Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Cantos à beira-mar, de Maria Firmina


Edição de Base

Biblioteca Virtual Brasileira

ÍNDICE

Uma lágrima

Minha terra

A lua brasileira

Uma tarde em Cumã

Súplica

À minha carinhosa amiga a

O meu desejo

Dirceu

O meu segredo

Ah! Não posso!

Tributo de amizade

Sonho ou visão?

Vai-te!

Por ocasião da passagem de Humaitá

Por ocasião da tomada de Villeta e ocupação de Assunção

Melancolia

No álbum de uma amiga

Ela!

Seu nome

Meus amores

Esquece-a

Recordação

Confissão

Poesia

À recepção dos voluntários de Guimarães

Poesias

Poesia

Te-Deum

Visão

A mendiga

O volúvel

O volúvel

Um bouquet

Não, oh! Não

O proscrito

A dor, que não tem cura

O dia de finados

Queixas

Hosana!

Canto

O pedido

Amor

Cismar

Itaculumim

À minha extremosa amiga D. Anna Francisca Cordeiro

Meditação

Nas praias do Cumã

Embora eu goste

Não quero amar mais ninguém

Minha alma

Desilusão

A vida é sonho

Nênia

À partida dos voluntários da pátria do Maranhão

Uns olhos

A uma amiga

Dedicatória

À memória de minha veneranda mãe.

Minha Mãe! — as minhas poesias são tuas.

É uma lágrima que verto sobre tuas cinzas! Acolhe-as, abençoa-as para que elas te possam merecer.

Debruçada sobre o teu peito, embalde, oh! minha mãe, — no extremo da dor, e da aflição procurei inocular o calor do meu sangue nas veias onde o teu gelava-se ao hálito da morte!... verti lágrimas de pungente saudade, de amargura infinda sobre a tua humilde sepultura, como havia derramado sobre o teu corpo inanimado.

A dor era cada vez mais funda, mais agra e cruciante — tornei a harpa, — vibrei nela um único som, — uma nota plangente, saturada de lágrimas e de saudade...

Este som, esta nota, são os meus cantos à beira-mar.

Ei-los! É uma coroa de perpétuas sobre a tua campa, — e uma saudade infinda com que meu coração te segue noite, e dia, — é uma lágrima sentida, que dedico à tua memória veneranda.

Se alguma aceitação merecerem meus pobres cantos, na minha província, ou fora dela; — se um acolhimento lisonjeiro lhes dispensar alguém; oh! minha mãe! essa situação esse acolhimento será uma oferenda sagrada, — uma rosa desfolhada sobre a tua sepultura!...

Sim, minha mãe... que glória poderá resultar-me das minhas poesias, que não vá refletir sobre as tuas cinzas!?!...

É a ti que devo o cultivo de minha fraca inteligência; — a ti, que despertaste em meu peito o amor à literatura; — e que um dia me disseste:

Canta!

Eis pois, minha mãe, o fruto dos teus desvelos para comigo; — eis as minhas poesias: — acolhe-as, abençoa-as do fundo do teu sepulcro.

E ainda uma lágrima de saudade, — um gemido do coração...

Guimarães, 7 de Abril de 1871.

Maria Firmina dos Reis

Oh! minha mãe! oh! minha mãe querida,

Que vácuo n’ alma — que cruel saudade!

Deixa que lance sobre o teu sepulcro

A roxa croa de imortal saudade.

Fraco tributo: — mas no imo peito

As eduquei com amargurado pranto;

Hoje as esfolho perfumosas, tristes,

Ao som cheiroso do meu pobre canto.

Uma lágrima

Sobre o sepulcro de minha carinhosa mãe.

E eu vivo ainda!? Nem sei como vivo!...

Gasto de dor o coração me anseia:

Sonho venturas de um melhor porvir,

Onde da morte só pavor campeia.

Lá meus anseios sob a lousa humilde

Dormem seu sono de silêncio eterno!

Mudos à dor, que me consome, e gasta.

Frios ao extremo de meu peito terno.

Ah! Despertá-los quem pudera? Quem?

Ah! campa... ah, campa! Que horror, meu Deus!

Por que tão breve — minha mãe querida,

— Roubaste, oh morte, destes braços meus?!!...

Oh! não sabias que ela era a harpa

Em cujas cordas eu cantava amores,

Que era ela a imagem do meu Deus na terra,

Vaso de incenso trescalando odores?!

Que era ela a vida, os horizontes lindos,

Farol noturno a me guiar p’ra os céus;

Bálsamo santo a serenar-me as dores,

Graça melíflua, que vem de Deus!

Que ela era a essência que se erguia branda

Fina, e mimosa de uma relva em flor!

Que era o alaúde do bom rei — profeta,

Cantando salmos de saudade, e dor!

Que era ela o encanto de meus tristes dias,

Era o conforto na aflição, na dor!

Que era ela a amiga, que velou-me a infância,

Que foi a guia desta vida em flor!

Que era o afeto, que eduquei cuidosa

Dentro do peito... que era a flor

Grata, mimosa a derramar perfumes,

Nos meus jardins de poesia, e amor!

Que era ela a harpa de doçura santa

Em que eu cantava divinal canção...

Era-me a ideia de Jeová na terra,

Era-me a vida que eu amava então!

Oh! minha mãe que idolatrei na terra,

Que amei na vida como se ama a Deus!

Hoje, entre os vivos te procuro — embalde!

Que a campa pesa sobre os restos teus!...

Como se apura moribunda chama

À hora extrema da existência sua:

Assim minha alma se apurou de afetos,

Gemeu de angústias pela angústia tua.

E não puderam minha dor, meu pranto,

Pranto sentido que jamais chorei,

Oh! não puderam te sustar a vida,

Que entre delírios para ti sonhei!...

E como a flor pelo rufão colhida

Vergada a haste, a se esfolhar no chão,

Eu vi fugir-lhe o derradeiro alento!

Oh! sim, eu vi... e não morri então!

Entanto amava-a, como se ama a vida,

E a minha eu dera para remir a sua...

Oh! Deus — por que o sacrifício oferto,

Não aceitou a onipotência tua!?!...

Vacila a mente nessa acerba hora

Entre a fé, e a descrença...oh! sim meu Deus!

Estua o peito, verga aflita a alma:

Tu me compreendes, tu nos vês dos céus.

Vacila, treme... mas na própria mágoa

Tu nos envias o chorar, Senhor;

Bendito sejas! que esse pranto acerbo,

É doce orvalho, que nos unge a dor.

Lá onde os anjos circundam, dá-lhe

Vida perene de imortal candura:

Por cada gota de meu triste pranto,

Dá-lhe de gozos divinal ventura.

E à triste filha, que saudosa geme,

Manda mais dores, mais pesada cruz;

Depois, reúne à sua mãe querida,

No seio imenso de infinita luz.

Minha terra

Oferecida ao distinto literato o Sr. Francisco Sotero dos Reis.

“Minha alma não está comigo. Não anda entre os nevoeiros dos Órgãos, envolta em neblina, balouçada em castelos de nuvens, nem rouquejando na voz do Trovão. Lá está ela”.

G. Dias

Maranhão! Açucena entre verdores,

Gentil filha do mar — meiga donzela,

Que a nobre fronte, desprendida a coma,

Dos seios do Oceano levantaste!

Quanto és nobre, e formosa — sustentando

Nas mãos potentes — como cetro de Ouro,

O Bacanga caudal, — o Anil ameno!

O curso de ambos tu, Senhora — domas,

E seus furores a teus pés se quebram.

Oh! como é belo contemplar-te posta

Mole sultana num divã de prata,

Cobrando amor, adoração, respeito;

Dando de par ao estrangeiro — o beijo,

E a fronte ornando de lauréis viçosos!

Pátria minha natal, — ninho de amores...

Ai! miséria de mim... quisera dar-te

Na lira minha mavioso canto,

Canto exaltado que elevar-te fora

‘Té onde levas a nobreza tua!

Porém o estro deserdado, e pobre,

Sonha, e não pode obrar o seu intento.

Campeia indolente no leito gentil,

Cercada das vagas amenas, danosas;

Das vagas macias, quebradas, cheirosas

Do salso Bacanga, do fértil Anil.

Formosa rainha, c’roada de louros,

Altiva levanta tua fronte gentil;

Que Deus concedeu-te de graças — tesouros,

Criando-te o mínimo do vasto Brasil.

Exalta teus filhos fervente entusiasmo

E quebram num dia sangrento grilhão!

Contempla a Europa tal feito — com pasmo...

E bradas: sou livre!... com grata efusão.

Maranhão! Açucena entre verdores,

Campeando gentil, bela, e donosa;

Como em haste mimosa altiva rosa,

Como lírio do val cobrando amores.

És ninfa sobre as águas balouçada,

Descuidosa brincando em salsa praia;

No pego mergulhada a nívea saia,

A nobre fronte de festões ornada.

Princesa do oceano! a fronte alçaste

Por tantos séculos abatida, e triste...

Um eco aqui repercutir-se — ouviste,

E as vis algemas sob os pés quebraste!

Quebraste os ferros — que o Brasil não sofre,

Sequer um dia ser escravo, — não.

És livre, és grande! Tão sublime ação

Quem fez jamais — e tanto assim de chofre?!...

O grito lá da serra do Ipiranga,

O grito todo amor, fraternidade,

Ecoou no teu seio! a liberdade,

Pairou sobre o Anil, sobre o Bacanga!

Eis-te bela, coroada, e sedutora,

Pomposa, e descuidada, sobranceira;

Em teu divã gentil, gentil, sultana,

Filha das vagas, e do mar senhora,

A unânime grito se erguia a cativa

Que jaz a dormir;

E ao som prolongado que os ecos repetem

Desperta a sorrir:

Os braços distende — que agora é rainha:

Quebrou-se o grilhão!

Com a fronte cingida de louros tão gratos

Se erguem Maranhão!

O pego, as florestas, os campos que regem

Os vastos sertões,

Entoam seu hino de amor, liberdade!

Ao som dos canhões

E prados, e bosques, e sendas bordadas

De verdes tapizes,

E ribas salgadas, e gratos mangueiros,

Se julgam felizes...

E as auras despertam, tecendo mimosos

Festejos a mil!

E o grato Bacanga parece em amplexo

Ligar-se ao Anil.

Campeia indolente no leito gentil

Domina as florestas os gratos vergéis;

Renova na fronte singelos lauréis,

Esmalta o império do vasto Brasil.

A lua brasileira

Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Adriano Manoel Soares.

Tributo de amizade e gratidão.

É tão meiga, tão fagueira,

Minha lua brasileira!

É tão doce, e feiticeira,

Quando airosa vai nos céus;

Quando sobre almos palmares,

Ou sobre a face dos mares,

Fixa nívea seus olhares,

Que deslumbram os olhos meus...

Quando traça na campina

Larga fila diamantina,

Quando sobre a flor marina

Derrama seu lindo albor;

Quando esparge brandamente

Por sobre a relva virente

Seu fulgor alvinitente

Seu melindroso esplendor...

Quando sobre a fina areia,

Que a vaga beijar anseia,

Molemente ela passeia,

Desdobrando alvo lençol;

Quando ao fim da tarde amena,

Ressurge pura e serena,

Disputando nessa cena

Primores co’o rubro sol...

Que eu sinto meu pobre peito

Comovido, ao fim desfeito

Por tanto encanto sujeito,

Por tantos gozos — meu Deus,

E eu vejo os anjinhos teus,

Noutras nuvens, noutros céus

Novos mundos construir.

Podem outros seus encantos

Ver também — gozar seus prantos;

Pode cantá-la em seus cantos

Qualquer jovem trovador;

Vendo-a bela sobre os montes,

Ou retratada nas fontes,

Surgindo nos horizontes

C’roada de níveo albor.

Mimosa, pura; — mas bela

Assim branca, assim singela,

Como pálida donzela,

Que geme na solidão;

Assim leda, acetinada,

Como flor na madrugada,

Pelo rocio beijada, Beijada com devoção;

Assim em sua frescura,

Com tão maga formosura,

Percorrendo essa planura,

De nossos formosos céus;

Assim não. Assim somente

Mimosa, pura, indolente

A vemos nós... fado ingente

Foi este que nos deu Deus.

Quem não ama vê-la assim

Com a candidez do jasmim,

Espargindo amor sem fim,

Nas terras de Santa Cruz!

Quem não ama entusiasmado

Da noite o astro nevado,

Que com o rosto prateado

Tão meigamente seduz!...

Quem não sente uma saudade,

Vendo a lua em fresca tarde,

Branca — em plena soledade

Vagar nos campos dos céus!...

Quem não tece com fervor,

No peito em que mora a dor,

Um hino sacro de amor,

Um terno hino a seu Deus!...

Eu por mim amo-te, oh! bela,

Que semelhas à donzela,

Com roupas de fina tela,

Com traços de lindo albor;

Que vai pura aos pés do altar,

Por doce extremo de amar,

Ao terno amante jurar,

Lealdade, fé — e amor.

Amor ver-te assim fagueira

Minha lua brasileira,

Qual menina feiticeira,

Que promete, e foge e ri,

E depois, sempre folgando

Vem com beijinhos pagando

Aquele, que a afagando

De novo a chamara a si.

Assim tens meus tristes cantos,

Soltos ao som dos meus prantos,

Que me inspiram teus encantos,

Da noite na solidão;

A meiga lua querida,

Melancólica, e sentida,

Com tua face enternecida,

Minha constante aflição.

Uma tarde em Cumã

Aqui minh’alma expande-se, e de amor

Eu sinto transportado o peito meu;

Aqui murmura o vento apaixonado,

Ali sobre uma rocha o mar gemeu.

E sobre a branca areia — mansamente

A onda enfraquecida exausta morre.

Além, na linha azul dos horizontes,

Ligeirinho baixel nas águas corre.

Quanta doce poesia, que me inspira

O mago encanto destas praias nuas

Esta brisa, que afaga os meus cabelos,

Semelha o acento dessas fases tuas.

Aqui se ameigam de meu peito as dores

Menos ardente me goteja o pranto;

Aqui, na lira maviosa e doce

Minha alma trina melodioso canto.

A mente vaga em solidões longínquas,

Pulsa meu peito, e de paixão se exalta;

Delírio vago, sedutor quebranto,

Qual belo íris, meu desejo esmalta.

Vem comigo gozar destas delicias,

Deste amor, que me inspira poesia;

Vem provar-me a ternura de tua alma,

Ao som desta poética harmonia.

Sentirás ao ruído destas águas,

Ao doce suspirar da viração,

Quanto é grato o amor aqui jurado,

Nas ribas deste mar, — na solidão.

Vem comigo gozar um só momento,

Tanta beleza a me inspirar poesia!

Ah! vem provar-me teu singelo amor

Ao som das vagas, no cair do dia.

Súplica

Dá, Senhor, que breve passe

Sobre a terra — o meu viver;

Bem vês, a flor desfalece

Da tarde no esmorecer;

Entretanto a flor é bela,

É bela de enlouquecer.

Mas eu triste, — eu que na vida

Só hei provado amargura,

Que o sonho de um doce gozo

Não permite a desventura,

P’ra que amar a existência

Árdua, mesquinha e tão dura?!...

P’ra que viver, se esta vida

É martírio eterno, e lento?

E frágoa a existência,

É século cada momento:

P’ra que a vida, Senhor,

Se a vida vale um tormento!!!....

Dá, Senhor meu Deus, que breve

Se me antolhe a sepultura:

Que vale a vida seus gozos,

Que vale sonhar ventura,

E trago, a trago esgotar,

Fundo cálice de amargura!

Que importa a mim, se no bosque,

Canta a mimosa perdiz?

Seu canto tão repassado

De amores, — o que é que diz?

Assim da brisa o segredo,

Da flor o grato matiz!...

A onda, que molemente

Na erma praia passeia,

Sente deleite beijando

A branca, mimosa areia,

A onda goza... e eu triste!

Nada me apraz, me recreia.

O vate pulsando a lira,

Embora banhada em pranto,

Sente ungir-lhe o peito aflito

Bálsamo, puro, e bem santo,

Se ele inspirado desfere

Seu dulio, mimoso canto.

Mas, eu não — não tenho amores,

Não me anima uma ilusão;

Meu sonhar é vago anseio,

Que mais me dobra a aflição;

Sinto gelado meu peito,

Sinto morto o coração.

Morto... morto, nem palpita,

Que funda dor o matou!

Que foram desses anelos,

Dos sonhos que o embalou?

Tudo... tudo jaz desfeito...

Tudo, meu Deus... acabou!

Dá, Senhor, que breve passe

Sobre a terra o meu viver!

É sacrifício perene

Tão agros dias sofrer!

Dá que breve sob a lousa

Meu corpo vá se esconder.

À minha carinhosa amiga a

Exma. Sra. D. Ignez Estelina Cordeiro

Eras no baile de diana a imagem;

Leda miragem, suspirosa virgem!

Quem te não crera no arfar do peito

Anjo sujeito a divinal vertigem!

Um quê havia no sorrir de arcanjo;

Roupagem de anjo, — revoar aos céus;

Um quê de enlevos, que nem tu, — donzela,

Cismavas bela, — nos cismares teus.

Não foi delírio de uma alma ardente,

Que às vezes mente por fatal loucura;

Não — eu sentia de te ver, — vaidade,

Mulher deidade! — a traduzir candura!

Acaso pode o ideal mais belo,

Que em doce anelo imaginou poeta,

Acaso pode marear teu brilho?

Não: Não tens brilho. Te elevaste à meta;

Deixa beijar o teu sorrir de arcanjo,

Visão, — ou anjo a divagar na terra;

E a voz melíflua, divinal, fluente

Nota cadente, que nos ares erra.

Assim eu amo o soluçar da vaga,

Na praia maga — como ver-te amei,

Cheia de encanto — a revelar mistério,

Como o saltério do poeta rei.

O meu desejo

A um jovem poeta guimarense.

Na hora em que vibrou a mais sensível

Corda da tu’alma — a da saudade,

Deus mandou-te, poeta, um alaúde,

E disse: canta amor na soledade,

Escuta a voz do céu, — eia, cantor,

Desfere um canto de infinito amor.

Canta os extremos d’uma mãe querida,

Que te idolatra, que te adora tanto!

Canta das meigas, das gentis irmãs,

O ledo riso de celeste encanto;

E ao velho pai, que tanto amor te deu,

Grato oferece-lhe o alaúde teu.

E a liberdade, oh! poeta, — canta,

Que fora o mundo a continuar nas trevas?

Sem ela as letras não teriam vida,

Menos seriam que no chão as relvas;

Toma por timbre liberdade, e glória,

Teu nome um dia viverá na história.

Canta, poeta, no alaúde teu,

Ternos suspiros da chorosa amante;

Canta teu berço de saudade infinda,

Funda lembrança de quem está distante:

Afina as cordas de gentis primores,

Dá-nos teus cantos trescalando odores.

Canta do exílio com melífluo acento,

Como David a recordar saudade;

Embora ao riso se misture o pranto;

Embora gemas em cruel soidade...

Canta, poeta, — teu cantar assim,

Há de ser belo enlevador enfim.

Nos teus arpejos juvenil poeta,

Canta as grandezas, que se encerram em Deus,

Do sol o disco, — a merencória lua,

Mimosos astros a fulgir dos céus;

Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,

Raio infinito de esplendente luz.

Canta, poeta, teu cantar singelo

Meigo, sereno como um riso d’anjos;

Canta a natura, a primavera, as flores,

Canta a mulher a semelhar arcanjos,

Que Deus envia à desolada terra,

Bálsamo santo, que em seu seio encerra.

Canta, poeta, à liberdade, — canta,

Que fora o mundo sem fanal tão grato;

Anjo baixado da celeste altura,

Que espanca as trevas deste mundo ingrato;

Oh! sim, poeta, liberdade, e glória

Toma por timbre, e viverás na história.

Eu não te ordeno, te peço,

Não é querer, é desejo;

São estes meus votos — sim.

Nem outra coisa almejo,

E que mais posso querer?

Ver-te Camões, Dante ou Milton,

Ver-te poeta — e morrer.

Dirceu

À memória do infeliz poeta Tomás Antônio Gonzaga.

“Há de certo alguma harmonia oculta na desgraça, pois todos os infelizes são inclinados ao canto.”

C. Roberto

Onde, poeta, te conduz a sorte?

Vagas saudoso, no tristonho error!

Longe da pátria... no exílio... a morte

Melhor te fora, mísero cantor.

Bardo sem dita!... patriota ousado

Quem sobre ti a maldição lançou!.?.

Cantor mimoso, quem manchou teu fado?

E a voo d’águia te empeceu, — cortou?

Quem de tua lira despedaça as cordas,

As áureas cordas de infinito amor?!

Essas mesquinhas, virulentas hordas.

A voz d’um homem, que se crê senhor!...

E tu, que cismas libertar — em anseio

O pátrio solo — que a aflição feria

Que à lísia curva o palpitante seio.

E a fronte nobre para o chão pendia.

Da pátria longe, teu suposto crime

Vás triste, aflito a espiar — Dirceu!

Quem geme as dores, que teu peito oprime?

E as tristes queixas? — só as ouve o céu.

Mártir da pátria! Liberdade, amor

Foram os afetos que prendeu teu peito...

Gemes, soluças, infeliz cantor.

Vendo teus sonhos — teu cismar desfeito.

Ela! a estrela, que teus passos guia!

Ela — os afetos de tu’alma ardente!

Ela — tua lira de gentil poesia!

Ela — os transportes de um amor veemente!

Marília!... A pátria — teu amor, tua glória,

Tudo, poeta, te arrancaram assim!

Dirceu! Teu nome na brasília história,

É grata estrela de fulgor sem fim.

Qual teu crime, oh! trovador?

É crime acaso o amor,

Que a sua pátria o filho dá?

Foi já crime em alguma idade,

Amar a sã liberdade!

Dirceu! Teu crime onde está?

É crime ser o primeiro Patriota brasileiro,

Que a fronte levanta e diz:

— Rebombe embora o canhão,

Quebre-se a vil servidão,

Seja livre o meu país!

Nossos pais foram uns bravos;

Nós não seremos escravos,

Vis escravos nesta idade:

Rompa-se o jugo opressor:

Eia! avante, e sem temor

Plantemos a liberdade!

Ah, Dirceu, tu te perdeste!

Mártir da pátria — gemeste

De saudade, e imensa dor!

Choraste a pátria vencida:

Tanta esperança perdida...

Perdido teu terno amor!...

E vás no exílio suspiroso, e triste

Gemer teu fado no longínquo ermo;

Até a morte do infeliz — amiga,

Aos teus tormentos te ofereça um termo!

Brumas as noites na africana plaga

Mais te envenena da saudade a dor...

Secam teus prantos o palor da morte,

A morte gela no teu peito o amor...

O meu segredo

Aqui no exílio — revolvendo a mente

Breve passado, — momentâneo gosto,

Qual fugaz meteoro;

Ao riso estulto da profana gente,

Pálido volvo p’ra não vê-la o rosto,

E magoado choro.

E as turbas passam: — nem sequer p’ra mim

Seus olhos lançam — nem as vejo eu

o que há de comum

Entre mim e os homens? Eles riem,

Eu choro — seu viver não é o meu,

Não os amo a nenhum.

Já gasta d’um querer que me devora,

Vou — ave soidão, buscando um ermo,

Asilo ao meu sofrer...

Onde do sol os raios nessa hora

Não penetrem — do trilho lá no termo

Vou sonhar — e gemer.

Aí, curvada a fronte sobre a mão

Brotam mil pensamentos à porfia,

Mil lembranças, oh céu!

Vem nas lúbricas asas da aflição,

Como dores nas horas d’agonia,

No peito d’um ateu!

Em tropel se me antolham — afoutos vêm

Desejo, amor, descrença, ou ilusão,

Esperança ou receio:

Sinto o cérebro arder — o peito tem

Férrea mão que constringe — e o coração

Não palpita no seio.

Deixai passar as turbas; — venha embora

A noite — com seu véu me envolva, — brilhe,

Ou não o firmamento:

Descante o sabiá da sesta à hora;

Deixa-me em meu cismar; — embora triste

Errado o pensamento!

Deixai o meu segredo; — oh! é mistério

Eu o amo — é meu sonho tão querido...

Quem o sabe? ninguém.

São notas afinadas de um saltério

Que geme de saudades — esquecido

Na má Jerusalém!

É por isso que eu quero a paz do ermo

Que faz lembrar a paz da sepultura,

Solitária, — e tão só!...

Não sonho aí sentada, o breve termo,

Que almejo a minha dor — a desventura,

Ligou-me em estreito nó....

Vou fartar-me de dor longe do mundo,

Vasar do peito aos lábios — na sordão

Torrentes de amargor!

Dar asa a um querer vago, e profundo;

Com prantos iludir meu coração,

Gelado, — e sem amor!

Embora venham as turbas desvendar

No solitário abrigo meu viver,

Minha longa aflição;

Jamais hão de profanos — meus cismar.

Meu segredo — sequer — compreender

No morto coração.

Ah! Não posso!

Se uma frase se pudesse

Do meu peito destacar;

Uma frase misteriosa

Como o gemido do mar,

Em noite erma, e saudosa,

Do meigo, e doce luar;

Ah! se pudesse!... mas muda

Sou, por lei, que me impõe Deus!

Essa frase maga encerra,

Resume os afetos meus;

Exprime o gozo dos anjos,

Extremos puros dos céus.

Entretanto, ela é meu sonho,

Meu ideal inda é ela:

Menos a vida eu amara

Embora fosse ela bela,

Como rubro diamante,

Sob finíssima tela.

Se dizê-la é meu empenho,

Reprimi-la é meu dever:

Se se escapar dos meus lábios,

Oh! Deus, — fazei-me morrer!

Que eu pronunciando-a não posso

Mais — sobre a terra viver.

Tributo de amizade

Ao Ilmo. Sr. Dr. José Mariano da Costa.

Eu vi a branca rosa perfumada

No hábil melindroso reclinada,

Miragem vaporosa, e descuidada

A mirar-se gentil à beira-mar;

Melindrosa, e sutil nascia a aurora,

De esperança sem fim era essa a hora

De encanto e seduções — falaz embora

Como beijo que mente infindo amar.

Mas ela era tão casta, tão mimosa

Gentil, meiga, tão bela, tão formosa!

Era um tipo de amor a linda rosa,

Era um vago ideal de poesia!

Sonhava sonho casto — de pureza...

Cismava... o que, meu Deus? Tanta beleza

Não sei se tem reunida a natureza,

Quando desperta com o nascer do dia!...

No seu cismar mimoso a flor sorriu

A leda viração      O sol feriu

As águas do oceano — e refluiu

Luminoso, abrasado sobre a flor;

Ela, tímida, e meiga — retraiu-se

Mimosa sensitiva  um ai ouviu-se.

Mistério! a branca rosa ressentiu-se,

Desse raio de sol de infindo ardor.

E uma hora depois — enregelada

Eu vi a branca rosa desbotada

Na haste gemebunda, e reclinada

Morrer ao som de uma harpa melodiosa!...

Amor, jamais a flor outro sentira

A não ser o do céu       anjo subira

Equilibrado nas asas de safira,

A mirar-se na plaga venturosa.

Sonho ou visão?

Tu vens rebuçado

Nas sombras da noite

Sentar-te em meu leito;

Eu sinto teus lábios

Roçar minhas faces

Roçar no meu peito.

Não sei bem se durmo,

Se velo — se é sonho.

Se é grata visão;

Só sei que arroubada

Deleita a minh’alma

Tão doce ilusão.

Depois, um suspiro

Que cala mais fundo

Que prantos de dor;

Que fala mais alto

Que juras ardentes,

Que votos de amor,

Vem lento — pausado

Do imo do peito

Nos lábios — morrer...

Eu amo de ouvi-lo,

Pois desses suspiros

Se anima o meu ser.

Mas, ah! Não me falas...

Teus lábios, teu rosto

Só tem um sorriso.

Depois vaporoso

Vai todo fugindo

Teu corpo — teu riso.

Então eu desperto

Do sonho — ou visão,

Começo a cismar;

E ainda acordada

Invoco em delírio.

Oh! vem no meu sono

Imagem querida

Pousar no meu leito

Com lábios macios

Roçar minhas faces,

Pousar no meu peito.

Vai-te!

Entre tu, — que és tão sensível,

E eu, que te adoro tanto,

Colocou a sorte — o pranto,

Marcou Deus, — o impossível!

Ouviste! Deus! não intentes

Frustrar os decretos seus!

Sufoca as dores que sentes,

Esquece os transportes meus.

Vai longe, longe olvidar

Nossos protestos de amor!

Vai teu fado obedecer;

Vai... não voltes... trovador.

Sofre, embora, cruas dores,

Sinta eu lenta agonia;

Embora mil dissabores

Me envenene a noite, e o dia,

Vai-te! vai-te... Deus nos diz:

Impossível! Oh! que dor!...

Vai-te... deixa-me, infeliz,

Vai-te! Vai-te, oh trovador.

Por ocasião da passagem de Humaitá

Dedicada ao ilustre literato maranhense o Sr. Dr. João Clímaco Lobato.

Sincera gratidão.

Oh! Brasil, eu te saúdo,

Vasto império do cruzeiro!

És na América o primeiro,

És minha pátria gentil,

O grande, o nobre tu és.

A pátria de heroica gente,

Que seus avós não desmente,

Sequer na vida uma vez!

Glória a ti!... que os bravos filhos

Bem te vingam denodados

A teu brado alevantados,

Foi qual pó que o vento ergueu!

E das balas se sorrindo

Passam Mercede, e Cuevas!

Legando seu nome aos evos;

A ti, de glória, — um troféu.

É que da armada ao exercício,

Do general ao soldado.

Só se escuta o mesmo brado;

Eia! Vencer ou morrer!

Então pulsam destemidos

Os peitos de infindos bravos,

Vão remir milhões de escravos,

Indo a pátria defender.

Avultam Mariz e Barros.

Afonso, Marcilio Dias.

Mil outros que em nossos dias

Douram as páginas da história!

E caem co’a fronte exausta;

Mas que importa? Seu nome,

Ganha o Brasil um renome

É padrão de eterna glória!

Avante! avante — lá ficam

Destroços, ruína... embora!

Humaitá, eis soa a hora,

Da ruína tua final!

Já sob tuas muralhas,

Por sob balas, clamores,

Passam galhardos vapores,

Como brisa em fundo val.

Chove a metralha à porfia

Sobre a armada brasileira;

Mas a auriverde bandeira

Não se curva altiva está!

Qu’importa que o inimigo ocupe,

Superior posição?

Não teme a armada o canhão

Da misérrima Humaitá.

Viste o bravo Mauriti,

Honra, e glória do Brasil!

A arrostar metralha a mil.

Sempre tranquilo a passar?

Era o gênio das batalhas,

Aquele jovem guerreiro!

Nelson, eis um brasileiro,

Que vem teu nome ofuscar,

Era belo vê-lo assim

Alheio a todo o vapor

Desse hediondo fragor,

Que nele é glória afrontar:

Era vê-lo corajoso,

Sob as imigas muralhas,

Qual semideus das batalhas,

A passar e repassar!

Oh! Brasil, eu te saúdo,

Vasto império do Cruzeiro!

És na América um luzeiro,

Eu te saúdo, oh Brasil!

Prossegue em tua carreira,

Vinga teu brio ofendido,

E do monstro envilecido

Curva a fronte negra, e vil.

Dize a essa antiga Roma

Que não lhe invejas os brilhos;

Sim, que tens heróis por filhos,

Por divisa — Liberdade!

Que esmagar sabes um déspota,

Sabes vergar um tirano,

Que no solo americano,

Ostenta ferocidade.

Mas, que levas generoso,

Depois da guerra — o perdão!

Que vais quebrar o grilhão

Desses míseros escravos!

Que vais levar-lhes — bondoso

Paz, amor, fraternidade,

Instrução, lei, liberdade,

Fazê-los povo de bravos.

Vai desmentir esses ecos

Da soberba Inglaterra,

Que te faz mesquinha guerra,

Que te diz — conquistador!

Vai mostrar à Europa inteira,

Que no solo americano

Não se consente um tirano,

Não se sofre um ditador.

Dize que os povos escravos

Vais levar com lealdade

Não ferros, mas liberdade,

Progresso — não opressão.

Vai quebrar as vis cadeias,

As algemas de seus pulsos,

De amor em doces impulsos,

Vais dizer-lhe: És meu irmão!

Avante! Eu te saúdo,

Vasto império do Cruzeiro,

Que à voz de Pedro Primeiro

Despertaste assim gentil!

Oh! minha pátria gigante,

Esmaga o fero Solano,

Mostra ao povo americano

Quanto és nobre, oh! meu Brasil!

Por ocasião da tomada de Villeta e ocupação de Assunção

Tupi, que dormia da paz no remanso,

De plumas coberto, de flecha na mão,

Escuta de guerra no Prata uma voz,

Escuta uma luta de estranha feição.

Desperta, e pergunta: “Quem ousa acordar-me?”

Respondem-lhe: um monstro insulta a nação!

Oh! ei-lo guerreiro, brioso, pujante,

Chamando seus filhos com voz de trovão,

E os brados se escutam nas matas d’além,

Nas selvas longínquas, nos montes na serra:

Mil homens se erguem, mil homens repetem

O brado do gênio, que é brado de guerra.

E marcham seus filhos sedentos de glória,

Que bravos são eles, heróis todos são!

— Entanto que o monstro se nutre de sangue –

Ribomba no Prata brasílio canhão.

E uma após outra se rendem cativas

Do vil Paraguaio trincheiras a mil;

E renque de escravos cadáver já são...

E ele! Vacila... já teme ao Brasil.

É dura a fadiga... Por ínvios caminhos,

Esteros imundos, pauis, lodaçal

Lá marcham os filhos do bravo Tupi,

Dobrando galhardos, ardor marcial.

A voz que os dirige é voz do gigante,

De plumas coberto, de flecha na mão;

É voz que se escuta do Prata ao Amazonas,

Que os ecos repetem, que é voz da nação!

E foram-se avante — guerreiros avante

Que é firme seu passo, só sabem vencer!

E o último asilo, que resta ao tirano,

Se rende a seus brados: — vencer, ou morrer!

E treme o abutre de crimes coberto,

E o manto retinto do sangue dos seus

Na selva espedaça, nas moitas de espinhos.

Oh! quantos triunfos! oh, quantas vitórias!

Villeta, Belaco, soberba Humaitá!

O Chaco, Angustura! oh Lopes! oh monstro!

Teu ódio, teus brios, cacique, onde está?

E a fronte do gênio, cingida de louros,

Altiva, potente — lhes diz: Escutai!

Vingastes, meus filhos, da pátria o insulto,

O Nero expulsastes... meus filhos, — parai.

Oh! eu vos saúdo! — dourastes a história

Já grata, e tão nobre da terra da Cruz;

Agora aos que gemem nas trevas cativas

Levai generosos mil raios de luz.

Erguei-lhes a fronte eu o beijo a paz.

Dizei-lhes, meus filhos: — tu és meu irmão!

E vinde eu os braços vos abre o tupi.

De plumas coberto, de flecha na mão.

Melancolia

Oh! se eu morresse no calor da tarde,

Da tarde amena... quando a lua vem

Chovendo prata sobre lisos mares,

Trajando as vestes que a pureza tem.

Então, talvez, eu merecesse afetos

Desses que apenas alcancei sonhando:

Talvez um pranto bem sentido, e triste

Meu frio rosto rociasse — brando.

Sim, poetisa — mais te vale a morte

Na flor da vida — a sepultura, os céus...

Porque na terra teu sofrer, tuas mágoas,

Martírios, dores só compreende — Deus.

Oh! venha a morte no cair da tarde

Roubar-me a vida, que a ninguém comove;

Venha impassível... me penetre o seio,

A crua fouce que sua destra move.

E o sepulcro! Tão gelado, e mudo,

Eu o saúdo! companheiro nu!

Oh! sim, sepulcro, te darei meus cantos,

Se terno afeto me dispensas tu.

Na vida é estéril meu amargo canto;

Um peito humano a me escutar não vem,

Me apraz a campa, que em silêncio eterno,

Bebe esses prantos, que a alvorada tem.

Inda me resta o correr da vida

Essa esperança de morrer... é só

A que me alenta, que me guia os passos,

Té que meu corpo se desfaça em pó.

No álbum de uma amiga

D’amiga existência tão triste, e cansada,

De dor tão eivada, não queiras provar;

Se a custo sorriso desliza aparente

Que mágoas não sente, que busca ocultar!?...

Os crus dissabores que eu sofro são tantos

São tantos os prantos, que vivo a chorar,

É tanta a agonia, tão lenta e sentida,

Que rouba-me a vida sem nunca acabar.

D’amiga a existência

Não queiras provar,

Há nela tais dores,

Que podem matar.

O pranto é ventura,

Que almejo gozar;

A dor é tão funda,

Que estanca o chorar.

Se intento um sorriso,

Que duro penar!

Que chagas não sinto

No peito sangrar!...

Não queiras a vida

Que eu sofro — levar,

Resume tais dores

Que podem matar.

E eu as sofro todas, e nem sei

Como posso existir!

Vaga sombra entre os vivos, — mal podendo

Meus pesares sentir.

Talvez assim Deus queira o meu viver

Tão cheio de amargura,

P’ra que não ame a vida e não me aterre.

Ela!

(A pedido.)

Ela! Quanto é bela, essa donzela,

A quem tenho rendido o coração!

A quem votei minh’alma, a quem meu peito

Num êxtase de amor vive sujeito...

Seu nome!... não — meus lábios não dirão!

Ela! minha estrela, viva e bela,

Que ameiga meu sofrer, minha aflição;

Que transmuda meu pranto em mago riso.

Que da terra me eleva ao paraíso...

Seu nome!... Oh! meus lábios não dirão!

Ela! virgem bela, tão singela

Como os anjos de Deus. Ela... oh! não,

Jamais o saberá na terra alguém,

De meus lábios, o nome que ela tem...

Que esse nome meus lábios não dirão.

Seu nome

Seu nome! em repeti-lo a planta, a erva,

A fonte, a solidão, o mar, a brisa

Meu peito se extasia!

Seu nome é meu alento, é-me deleite;

Seu nome, se o repito, é dulia nota

De infinda melodia.

Seu nome! vejo-o escrito em letras d’ouro

No azul sideral à noite quando

Medito à beira-mar;

E sobre as mansas águas debruçada,

Melancólica, e bela eu vejo a lua, Na praia a se mirar.

Seu nome! é minha glória, é meu é meu porvir,

Minha esperança, e ambição é ele,

Meu sonho, meu amor!

Seu nome afina as cordas de minha harpa,

Exalta a minha mente, e a embriaga

De poético odor!

Seu nome! embora vague esta minha alma

Em paramos desertos, — ou medite

Em bronea solidão;

Seu nome é minha ideia: — em vão tentará

Roubar-me alguém do peito — em vão — repito,

Seu nome é meu condão.

Quando baixar benéfico a meu leito,

Esse anjo de Deus, pálido e triste

Amigo derradeiro.

No meu último arcar, no extremo alento,

Há de seu nome pronunciar meus lábios

Seu nome todo inteiro!...

Meus amores

Meus amores são da terra

Mas parecem lá do céu;

São como a estrelinha d’alva,

São como a lua sem véu.

São um feitiço, um encanto,

Uma longínqua harmonia,

Sorriso por entre prantos,

Choro de infinda alegria.

Flor rorejada de orvalho,

Beijada do sol nascente,

Expressão tímida e pura

De doce amor inocente.

Meu amor é flor singela,

Enlevo do coração;

Tímido como a gazela,

Ardente como um vulcão.

Veste-o o candor da pureza,

De lindas, mimosas flores;

Quem gozou jamais na vida,

Tão ledas mimos de amores?

Eu tenho amores na terra,

Que semelham o amor do céu;

Guardei-os zelosa n’alma,

Cobri-os com um denso véu.

Porque este amor é tão belo,

Que não conheço outro igual;

A todos, todos oculto

Receando uma rival.

Só a minh’alma o confio,

Qual confio minhas dores;

É ela o templo, o sacrário,

De meus eternos amores.

Esquece-a

Amor é gozo ligeiro,

Mas é grato e lisonjeiro

Como o sorriso infantil;

Promessa doce, e mentida,

Alenta, destrói a vida;

É um delírio febril.

Muito te amei... minha lira,

Que triste agora suspira,

Nesta erma solidão,

Bem sabes — rica de flores,

Cantava os ternos amores,

Do meu terno coração.

Minha afeição era pura.

Não era engano, cordura,

Não era afeto mentido;

Se ela assim te não cativa.

Esquece-a, que sou altiva,

Esquece-a, sim — fementido.

Recordação

Já houve um tempo

Na minha vida,

Que eu fui querida

Com terno amor;

Passou-se um ano,

Mas outro veio,

De mago enleio,

De imenso ardor.

Não foi sonhando,

Que eu não sonhava,

Oh! eu amava

Com tal paixão,

Que era meu peito

Tão viva chama,

Como a que inflama

Negro vulcão.

Quantos deleites,

Quanta beleza,

Na natureza,

Que me sorria!

Quanta meiguice,

Que terno encanto,

No doce pranto

Que então vertia!

Era minha alma

Dia, por dia,

Vaga harmonia

D’uma canção,

Longínqua, doce,

Meiga, e sentida;

Nota perdida

Na solidão,

Hoje! que resta

Desse passado,

Ledo — sonhado?

— Recordação!

Resta à minh’alma

Na soledade,

Funda, saudade,

Longa aflição.

Confissão

Embalde, te juro, quisera fugir-te,

Negar-te os extremos de ardente paixão;

Embalde, quisera dizer-te: — não sinto

Prender-me à existência profunda afeição.

Embalde! é loucura. Se penso um momento,

Se juro ofendida meus ferros quebrar;

Rebelde meu peito, mais ama querer-te,

Meu peito mais ama de amor delirar.

E as longas vigílias, — e os negros fantasmas,

Que os sonhos povoam, se intento dormir,

Se ameigam aos encantos, que tu me despertas,

Se posso a teu lado venturas fruir.

E as dores no peito dormentes se acalmam.

E eu julgo teu riso credor de um favor;

E eu sinto minh’alma de novo exaltar-se,

Rendida aos sublimes mistérios de amor.

Não digas, é crime — que amar-te não sei,

Que fria te nego meus doces extremos...

Eu amo adorar-te melhor do que a vida,

Melhor que a existência que tanto queremos.

Deixara eu de amar-te, quisera um momento,

Que a vida eu deixara também de gozar!

Delírio, ou loucura — sou cega em querer-te,

Sou louca... perdida, só sei te adorar.

Poesia

Dedicada aos bravos da Campanha do Paraguai, especialmente ao invicto tenente-coronel Francisco Manoel da Cunha Junior.

Remonta a antiga era — inda o Brasil

Não tinha a lusa gente avassalado,

E já o nosso céu de puro anil,

Cobria um povo herói, um povo ousado,

É sempre o mesmo gênio brasileiro,

Brioso, nobre, ardido, e guerreiro.

Foi ele quem guiou vossa bandeira.

Nos combates, nas lidas, nas vitórias!

Foi quem na luta ingente, e altaneira.

Doou-vos o troféu de eternas glórias!

Soldados da moderna liberdade,

Glória do vosso valor, e heroicidade!

E vós, que de tal brio foste herdeiro,

Que da pátria sequer não desmentiste

A risonha esperança... vós, guerreiro,

Que impávido ao perigo resiste,

Que compreendeste assaz vossa missão,

Recebei, Cunha Junior, esta ovação!

Se o valor nos combates te guiava,

Se o pátrio amor te despertava os brios,

Se a voz da artilharia te animava,

Sem te empecer o passo esteros, rios;

Deixa que nossos votos vão provar-te

Da nossa gratidão mesquinha parte.

Deixa cantar-te, herói de Aquidabã,

Deixa cantar-te, exímio maranhense,

Que honraste a terra antiga de Cumã.

Que honraste o torrão Guimaraense!

Deixa comemorar tuas façanhas,

Quem ama alto valor, glórias tamanhas!

Deixa cantar-te, herói de Tuiuti,

Distinto de Humaitá, forte em Angustura!

Bravo em Luque, em Sauces, e Avaí,

Onde tantos acharam sepultura!..

Deixa cantar teus feitos, oh! guerreiro,

Deixa louvar-te excelso brasileiro!

Mas consente que junte no meu canto

Ao teu nome, — dos mortos a memória,

D’queles que nos pedem infindo pranto.

Porque a morte os colheu em afã de glória

Deixa que um ai sentido de saudade.

Vá quebrar-lhes da estampa a soledade...

Foram todos heróis — como vós fostes

Dos louros das batalhas adornado!

Intrépidos leões do sul, e norte,

Tinham por timbre esforço denodado...

A eles — de saudade o nosso pranto,

E a vós, guerreiro invicto, — o meu canto.

À recepção dos voluntários de Guimarães

Eis vossos filhos, Guimarães, — saudai-os!

Saudai os bravos que a mãe-pátria honraram!

Saudai os restos da corte heroica,

Chorai aqueles que por lá ficaram!

Um dia um anjo de sinistro aspecto

De fumo as asas adejou na terra;

E na trombeta, que soou tremenda,

Do sul ao norte repetia: — guerra!

Então teus filhos, Guimarães heroico,

Teus filhos cheios de imortal valor,

Por Deus juraram repelir a afronta,

Por Deus, — por ti, — com denodado ardor.

Vede-os! são estes que em mavórcia lide

Arcaram forte com o poder da sorte;

Que importa o raio, que sibila?... avante!

Que o bravo afronta, mas não teme a morte.

Saudai-vos, grato Guimarães — saudai-os!

Saudai os filhos que a mãe-pátria honraram!

Saudai os restos da corte ingente,

Honrai com prantos os que lá ficaram...

Um anjo pálido de choroso aspecto

Vela essas campas, que não têm cruzeiros!

Mas que os vindouros lembrará com glória

Nomes eternos de imortais guerreiros!...

Raream as filas... mas cerradas ei-las,

Embora junquem mortos mil o chão!

Que importa ao bravo maranhense nobre,

Se a morte parte do infernal canhão?!!...

Que heróis! saudai-os, Guimarães, saudai-os!

Saudai os filhos que a mãe-pátria honraram!

Saudai os restos da imortal corte,

Chorai os bravos que por lá ficaram!!..

Sempre a bandeira a tremular briosa,

Sempre no peito a renovar-se o ardor,

Que pela pátria sacrificam tudo,

Sossego, vida, felicidade, e amor.

Depois, nos campos da mavórcia lide

Soou o brado de imortal vitória!

Foi dura a luta; — mas caiu o monstro!

Coroou-te a fronte imorredoura glória!

E veio um anjo de risonho aspecto,

Cândidas roupas, no semblante a paz,

Ornar dos bravos as altivas frontes,

C’os verdes louros, que na dextra traz.

Poesias

Recitadas no dia dez de agosto de 1870 por ocasião do desembarque do tenente-coronel Cunha Júnior e alguns outros bravos de volta da Campanha do Paraguai.

Exultai, Guimarães! eis vossos filhos!

Seus nomes são padrão de eterna glória!

Saudai-os, são heróis... lançai-lhes flores.

Que eles pertencem à imorredoura história.

Cunha Júnior, a Pátria agradecida

Em amplexo de mãe te cinge ao peito;

De louros imortais te enastra a fronte,

Rende-te grata merecido preito.

Fanal de glória a refletir brilhante

Sobre ti, Guimarães!... glória a teu nome!

As tubas o proclamam — é um valente!

Partilha, pátrio berço, o seu renome.

Qual raio rompe, e voa entre o inimigo

Quebra, aniquila ardida corte...

Sobre sua fronte o resplendor da glória,

No peito o márcio ardor, na espada a morte!

É um bravo! um herói! alguém o iguala,

Herval, o próprio Herval o não excede!

Ei-lo gigante em Tuiuti — na luta

Perigo ou lida seu valor não mede.

Igual a Maurity, Nelson moderno,

Ele à ponte caminha, e rompe, e vai!

Aqui Curupaiti lhe estampa o nome,

Ali triste Humaitá por terra cai!...

Que diga a voz cansada e esmorecida

Desse triste Humaitá, louco e vaidoso;

Cada pedra resume uma epopeia,

Cada eco um poema glorioso.

O valor o animava — o amor da pátria

Lhe enche o coração... sibila, freme

O ardido canhão, — um bravo passa...

É ele! é o guerreiro que não treme!

Que falem ainda Lomas Valentinas,

Sauces, Avaí, Caraguataí,

Loque, Taquaral, Aquidabã,

Onde o monstro esfaimado exausto cai!...

Quem te excede em valor, afouto Cunha?!

Salve brioso, heroico maranhense!

Recebe as ovações, fraco tributo,

Do entusiástico povo Guimaraense.

Exultai, Guimarães! eis vossos filhos!

Trazem na fronte o resplendor da glória,

Louros colhidos na mavórcia lide,

Nomes escritos na pomposa história.

Poesia

Oferecida ao tenente-coronel Cunha Júnior pela própria poetisa, no dia em que regressou a seu lar de volta da Campanha do Paraguai.

Senhor! se a tíbia da poetisa

Se eleva hoje em fervido transporte,

A vós o deve — sim,

Se hoje a lira se ameniza.

A vós, herói soldado!.. a vós o forte

Deve-o ela por fim.

A vós que nunca um dia esmoreceste,

Face a face a encarnar perigo ingente

Em inóspito país;

A vós, que os próprios lares esqueceste,

E dia, e noite vos ocupa a mente

Ver a pátria feliz!...

A vós, astro sublime, e desvendado,

Que brilhais sobre nós puro, radiante,

A vós, nobre guerreiro!

A vós, leão do norte, — a vós, soldado,

Cuja espada na guerra flamejante

Foi na guerra um luzeiro!...

Eu vos saúdo, herói de Tuiuti,

De Humaitá, de Sauces, de Angustura,

Herói de Aquidabã!

Voltais! na fronte o louro, o amor aqui!

Exulta de prazer, — louva a bravura

Do teu filho — Cumã!

Perdão, se a tíbia voz da poetisa,

Fraca, bem fraca agora se esmorece

Sem poder-vos cantar!

É rude a sua lira, — assim a brisa

Geme, murmura, passa, e se esvaece

Em noite de luar.

Te-Deum

Oferecido ao sonoro e mavioso poeta

Ilmo. Sr. Dr. Gentil Homem de Almeida Braga.

Tributo merecido.

Santo! Santo! Senhor, nós te louvamos,

Porque imenso poder em ti se encerra!

Tu criaste, Senhor, o céu e a terra:

Com uma palavra tua luz cintila!...

Depois, o firmamento equilibraste,

E o mar lambia manso as brancas praias,

E o sol rutilando além das nuvens,

O rio, o peixe, a ave, a flor, a erva,

Que tudo era criado — o vento, a brisa

Erguendo a voz n’um cântico de amores,

Nas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!

E depois, semelhando a tua imagem,

Do miserando pó ergueste o homem,

E disseste: levanta-te e domina,

Esta terra, este mar é teu império!

E belo foi o homem, que se erguia,

E mais perfeita a companheira pura,

Rosada, e bela que lhe deste, oh! Santo!

Volveram os olhos em redor do orbe

Imenso, vasto... e acurvados ambos,

Unidas vozes ao rugir dos mares,

A voz dos campos, e da selva inculta

Mas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!..

E das ribeiras cristalinas águas,

As catadupas, o gemer das fontes,

A voz dos rios, murmúrio tênue

De mansa brisa, o suspirar do vento,

O grato aroma de mimosas flores,

O verde colo de cavados vales,

O cume erguido de soberbos montes,

À face toda do universo inteiro

Nas harpas d’anjos exclamaram: — Santo!

Santo! Santo! Santo te louvamos,

Oh! Deus de infinda glória, eterno amor!

Tu que geras virtude em nossas almas,

E ao ímpio cede do pesar a dor.

Tu, que a Gomorra, que a Sodoma abrasas,

E a Lot salvas do horroroso incêndio;

Tu, que no Horeb luminosa sarça

Ao temente Moisés súbito alçaste;

Que o veloz curso das vermelhas águas,

Com mão potente dividiste em meio;

Que as mesmas águas desroladas, bravas

Ralhando irosas sobre o rei maligno,

Que após teu povo blasfemando vinha

Reunis breve, quanto é breve o sopro

Da vaga brisa que sussurra, e morre;

Oh! Tu, Senhor, que a esse povo ouviste,

E a Moisés, a Arão as turbas todas

Em profundo adorar um hino erguer-te,

Um hino sacro... e com melífluo acento

Nas harpas d’anjos, exclamarem: — Santo!

Depois, Tu no deserto deste a fonte,

No deserto maná do céu filtrado!

As tábuas do Decálogo sublime

Foi no deserto que mandaste ao homem!

E os três mancebos da fornalha ardente;

E os cenobitas, e os profetas santos,

A doce virgem, o anacoreta ermo,

As potestades, serafins, arcanjos

As turbas todas exclamaram: — Santo!

E minha harpa de festões ornada,

Que os sons afina pelas harpas d’anjos

As cordas suas no vibrar acordes

Em sacros hinos te proclama — Santo!

Tu, que os homens e flores criaste,

Sol, e ventos, e o raio, que aterra,

E os mistérios sublimes que encerra,

Nossa crença — supremo Senhor.

Tu, que às plantas permites a seiva,

E meneios ao verde palmar;

Que marcaste limites ao mar,

Vida às selvas, ao dia frescor.

De minha harpa religiosa — as vozes

Acordes todas pelas harpas d’anjos;

Unida a voz dos serafins, dos santos

E a voz das turbas, te bendiz, Senhor.

Santo! Santo! Senhor! Deus dos exércitos,

Estão cheios de graça a terra, os céus!

E toda a criação exclama: — Santo!

Hosana! Hosana! Onipotente Deus!

Visão

Ouvi piar o mocho — era alta noite,

Eu tinha o peito de aflição eivado...

A dor coou tão funda, que minh’alma

Em modorra de angústia acalentou-se.

Quanto tempo durou esse marasmo,

Esse estado penível, doloroso,

Sono imerso na dor, que enerva, e mata,

Em que o quisesse, não sei bem dizê-lo.

Fugiam horas e eu sequer não tinha

Da própria vida o sentimento, as dores.

O sinistro piar de aflito mocho

Mais lúgubre que outrora, mais agudo,

Quebrando as solidões adormecidas,

No repouso feliz da natureza,

Como que um eco de meus ais doridos,

Minh’alma afigurou — eu, despertando.

Então incerta, sem destino ou guia

Por densas selvas eu vaguei, — e inda

Por entre bosques merencórios, ermos

Onde uma sombra era fantasma horrendo,

Um espectro medonho o verde arbusto.

Sob meus pés as dessecadas folhas

Rangiam, — como de aflição gemidos.

A dor me sufocava, era mais ima,

Mais funda no meu peito, ali no bosque.

Saí. Era uma senda escura, e feia,

Pedregosa, — caí, rojei na terra

Estéril, poeirenta, seca, e dura,

Como um penhasco... lacerou-me a fronte.

E eu não senti — que me amargava intenso

O fel do sofrimento agudo, e fero.

E o pó, que ergueram as deslocadas pedras,

Minhas espáduas recamou     Oh! quanta

Desesperança — no meu peito — havia!...

Era de angústias um letal veneno

No peito a me ondular — era nas veias

O gelo do sepulcro a traspassá-las,

Coando até a medula dos ossos!...

Era a garganta constrangida, ardente,

Árida, e seca, — e sufocada a boca.

Quanto tempo durou inda esta angustia

Suprema, — que meu ser aniquilava.

Este aflito penar, este delírio,

Este estado de dor tão violenta.

Não o posso dizer. Crescia a noite,

E mais carpia ainda o mocho triste...

Então voltou-me um átomo de vida,

Porque senti volúpia amarga, — enlevo

No sinistro gemer da ave noturna:

Porque o som de sua voz com o meu gemido,

Com a voz de minh’alma — harmonizava.

Gemi — foi um gemido doloroso,

Surdo, sem eco, soluçado apenas,

Que as fibras todas do cansado peito

Quebrou no seu passar. Abri os olhos

Ao ímpeto da dor, que se aumentava;

Um rochedo a meus pés se erguia mudo.

Altivo, e forte sobranceiro aos mares.

Galguei-o, ora correndo desvairada,

Ora, com passo vagaroso, e trépido,

Ora rojando minha face em terra.

Selando as pedras com meu rubro sangue,

Galguei-o. Era um penedo árido, e triste,

Nem uma erva lhe bordava a encosta.

Como nas faldas, era ermo o pico.

Copioso suor me aljofarava.

A turva fronte, — e os cabelos soltos

Ao vento, — me vendavam os olhos baços.

Exausta de cansaço, e de amargura,

Ao cume do rochedo enfim fui posta.

Oh! mistérios de um Deus eterno, e santo!

Ali, por tantas mágoas comprimido

Meu coração já frio, enregelado,

Sem fé, sem crenças, sem alento, ou vida

Mórbido, lânguido, — reviveu... mistério!

A meus pés era o mar augusto, imenso

Simbolizando o Deus da natureza...

Sobre a minha cabeça distendia-se

O espaço infinito, — o firmamento!

Nem uma estrela ali brilhava a furto:

Porque as nuvens escuras se embatiam,

A chuva ameaçando. Ao lume d’água,

Salsa, pesada de mil pontos surgem

Luminosos faróis, que logo apagam.

Roneavam os aquilões, soprava o vento

Rijo — encrespando a superfície d’agua.

Que se agitava com sinistro aspecto.

Gemia a tempestade pavorosa

Tão poética, e grande! A chuva era

Como pranto de mãe, que sobre o berço

Vazio do filhinho esparge aflita.

Em gotas sobre a fonte me escorria:

Benfazeja foi ela! que gelou-me

A fronte ardente, requeimada, e seca...

Amei então a chuva, amei a onda,

Que irosa, embravecida, mais crescia,

Bramindo em seu furor, — ameaçando

O imóvel rochedo. As salsas gotas

Dessa espuma de neve, que se erguia.

Salpicando as encostas pedregosas

Me ungia a fronte, como um doce beijo,

Expressivo de meiga complacência.

D’aquele que se dói, da dor de estranhos.

Ígneos raios sibilando ardentes,

Com mil fogos sobre o mar cruzavam:

E o gemer do trovão — gemer das ondas,

Com o sibilar do vento — harmonizavam.

Roncava a tempestade — o mar crescia,

Soberbo o cataclismo se aumentava.

Contemplando o furor dos elementos,

A frágoa de minh’alma se ameigava.

Quanto me vi mesquinha... um verme apenas

No cume do rochedo, sobre o mar!

Humilde me curvei: — com a face em terra,

Minh’alma se exaltou — eu pude orar.

Os ventos amainaram — a tempestade

Toda desfez-se — repousou natura;

O mar nos seus limites se encerrava,

E hino divinal rompeu na altura.

Eram cantos celestes — escutei-os,

E do peito emanou-me um doce pranto;

As lágrimas lavaram as agras dores,

As crenças restituiu-me o sacro canto.

Mas ainda assim, como que agora escuto

A dulia nota das canções dos céus;

Esvaiu-se a visão... mas sinto grata,

No peito a graça, que nos vem de Deus.

A mendiga

Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Henrique Leal como prova de profunda e sincera gratidão.

Como era meiga a donzela!

Tão puros os lábios dela,

Tão virgem seu coração...

Seu sorriso lisonjeiro,

Seu doce olhar tão fagueiro,

De tão celeste expressão!

Era ingênua, era inocente,

Como a flor que brandamente

De manhã desabrochou;

Que por ser cândida e pura,

Ter aroma, ter frescura,

Dela — o sol — se enamorou.

Mas foram graças ligeiras,

Como promessas fagueiras,

Que se não realizou ...

Como risonha esperança,

Que vem funesta mudança

Matar o que se esperou.

Agora sumiu-se no trépido ocaso

Por entre negrumes seu astro do dia;

Fugiu-lhe dos lábios o riso tão puro,

Secou-se-lhe a fonte de tanta alegria.

Agora devagar nos campos sombrios,

Se entranha nos bosques, procura a solidão...

E pálida a face, e mórbida a fronte,

No peito lhe ondeia pungente aflição.

Agora secou-se-lhe a fonte do pranto,

Agora envenena-a profundo sofrer...

Agora na vida de gozos tão nua,

À triste só resta da morte o prazer.

Agora expirou-lhe seu riso inocente:

Seus lábios tão puros perderam o rubor...

Agora lamenta seu triste abandono,

Agora em silêncio se nutre de dor.

Se prantos tivesse que a dor orvalhasse,

Se um triste gemido pudesse exalar...

Se ao menos a chaga, que sangue goteja

Pudesse-lhe a vida penosa acabar...

Se aos ventos que passam, se a brisa, se as flores

Pudessem em segredo seu mal confiar!

Mas, ela receia... que a todos escuta

Sorriso de escárnio que a pode matar.

Coitada — perdida! qual ave sem ninho,

Vagando na terra, qual concha no mar.

Se doce esperança procura afanosa,

No extremo da vida só pode encontrar.

E ela mendiga de andrajos coberta,

As faces retintas de um triste palor,

O pão que lhe esmolam de lágrimas rega,

Subindo-lhe ao rosto do pejo o rubor.

No peito, que existe tão puro qual era

Ondeiam-lhe chamas ardentes de amor;

E ela recorda seus dias de outr’ora,

E sente su’alma partir-se de dor.

É triste, coitada! ludíbrio da sorte,

Afaga uma ideia — delírio, loucura!

Revê-lo um momento — revê-lo um só dia,

Embora mais funda lhe seja amargura.

É fundo o desejo que nutre em silêncio,

Que ateia, que acende, que abrasa a paixão;

Embalde ela invoca dos céus o auxílio,

Embalde ela almeja guiar-lhe a razão.

Se prantos tivesse, coitada, mesquinha,

Que a dor lhe pudesse do peito abrandar,

Se esse a quem ama, que cega idolatra

Quisesse suas frágoas, sua dor desterrar...

Mas, triste, — afligida, ludíbrio da sorte,

Afaga uma ideia... que longo sofrer!

É vê-lo um momento — provar-lhe os extremos,

Que na alma lhe cavam contínuo morrer.

Ah! ele? quem sabe? talvez se partisse,

Um dia somente viveu-lhe o amor...

Foi terno, foi breve, foi vida d’um’hora,

Fugiu como a grata fragrância da flor.

Mulher, que de teus pais eras o encanto,

Primor da criação... por que murchaste?

Essas frases dolosas, sedutoras,

Por que na flor dos anos — escutaste?

Não vias que eras flor — e a mariposa,

Roubava-te o perfume em beijo impuro?

Não vias que uma nuvem eclipsava

Teu belo, luminoso, áureo futuro!?!...

Passa a brisa namorada,

Rouba da rosa o odor,

Ela sentida — definha,

E morre de dissabor.

Assim por linda donzela

Passa o torpe sedutor,

E seus mimos, seus encantos,

Rouba infame e sem amor.

E ela, em triste abandono,

Sem consolo ou esperança,

Chora seu agro destino,

Sem nele sentir mudança...

E vai chorosa, afligida

À sacra etérea mansão:

Porque só Deus compreende

Que é puro seu coração.

Mulher, que eras tão pura como a rosa,

Tão meiga a tua voz — tão doce o olhar,

Como céu que esmaltou gentil aurora

Como trépida a fonte a murmurar.

Por que escutaste de sua voz o acento,

E palpitou o teu coração de amor!?!

Porque no teu delírio d’um momento

Trocaste pelo opróbrio o teu candor!

Qual Eva no Éden saída apenas

Das mãos do Criador, — mimosa e pura,

E logo no pecado submersa

Eivado o coração pela amargura.

Agora o que te resta sobre a terra,

Se aos teus afetos não compensa amor?

Que de esperanças — ou de gozo resta

À bela, e triste abandonada flor!?!...

Teus pesares, teus ais a quem comove?

Quem sente o pranto teu — de coração?

Quem nos seios da alma te lamenta?

Quem ouve o teu soluço de aflição!?

Tu eras tão bela! mudou-se o teu fado!

Só dor, e remorsos torturam-te a alma.

Ai! mísera, triste de andrajos coberta,

Divagas sem tino no frio, e na calma.

E ele esquecido de tudo — é feliz,

Nem lembra a florzinha, que aos pés maltratou!

Entanto ela o segue.... ventura ou acaso...

Um dia seus olhos nos dele fixou.

E ele volveu-lhe sorriso de escárnio,

E ela uma queixa sentida murmura,

Tão débil, tão fraca, com tal desalento,

Que bem revelava profunda amargura:

— Apenas a sombra já vês do que fui...

Ah! não te comoves? coitada! ela diz.

— Que extremos por ver-te... que extremos de amores!

E tu me repeles? Cruel! que te fiz?

E ele tornou-lhe: — Mendigas sem pejo?

Que vício tão torpe! não tenho o que dar.

Mulher! o desprezo do mundo é partilha,

Que deve caber-te, que deves cobrar.

De novo a voz se ouviu, — era tão débil,

Que semelhara doloroso anseio...

Mas era entre os soluços proferido,

Um nome que a pesar aos lábios veio.

— Cruel! por que te amei com tanto extremo,

Por quê? Perdão, meu Deus! eu fui tão louca!

Rendi meu coração aos teus afetos,

Infame me tornei, criei remorsos...

Ouvi meu pai amaldiçoar-me... ouvindo

Os sarcasmos do mundo; — e apesar d’isso

Por amar-te eu sonhava uma esperança!...

Vaguei mendiga, sofrendo dores,

Fiel ao sentimento de minh’alma,

Amando-te inda mais que te amava,

Com mais ardor, com mais paixão imersa:

E teu desprezo, que mais dói que a morte,

E todo o prêmio que cobrar devia!?!...

Homem cruel! acaso tens no peito,

Alma de tigre?... coração de gelo?!...

— Mulher!

Tudo acabou! Foi dura a prova.

Amor, venturas, esperanças loucas

Tudo a sorte desfez... Ela calou-se.

— Vai-te, mendiga, disse — e o lábio impuro

Um sorriso formou de agro desprezo.

E foi-se. O coração era de mármore

Ela de pejo e dor estremeceu:

O peito lhe ofegou dorido arfando,

Nem um suspiro lhe escapou — morreu!

O volúvel

Vagueia o teu coração

Sem pesar, sem aflição,

Como a sutil viração,

Ou como as ondas do mar;

Com o leque dos Palmares,

Como um átomo nos ares,

Como Infante em seu folgares,

Como a virgem em seu cismar.

Como a leda mariposa,

Que sobre a florzinha pousa,

E que de louca e vaidosa

Não se prende a seus amores;

Ou como nuvem ligeira,

Quando a aurora vem fagueira,

Que se desfaz lisonjeira,

Em tênues, ledos vapores.

Ou como areia agitada,

Fria, sutil, prateada,

Que se ergue alevantada,

Ao sopro da viração;

Que volúvel, — incessante,

Vai deste, àquele lugar;

Sem jamais poder parar,

Da praia — na vastidão.

Mas, um dia, sem pensares,

Da sorte tristes azares,

Talvez te tragam pesares,

Talvez te causem aflição,

Que na vida um só tormento,

Um dolorido sofrimento

Nos afixa o pensamento,

Nos magoa o coração.

Então, nem a mariposa,

Que liba o suco da rosa,

E depois, já descuidosa,

Vai outra flor ameigar;

Nem à palma melindrosa,

Nem à nuvem vaporosa,

Nem à areia tão mimosa,

Poderás te assemelhar.

Porque então já não vagueia

Teu pensamento — e anseia

Teu peito, que a dor mareia,

Tu’alma que sofre tanto...

Adeja, adeja por ora.

Sê borboleta uma hora,

Beija mil flores agora,

Que depois só resta o pranto.

Há — de amargar-te a existência,

Na penosa inclemência,

De vã sonhada inocência,

Que em vão almejas gozar;

Terás remorso pesado,

Desse teu viver passado,

Tão mimoso, e descuidado,

Como de infante o folgar.

Já não serás mariposa,

Que liba o suco da rosa;

Nem a brisa perfumosa

Entre as flores a brincar;

Nem a palma requebrada,

Nem a nuvem prateada;

Porque a vida passada,

Poderás jamais gozar.

O volúvel

Dedicada ao meu prezado tio — o Sr. Martiniano José dos Reis.

Tributo de amizade.

Lá, no marco da estrada solitária,

Que o silêncio não quebra a voz humana;

O mísero, infeliz, com Deus sozinho,

A braços com seu fado endurecido,

Implacável, mortífero — chorando,

Geme ferido de aflitiva angústia...

Goteja-lhe das chagas incuráveis

O sangue, a vida, que correr nem sente;

Porque lá no mais fundo de sua alma,

Lá nas dobras do peito amargurado,

Doloroso pungir de mil desditas,

De duras privações, de longas dores

O mesquinho existir lhe vão minando...

Agudo espinho de cruenta angústia

Penetra-lhe incessante o peito opresso,

Por contínuo sofrer — ulcera todo!...

Mas, a dor que seus membros enregela,

A dor, que não tem prantos que a mitiguem,

A dor, que funda rasga-lhe as entranhas,

E cava o seu sepulcro... a dor mas agra,

Que ao mísero consome em seu desterro,

Não é ainda assim físicos males,

Úlceras, que destroem... é dor mais lenta,

Mais cruciante — a de viver sozinho,

De todos desprezado... arbusto triste,

Que em terra pedregosa habita ermo.

Enquanto humilde choça além descerra

As portas — devassando o seio limpo

De móveis, de riqueza — de uma cama,

D’um ente, a quem o triste se socorra;

Ele! a fronte apoiada sobre um tronco

Anoso, e carcomido, já sem ramas,

Que possa generoso amiga sombra

Sobre teus membros difundir um’ora.

Cruzadas sobre o peito as mãos rugosas,

Sobre o peito dorido... aí o dia,

A noite, o pôr do sol, — a tempestade,

Do raio o sibilar, luzir dos astros,

Luz, cerração, ou calma, ou ventania,

Orvalho matinal, frio noturno,

Encontram-no, atalaia imóvel, muda,

Fundida no sofrer de amargas dores!...

Que lhe resta na terra? amargo pranto!

No extremo do sofrer mesquinha cova

Sumida, e triste na espessura agreste!

Ainda assim exígua, sem letreiro,

Cavada pela mão da caridade;

Sem cruz, sem lousa, que recorde um dia,

Com mágoa — ao viajor — que aí se escondem

Os despojos mortais d’um desgraçado...

E só sobre essa campa solitária

Virão da mata as dessecadas folhas

Rolando enovelar-se — e o vento rijo

Sacudi-las iroso... Porque um pranto

De coração, que o ame enternecido,

Nascido da saudade — não viria

Rorejar-lhe na campa o corpo inerte!...

Família! esposa, irmãos e filhos caros,

Que amava com ternura — último elo

Da cadeia de amor, que o prende à vida,

Longe deslizam seus formosos dias.

Coitado! lá no ermo de sua vida,

Eivada de amargura — ele cogita

Os meios de revê-los... mas — suspende

Esse louco desejo. E desvairado,

Errante, sem descanso almeja o dia

Fatal, e derradeiro! É triste vê-lo,

Medonho espectro gotejando sangue!...

Mais tarde fatigado, esmorecido,

Receando — infeliz! dar desagrado

Com a terrível presença aos que o esmolam;

Vai com lânguido passo, os olhos baixos,

Escondido no monte escuro, e negro

Que a noite desdobrou por sobre a terra;

Vai mísero, abatido, e titubeante

Ao casal mais vizinho — o pão amargo

Pedido entre soluços — recebendo!

E logo volve à desolada estrada,

Ao tronco anoso se reclina — e morre!...

Um bouquet

Ao aniversário de um jovem poeta.

Afeto e gratidão.

Quis dar-te hoje — poeta,

Um mimo — não tenho amores;

Mas no peito ingênuas flores

Eduquei para te dar:

É hoje o dia faustoso,

Do teu grato aniversário;

Do meu peito no sacrário

Fui essas flores buscar.

Queria o bouquet tecer

De murta, acácia e alecrim,

Após a rosa e o jasmim,

Após o cravo, o martírio;

Vê, se então não era belo

Juntar-lhe rubra cravina,

Se a mimosa balsamina

Se intercalasse de lírio?

Era formoso, bem sei,

Podia assim t’o oferecer,

Neste dia de prazer,

Dia de infinda alegria;

Mas, ah! de tantas que havia

Flores mimosas no peito,

Nem sequer o amor perfeito

Pude encontrar neste dia...

Não, poeta — achei ainda,

Vegetando em soledade,

A triste, a roxa soledade,

Pura, intacta e mimosa,

Inda me resta no peito

Uma flor p’ra te ofer’cer,

Uma flor para tecer,

Palma virente e formosa.

Aceita-a — é quanto me resta

Das minhas passadas flores!

Elas têm gratos olores,

Têm mimoso e terno encanto,

Recebe-a em teu coração

Neste teu festivo dia,

Como nota de harmonia,

Bem repassada de pranto.

Não, oh! Não

Por que dizes que murcharam

Meigas flores de tu’alma?

Crestou-as acaso a calma,

Desse teu tão santo amor?

Quanto te iludes — o afeto

Casto, singelo, inocente,

Não cresta d’alma, que o sente

Se um dia as auras macias,

A doce, nevada flor.

Se um dia as auras macias,

Perfume meigo de amores,

Bafejarem as ternas flores

De tua alma — esse amor,

Esse sentir ignoto,

Afeto jamais sabido,

Pelo objeto querido,

Não pôde crestar-te a flor.

Tu te iludes — estão intactas

As flores d’alma — não sentes?

Embora negues — tu mentes;

Só se extinguiu teu amor.

Te iludiste — eu o repito,

As flores inda são virgens;

Malgrado essas vertigens,

Revoos de beija-flor.

Nessas flores há perfumes,

Que embriagam o coração;

Nessa essência há diva unção.

Mistérios da mão de Deus;

Vê, se as queres murchas, tristes,

Se queres mortas as flores,

Que são perfumes de amores,

Essência pura dos céus.

Se elas murcham em tu’alma,

Devias — secas, sem cor,

Como uma prenda de amor,

A quem t’as deu ofertar?

Não, as flores murcharam

Murchou a tua afeição;

Não me ilude o coração,

Podes acaso negar?

Mal sabes como em delírio

Eu amaria essas flores,

Recolhendo seus olores,

Neste triste peito meu...

Mas, não murchas, não sem vida,

Sem expressão, sem odor,

Sem um bafejo de amor.

Sem os orvalhos do céu.

Se fui eu quem na tu’alma

Desvelada as eduquei:

Se vida, se amor lhes dei,

Como dizes: — Ah! Eu devo,

Em troca de afetos tantos

Recebê-las já sem vida...

Uma palma emurchecida,

Sem olor, sem grato elevo?

Não, oh! não, — mil vezes não,

Não dês amores partidos,

Não dês afetos mentidos,

A quem sincero t’os deu.

E se mais te apraz, à outra;

Faz delas mimo de amor;

Brotarão mais doce olor,

Sobre o níveo colo seu.

O proscrito

Vou deixar meus pátrios lares,

Alheio clima habitar.

Ver outros céus, outros mares,

Noutros campos divagar;

Outras brisas, outros ares,

Longe dos meus respirar...

Vou deixar-te, oh! pátria minha,

Vou longe de ti — viver...

Oh! essa ideia mesquinha,

Faz meu dorido sofrer;

Pálida, aflita rolinha

De mágoas a estremecer.

Deixar-te, pátria querida.

É deixar de respirar!

Pálida sombra, sentida

Serei — espectro a vagar:

Sem tino, sem ar, sem vida

Por essa terra além-mar.

Quem há de ouvir-me os gemidos

Que arranca profunda dor?

Quem há de meus ais transidos

De virulento amargor,

Escutar — tristes, sentidos,

Com mágoa, com dissabor?

Ninguém. Um rosto a sorrir-me

Não hei de aí encontrar!...

Quando a saudade afligir-me

Ninguém me irá consolar;

Quando a existência fugir-me,

Quem me há de prantear?

Quando sozinho estiver

Aí à noite a cismar

De minha terra, sequer

Não há de a brisa passar,

Que agite todo o meu ser,

Com seu macio ondular...

A dor, que não tem cura

“O que mais dói na vida não é ver-se

Mal pago um benefício,

Nem ouvir dura voz dos que nos devem

Agradecidos votos.

Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato

Que as devera beijar.”

G. Dias

De tudo o que mais dói, de quanto é dor

Que não valem nem prantos, nem gemidos,

São afetos imensos, puros, santos

Desprezados — ou mal compreendidos.

É essa a que mais dói a um’alma nobre.

Que desconhece do interesse a lei;

Rica de extremos, não mendiga afetos,

Que é mais altiva que um potente rei.

É essa a dor, que mais nos dói na vida;

É essa a dor, que dilacera a alma:

É essa a dor, que martiriza, e mata.

Que rouba as crenças, o sossego, a calma.

Não sei, se todos no volver dos anos

Sentem-na funda cruciante, atroz

Como eu a sinto... Oh! é martírio — ou vele,

Ou sonhe, — ou vague mediante a sós.

Eu vi fugir-me como foge a vida

Afeto santo de extremosos pais:

Roubou-mos crua, impiedosa morte,

Sem que a movessem meus doridos ais.

Vi nos espasmos de agonia lenta

Morrer aquele, que eu amei na vida...

Trêmulos lábios soluçando — adeus!

Ouviu-lhe esta alma de aflição transida.

Dores são estas, que renascem vivas

A cada hora — que jamais esquecem;

Enchem de luto da existência o livro,

Conosco à campa silenciosa descem.

Ah! quantas vezes, recordando-as hoje,

Dos roxos olhos se me verte o pranto!

Ah! quantas vezes, dedilhando a lira,

Rebelde o peito, não soluça um canto...

Mas, se essas dores despedaçam a alma,

O pranto em baga nos consola a dor:

Numa outra esfera, num perene gozo,

Vivem, partilham divinal amor.

Mas ah! de quanto nos aflige, e mata

É esta a dor, que mais nos dói sofrer;

Cobrar frieza em recompensa a afetos,

No peito amigo estrebuchar, — morrer!

O dia de finados

Que dia de saudade! é tudo luto,

Tudo silêncio... Quem o usou tanger

Do bronze os fúnebres, dolorosos sons?

Meus Deus! Como ela cala no mais imo

Do coração, que sangra, que goteja

Torrente acerba de dorido pranto!

Que dia de saudade!... A natureza

Toda pejada de pesar se enluta,

Todos os rostos manifestam mágoa,

Todos os peitos um tributo rendem...

Que tributo, meu Deus! o de uma lágrima,

Que resvala na lousa, e cai sem eco!...

O nada de que Deus levanta o homem,

A triste campa nos revela — muda.

E o berço nos encheu de santo afeto!..

Meus Deus! Que dia de saudade, e pranto!...

Mais longe o caro irmão — a doce amante,

O terno amigo — o protetor querido,

O sábio, o grande, o bom, — é tudo nada!

Não há prantos então, não há soluços

Que abrandem tanta dor... não há suspiros

Que enterneçam as lousas do sepulcro,

Alheias à aflição, surdas às dores,

Que o peito nos consome! Oh!... campa, oh! campa,

Quanta mágoa desperta o teu silêncio!

Bendito sejas tu, oh! Deus supremo,

Que nos dás a saudade, o pranto, as dores,

Tu, que arrancas ao filho, a mãe querida,

O filho, — esposo, — pai, — amigo, — amante,

P’ra tão tremendas dores serenares,

Fazes baixar do teu empíreo imenso,

Sobre as asas da fé, bálsamo santo,

Que unge a nossa dor, — e o pranto estanca.

Bendito sejas tu — bendito aquele

Que dorme no Senhor seu sono eterno.

Queixas

Esta vida,

Consumida,

E afligida

Como tarda em se extinguir!

No meu livro do passado,

No presente amargurado,

Só dores tenho a carpir.

Se ensaio um canto,

Me afoga o pranto

A noite enquanto

Velo mesquinha a me fartar de dores,

Taça pungente de amargura intensa,

Minha alma sorve na fatal descrença

De fúlgidos amores.

Fantasia, que afagas os meus sentidos,

Voz de mistério a repetir-me — sim.

Depois, ruína, solidão profunda ...

Esquecimento enfim...

Só se vive, se amor alenta a alma,

Bafejo santo, emanação dos céus!

Nos foge a vida, se o amor nos foge...

Ah! tudo mente... só não mente Deus.

É tudo abismo! Quem criou o amor,

Tal poder lhe imprimiu?

Por que tão cruciante cava a dor,

Angústia a mais acerba, acre amargor.

No peito que o fruiu?!...

Vida! Vida pesada,

Angustiada.

Sem esperança, sem prazer... só dores...

Que me vale o viver?

Nua de crenças — sem sonhar amores...

Meu Deus! antes morrer.

A morte ao menos, que tememos tanto

Traz o repouso — o esquecimento traz!

Dos mortos olhos não se filtra o pranto,

Por sob a lousa só domina a paz.

Hosana!

Dedicada ao Ilmo. Sr. Dr. Gama Lobo, distinto literato.

Simpatia e gratidão.

Que diz o infante,

Se o rir d’um instante

Se muda inconstante

N’um brando chorar?

Que diz a donzela.

Que cisma, tão bela!

Que sente? que anela?

No seu meditar?

Que dizem as palmeiras,

Danosas, fagueiras,

Se as brisas ligeiras,

Vão nelas gemer?

Que diz a rolinha,

Que à tarde sozinha

Saudosa definha,

Se o par vê morrer?

Que dizem as flores,

Emblema de amores,

De infindos primores,

De infindo gozar?

D’orvalho candente

A gota nitente,

Que a erva inocente

Vem meigo beijar?

Se brame raivoso

O pélago iroso,

Se geme saudoso

Na praia — o que diz?

Que dizem os cantos

De magos encantos,

Que ensaia sem prantos

Mimosa perdiz?

Que diz a vaidosa

Gentil mariposa,

Que o suco da rosa

Fragrante — libou?

A loura abelhinha,

Que diz quando asinha

Beijando a florzinha,

O mel lhe roubou?

Que diz erma fonte?

Que diz o horizonte?

E o cimo do monte,

Que se ergue altaneiro?

A lua indolente,

Que diz meigamente,

Na face virente

De grato ribeiro?

Que diz todo o mundo

N’um voto profundo

Eterno e jucundo

Tão cheio de amor?

Que diz o universo,

O justo, o perverso,

Em júbilo imerso?

Hosana! Senhor!

Canto

Ao feliz aniversário do nosso prezado amigo — o jovem poeta — o Sr. Raimundo Marcos Cordeiro.

É certo — não prorrompem neste dia

Os ecos do canhão, — lembrando as gentes,

Lembrando ao cortesão

O solene cortejo... áureo diadema.

A fronte não te adorna, — a vil lisonja

Não oscula tua mão.

Mas, tens melhor do que isso: — por um beijo

De baixo servilismo, eis dos irmãos

A mais santa afeição,

Extremos de uma mãe afetuosa,

A lira engrinaldada d’uma amiga;

Não baixa adulação.

Embora minha voz d’um polo a outro

— Como o vento, que impera no deserto –

A povos desse a lei:

Negara-te jogar sob um docel;

Quisera-te cantor, — não Júlio César:

Ser poeta, é ser rei.

Poeta, não tenho lira

De marfim, de prata, ou d’ouro;

Mas tenho grato tesouro,

Gravado no coração;

Um tesouro inesgotável

Por nada, — vês — trocaria,

São flores de poesia,

São trenos de uma afeição.

São transportes d’amizade,

Eflúvios da meiga flor.

D’aurora lúcido albor.

D’orvalho gota nitente,

São meiguices d’algum canto

Por entre dor soluçado.

É voto puro, e sagrado

Que traduz sentir veemente.

São beijos de duas rolas,

São hinos da solidão,

Do crepúsculo a viração,

Do céu o amplo sudário;

Tudo hei guardado — poeta,

No imo do coração,

Para dar-te em ovação

No teu fausto aniversário.

Não dou-te c’roa de ouro,

Dou-te c’roa de poesia...

Por teu matiz neste dia

Aceita meu pobre canto.

É singelo, mas exala

Perfumes do coração:

São mimos de uma canção,

São notas de dúlio encanto.

Inspirou-o doce enleio

D’uma amizade constante;

Mais estreita a cada instante,

Mais formosa em cada dia!

Recebe a pobre canção,

Como um brinde ao teu natal;

Meiga c’roa festival

Ornada de poesia.

O pedido

Oh! dessas flores que te adornam — virgem,

Embora esposa de um momento, — atende!

Uma somente, eu te suplico — dá-ma;

Dos seios dela meu sossego pende.

Assim dizia adolescente belo,

Cuja afeição o conduzia a ela,

E com uma rosa perfumada, e leda

Brincava a jovem, festival donzela.

Ela fitou-o com um sorriso mago,

Cheio de encanto, de afeição singela,

E deu-lhe grata — desfolhando a rosa,

As meigas pétalas dessa flor tão bela!

Não sei, se o jovem estremeceu beijando-a;

Sei que guardou-as: — fraternal abraço!

Era essa rosa desfolhada — as notas

Últimas d’harpa, que se esvai no espaço.

Amor

Ah! sim eu quero rever-te a medo

Terno segredo — que em minh’alma habita;

Mas, vês? eu tremo... teu sorriso anima:

Vê, se o que digo, o teu dizer imita...

Um ai poderá traduzir — n’um ai

Tudo o que pedes que eu te diga agora;

Mas tu não queres!... teu querer respeito.

Eia... coragem! dir-te-ei n’uma hora.

Oh! não te esqueças meu rubor, meu pejo,

Vê que eu vacilo... que eu perdi a cor:

Embora... escuta. Tu me amas? — dize,

Eu te confesso que te voto amor...

Cismar

À minha querida prima — Balduina N.B.

Quando meus olhos lanço sobre o mar

Augusto — o seu império contemplando;

Quer tranquilo murmure — ou rebramando,

Expande-se meu peito extasiado.

Corre minh’alma pelo céu vagando

Sobre seres criados — Deus buscando...

E fundo, e deleitoso é meu cismar.

Se ronca a tempestade enegrecida,

Pavoroso trovão rouqueja incerto:

As nuvens se constrangem, o céu aberto

Elétrico clarão vomita escuro:

Ao Deus da criação, ao rei da vida

Elevo o pensamento, e o coração...

Cresce, avulta, e aumenta a cerração

E em meu vago cismar só Deus procuro;

Se plácida no céu correndo vejo

— A lua — o mar, as serras prateando,

Qual áureo diadema cintilando

Em casta fronte de pudica virgem,

Em meu grato cismar só Deus almejo...

Bendiz minh’alma seu poder imenso!

Bendiz o Criador do Orbe extenso,

Que os outros rege — que seu trono cingem.

E bendigo depois a minha dor,

Meu duro sofrimento, — o meu viver...

Porque pode apagar, fundo sofrer

As feias culpas do existir da terra.

Oh! sim minh’alma te bendiz Senhor.

Quando cismando se recolhe triste...

Bendiz o eterno amor, que em ti existe,

O imenso poder que em ti se encerra!!..

Itaculumim

As praias descanto,

Que tem tanto encanto –

— que ameiga meu pranto

Do belo Cumã!

A lua prateia

Seus cambras d’areia,

A vaga passeia

Na riba louçã.

Fronteiras a elas

Se ostentam tão belas

Desertas singelas

As praias de além;

Há nelas penedos,

Enormes rochedos,

Que escondem segredos...

Eu canto-as também.

Eu creio que irmã

Deus fez o Cumã

Da praia louçã

Do Itaculumim.

A vaga anseia

Além — e vagueia

Que nestas ondeia,

Eu creio por mim.

Não vedes as praias fronteiras?

A quem Se estende o formoso Cumã lisonjeiro:

Além se dilatam de Itaculumim

As praias saudosas, o morro altaneiro.

O índio em igaras — vencia esse espaço,

Juntava-se em turbas — amigos queridos;

Após os folgares, as breves canções,

Valente p’ra guerra marchavam reunidos.

Mas, foram esses tempos de paz, e sossego

E tempos vieram de guerra, e de morte..

E sempre ao irmão, — e sempre o penedo

Qual firme atalaia — vigiam no norte.

Os íncolas tristes, — a raça tupi

Deixando suas tabas, fugindo lá vão,

Que mais do que a morte no peito lhe custa,

A fronte curvar-se-lhes à vil servidão.

O índio prefere no campo da lide

Briosos guerreiros a vida acabar:

Ver mortos seus filhos, seus lares extintos

Do que a liberdade deixar de gozar.

Sua alma que é livre não pode vergar-se,

Por isso seus lares aí deixam sem dor;

E vão-se prudentes — altivos — jurando

Que a fronte não curvam da pátria ao invasor...

Ceder só à força, que poucos já eram,

Que os mortos juncavam seus campos mimosos...

Deixaram estas praias que tanto queriam,

Fugiram prudentes — mas sempre briosos.

Depois, lá bem longe... nas noites de inverno,

Ouvindo nas matas gemer o trovão,

E os ecos saudosos, e os ecos sentidos

Quebrados, chorosos na erma soidão,

Lembravam com prantos, que amargo lhes eram

As praias amenas do belo Cumã;

O morro altaneiro de Itaculumim,

Os combros d’areia na riba louçã.

E ermo, e saudoso das ninfas, que amou,

Das crenças, que teve descanta o pajé;

Os outros escutam seu canto choroso

Que fala das crenças, que vida lhes é.

Ele começa com voz soluçada:

— Nas praias do norte nascidos tupi;

Existem palácios no mar encantados,

No leito das águas de Itaculumim.

Ah! quanto é formoso seu vasto recinto,

Oh! quanto são belas as virgens d’ali!

O teto, que as cobre de conchas de neve,

O solo das perlas mais lindas que vi.

O colo das virgens é branco, e aéreo;

As tranças de ouro rasteiam no chão;

O canto é sonoro — tem tal harmonia

Que prende de amores qualquer coração.

Seu corpo mimoso semelha à palmeira,

Que troca coa brisa seu ledo folgar:

As meigas palavras, que caem dos lábios,

Parecem harmonias longínquas — do mar.

Saudades que eu sinto de tudo que amei,

Se triste recordo seus mimos aqui...

Saudades do belo Cumã lisonjeiro,

Saudade das praias de Itaculumim...

Deixamos as tabas de nossos avós...

As águas salgadas, que tinham condão!

Deixamos a vida nos lares queridos,

Vagamos incertos por ínvio sertão.

Entre suspiros cessa o triste canto;

Mais não disse o pajé!

Um silêncio dorido sucedera

Ao seu canto de dor...

Ele! tão feliz... ele, ditoso

Eu seu doce folgar;

Em palácios dourados repousando,

Em instantes de amor...

Agora na soidão — agora longe

Dessas deusas do mar;

Agora errante, triste, e sem destino

Sentia a aguda dor...

Por isso era canto bem sentido

Lá por ínvios sertões!

Perdera as salças praias, arenosas,

Perdera o seu amor!

Lastimava seu fado — e se carpia

Das praias do Cumã.

E de Itaculumim se recordava

Com suspiros de dor...

E muitos prantos soluçados vinham

De saudades — quebrar a solidão!

Depois, era um silêncio amargurado,

Depois, suspiro fundo de aflição...

Prosseguem entanto sem destino, aflitos,

Prosseguem marcha duvidosa, errante:

E aqui campeia do Cumã as praias,

E Itaculumim gigante.

À minha extremosa amiga

D. Anna Francisca Cordeiro

Donzela, tu suspiras — esse pranto,

Que vem do coração banhar teu rosto,

Esse gemer de lânguido penar,

Revela amarga dor — imo desgosto:

Amiga... acaso cismas ao luar,

Terno segredo de ignoto amor?!...

Soltas madeixas desprendidas voam

Por sobre os ombros de nevada alvura;

Tua fronte pálida os pesares c’roam

Como auréola de martírio... pura,

Cândida virgem... que abandono o teu?

Sonhas acaso com o viver do céu!

Sentes saudades da morada d’anjos,

D’onde emanaste? enlanguesces, gemes?

É nostalgia o teu sofrer? de arcanjos

Perder o afeto que te votam — temes?

Ou temes, virgem — de perder na terra,

Toda a pureza que tu’alma encerra!?...

Não, minha amiga — que a pureza tua

Jamais o mundo poderá manchar:

Límpida vaga a melindrosa lua,

Vencendo a nuvem, que se esvai no ar,

E mais amena, mais gentil, e grata

Despede às águas refulgir de prata.

Que cismas pois? por que suspiras, virgem?

Por que divagas solitária, e triste?

Delira a flor — e na voraz vertigem

D’um louco afeto, té morrer persiste...

Pálida flor! o teu perfume exalas

Nesses suspiros, que equivalem falas.

Cismas à noite... que cismar o teu?

Sonhas acaso misterioso amor?

Vês nos teus sonhos o que encerra o céu?

Aspiras d’anjos o fragrante olor!?

Porque, não creio que a esta terra impura

Prendas tua alma, divinal feitura.

Não. É resumo dos afetos santos

Que além se gozam — que uma vez somente

À terra descem, semelhando prantos.

Que chora a aurora sobre a flor olente:

Meigos, sem mancha, vaporosos, ledos,

Puros, — de arcanjos divinais segredos.

Sentes saudades da morada d’anjos!

Sentes saudade do viver dos céus?

Ouves os carmes de gentis arcanjos!

Soluças n’harpa teu louvor a Deus!?...

Anjo! descanta sobre a terra ímpia

Místicas notas de eternal poesia.

Meditação

À minha querida irmã — Amália Augusta dos Reis.

Vejamos pois esta deserta praia,

Que a meiga lua a pratear começa,

Com seu silêncio se harmoniza esta alma,

Que verga ao peso de uma sorte avessa.

Oh! meditamos na soidão da terra,

Nas vastas ribas deste imenso mar;

Ao som do vento, que sussurra triste,

Por entre os leques do gentil palmar.

O sol nas trevas se envolveu, — mistérios

Encerra a noite, — ela compreende a dor;

Talvez o manto, que estendeu no bosque,

Encubra um peito que gemeu de amor.

E o mar na praia como liso ondeia,

Gemendo triste, sem furor — com mágoas...

Também meditas, oh! salgado pego –

Também partilhas desta vida as frágoas?...

E a branca lua a divagar no céu,

Como uma virgem nas solidões da terra;

Que doce encanto tem seu meigo aspecto,

E tanto enlevo sua tristeza encerra!

Sim, meditemos... quem gemeu no bosque,

Onde a florzinha a perfumar cativa?

Seria o vento? Ele passando ergueu

Do tronco a copa sobranceira, altiva.

Passou. E agora sufocando a custo

Meu peito o doce palpitar de amor,

Delícias bebe desterrando o susto,

Que a noite incute a semear pavor.

E um deleite inda melhor que a vida,

Langor, quebranto, ou sofrimento ou dor;

Um quê de afetos meditando eu sinto,

Na erma noite, a me exaltar de amor.

Então a mente a divagar começa,

Criando afouta seu sonhado amor;

Zombando altiva de uma sorte avessa,

Que oprime a vida com fatal rigor.

E nessa hora a gotejar meu pranto,

Nas ermas ribas de saudoso mar,

Vagando a mente nesse doce encanto,

Dá vida ao ente, que criei p’ra amar.

E a doce imagem vaporosa, e bela,

Que a mente erguera, engrinaldou de amor,

Ergue-se vaga, melindrosa, e grata

Como fragrância de mimosa flor.

E o peito a envolve de extremoso afeto,

E dá-lhe a vida, que lhe dera Deus;

Ergue-lhe altares — lhe engrinalda a fronte,

Rende-lhe cultos, que só dera aos céus.

Colhe p’ra ela das roseiras belas,

Que aí cultiva — a mais singela flor:

E num suspiro vai depor-lhe as plantas,

Como oferenda — seu mimoso amor.

Mas, ah! somente a duração d’um ai

Tem esse breve devanear da mente

Volve-se a vida, que é só pranto, e dor,

E cessa o encanto do amoroso ente.

Nas praias do Cumã

Solidão

Aqui na solidão minh’alma dorme;

Que letargo profundo!... Se no leito,

As horas mortas me revolvo em dores,

Nem ela acorda, nem me alenta o peito.

No matutino albor a nívea garça

Lá vai tão branca doudejando errante;

E o vento geme merencório — além

Como chorosa, abandonada amante.

E lá se arqueia em ondulação fagueira

O brando leque do gentil palmar;

E lá nas ribas pedregosas, ermas,

De noite — a onda vem de dor chorar.

Mas, eu não choro, lhe escutando o choro;

Nem sinto a brisa, que na praia corre:

Neste marasmo, neste lento sono,

Não tenho pena; — mas, meu peito morre.

Que displicência! não desperta um’hora!

Já não tem sonhos, nem já sofre dor...

Quem poderia despertá-lo agora?

Somente um ai que revelasse — amor.

Embora eu goste

Embora eu goste de escutar sozinha,

O mago acento da ternura tua:

Embora em meus transportes eu te adore,

Embora sobre mim teu ser influa;

Embora eu folgue por te ver risonho,

Cativo ao meu querer, a mim rendido;

Embora amor te abrase o peito em sonho,

E meu peito o adivinhe enternecido;

Embora venha a flor desses teus lábios,

Essa frase sonhada, e misteriosa;

Essa palavra mágica, que enleva

Como perfume de orvalhada rosa;

Embora em escutá-la eu despertasse

Deste longo torpor, — desta apatia;

Embora de meu peito transbordasse

Em ondas de prazer louca alegria;

Sepulta-a no mais imo da tua alma,

Volvê-la à custo embora — ao coração:

Imponho-te o silencio, que me imponho,

Embora eu sinta por te amar — paixão.

Talvez, sim, que minh’alma te compr’enda;

Talvez que nos estreite um só querer;

Talvez... mas, ah! porque rasteira grama

Intentas, louco! de seu leito erguer!...

Não sabes que isolada ela vegeta

Deserdada por Deus de afeto, e amor?

Ah! não lhe toques, — não lhe dês teu pranto:

Deixa-a isolada, emurchecer de dor.

A hora em que nasci sumiu-se o disco

Do sol luzente — e uma estrela pura

Não fulgiu no lençol azul do céu,

Amenizando-me a existência dura:

E avara de gozos foi-me a infância,

Para os demais idade venturosa...

A primeira expressão da minha vida,

Foi do infindo pesar — dor venenosa.

A custo hei arrastado os longos dias

De penosa aflição já bem eivados;

Custei-me a dominar — não formo queixas

Contra o capricho de meus agros fados.

Deixa que eu sofra sem que o saibas tu,

Paixão ardente me ondear no peito:

E que se exalte o coração de afetos,

E que se estremeça por amor sujeito.

Deixa em segredo repetir minh’alma

Que o meu ouvido não me escute o acento,

Que és o doce enlevo do meu peito,

O bem que me absorve — o pensamento.

Mas nunca intentes arrancar-me aos lábios

De amor a misteriosa confissão.

Impossível me fora... oh! impossível! –

Sem que o saibas é teu — meu coração.

Posso dar-te a existência — a vida inteira;

Contigo partilhar ventura, ou dor;

Mas, nunca a teus ouvidos murmurara

Com mago acento esta palavra — amor!

Embora em repeti-la eu despertasse

Deste longo torpor, desta apatia;

Embora de meu peito transbordasse

Em ondas de prazer minha alegria.

Sepulto-a no mais fundo de minh’alma,

Volva-a a custo embora — ao coração;

Imponho-me o silêncio que te imponho,

Embora sinta por ti amor, paixão.

Não quero amar mais ninguém

Quereis que eu cante na lira

Os meus amores? Pois bem;

Os meus amores são sonhos,

Eu nunca amei a ninguém.

Temi que, amando na terra,

De amor me viesse algum mal.

Criei no céu meus amores,

Amei ao meu ideal.

Oh! nem sabeis quanto é belo

Um ideal de mulher!

É belo como arcanjos,

Aos pés do Supremo Ser.

É grato, belo, é deleite,

Encanta, enleia, seduz,

Como nas trevas da noite

Se brilha ao longe uma luz.

Fala... sua voz é saltério;

São gratos hinos a Deus;

São acentos mist’riosos;

Que sobem puros aos céus.

Se nos sorri, — seu sorriso,

São ternos votos de amor;

São como gota de orvalho

De leve beijando a flor.

P’ra que amores na terra,

Se amo ao meu ideal?

Amores que cavam prantos,

Amores que fazem mal!...

E teço-lhe grinalda de poesia,

Singela, e odorosa;

E dos anjos escuto a melodia

A voz harmoniosa.

E um doce ambiente se respira,

E mais doce langor;

Expande-se meu peito — a alma suspira

Ofegante de amor.

E a música celeste recomeça

Ao som de nosso amor:

Mistério! A lua é pura... a flor começa

A vestir-se de odor.

É tudo belo... toda a relva é flor,

Todo o ar poesia!

O prazer é do céu ... aí o amor

É hino de harmonia.

Que importa que sejam sonhos

Os meus amores? Pois bem,

Eu quero amores sonhando,

Não quero amar mais ninguém.

Minha alma

Agora, agora que ninguém nos ouve,

Dize, minh’alma, — que sofrer te avexa?

Sofres? Eu sinto!.. que pungir o teu!

Foge aos rigores de uma sorte avessa.

Vês-me abatida como arbusto débil,

Que a fronte inclinada se o aquilão soprou;

Sombra tristonha, que vagueia aflita,

Buscando a campa que seu mal cavou.

E não minoras minha dor sem prantos...

Gemes comigo na amplidão do ermo?

As nossas dores são comuns, — minh’alma,

Fundas, eternas, — não terão um termo!

Se em desalento me lastimo e choro,

Se a dor me rasga o desolado peito,

Gemes. Na insônia de compridas noites

Velas comigo a suspirar no leito.

E quando estua o coração de angústias

Vejo-te aflita delirar — que tens?

Remorso agudo te penetra o seio?

De negros crimes rebuçada vens?...

Oh! que blasfêmia! Tu, essência diva,

Límpida, pura... não pecaste, — não.

Presa ao ergást’lo do grosseiro barro,

Sofres com ele... que fatal prisão!

Sofres! és boa... meu sofrer te acanha...

Gemes, se eu gemo — se eu pranteio, choras:

Se a culpa, ou erro me constringe o peito,

És tu, meu anjo — quem da culpa coras.

Juntas erramos neste vale — aflitas

Arrastam ambas seu viver dorido...

Dás-me teus prantos se me escutas, triste

Brotar do peito soluçar sentido.

É minha culpa, sim — perdão minh’alma!

A culpa é minha, — o sacrifício teu,

Sublime exemplo do mais puro amor!

Sê minha estrela ao caminhar p’ra o céu.

Só tu me ouviste blasfemar, — perdoa!

Eu sofro tanto!.. ah! perdão... perdão!

Deixa esta dor se enregelar no peito,

Quebra, espedaça tua fatal prisão.

Desilusão

É sempre assim a vida, — mero engano:

Após o riso, lágrimas, e dor,

Pungentes amarguras...

Um querer que renasce louco, insano

E quebra-se no nada, sem fragor,

Como sombras em ermas sepulturas.

Assim compensa o mundo o amor mais terno,

O doce sentimento de afeição,

O mais fino sentir...

Embora! o amor não é um gozo eterno,

Abrasa o peito, a alma é um vulcão,

Pode tudo n’um’hora consumir.

Pode de cinza, e larvas enastrar

O peito já cansado, — e após a neve

Sobre ele chover:

Depois — da vida a tarde — o encontrar

Em apático existir já morta a seve,

O gérmen, a esperança, ou o querer.

Mas, seja fogo, ou gelo a recompensa

Do amor: — esse extremo não destrói

Outro mimo, outro afeto.

Malgrado tanto azar, mesmo descrença,

Inda resta a amizade — a quanto dói

Consolo, refrigério, asilo certo.

Assim sonhei eu triste! em meu cismar,

Depois que o amor, que amei roubou-me a morte,

E em vão carpi!

Engano! Quem desfez o meu sonhar?

Fatal desilusão!... mesquinha sorte!

Como o amor também fugir a vi...

Tudo... tudo esvaiu-se, amor que amei;

Afetos melindrosos como a flor,

Que nasce entre a geada:

Extremos tão ignotos que eu sonhei,

Singelas afeições, mimoso amor.

Tudo varreu-me a tempestade irada.

Agora ao mundo presa na aparência,

Sôfrega sorvendo o cálix do prazer.

Só nele encontro fel!...

Da dor calou-me o peito a acre essência,

Resumo inexplicável do sofrer!

O mundo me acenou, — chamou-lhe — mel.

Escárnio! Quanto dói demais na vida.

De amor o esquecimento — da amizade

A fria recompensa.

Tudo hei provado na afanosa lida,

De uma louca, e cansada ansiedade –

Delírio, sonho, engano — árdua sentença!

Sem amor, sem amigos, sem porvir.

Sem esperanças, ou gozos: — sem sequer

Quem sinta a minha dor...

Só no mundo — só... triste existir!

Que me resta, meu Deus! — que resta a ver,

Se tudo hei visto neste longo error!!!...

Basta! basta minh’alma ... o teu sofrer

Infindo — o teu prazer sem esperança.

Foi só o teu condão!...

Vai como a roda em solidão gemer:

Da tempestade após vem a bonança

Terás na campa a paz do coração.

A vida é sonho

Oferecida ao Ilmo. Sr. Raimundo Marcos Cordeiro.

Prova de sincera amizade.

A vida é sonho, — que afanoso sonho!

Há nela gozos de mentido amor;

Porém aquilo que nossa alma almeja

É sonho amargo de aflitiva dor!

Fantasma mudo, que impassível foge,

Se mão ousada a estreitá-lo vai;

Sombra ilusória, fugitiva nuvem,

Folha mirrada, que do tronco cai...

Que vale ao triste sonhador poeta

A noite inteira se volver no leito,

Sonhando anelos — segredando um nome,

Que oculta a todos no abrasado peito?!!...

A vida é sonho, que se esvai na campa,

Sonho dorido, truculento fel,

Longa cadeia, que nos cinge a dor,

Vaso enganoso de absintos, e mel

Se é um segredo que su’alma encerra,

Se é um mistério — revelá-lo a quem?

Se é um desejo — quem fartá-lo pode?

Quem chora as mágoas, que o poeta tem?

Ah! se um segredo lhe devora a vida,

Bem como a flor, o requeimar do dia,

Ele se estorce no afanoso anseio;

Rasga-lhe o peito íntima agonia.

Então compulsa a melindrosa lira,

Seu pobre canto é desmaiada endeixa;

A lira segue merencória, e triste

Pálidos lábios murmurando queixa.

Mas, esse afã — esse querer insano,

Esse segredo, — esse mistério, enfim,

Não é a lira que compr’ende, e farta,

Que a lira geme, mas não sofre assim.

A vida é sonho, duvidar quem pode?

Sonho penoso, que se esvai nos céus!

Esse querer indefinido, e louco,

Só o compr’ende — só o farta — Deus.

Nênia

À memória do mavioso e infeliz poeta Dr. A. G. Dias.

Lamenta, Maranhão, — lamenta, e chora

O teu mimoso cisne, — imortal Dias!

Veste teus prados de lutuoso crepe,

Despe tuas galas, infeliz Caxias!

Não foi dos vermes seu cadáver presa,

Não teve campa, não dormiu na terra!

O mar prestou-lhe monumento aurífero,

Deu-lhe essas pompas, que em seu seio encerra.

Mimosas colchas de nevadas perlas

Lhe adornam o leito de safira, e ouro...

Os pés lhe enastram de corais as palmas;

Forma-lhe a campa imorrredor tesouro.

Não morre o gênio! não morreste, oh!

Dias, Eis-te nas vagas serenando o mar...

Eis-te no orvalho, que a manhã chorosa,

Manda, benéfica uma flor beijar.

Eis-te nas vagas de São Marcos, — Dias,

Desfeito agora em melindroso encanto!

Eis-te pendendo dos mangueiros pátrios,

Como dos olhos d’uma virgem o pranto.

Eis-te nas tabas, — nos caldosos rios,

Nas salças praias, — no volver da brisa,

No grato aroma de mimosas flores,

Na voz do vento, que o oceano frisa...

Eis-te, poeta mavioso, e terno.

Em cada peito, que te ouviu cantar:

Eis-te na história — perpassando aos evos.

Poeta, concerta hinos,

Ao som dos hinos divinos,

Canta excelsos, peregrinos,

Místicos carmes a Deus.

Com estro divinizado,

Salmo de amor incensado,

Ao Deus Senhor humanado,

Canta, poeta, — nos céus.

Canta, canta — e as falanges

Dos anjinhos do Senhor,

Dos seus jardins uma flor,

Cada qual te irá colher;

E na tua harpa, — poeta,

Na tua harpa sagrada,

A flor no céu educada

Virão depor com prazer.

Dessas harpas diamantinas

De notas tão peregrinas,

Em que os anjos — as matinas

Incessante cantam a Deus.

Fere a corda harmoniosa,

A corda mais sonora,

Desprende a voz maviosa;

Canta, poeta, — nos céus.

Canta no céu, que na terra,

Foi teu cantar noite e dia

Nota de eterna harmonia,

Perfume de olente flor...

Foi teu cantar melindroso.

Como um sentir misterioso,

Que passa vago, e mimoso

N’um peito, que cisma amor.

Foi tua lira fadada,

Foi teu cantar a balada,

Sonorosa, e concertada

Pelos arcanjos de Deus!

Foi hino sacro de amor,

Foi harpa do rei — cantor...

Agora ao teu Criador

Canta, poeta, — nos céus.

À partida dos voluntários da pátria do Maranhão

Ide, bravos maranhenses,

Ide a pátria defender!

Como antigos brasilienses,

Não sabeis também vencer?

Ide bravos — que a vitória –

De vossos nomes a glória

Está no vosso valor:

Nosso pendão hasteai

Nos campos do Paraguai:

Vencei ao vil agressor.

No furor da luta ingente

Ante a face do inimigo,

Quando mais dobre o perigo,

Quando for mais iminente:

Lembrai-vos, oh! maranhenses,

Desses heróis brasilienses,

Que no altar da liberdade

Sacrificaram as vidas,

No campo de eternas lidas,

Com denodo e heroicidade!

Tendes no Outeiro da Cruz

Exemplos assinalados,

Feitos tais, e tão ousados,

Vossos brios não seduz!

Não vos recorda o Bacanga,

Qual grito lá do Ipiranga

Entusiasmado bradou:

Morte! morte, — ou liberdade!

Com tanta seguridade,

Que a liberdade raiou?!!..

Não desmintais tais feitos,

Nossos avós imitai...

Não sentes em vossos peitos

Coragem? Eia! voai.

Voai ao campo da Glória:

Aí, cantai a vitória:

Desfraldai nosso pendão:

Fazei-os de horror tremer...

Eia! vencer, — ou morrer...

— É divisa da Nação.

Vingai da pátria ofendida

Os brios, o pundonor:

Sacrificai nessa lida

Sossego, vida, e amor.

Não temais a morte honrosa,

Que no campo vem gloriosa,

Toda brilhante ao soldado...

É mais um nome na história...

É mais um padrão de glória,

Que aos evos será legado!

Ide, bravos maranhenses,

Ide a pátria defender:

Como antigos brasilienses,

Vós também sabeis vencer!

Ide, que a pátria vos chama

Os vossos brios reclama,

Reclama o vosso valor;

Não desmintais a esperança,

Que tem na vossa pujança,

Dos vossos brios — no ardor.

Uns olhos

Vi uns olhos... que olhos tão belos!

Esses olhos têm certo volver,

Que me obrigam a profundo cismar,

Que despertam-me um vago querer.

Esses olhos me calam na alma

Viva chama de ardente paixão:

Esses olhos me geram alegria,

Me desterram pungente aflição.

Esses olhos devera eu ter visto

Há mais tempo — talvez ao nascer:

Esses olhos me falam de amores;

Nesses olhos eu quero viver...

Nesses olhos, eu bebo a existência,

Nesses olhos de doce langor;

Nesses olhos, que fazem solenes,

Meigas juras eternas de amor.

Esses olhos, que dizem n’um’hora,

Num momento, num doce volver,

Tudo aquilo que os lábios nos dizem,

E que os lábios, não sabem dizer;

Esses olhos têm mago condão,

Esses olhos me excitam a viver;

Só por eles eu amo a existência,

Só por eles eu quero morrer.

A uma amiga

Eu a vi — gentil mimosa,

Os lábios da cor da rosa,

A voz um hino de amor!

Eu a vi, lânguida, e bela;

E ele a rever-se nela:

Ele colibri — ela flor.

Tinha a face reclinada

Sobre a débil mão nevada;

Era a flor à beira-rio.

A voz meiga, a voz fluente,

Era um arrulo cadente,

Era um vago murmúrio.

No langor dos olhos dela

Havia expressão tão bela,

Tão maga, tão sedutora,

Que eu mesmo julguei-a anjo,

Eloá, fada, arcanjo,

Ou nuvem núncia d’aurora.

Eu vi — o seio lhe arfava:

E ela... ela cismava,

Cismava no que lhe ouvia;

Não sei que frase era aquela:

Só ele falava a ela,

Só ela a frase entendia.

Eu tive tantos ciúmes!...

Teria dos próprios numes,

Se lhe falassem de amor.

Porque, querê-la — só eu.

Mas ela! — A outro ela deu

Meigo riso encantador...

Ela esqueceu-se de mim

Por ele... por ele enfim.