LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Cantos à beira-mar, de Maria Firmina
Edição de Base
Biblioteca Virtual Brasileira
ÍNDICE
Por ocasião da passagem de Humaitá
Por ocasião da tomada de Villeta e ocupação de Assunção
À recepção dos voluntários de Guimarães
À minha extremosa amiga D. Anna Francisca Cordeiro
À partida dos voluntários da pátria do Maranhão
Dedicatória
À memória de minha veneranda mãe.
Minha Mãe! — as minhas poesias são tuas.
É uma lágrima que verto sobre tuas cinzas! Acolhe-as, abençoa-as para que elas te possam merecer.
Debruçada sobre o teu peito, embalde, oh! minha mãe, — no extremo da dor, e da aflição procurei inocular o calor do meu sangue nas veias onde o teu gelava-se ao hálito da morte!... verti lágrimas de pungente saudade, de amargura infinda sobre a tua humilde sepultura, como havia derramado sobre o teu corpo inanimado.
A dor era cada vez mais funda, mais agra e cruciante — tornei a harpa, — vibrei nela um único som, — uma nota plangente, saturada de lágrimas e de saudade...
Este som, esta nota, são os meus cantos à beira-mar.
Ei-los! É uma coroa de perpétuas sobre a tua campa, — e uma saudade infinda com que meu coração te segue noite, e dia, — é uma lágrima sentida, que dedico à tua memória veneranda.
Se alguma aceitação merecerem meus pobres cantos, na minha província, ou fora dela; — se um acolhimento lisonjeiro lhes dispensar alguém; oh! minha mãe! essa situação esse acolhimento será uma oferenda sagrada, — uma rosa desfolhada sobre a tua sepultura!...
Sim, minha mãe... que glória poderá resultar-me das minhas poesias, que não vá refletir sobre as tuas cinzas!?!...
É a ti que devo o cultivo de minha fraca inteligência; — a ti, que despertaste em meu peito o amor à literatura; — e que um dia me disseste:
Canta!
Eis pois, minha mãe, o fruto dos teus desvelos para comigo; — eis as minhas poesias: — acolhe-as, abençoa-as do fundo do teu sepulcro.
E ainda uma lágrima de saudade, — um gemido do coração...
Guimarães, 7 de Abril de 1871.
Maria Firmina dos Reis
Oh! minha mãe! oh! minha mãe querida,
Que vácuo n’ alma — que cruel saudade!
Deixa que lance sobre o teu sepulcro
A roxa croa de imortal saudade.
Fraco tributo: — mas no imo peito
As eduquei com amargurado pranto;
Hoje as esfolho perfumosas, tristes,
Ao som cheiroso do meu pobre canto.
Sobre o sepulcro de minha carinhosa mãe.
E eu vivo ainda!? Nem sei como vivo!...
Gasto de dor o coração me anseia:
Sonho venturas de um melhor porvir,
Onde da morte só pavor campeia.
Lá meus anseios sob a lousa humilde
Dormem seu sono de silêncio eterno!
Mudos à dor, que me consome, e gasta.
Frios ao extremo de meu peito terno.
Ah! Despertá-los quem pudera? Quem?
Ah! campa... ah, campa! Que horror, meu Deus!
Por que tão breve — minha mãe querida,
— Roubaste, oh morte, destes braços meus?!!...
Oh! não sabias que ela era a harpa
Em cujas cordas eu cantava amores,
Que era ela a imagem do meu Deus na terra,
Vaso de incenso trescalando odores?!
Que era ela a vida, os horizontes lindos,
Farol noturno a me guiar p’ra os céus;
Bálsamo santo a serenar-me as dores,
Graça melíflua, que vem de Deus!
Que ela era a essência que se erguia branda
Fina, e mimosa de uma relva em flor!
Que era o alaúde do bom rei — profeta,
Cantando salmos de saudade, e dor!
Que era ela o encanto de meus tristes dias,
Era o conforto na aflição, na dor!
Que era ela a amiga, que velou-me a infância,
Que foi a guia desta vida em flor!
Que era o afeto, que eduquei cuidosa
Dentro do peito... que era a flor
Grata, mimosa a derramar perfumes,
Nos meus jardins de poesia, e amor!
Que era ela a harpa de doçura santa
Em que eu cantava divinal canção...
Era-me a ideia de Jeová na terra,
Era-me a vida que eu amava então!
Oh! minha mãe que idolatrei na terra,
Que amei na vida como se ama a Deus!
Hoje, entre os vivos te procuro — embalde!
Que a campa pesa sobre os restos teus!...
Como se apura moribunda chama
À hora extrema da existência sua:
Assim minha alma se apurou de afetos,
Gemeu de angústias pela angústia tua.
E não puderam minha dor, meu pranto,
Pranto sentido que jamais chorei,
Oh! não puderam te sustar a vida,
Que entre delírios para ti sonhei!...
E como a flor pelo rufão colhida
Vergada a haste, a se esfolhar no chão,
Eu vi fugir-lhe o derradeiro alento!
Oh! sim, eu vi... e não morri então!
Entanto amava-a, como se ama a vida,
E a minha eu dera para remir a sua...
Oh! Deus — por que o sacrifício oferto,
Não aceitou a onipotência tua!?!...
Vacila a mente nessa acerba hora
Entre a fé, e a descrença...oh! sim meu Deus!
Estua o peito, verga aflita a alma:
Tu me compreendes, tu nos vês dos céus.
Vacila, treme... mas na própria mágoa
Tu nos envias o chorar, Senhor;
Bendito sejas! que esse pranto acerbo,
É doce orvalho, que nos unge a dor.
Lá onde os anjos circundam, dá-lhe
Vida perene de imortal candura:
Por cada gota de meu triste pranto,
Dá-lhe de gozos divinal ventura.
E à triste filha, que saudosa geme,
Manda mais dores, mais pesada cruz;
Depois, reúne à sua mãe querida,
No seio imenso de infinita luz.
Oferecida ao distinto literato o Sr. Francisco Sotero dos Reis.
“Minha alma não está comigo. Não anda entre os nevoeiros dos Órgãos, envolta em neblina, balouçada em castelos de nuvens, nem rouquejando na voz do Trovão. Lá está ela”.
G. Dias
Maranhão! Açucena entre verdores,
Gentil filha do mar — meiga donzela,
Que a nobre fronte, desprendida a coma,
Dos seios do Oceano levantaste!
Quanto és nobre, e formosa — sustentando
Nas mãos potentes — como cetro de Ouro,
O Bacanga caudal, — o Anil ameno!
O curso de ambos tu, Senhora — domas,
E seus furores a teus pés se quebram.
Oh! como é belo contemplar-te posta
Mole sultana num divã de prata,
Cobrando amor, adoração, respeito;
Dando de par ao estrangeiro — o beijo,
E a fronte ornando de lauréis viçosos!
Pátria minha natal, — ninho de amores...
Ai! miséria de mim... quisera dar-te
Na lira minha mavioso canto,
Canto exaltado que elevar-te fora
‘Té onde levas a nobreza tua!
Porém o estro deserdado, e pobre,
Sonha, e não pode obrar o seu intento.
Campeia indolente no leito gentil,
Cercada das vagas amenas, danosas;
Das vagas macias, quebradas, cheirosas
Do salso Bacanga, do fértil Anil.
Formosa rainha, c’roada de louros,
Altiva levanta tua fronte gentil;
Que Deus concedeu-te de graças — tesouros,
Criando-te o mínimo do vasto Brasil.
Exalta teus filhos fervente entusiasmo
E quebram num dia sangrento grilhão!
Contempla a Europa tal feito — com pasmo...
E bradas: sou livre!... com grata efusão.
Maranhão! Açucena entre verdores,
Campeando gentil, bela, e donosa;
Como em haste mimosa altiva rosa,
Como lírio do val cobrando amores.
És ninfa sobre as águas balouçada,
Descuidosa brincando em salsa praia;
No pego mergulhada a nívea saia,
A nobre fronte de festões ornada.
Princesa do oceano! a fronte alçaste
Por tantos séculos abatida, e triste...
Um eco aqui repercutir-se — ouviste,
E as vis algemas sob os pés quebraste!
Quebraste os ferros — que o Brasil não sofre,
Sequer um dia ser escravo, — não.
És livre, és grande! Tão sublime ação
Quem fez jamais — e tanto assim de chofre?!...
O grito lá da serra do Ipiranga,
O grito todo amor, fraternidade,
Ecoou no teu seio! a liberdade,
Pairou sobre o Anil, sobre o Bacanga!
Eis-te bela, coroada, e sedutora,
Pomposa, e descuidada, sobranceira;
Em teu divã gentil, gentil, sultana,
Filha das vagas, e do mar senhora,
A unânime grito se erguia a cativa
Que jaz a dormir;
E ao som prolongado que os ecos repetem
Desperta a sorrir:
Os braços distende — que agora é rainha:
Quebrou-se o grilhão!
Com a fronte cingida de louros tão gratos
Se erguem Maranhão!
O pego, as florestas, os campos que regem
Os vastos sertões,
Entoam seu hino de amor, liberdade!
Ao som dos canhões
E prados, e bosques, e sendas bordadas
De verdes tapizes,
E ribas salgadas, e gratos mangueiros,
Se julgam felizes...
E as auras despertam, tecendo mimosos
Festejos a mil!
E o grato Bacanga parece em amplexo
Ligar-se ao Anil.
Campeia indolente no leito gentil
Domina as florestas os gratos vergéis;
Renova na fronte singelos lauréis,
Esmalta o império do vasto Brasil.
Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Adriano Manoel Soares.
Tributo de amizade e gratidão.
É tão meiga, tão fagueira,
Minha lua brasileira!
É tão doce, e feiticeira,
Quando airosa vai nos céus;
Quando sobre almos palmares,
Ou sobre a face dos mares,
Fixa nívea seus olhares,
Que deslumbram os olhos meus...
Quando traça na campina
Larga fila diamantina,
Quando sobre a flor marina
Derrama seu lindo albor;
Quando esparge brandamente
Por sobre a relva virente
Seu fulgor alvinitente
Seu melindroso esplendor...
Quando sobre a fina areia,
Que a vaga beijar anseia,
Molemente ela passeia,
Desdobrando alvo lençol;
Quando ao fim da tarde amena,
Ressurge pura e serena,
Disputando nessa cena
Primores co’o rubro sol...
Que eu sinto meu pobre peito
Comovido, ao fim desfeito
Por tanto encanto sujeito,
Por tantos gozos — meu Deus,
E eu vejo os anjinhos teus,
Noutras nuvens, noutros céus
Novos mundos construir.
Podem outros seus encantos
Ver também — gozar seus prantos;
Pode cantá-la em seus cantos
Qualquer jovem trovador;
Vendo-a bela sobre os montes,
Ou retratada nas fontes,
Surgindo nos horizontes
C’roada de níveo albor.
Mimosa, pura; — mas bela
Assim branca, assim singela,
Como pálida donzela,
Que geme na solidão;
Assim leda, acetinada,
Como flor na madrugada,
Pelo rocio beijada, Beijada com devoção;
Assim em sua frescura,
Com tão maga formosura,
Percorrendo essa planura,
De nossos formosos céus;
Assim não. Assim somente
Mimosa, pura, indolente
A vemos nós... fado ingente
Foi este que nos deu Deus.
Quem não ama vê-la assim
Com a candidez do jasmim,
Espargindo amor sem fim,
Nas terras de Santa Cruz!
Quem não ama entusiasmado
Da noite o astro nevado,
Que com o rosto prateado
Tão meigamente seduz!...
Quem não sente uma saudade,
Vendo a lua em fresca tarde,
Branca — em plena soledade
Vagar nos campos dos céus!...
Quem não tece com fervor,
No peito em que mora a dor,
Um hino sacro de amor,
Um terno hino a seu Deus!...
Eu por mim amo-te, oh! bela,
Que semelhas à donzela,
Com roupas de fina tela,
Com traços de lindo albor;
Que vai pura aos pés do altar,
Por doce extremo de amar,
Ao terno amante jurar,
Lealdade, fé — e amor.
Amor ver-te assim fagueira
Minha lua brasileira,
Qual menina feiticeira,
Que promete, e foge e ri,
E depois, sempre folgando
Vem com beijinhos pagando
Aquele, que a afagando
De novo a chamara a si.
Assim tens meus tristes cantos,
Soltos ao som dos meus prantos,
Que me inspiram teus encantos,
Da noite na solidão;
A meiga lua querida,
Melancólica, e sentida,
Com tua face enternecida,
Minha constante aflição.
Aqui minh’alma expande-se, e de amor
Eu sinto transportado o peito meu;
Aqui murmura o vento apaixonado,
Ali sobre uma rocha o mar gemeu.
E sobre a branca areia — mansamente
A onda enfraquecida exausta morre.
Além, na linha azul dos horizontes,
Ligeirinho baixel nas águas corre.
Quanta doce poesia, que me inspira
O mago encanto destas praias nuas
Esta brisa, que afaga os meus cabelos,
Semelha o acento dessas fases tuas.
Aqui se ameigam de meu peito as dores
Menos ardente me goteja o pranto;
Aqui, na lira maviosa e doce
Minha alma trina melodioso canto.
A mente vaga em solidões longínquas,
Pulsa meu peito, e de paixão se exalta;
Delírio vago, sedutor quebranto,
Qual belo íris, meu desejo esmalta.
Vem comigo gozar destas delicias,
Deste amor, que me inspira poesia;
Vem provar-me a ternura de tua alma,
Ao som desta poética harmonia.
Sentirás ao ruído destas águas,
Ao doce suspirar da viração,
Quanto é grato o amor aqui jurado,
Nas ribas deste mar, — na solidão.
Vem comigo gozar um só momento,
Tanta beleza a me inspirar poesia!
Ah! vem provar-me teu singelo amor
Ao som das vagas, no cair do dia.
Dá, Senhor, que breve passe
Sobre a terra — o meu viver;
Bem vês, a flor desfalece
Da tarde no esmorecer;
Entretanto a flor é bela,
É bela de enlouquecer.
Mas eu triste, — eu que na vida
Só hei provado amargura,
Que o sonho de um doce gozo
Não permite a desventura,
P’ra que amar a existência
Árdua, mesquinha e tão dura?!...
P’ra que viver, se esta vida
É martírio eterno, e lento?
E frágoa a existência,
É século cada momento:
P’ra que a vida, Senhor,
Se a vida vale um tormento!!!....
Dá, Senhor meu Deus, que breve
Se me antolhe a sepultura:
Que vale a vida seus gozos,
Que vale sonhar ventura,
E trago, a trago esgotar,
Fundo cálice de amargura!
Que importa a mim, se no bosque,
Canta a mimosa perdiz?
Seu canto tão repassado
De amores, — o que é que diz?
Assim da brisa o segredo,
Da flor o grato matiz!...
A onda, que molemente
Na erma praia passeia,
Sente deleite beijando
A branca, mimosa areia,
A onda goza... e eu triste!
Nada me apraz, me recreia.
O vate pulsando a lira,
Embora banhada em pranto,
Sente ungir-lhe o peito aflito
Bálsamo, puro, e bem santo,
Se ele inspirado desfere
Seu dulio, mimoso canto.
Mas, eu não — não tenho amores,
Não me anima uma ilusão;
Meu sonhar é vago anseio,
Que mais me dobra a aflição;
Sinto gelado meu peito,
Sinto morto o coração.
Morto... morto, nem palpita,
Que funda dor o matou!
Que foram desses anelos,
Dos sonhos que o embalou?
Tudo... tudo jaz desfeito...
Tudo, meu Deus... acabou!
Dá, Senhor, que breve passe
Sobre a terra o meu viver!
É sacrifício perene
Tão agros dias sofrer!
Dá que breve sob a lousa
Meu corpo vá se esconder.
Exma. Sra. D. Ignez Estelina Cordeiro
Eras no baile de diana a imagem;
Leda miragem, suspirosa virgem!
Quem te não crera no arfar do peito
Anjo sujeito a divinal vertigem!
Um quê havia no sorrir de arcanjo;
Roupagem de anjo, — revoar aos céus;
Um quê de enlevos, que nem tu, — donzela,
Cismavas bela, — nos cismares teus.
Não foi delírio de uma alma ardente,
Que às vezes mente por fatal loucura;
Não — eu sentia de te ver, — vaidade,
Mulher deidade! — a traduzir candura!
Acaso pode o ideal mais belo,
Que em doce anelo imaginou poeta,
Acaso pode marear teu brilho?
Não: Não tens brilho. Te elevaste à meta;
Deixa beijar o teu sorrir de arcanjo,
Visão, — ou anjo a divagar na terra;
E a voz melíflua, divinal, fluente
Nota cadente, que nos ares erra.
Assim eu amo o soluçar da vaga,
Na praia maga — como ver-te amei,
Cheia de encanto — a revelar mistério,
Como o saltério do poeta rei.
A um jovem poeta guimarense.
Na hora em que vibrou a mais sensível
Corda da tu’alma — a da saudade,
Deus mandou-te, poeta, um alaúde,
E disse: canta amor na soledade,
Escuta a voz do céu, — eia, cantor,
Desfere um canto de infinito amor.
Canta os extremos d’uma mãe querida,
Que te idolatra, que te adora tanto!
Canta das meigas, das gentis irmãs,
O ledo riso de celeste encanto;
E ao velho pai, que tanto amor te deu,
Grato oferece-lhe o alaúde teu.
E a liberdade, oh! poeta, — canta,
Que fora o mundo a continuar nas trevas?
Sem ela as letras não teriam vida,
Menos seriam que no chão as relvas;
Toma por timbre liberdade, e glória,
Teu nome um dia viverá na história.
Canta, poeta, no alaúde teu,
Ternos suspiros da chorosa amante;
Canta teu berço de saudade infinda,
Funda lembrança de quem está distante:
Afina as cordas de gentis primores,
Dá-nos teus cantos trescalando odores.
Canta do exílio com melífluo acento,
Como David a recordar saudade;
Embora ao riso se misture o pranto;
Embora gemas em cruel soidade...
Canta, poeta, — teu cantar assim,
Há de ser belo enlevador enfim.
Nos teus arpejos juvenil poeta,
Canta as grandezas, que se encerram em Deus,
Do sol o disco, — a merencória lua,
Mimosos astros a fulgir dos céus;
Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,
Raio infinito de esplendente luz.
Canta, poeta, teu cantar singelo
Meigo, sereno como um riso d’anjos;
Canta a natura, a primavera, as flores,
Canta a mulher a semelhar arcanjos,
Que Deus envia à desolada terra,
Bálsamo santo, que em seu seio encerra.
Canta, poeta, à liberdade, — canta,
Que fora o mundo sem fanal tão grato;
Anjo baixado da celeste altura,
Que espanca as trevas deste mundo ingrato;
Oh! sim, poeta, liberdade, e glória
Toma por timbre, e viverás na história.
Eu não te ordeno, te peço,
Não é querer, é desejo;
São estes meus votos — sim.
Nem outra coisa almejo,
E que mais posso querer?
Ver-te Camões, Dante ou Milton,
Ver-te poeta — e morrer.
À memória do infeliz poeta Tomás Antônio Gonzaga.
“Há de certo alguma harmonia oculta na desgraça, pois todos os infelizes são inclinados ao canto.”
C. Roberto
Onde, poeta, te conduz a sorte?
Vagas saudoso, no tristonho error!
Longe da pátria... no exílio... a morte
Melhor te fora, mísero cantor.
Bardo sem dita!... patriota ousado
Quem sobre ti a maldição lançou!.?.
Cantor mimoso, quem manchou teu fado?
E a voo d’águia te empeceu, — cortou?
Quem de tua lira despedaça as cordas,
As áureas cordas de infinito amor?!
Essas mesquinhas, virulentas hordas.
A voz d’um homem, que se crê senhor!...
E tu, que cismas libertar — em anseio
O pátrio solo — que a aflição feria
Que à lísia curva o palpitante seio.
E a fronte nobre para o chão pendia.
Da pátria longe, teu suposto crime
Vás triste, aflito a espiar — Dirceu!
Quem geme as dores, que teu peito oprime?
E as tristes queixas? — só as ouve o céu.
Mártir da pátria! Liberdade, amor
Foram os afetos que prendeu teu peito...
Gemes, soluças, infeliz cantor.
Vendo teus sonhos — teu cismar desfeito.
Ela! a estrela, que teus passos guia!
Ela — os afetos de tu’alma ardente!
Ela — tua lira de gentil poesia!
Ela — os transportes de um amor veemente!
Marília!... A pátria — teu amor, tua glória,
Tudo, poeta, te arrancaram assim!
Dirceu! Teu nome na brasília história,
É grata estrela de fulgor sem fim.
Qual teu crime, oh! trovador?
É crime acaso o amor,
Que a sua pátria o filho dá?
Foi já crime em alguma idade,
Amar a sã liberdade!
Dirceu! Teu crime onde está?
É crime ser o primeiro Patriota brasileiro,
Que a fronte levanta e diz:
— Rebombe embora o canhão,
Quebre-se a vil servidão,
Seja livre o meu país!
Nossos pais foram uns bravos;
Nós não seremos escravos,
Vis escravos nesta idade:
Rompa-se o jugo opressor:
Eia! avante, e sem temor
Plantemos a liberdade!
Ah, Dirceu, tu te perdeste!
Mártir da pátria — gemeste
De saudade, e imensa dor!
Choraste a pátria vencida:
Tanta esperança perdida...
Perdido teu terno amor!...
E vás no exílio suspiroso, e triste
Gemer teu fado no longínquo ermo;
Até a morte do infeliz — amiga,
Aos teus tormentos te ofereça um termo!
Brumas as noites na africana plaga
Mais te envenena da saudade a dor...
Secam teus prantos o palor da morte,
A morte gela no teu peito o amor...
Aqui no exílio — revolvendo a mente
Breve passado, — momentâneo gosto,
Qual fugaz meteoro;
Ao riso estulto da profana gente,
Pálido volvo p’ra não vê-la o rosto,
E magoado choro.
E as turbas passam: — nem sequer p’ra mim
Seus olhos lançam — nem as vejo eu
o que há de comum
Entre mim e os homens? Eles riem,
Eu choro — seu viver não é o meu,
Não os amo a nenhum.
Já gasta d’um querer que me devora,
Vou — ave soidão, buscando um ermo,
Asilo ao meu sofrer...
Onde do sol os raios nessa hora
Não penetrem — do trilho lá no termo
Vou sonhar — e gemer.
Aí, curvada a fronte sobre a mão
Brotam mil pensamentos à porfia,
Mil lembranças, oh céu!
Vem nas lúbricas asas da aflição,
Como dores nas horas d’agonia,
No peito d’um ateu!
Em tropel se me antolham — afoutos vêm
Desejo, amor, descrença, ou ilusão,
Esperança ou receio:
Sinto o cérebro arder — o peito tem
Férrea mão que constringe — e o coração
Não palpita no seio.
Deixai passar as turbas; — venha embora
A noite — com seu véu me envolva, — brilhe,
Ou não o firmamento:
Descante o sabiá da sesta à hora;
Deixa-me em meu cismar; — embora triste
Errado o pensamento!
Deixai o meu segredo; — oh! é mistério
Eu o amo — é meu sonho tão querido...
Quem o sabe? ninguém.
São notas afinadas de um saltério
Que geme de saudades — esquecido
Na má Jerusalém!
É por isso que eu quero a paz do ermo
Que faz lembrar a paz da sepultura,
Solitária, — e tão só!...
Não sonho aí sentada, o breve termo,
Que almejo a minha dor — a desventura,
Ligou-me em estreito nó....
Vou fartar-me de dor longe do mundo,
Vasar do peito aos lábios — na sordão
Torrentes de amargor!
Dar asa a um querer vago, e profundo;
Com prantos iludir meu coração,
Gelado, — e sem amor!
Embora venham as turbas desvendar
No solitário abrigo meu viver,
Minha longa aflição;
Jamais hão de profanos — meus cismar.
Meu segredo — sequer — compreender
No morto coração.
Se uma frase se pudesse
Do meu peito destacar;
Uma frase misteriosa
Como o gemido do mar,
Em noite erma, e saudosa,
Do meigo, e doce luar;
Ah! se pudesse!... mas muda
Sou, por lei, que me impõe Deus!
Essa frase maga encerra,
Resume os afetos meus;
Exprime o gozo dos anjos,
Extremos puros dos céus.
Entretanto, ela é meu sonho,
Meu ideal inda é ela:
Menos a vida eu amara
Embora fosse ela bela,
Como rubro diamante,
Sob finíssima tela.
Se dizê-la é meu empenho,
Reprimi-la é meu dever:
Se se escapar dos meus lábios,
Oh! Deus, — fazei-me morrer!
Que eu pronunciando-a não posso
Mais — sobre a terra viver.
Ao Ilmo. Sr. Dr. José Mariano da Costa.
Eu vi a branca rosa perfumada
No hábil melindroso reclinada,
Miragem vaporosa, e descuidada
A mirar-se gentil à beira-mar;
Melindrosa, e sutil nascia a aurora,
De esperança sem fim era essa a hora
De encanto e seduções — falaz embora
Como beijo que mente infindo amar.
Mas ela era tão casta, tão mimosa
Gentil, meiga, tão bela, tão formosa!
Era um tipo de amor a linda rosa,
Era um vago ideal de poesia!
Sonhava sonho casto — de pureza...
Cismava... o que, meu Deus? Tanta beleza
Não sei se tem reunida a natureza,
Quando desperta com o nascer do dia!...
No seu cismar mimoso a flor sorriu
A leda viração O sol feriu
As águas do oceano — e refluiu
Luminoso, abrasado sobre a flor;
Ela, tímida, e meiga — retraiu-se
Mimosa sensitiva um ai ouviu-se.
Mistério! a branca rosa ressentiu-se,
Desse raio de sol de infindo ardor.
E uma hora depois — enregelada
Eu vi a branca rosa desbotada
Na haste gemebunda, e reclinada
Morrer ao som de uma harpa melodiosa!...
Amor, jamais a flor outro sentira
A não ser o do céu anjo subira
Equilibrado nas asas de safira,
A mirar-se na plaga venturosa.
Tu vens rebuçado
Nas sombras da noite
Sentar-te em meu leito;
Eu sinto teus lábios
Roçar minhas faces
Roçar no meu peito.
Não sei bem se durmo,
Se velo — se é sonho.
Se é grata visão;
Só sei que arroubada
Deleita a minh’alma
Tão doce ilusão.
Depois, um suspiro
Que cala mais fundo
Que prantos de dor;
Que fala mais alto
Que juras ardentes,
Que votos de amor,
Vem lento — pausado
Do imo do peito
Nos lábios — morrer...
Eu amo de ouvi-lo,
Pois desses suspiros
Se anima o meu ser.
Mas, ah! Não me falas...
Teus lábios, teu rosto
Só tem um sorriso.
Depois vaporoso
Vai todo fugindo
Teu corpo — teu riso.
Então eu desperto
Do sonho — ou visão,
Começo a cismar;
E ainda acordada
Invoco em delírio.
Oh! vem no meu sono
Imagem querida
Pousar no meu leito
Com lábios macios
Roçar minhas faces,
Pousar no meu peito.
Entre tu, — que és tão sensível,
E eu, que te adoro tanto,
Colocou a sorte — o pranto,
Marcou Deus, — o impossível!
Ouviste! Deus! não intentes
Frustrar os decretos seus!
Sufoca as dores que sentes,
Esquece os transportes meus.
Vai longe, longe olvidar
Nossos protestos de amor!
Vai teu fado obedecer;
Vai... não voltes... trovador.
Sofre, embora, cruas dores,
Sinta eu lenta agonia;
Embora mil dissabores
Me envenene a noite, e o dia,
Vai-te! vai-te... Deus nos diz:
Impossível! Oh! que dor!...
Vai-te... deixa-me, infeliz,
Vai-te! Vai-te, oh trovador.
Por ocasião da passagem de Humaitá
Dedicada ao ilustre literato maranhense o Sr. Dr. João Clímaco Lobato.
Sincera gratidão.
Oh! Brasil, eu te saúdo,
Vasto império do cruzeiro!
És na América o primeiro,
És minha pátria gentil,
O grande, o nobre tu és.
A pátria de heroica gente,
Que seus avós não desmente,
Sequer na vida uma vez!
Glória a ti!... que os bravos filhos
Bem te vingam denodados
A teu brado alevantados,
Foi qual pó que o vento ergueu!
E das balas se sorrindo
Passam Mercede, e Cuevas!
Legando seu nome aos evos;
A ti, de glória, — um troféu.
É que da armada ao exercício,
Do general ao soldado.
Só se escuta o mesmo brado;
Eia! Vencer ou morrer!
Então pulsam destemidos
Os peitos de infindos bravos,
Vão remir milhões de escravos,
Indo a pátria defender.
Avultam Mariz e Barros.
Afonso, Marcilio Dias.
Mil outros que em nossos dias
Douram as páginas da história!
E caem co’a fronte exausta;
Mas que importa? Seu nome,
Ganha o Brasil um renome
É padrão de eterna glória!
Avante! avante — lá ficam
Destroços, ruína... embora!
Humaitá, eis soa a hora,
Da ruína tua final!
Já sob tuas muralhas,
Por sob balas, clamores,
Passam galhardos vapores,
Como brisa em fundo val.
Chove a metralha à porfia
Sobre a armada brasileira;
Mas a auriverde bandeira
Não se curva altiva está!
Qu’importa que o inimigo ocupe,
Superior posição?
Não teme a armada o canhão
Da misérrima Humaitá.
Viste o bravo Mauriti,
Honra, e glória do Brasil!
A arrostar metralha a mil.
Sempre tranquilo a passar?
Era o gênio das batalhas,
Aquele jovem guerreiro!
Nelson, eis um brasileiro,
Que vem teu nome ofuscar,
Era belo vê-lo assim
Alheio a todo o vapor
Desse hediondo fragor,
Que nele é glória afrontar:
Era vê-lo corajoso,
Sob as imigas muralhas,
Qual semideus das batalhas,
A passar e repassar!
Oh! Brasil, eu te saúdo,
Vasto império do Cruzeiro!
És na América um luzeiro,
Eu te saúdo, oh Brasil!
Prossegue em tua carreira,
Vinga teu brio ofendido,
E do monstro envilecido
Curva a fronte negra, e vil.
Dize a essa antiga Roma
Que não lhe invejas os brilhos;
Sim, que tens heróis por filhos,
Por divisa — Liberdade!
Que esmagar sabes um déspota,
Sabes vergar um tirano,
Que no solo americano,
Ostenta ferocidade.
Mas, que levas generoso,
Depois da guerra — o perdão!
Que vais quebrar o grilhão
Desses míseros escravos!
Que vais levar-lhes — bondoso
Paz, amor, fraternidade,
Instrução, lei, liberdade,
Fazê-los povo de bravos.
Vai desmentir esses ecos
Da soberba Inglaterra,
Que te faz mesquinha guerra,
Que te diz — conquistador!
Vai mostrar à Europa inteira,
Que no solo americano
Não se consente um tirano,
Não se sofre um ditador.
Dize que os povos escravos
Vais levar com lealdade
Não ferros, mas liberdade,
Progresso — não opressão.
Vai quebrar as vis cadeias,
As algemas de seus pulsos,
De amor em doces impulsos,
Vais dizer-lhe: És meu irmão!
Avante! Eu te saúdo,
Vasto império do Cruzeiro,
Que à voz de Pedro Primeiro
Despertaste assim gentil!
Oh! minha pátria gigante,
Esmaga o fero Solano,
Mostra ao povo americano
Quanto és nobre, oh! meu Brasil!
Por ocasião da tomada de Villeta e ocupação de Assunção
Tupi, que dormia da paz no remanso,
De plumas coberto, de flecha na mão,
Escuta de guerra no Prata uma voz,
Escuta uma luta de estranha feição.
Desperta, e pergunta: “Quem ousa acordar-me?”
Respondem-lhe: um monstro insulta a nação!
Oh! ei-lo guerreiro, brioso, pujante,
Chamando seus filhos com voz de trovão,
E os brados se escutam nas matas d’além,
Nas selvas longínquas, nos montes na serra:
Mil homens se erguem, mil homens repetem
O brado do gênio, que é brado de guerra.
E marcham seus filhos sedentos de glória,
Que bravos são eles, heróis todos são!
— Entanto que o monstro se nutre de sangue –
Ribomba no Prata brasílio canhão.
E uma após outra se rendem cativas
Do vil Paraguaio trincheiras a mil;
E renque de escravos cadáver já são...
E ele! Vacila... já teme ao Brasil.
É dura a fadiga... Por ínvios caminhos,
Esteros imundos, pauis, lodaçal
Lá marcham os filhos do bravo Tupi,
Dobrando galhardos, ardor marcial.
A voz que os dirige é voz do gigante,
De plumas coberto, de flecha na mão;
É voz que se escuta do Prata ao Amazonas,
Que os ecos repetem, que é voz da nação!
E foram-se avante — guerreiros avante
Que é firme seu passo, só sabem vencer!
E o último asilo, que resta ao tirano,
Se rende a seus brados: — vencer, ou morrer!
E treme o abutre de crimes coberto,
E o manto retinto do sangue dos seus
Na selva espedaça, nas moitas de espinhos.
Oh! quantos triunfos! oh, quantas vitórias!
Villeta, Belaco, soberba Humaitá!
O Chaco, Angustura! oh Lopes! oh monstro!
Teu ódio, teus brios, cacique, onde está?
E a fronte do gênio, cingida de louros,
Altiva, potente — lhes diz: Escutai!
Vingastes, meus filhos, da pátria o insulto,
O Nero expulsastes... meus filhos, — parai.
Oh! eu vos saúdo! — dourastes a história
Já grata, e tão nobre da terra da Cruz;
Agora aos que gemem nas trevas cativas
Levai generosos mil raios de luz.
Erguei-lhes a fronte eu o beijo a paz.
Dizei-lhes, meus filhos: — tu és meu irmão!
E vinde eu os braços vos abre o tupi.
De plumas coberto, de flecha na mão.
Oh! se eu morresse no calor da tarde,
Da tarde amena... quando a lua vem
Chovendo prata sobre lisos mares,
Trajando as vestes que a pureza tem.
Então, talvez, eu merecesse afetos
Desses que apenas alcancei sonhando:
Talvez um pranto bem sentido, e triste
Meu frio rosto rociasse — brando.
Sim, poetisa — mais te vale a morte
Na flor da vida — a sepultura, os céus...
Porque na terra teu sofrer, tuas mágoas,
Martírios, dores só compreende — Deus.
Oh! venha a morte no cair da tarde
Roubar-me a vida, que a ninguém comove;
Venha impassível... me penetre o seio,
A crua fouce que sua destra move.
E o sepulcro! Tão gelado, e mudo,
Eu o saúdo! companheiro nu!
Oh! sim, sepulcro, te darei meus cantos,
Se terno afeto me dispensas tu.
Na vida é estéril meu amargo canto;
Um peito humano a me escutar não vem,
Me apraz a campa, que em silêncio eterno,
Bebe esses prantos, que a alvorada tem.
Inda me resta o correr da vida
Essa esperança de morrer... é só
A que me alenta, que me guia os passos,
Té que meu corpo se desfaça em pó.
D’amiga existência tão triste, e cansada,
De dor tão eivada, não queiras provar;
Se a custo sorriso desliza aparente
Que mágoas não sente, que busca ocultar!?...
Os crus dissabores que eu sofro são tantos
São tantos os prantos, que vivo a chorar,
É tanta a agonia, tão lenta e sentida,
Que rouba-me a vida sem nunca acabar.
D’amiga a existência
Não queiras provar,
Há nela tais dores,
Que podem matar.
O pranto é ventura,
Que almejo gozar;
A dor é tão funda,
Que estanca o chorar.
Se intento um sorriso,
Que duro penar!
Que chagas não sinto
No peito sangrar!...
Não queiras a vida
Que eu sofro — levar,
Resume tais dores
Que podem matar.
E eu as sofro todas, e nem sei
Como posso existir!
Vaga sombra entre os vivos, — mal podendo
Meus pesares sentir.
Talvez assim Deus queira o meu viver
Tão cheio de amargura,
P’ra que não ame a vida e não me aterre.
(A pedido.)
Ela! Quanto é bela, essa donzela,
A quem tenho rendido o coração!
A quem votei minh’alma, a quem meu peito
Num êxtase de amor vive sujeito...
Seu nome!... não — meus lábios não dirão!
Ela! minha estrela, viva e bela,
Que ameiga meu sofrer, minha aflição;
Que transmuda meu pranto em mago riso.
Que da terra me eleva ao paraíso...
Seu nome!... Oh! meus lábios não dirão!
Ela! virgem bela, tão singela
Como os anjos de Deus. Ela... oh! não,
Jamais o saberá na terra alguém,
De meus lábios, o nome que ela tem...
Que esse nome meus lábios não dirão.
Seu nome! em repeti-lo a planta, a erva,
A fonte, a solidão, o mar, a brisa
Meu peito se extasia!
Seu nome é meu alento, é-me deleite;
Seu nome, se o repito, é dulia nota
De infinda melodia.
Seu nome! vejo-o escrito em letras d’ouro
No azul sideral à noite quando
Medito à beira-mar;
E sobre as mansas águas debruçada,
Melancólica, e bela eu vejo a lua, Na praia a se mirar.
Seu nome! é minha glória, é meu é meu porvir,
Minha esperança, e ambição é ele,
Meu sonho, meu amor!
Seu nome afina as cordas de minha harpa,
Exalta a minha mente, e a embriaga
De poético odor!
Seu nome! embora vague esta minha alma
Em paramos desertos, — ou medite
Em bronea solidão;
Seu nome é minha ideia: — em vão tentará
Roubar-me alguém do peito — em vão — repito,
Seu nome é meu condão.
Quando baixar benéfico a meu leito,
Esse anjo de Deus, pálido e triste
Amigo derradeiro.
No meu último arcar, no extremo alento,
Há de seu nome pronunciar meus lábios
Seu nome todo inteiro!...
Meus amores são da terra
Mas parecem lá do céu;
São como a estrelinha d’alva,
São como a lua sem véu.
São um feitiço, um encanto,
Uma longínqua harmonia,
Sorriso por entre prantos,
Choro de infinda alegria.
Flor rorejada de orvalho,
Beijada do sol nascente,
Expressão tímida e pura
De doce amor inocente.
Meu amor é flor singela,
Enlevo do coração;
Tímido como a gazela,
Ardente como um vulcão.
Veste-o o candor da pureza,
De lindas, mimosas flores;
Quem gozou jamais na vida,
Tão ledas mimos de amores?
Eu tenho amores na terra,
Que semelham o amor do céu;
Guardei-os zelosa n’alma,
Cobri-os com um denso véu.
Porque este amor é tão belo,
Que não conheço outro igual;
A todos, todos oculto
Receando uma rival.
Só a minh’alma o confio,
Qual confio minhas dores;
É ela o templo, o sacrário,
De meus eternos amores.
Amor é gozo ligeiro,
Mas é grato e lisonjeiro
Como o sorriso infantil;
Promessa doce, e mentida,
Alenta, destrói a vida;
É um delírio febril.
Muito te amei... minha lira,
Que triste agora suspira,
Nesta erma solidão,
Bem sabes — rica de flores,
Cantava os ternos amores,
Do meu terno coração.
Minha afeição era pura.
Não era engano, cordura,
Não era afeto mentido;
Se ela assim te não cativa.
Esquece-a, que sou altiva,
Esquece-a, sim — fementido.
Já houve um tempo
Na minha vida,
Que eu fui querida
Com terno amor;
Passou-se um ano,
Mas outro veio,
De mago enleio,
De imenso ardor.
Não foi sonhando,
Que eu não sonhava,
Oh! eu amava
Com tal paixão,
Que era meu peito
Tão viva chama,
Como a que inflama
Negro vulcão.
Quantos deleites,
Quanta beleza,
Na natureza,
Que me sorria!
Quanta meiguice,
Que terno encanto,
No doce pranto
Que então vertia!
Era minha alma
Dia, por dia,
Vaga harmonia
D’uma canção,
Longínqua, doce,
Meiga, e sentida;
Nota perdida
Na solidão,
Hoje! que resta
Desse passado,
Ledo — sonhado?
— Recordação!
Resta à minh’alma
Na soledade,
Funda, saudade,
Longa aflição.
Embalde, te juro, quisera fugir-te,
Negar-te os extremos de ardente paixão;
Embalde, quisera dizer-te: — não sinto
Prender-me à existência profunda afeição.
Embalde! é loucura. Se penso um momento,
Se juro ofendida meus ferros quebrar;
Rebelde meu peito, mais ama querer-te,
Meu peito mais ama de amor delirar.
E as longas vigílias, — e os negros fantasmas,
Que os sonhos povoam, se intento dormir,
Se ameigam aos encantos, que tu me despertas,
Se posso a teu lado venturas fruir.
E as dores no peito dormentes se acalmam.
E eu julgo teu riso credor de um favor;
E eu sinto minh’alma de novo exaltar-se,
Rendida aos sublimes mistérios de amor.
Não digas, é crime — que amar-te não sei,
Que fria te nego meus doces extremos...
Eu amo adorar-te melhor do que a vida,
Melhor que a existência que tanto queremos.
Deixara eu de amar-te, quisera um momento,
Que a vida eu deixara também de gozar!
Delírio, ou loucura — sou cega em querer-te,
Sou louca... perdida, só sei te adorar.
Dedicada aos bravos da Campanha do Paraguai, especialmente ao invicto tenente-coronel Francisco Manoel da Cunha Junior.
Remonta a antiga era — inda o Brasil
Não tinha a lusa gente avassalado,
E já o nosso céu de puro anil,
Cobria um povo herói, um povo ousado,
É sempre o mesmo gênio brasileiro,
Brioso, nobre, ardido, e guerreiro.
Foi ele quem guiou vossa bandeira.
Nos combates, nas lidas, nas vitórias!
Foi quem na luta ingente, e altaneira.
Doou-vos o troféu de eternas glórias!
Soldados da moderna liberdade,
Glória do vosso valor, e heroicidade!
E vós, que de tal brio foste herdeiro,
Que da pátria sequer não desmentiste
A risonha esperança... vós, guerreiro,
Que impávido ao perigo resiste,
Que compreendeste assaz vossa missão,
Recebei, Cunha Junior, esta ovação!
Se o valor nos combates te guiava,
Se o pátrio amor te despertava os brios,
Se a voz da artilharia te animava,
Sem te empecer o passo esteros, rios;
Deixa que nossos votos vão provar-te
Da nossa gratidão mesquinha parte.
Deixa cantar-te, herói de Aquidabã,
Deixa cantar-te, exímio maranhense,
Que honraste a terra antiga de Cumã.
Que honraste o torrão Guimaraense!
Deixa comemorar tuas façanhas,
Quem ama alto valor, glórias tamanhas!
Deixa cantar-te, herói de Tuiuti,
Distinto de Humaitá, forte em Angustura!
Bravo em Luque, em Sauces, e Avaí,
Onde tantos acharam sepultura!..
Deixa cantar teus feitos, oh! guerreiro,
Deixa louvar-te excelso brasileiro!
Mas consente que junte no meu canto
Ao teu nome, — dos mortos a memória,
D’queles que nos pedem infindo pranto.
Porque a morte os colheu em afã de glória
Deixa que um ai sentido de saudade.
Vá quebrar-lhes da estampa a soledade...
Foram todos heróis — como vós fostes
Dos louros das batalhas adornado!
Intrépidos leões do sul, e norte,
Tinham por timbre esforço denodado...
A eles — de saudade o nosso pranto,
E a vós, guerreiro invicto, — o meu canto.
À recepção dos voluntários de Guimarães
Eis vossos filhos, Guimarães, — saudai-os!
Saudai os bravos que a mãe-pátria honraram!
Saudai os restos da corte heroica,
Chorai aqueles que por lá ficaram!
Um dia um anjo de sinistro aspecto
De fumo as asas adejou na terra;
E na trombeta, que soou tremenda,
Do sul ao norte repetia: — guerra!
Então teus filhos, Guimarães heroico,
Teus filhos cheios de imortal valor,
Por Deus juraram repelir a afronta,
Por Deus, — por ti, — com denodado ardor.
Vede-os! são estes que em mavórcia lide
Arcaram forte com o poder da sorte;
Que importa o raio, que sibila?... avante!
Que o bravo afronta, mas não teme a morte.
Saudai-vos, grato Guimarães — saudai-os!
Saudai os filhos que a mãe-pátria honraram!
Saudai os restos da corte ingente,
Honrai com prantos os que lá ficaram...
Um anjo pálido de choroso aspecto
Vela essas campas, que não têm cruzeiros!
Mas que os vindouros lembrará com glória
Nomes eternos de imortais guerreiros!...
Raream as filas... mas cerradas ei-las,
Embora junquem mortos mil o chão!
Que importa ao bravo maranhense nobre,
Se a morte parte do infernal canhão?!!...
Que heróis! saudai-os, Guimarães, saudai-os!
Saudai os filhos que a mãe-pátria honraram!
Saudai os restos da imortal corte,
Chorai os bravos que por lá ficaram!!..
Sempre a bandeira a tremular briosa,
Sempre no peito a renovar-se o ardor,
Que pela pátria sacrificam tudo,
Sossego, vida, felicidade, e amor.
Depois, nos campos da mavórcia lide
Soou o brado de imortal vitória!
Foi dura a luta; — mas caiu o monstro!
Coroou-te a fronte imorredoura glória!
E veio um anjo de risonho aspecto,
Cândidas roupas, no semblante a paz,
Ornar dos bravos as altivas frontes,
C’os verdes louros, que na dextra traz.
Recitadas no dia dez de agosto de 1870 por ocasião do desembarque do tenente-coronel Cunha Júnior e alguns outros bravos de volta da Campanha do Paraguai.
Exultai, Guimarães! eis vossos filhos!
Seus nomes são padrão de eterna glória!
Saudai-os, são heróis... lançai-lhes flores.
Que eles pertencem à imorredoura história.
Cunha Júnior, a Pátria agradecida
Em amplexo de mãe te cinge ao peito;
De louros imortais te enastra a fronte,
Rende-te grata merecido preito.
Fanal de glória a refletir brilhante
Sobre ti, Guimarães!... glória a teu nome!
As tubas o proclamam — é um valente!
Partilha, pátrio berço, o seu renome.
Qual raio rompe, e voa entre o inimigo
Quebra, aniquila ardida corte...
Sobre sua fronte o resplendor da glória,
No peito o márcio ardor, na espada a morte!
É um bravo! um herói! alguém o iguala,
Herval, o próprio Herval o não excede!
Ei-lo gigante em Tuiuti — na luta
Perigo ou lida seu valor não mede.
Igual a Maurity, Nelson moderno,
Ele à ponte caminha, e rompe, e vai!
Aqui Curupaiti lhe estampa o nome,
Ali triste Humaitá por terra cai!...
Que diga a voz cansada e esmorecida
Desse triste Humaitá, louco e vaidoso;
Cada pedra resume uma epopeia,
Cada eco um poema glorioso.
O valor o animava — o amor da pátria
Lhe enche o coração... sibila, freme
O ardido canhão, — um bravo passa...
É ele! é o guerreiro que não treme!
Que falem ainda Lomas Valentinas,
Sauces, Avaí, Caraguataí,
Loque, Taquaral, Aquidabã,
Onde o monstro esfaimado exausto cai!...
Quem te excede em valor, afouto Cunha?!
Salve brioso, heroico maranhense!
Recebe as ovações, fraco tributo,
Do entusiástico povo Guimaraense.
Exultai, Guimarães! eis vossos filhos!
Trazem na fronte o resplendor da glória,
Louros colhidos na mavórcia lide,
Nomes escritos na pomposa história.
Oferecida ao tenente-coronel Cunha Júnior pela própria poetisa, no dia em que regressou a seu lar de volta da Campanha do Paraguai.
Senhor! se a tíbia da poetisa
Se eleva hoje em fervido transporte,
A vós o deve — sim,
Se hoje a lira se ameniza.
A vós, herói soldado!.. a vós o forte
Deve-o ela por fim.
A vós que nunca um dia esmoreceste,
Face a face a encarnar perigo ingente
Em inóspito país;
A vós, que os próprios lares esqueceste,
E dia, e noite vos ocupa a mente
Ver a pátria feliz!...
A vós, astro sublime, e desvendado,
Que brilhais sobre nós puro, radiante,
A vós, nobre guerreiro!
A vós, leão do norte, — a vós, soldado,
Cuja espada na guerra flamejante
Foi na guerra um luzeiro!...
Eu vos saúdo, herói de Tuiuti,
De Humaitá, de Sauces, de Angustura,
Herói de Aquidabã!
Voltais! na fronte o louro, o amor aqui!
Exulta de prazer, — louva a bravura
Do teu filho — Cumã!
Perdão, se a tíbia voz da poetisa,
Fraca, bem fraca agora se esmorece
Sem poder-vos cantar!
É rude a sua lira, — assim a brisa
Geme, murmura, passa, e se esvaece
Em noite de luar.
Oferecido ao sonoro e mavioso poeta
Ilmo. Sr. Dr. Gentil Homem de Almeida Braga.
Tributo merecido.
Santo! Santo! Senhor, nós te louvamos,
Porque imenso poder em ti se encerra!
Tu criaste, Senhor, o céu e a terra:
Com uma palavra tua luz cintila!...
Depois, o firmamento equilibraste,
E o mar lambia manso as brancas praias,
E o sol rutilando além das nuvens,
O rio, o peixe, a ave, a flor, a erva,
Que tudo era criado — o vento, a brisa
Erguendo a voz n’um cântico de amores,
Nas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!
E depois, semelhando a tua imagem,
Do miserando pó ergueste o homem,
E disseste: levanta-te e domina,
Esta terra, este mar é teu império!
E belo foi o homem, que se erguia,
E mais perfeita a companheira pura,
Rosada, e bela que lhe deste, oh! Santo!
Volveram os olhos em redor do orbe
Imenso, vasto... e acurvados ambos,
Unidas vozes ao rugir dos mares,
A voz dos campos, e da selva inculta
Mas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!..
E das ribeiras cristalinas águas,
As catadupas, o gemer das fontes,
A voz dos rios, murmúrio tênue
De mansa brisa, o suspirar do vento,
O grato aroma de mimosas flores,
O verde colo de cavados vales,
O cume erguido de soberbos montes,
À face toda do universo inteiro
Nas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!
Santo! Santo! Santo te louvamos,
Oh! Deus de infinda glória, eterno amor!
Tu que geras virtude em nossas almas,
E ao ímpio cede do pesar a dor.
Tu, que a Gomorra, que a Sodoma abrasas,
E a Lot salvas do horroroso incêndio;
Tu, que no Horeb luminosa sarça
Ao temente Moisés súbito alçaste;
Que o veloz curso das vermelhas águas,
Com mão potente dividiste em meio;
Que as mesmas águas desroladas, bravas
Ralhando irosas sobre o rei maligno,
Que após teu povo blasfemando vinha
Reunis breve, quanto é breve o sopro
Da vaga brisa que sussurra, e morre;
Oh! Tu, Senhor, que a esse povo ouviste,
E a Moisés, a Arão as turbas todas
Em profundo adorar um hino erguer-te,
Um hino sacro... e com melífluo acento
Nas harpas d’anjos, exclamarem: — Santo!
Depois, Tu no deserto deste a fonte,
No deserto maná do céu filtrado!
As tábuas do Decálogo sublime
Foi no deserto que mandaste ao homem!
E os três mancebos da fornalha ardente;
E os cenobitas, e os profetas santos,
A doce virgem, o anacoreta ermo,
As potestades, serafins, arcanjos
As turbas todas exclamaram: — Santo!
E minha harpa de festões ornada,
Que os sons afina pelas harpas d’anjos
As cordas suas no vibrar acordes
Em sacros hinos te proclama — Santo!
Tu, que os homens e flores criaste,
Sol, e ventos, e o raio, que aterra,
E os mistérios sublimes que encerra,
Nossa crença — supremo Senhor.
Tu, que às plantas permites a seiva,
E meneios ao verde palmar;
Que marcaste limites ao mar,
Vida às selvas, ao dia frescor.
De minha harpa religiosa — as vozes
Acordes todas pelas harpas d’anjos;
Unida a voz dos serafins, dos santos
E a voz das turbas, te bendiz, Senhor.
Santo! Santo! Senhor! Deus dos exércitos,
Estão cheios de graça a terra, os céus!
E toda a criação exclama: — Santo!
Hosana! Hosana! Onipotente Deus!
Ouvi piar o mocho — era alta noite,
Eu tinha o peito de aflição eivado...
A dor coou tão funda, que minh’alma
Em modorra de angústia acalentou-se.
Quanto tempo durou esse marasmo,
Esse estado penível, doloroso,
Sono imerso na dor, que enerva, e mata,
Em que o quisesse, não sei bem dizê-lo.
Fugiam horas e eu sequer não tinha
Da própria vida o sentimento, as dores.
O sinistro piar de aflito mocho
Mais lúgubre que outrora, mais agudo,
Quebrando as solidões adormecidas,
No repouso feliz da natureza,
Como que um eco de meus ais doridos,
Minh’alma afigurou — eu, despertando.
Então incerta, sem destino ou guia
Por densas selvas eu vaguei, — e inda
Por entre bosques merencórios, ermos
Onde uma sombra era fantasma horrendo,
Um espectro medonho o verde arbusto.
Sob meus pés as dessecadas folhas
Rangiam, — como de aflição gemidos.
A dor me sufocava, era mais ima,
Mais funda no meu peito, ali no bosque.
Saí. Era uma senda escura, e feia,
Pedregosa, — caí, rojei na terra
Estéril, poeirenta, seca, e dura,
Como um penhasco... lacerou-me a fronte.
E eu não senti — que me amargava intenso
O fel do sofrimento agudo, e fero.
E o pó, que ergueram as deslocadas pedras,
Minhas espáduas recamou Oh! quanta
Desesperança — no meu peito — havia!...
Era de angústias um letal veneno
No peito a me ondular — era nas veias
O gelo do sepulcro a traspassá-las,
Coando até a medula dos ossos!...
Era a garganta constrangida, ardente,
Árida, e seca, — e sufocada a boca.
Quanto tempo durou inda esta angustia
Suprema, — que meu ser aniquilava.
Este aflito penar, este delírio,
Este estado de dor tão violenta.
Não o posso dizer. Crescia a noite,
E mais carpia ainda o mocho triste...
Então voltou-me um átomo de vida,
Porque senti volúpia amarga, — enlevo
No sinistro gemer da ave noturna:
Porque o som de sua voz com o meu gemido,
Com a voz de minh’alma — harmonizava.
Gemi — foi um gemido doloroso,
Surdo, sem eco, soluçado apenas,
Que as fibras todas do cansado peito
Quebrou no seu passar. Abri os olhos
Ao ímpeto da dor, que se aumentava;
Um rochedo a meus pés se erguia mudo.
Altivo, e forte sobranceiro aos mares.
Galguei-o, ora correndo desvairada,
Ora, com passo vagaroso, e trépido,
Ora rojando minha face em terra.
Selando as pedras com meu rubro sangue,
Galguei-o. Era um penedo árido, e triste,
Nem uma erva lhe bordava a encosta.
Como nas faldas, era ermo o pico.
Copioso suor me aljofarava.
A turva fronte, — e os cabelos soltos
Ao vento, — me vendavam os olhos baços.
Exausta de cansaço, e de amargura,
Ao cume do rochedo enfim fui posta.
Oh! mistérios de um Deus eterno, e santo!
Ali, por tantas mágoas comprimido
Meu coração já frio, enregelado,
Sem fé, sem crenças, sem alento, ou vida
Mórbido, lânguido, — reviveu... mistério!
A meus pés era o mar augusto, imenso
Simbolizando o Deus da natureza...
Sobre a minha cabeça distendia-se
O espaço infinito, — o firmamento!
Nem uma estrela ali brilhava a furto:
Porque as nuvens escuras se embatiam,
A chuva ameaçando. Ao lume d’água,
Salsa, pesada de mil pontos surgem
Luminosos faróis, que logo apagam.
Roneavam os aquilões, soprava o vento
Rijo — encrespando a superfície d’agua.
Que se agitava com sinistro aspecto.
Gemia a tempestade pavorosa
Tão poética, e grande! A chuva era
Como pranto de mãe, que sobre o berço
Vazio do filhinho esparge aflita.
Em gotas sobre a fonte me escorria:
Benfazeja foi ela! que gelou-me
A fronte ardente, requeimada, e seca...
Amei então a chuva, amei a onda,
Que irosa, embravecida, mais crescia,
Bramindo em seu furor, — ameaçando
O imóvel rochedo. As salsas gotas
Dessa espuma de neve, que se erguia.
Salpicando as encostas pedregosas
Me ungia a fronte, como um doce beijo,
Expressivo de meiga complacência.
D’aquele que se dói, da dor de estranhos.
Ígneos raios sibilando ardentes,
Com mil fogos sobre o mar cruzavam:
E o gemer do trovão — gemer das ondas,
Com o sibilar do vento — harmonizavam.
Roncava a tempestade — o mar crescia,
Soberbo o cataclismo se aumentava.
Contemplando o furor dos elementos,
A frágoa de minh’alma se ameigava.
Quanto me vi mesquinha... um verme apenas
No cume do rochedo, sobre o mar!
Humilde me curvei: — com a face em terra,
Minh’alma se exaltou — eu pude orar.
Os ventos amainaram — a tempestade
Toda desfez-se — repousou natura;
O mar nos seus limites se encerrava,
E hino divinal rompeu na altura.
Eram cantos celestes — escutei-os,
E do peito emanou-me um doce pranto;
As lágrimas lavaram as agras dores,
As crenças restituiu-me o sacro canto.
Mas ainda assim, como que agora escuto
A dulia nota das canções dos céus;
Esvaiu-se a visão... mas sinto grata,
No peito a graça, que nos vem de Deus.
Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Henrique Leal como prova de profunda e sincera gratidão.
Como era meiga a donzela!
Tão puros os lábios dela,
Tão virgem seu coração...
Seu sorriso lisonjeiro,
Seu doce olhar tão fagueiro,
De tão celeste expressão!
Era ingênua, era inocente,
Como a flor que brandamente
De manhã desabrochou;
Que por ser cândida e pura,
Ter aroma, ter frescura,
Dela — o sol — se enamorou.
Mas foram graças ligeiras,
Como promessas fagueiras,
Que se não realizou ...
Como risonha esperança,
Que vem funesta mudança
Matar o que se esperou.
Agora sumiu-se no trépido ocaso
Por entre negrumes seu astro do dia;
Fugiu-lhe dos lábios o riso tão puro,
Secou-se-lhe a fonte de tanta alegria.
Agora devagar nos campos sombrios,
Se entranha nos bosques, procura a solidão...
E pálida a face, e mórbida a fronte,
No peito lhe ondeia pungente aflição.
Agora secou-se-lhe a fonte do pranto,
Agora envenena-a profundo sofrer...
Agora na vida de gozos tão nua,
À triste só resta da morte o prazer.
Agora expirou-lhe seu riso inocente:
Seus lábios tão puros perderam o rubor...
Agora lamenta seu triste abandono,
Agora em silêncio se nutre de dor.
Se prantos tivesse que a dor orvalhasse,
Se um triste gemido pudesse exalar...
Se ao menos a chaga, que sangue goteja
Pudesse-lhe a vida penosa acabar...
Se aos ventos que passam, se a brisa, se as flores
Pudessem em segredo seu mal confiar!
Mas, ela receia... que a todos escuta
Sorriso de escárnio que a pode matar.
Coitada — perdida! qual ave sem ninho,
Vagando na terra, qual concha no mar.
Se doce esperança procura afanosa,
No extremo da vida só pode encontrar.
E ela mendiga de andrajos coberta,
As faces retintas de um triste palor,
O pão que lhe esmolam de lágrimas rega,
Subindo-lhe ao rosto do pejo o rubor.
No peito, que existe tão puro qual era
Ondeiam-lhe chamas ardentes de amor;
E ela recorda seus dias de outr’ora,
E sente su’alma partir-se de dor.
É triste, coitada! ludíbrio da sorte,
Afaga uma ideia — delírio, loucura!
Revê-lo um momento — revê-lo um só dia,
Embora mais funda lhe seja amargura.
É fundo o desejo que nutre em silêncio,
Que ateia, que acende, que abrasa a paixão;
Embalde ela invoca dos céus o auxílio,
Embalde ela almeja guiar-lhe a razão.
Se prantos tivesse, coitada, mesquinha,
Que a dor lhe pudesse do peito abrandar,
Se esse a quem ama, que cega idolatra
Quisesse suas frágoas, sua dor desterrar...
Mas, triste, — afligida, ludíbrio da sorte,
Afaga uma ideia... que longo sofrer!
É vê-lo um momento — provar-lhe os extremos,
Que na alma lhe cavam contínuo morrer.
Ah! ele? quem sabe? talvez se partisse,
Um dia somente viveu-lhe o amor...
Foi terno, foi breve, foi vida d’um’hora,
Fugiu como a grata fragrância da flor.
Mulher, que de teus pais eras o encanto,
Primor da criação... por que murchaste?
Essas frases dolosas, sedutoras,
Por que na flor dos anos — escutaste?
Não vias que eras flor — e a mariposa,
Roubava-te o perfume em beijo impuro?
Não vias que uma nuvem eclipsava
Teu belo, luminoso, áureo futuro!?!...
Passa a brisa namorada,
Rouba da rosa o odor,
Ela sentida — definha,
E morre de dissabor.
Assim por linda donzela
Passa o torpe sedutor,
E seus mimos, seus encantos,
Rouba infame e sem amor.
E ela, em triste abandono,
Sem consolo ou esperança,
Chora seu agro destino,
Sem nele sentir mudança...
E vai chorosa, afligida
À sacra etérea mansão:
Porque só Deus compreende
Que é puro seu coração.
Mulher, que eras tão pura como a rosa,
Tão meiga a tua voz — tão doce o olhar,
Como céu que esmaltou gentil aurora
Como trépida a fonte a murmurar.
Por que escutaste de sua voz o acento,
E palpitou o teu coração de amor!?!
Porque no teu delírio d’um momento
Trocaste pelo opróbrio o teu candor!
Qual Eva no Éden saída apenas
Das mãos do Criador, — mimosa e pura,
E logo no pecado submersa
Eivado o coração pela amargura.
Agora o que te resta sobre a terra,
Se aos teus afetos não compensa amor?
Que de esperanças — ou de gozo resta
À bela, e triste abandonada flor!?!...
Teus pesares, teus ais a quem comove?
Quem sente o pranto teu — de coração?
Quem nos seios da alma te lamenta?
Quem ouve o teu soluço de aflição!?
Tu eras tão bela! mudou-se o teu fado!
Só dor, e remorsos torturam-te a alma.
Ai! mísera, triste de andrajos coberta,
Divagas sem tino no frio, e na calma.
E ele esquecido de tudo — é feliz,
Nem lembra a florzinha, que aos pés maltratou!
Entanto ela o segue.... ventura ou acaso...
Um dia seus olhos nos dele fixou.
E ele volveu-lhe sorriso de escárnio,
E ela uma queixa sentida murmura,
Tão débil, tão fraca, com tal desalento,
Que bem revelava profunda amargura:
— Apenas a sombra já vês do que fui...
Ah! não te comoves? coitada! ela diz.
— Que extremos por ver-te... que extremos de amores!
E tu me repeles? Cruel! que te fiz?
E ele tornou-lhe: — Mendigas sem pejo?
Que vício tão torpe! não tenho o que dar.
Mulher! o desprezo do mundo é partilha,
Que deve caber-te, que deves cobrar.
De novo a voz se ouviu, — era tão débil,
Que semelhara doloroso anseio...
Mas era entre os soluços proferido,
Um nome que a pesar aos lábios veio.
— Cruel! por que te amei com tanto extremo,
Por quê? Perdão, meu Deus! eu fui tão louca!
Rendi meu coração aos teus afetos,
Infame me tornei, criei remorsos...
Ouvi meu pai amaldiçoar-me... ouvindo
Os sarcasmos do mundo; — e apesar d’isso
Por amar-te eu sonhava uma esperança!...
Vaguei mendiga, sofrendo dores,
Fiel ao sentimento de minh’alma,
Amando-te inda mais que te amava,
Com mais ardor, com mais paixão imersa:
E teu desprezo, que mais dói que a morte,
E todo o prêmio que cobrar devia!?!...
Homem cruel! acaso tens no peito,
Alma de tigre?... coração de gelo?!...
— Mulher!
Tudo acabou! Foi dura a prova.
Amor, venturas, esperanças loucas
Tudo a sorte desfez... Ela calou-se.
— Vai-te, mendiga, disse — e o lábio impuro
Um sorriso formou de agro desprezo.
E foi-se. O coração era de mármore
Ela de pejo e dor estremeceu:
O peito lhe ofegou dorido arfando,
Nem um suspiro lhe escapou — morreu!
Vagueia o teu coração
Sem pesar, sem aflição,
Como a sutil viração,
Ou como as ondas do mar;
Com o leque dos Palmares,
Como um átomo nos ares,
Como Infante em seu folgares,
Como a virgem em seu cismar.
Como a leda mariposa,
Que sobre a florzinha pousa,
E que de louca e vaidosa
Não se prende a seus amores;
Ou como nuvem ligeira,
Quando a aurora vem fagueira,
Que se desfaz lisonjeira,
Em tênues, ledos vapores.
Ou como areia agitada,
Fria, sutil, prateada,
Que se ergue alevantada,
Ao sopro da viração;
Que volúvel, — incessante,
Vai deste, àquele lugar;
Sem jamais poder parar,
Da praia — na vastidão.
Mas, um dia, sem pensares,
Da sorte tristes azares,
Talvez te tragam pesares,
Talvez te causem aflição,
Que na vida um só tormento,
Um dolorido sofrimento
Nos afixa o pensamento,
Nos magoa o coração.
Então, nem a mariposa,
Que liba o suco da rosa,
E depois, já descuidosa,
Vai outra flor ameigar;
Nem à palma melindrosa,
Nem à nuvem vaporosa,
Nem à areia tão mimosa,
Poderás te assemelhar.
Porque então já não vagueia
Teu pensamento — e anseia
Teu peito, que a dor mareia,
Tu’alma que sofre tanto...
Adeja, adeja por ora.
Sê borboleta uma hora,
Beija mil flores agora,
Que depois só resta o pranto.
Há — de amargar-te a existência,
Na penosa inclemência,
De vã sonhada inocência,
Que em vão almejas gozar;
Terás remorso pesado,
Desse teu viver passado,
Tão mimoso, e descuidado,
Como de infante o folgar.
Já não serás mariposa,
Que liba o suco da rosa;
Nem a brisa perfumosa
Entre as flores a brincar;
Nem a palma requebrada,
Nem a nuvem prateada;
Porque a vida passada,
Poderás jamais gozar.
Dedicada ao meu prezado tio — o Sr. Martiniano José dos Reis.
Tributo de amizade.
Lá, no marco da estrada solitária,
Que o silêncio não quebra a voz humana;
O mísero, infeliz, com Deus sozinho,
A braços com seu fado endurecido,
Implacável, mortífero — chorando,
Geme ferido de aflitiva angústia...
Goteja-lhe das chagas incuráveis
O sangue, a vida, que correr nem sente;
Porque lá no mais fundo de sua alma,
Lá nas dobras do peito amargurado,
Doloroso pungir de mil desditas,
De duras privações, de longas dores
O mesquinho existir lhe vão minando...
Agudo espinho de cruenta angústia
Penetra-lhe incessante o peito opresso,
Por contínuo sofrer — ulcera todo!...
Mas, a dor que seus membros enregela,
A dor, que não tem prantos que a mitiguem,
A dor, que funda rasga-lhe as entranhas,
E cava o seu sepulcro... a dor mas agra,
Que ao mísero consome em seu desterro,
Não é ainda assim físicos males,
Úlceras, que destroem... é dor mais lenta,
Mais cruciante — a de viver sozinho,
De todos desprezado... arbusto triste,
Que em terra pedregosa habita ermo.
Enquanto humilde choça além descerra
As portas — devassando o seio limpo
De móveis, de riqueza — de uma cama,
D’um ente, a quem o triste se socorra;
Ele! a fronte apoiada sobre um tronco
Anoso, e carcomido, já sem ramas,
Que possa generoso amiga sombra
Sobre teus membros difundir um’ora.
Cruzadas sobre o peito as mãos rugosas,
Sobre o peito dorido... aí o dia,
A noite, o pôr do sol, — a tempestade,
Do raio o sibilar, luzir dos astros,
Luz, cerração, ou calma, ou ventania,
Orvalho matinal, frio noturno,
Encontram-no, atalaia imóvel, muda,
Fundida no sofrer de amargas dores!...
Que lhe resta na terra? amargo pranto!
No extremo do sofrer mesquinha cova
Sumida, e triste na espessura agreste!
Ainda assim exígua, sem letreiro,
Cavada pela mão da caridade;
Sem cruz, sem lousa, que recorde um dia,
Com mágoa — ao viajor — que aí se escondem
Os despojos mortais d’um desgraçado...
E só sobre essa campa solitária
Virão da mata as dessecadas folhas
Rolando enovelar-se — e o vento rijo
Sacudi-las iroso... Porque um pranto
De coração, que o ame enternecido,
Nascido da saudade — não viria
Rorejar-lhe na campa o corpo inerte!...
Família! esposa, irmãos e filhos caros,
Que amava com ternura — último elo
Da cadeia de amor, que o prende à vida,
Longe deslizam seus formosos dias.
Coitado! lá no ermo de sua vida,
Eivada de amargura — ele cogita
Os meios de revê-los... mas — suspende
Esse louco desejo. E desvairado,
Errante, sem descanso almeja o dia
Fatal, e derradeiro! É triste vê-lo,
Medonho espectro gotejando sangue!...
Mais tarde fatigado, esmorecido,
Receando — infeliz! dar desagrado
Com a terrível presença aos que o esmolam;
Vai com lânguido passo, os olhos baixos,
Escondido no monte escuro, e negro
Que a noite desdobrou por sobre a terra;
Vai mísero, abatido, e titubeante
Ao casal mais vizinho — o pão amargo
Pedido entre soluços — recebendo!
E logo volve à desolada estrada,
Ao tronco anoso se reclina — e morre!...
Ao aniversário de um jovem poeta.
Afeto e gratidão.
Quis dar-te hoje — poeta,
Um mimo — não tenho amores;
Mas no peito ingênuas flores
Eduquei para te dar:
É hoje o dia faustoso,
Do teu grato aniversário;
Do meu peito no sacrário
Fui essas flores buscar.
Queria o bouquet tecer
De murta, acácia e alecrim,
Após a rosa e o jasmim,
Após o cravo, o martírio;
Vê, se então não era belo
Juntar-lhe rubra cravina,
Se a mimosa balsamina
Se intercalasse de lírio?
Era formoso, bem sei,
Podia assim t’o oferecer,
Neste dia de prazer,
Dia de infinda alegria;
Mas, ah! de tantas que havia
Flores mimosas no peito,
Nem sequer o amor perfeito
Pude encontrar neste dia...
Não, poeta — achei ainda,
Vegetando em soledade,
A triste, a roxa soledade,
Pura, intacta e mimosa,
Inda me resta no peito
Uma flor p’ra te ofer’cer,
Uma flor para tecer,
Palma virente e formosa.
Aceita-a — é quanto me resta
Das minhas passadas flores!
Elas têm gratos olores,
Têm mimoso e terno encanto,
Recebe-a em teu coração
Neste teu festivo dia,
Como nota de harmonia,
Bem repassada de pranto.
Por que dizes que murcharam
Meigas flores de tu’alma?
Crestou-as acaso a calma,
Desse teu tão santo amor?
Quanto te iludes — o afeto
Casto, singelo, inocente,
Não cresta d’alma, que o sente
Se um dia as auras macias,
A doce, nevada flor.
Se um dia as auras macias,
Perfume meigo de amores,
Bafejarem as ternas flores
De tua alma — esse amor,
Esse sentir ignoto,
Afeto jamais sabido,
Pelo objeto querido,
Não pôde crestar-te a flor.
Tu te iludes — estão intactas
As flores d’alma — não sentes?
Embora negues — tu mentes;
Só se extinguiu teu amor.
Te iludiste — eu o repito,
As flores inda são virgens;
Malgrado essas vertigens,
Revoos de beija-flor.
Nessas flores há perfumes,
Que embriagam o coração;
Nessa essência há diva unção.
Mistérios da mão de Deus;
Vê, se as queres murchas, tristes,
Se queres mortas as flores,
Que são perfumes de amores,
Essência pura dos céus.
Se elas murcham em tu’alma,
Devias — secas, sem cor,
Como uma prenda de amor,
A quem t’as deu ofertar?
Não, as flores murcharam
Murchou a tua afeição;
Não me ilude o coração,
Podes acaso negar?
Mal sabes como em delírio
Eu amaria essas flores,
Recolhendo seus olores,
Neste triste peito meu...
Mas, não murchas, não sem vida,
Sem expressão, sem odor,
Sem um bafejo de amor.
Sem os orvalhos do céu.
Se fui eu quem na tu’alma
Desvelada as eduquei:
Se vida, se amor lhes dei,
Como dizes: — Ah! Eu devo,
Em troca de afetos tantos
Recebê-las já sem vida...
Uma palma emurchecida,
Sem olor, sem grato elevo?
Não, oh! não, — mil vezes não,
Não dês amores partidos,
Não dês afetos mentidos,
A quem sincero t’os deu.
E se mais te apraz, à outra;
Faz delas mimo de amor;
Brotarão mais doce olor,
Sobre o níveo colo seu.
Vou deixar meus pátrios lares,
Alheio clima habitar.
Ver outros céus, outros mares,
Noutros campos divagar;
Outras brisas, outros ares,
Longe dos meus respirar...
Vou deixar-te, oh! pátria minha,
Vou longe de ti — viver...
Oh! essa ideia mesquinha,
Faz meu dorido sofrer;
Pálida, aflita rolinha
De mágoas a estremecer.
Deixar-te, pátria querida.
É deixar de respirar!
Pálida sombra, sentida
Serei — espectro a vagar:
Sem tino, sem ar, sem vida
Por essa terra além-mar.
Quem há de ouvir-me os gemidos
Que arranca profunda dor?
Quem há de meus ais transidos
De virulento amargor,
Escutar — tristes, sentidos,
Com mágoa, com dissabor?
Ninguém. Um rosto a sorrir-me
Não hei de aí encontrar!...
Quando a saudade afligir-me
Ninguém me irá consolar;
Quando a existência fugir-me,
Quem me há de prantear?
Quando sozinho estiver
Aí à noite a cismar
De minha terra, sequer
Não há de a brisa passar,
Que agite todo o meu ser,
Com seu macio ondular...
“O que mais dói na vida não é ver-se
Mal pago um benefício,
Nem ouvir dura voz dos que nos devem
Agradecidos votos.
Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato
Que as devera beijar.”
G. Dias
De tudo o que mais dói, de quanto é dor
Que não valem nem prantos, nem gemidos,
São afetos imensos, puros, santos
Desprezados — ou mal compreendidos.
É essa a que mais dói a um’alma nobre.
Que desconhece do interesse a lei;
Rica de extremos, não mendiga afetos,
Que é mais altiva que um potente rei.
É essa a dor, que mais nos dói na vida;
É essa a dor, que dilacera a alma:
É essa a dor, que martiriza, e mata.
Que rouba as crenças, o sossego, a calma.
Não sei, se todos no volver dos anos
Sentem-na funda cruciante, atroz
Como eu a sinto... Oh! é martírio — ou vele,
Ou sonhe, — ou vague mediante a sós.
Eu vi fugir-me como foge a vida
Afeto santo de extremosos pais:
Roubou-mos crua, impiedosa morte,
Sem que a movessem meus doridos ais.
Vi nos espasmos de agonia lenta
Morrer aquele, que eu amei na vida...
Trêmulos lábios soluçando — adeus!
Ouviu-lhe esta alma de aflição transida.
Dores são estas, que renascem vivas
A cada hora — que jamais esquecem;
Enchem de luto da existência o livro,
Conosco à campa silenciosa descem.
Ah! quantas vezes, recordando-as hoje,
Dos roxos olhos se me verte o pranto!
Ah! quantas vezes, dedilhando a lira,
Rebelde o peito, não soluça um canto...
Mas, se essas dores despedaçam a alma,
O pranto em baga nos consola a dor:
Numa outra esfera, num perene gozo,
Vivem, partilham divinal amor.
Mas ah! de quanto nos aflige, e mata
É esta a dor, que mais nos dói sofrer;
Cobrar frieza em recompensa a afetos,
No peito amigo estrebuchar, — morrer!
Que dia de saudade! é tudo luto,
Tudo silêncio... Quem o usou tanger
Do bronze os fúnebres, dolorosos sons?
Meus Deus! Como ela cala no mais imo
Do coração, que sangra, que goteja
Torrente acerba de dorido pranto!
Que dia de saudade!... A natureza
Toda pejada de pesar se enluta,
Todos os rostos manifestam mágoa,
Todos os peitos um tributo rendem...
Que tributo, meu Deus! o de uma lágrima,
Que resvala na lousa, e cai sem eco!...
O nada de que Deus levanta o homem,
A triste campa nos revela — muda.
E o berço nos encheu de santo afeto!..
Meus Deus! Que dia de saudade, e pranto!...
Mais longe o caro irmão — a doce amante,
O terno amigo — o protetor querido,
O sábio, o grande, o bom, — é tudo nada!
Não há prantos então, não há soluços
Que abrandem tanta dor... não há suspiros
Que enterneçam as lousas do sepulcro,
Alheias à aflição, surdas às dores,
Que o peito nos consome! Oh!... campa, oh! campa,
Quanta mágoa desperta o teu silêncio!
Bendito sejas tu, oh! Deus supremo,
Que nos dás a saudade, o pranto, as dores,
Tu, que arrancas ao filho, a mãe querida,
O filho, — esposo, — pai, — amigo, — amante,
P’ra tão tremendas dores serenares,
Fazes baixar do teu empíreo imenso,
Sobre as asas da fé, bálsamo santo,
Que unge a nossa dor, — e o pranto estanca.
Bendito sejas tu — bendito aquele
Que dorme no Senhor seu sono eterno.
Esta vida,
Consumida,
E afligida
Como tarda em se extinguir!
No meu livro do passado,
No presente amargurado,
Só dores tenho a carpir.
Se ensaio um canto,
Me afoga o pranto
A noite enquanto
Velo mesquinha a me fartar de dores,
Taça pungente de amargura intensa,
Minha alma sorve na fatal descrença
De fúlgidos amores.
Fantasia, que afagas os meus sentidos,
Voz de mistério a repetir-me — sim.
Depois, ruína, solidão profunda ...
Esquecimento enfim...
Só se vive, se amor alenta a alma,
Bafejo santo, emanação dos céus!
Nos foge a vida, se o amor nos foge...
Ah! tudo mente... só não mente Deus.
É tudo abismo! Quem criou o amor,
Tal poder lhe imprimiu?
Por que tão cruciante cava a dor,
Angústia a mais acerba, acre amargor.
No peito que o fruiu?!...
Vida! Vida pesada,
Angustiada.
Sem esperança, sem prazer... só dores...
Que me vale o viver?
Nua de crenças — sem sonhar amores...
Meu Deus! antes morrer.
A morte ao menos, que tememos tanto
Traz o repouso — o esquecimento traz!
Dos mortos olhos não se filtra o pranto,
Por sob a lousa só domina a paz.
Dedicada ao Ilmo. Sr. Dr. Gama Lobo, distinto literato.
Simpatia e gratidão.
Que diz o infante,
Se o rir d’um instante
Se muda inconstante
N’um brando chorar?
Que diz a donzela.
Que cisma, tão bela!
Que sente? que anela?
No seu meditar?
Que dizem as palmeiras,
Danosas, fagueiras,
Se as brisas ligeiras,
Vão nelas gemer?
Que diz a rolinha,
Que à tarde sozinha
Saudosa definha,
Se o par vê morrer?
Que dizem as flores,
Emblema de amores,
De infindos primores,
De infindo gozar?
D’orvalho candente
A gota nitente,
Que a erva inocente
Vem meigo beijar?
Se brame raivoso
O pélago iroso,
Se geme saudoso
Na praia — o que diz?
Que dizem os cantos
De magos encantos,
Que ensaia sem prantos
Mimosa perdiz?
Que diz a vaidosa
Gentil mariposa,
Que o suco da rosa
Fragrante — libou?
A loura abelhinha,
Que diz quando asinha
Beijando a florzinha,
O mel lhe roubou?
Que diz erma fonte?
Que diz o horizonte?
E o cimo do monte,
Que se ergue altaneiro?
A lua indolente,
Que diz meigamente,
Na face virente
De grato ribeiro?
Que diz todo o mundo
N’um voto profundo
Eterno e jucundo
Tão cheio de amor?
Que diz o universo,
O justo, o perverso,
Em júbilo imerso?
Hosana! Senhor!
Ao feliz aniversário do nosso prezado amigo — o jovem poeta — o Sr. Raimundo Marcos Cordeiro.
É certo — não prorrompem neste dia
Os ecos do canhão, — lembrando as gentes,
Lembrando ao cortesão
O solene cortejo... áureo diadema.
A fronte não te adorna, — a vil lisonja
Não oscula tua mão.
Mas, tens melhor do que isso: — por um beijo
De baixo servilismo, eis dos irmãos
A mais santa afeição,
Extremos de uma mãe afetuosa,
A lira engrinaldada d’uma amiga;
Não baixa adulação.
Embora minha voz d’um polo a outro
— Como o vento, que impera no deserto –
A povos desse a lei:
Negara-te jogar sob um docel;
Quisera-te cantor, — não Júlio César:
Ser poeta, é ser rei.
Poeta, não tenho lira
De marfim, de prata, ou d’ouro;
Mas tenho grato tesouro,
Gravado no coração;
Um tesouro inesgotável
Por nada, — vês — trocaria,
São flores de poesia,
São trenos de uma afeição.
São transportes d’amizade,
Eflúvios da meiga flor.
D’aurora lúcido albor.
D’orvalho gota nitente,
São meiguices d’algum canto
Por entre dor soluçado.
É voto puro, e sagrado
Que traduz sentir veemente.
São beijos de duas rolas,
São hinos da solidão,
Do crepúsculo a viração,
Do céu o amplo sudário;
Tudo hei guardado — poeta,
No imo do coração,
Para dar-te em ovação
No teu fausto aniversário.
Não dou-te c’roa de ouro,
Dou-te c’roa de poesia...
Por teu matiz neste dia
Aceita meu pobre canto.
É singelo, mas exala
Perfumes do coração:
São mimos de uma canção,
São notas de dúlio encanto.
Inspirou-o doce enleio
D’uma amizade constante;
Mais estreita a cada instante,
Mais formosa em cada dia!
Recebe a pobre canção,
Como um brinde ao teu natal;
Meiga c’roa festival
Ornada de poesia.
Oh! dessas flores que te adornam — virgem,
Embora esposa de um momento, — atende!
Uma somente, eu te suplico — dá-ma;
Dos seios dela meu sossego pende.
Assim dizia adolescente belo,
Cuja afeição o conduzia a ela,
E com uma rosa perfumada, e leda
Brincava a jovem, festival donzela.
Ela fitou-o com um sorriso mago,
Cheio de encanto, de afeição singela,
E deu-lhe grata — desfolhando a rosa,
As meigas pétalas dessa flor tão bela!
Não sei, se o jovem estremeceu beijando-a;
Sei que guardou-as: — fraternal abraço!
Era essa rosa desfolhada — as notas
Últimas d’harpa, que se esvai no espaço.
Ah! sim eu quero rever-te a medo
Terno segredo — que em minh’alma habita;
Mas, vês? eu tremo... teu sorriso anima:
Vê, se o que digo, o teu dizer imita...
Um ai poderá traduzir — n’um ai
Tudo o que pedes que eu te diga agora;
Mas tu não queres!... teu querer respeito.
Eia... coragem! dir-te-ei n’uma hora.
Oh! não te esqueças meu rubor, meu pejo,
Vê que eu vacilo... que eu perdi a cor:
Embora... escuta. Tu me amas? — dize,
Eu te confesso que te voto amor...
À minha querida prima — Balduina N.B.
Quando meus olhos lanço sobre o mar
Augusto — o seu império contemplando;
Quer tranquilo murmure — ou rebramando,
Expande-se meu peito extasiado.
Corre minh’alma pelo céu vagando
Sobre seres criados — Deus buscando...
E fundo, e deleitoso é meu cismar.
Se ronca a tempestade enegrecida,
Pavoroso trovão rouqueja incerto:
As nuvens se constrangem, o céu aberto
Elétrico clarão vomita escuro:
Ao Deus da criação, ao rei da vida
Elevo o pensamento, e o coração...
Cresce, avulta, e aumenta a cerração
E em meu vago cismar só Deus procuro;
Se plácida no céu correndo vejo
— A lua — o mar, as serras prateando,
Qual áureo diadema cintilando
Em casta fronte de pudica virgem,
Em meu grato cismar só Deus almejo...
Bendiz minh’alma seu poder imenso!
Bendiz o Criador do Orbe extenso,
Que os outros rege — que seu trono cingem.
E bendigo depois a minha dor,
Meu duro sofrimento, — o meu viver...
Porque pode apagar, fundo sofrer
As feias culpas do existir da terra.
Oh! sim minh’alma te bendiz Senhor.
Quando cismando se recolhe triste...
Bendiz o eterno amor, que em ti existe,
O imenso poder que em ti se encerra!!..
As praias descanto,
Que tem tanto encanto –
— que ameiga meu pranto
Do belo Cumã!
A lua prateia
Seus cambras d’areia,
A vaga passeia
Na riba louçã.
Fronteiras a elas
Se ostentam tão belas
Desertas singelas
As praias de além;
Há nelas penedos,
Enormes rochedos,
Que escondem segredos...
Eu canto-as também.
Eu creio que irmã
Deus fez o Cumã
Da praia louçã
Do Itaculumim.
A vaga anseia
Além — e vagueia
Que nestas ondeia,
Eu creio por mim.
Não vedes as praias fronteiras?
A quem Se estende o formoso Cumã lisonjeiro:
Além se dilatam de Itaculumim
As praias saudosas, o morro altaneiro.
O índio em igaras — vencia esse espaço,
Juntava-se em turbas — amigos queridos;
Após os folgares, as breves canções,
Valente p’ra guerra marchavam reunidos.
Mas, foram esses tempos de paz, e sossego
E tempos vieram de guerra, e de morte..
E sempre ao irmão, — e sempre o penedo
Qual firme atalaia — vigiam no norte.
Os íncolas tristes, — a raça tupi
Deixando suas tabas, fugindo lá vão,
Que mais do que a morte no peito lhe custa,
A fronte curvar-se-lhes à vil servidão.
O índio prefere no campo da lide
Briosos guerreiros a vida acabar:
Ver mortos seus filhos, seus lares extintos
Do que a liberdade deixar de gozar.
Sua alma que é livre não pode vergar-se,
Por isso seus lares aí deixam sem dor;
E vão-se prudentes — altivos — jurando
Que a fronte não curvam da pátria ao invasor...
Ceder só à força, que poucos já eram,
Que os mortos juncavam seus campos mimosos...
Deixaram estas praias que tanto queriam,
Fugiram prudentes — mas sempre briosos.
Depois, lá bem longe... nas noites de inverno,
Ouvindo nas matas gemer o trovão,
E os ecos saudosos, e os ecos sentidos
Quebrados, chorosos na erma soidão,
Lembravam com prantos, que amargo lhes eram
As praias amenas do belo Cumã;
O morro altaneiro de Itaculumim,
Os combros d’areia na riba louçã.
E ermo, e saudoso das ninfas, que amou,
Das crenças, que teve descanta o pajé;
Os outros escutam seu canto choroso
Que fala das crenças, que vida lhes é.
Ele começa com voz soluçada:
— Nas praias do norte nascidos tupi;
Existem palácios no mar encantados,
No leito das águas de Itaculumim.
Ah! quanto é formoso seu vasto recinto,
Oh! quanto são belas as virgens d’ali!
O teto, que as cobre de conchas de neve,
O solo das perlas mais lindas que vi.
O colo das virgens é branco, e aéreo;
As tranças de ouro rasteiam no chão;
O canto é sonoro — tem tal harmonia
Que prende de amores qualquer coração.
Seu corpo mimoso semelha à palmeira,
Que troca coa brisa seu ledo folgar:
As meigas palavras, que caem dos lábios,
Parecem harmonias longínquas — do mar.
Saudades que eu sinto de tudo que amei,
Se triste recordo seus mimos aqui...
Saudades do belo Cumã lisonjeiro,
Saudade das praias de Itaculumim...
Deixamos as tabas de nossos avós...
As águas salgadas, que tinham condão!
Deixamos a vida nos lares queridos,
Vagamos incertos por ínvio sertão.
Entre suspiros cessa o triste canto;
Mais não disse o pajé!
Um silêncio dorido sucedera
Ao seu canto de dor...
Ele! tão feliz... ele, ditoso
Eu seu doce folgar;
Em palácios dourados repousando,
Em instantes de amor...
Agora na soidão — agora longe
Dessas deusas do mar;
Agora errante, triste, e sem destino
Sentia a aguda dor...
Por isso era canto bem sentido
Lá por ínvios sertões!
Perdera as salças praias, arenosas,
Perdera o seu amor!
Lastimava seu fado — e se carpia
Das praias do Cumã.
E de Itaculumim se recordava
Com suspiros de dor...
E muitos prantos soluçados vinham
De saudades — quebrar a solidão!
Depois, era um silêncio amargurado,
Depois, suspiro fundo de aflição...
Prosseguem entanto sem destino, aflitos,
Prosseguem marcha duvidosa, errante:
E aqui campeia do Cumã as praias,
E Itaculumim gigante.
Donzela, tu suspiras — esse pranto,
Que vem do coração banhar teu rosto,
Esse gemer de lânguido penar,
Revela amarga dor — imo desgosto:
Amiga... acaso cismas ao luar,
Terno segredo de ignoto amor?!...
Soltas madeixas desprendidas voam
Por sobre os ombros de nevada alvura;
Tua fronte pálida os pesares c’roam
Como auréola de martírio... pura,
Cândida virgem... que abandono o teu?
Sonhas acaso com o viver do céu!
Sentes saudades da morada d’anjos,
D’onde emanaste? enlanguesces, gemes?
É nostalgia o teu sofrer? de arcanjos
Perder o afeto que te votam — temes?
Ou temes, virgem — de perder na terra,
Toda a pureza que tu’alma encerra!?...
Não, minha amiga — que a pureza tua
Jamais o mundo poderá manchar:
Límpida vaga a melindrosa lua,
Vencendo a nuvem, que se esvai no ar,
E mais amena, mais gentil, e grata
Despede às águas refulgir de prata.
Que cismas pois? por que suspiras, virgem?
Por que divagas solitária, e triste?
Delira a flor — e na voraz vertigem
D’um louco afeto, té morrer persiste...
Pálida flor! o teu perfume exalas
Nesses suspiros, que equivalem falas.
Cismas à noite... que cismar o teu?
Sonhas acaso misterioso amor?
Vês nos teus sonhos o que encerra o céu?
Aspiras d’anjos o fragrante olor!?
Porque, não creio que a esta terra impura
Prendas tua alma, divinal feitura.
Não. É resumo dos afetos santos
Que além se gozam — que uma vez somente
À terra descem, semelhando prantos.
Que chora a aurora sobre a flor olente:
Meigos, sem mancha, vaporosos, ledos,
Puros, — de arcanjos divinais segredos.
Sentes saudades da morada d’anjos!
Sentes saudade do viver dos céus?
Ouves os carmes de gentis arcanjos!
Soluças n’harpa teu louvor a Deus!?...
Anjo! descanta sobre a terra ímpia
Místicas notas de eternal poesia.
À minha querida irmã — Amália Augusta dos Reis.
Vejamos pois esta deserta praia,
Que a meiga lua a pratear começa,
Com seu silêncio se harmoniza esta alma,
Que verga ao peso de uma sorte avessa.
Oh! meditamos na soidão da terra,
Nas vastas ribas deste imenso mar;
Ao som do vento, que sussurra triste,
Por entre os leques do gentil palmar.
O sol nas trevas se envolveu, — mistérios
Encerra a noite, — ela compreende a dor;
Talvez o manto, que estendeu no bosque,
Encubra um peito que gemeu de amor.
E o mar na praia como liso ondeia,
Gemendo triste, sem furor — com mágoas...
Também meditas, oh! salgado pego –
Também partilhas desta vida as frágoas?...
E a branca lua a divagar no céu,
Como uma virgem nas solidões da terra;
Que doce encanto tem seu meigo aspecto,
E tanto enlevo sua tristeza encerra!
Sim, meditemos... quem gemeu no bosque,
Onde a florzinha a perfumar cativa?
Seria o vento? Ele passando ergueu
Do tronco a copa sobranceira, altiva.
Passou. E agora sufocando a custo
Meu peito o doce palpitar de amor,
Delícias bebe desterrando o susto,
Que a noite incute a semear pavor.
E um deleite inda melhor que a vida,
Langor, quebranto, ou sofrimento ou dor;
Um quê de afetos meditando eu sinto,
Na erma noite, a me exaltar de amor.
Então a mente a divagar começa,
Criando afouta seu sonhado amor;
Zombando altiva de uma sorte avessa,
Que oprime a vida com fatal rigor.
E nessa hora a gotejar meu pranto,
Nas ermas ribas de saudoso mar,
Vagando a mente nesse doce encanto,
Dá vida ao ente, que criei p’ra amar.
E a doce imagem vaporosa, e bela,
Que a mente erguera, engrinaldou de amor,
Ergue-se vaga, melindrosa, e grata
Como fragrância de mimosa flor.
E o peito a envolve de extremoso afeto,
E dá-lhe a vida, que lhe dera Deus;
Ergue-lhe altares — lhe engrinalda a fronte,
Rende-lhe cultos, que só dera aos céus.
Colhe p’ra ela das roseiras belas,
Que aí cultiva — a mais singela flor:
E num suspiro vai depor-lhe as plantas,
Como oferenda — seu mimoso amor.
Mas, ah! somente a duração d’um ai
Tem esse breve devanear da mente
Volve-se a vida, que é só pranto, e dor,
E cessa o encanto do amoroso ente.
Solidão
Aqui na solidão minh’alma dorme;
Que letargo profundo!... Se no leito,
As horas mortas me revolvo em dores,
Nem ela acorda, nem me alenta o peito.
No matutino albor a nívea garça
Lá vai tão branca doudejando errante;
E o vento geme merencório — além
Como chorosa, abandonada amante.
E lá se arqueia em ondulação fagueira
O brando leque do gentil palmar;
E lá nas ribas pedregosas, ermas,
De noite — a onda vem de dor chorar.
Mas, eu não choro, lhe escutando o choro;
Nem sinto a brisa, que na praia corre:
Neste marasmo, neste lento sono,
Não tenho pena; — mas, meu peito morre.
Que displicência! não desperta um’hora!
Já não tem sonhos, nem já sofre dor...
Quem poderia despertá-lo agora?
Somente um ai que revelasse — amor.
Embora eu goste de escutar sozinha,
O mago acento da ternura tua:
Embora em meus transportes eu te adore,
Embora sobre mim teu ser influa;
Embora eu folgue por te ver risonho,
Cativo ao meu querer, a mim rendido;
Embora amor te abrase o peito em sonho,
E meu peito o adivinhe enternecido;
Embora venha a flor desses teus lábios,
Essa frase sonhada, e misteriosa;
Essa palavra mágica, que enleva
Como perfume de orvalhada rosa;
Embora em escutá-la eu despertasse
Deste longo torpor, — desta apatia;
Embora de meu peito transbordasse
Em ondas de prazer louca alegria;
Sepulta-a no mais imo da tua alma,
Volvê-la à custo embora — ao coração:
Imponho-te o silencio, que me imponho,
Embora eu sinta por te amar — paixão.
Talvez, sim, que minh’alma te compr’enda;
Talvez que nos estreite um só querer;
Talvez... mas, ah! porque rasteira grama
Intentas, louco! de seu leito erguer!...
Não sabes que isolada ela vegeta
Deserdada por Deus de afeto, e amor?
Ah! não lhe toques, — não lhe dês teu pranto:
Deixa-a isolada, emurchecer de dor.
A hora em que nasci sumiu-se o disco
Do sol luzente — e uma estrela pura
Não fulgiu no lençol azul do céu,
Amenizando-me a existência dura:
E avara de gozos foi-me a infância,
Para os demais idade venturosa...
A primeira expressão da minha vida,
Foi do infindo pesar — dor venenosa.
A custo hei arrastado os longos dias
De penosa aflição já bem eivados;
Custei-me a dominar — não formo queixas
Contra o capricho de meus agros fados.
Deixa que eu sofra sem que o saibas tu,
Paixão ardente me ondear no peito:
E que se exalte o coração de afetos,
E que se estremeça por amor sujeito.
Deixa em segredo repetir minh’alma
Que o meu ouvido não me escute o acento,
Que és o doce enlevo do meu peito,
O bem que me absorve — o pensamento.
Mas nunca intentes arrancar-me aos lábios
De amor a misteriosa confissão.
Impossível me fora... oh! impossível! –
Sem que o saibas é teu — meu coração.
Posso dar-te a existência — a vida inteira;
Contigo partilhar ventura, ou dor;
Mas, nunca a teus ouvidos murmurara
Com mago acento esta palavra — amor!
Embora em repeti-la eu despertasse
Deste longo torpor, desta apatia;
Embora de meu peito transbordasse
Em ondas de prazer minha alegria.
Sepulto-a no mais fundo de minh’alma,
Volva-a a custo embora — ao coração;
Imponho-me o silêncio que te imponho,
Embora sinta por ti amor, paixão.
Quereis que eu cante na lira
Os meus amores? Pois bem;
Os meus amores são sonhos,
Eu nunca amei a ninguém.
Temi que, amando na terra,
De amor me viesse algum mal.
Criei no céu meus amores,
Amei ao meu ideal.
Oh! nem sabeis quanto é belo
Um ideal de mulher!
É belo como arcanjos,
Aos pés do Supremo Ser.
É grato, belo, é deleite,
Encanta, enleia, seduz,
Como nas trevas da noite
Se brilha ao longe uma luz.
Fala... sua voz é saltério;
São gratos hinos a Deus;
São acentos mist’riosos;
Que sobem puros aos céus.
Se nos sorri, — seu sorriso,
São ternos votos de amor;
São como gota de orvalho
De leve beijando a flor.
P’ra que amores na terra,
Se amo ao meu ideal?
Amores que cavam prantos,
Amores que fazem mal!...
E teço-lhe grinalda de poesia,
Singela, e odorosa;
E dos anjos escuto a melodia
A voz harmoniosa.
E um doce ambiente se respira,
E mais doce langor;
Expande-se meu peito — a alma suspira
Ofegante de amor.
E a música celeste recomeça
Ao som de nosso amor:
Mistério! A lua é pura... a flor começa
A vestir-se de odor.
É tudo belo... toda a relva é flor,
Todo o ar poesia!
O prazer é do céu ... aí o amor
É hino de harmonia.
Que importa que sejam sonhos
Os meus amores? Pois bem,
Eu quero amores sonhando,
Não quero amar mais ninguém.
Agora, agora que ninguém nos ouve,
Dize, minh’alma, — que sofrer te avexa?
Sofres? Eu sinto!.. que pungir o teu!
Foge aos rigores de uma sorte avessa.
Vês-me abatida como arbusto débil,
Que a fronte inclinada se o aquilão soprou;
Sombra tristonha, que vagueia aflita,
Buscando a campa que seu mal cavou.
E não minoras minha dor sem prantos...
Gemes comigo na amplidão do ermo?
As nossas dores são comuns, — minh’alma,
Fundas, eternas, — não terão um termo!
Se em desalento me lastimo e choro,
Se a dor me rasga o desolado peito,
Gemes. Na insônia de compridas noites
Velas comigo a suspirar no leito.
E quando estua o coração de angústias
Vejo-te aflita delirar — que tens?
Remorso agudo te penetra o seio?
De negros crimes rebuçada vens?...
Oh! que blasfêmia! Tu, essência diva,
Límpida, pura... não pecaste, — não.
Presa ao ergást’lo do grosseiro barro,
Sofres com ele... que fatal prisão!
Sofres! és boa... meu sofrer te acanha...
Gemes, se eu gemo — se eu pranteio, choras:
Se a culpa, ou erro me constringe o peito,
És tu, meu anjo — quem da culpa coras.
Juntas erramos neste vale — aflitas
Arrastam ambas seu viver dorido...
Dás-me teus prantos se me escutas, triste
Brotar do peito soluçar sentido.
É minha culpa, sim — perdão minh’alma!
A culpa é minha, — o sacrifício teu,
Sublime exemplo do mais puro amor!
Sê minha estrela ao caminhar p’ra o céu.
Só tu me ouviste blasfemar, — perdoa!
Eu sofro tanto!.. ah! perdão... perdão!
Deixa esta dor se enregelar no peito,
Quebra, espedaça tua fatal prisão.
É sempre assim a vida, — mero engano:
Após o riso, lágrimas, e dor,
Pungentes amarguras...
Um querer que renasce louco, insano
E quebra-se no nada, sem fragor,
Como sombras em ermas sepulturas.
Assim compensa o mundo o amor mais terno,
O doce sentimento de afeição,
O mais fino sentir...
Embora! o amor não é um gozo eterno,
Abrasa o peito, a alma é um vulcão,
Pode tudo n’um’hora consumir.
Pode de cinza, e larvas enastrar
O peito já cansado, — e após a neve
Sobre ele chover:
Depois — da vida a tarde — o encontrar
Em apático existir já morta a seve,
O gérmen, a esperança, ou o querer.
Mas, seja fogo, ou gelo a recompensa
Do amor: — esse extremo não destrói
Outro mimo, outro afeto.
Malgrado tanto azar, mesmo descrença,
Inda resta a amizade — a quanto dói
Consolo, refrigério, asilo certo.
Assim sonhei eu triste! em meu cismar,
Depois que o amor, que amei roubou-me a morte,
E em vão carpi!
Engano! Quem desfez o meu sonhar?
Fatal desilusão!... mesquinha sorte!
Como o amor também fugir a vi...
Tudo... tudo esvaiu-se, amor que amei;
Afetos melindrosos como a flor,
Que nasce entre a geada:
Extremos tão ignotos que eu sonhei,
Singelas afeições, mimoso amor.
Tudo varreu-me a tempestade irada.
Agora ao mundo presa na aparência,
Sôfrega sorvendo o cálix do prazer.
Só nele encontro fel!...
Da dor calou-me o peito a acre essência,
Resumo inexplicável do sofrer!
O mundo me acenou, — chamou-lhe — mel.
Escárnio! Quanto dói demais na vida.
De amor o esquecimento — da amizade
A fria recompensa.
Tudo hei provado na afanosa lida,
De uma louca, e cansada ansiedade –
Delírio, sonho, engano — árdua sentença!
Sem amor, sem amigos, sem porvir.
Sem esperanças, ou gozos: — sem sequer
Quem sinta a minha dor...
Só no mundo — só... triste existir!
Que me resta, meu Deus! — que resta a ver,
Se tudo hei visto neste longo error!!!...
Basta! basta minh’alma ... o teu sofrer
Infindo — o teu prazer sem esperança.
Foi só o teu condão!...
Vai como a roda em solidão gemer:
Da tempestade após vem a bonança
Terás na campa a paz do coração.
Oferecida ao Ilmo. Sr. Raimundo Marcos Cordeiro.
Prova de sincera amizade.
A vida é sonho, — que afanoso sonho!
Há nela gozos de mentido amor;
Porém aquilo que nossa alma almeja
É sonho amargo de aflitiva dor!
Fantasma mudo, que impassível foge,
Se mão ousada a estreitá-lo vai;
Sombra ilusória, fugitiva nuvem,
Folha mirrada, que do tronco cai...
Que vale ao triste sonhador poeta
A noite inteira se volver no leito,
Sonhando anelos — segredando um nome,
Que oculta a todos no abrasado peito?!!...
A vida é sonho, que se esvai na campa,
Sonho dorido, truculento fel,
Longa cadeia, que nos cinge a dor,
Vaso enganoso de absintos, e mel
Se é um segredo que su’alma encerra,
Se é um mistério — revelá-lo a quem?
Se é um desejo — quem fartá-lo pode?
Quem chora as mágoas, que o poeta tem?
Ah! se um segredo lhe devora a vida,
Bem como a flor, o requeimar do dia,
Ele se estorce no afanoso anseio;
Rasga-lhe o peito íntima agonia.
Então compulsa a melindrosa lira,
Seu pobre canto é desmaiada endeixa;
A lira segue merencória, e triste
Pálidos lábios murmurando queixa.
Mas, esse afã — esse querer insano,
Esse segredo, — esse mistério, enfim,
Não é a lira que compr’ende, e farta,
Que a lira geme, mas não sofre assim.
A vida é sonho, duvidar quem pode?
Sonho penoso, que se esvai nos céus!
Esse querer indefinido, e louco,
Só o compr’ende — só o farta — Deus.
À memória do mavioso e infeliz poeta Dr. A. G. Dias.
Lamenta, Maranhão, — lamenta, e chora
O teu mimoso cisne, — imortal Dias!
Veste teus prados de lutuoso crepe,
Despe tuas galas, infeliz Caxias!
Não foi dos vermes seu cadáver presa,
Não teve campa, não dormiu na terra!
O mar prestou-lhe monumento aurífero,
Deu-lhe essas pompas, que em seu seio encerra.
Mimosas colchas de nevadas perlas
Lhe adornam o leito de safira, e ouro...
Os pés lhe enastram de corais as palmas;
Forma-lhe a campa imorrredor tesouro.
Não morre o gênio! não morreste, oh!
Dias, Eis-te nas vagas serenando o mar...
Eis-te no orvalho, que a manhã chorosa,
Manda, benéfica uma flor beijar.
Eis-te nas vagas de São Marcos, — Dias,
Desfeito agora em melindroso encanto!
Eis-te pendendo dos mangueiros pátrios,
Como dos olhos d’uma virgem o pranto.
Eis-te nas tabas, — nos caldosos rios,
Nas salças praias, — no volver da brisa,
No grato aroma de mimosas flores,
Na voz do vento, que o oceano frisa...
Eis-te, poeta mavioso, e terno.
Em cada peito, que te ouviu cantar:
Eis-te na história — perpassando aos evos.
Poeta, concerta hinos,
Ao som dos hinos divinos,
Canta excelsos, peregrinos,
Místicos carmes a Deus.
Com estro divinizado,
Salmo de amor incensado,
Ao Deus Senhor humanado,
Canta, poeta, — nos céus.
Canta, canta — e as falanges
Dos anjinhos do Senhor,
Dos seus jardins uma flor,
Cada qual te irá colher;
E na tua harpa, — poeta,
Na tua harpa sagrada,
A flor no céu educada
Virão depor com prazer.
Dessas harpas diamantinas
De notas tão peregrinas,
Em que os anjos — as matinas
Incessante cantam a Deus.
Fere a corda harmoniosa,
A corda mais sonora,
Desprende a voz maviosa;
Canta, poeta, — nos céus.
Canta no céu, que na terra,
Foi teu cantar noite e dia
Nota de eterna harmonia,
Perfume de olente flor...
Foi teu cantar melindroso.
Como um sentir misterioso,
Que passa vago, e mimoso
N’um peito, que cisma amor.
Foi tua lira fadada,
Foi teu cantar a balada,
Sonorosa, e concertada
Pelos arcanjos de Deus!
Foi hino sacro de amor,
Foi harpa do rei — cantor...
Agora ao teu Criador
Canta, poeta, — nos céus.
À partida dos voluntários da pátria do Maranhão
Ide, bravos maranhenses,
Ide a pátria defender!
Como antigos brasilienses,
Não sabeis também vencer?
Ide bravos — que a vitória –
De vossos nomes a glória
Está no vosso valor:
Nosso pendão hasteai
Nos campos do Paraguai:
Vencei ao vil agressor.
No furor da luta ingente
Ante a face do inimigo,
Quando mais dobre o perigo,
Quando for mais iminente:
Lembrai-vos, oh! maranhenses,
Desses heróis brasilienses,
Que no altar da liberdade
Sacrificaram as vidas,
No campo de eternas lidas,
Com denodo e heroicidade!
Tendes no Outeiro da Cruz
Exemplos assinalados,
Feitos tais, e tão ousados,
Vossos brios não seduz!
Não vos recorda o Bacanga,
Qual grito lá do Ipiranga
Entusiasmado bradou:
Morte! morte, — ou liberdade!
Com tanta seguridade,
Que a liberdade raiou?!!..
Não desmintais tais feitos,
Nossos avós imitai...
Não sentes em vossos peitos
Coragem? Eia! voai.
Voai ao campo da Glória:
Aí, cantai a vitória:
Desfraldai nosso pendão:
Fazei-os de horror tremer...
Eia! vencer, — ou morrer...
— É divisa da Nação.
Vingai da pátria ofendida
Os brios, o pundonor:
Sacrificai nessa lida
Sossego, vida, e amor.
Não temais a morte honrosa,
Que no campo vem gloriosa,
Toda brilhante ao soldado...
É mais um nome na história...
É mais um padrão de glória,
Que aos evos será legado!
Ide, bravos maranhenses,
Ide a pátria defender:
Como antigos brasilienses,
Vós também sabeis vencer!
Ide, que a pátria vos chama
Os vossos brios reclama,
Reclama o vosso valor;
Não desmintais a esperança,
Que tem na vossa pujança,
Dos vossos brios — no ardor.
Vi uns olhos... que olhos tão belos!
Esses olhos têm certo volver,
Que me obrigam a profundo cismar,
Que despertam-me um vago querer.
Esses olhos me calam na alma
Viva chama de ardente paixão:
Esses olhos me geram alegria,
Me desterram pungente aflição.
Esses olhos devera eu ter visto
Há mais tempo — talvez ao nascer:
Esses olhos me falam de amores;
Nesses olhos eu quero viver...
Nesses olhos, eu bebo a existência,
Nesses olhos de doce langor;
Nesses olhos, que fazem solenes,
Meigas juras eternas de amor.
Esses olhos, que dizem n’um’hora,
Num momento, num doce volver,
Tudo aquilo que os lábios nos dizem,
E que os lábios, não sabem dizer;
Esses olhos têm mago condão,
Esses olhos me excitam a viver;
Só por eles eu amo a existência,
Só por eles eu quero morrer.
Eu a vi — gentil mimosa,
Os lábios da cor da rosa,
A voz um hino de amor!
Eu a vi, lânguida, e bela;
E ele a rever-se nela:
Ele colibri — ela flor.
Tinha a face reclinada
Sobre a débil mão nevada;
Era a flor à beira-rio.
A voz meiga, a voz fluente,
Era um arrulo cadente,
Era um vago murmúrio.
No langor dos olhos dela
Havia expressão tão bela,
Tão maga, tão sedutora,
Que eu mesmo julguei-a anjo,
Eloá, fada, arcanjo,
Ou nuvem núncia d’aurora.
Eu vi — o seio lhe arfava:
E ela... ela cismava,
Cismava no que lhe ouvia;
Não sei que frase era aquela:
Só ele falava a ela,
Só ela a frase entendia.
Eu tive tantos ciúmes!...
Teria dos próprios numes,
Se lhe falassem de amor.
Porque, querê-la — só eu.
Mas ela! — A outro ela deu
Meigo riso encantador...
Ela esqueceu-se de mim
Por ele... por ele enfim.