caso,

querer por sólo querer,

Porfiar hasta vencer,

Los empeños de un acaso.

Quem vê pelo que eu suspiro,

diz, contumaz em seu erro,

que sou néscio, em meu desterro,

sendo, El Sabio en su Retiro;

outros que a estes prefiro

companheiros desterrados,

no vaivém experimentados,

dizem com própria aliança,

que antes estão da tardança

Los amigos enojados.

Senhor, favores tão grandes

nunca poderei pagar;

contudo hei vos de mandar

El baliente Negro en Flandes;

ao vosso Vasco Fernandes,

e ao Rodrigo famoso,

mandar-lhes será forçoso

(pois de liberal me alabo)

En grillos de Oro El Esclabo

y El Negro más prodigioso.

Três negros são, não pequenos,

que ofereço de antemão;

e posto que só três são,

Pocos bastan, si son buenos;

a El-Rei, quando não de menos,

ao menos o servirei

com muito amigável lei;

e prometo, desde aqui,

que tenha em Caconda, em mi,

El mejor amigo, El Rey.

No Rio de Janeiro mandou prender ao Autor, o Governador; por fazer nisso a vontade a um seu valido que venérea e poeticamente se queixava do dito Autor; caso negado.

Romance em ecos.

Preso entre quatro caboclos

me tem Sua Senhoria,

por uma falsa verdade,

que de uma mentira tira;

Mas se deveras me apertam

por uma galanteria;

que fizeram, se aqui fora

o que na Bahia ia?

Adonde o governador

outra mais brava Talia

consentia que corresse;

pois quando corria, ria;

Se me acenavam com dados,

ia logo o jogo arriba;

e todo ano ganhava,

porque não perdia o dia:

Quando embarquei duvidava

que o Rio corrente tinha;

por isso escrevendo à margem

o que não convinha, vinha.

Fui bulir na casa de Áustria,

sem saber, por vida minha,

que este Conde Lucanor

cá de valia, valia

Além do tonto asnaval,

diz que também me malquista

um cabeleira forçado,

talvez porque tinha tinha.

Se eu me vira agora solto,

talvez que pouco sentira

de que ele a Belisa amara,

que eu amaria a Maria.

É uma linda Muchacha

por certo a minha Maricas;

e se não é tão fermosa,

é mais que Belisa lisa.

Tem já por hábito a moça

ser mais que água benta, pia;

mas ó lá, ter mão na manta,

que o centeio espirra, irra.

Isto só Fábio cantava

ao som de uma guitarrilha;

calando lá para fora

o que na enxovia via.

Estando o Autor, ou Réu, preso na cadeia da Bahia, porque o não matassem, segundo dizia o Governador Juiz, escreveu esta carta a Dom João de Alencastro, que tinha chegado de governar Angola: o seu crime todo era Amor.

Senhor

Cá do profundo de minhas misérias clamo e brado a V. Sª, porque sempre os gemidos de um pobre miserável, fizeram eco nos ouvidos de um Príncipe generoso;

Príncipes gentios houve, tão piedosos (sem terem a piedade por virtude) que jamais ouviram clamores, que os não remediassem; e se esta foi a condição de muitos bárbaros, qual será a de V. Sª? que nasceu Príncipe Magnânimo, sempre conservador daquelas prerrogativas, que andam vinculadas a tão esclarecido Sangue?

Eu, Senhor, sou um pobre preso, e para falar a V. Sª verdade e lhe dizer quem sou, não sou ninguém; nada sou, pois nada posso, e tenho dito tudo; que esta é a cifra melhor, onde com Tomás, Pinto o que sou:

Que estou preso, dizem alguns, por ser filho de Vênus, e falam às cegas nisto, pois não veem, que eu vejo, e que esteve a minha desgraça em ser mal visto deles; outros, que é pelo mal que fiz em querer bem; sendo que eu, nem para bem, nem para mal, me lembra que tal fizesse; mas dado caso que assi fosse, se a mi, de um pouco de bem, me vem tanto mal, que bem aviado estava Eu, se o meu crime fora querer mal a alguém? Eu os não entendo; mas convolo-me, com que digam que foi porque quis bem, e não porque fiz mal; Outros finalmente dizem, que é por meu bem, e não por meu mal; não por amante, senão por amado; e que preso me conservam a vida, por ouvir dizer que solto ma queriam tirar; ac d’El-Rei, se intentam matar me na prisão, eu me dou por morto, soltem-me; quero morrer de liberto por meu gosto, e não viver de preso sem vontade; escapar de chumbos, para morrer em ferros? Livrar de andejo, para estourar de opilado? aonde está aqui minha fortuna, ou sua compaixão? Solto o matador, preso o defunto, quem tal viu? O certo é, Senhor, que este zelo de minha duração, é o presságio mais certo de meu fim; pois querem tirar-me a vida a título de defendê-la; mas se de toda a sorte hão de matar-me, deem me sequer de alívio o eleger a morte; que se a do Sêneca foi de acento, se já a minha de passeio; poderá ser que de tanto caminhar, cobre no exercício a saúde de que me têm privado seis meses de estrado, ou de prisão; quiçá esperando até agora a chegada de V. Sª para lhe ficar devendo tudo:

Nosso Senhor guarde a pessoa de V. Sª e lhe conserve o estado como se deseja.

Enxovia 7 de Agosto de 1696

Humilde Criado de V. Sª

Tomás Pinto

Em tempo de fome de farinha no Rio de Janeiro, estava um Almotacel repartindo ao povo uma canoa dela; e com a confusão da muita gente, se virou a dita canoa, e naufragaram todos; em que entrava um Meirinho torto, e um cacunda.

Décimas.

Vem me perseguir a grade,

que descreva a geral mágoa

daquela farinha de água,

que também é novidade;

Eu por fazer a vontade

a tanta gente mesquinha,

digo que só o Sardinha

ser almotacel lhe toca;

por que de farinha pouca

nos faz um mar de farinha.

Todos devem aplaudir

deste almotacel a taxa,

pois no Rio a põem tão baixa,

que já não pode subir;

isto não quer consentir

o povo pasmado e mudo;

porem eu louvo-lhe o estudo;

que se a farinha comprada

era até ‘qui tudo nada,

agora é já nada tudo.

Era um gosto, ver nadar

um, que com tal desvario,

sendo meirinho do Rio,

se fez meirinho do mar;

foi caso para admirar

o arrojo que fez no porto;

pois deixando o povo absorto

por todo aquele arrebol;

Se deitou qual outro anzol

que não prende sem ser torto.

Por ser homem de mais jeito

lhe foi a desgraça boa;

que era torto na canoa,

e foi-se ao fundo direito:

outro que tomou a peito

o salvar quanto se inunda;

entre aquela barafunda,

cuidei, quando ressurgia,

que um saco às costas trazia,

e no cabo era a cacunda.

Estribilho.

Esperem que nasça ou suba

a farinha do Oceano;

por que há de haver para o ano

muita mandioca puba.

Mote que saiu das Freiras, quando lhes proibiram os amantes, demasiados.

Manda El-Rei nosso Senhor

Que ninguém nos tenha amor

Glosa.

Manas, morremos de fome,

vamos chorá-lo na cama;

por que uma Freira sem mama

é como mulher sem home;

qualquer de nós calça e come

do fidalgo, do senhor,

do pelão, do mercador,

do frade e do secular;

que são os que degradar

Manda El-Rei Nosso Senhor.

Já para o vício não temos

quem nos dê socorro algum,

por que os bens de cada um

é o bem que lhe queremos;

cabalmente merecemos

a justiça que em rigor

manda El-Rei nosso Senhor;

por que é de razão, e é bem

(se o não temos a ninguém)

que ninguém nos tenha amor.

Outra glosa

Deu fim o criminal uso

ou regra das nossas artes,

por que foi a El-Rei por partes

o nosso feito concluso;

todo o Tribunal, escuso

se mostra em nosso favor;

e nem já para o de amor

poderemos apelar

da sentença, que intimar

Manda El-Rei Nosso Senhor.

Só quem de amor quebra a lei

é que manda desterrar;

que El-Rei não pode mandar

no amor, que é também Rei;

o que visto, e o mais que eu sei,

que por honra, ou pundonor

encobre o nosso calor;

não deixa de ter razão,

acordar em Relação

Que ninguém nos tenha amor.

Fazendo anos uma freira de Odivelas, outra lhe representou uma Loa, em metáfora de flores, ao que ela respondeu com estas.

Décimas.

Com termos tão soberanos

ostentaste as bizarrias,

Fílis, que foi dos teus dias

a flor, mais que dos meus anos;

Mas se com tais desenganos

tanto em prendas te adiantas;

certo é, que são tuas, quantas

me representas e apontas;

pois quando os meus anos contas,

é quando os teus dias cantas.

Nas tablas da primavera

representaste, em verdade,

o que havia em mi de idade,

e o que em ti Deidade era;

só cabalmente pudera

louvar-te, quem mais te aclama;

pois no teatro da fama,

que em azas de amor se funda,

fazes, não tendo segunda,

papel de primeira dama.

Por flores que produziste

os meus anos numeraste,

e rosa multiplicaste

o que em flor diminuíste;

se em teu contato consiste

tal número de primores;

para créditos maiores,

permite me, em somas tantas,

que à conta das tuas plantas

se ajustem as minhas flores.

A um seu amigo que uma noite lhe emprestou uma mula, para ir para Casa; a qual deu tanto coice, ao montar-se, que escolheu o Autor, por mais barato, andar a pé, que cair a cavalo.

Décimas.

Senhor Matias da Costa

essa mula, ou tentação,

que tendes da vossa mão,

pera ser bem de mão posta,

eu quero fazer aposta

que a primeira não foi essa;

e já ninguém da cabeça

me tira, por mais que faça,

que a manha nela, é em vós traça

de que ninguém vo-la peça.

Sem puas podeis montá-la,

pois que tão, bem, se revolve;

e mula que se resolve,

é escusado o picá-la;

importa agora suá-la,

por livrar de outros tormentos;

porém por mais unguentos

que lhe deem, por que não bula,

eu antes que a vossa mula,

escolho os meus corrimentos:

Suposto o sestro em que deu,

ninguém há que negar possa,

que é mui grande besta a vossa;

mas maior asno sou eu;

a que a mi me sucedeu,

a ninguém sucedera;

por que desmontando lá,

não sei se lá desmontei,

pois dentro a casa cheguei

dizendo sempre arre lá.

arre lá

Sátira a cinco Senhoras Condessas que mandaram chamar o Autor para uma merenda, e quando ele esperava doces, lhe deram só azedinhos, vão nomeadas nos títulos, com rebuço.

Décimas.

Senhoras, eu estou picado;

tenham vossas excelências

todas quantas paciências

eu tive no seu chamado:

Cuidei que por achacado,

doídas das minhas tosses,

me iam meter nas posses

de uma merenda afamada;

e que achava, quando nada,

cinco condessas de doces.

Cinco horas de jejuar

me tiveram posto ali;

mas se faltarão a si,

eu a mi não sei faltar;

que não quero arrebentar

disso que vim embuchado;

pois sem comer um bocado;

por tão vergonhoso meio,

não deixei de vir bem cheio,

por que saí muito inchado.

Oh quem pudera cantar

(para bem me vingar dela)

uma que à sua janela,

mil vezes vejo Assomar!

mas obriga me a calar

outra da mesma feição,

que é capaz, e com razão,

de pintar-me no focinho,

que farto de São Martinho

tenho sede a São João:

Outra branca em demasia

não achei tão confiada;

antes um pouco enfiada

talvez do que não queria;

na flor que eu lhe conhecia,

na suavidade, e na cor,

podia largar o amor

por elas redes e barcos;

porque debaixo dos Arcos,

não vi semelhante flor.

Outra tesa de pescoço,

me chamou, por embeleco,

magro, quando eu não sou seco,

velho, quando sou seu moço;

desdentado, quando eu posso

morder, como bem se prova

no estilo da minha trova;

mas se a chamar nomes vai,

ouça novas de seu pai,

folgará de ou, Vila Nova.

Outra prezada de prosa

e em tudo perliquiteta,

bem mostrou no ser discreta

quanto seria fermosa;

por criar sangue, teimosa

comigo esteve a entender,

e a picar; mas a meu ver

creio que escusava tal;

pois de sangue em Portu Gal

veias tem como qualquer.

Enfim, se neste tratado

alguma tenho ofendido,

já me prostro arrependido,

já mereço perdoado;

já tenho desabafado,

já disse tudo o que quis;

porém mente enquanto diz

a Musa praguejadora;

que qualquer é mui Senhora

do seu doce, e o seu nariz.

é.

Sustância dos Bailes sem ela.

Romance.

Fui a um baile, a outra noite,

por curiosidade alheia;

que ‘inda que sou de carne,

para amigos sou de cera;

Entrei na Casa dos Mudos,

ou dos doidos, que era a mesma,

estes, por que apareciam,

aquel’outros porque o eram:

Ali estive quase uma hora

duvidoso na certeza,

acertado na ignorância,

e no entendimento besta;

Por sinal que fui em coiro

desde os pés até a cabeça;

mas logo mudei a pele,

pondo àquela vida emenda:

Recolhi-me para casa,

e pus-me a cuidar na asneira

de dar por cousa, nenhuma

a minha meia moeda,

Meia moeda de nada!

há quem nada comprar queira!

e pera o nada concorre

o tudo bom desta terra!

Com meia moeda mando

ao açougue e à Ribeira,

ao Terreiro, e ao Rocio,

ao chafariz, e à taverna;

Tudo isto é certo que faço;

pois se com meia moeda

tanta coisa comprar posso,

gastá-la em nada, é asneira;

Vendo saltar pera o ar

este, aquele, aquela, e esta,

uma desordem sem modo,

e uma ordem sem maneira;

Todos sem dizer palavra,

exceto algum, que às orelhas

do outro, mostrava que as tinha,

e assim dizia quem era;

Uns a olhar pera os outros,

sem que nenhum se conheça;

e todos adivinhando:

aquela é Dona Tereza;

Esta é Dona Hermafrodita,

aquela Dona Michela,

aquel’outra é a Sota de Oiros;

esta aqui, não sei quem seja;

Uns com acento no ar,

outros sem ele na terra,

gravemente carregados

das suas mesmas cadeiras;

Era um número sem conta,

uma medida sem regra,

uma companhia estranha,

uma sociedade incerta:

Era uma cegueira muda

uma claridade cega,

uma confusão luzida,

com gravidade burlesca;

Uma verdura sem taxa

uma madurez com pecha,

uma novidade antiga

e uma velhice mui fresca;

Ali vi avaliada

a boa e galante ideia

de quem mais disforme vinha,

e mais ridículo era;

Alguns na mudança firmes,

outros sem pés nem cabeça,

afastando-se da forma,

e a meter-se na matéria;

Muitos por opinião,

alguns por conveniência;

outros, por andar às voltas

com aquelas machas fêmeas;

Tudo atrás de um beliscão

na mão só, porque na perna

o que o der, se põe no risco

de dar com alguma penca;

Umas caras de veludo,

com suadas entretelas;

umas sedas de bom corpo,

e um corpo de bem mas sedas;

Verdade é, que vão algumas

caídas do Céu à terra

serafins da hierarquia

de Bernarda, ou Gabriela;

Ou por aquele, ou por si,

ou por esta, ou por aquela;

ou por caírem em graça

os que desejam ter queda,

Todos entram, nenhum logra,

todos andam, nenhum chega;

uns a pegam, e outros pagam,

posto que o que paga deva:

Vão embora; mas advirtam

que os que lhe armam a esparrela

com isso lhe cai o rabo,

e dizem-lhe: rabo leva:

Mal por mal, paga por paga,

antes dos cães a zarzuela,

onde toireia um bugio

com a cara descoberta;

Também dançam, e não falam;

também são machos por fêmeas;

não com caras de veludo,

mas com focinhos de felpa;

No que toca a cães, é o mesmo,

sem nenhuma diferença;

que se há prazeres da outra,

mui bons gozos se veem desta:

Mas a outra corriola,

que a não pode haver mais certa,

pera mi há de ser graça,

se tornar a cair nela;

E se me tentar a carne,

que inda mal que a todos tenta;

com meia moeda compro

cama, e mesa, dança, e sena:

Ora não se desconsolem,

que isto em mi tudo é quimera;

os bailes são mui galantes,

para quem tem bem moedas:

Mas por meter-me na conta

de uma gente circunspecta,

que todo o baile abomina,

e um não há a que não venha;

Se outro, como o de Domingo,

houver; hei-de ir, mas que venda,

(por ver se me chega a tudo)

o ofício que me não chega;

Os defuntos, e os ausentes

tenham santa paciência,

que é força que o seu ofício

de corpo presente perca;

Vivam sem mi os defuntos

lá no seu requiem aeternam;

que só da casa dos bailes

apeteço a luz perpétua.

Luceat.

No Batizado do primeiro filho do Conde de Prado, neto do Marquês das Minas, e da Senhora Condessa dos Arcos.

Romance.

A bautizado nem boda

vai sem seres convidado,

diz o adágio português;

e é bem português  adágio!

De sorte que onde é preciso

ser o aplauso voluntário,

haverá homem tão tolo

que espere ser avisado?

Eu hei-de ir, vá como for,

por meu gosto e meu regalo;

e se me chamarem louco,

também isso é ser chamado:

De ser doido razão tenho,

principalmente em tal caso,

onde ao mais alto miolo

creio que sobe este parto;

Porém sem vestido novo

ir lá, não sei se bem faço?

tendo alcançado tais tempos

como os tempos alcançados?

Mas sempre faço negócio

cá pelas contas que lanço;

por que se a festa é de empenho,

ninguém mais que eu empenhado;

Não tem remédio; enfim entro;

e o que cá vai de fidalgos!

já vejo que os escolhidos

aqui são mais que os chamados;

Tanta vestia de Téssum!

tanto lindo, e tanto guapo!

aqui tinha eu agora

razão de ficar pasmado!

Que os que dizem que é mal dito

na minha boca o louvado,

por força neste acidente

diriam que foi um pasmo!

Porem já estou mais contente,

por que cá vejo, e cá acho

muita gente do meu fio,

posto que não do meu pano;

Direi duas palavrinhas

aqui detrás agachado,

adonde, desconhecido,

me não possam ver ingrato:

Tanto oiro, no florido,

tanta flor, no galoado,

não é muito; se oiro e flores

produzem Minas e Prados;

Esta verdade é tão pura,

quanto este conceito é claro;

do Prado isto é o que colho,

das Minas isto é o que cavo;

Todos são uns ramalhetes

que vêm para o bautizado,

não dos Arcos do Rocio,

mas do Rocio dos Arcos

E o Marquês como está alegre,

vendo que em seu verde Prado,

entre os cravos mais vistosos,

vem nascendo o Passo de Arcos!

Ao encontro que teve António de Albuquerque no mar com três Navios de Moiros, vindo em uma nau mercante do Rio de Janeiro, naquele ano que lá entraram os Franceses, governando Francisco de Castro.

Décimas.

Culpa fora, e não pequena,

quando mete, em tal armada,

o Albuquerque que mão à espada,

não meter eu mão à pena;

Outra mais alta Camena

houve em seus antepassados,

na Índia tão decantados,

por si, e por suas ações;

como lá disse Camões

nos varões assinalados:

Se de tal esforço e brio

houve quem quis duvidar,

aqui viu claro no mar,

o que foi sombra no Rio;

que se lá de outro o mau fio,

deste embotava o bom corte;

já agora de toda a sorte

verão, que até no impossível

é Albuquerque terrível;

assi fora o Castro forte.

Deram ao Autor para glosar o seguinte Mote.

Una esperanza me alienta,

cuando de una ausencia muero.

Glosa.

Neutral mi discurso alcanza,

que en la gloria apetecida,

si la esperanza da vida,

también mata la esperanza;

ni de una, en la confianza,

ni de otra, en lo violenta,

quejarse mi amor intenta;

viendo que en mi suerte ingrata,

si una esperanza me mata,

una esperanza me alienta.

Rabiando estoy, de esperar,

muriendo, de no venir;

penando para morir,

viviendo para penar;

en tal suerte, y tal azar,

pues espero, y desespero,

saber no puedo, aun que quiero,

entre mortal, y insensivo,

cuando de una vista vivo,

cuando de una ausencia muero.

A um amigo que lhe mandou uma bandeja de uvas, e uma caneca de vinho de passas.

Décimas.

Eu, meu Gonçalo, presumo,

que estais a dar me disposto

em bandejas, sumo o gosto,

em canecas, gosto e sumo;

Seguir de tal ramo o rumo

me faz o vosso carinho;

e pois que com tanto alinho

andais nos mimos frequente;

para o futuro presente

seja pretérito o vinho.

Ao novo invento de andar pelos ares.

Décimas.

Esta maroma escondida

que abala a toda a cidade;

esta mentida verdade,

ou esta dúvida crida;

esta exalação nascida

no português firmamento

este nunca visto invento

do Padre Bartolomeu,

assi fora Santo eu,

como ele é cousa de vento.

Esta fera passarola,

que leva, por que mais brame,

trezentos mil reis de arame

somente para a gaiola;

esta urdida paviola,

ou este tecido enredo;

esta das mulheres medo,

e enfim dos homens espanto,

assi fora eu cedo Santo,

como se há-de acabar cedo.

Ouvindo cantar uma de duas Irmãs fermosas, lhes perguntou como se chamavam, e elas lhe deram os nomes, neste Mote.

Mote

Josefa quando Luzia

Glosa

Não pode negar ninguém,

com tão belas conjecturas,

que estas Irmãs fermosuras

fermosura Irmã não tem;

oh quem ponderara bem,

naquele gostoso dia,

o candor, e a melodia

com as almas elevava,

Luzia, quando cantava

Josefa, quando Luzia.

A uma Dama que matou uma borboleta, por na Luz se não queimasse.

Foi Assunto Acadêmico.

Romance.

Satisfazendo ao Assunto

que se deu nesta Academia,

pelo Senhor João António,

novo Secretário nela;

A quem (pelo bom despacho

das partes) eu bem pudera

fazer um grande elogio;

mas duvido que ele queira;

Porém o muito que é lido

se verá aqui quando leia;

om tanto que o verso parta,

por que fique a prosa inteira:

Ora ouçamos o romance;

onde espero que se veja,

uma frase licenciosa,

com princípios de modesta;

E o que aqui se terá dito,

pelos Senhores poetas,

desta sempre mariposa,

e nunca já borboleta!

Uns lhe chamariam simples,

outros, entendida néscia;

por que a boa luz andara,

no tempo que andou às cegas:

Outros, que era salamandra;

mas eu nunca tal dissera,

que essa está viva no fogo,

e aquel’outra faz-se à vela:

Uns inocente queimada,

outros, avesilha em pena,

também na Arábia nascida:

assi ela renascera:

Outros, que por luzes morre,

e que delas se sustenta;

mas bicho que come fogo,

ser cagalume pudera:

Não sei se foi bom o Assunto,

por que tantas borboletas

é praga; e permita Apolo

que não caia nas Tercenas;

É uma mãe de mosquitos,

e de gorgulhos parenta,

que do trigo nas entranhas

por aqueles grãos se gera:

Eu pertinaz lhe chamara,

sempre à roda da fogueira;

pois sendo uma coisa grande,

por diminuta se queima:

Mas chamem-lhe trinta nomes,

que isto não é da matéria;

vamos a obra mais filis,

que a não há mais Fílis que esta:

Dizem que estava esta Dama

com a luz em competência

(que nisto de luzimento

Fílis sempre andou acesa).

Chegou uma sevandija,

disfarçada em borboleta,

e começou toda em giros

a rondar de ambas, a esfera;

Como as luzes eram duas,

e Fílis fosse a primeira,

vendo do bichinho as foscas,

entendeu que eram com ela;

Teve impulsos de matá-la;

porém venceu-se, discreta;

assentando, que devia

perdoar lhe, por pequena;

Deu-lhe com a mão três vezes,

nunca quis estar quieta;

até que já de enfadada

zás, deu-lhe outra, e ficou lesta;

Branca será a mão de Fílis

de fio a pavio era,

que o desejo lhe acendia;

e o desejo matou nela:

Porem tudo isto é mentira,

que a mão era a neve mesma;

e não morreu abrasada,

quem teve uma morte fresca;

Se às duas tochas dos olhos

se chegara esta inocência

(como é chama mais ativa)

mais apressada morrera:

Bem pudera alguém que eu cuido

fazer disto algum problema,

sobre qual de duas mortes

em fogo, ou neve, é mais bela?

Ele dirá que a segunda;

mas eu digo que a primeira,

por ser mais agasalhada,

e a outra mui friorenta;

Porém, sendo às mãos de Fílis,

é bem que ambas apeteça,

quem para enterro amoroso

busca fogo, e acha cera;

Mas é certo que esta morte

foi exemplo ou advertência,

para que, em sendo sagradas,

ninguém às luzes se atreva;

E talvez que alguma pobre

(depois de ter à candeia

morta muita infinda pulga)

matasse esta borboleta;

Fábio séria o vizinho

pobre também; e é miséria

que uma mariposa assada

seja o comer dos Poetas!

Tenho acabado o pratinho;

se há quem mais assados queira,

eu creio que a salamandra

virá na segunda mesa  .

proficiet

A uma Dama, despojando-se de seus adornos, no tempo Santo da Quaresma.

Assunto Acadêmico.

Romance.

Em Diálogo; interlocutores Fábio, e Lizes               ;

Fábio       Que é isso, Lizes     , que fazes?

tem mão, Menina, estás doida!

para que, ou por que causa

deitas essas fitas fora?

Lizes        Isto havia de ter termo,

Senhor Fábio, vá-se embora;

que se até ‘qui fui aquela,

entenda que já sou outra:

Fábio       Sem que o motivo

aqui hei de estar por força;

que é muito tanta mudança

dentro de vinte e quatro horas.

Lizes        Não tem que fazer comigo

em matérias amorosas;

que estou hoje confessada,

e arrependida de louca.

Fábio       Qual foi o servo de Deus

que te obrigou a tal coisa;

dando-te por penitência

o verem-te descomposta?

Lizes        Foi um frade muito velho;

mas reverenda pessoa;

por que era aqui da Trindade,

Padre mestre em toda a escola.

Fábio       Se foi por não tentar homens,

Lizes, quanto melhor fora,

mandar que os olhos fechasses,

e não abrisses a boca,

Que aqui é que estava a graça;

o frade os termos ignora;

nem te aconselhara isso

outro; e mais se fosse borra:

Os teus brincos tão galantes,

as tuas fitas mimosas

que trazias de mais uso

no teu leque de mais moda?

E sobretudo o manguito

que ontem te comprei em folha,

de uma pena tão comprida

como a que me fica agora?

O frade tira-te os laços?

não vê, que se as ondas soltas,

não somente as almas prendes,

mas os sentidos afogas?

Não vê, sem manguito ou luvas,

que essas espadas de alcorça,

nuas matam mais, aos mesmos

que se fiavam na coira?

Finalmente não repara,

que se mais dizes não compras,

prejudicas a um terceiro

como Manoel de Moira!

Lizes        Diz que não traga donaire,

e que me não meta em roda;

por ser o caminho estreito

pela Calçada da Glória:

Fábio       Isso agora é impossível;

nem creio que tu tal possas;

por que o donaire é a muita alma,

desse corpo gala própria,

E se a verdade te digo,

agora estás mais fermosa;

muitas figas para a arte,

donde a natureza touca.

Lizes        Já digo que ouvir não quero

nem verdades, nem lisonjas;

que estou em termos contrita,

de ir meter-me em uma cova.

Fábio       Lizes, por mais que me digas,

tu furtastes alguma coisa;

ou disseste mal de frades

tirando lhe a sua honra.

Lizes        Também pudera ser isso;

mas é muito pior cousa;

não pode haver maior culpa;

nem mulher mais pecadora.

Fábio       Pois dize-me o que fizeste;

que eu te juro, nestas horas,

de guardar tanto o sigilo

como se fosse uma joia:

Lizes        Eu disse (Jesus me valha)

Caem-me as faces de vergonha)

eu não me atrevo a dizê-lo.

Fábio       Ora dize, dize, tola.

Lizes        Eu disse mal da Acadêmia:

Fábio       Tem mão, não digas mais, moça;

não sei de tão grave culpa

quem pode haver que te absolva!

Esse pecado, é somente

reservado a Helicona,

adonde a culpa só lava

quem lá bebe do que chora;

Há maior atrevimento

de uma rapariga tonta!

e não cai de Apolo um raio

sobre ti, ainda que és loira!

Tu atreveste ao Sagrado,

judia, infame, traidora!

dize-me, como foi isso?

que me estão tremendo as coxas:

Lizes        Falei só nas lições largas,

nas dúvidas enfadonhas;

e estranhei o pouco acento

da gente que em pé está posta.

Fábio       E tu como sabes isso,

ou quem diabo te informa?

por que lá não vão mulheres,

salvo algum par de senhoras?

Lizes        Que me diz, Dom Fábio? isso

para mim é cousa nova,

Senhoras vão à Academia!

como, quando, ou por que porta?

Fábio       O quando, é como bizarras,

o como, é quando ociosas,

a porta, é para o nascente,

por donde entram Sóis e Auroras.

Lizes        Ver o Sol à meia noite

há de ser coisa espantosa;

que estrelas ao meio dia

vê cá muita gente boa.

Fábio       Eu sou um desses, que às vezes

as acho no Zenith postas

da Mesa; onde entro a dar de olho,

mas nunca a pedir de boca;

Mas destas, não há nenhuma

que às lições dúvidas ponha;

por serem dadas a elas,

e mui amigas de histórias.

Lizes        Lá também vai muita gente

que vive de dar más novas;

e como vão gentes várias,

ouviu a várias pessoas.

Fábio       Logo tu não concorreste?

Lizes        Não; mas gostei da galhofa.

Fábio       Em fim de leve pecaste,

mas não abjuraste em forma.

Podes para as endoenças

(que eu dispenso por agora)

mandar comprar outras fitas,

e seja da tua bolça;

Não faz dúvida que erraste,

mas a emenda é o que importa;

e pois escapamos desta,

não tornar a cair noutra.

Lizes        As Lições, pelo que dizem,

não deixam de ser mui doutas;

mas digo a Deus minha culpa,

que enfadam por largas todas.

Fábio       Enfim, Lizes, tem paciência;

e permita o Céu, Senhora,

que tão boas obras faças

que te façam boas obras.

A Alexandre atando a ferida de Lisímaco, com o seu Diadema.

Foi Assunto Acadêmico.

Romance.

Neste assunto, ou nesta cura

bem podia, se eu pudera,

picar à minha vontade,

que a ferida dá matéria;

Porém devagar com isso,

não acorde o meu Poeta;

que da Sátira passada,

tenha ainda a ferida fresca;

Entrou pois, sem mais folhagem,

por esta classe, primeira,

nosso amigo Quinto Cúrsio

com uma história seleta!

Que Felipe de Macedo

teve um filho de tais prendas,

que não só era Alexandre,

mas também surgião[7] era.

Este, lá nessa campanha

que fazia contra o Persa,

vendo um amigo ferido;

(suponho que na cabeça)

E se acaso foi no braço

era da parte direita;

que da esquerda não podia,

em respeito da rodela;

Mas isso não faz ao caso

talvez fosse da perna;

que a rodela do joelho

não tem nenhuma defensa;

Além disso em Macedônia

não se usavam joelheiras;

e a trazer bota, não sei

se o adágio lhe valera;

Porém fosse donde fosse,

sei que a ferida foi certa,

por que assim o teste ficam

trinta moços da estribeira:

De um Bucéfalo em que vinha

Alexandre, a toda a pressa

se apeou e partiu logo

a curá-lo de carreira;

Para reparar-lhe o sangue,

de que tinha Reais veias,

pouca púrpura doirando,

esmaltou muito diadema;

Quer dizer isto que o braço

lhe atou por então com ela;

que era o lenço que trazia

mais à mão, ou à cabeça:

E que exemplo, para muitos

que andam cá pelas fronteiras,

quando ao atar das feridas

chegam, se a tanto algum chega!

Ação foi bem como sua,

grandiosa, quanto discreta;

mas que esperar se podia

de cabeça como aquela?

Ficou bizarro o Monarca

ainda mais sem o diadema;

pois só daquelas feridas

vestia a sua grandeza;

Darlo todo y no dar nada

se pode dizer por esta;

que tem direito à Coroa

todo aquele que a sustenta;

Lisímaco era um moço

de conhecida nobreza,

que Alexandre venerava

com indicações paternas,

Nem do Médico o fiava,

como que se já tivera

deste traidor galenista

a venenosa experiência:

Muitos surgiões[8] havia

que lhe caíssem à perna,

daqueles de mãos untadas,

e também dos de mãos cheias;

Porem queria-lhe muito;

e em finas correspondências,

só com pontos de amizade

cozia de amor doenças:

Também lhe não faltaria

alguma camisa velha

que ali de panos, ou fios

servisse à cura primeira;

Mas a um homem do seu pano,

ou do seu fio, que o era,

em si quis mostrar a liga,

no delgado da fineza:

Porque é também de advertir,

que se na dita pendência

Alexandre se arranhara,

Lizímaco se rompera:

Porém não sei, todavia,

se como digo o fizera;

por que reinar intentava,

e é mau curador quem herda;

Mas se Alexandre o sonhara,

talvez que por mais destreza,

carrapato, na ferida,

como surgião fizera:

Enfim aquela atadura,

depois do braço, ou da perna,

por achaques de Coroa,

lhe serviu para a cabeça;

E basta já de romance;

não quero que lhe suceda

o que às prosas dilatadas

sucede nas Academias;

Não há. quem contente a todos;

e se a falar vai deveras,

a prosa faz boa praça,

porém a gente deserta:

Assentemos que Alexandre,

ou já na paz, ou na guerra,

era em tudo um grande homem;

porém também torto era

Deo gratias

A uma Dama que trazia um Relógio, com um Cupido por Mostrador:

Foi Assunto Acadêmico.

Romance.

Diz, que na outra Academia

alguns me fizeram honra

de julgar certas palavras

por quase licenciosas;

Andaram discretamente;

e agradeço lhe a lisonja,

para que em outra não caia,

se é que a tenção não foi outra:

Eu também fizera o mesmo;

se aqui jogara de fora;

que os mirones tem licença

de emendar todas as obras:

O assunto é que teve a culpa

de eu cair em tais vergonhas;

mas agora hei de emendar-me

por que tudo vai a horas:

Louvo ao Senhor Secretario

o atrasar-me nesta história

que é mau relógio, o dianteiro

na hora de que se gosta,

Se algum Poeta aprendiz

de Relógios, nesta escola,

achar que o seu é mais certo,

e entender que o meu desdoira;

Faz mal, por que me castiga

o que o mestre me perdoa;

E para que aqui não pare,

agora lhe dou mais corda:

Isto é já parte do assunto;

e por que melhor o exponha;

digo que tinha uma Dama,

(há-de ser Fílis por força)

Tinha Fílis, como digo,

(que lho mandaram de fora)

um Relógio, coisa grande!

por ser mui pequena coisa;

A fábrica era do tempo,

e da Fortuna era a forma;

que aquele lhe deu o Curso,

e esta lhe emprestou a Roda;

o mostrador lhe faltava;

e porque a viu desgostosa

Amor, lhe deu uma flecha

que trazia de mão posta;

Como viu que ela rendia

mais que ele, por mui fermosa,

quis andar por mão alheia

flechando todas as horas;

E por Fílis repartidas

seriam deliciosas;

que nela o tempo que passa

é passatempo que volta;

Ela também lá teria

suas horas de amorosa,

que no regaço ou no seio

Amor lhas mostrasse todos;

O rapaz andou galante,

por que lha trouxe em pessoa;

que em tudo o que toca à Fílis

está pronto a toda a hora;

Quando um ou outro queria

usar de horas matadoras

buscava o tempo de frecha

sem star com ele de ponta

Para os amantes do tempo

era muito boa bolsa;

que andam de amor na algibeira

namorando, e dando horas;

Mas uma dúvida tenho

que pôr ao dono, ou à dona,

do relógio, ou do assunto;

e argumento nesta forma:

Diz o senhor secretário

que uma frecha as horas mostra;

bem; logo para os minutos

era necessário outra;

Se a não tem, é erro crasso;

se anda errado é uma droga;

e importa dar-lhe uma emenda

que tanto à Dona lhe importa,

Porque quando o ponha em venda,

ninguém dúvida lhe ponha;

antes veja no argumento

que é um relógio de prova:

Esta é a minha pergunta,

tomara ver a resposta;

para que a três satisfaça,

ao relógio, a mi, e à moça;

Diga-nos, muito depressa,

quem os minutos lhe aponta!

e se me disser que um chuço,

estou satisfeito, é boa!

Porque há minutos tão tristes

filhos de minguadas horas,

que merecem por ponteiro

um chuço, e uma cachaporra:

Porem se Fílis quisera

de frechas fazer escolha,

cinco da sua mão tinha

naquele carcás de alcorça;

Quem duvida que seriam

horas por tal mau dispostas,

para os males apressadas,

para os gostos vagarosas!

Mas sinto-lhe bem trabalho

que há-de andar a pobre moça

em movimento contínuo

sempre com relógio às voltas:

Era feito no Ocidente

tão moderno e tão da moda,

que Fílis sempre o trazia

justo com o da Sé nova;

Se na mão sempre o trouxera,

e uma foicinha na outra,

geroglífico notável

seria de minha sogra:

O relógio é coisa linda!

mas eu já vi melhor obra

da mão de um mestre excelente

que ali na Ericeira mora;

Deu-se naquele certâmen

que me teve muita conta;

de repetição não era;

porém isso a mim me toca;

Neste, por mais empenhadas,

jejuam muitas pessoas;

naquele, quando haja empenho,

são horas de jantar todas:

Eu não tenho mais que diga

a este relógio, por ora;

fique por ora parado,

para que mais nos não moa:

Fílis, pega nessa frecha,

e vê lá, se são já horas

de irmos para as nossas casas

buscar ceia, cama, e coisa.

vamos.

A Júlio César, chorando, quando viu em Cádiz uma estátua de Alexandre.

Foi Assunto Acadêmico.

Romance.

Muito deve Júlio César

ao nosso bom Secretário;

que são poucos os certamens

em que ele não saia a campo!

Porém também Alexandre

lhe há-de dever outro tanto;

porque entra na mesma conta

já repartindo ou já armando;

Mortos, donde quer que estão,

lhe vivem mui obrigados;

que é seu amigo nos ossos,

e vem mesmo em carne honrar lhos,

Queira Deus que não se encontrem

no outro mundo, por acaso;

por que só em comprimentos

hão de gastar seu par de anos:

Cá por certa experiência,

que todas as horas faço;

de Alexandre muita cousa

no tal Secretário acho.

De Júlio César também

lhe vejo seu par de laivos;

que é pelas Letras valente,

e pelas Armas bizarro.

Aqui vinha bem o Estilo

do nosso assunto passado;

por que também escrevendo

o investem êmulos vários;

Podem atirar-lhe à vista,

porém não hão de matá-lo,

que tem vida de sobejo

na memória do seu lauro:

Não sei que têm os assuntos,

que sempre deles me afasto;

mas isto em mim é história;

agora vamos ao caso:

Cansado o tal Júlio César

de muito andar embarcado,

buscou de Cádiz o porto,

para refresco, e descanso;

Viu, quando saltou em terra

uma estátua; e perguntando

quem era aquele colosso!

lhe disseram que era o Magno;

O tal duro relativo,

a este sustantivo brando

foi um qui que quod de pedra

muito malus mala malum;

Por que à memória lhe trouxe

alguns casos atrasados,

que não serviram de exemplo

a ninguém; antes de espanto;

E até a nós outros poetas

vêm hoje a servir de enfado;

que assi como em ferro frio,

em pedra dura malhamos:

É possível, Alexandre,

lhe dizia o velho honrado,

tremendo e dando à cabeça,

erguendo e cruzando os braços,

É possível que te encontro!

é possível que te acho

(quando te buscava tenro)

de coração empedrado?

É possível que te vejo,

é possível que te apanho,

ao rigor do tempo exposto,

tendo sido dele o estrago?

Disse: e o mais que tinha preso,

desatou logo em tal pranto,

que até eu já me envergonho

de ver chorar um barbado.

Alexandre mudamente

lhe respondeu (por que o passo

faria chorar as pedras)

nesta forma, em castelhano:

Julio amigo, a tus primores

viva estatua soy de mármol;

más tiempo habré, en que tú seas

de piedra mi convidado:

Vete en paz, que en otro mundo

hablaremos más de espacio;

e não disse mais o verso,

nem sei como disse tanto:

Que as pedras falavam dantes

me tinha meu pai contado;

e séria nesse tempo

a vida deste padrasto:

Alguns dos seus lisonjeiros

juntos com ele chorando,

tinham sua dor de pedra,

por que não mijavam claro.

Já de outra estátua se conta

que houvera outro namorado;

e alguma desculpa tinha

sendo o corpo um alabastro

Lágrimas sobre penedo

foram de saudades canto,

como se diz em Coimbra

de uma Dona Inês de Castro.

Porém em chorar sobre este

não andou Júlio acertado;

por que guta cavat lapidem,

e então isso era arruiná-lo:

Tanto Alexandre como ele,

creio que eram chorões ambos;

um por não haver mais mundos,

outro de o ver deles falto:

Mas eu prometi ser breve;

tenho o romance acabado,

se não for perfeito viva

Júlio César muitos anos.

Indo Vasco da Gama para a Índia, lá em tal altura tremeu o mar; o que os marinheiros tiveram a mau agoiro; que lho desvaneceu o dito Conde Almirante, dizendo que o mar tremia deles: é de saber que na academia antecedente se tinha discursado sobre a pedra filosofal larga e teimosamente.

Foi Assunto Acadêmico.

Romance.

Querem meter-me em funduras!

porém pouco se me dá;

se o grande Vasco da Gama

é com quem me meto ao mar;

Oh que bem cabia aqui

o que Camões meteu lá

nos varões assinalados;

se eu soubera acomodar!

Não era tão mau princípio,

nem fora dedução má;

porem passe mal, se pode

bem sem oitavas passar;

Também pretendo ser breve,

por que quero dar lugar

a ler os papéis em prosa

que por força vem atrás:

Navegava o Gama invicto

pelas águas Orientais;

sem que fossem as do Tejo,

que do Oriente são lá,

Ia este, como digo,

e como a fama dirá,

navegando vento em popa

(que não é mais navegar)

Em certa noite daquelas

que entre os poetas não há;

(que é uma tormenta, todas

as que costumam pintar)

Era clara, como o dia,

bela, como de luar,

alegre, como de Agosto,

fresca, como de Verão;

Era no quarto de prima,

corria um vento frescal,

tão brando, e tão lisonjeiro,

como o que agora não fez.

Na altura do promontório

quinhentas Léguas ao mar;

não vendo sinal de terra,

da terra viram sinais;

Pois começaram as águas,

fora do seu natural,

com mais cólera que fleuma

entre si a murmurar:

Os do castelo da proa,

(com seu medo tal, ou qual

de que algum baixo seria)

começaram a gritar;

Acudiu o contramestre;

e logo sem mais nem mais,

vá a sondareza abaixo

vá, disseram todos vá.

Foi, e a setecentas braças

sentiram em fundo dar;

puxaram muito depressa

e viram (caso fatal!)

Que a chumbada duas cores

trazia de dois metais,

amarelo, e verde-negro,

que não era verde-mar;

Acharam que dera em pedra,

e todos sem mais cuidar,

assentaram que daria

na pedra filosofal.

O contramestre afirmava

que era assim, porque seu Pai

já naquela mesma altura

deitando uma linha ao mar,

Um peixe trouxera acima

(de que testemunhas há)

que dentro tinha no bucho

um prego de ouro ferral;

Por sinal que então lhe disse,

um marinheiro sagaz:

prego? doirado seria

para mentiras pregar;

Ao que respondeu um moço

do Gama familiar,

que já ouvira a seu amo

arguir de pedra tal:

Pois se o amo o diz, disse outro,

ninguém tem que argumentar;

que o Senhor Vasco da Gama

 o que não descobrirá!

Irra, Vasco, dizia um,

outro gritava, arre lá;

valha o Diabo tal pedra

que aqui nos há de matar!

O mestre, a encolher os ombros,

o piloto outro que tal,

os passageiros a rir,

o contramestre a asnear;

Foi força, com tanto estrondo,

Vasco da Gama acordar,

vir fora, bater o pé,

e dizer: que é isso lá?

Nada, respondeu o piloto,

já tudo acabado está;

deu o mar uma fervura

com mais ou com menos sal.

Senhor, disse o contramestre,

nisso eu só posso falar;

o mar tremeu ainda agora;

aqui o que quer que é, há:

O general por ouvir,

ou pera sangue criar,

lhe disse: A Senhor nossamo,

conte-me disso, ande cá:

Vinde cá vilão ruim,

lhe disse o Gama, cuidais

que esse caso é espantoso?

pois é cousa natural;

Da sorte que em terra há águas,

há terras também no mar;

e assim como há terremotos,

aquimotos haverá;

Demais, que se o mar tremeu,

e o viste; que mais sinal

quereis para conhecer

que o haveis de conquistar?

Mar que nunca foi trilhado,

era preciso estranhar

o peso dos Portugueses;

que muitos pesados há.

Desvanecei os agoiros:

iça de gávea, orça mais;

ponde a proa logo à Índia,

bêbado, andai logo e já:

Este é o caso, el por el,

nem tenho que dizer já;

por que o melhor fica dito

lá nos sonetos atrás.

A certo Frade que disse mal do Autor, e dos seus versos.

Romance.

Ouve me, acérrimo crítico,

escuta me, êmulo árbitro,

métrico, gótico, esférico

músico, mínimo, máximo:

Dizem-me que a todo o Pégaso

atiras teus coices, árdigo[9];

por que não bebes seus líquidos

pélagos, pônticos plácidos;

Mui presumido de único;

(que é sinal certo de asnático)

e talvez que do poético

não saibas ler um parágrafo.

Deo gratias, se o teu espírito

não tem nada de paráclito,

pera que sobes ao púlpito

réprobo, ríspido rápido?

Se vires que eu erro, dize-mo

a mi mesmo, com bom ânimo;

e não por detrás semítico

ínfimo, indômito, itálico:

Rebuça o ódio malévolo,

ao mundo não diz escândalo,

estragando do teu próximo

crédito cógnito cândido;

Se achas os meu versos hórridos,

por terem caquinha a cântaros,

os que vires mais porquíssimos,

morde-mos, mede-mos, mama-mos;

Isto é um adubo redículo[10];

e se te não cose o estômago,

deita para lá esse vômito

frígido fétido, fátuo;

E bom fora que te ouvíramos

outro mais limpo, em que acháramos

para aprender algum método

lícito, lépido, lânguido:

Mas por mais que subas, Ícaro,

Não colherás para o cântico

do melhor monte o frutífero

tímido, trêfego, Tântalo:

Cura-te já de colérico,

que aqui para tudo há bálsamo;

elegendo algum pacifico

médico, místico, mágico;

Vê que és um pobre janízaro

busca o teu remédio, Lázaro,

que te vais fazendo tísico

héctico estítico estático;

Bem sei que choras, Demócrito,

disso que te ris, Heráclito;

pois pera nada tens préstimo

síndico, sôfrego, sátiro;

Se não sabes nada, troca-te

por Bernardo, ou por Arrábido;

onde podes viver rústico

tórrido, térrito tácito;

Se te digo mal, perdoa-me;

e se achas no teu catálogo

melhor conceito ou equívoco,

troca-mo, tira-mo, traze-mo;

Mas se não trouxeres rótulo

em que és de Apolo escolástico

não te hei de crer seu discípulo

frívolo, fúnebre, fâmulo;

Sujos serão meus versículos,

porém não és tu o pássaro

que os alimpes, fraco acólito

pícaro, pérfido, párvulo.

Deixa-me, frade, no Século

viver com meu pobre tráfego;

e adverte que és um tortíssimo

búfano, bódigo, bárbaro.

A um bofetão que a segunda Dama, da Comédia, a pequena, deu na primeira, a grande, dentro no vestuário.

É imitando a relação da Comédia, También se ama en el Abismo.

Romance.

Beliza, já que é forçoso

que nesta ocasião te conte

as ânsias de duas ninfas

tornadas Leões ferozes,

Escuta: mas com teu riso

a minha história não borres;

por que aos escrivães suaviza

a atenção dos ouvidores:

Na representação vária

daquela dama, disforme

pirâmide de Sicília;

pois portentosa descobre

toda de borras a fralda,

o cume todo de humores,

o peito todo de ranços;

por dar a entender aos homens,

que entre as mulheres, também

há seu monstro de bigodes:

Neste promontório: ah Cristo,

quem para tantos rancores,

para tanta obra, tivera

tantas Musas como as nove!

Se oculta uma confiança,

uma presunção se encobre,

tão vária por seus narizes,

por seus olhos tão enorme,

tão fértil por suas faces,

e por seus beiços tão torpe;

que neutrais muitos duvidam

entre tantos sabedores,

se são de bezerro os zurros,

se são de dragão as vozes:

Aqui cheguei uma tarde,

quando pelos arredores

desemparados de gente

vi os mais dos camarotes;

nem forçuras nem miúdos;

pois são comédias sem homens,

escassa luz, para vinho,

pouca sopa, para pobre:

Apenas pois se acabaram

dos quatro as tiranas vozes,

quando a um fatal zunido,

como de bofetão dobre,

que ouviu até João do Coito

lá em cima nos corredores,

volvendo todos as caras

para donde os olhos ouvem,

Vimos, que um fraco edifício

se arremessava a uma torre,

onde chegar não podia,

sem que por assalto fosse:

Isto era Dona Lombriga,

que a dona Jiboia Fontes

obrigava a que ali desse

tiernas lastimosas voces;

Acudiu a companhia,

uns as mãos, outros aos coices;

uns dizendo, tem-te Ninfa;

outros, detém-te Faetonte;

mas tão presto se apartaram

as duas fúrias atrozes,

que ‘penas sinais se viram

em braço, bruto, e cogote:

Assim como a um Gigante

acomete um David pobre,

e disso em que mais se funda,

lhe prega na testa um golpe;

Assim aquela formiga,

àquele elefante dobre,

em lugar de cinco pedras

lhe pôs cinco dedos fortes:

Enfadada pois a dama,

é de crer, se a outro colhe,

que por tormenta desfeita

com um só peido a soçobre;

Por que era: mas no retrato

a segunda me perdoe,

que não é borrar lombrigas

o pintar rinocerontes:

Bela alva era o cabelo,

em brancas, do tempo açoite,

e negra a testa, que à cara

sombra fazia de horrores;

Agora colige tu,

entre tão densos vapores,

onde é tenebroso o dia,

que horrenda seria a noite?

A vista deu sombra ao mundo

luto ao campo, olhado às flores,

morte à gente; e ainda é pouco

o império do lubisome;

Não seus olhos, seus argueiros

é justo só que te aponte;

que olhos eram nunca vistos,

porque não foram maiores;

E enfim por que de tais luzes

os hipérboles afroixe,

por mui pouca coisa enfadam;

agora tu julgar podes,

sendo a Dama olho do cu,

como serão os fedores?

Os dois beiços, que puderam

ser já bordas de bispotes,

de cujo asco ou bocejo

toda a companhia foge,

tanto nos ouvidos bufa

aquele tremendo fole,

que parece uma trombeta

que os miolos abre, e rompe:

As mãos, por extravagância,

negro ostentam, branco escondem;

que todo aquele grão turco

a nenhum Solimão sofre:

Não sem artificio os peitos

são dois cus, mamas, ou odres;

porque a seu marido diga,

ora chupa, meus amores;

E também por que se admirem

que neles conservar pode,

se em todo um Abril cabaças

em todo um Inverno alforjes:

No estreito daquele talhe

não há homem que se afogue;

que não é mulher de fundo,

posto que do alto blasone:

O mais dali para baixo

é bandulho a trouxe-mouxe,

de celada, rabo, e tripas;

que carne ali não se come;

Os presuntos: porém tanto

me arremango nos primores

com que pinto esta serpente

que me esqueço cego, e torpe

de que ficou enroscada;

mas como desses ardores

sabe obrar outra paixão

(já que a minha a nada move)

en mi historia, y su desmayo,

ella vuelva, e cá não torne;

Volveu pois, do afrontamento;

por sinal que Manoel Gomes,

com vozes avinagradas,

(que falar puro não pode

por lhe faltarem os dentes,

verbi gratia sicut nobis)

lhe disse turbado: fera

barca infernal de Aqueronte

já estás livre; mas adverte,

que do hospital os senhores,

uma injustiça fizeram,

em mandar vir de tão longe

duas damas, que só servem

na comédia de estupores:

por donde, dize mofina,

velha de idade por donde

te trouxeram a esta terra,

monte acrescentando a montes!

por bem conhecer-te, filha,

não te ofenda este remoque,

este chasco não te agrave,

nem esta surra te coçe;

também tenho cinco dedos;

e como o tiro se logre,

o alvo indigno, não é

desar para tais virotes!

Moveu-se o Autor a isto,

(que a isto muitos se movem)

e enfim todos se afastaram,

só ela ficou imóvel:

Pois a estes finos quartetos

aquele tirano bode,

como inadvertido alarve

desta maneira responde:

Querem com atrevimentos,

malograr estes bigodes!

se me mandaram buscar

a todo o custo, e são nobres,

ou me bebam, ou me vertam

ou me alimpem, ou me borrem:

ou me ponham em Castela

outra vez; que lá é adonde

tenho o partido mais certo

na companhia dos pobres;

Disse; e voltando a culatra

na mutação de dous montes,

deu fim à sua tragédia:

vossas mercês me perdoem.

Busca a vida do campo, o Autor Réu, e despede-se da Corte.

Romance de mais feitio que peso.

Desenganado do mundo,

acho que é tempo, e é idade

(agora que entro em juízo)

que tanto de besta, baste;

Do monte busco o retiro,

nada quero da cidade;

quiçá que no campo a vida,

por mais dileta, dilate;

Na Corte morro de fome,

e com aperto notável;

com que é forçoso que o vulto

do que mais o aperta, aparte;

Quero, por fracos serviços

à campanha despachar-me;

onde sem engano viva,

ou onde sem peça, pasce;

E assi quero despedir-me

do mundo, digo da carne,

onde o Demônio semeia

todo o mal que nessa, nasce:

Adeus umas encobertas

que chamam particulares;

onde o mais rico se despe,

e tudo o que herda, arde;

Adeus tantas sujas fontes,

que por bem correntes, fazem,

a quem mais bebe de bruços,

que tudo o que beba, babe;

Adeus conventos de freiras,

que já agora são de frades;

e por isso, ou pelo outro,

verão que não medra, madre;

A que tem frade deu nó;

por isso ninguém se canse

lançar barro à parede,

adonde pôs pedra, padre:

Adeus Ladrões ao Divino,

que qualquer com contas grandes,

é força que a todo o mundo

de baixo da reza, rase;

Adeus nobre regimentos,

Adeus pobres militares;

que nunca em vós há fortuna

por muito que a guerra agarre;

Adeus companhia nova

de fortes comediantes,

com Damas bem comezinhas;

mas nenhum que a Pepa pape;

Adeus grande e forte amigo,

que em toda a esfera picante

ao feroz soberbo bruto

só faz com que gema Jame;

Adeus Mordomo da festa

adonde eu servi de balde;

que nunca falta um Demônio

que da Cruz a festa afaste:

Adeus amigo, mais fino

Ladrão, que vi de vontades;

Unhão legitimamente,

de quem fui Unheta Unhate:

Adeus Senhor de uma terra

maior que vilar de frades

pobrete, mas Alegrete,

sem que alguma treta trate;

Adeus aquele poeta,

por cuja pena agradável,

sempre mereceu ser pobre

 por mais que da Asseca a saque;

E porque não posso a tantos,

sim, que são inumeráveis;

a Deus este, aquele, e outro,

em que entra algum teta, tate,

Que não quero nem por toque,

nem remoque, nem sotaque,

meter pela teta alguma

que ainda que não chega, chague;

Não quero nada do mundo;

só quero para salvar-me

buscar do Céu o caminho;

que se este se erra, arre;

Do mal que vivi na Corte

vou ao deserto emendar-me;

pode ser com nova vida

que a alma na selva salve;

E de meus olhos os rios

poderão formar tais mares,

que tanta água, a todo o fogo

que o pecado apega, apague:

Pois de meu pranto a corrente,

sendo de lágrimas vale,

sim fará que a minha culpa,

na enchente que leva, lave:

Isto busco, e tudo espero

da Divina Majestade;

para o que a graça invoco

daquela, sem Eva, Ave.

Maria

Obras sacras do mesmo Autor para se cantarem em Ponto Para a Ascensão em S. Clara.

Introdução

Júntense los corazones,

lléguense las voluntades;

que hoy pasa amor a su esfera,

y es justo que le acompañen:

más que mucho, si es fuego,

que busque el aire?

Coplas

Llegad acá, dueño mío,

y la frase no os espante,

que aunque no me queráis vuestra,

es justo que mío os llame:

mas ay mi amante,

cuando quiero morirme,

queréis matarme!

Cuando os miro de partida,

que hermoso estáis? Dios os guarde;

los galanes que se absentan,

aun parecen más galanes!

mas ay etc.

Si os aclaman en la Iglesia

señor de ejércitos grandes;

como de Cabo valiente

vais a soldado volante!

mas ay etc.

Si la palabra de esposo

me disteis, y me tomasteis;

este nudo indisoluble

como intentáis desatarle?

mas ay etc.

Creo que es doctrina vuestra

la que me enseñan mis padres,

que Dios hace lo que dice,

como hombre que dice, y hace:

mas ay etc.

Quejoso de mí, no dudo

que os ausentéis; mas Dios sabe,

que no son tantas mis culpas,

cuantas son vuestras piedades:

mas ay etc.

Dejadme una porción vuestra,

ya que os vais, para que pase;

pues por derecho divino

debéis alimentos darme;

mas ay etc.

Bien sé que para la vida

me dejáis Dios pan bastante;

mas aunque el pecho harto tengo,

harto tengo que quejarme.

mas ay etc.

Estribillo

Mas ay que en mis gemidos,

ay que en mis ayes,

ni suspiro ay que vuele,

ni, ay, que pare.

Na noite do Jordão, Letras por títulos de Comédias, para Cantarem as melhores três Músicas de Odivelas.

Introdução

Atención, que hoy se ha de ver

una fiesta titular,

en que entra a representar

Amor, ingenio y mujer,

tres Monjas son de placer,

y de vos tan oportuna,

que al Jordán, sin duda alguna,

van a apurar de esta vez,

si puede una de las tres

Acertar de tres la una.

Solo 1°

Coplas

Del Baptista es la verdad

que a Dios hombre bautizó,

con quien hombre Dios mostró

El poder de la amistad

Mas en su naturaleza

bautizarle Dios después,

nadie puede dudar, que es

Fineza contra fineza:

En el Jordán quiso entrar

Dios, por su gusto, humanado;

que en tal rio, el encarnado

fue la gala del nadar.

Recitado

Y la mayor grandeza

fue (no siendo obligado a tal llaneza)

querer, por su afección,

Rendirse a la obligación:

La gala del encarnado

le vi a estrenar en el bautizado,[11]

mostrando, en su desvelo,

Lo que son Juicios del Cielo.

Aria

Dios lo hizo al nacer

tan superior,

que ser otro mayor

No puede ser

No puede haber desdén

entre los dos;

siendo Fuego de Dios

El querer bien.

Solo 2°

Coplas

Santo fue, desde la cuna;

aun que una Dama traviesa

hiciese por su cabeza

Mudanzas de la fortuna.

Disculpar la puedo aquí,

porque es su cabeza rara

tan buena, que la tomara

cada uno para sí:

Cuando le quiso ultrajar,

ciega, no supo advertir,

que fue el dejarse rendir

caer para levantar.

Recitado

Mas se a danzar salía

Herodias, que vueltas no daría

por tal cabeza? cuando en sus placeres

Diablos son las mujeres!

Aria

Porque en tomando antojo

una mujer,

cierto que es menester

Abrir el Ojo

Quiso ponerse a tiro

Juan de su agravio,

pudiendo ser el Sabio

en su Retiro.

Solo 3°

Coplas

Su voz corriendo veloz

por el desierto, se cree

que contra su vida, fue

La desdicha de la voz;

Mas se a quien su vida labra

prometió dar vida, y muerte,

no pudo de mejor suerte

cumplirle a Dios la palabra.

El misterio más profundo

alcanzó, por su buen celo;

porque es, bajar Dios del Cielo,

Venir el Amor al Mundo.

Recitado

Salud en el hallaba

estando muerto, aquel que la buscaba;

y fue de mucha gente en el desierto

El mejor Amigo el muerto;

Mas quien quiso cortar

la que ver no quería coronar,

a Imperio mejor le ha de ver ir

Reinar después de morir.

Aria

El morir fue preciso,

pero aun ay, por Dios,

nel[12] monte, de su voz

Eco y Narciso

Al fin por Dios tenido

fue por su voz;

porque era mucho a Dios

El Parecido.

Estribillo

Sea pues celebrada

su fiesta, a nuestro modo,

aunque esto es darlo todo

y no dar nada.

Ao Evangelista de Santa Clara.

Coplas

Ah de la esfera del aire,

atención, que al cielo vuela

la más elevada pluma

que hubo en las divinas letras;

mas de buen maestro, siempre

buen discípulo se espera:

Por Dios, que es grande escribano,

y de fe tan verdadera,

que no hay renglón en su escrita

que un Evangelio no sea;

Y por la hostia sagrada,

que así lo jura la Iglesia.

En el Tribunal supremo,

para la mejor sentencia,

los que escribano le buscan,

abogado lo desean;

que es tal, por Dios, su privanza,

que el lado del Rey no deja.

Mas quien tanta letra supo,

bien es que escriba y que lea,

sobre hojas de diamantes

los caracteres de estrellas,

que es Águila este escribano

y al sol de Justicia llega.

Estribillo

Al aire pues al aire,

vengan las aves, vengan

con clarines de pluma,

y en aladas trompetas;

a ayudar a las monjas

el día que celebran

aquello Evangelista,

que es aún mas que Profeta.

A Santa Clara para cantarem as suas Freiras.

Coplas

Montes, que amanece Clara,

como el sol mismo, que intenta,

por ver su pompa lucida,

que clara su Esfera sea

Aquella de Dios Atlanta

y también de Dios Eneas;

que de una Troya le libra,

que todo el cielo sustenta.

Esto es una verdad pura,

y quien la conclusión niega

verá, con el sacramento

que es clara la consecuencia.

Muchas hay en lo estrellado,

pero ninguna que sea

ni tan buena como clara,

ni tan clara como ella

Estribillo

Porque tengan luz todos

de nuestra fiesta;

para leer su vida

clara es la letra.

Coplas 2as

Hoy como buena hija

canto a mi madre,

aunque sé que es devota

de cierto fraile;

Y por ver manirroto

al pobre amante,

hasta el hábito, un día

supo tomarle.

Ni en que caiga muerto

tiene el buen Padre;

y aun que darle no pudo,

pudo quedarle.

De sus milagros vemos

claras señales;

y aun con los mismos muertos

por Dios los hace.

Estribillo

Porque tengan etc.

Ao Nascimento do menino Deus em dia de Natal. Nas freiras.

Coplas

Quem vos ofendeu meus olhos?

que é isso meu Deus menino?

sendo moda o encarnado

chorais por outro vestido?

Não derrameis, meus amores,

tanto aljôfar e tão fino,

enfiados gota a gota,

desatados fio a fio;

É possível que façais

de pérolas desperdício;

e então dizeis que sois pobre?

não tendes razão meu rico;

É possível que essa neve

quereis derreter, Menino,

sem reparar que essa palha

é dessa neve o abrigo?

Se acaso de vosso pranto

o meu amor é motivo;

posto que amante vos quero,

não vos quero derretido:

Tão pródigo vos não quero,

nem vossa Mãe gosta disso;

já talvez adivinhando

que haveis de ser um perdido.

Ora sus, basta meus olhos,

calai-vos, meus amorinhos;

aqui me tendes, se é fome,

chegai vos a mim, se é frio:

Estribilho

Isso foram meus pecados,

que vós livre estáveis disso:

agora não tem remédio,

padecei que é Deus servido.

A São Sebastião.

Introdução a 4.

Atención Amantes nuevos,

que un nuevo Amor allá va

con más flechas que Cupido,

con más fe, que ese Rapaz.

Coplas

Solo         Con saetas, y desnudo,

tan prendido, y tan galán,

tan emplumado, y tan tierno,

quien duda que Amor será?

Un mártir le ha hecho el celo;

y ha llegado a extremo tal,

que por amor le pusieron

como un San Sebastián.

A duo      Cuando de amorosas flechas

el alma quiso llenar,

como aljaba no tenía

de su cuerpo hizo carcás[13].

Solo         No tiene venda en los ojos,

ni se la pudieran dar,

aquellos que la tenían

en su misma ceguedad!

A duo      De Amor que a Dios solo apunta

fuerza es, que derechas van

a su corazón las flechas;

pues que Dios en él esté.

Recitado

Si Amor es Dios, y Rey; a él le es debida

La corona de mártir merecida,

cuando por Dios, bien puede, soberano,

pasar a lo divino de lo humano;

y bien muestra en el campo su persona,

que le ha costado sangre la corona.

Aria alegre

Solo         Si de Amor perfecto

hace un tal concepto

que una gloria da;

nadie deseará

más que ser su objeto;

A duo      si de sus pasiones

en los corazones

el efecto está;

nadie extrañará

sus dulces arpones;

Solo         Si estando plantado

a un árbol atado

floreciendo va;

nadie cogerá

mejor flor del prado.

A duo      Si las plumas vuelo

le hacen para el cielo

adonde se va;

nadie ignorará

que es Amor con celo.

Solo         Si por buen destino

Amor peregrino

así flechas da;

nadie negará

que es Amor divino:

A duo      Si solo a Dios quiere,

y por él se muere,

como han visto ya;

nadie seguirá

otro que él no fuere.

Estribillo

Lleguen pues los amantes — lleguen; lleguen,

con afecto, y verán — verán, verán,

la distancia infinita — que que que

que de Amor, a Amor, hay — hay hay hay,

leguen, verán, que, hay.

Coplas 2as

Solo         Otro de tal corona

como Sebastián,

si le hay, es encubierto,

mas ni Sebastianistas lo ha de hallar.

A duo      De cuantos flechas tiran

solo él supo acertar,

pues ha apuntado al cielo

y ha dado en el objeto más cabal.

Solo         Otro Amor tan bien puesto

no le hubo; y se le hay,

es con tal diferencia,

que este es mui hombre, el otro mui rapaz.

A duo      Vengan a su árbol todos

y producir verán

una flor cada flecha,

y un fruto cada flor, que es lo que da.

Estribillo

Leguen etc.

Para a Ascenção, em Santa Clara.

Introdução

Al Sol, al aire, al cielo

se encaminan mis ansias

cantando lo que lloran,

llorando lo que cantan,

por ver se acaso encuentran

quien sin lloroso canto, no se halla.

Coplas

Mi Dios, hoy por despedida

os quiere abrazar el alma;

que aun que es la distancia mucha,

la diferencia no es tanta;

Si no fue con menos bríos,

yo os vi con menos alas;

sin más gala, por mi vida,

que una que os di encarnada;

Males, que vienen por bienes!

desdichas, que endichas paran,

penas, que en glorias concluyen,

culpas, que en gracias acaban;

Todo su término tiene,

en todo consuelo se ala;

sola en mí, con tanto fuego

no hay más que dos ojos de agua.

Estribillo

Tanto mis ojos lluevan

que el sol no saiga;

por no dejar a escuras,

quien deja a Claras.

Coplas 2as

Cielos, no sé qué sea

esto que por mi pasa

un fuego que me hiela,

un hielo que me abraza!

Un gusto que me fuerza,

un deseo que arrastra,

una muerte que anima,

una vida que mata!

Todo en amor se enciende,

todo en fuego se baña,

todo al aire se entrega,

todo en el cielo para:

Esto es Amor, sin duda,

y de este efecto es causa

un galán que se ausenta:

ay que me lleva el alma.

Estribillo

Tanto etc.

Para a CONCEIÇÃO, em Santa Ana.

Coplas.

Hoy para cantar me escogen,

y yo me huelgo, por mi vida,

que solo a la hija de Ana,

canta bien, de Ana otra hija.

Ambas somos hijas suyas,

pero con razón distinta;

que yo soy solo hija llamada,

y ella sola es la escogida:

Canto, pues, la flor hermosa;

atiendan que es maravilla;

pues fue en el cielo plantada,

aun mucho antes de nascida.

Canto, y todas cantar pueden

con devoción, y alegría,

sola a esta María Ave,

con muchas Ave Marías.

Estribillo

Si es con Dios instrumento

de nuestra dicha;

canten las hijas Madres,

la Madre, y la Hija.

Copias 2as

Que otra no ha segunda

muchos lo afirman;

aunque sus deudos quieran

que tenga prima;

Tiene al sol por espejo;

mas no me admira,

si la calza la luna,

que el Sol la vista.

Sus plantas sobre estrellas,

solo se estriban;

aunque también sus plantas

Dragones pisan.

Publiquen dicha tanta

voces, y liras;

que no es para calada,

si es para dicha.

Estribillo

Si es con Dios etc.

Outro, para Ascenção em Santa Clara.

Introdução

Silencio, silencio,

atención, atención;

que en vez de llorar

cantar quiero hoy;

si en amor es lisonja la pena,

el tormento dulce; suave el dolor.

Coplas

Para que ostentáis conmigo

dulce amor, amante Dios,

tanta munición de rayos,

tanta luz, y tanto sol?

Mas ay que rigor!

que cuanto más me hiere,

más armas le doy!

Ostentarse hoy tan Divino,

quien tanto ayer se humano,

siento que por él se diga

lo que va de ayer a hoy:

Mas ay que rigor etc.

Confiada el alma tengo,

porque tengo en mi favor,

que aquello que bien se quiso

no puede olvidarse no.

Mas ay que rigor etc.

Morir, y abrazarme quiero,

y aun muerta, veréis, Señor

que donde cenizas quedan,

si no hay llamas, hay calor;

Mas ay que rigor etc.

Estribillo

Bien con vos estar siempre

quisiera yo;

y si queréis que vaya,

vaya con Dios.

Copias 2as

Mi Dios, si os ausentáis

cubrid vuestro esplendor,

que tanta luz me abraza,

me ciega tanto Sol.

Y se queréis mudaros

nora buena Señor;

que así de mi firmeza

podréis ser el crisol.

Faltar puede a la vista,

mas faltar al amor

no puede un Dios que es hombre,

ni un hombre que es Dios:

Haced lo que quisiereis,

pues poderoso sois;

pero no os vais sin mí,

ni me dejéis sin vos.

Estribillo

Bien con vos etc.

Outro para a Ascenção em Santa Clara.

Introdução

La esfera añilada,

fragante el zenit,

la tierra olorosa,

pomposo el zafir!

sin duda amor quiere

al cielo subir.

Coplas

Es posible, hermoso Dueño,

que os ausentáis, y sin mí;

como de amante os preciáis?

como de Amor presumís?

ay mi bien, eso es amor!

ay Señor, que esto es morir:

Si conmigo os enteráis,

como, Señor, os partís!

yo no lo puedo entender,

aunque lo sepa sentir!

ay mi bien etc.

Decís que al suelo bajáis

para conmigo vivir;

y estoy viendo que en el aire,

faltáis a lo que decís!

ai mi bien etc.

Yo hice aprecio de voz,

ved, pues, lo que hacéis de mí;

porque estoy determinada,

que sin vos no he de vivir!

ay mi bien etc.

Coplas 2as

Parad, mi Amor, parad,

no me dejéis así;

porque abrazar me veo,

cuando os veo lucir.

Tened, mi Dios, tened,

oíd, Señor, oíd;

si hombre sois de palabra,

como no la cumplís?

Hablad, Señor, hablad,

decid, mi Dios, decid,

como, siendo valiente,

de una Mujer huis?

Mirad, mi Dios, mirad,

sentid, mi Amor, sentid,

que me partís el alma,

al punto que os partís.

Mais para a Ascensão.

Introdução.

Oigan, que es para sentir,

aunque de sentir no es,

una pena, toda gloria,

un mal, que todo es un bien;

que apurar quiere amor

lo que es querer.

Coplas

Mi Dios, si vuestra palabra

decís que Evangelio es,

como, si por mi vinisteis,

sin mí, Señor, os volvéis?

De vuestro afecto, sin duda,

duda amor, y duda bien;

porque querer y ausentar,

es ausentar sin querer.

Si para legar a todos,

partir os es menester;

yo bien creo la verdad,

pero es dura de creer.

Estribillo

Aunque el amor permita

que os ausentéis,

yo no dudo, mi amante,

de vuestra fe:

Coplas 2as

Si de mí enamorado

hombre os hacéis;

porque queréis negar

lo que queréis?

Si partir y que dar os

sabéis mui bien;

aquí podéis mostrar

lo que podéis;

Si las Leyes guardar,

es vuestra ley;

como la Ley de amante

hoy pervertéis[14]?

Estribillo

Aunque el amor etc.

Al Patriarca Santo Domingo

En el Convento del Salvador.

Introducción

Atiendan a mis voces,

que quiero cantar hoy

de nuestro Patriarca la

justa aclamación:

no por ser hija suya,

mas por deuda mayor.

Coplas solo, y a dúo

Ya que la en hora buena

enhorabuena doy,

hoy quiero, por más darle,

dar le mi corazón.

Si hay quien de eso se admire,

mire si lo hay mayor,

mayor entre los santos,

Santo sin invención;

Santo es de buena regla,

regla sin excepción,

excepción de milagros,

milagro al fin de Amor:

Santo de primera clase,

clase en que enseña Dios;

Dios que con él más muestra

muestras más de afección:

Estribillo

Pues hagamos fiesta,

que Domingo es hoy

el mejor día santo,

en que se huelga Dios.

A Santa Cecilia

Introducción

Escuchen, que es para ver,

vean, que es para escuchar,

el valor, que hoy a la solfa

la mejor figura da.

Coplas

Cecilia en su contrapunto

tuvo tanta habilidad

que a un tiempo era solo, y tercio,

trino, y uno su cantar.

Las fiestas al Sacramento,

no las perdía jamás,

que de eso se mantenía,

y no tenía otro pan.

Para el cielo componía,

y estuvo, de entrar allá,

la perfección en el punto

de una inspiración no más.

Su canto esparcido al aire

con gracia bien eficaz,

para el mundo era un hechizo,

para el cielo un natural.

A sus pasos de garganta

ayuda sus pies le dan,

pues con la fuga del mundo,

de corrida al cielo va.

Recitado

Tanto al cielo la voz Cecilia alzaba,

y tanto con ella a Dios enamoraba,

que a todos parecía,

que Esposa de Cantares ser quería,

y Dios lo deseaba

de suerte, que en su fiesta sin vigilia,

ella se fui con él, y a Dios Cecilia.

Aria

Por máxima quiso

mínima alcanzar,

Breve con el mundo

longa eternidad:

En tiempo perfecto

supo a Dios cantar,

de una solamente

tres en un compás.

Para la noche del Jordán.

En que canta una Monja, representando la figura del Amor, y otra la de un sargento, en ton de batalla, con cajas tiros, y estruendos.

Amor               A de la plaza de Amor!

o la, digo, a de mi guardia;

pónganse todos en forma,

que hoy Amor al Jordán marcha.

Sargento         Marcha, marcha, marcha,

caja y              porque quiere hoy el fuego

clarín              bañarse en agua.

Amor               Con dos formas diferentes,

en dos materias contrarias,

poner quiero al agua fuego,

y al fuego encender con agua.

Sargento         Agua, agua, agua

que Amor que es fuego todo,

por agua pasa.

Amor               Juan Bautista sea el nombre;

pasa la voz y palabra

que a su obligación acuda,

quien come de fuego plaza.

Sargento         Plaza, plaza, plaza,

porque al sediento fuego

el agua llama.

Sargento         Señor, hay muchos enfermos,

que de Amor son muertas plazas;

con que no tienen forma,

teniendo materia vasta.

Amor               Dígame Señor Sargento

para que tiene alabarda?

quien bautizado no fuere,

hagan que crismado vaya.

Sargento        

Vaya, vaya, vaya,

que tan bien en la sangre

bautismo se halla.

Amor               El que enferma en mi milicia

fuerzas de flaqueza saca;

que sólo al rendido toca,

cuando toca Amor al arma.

Sargento         Arma, arma, arma,

y en las de menos fuerzas

quiebren las lanzas.

Amor               No se aliste en mis banderas,

el que mis tiros no aguarda;

porque dar cargas no puede,

quien no puede con la carga;

Sargento         Carga, carga, carga

porque con agua y fuego,

Amor batalla.

Estribillo

Todos              Pónganse en forma, forma, forma;

como al           toquen al arma, arma, arma;

principio[15]      tañen a fuego, fuego, fuego;

marchen al agua, agua, agua:

lleve Amor la Victoria, y Juan la palma.

Coplas 2as

Oigan todas y todos

de Amor la traza;

pues para ser más niño,

al Jordán baja:

Allá va por su gusto,

y su ganancia;

que aunque no se bautiza,

también se baña:

A tales bautizados

sólo acompaña;

porque solo apadrina

a quien más ama:

De ambos es la vitoria,

porque avasallan,

como de Amor las flechas,

de Juan las Armas:

Del divino festejo

es justa causa,

que Juan tenga la gloria,

y Amor la gracia.

Estribillo

Pónganse etc.

A Santa Clara por títulos de Comédias, em diálogo.

Coplas

1.            Que fue clara,  sepan todos,

con Dios solo enamorada,

la más constante Mujer —

con la fe, y con la espada —

2             Doble usted, Reina, la hoja;

que aunque le sobran a clara

Las Armas de la hermosura, —

La Fe no ha menester armas —

1             Digo, que en la fe, valiente,

tuvo, y venció clausurada,

El mayor Monstro del mundo—

Con, La discreta venganza —

2             Ahora tiene razón;

pues que con ella declara

Lo que puede la porfía:—

Mejor está do que estaba: —

1             La que en la observante regla

hizo, con pena, y con gracia,

Rendirse a la obligación, -

La Señora y la Criada. —

2             Venció muchos enemigos;

más que mucho, siendo hermana

del divino Portugués, —

El Alijo de las batallas!

Estribillo

Viva la Santa Monja

hermosa y clara;

más bella, que la Niña

de Gomes Arias —

Mais para a Ascensão em Santa Clara.

(Com impertinência).

Introducción

Ay, Jesús, que mi vida peligra,

ay, Señores, que el alma me lleva,

un amor, firmemente mudable

que no hay parte, adonde no se vea.

Coplas

Vos no ignoráis, Dueño mío,

que en finas correspondencias,

siempre de firme se apura,

el que de amante se precia.

No os ausentéis, Dios amante,

porque es clara consecuencia,

quien vive de vuestra vista,

que muera de vuestra ausencia.

Pero se es fuerza el dejarme,

y el partir es también fuerza,

haced que vuestra distancia,

no perturbe mi firmeza.

Estribillo

Vaya pues por instantes

no se detenga,

el que por accidentes

acá nos queda.

Coplas 2as

De vuestro Amor la deuda

cobrar intento;

y se debo embargaros,

es porque debo:

Un ciento habrá de Monjas

en este gremio,

y lo ciento por todas,

por todas ciento.

Aunque toda mi ansia

parezca exceso;

si no temo en pediros

es porque temo;

Yo soy amante vuestra,

vos sois mi objecto;

si no quiero que os vais

es porque quiero.

Para o Natal de 1711 em Santa Ana.

Coplas

Mi Dios, son tales las nuevas

que el Evangelio ha traído,

que aunque es verdad, bien mirado,

yo no lo alcanzo, mal visto:

Dice, que para bien nuestro

en un albergue paguizo

os hallaría hecho hombre;

y apenas yo os hallo Niño?

Item, dice, echando verbos,

que erais un Dios sin principio;

viendo yo que lo increado

implica con lo nascido!

Y que en la tierra nasciendo,

para ser fruto bendito,

erais clavel encarnado;

y yo os veo flor de martirios!

Que erais poderoso en todo,

dice: y hasta hoy no he visto,

ni zagal más descubierto,

ni pobre más peregrino!

Si sois del amor retrato,

yo mismo, mi amor, yo mismo,

supuesto que amor os quiero

no os quiero desnudo Niño:

Que vuestra Madre, un tesoro

poseía, puro y limpio;

dijo: teniendo esta sólo

tanto, cuanto val’ un hijo!

Con ella, dice, que estabais

tan hermoso, y tan lucido

como el sol a media noche

y yo al alba con ella os miro!

Que tendrían los pastores,

(esparciendo al aire trincos)

el portal lleno de fiestas,

y yo hallo esto aún mui frío?

En querer haceros hombre,

no sé si hacéis bien, Dios mío,

porque de envidia, los otros

creo que os harán un Cristo.

Estribillo

Mas por el Evangelio

ya juro, y digo,

que lo podéis ser todo,

por Jesús Cristo;

pues por Dios, sois humano;

por hombre, Niño;

por Creador, Creado;

por Padre, Hijo;

y en fin, rico, por pobre,

por solo, Trino.

Acabou-se a primeira parte;

Seja Deus louvado, e a Virgem Maria

Amém.



[1]. Possivelmente utilização de sístole no vocábulo pevide, cujo sentido informal é ânus.

[2]. . A edição consultada transcreve “a só Manoel da Foncequa”, registrando uma versão em que “so” viria como “sou”. Neste caso, o mais provável é a solução que aqui damos.

[3] A edição consultada traz “alumea”, forma não dicionarizada de “alumia”.

[4]. Neste poema em Castelhano, foram mantidas, no geral, as discordâncias com a norma padrão da língua, por serem possivelmente originárias de intenção irônica, ao lusitanizar o Castelhano, sendo corrigido apenas o que poderia ser resultante de equívocos de edição.

[5]. No original está muxilla. O Vocabulário português e latino de Rafael Bluteau registra MOCHILA, que “vem do Castelhano Mochilero, que quer dizer o moço, que leva o alforge do caçador, ou do soldado. Entre nós Mochila é o rapaz, que ainda não traz espada, e vai diante do cavalo, ou carruagem de seu amo”.

[6] Aqui, como em outras passagens, há um jogo de palavras entre o nome Fílis (grafado paroxítono, por coerência de ritmo e de métrica) e o adjetivo feLizes    Isso explica as diferentes opções pelo uso do vocábulo como agudo ou grave, assim como a oscilação entre a inicial maiúscula ou minúscula.

[7] Pelo contexto, certamente significa “cirurgião”, que, por síncope e sístole, resultou em “surgião” (a mudança da letra inicial para “s” se explica por necessidade fonética).

[8] Vide nota anterior.

[9] No dicionário Bluteau, consta ARDEGO, contudo, para manter a rima toante nesse verso, manteve-se a grafia do original com i.

[10] No Bluteau, redículo “em Roma era o nome do Deus que obrigava a voltar, ou que era invocado pela tornada a salvo”.

[11] No original está le vi no a estrenar nel baptizado. O verso teve a grafia atualizada e a frase foi corrigida de modo a caber na métrica do decassílabo.

[12] Aqui o lusismo é mantido, para guardar a métrica hexassilábica.

[13] Lusismo que aqui foi mantido.

[14] Outro lusismo, para manter a assonância dos versos finais em “e”.

[15] Há também uma variante em Português: “Todos com toda a folhagem de estrondo”.