Relaçam
Dedicada A Sereníssima Senhora
Rainha da gram
BRETANHA
Da
JORNADA
que fez de Lisboa the
PORTS MOUTH
Pello P. Sebastiaõ da Fonseca Mestre, Cappellaõ, E Presidente
Em O Hospital Real de todos os Sanctos na Cidade de
LIXBOA.
LONDRES
Na Officina de F. Martin Fa. Allestry & Tho. Dicas.
Anno 1662.
Relação dedicada à Sereníssima Senhora Rainha da Grã-Bretanha, da jornada que fez de Lisboa até Portsmouth
À SERENÍSSIMA SENHORA RAINHA DA GRÃ-BRETANHA DANDO LHE O PARABÉM DA CHEGADA E PEDINDO-LHE LICENÇA PARA ESCREVER A JORNADA.
A dar-vos o parabém
chega minha confiança.
nem toda desvanecida
nem toda desconfiada.
Galas traz de muitas Cores
porém todas desmaiadas
ou seja pelo que intenta
ou seja pelo que alcança.
Lisboa a cor de ciúme
e Londres a da Esperança
lhe dá; porém certo é
que vos lhe eis de dar a gala.
E já revestida toda
de vossa grandeza e fama
não teme ser atrevida
menos ser vituperada.
Inda que tosca e grosseira
com voz pura limpa e clara
entra a dizer seu papel
e desta maneira fala.
Parabém vos deem, ô Deusa
de quanto o Oceano banha
desde o nascente ao poente
desde Lisboa a Bretanha.
Parabém vos deem, senhora
destas cristalinas águas
que a esperar-vos vêm vestidas
de chamalote de prata.
Parabém vos dê também
quem também vos acompanha
esta nação Portuguesa
poucos corpos muitas almas
Parabém vos deem os grandes
pequenos e toda a casta
porque a tão casta beleza
venham todos festejá-la.
Parabém, vos dá por mi
também minha confiança
por mi, como interesseiro
por si, como interessada.
Perdoai-lhe, por quem sois
pois nasceu na vossa pátria,
e é de Lisboa, que ausente
estas ditas, chora e canta.
E se acaso dais Licença,
pintará toda a jornada,
despedidas de Lisboa
e entradas da Grã-Bretanha.
DEDICATÓRIA À SERENÍSSIMA SENHORA
RAINHA DA GRÃ-BRETANHA
Sereníssima senhora
a quem todo o mundo aclama
por bela Estrela do Norte
Luzido Sol da Bretanha.
Vos que depondo o sossego
quisestes romper as águas
por enxugar as dos olhos
que há tanto a pátria derrama.
Se bem de ter-vos presente
era a glória e dita tanta,
que a presente ausência chora
quem os futuros chorava.
Vos que tanto à vossa conta
tomastes a nossa causa;
que se não sentem as custas
vencendo-vos a demanda.
Vós que pelo bem comum
deixais o logro da pátria
por que ela consiga ditas
posto que sinta as distâncias.
Ouvi a voz desta pena
que glorifica descanta
por ter já Licença vossa
para pintar a jornada.
Se não chegar o pincel
a pintar cousa tão alta
em jornada tão comprida
bem posso pintar de aguada.
Que o colorido talvez
com as distâncias desmaia
vá de pintura senhora
e vosso amparo me valha
JORNADA DE LISBOA, ‘TÉ PORTSMOUTH.
Aos vinte e três de Abril
entre semana, e semana
um Domingo que entre todos,
se tem por dia de guarda.
Depois daquela grandeza
de que todo o mundo pasma
em que o povo fez extremos
e os grandes conta das galas.
De tantos arcos triunfantes
as ruas todas ornadas
que tudo era um Rocio
por donde a aurora passava.
Passou dos arcos à ponte
que maravilhosa estava
bem me rio eu que o Rio
visse cousa mais galharda.
Chegou toda a fidalguia
pondo-se em vistosas alas
por que à Estrela do Norte
Servissem todos de guardas
Viram todos a estrela
descia o sol para as águas
pôs-se o sol; e apareceu,
mais uma estrela na barca.
Fez Portugal maravilhas;
tudo amor perfeito causa,
e embarcando a primavera
deram os navios salva.
Os marinheiros subidos
pelos velames, enxárcias
enchiam o ar de vivas
e os barretes de vaias.
Houve fogo como terra
de tiros e luminárias,
teve o ar suas quenturas
suas fogagens as águas.
Veio Rompendo a manhã
e cuido que não chegara
se lhe não dera licença
o sol que escondido estava.
Levou ferro a Nau Real
(quero dizer Capitânia)
se é que pode levar ferro
quem leva em si tanta prata.
Levaram âncora todas
despediram-se de Almada
enquanto a alma do povo
se despediu da sua alma.
Fizeram as cortesias
a Palácio, que chorara
se a Capitânia não fora
co’o pano tomar lhe as lágrimas.
Foi largando as Velas todas
deixando naquelas praias
quantidade de suspiros
e grande número de ânsias.
Em Santo Amaro ficou
porque estava bem lembrada
de que outra terça feira
a dera o santo bem santa.
Porquanto as terças do Céu
herda Portugal nas Chagas
e não pode ter má sorte
quem ternos e quinas lança.
Viram-se as Majestades
este dia; quem jurara
que fosse Atlante um madeiro
de dous tão grandes Monarcas.
A minha Nau que Rubi
por preciosa se chama
por ser pedra quis ficar
junto à pedreira de Alcant’ra,
Quis Valer-se de pedreiras
para ser da Capitânia
a mais valida de todas
por parte de vizinhança.
Serrou-se a noite e contando
todos, a festa passada
sonharam muitas grandezas
posto não foram sonhadas.
Mal tinha do primo sono
Limpo parte das pestanas
se bem no todo da noite
dormi só no quarto d'alva.
Quando ouvi (não sei se ouvi)
sonhei (não sei se sonhava)
liras com cordas divinas
Anjos com vozes humanas.
Fiquei absorto; porém
abri parte da varanda
reprimi todo o alento
por ser pequena a distância.
Estavam dous Bergantins
a bordo da Capitânia
um pela banda direita
outro pela outra banda.
Encontravam-se os descantes
co’o rústico das flautas
o tosco das sanfoninas
co’o sonoro das arpas.
Calando-se os Instrumentos
uma voz branda e delgada
tão fina que parecia
que por Fé se divisava.
Cantou a seguinte letra;
a Fé senhora vos canta
porque chora há muito tempo
a dilação desta causa.
Cantou outra voz sonora
o seguinte; o bem haja
quem Caritativa a Fé
tanto estende tanto espalha.
A outra voz que Esperou
por ser toda Esperança
disse a fim; a fé, que espera
vencer a Fé a demanda.
Bem no último compasso
deste terno; a outra barca
tocando a dança do Porto
posto estava sobre as águas.
Deu princípio a que Cantasse
uma voz sentida e branda
que parece que se via
o mesmo que se escutava.
Disse assim; verá o mundo
nas partes da Grã-Bretanha
aquela que se não vê
por toda a terra espalhada.
Cantou logo outro quarteto
outra voz, que por ser alta
pudera correr parelhas
com a trompeta da fama.
E disse desta maneira
(sonora liquida e clara)
quem entra pelo ouvir
nunca de teus Reinos saia.
Cantou logo a voz terceira
pondo as terceiras tão altas,
que deixou sem corda alguma
as Violetas que tocava.
Mestra era entre todas
porém mal afortunada
quiçá por ser da Capela
melhor flor; ou melhor fala.
Cantou o quarto sentido
mas porém tanto gostava
do que cantou, que não pude
ouvir lhe a menor palavra.
O quinto fez um descante
porém não quis Cantar nada
e tocando uma ala nela
foram-se em modo de dança.
Fiquei do que ouvi suspenso
despertei os camaradas
que não serão testemunhas
por ser suspeitos na causa.
Muito foi, sendo potências
o não ouvi-las viva alma
mas dormiram, porque dizem
durma quem tem boa fama.
Muito foi, sendo sentidos
não nos sentir uma armada
mas só quem teve pedreiras
pode alcançar ditas tantas.
Saiu o dia bem cedo
porque bem de madrugada
vinha ver qual dos dous soes
o tal dia governava.
A tempo que os marinheiros
iam colhendo as amarras
dizendo na sua língua
vento em popa, mar bonança.
E largando a Nau Real
deu à vela toda a armada
salvando a Nau que a Belém
trouxe o pão que a tantos salva.
A torre nos fez convite
com doce que chamam bala
e por ser manhã, nos deu
salva, sem púcaro de água.
Houve tiros como areia
e era a fumaça tanta
que areava; tanto assim
que areou a mesma praia.
Neste mesmo tempo a torre
que inda que velha se chama
não deixa de ter seus fumos
inda depois de enterrada.
Fez suas peças, e tanto
que a de Belém, assustada
cuidando ardia: foi logo
valer-lhe por cima da água.
Se não fora Caparica
que por vizinha chegada
lhe deu fumo do murrão
e desceu a acompanhá-la.
Senão com balas de fogo
talvez com tiros de lágrimas
tanto assim, que a capa rica
que trouxe, levou molhada.
Fomos rompendo o Cristal
do Tejo; o quem pintara
as despedidas dos montes
e as saudades das águas.
Acompanharam nos sempre
barquinhas, botes, fragatas
que isto de levar barquinha
é alívio das jornadas.
Tomamos de uma Piloto
somente por ser usança
que os ardilosos Ingleses
tem a barra decorada.
Depois de passar as Torres
entramos pela ansiada
de São José donde às vezes
fomos alguns camaradas.
A ver entrar Naus Inglesas
a ver sair Naus de Holanda
a ver ir Naus para a Índia
e a ver dar fundo as armadas.
Lembrou-me o passado tempo
e deste agora a mudança;
Mas tudo faz por melhor
quem estas mudanças traça.
Chegamos a São João
longe algum tanto da Pátria
que inda que fraca Lisboa
pôde lançar longe a barra.
Tanto era o fogo na Torre
que cuidando se queimava
(sem ter aviso do Céu)
fugiu de lá toda a armada.
A outra Torre de fronte
tanto estoutra a remedava
que parecia Bugio
que com Cachopos brincava.
Logo avistamos Cascais
império de mil Monarcas
que por Pentecoste, deixam
o exercício das barcas.
A Guia fomos deixando
por serem os todos Águias
no voar com tanto Norte
que assas foi pesada graça.
Alongamo-nos da Roca;
esse ela fora de Cana,
acháramos o Canal
sem ser na Costa de França.
O vento nos desviou
de terra; com força tanta
que co’os mares fizeram
seu dever as enjoadas.
Não se viu mais terra alguma,
via-se só Céu, e água,
um que pedia o Eu
outro que pedia o atra.
Eram tudo inglesias
gut mora de madrugada,
gut naite à noite, e a biar
suprindo na falta da água.
Fomos com contrários ventos
oito dias; e a jornada
se perdia, porque o Norte
cortês nos acompanhava.
Avistamos um Navio
que vinha da Grã-Bretanha
para as partes do Oriente
e o viu, vendo a Capitânia.
Ao bater as bandeiras
posse à trinca, ou à capa
disparando toda a peça
de uma banda e outra banda.
Mas como as Majestades
já mais estão obrigadas
a agradecer cortesias
respondeu a Almiranta.
Foi um dos dias alegres
que tivemos na jornada
mas ausentando-se o vento
pôs-nos três dias em calma.
Saíram os Bergantins
visitou-se a Capitânia
e os clarins davam tangendo
notícias da bonança.
Houve brindes nos navios
tantos; que ao ir para a cama
houve gente que caiu
sete vezes, sem ser santa,
Soprou ao outro dia
viração do mar, mas branda
e nos pôs em breves horas
junto à costa de Biscaia.
Continuou com mais força
este vento; e na semana
véspera das Ladainhas,
mediu-se o canal a braças.
Os abraços foram muitos
as cantigas, as guitarras
os jogos, os entremeses
as mascarilhas, e as danças.
E o terço, que cada dia
na nossa Nau se rezava
três vezes se duplicou
tendo no fim sua salva.
Tantum ergo sacramentum
com devoção se cantava
porque a nossa Nau trazia
muita gente de ordens sacras.
Ao outro dia vimos
muitas Naus, e toda a Armada
foi para reconhecê-las
conheceram ser de Holanda.
A minha por mais ligeira
quis ser a mais empenhada
e largando o pano todo
deu a toda Holanda caça.
Uma peça lhe atirou
porém não lhe deu a bala
que se lhe dera o pilouro
fora vereador na câmara.
Recolheu todas as velas
e apagou a confiança
porque ficou temerosa
vendo estoutra temerária.
Trouxe todas prisioneiras
a Nau real; que bem paga
do esforço do Capitão
fez mesuras (digo) arfava.
Seguiram-nos prisioneiras;
porém fez o dia pausa,
e nos fomos como sempre
entrar com o terço de guarda.
Pouco se dormiu à noite
porque rodaram as camas
com os mares; e por força
se jogaram, as canastras.
Entre estas descomposturas
que o tempo imperfeito causa
se viram de nota negra
figuras de nota branca.
E por ser história breve
quero que estejais na máxima,
houve galo que cantou
sem que se negasse a causa.
A estes gritos e vozes
acordou a madrugada
dando da terra noticias
posto que do Céu chegava.
Os marinheiros gritando
vieram bater na câmara,
eu chamei por Santo António
tremendo como umas varas.
Porque um dizia oriru,
outro gut chimê, e tanta
arenga sem se entender
faz perder a confiança.
Entendi que nos pediam;
e pedir de madrugada
inda que sejam alvíssaras
ninguém lhe fez boa cara.
Pus-me em pé e disse, amigos
levantar todos da cama
que temos terra por proa
não poupemos dita tanta.
Fomos para cima e vimos
uma distância nevada
que só a tinham por terra
os que a tinham por pátria.
Porém ao meio dia
a vimos distinta, e clara
muitos montes, muitas torres,
muitas terras, muitas casas.
Mandou-se uma Nau de aviso
a Plemut, que sendo Infanta
(ou Princesa) não é muito
que fosse a mais avisada.
Lançamos de tarde ferro
e vimos vir para a Armada
um barco de pescadores
gente sã, rústica, e branda.
Vinham providos de peixe
sardas, lagostas, e cabras
marisco, de que se fez
uma ceia regalada.
Houve em terra a noite toda
fogos em tanta abundancia
que obrigou a que os Navios
fossem pondo luminárias.
Muito foguete do ar
lançou a nossa Almiranta
que por serem de Lisboa
desciam cheios de lágrimas.
As fortalezas da terra
atiraram; na ansiada
tudo era fogo e estrondo
tudo trompetas bastardas.
Mandou-se buscar refresco
a terra; de madrugada
e trouxesse muito pão,
ovos, galinhas, e caça.
Muitas flores diferentes
maravilhas, goivos, salva,
alecrim, cravos, tomilho
pombos, vitelas, e aguada.
Tudo nos foi necessário
porque três dias sobre âncora
estivemos; por o vento
ser contra a nossa jornada.
Apesar do fero Norte
fomos na volta de França
que todos lançamos voltas
pelas exéquias da calma.
Chegou dia da Ascenção
e teve a Capitania
o Senhor exposto à hora
sermão e missa cantada.
Aparecerão Navios
e a tarde foi festejada
porque dançando alavela
tocavam clarins as vacas.
Iam para Portugal.
escreveu-se muita carta
deu-se notícias do tempo
das borrascas, das bonanças.
Relataram-se os suspiros
deu-se notícias das ânsias.
que sempre houve sentimentos
em ausências dilatadas.
Despediu-se a Nau de todas
veio a noite embuçada
e atrás da noite a manhã
pela mão do quarto da lua.
Andou-se pouco este dia
e por não ter circunstâncias
passemos, que não há homem
quando há tão ruins cartas.
Dia de São Bernardino
fomos para a Capitânia
donde comungamos todos
gente reconciliada.
Jantamos com tal grandeza
pratos de iguarias tantas
que bem mostrou os afetos
quem sabe roubar as almas.
Cantou-se de tarde tonos
para aliviar a causa
de uma febre, que importuna
a Majestade ocupava.
Ao vir para o Navio
(depois de estarmos em calma)
veio uma névoa tão grande
que mal se viam as águas.
A disparar muitos tiros
começou a Capitânia,
a tocar clarins na popa
e na proa a tocar caixas.
Os mais Navios também
seguiram a mesma traça,
e com ser longe da roca
confuso qualquer se estava.
Ia crescendo o estrondo
o rolar do mar soava
vinha-se serrando a noite
e abrindo a desconfiança.
A terra iam sondando
as voadoras fumaças
que por fugir ao perigo
é licita toda a traça.
Fomos rezar ladainha
terço com preces, e salva,
e a Majestade também
divinamente entoava.
Cantaram-se vilancicos
preparou-se a consoada
que por ser Régia a grandeza
quis dispensar nela o papa.
Coube-nos por aposento
a mais majestosa casa
por ver a gente Londrina
o que o Sacerdócio alcança.
Ao romper da manhã
rompeu-se a tela de prata
e foi medida com os remos
por ser alta para as varas.
Chegamos à Nau Rubi
que como nos esperava
(sentida de tanta ausência)
teve votos de Esmeralda.
De tarde chegou o Duque
de York, em duas fragatas
que deixou a uma vista
por ser muchíssima a calma.
Em um Bergantim real
todo cheio de vidraças
veio topando os Navios
‘té parar na Capitânia.
Os remeiros de vermelho
muita pluma, muita prata
e por não ter baixa alguma
mandou diante embaixada.
Abateu logo a bandeira
a Nau real; por ser tanta
a majestade do Duque
que aos abatidos levanta.
Da Capitânia saíram
a recebê-lo; e as águas
saltando com alegria
faziam travessas danças.
Entrou o Duque bizarro
levantou a Capitânia
a bandeira; mas de sorte
que não ficou muito cara.
Depois que fez a visita
à enferma da Esperança
vendo a frota o bergantim
receitou-lhe umas fumaças.
Foi-se o Duque já tão tarde
que brilhavam as vidraças
do bergantim, com os cabelos
da que é firme na mudança.
Acompanhou-nos o Duque
‘té entrarmos pela barra,
que quem ganha todo o resto
não repara nas entradas.
Avistando terra sempre
viemos com festa tanta
que enganávamos a pena
no logro da esperança.
Chegamos; ô quem tivera
uma eloquência tão rara
que relatara esta dita
o que este gosto explicara.
Jesus, já tomamos porto?
Jesus; já vemos a barra?
já Portsmouth se vê tão perto?
já pisamos a Bretanha?
Já se acabou a pensam
de recear, as borrascas;
já nos não fará o Norte
tão repetidas carrancas.
Já não teremos biscoito
tão duro como uma ingrata
se bem remédio excelente
nas dilações das jornadas.
Já não teremos temperos
sem sal, sem gosto, sem graça
se bem era do ençoço
remédio a vaca salgada.
Já não ouvirei ringir
o Navio; nem as camas
andaram pelos beliches
de uma para a outra banda.
Já não irei ao convés
divertir-me, com as tabulas
nem à noite, o sete estrelo
ver se fica junto à barca.
Já não ouvirei de noite
as vozes desentoadas
daqueles nossos ratinhos
amigos de roupa branca.
Já entrou a Nau real
com ajuda das fragatas,
que por haver pouco vento
se quis valer destas traças.
Já lançou ferro, e também
lança ferro toda a Armada
já de terra, as fortalezas
se enxergam pelas fumaças.
Já chegam todos os botes
rodeando a Capitânia
providos de galhardetes
e bandeiras arrastradas.
Já o bergantim do Duque
se chega para as escadas
da Nau Real, para ser
arquivo de luzes tantas.
Já desce o sol de Lisboa
já entra a luz da Bretanha
já a bandeira Real
se abate da Capitânia.
Já o bergantim alvora
aquela sonora arpa
que ade tocar algum dia
consonâncias, e não falsas.
Deu à vela e tão veloz
cortou a liquida prata
que não sabiam os olhos
se corria, ou se voava.
Buscou a terra, e fez muito
porque quem se vê tão alta
só faz menção do sublime
só do subido se paga.
Porém não pode chegar
talvez por amor das águas,
e destemperando as cordas
esperou algumas pausas.
Chegou outro bergantim
mais pequeno, voz mudada
donde a prima da beleza
quis descer mais requintada.
Foi terceira um instrumento
que não tem segundo, e basta
que visse ler de Cadeira
uma beleza tão rara.
Poucos compassos fizeram
os remeiros, quando a prancha
se pôs em terra, e de um golpe
saltaram todos na praia.
Adonde estavam os terços
que guarneciam a praça
gente bem paga do Rei
e da Rainha bem paga.
Gente toda mui luzida
cortês, como bem criada,
devotos, porque nenhum
faltou do terço na salva.
Íamos todos diante
admirando co’as galas
Portuguesas, e o capricho
da nação que a Deus mais ama.
Depois dos terços seguiam-se
os Vereadores da Câmara
se bem pareceu Cabido
por ter porteiro da maça.
Entramos dentro em Palácio
que era um Castelo da praça
e apeou-se da Carroça
aquela divina Palas.
Tão armada de beleza
como de capricho armada
abrindo lhe a estribeira
quem no servir se estribava.
Subiu pela mão do Duque
entrou na primeira sala
que inda teve um par de panos,
com estar tão bem armada.
Muita fidalguia inglesa
muita pluma, muita gala
muita fita, muita ceda
muito ouro, muita prata.
De fina tela vestidas
estavam todas as damas
com muitos sinais no rostro
e com repiques na graça.
Beijaram todas a mão
àquela bela Diana
de quem as setas dos olhos
servem corações de aljava.
Entrou para descansar
de tantas penas passadas
de tantas glórias presentes
que também a dita cansa.
Não lho permitiu o povo,
porque a gente alvoroçada
sem perder do Paço a Vista
perdia o paço em buscá-la.
Deram-nos bons aposentos
com camas tão regaladas
que o alívio das penas
se achou nas penas das camas.
Os regalos eram muitos
a terra das muito fartas
a gente muito cortes
e muito lindas as casas.
Por baixo muitos jardins
por cima muitas varandas
estas muito vermelhinhas
aquelas menos coradas.
O governo excelente
e dos domingos a guarda
muito maior que a do Rei
com ser tão grande Monarca.
Os católicos ouviam
missa, com devoção tanta
que puderam aprender
alguns dos da nossa Pátria.
Em Palácio se dizia
missa, Domingo e semana
e sobre a tarde, cantavam
tons, os músicos da Câmara.
Chegou de Londres El-Rei
cuido, que à terça ou à quarta
para levar para a quinta
quem requinta a mesma graça.
Muito a tabale diante
muita trompeta bastarda
a cujo estrondo, atirou
toda a artilharia a praça.
As Carroças, sem contia
e a Cavalaria tanta
que sendo guarda do Rei
faziam mil quatorzadas.
Seguiam-se logo a estes
quatro porteiros da cana
que eram; por dados do Rei
quadernas afortunadas.
Seguiam-se mui vistosos
os oficiais da Casa
botões de Rosas à vista
na cor verde e encarnada.
Também os seus Capelães
vieram com negras galas
galhardos a toda a lei
porém não à lei Romana.
Atrás destes se seguiam
os seus soldados da guarda
no meio a Real carroça
cheia de olhos sem pestanas.
Uma tropa de Cavalos
Levava de retaguarda
que se armavam bem de peitos
por bem guardar lhe as espaldas.
Apeou-se a Majestade
(digo o Rei da grã Bretanha)
cuja Majestade nunca
poderá ser apeada.
Salva lhe deram real
os terços, e toda a praça
e quem morria por velo,
por velo vivas lhe dava.
Subiu a Palácio, donde
viu aquela Estrela d'alva
enferma de tanta ausência
nos braços da Esperança.
Sem intérprete fizeram
as cortesias usadas
que não há mister ter língua
corpo que tem duas almas.
Como tinha satisfeita,
aquela primeira causa
veio dar a mão a tantos
que o traziam nas palmas.
Foi correr as fortalezas
o que esforçado Monarca
pois tão ferido de amor
não quer largar inda as armas.
Correu toda a Vila, e certo
que foi cousa mui notada
quando os Reis a todos dão
roubar ele tantas almas.
Não tem que ver o retrato
com o majestoso da cara
que se é sombra deste assombro
a luz sempre foi mais clara.
Aqui fique a Musa agora
por quanto a luz se me apaga,
a pena vai sendo grossa
a tinta vem sendo branca.
Fique em Portsmouth a talia
que também do mar cansada
necessita que lhe demos
féria no fim da semana.
Ela promete ao leitor
finos pincéis, cores claras
para pintar os Países
de Portsmouth, para a Bretanha.
E em tanto que fica ausente
aceite essa doce pátria
o desejo de servi-la
e a vontade de lográ-la.
Finis laus Deo.