Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

 Textos literários em meio eletrônico

Versos perversos, de Bastos Tigre


Texto-fonte:

Versos perversos, Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho, 1905.

VERSOS PERVERSOS

Poesias satíricas em

comentário aos acontecimentos políticos

de 1904

______________

A troça por princípio e a pilhéria

por base: o riso por fim.

A Emílio de Menezes, o mestre

do verso satírico.

A Raul, Calixto e Gil, os turunas

da caricatura.

D. XIQUOTE

 

ÍNDICE

SEJAMOS FRANCOS

ÀS MOÇAS E ÀS CRIANÇAS

MEUS MOINHOS

ESTA REPÚBLICA

QUEDA CERTA

AS DRAGAS

VOTO PELA DITADURA

A M. ELLE BOLÍVIA

QUE PERIGO!

TEM A PALAVRA S. EX.ª

A EXPOSIÇÃO DE APARELHOS A ÁLCOOL

NADA ESCAPA

O FIM DA GREVE

O BANQUETE DO PRÍNCIPE

O ACRE

A GUARDA CIVIL

A DEFESA

O TAMANDARÉ

HÁ MAIS TEMPO

POMADA HÚNGARA

PARA O RIO GRANDE DO NORTE

A FLAUTA DO SR. PATÁPIO

CORRESPONDÊNCIA DO FUTURO

A REFORMA

HIGIENE NEFELIBATA

O VASILHAME DA LEI

PASSE DE LARGO

HIGIENE E PÃO

ABAIXO O MERCADO

O FIM DA COMÉDIA

O DEDO DO GIGANTE

SONO DE JUSTO

ORGANIZANDO

NO SÁBADO DE ALELUIA

NA EXPOSIÇÃO DE PINTURA

O CAIXOTE DA CENTRAL

CONSELHO DE MALUCOS

A BRIGA DE PERUS

DEMORA NO PAGAMENTO

A DERRUBADA DO MERCADO

A VIAGEM À MINAS

UM CONSELHO DE GRAÇA

O SEABRA NO BÁLTICO

O BANQUETE AO MINISTRO

VÁ, ASSINE!

A NOVA BANDEIRA

IMPRESSÕES DO “SALÃO”

MINISTRO E EMPADA

A QUESTÃO DAS FENDAS

EMBALADA CLÁSSICA

O EIXO

SUNT, ERGO, SIM

A VOLTA DAS TROPAS

A ROLHA

O RABO

O BONDE

O EPITÁFIO

PREPARADOR

A VOLTA DO LEADER

REFORMA DO ENSINO

AINDA A REFORMA DO ENSINO

A CABALA ELEITORAL

NÃO ADMIRA

CÁ E LÁ

UM TRISTE CALEMBOURGO

OS RELATÓRIOS DO CHANCELER

A HIDRA

A BERNARDA E O TROVÃO

UM PEDIDO

A MÁQUINA GOVERNAMENTAL

TRABALHO DE PESO

O RELATÓRIO DO CHANCELER

O “DEODORO”

O CHANCELER DE ARAME

A FRUTA DA TERRA

O PRIVILÉGIO DO BANHO

MEDO DO ESCURO

VELHO E CANSADO

OS 500 CONTOS

AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E O CRIADO DE MISTER JOHN

A RAZÃO DA DERROTA

TRINTA E UM DE OUTUBRO

EPISÓDIO DE FINADOS

A OPINIÃO DO AMIGO URSO

OS SUICÍDIOS

HIGIENE MITOLÓGICA

NO MUNDO DA LUA

AMBO FLORENTES...

O SUBSÍDIO À ACADEMIA

A MASHORCA

ESTADO DE SÍTIO

NATAL EM SÍTIO

OS ZEMSTVOS

CANTO REAL

O CASO DO FIEL

OS TREZENTOS E TRINTA

A CIÊNCIA DO GÁS

AS OBRAS DA CITY

SISTEMA NOVO

CADEAU DE NATAL

RECIPE

A ENCHENTE DO NILO

AS SERIEMAS DO QUO VADIS

OS MAIS BRAVOS

TRINTA E UM

 

SEJAMOS FRANCOS

Servindo de prólogo.

Os versos que ides ler, forjados dia a dia

Não têm a pretensão de consertar o mundo;

Fê-los a Musa Alegre, uma boêmia vadia,

Que às vezes finge um olhar de analista profundo.

A pena a mergulhas nas tintas da ironia

Ou da blague sem fel (que eu, de resto, as confundo)

Critico um fato, esboço um tipo e todavia

Sei que tudo isto é inócuo, estéril e infecundo.

Não julgueis que eu me iluda e cuide que os meus versos

Possam vir a tornar os homens mais honrados,

Com cachets de bom senso e injeções de civismo...

Qual o que! Passarão sob olhares diversos,

Produzindo afinal o mesmo resultado

Que nas pernas de pau produz o sinapismo.

 

ÀS MOÇAS E ÀS CRIANÇAS

Inocentes criaturas, raparigas

Em pleno alvorecer da mocidade!

Se acaso mãos perversas e inimigas

Este livro vos derem, por piedade

Lançai-o ao mar, às feras, às urtigas,

Fugindo à feminil curiosidade.

Isto é um livro de perfídias intrigas.

Só para os homens de maior idade.

Nada tem ele, é certo, de indecente;

De tal defeito não o acuse a crítica

Por mais que seja ríspida e exigente.

Mas tem de um ralo a exalação mefítica;

É um livro mau, incontestavelmente...

Trata de cousas torpes: — de política.

 

MEUS MOINHOS

Empunho a durindana da Ironia,

Monto o corcel fogoso do Epigrama

E vou, qual Dom Quixote, o olhar em chama

A combater a Pedantocracia!

Levo apenas em minha companhia

Um escudeiro, um pândego de fama:

— O Riso — ele conhece o meu programa

E nesta liça incruenta me auxilia:

O — Leal Cavaleiro — de Cervantes

Andava a combater os seus gigantes,

As cutiladas atirando ao vento;

Mas o inimigo de quem dou alarmas,

Existe, é poderoso e tem por armas

— Os foles colossais do engrossamento!

 

ESTA REPÚBLICA

É certo que a República vai torta;

Ninguém nega a duríssima verdade.

Da pátria o seio a corrupção invade

E a lei, de há muito tempo, é letra morta.

A quem sinta altivez, força e vontade

Ficou trancada do Poder a porta:

Mas felizmente a vida nos conforta

De esperança uma dúbia claridade.

Porque, (ninguém se iluda), “isto” que assim

A pobre Pátria fere, ultraja e explora,

Jamais o sonho foi de Benjamin.

Os motivos do mal não são mistério:

— É que a gentinha que governa agora

É o rebotalho que sobrou do Império.

 

QUEDA CERTA

À minha vacilante e frágil pena

Eu quis dar altas honras de escalpelo;

Se alguém por esta audácia me condena,

Não tem motivo algum para fazê-lo.

Quando a pátria de vícios se envenena

E tem nas faces da desdita o selo,

Que alma haverá misérrima e pequena

Que fuja da Verdade ao nobre apelo?

É forçoso dizer, — custe o que custe –

Que tudo o que se vê na nossa terra

É da politiquice o torpe embuste;

E ela vai da Moral descendo a serra...

Se um braço forte a marcha lhe não suste,

De vez no imundo pântano se enterra...

 

AS DRAGAS

Venham dragas! O Porto vai ser feito;

E que não é sem tempo, seja dito;

Mas por este motivo felicito

O Lauro, que é ministro do meu peito.

Dizia-me a propósito um sujeito:

— É justo que do Müller seja escrito

O nome sobre um bloco de granito;

Mas numa draga? Não lhe vejo jeito. –

Ao que eu tornei: — numa ilusão te afogas;

O Brasil desde o Prata ao Amazonas

É uma terra de dragas e de drogas:

O Bulhões — é o dragão que guarda as lonas;

Tem Lauro a draga contra a qual te jogas,

E o Argolo e o Noronha têm dragonas...

 

VOTO PELA DITADURA

Considerando que o Pereira Passos

Tem demonstrado ser prefeito e tanto;

Considerando que nos causa espanto

Como ele vence os sérios embaraços;

Considerando que não há quebranto

Que o faço esmorecer, cruzando os braços;

Considerando os luminosos traços

Que ele deixa da urbi em cada canto;

Considerando que com arte e jeito

Qualquer afronta à Lei não deixa impune,

Pois que na cousa entrou com pé direito;

Considerando que ele, enfim, reúne

Requisitos perfeitos de um prefeito,

— Eu sou de opinião que o Passos nune! (*)

(*) Nune — Sinônimo de fique em português da época.

 

A M. ELLE BOLÍVIA

(Paródia ao “Lenço” de Guimarães Passos)

Este meu Acre que apertar procuras

De encontro ao magro e descarnado seio

Há de levar-te (oh desenlace feio!)

À mais triste e mais rata das figuras.

Lute de balde a procurar um meio

De evitar que te metas em funduras,

Pois bem deves saber que te aventuras

A ter o quengo dividido ao meio.

Porém, oh minha trêfega menina,

Se a belicomania te alucina

Prepara as gambias que verás bem cedo,

No cós das calças, trêmulo, pegando

Ir pelo Acre, aos toques de comando,

Pando fugindo, pálido de medo!...

(assinado) Brasil.

 

QUE PERIGO!

“Receberam o grau de doutor pela Faculdade de Medicina os Srs.”: (Seguem-se três colunas de nomes).

Agora é que a Amarela e a tal Peste Bubônica

Não abandonam mais esta heroica cidade.

A higiene ofensiva — oswáldica, platônica,

Vai entrar em maré de franca atividade!

Quando médico, ó Céus! que prodigalidade!

A nova epidemia — epidemia crônica,

Encher este país em poucos tempos há-de.

Desde os pampas do sul, à região Amazônica!

O Oswaldo vê-se doido! é tanto pretendente,

Que não há força humana e nem poder celeste

Que arranje um osso mais em que se meta o dente!

E quando contra ele o pessoal investe,

O Oswaldo Cruz promete e jura a toda a gente

Que vai ver se consegue arranjar outra peste...

 

TEM A PALAVRA S. EX.ª

Ministros meus! Agora mesmo exponho

Aos vossos olhos o genial projeto

Belo, supimpa, esplêndido, completo,

Que sugerido pelos Céus suponho!

Já quimera não é, já não é sonho

De palácios o Rio ver repleto!

E o peso, sobre os ombros, acarreto

Da responsabilidade a que me exponho.

Nas grandes obras célere me apuro;

Tenho dinheiro e créditos de sobra

E em matéria de arame eu sou seguro...

A minha atividade se desdobra!

Por Santa Engrácia vos prometo e juro

Que nas Obras do Porto, eis de ver obra!

 

A EXPOSIÇÃO DE APARELHOS A ÁLCOOL

Aos propagandistas.

Acendo o meu lampião de engrossamento,

Pois que, por causas múltiplas e várias,

A Exposição merece luminárias

E mesmo iluminar é o seu intento...

Quando prodígio ali do humano invento

Se vê, de aplicações extraordinárias!

Ricos ou pobretões, nobres ou párias

Ali têm luz, calor e movimento!

Sinto que a Exposição, que é tão bonita,

Esteja em breves dias encerrada

E tão cedo outra igual não se repita.

Por isso a minha Musa entusiasmada

Quer que, depois de morta, seja a dita

Exposição em álcool conservada.

 

NADA ESCAPA!

O Bernardino e a guapa comitiva

Hospedados no Hotel dos Estrangeiros

Andam agora numa roda viva

Para atender aos grupos piferreiros.

Pifér, um coração de sensitiva,

Foi, pudera! o primeiro entre os primeiros

A levar saudações à gente ativa

Goelas — funis dos públicos dinheiros.

Sei de um tipo que agora quando passa

Perto do Hotel, firmando o polegar,

Um círculo com a mão ligeiro traça.

E, ontem, mas que lembrança singular!

Disse num bonde: — em breve aqui da Praça

Leva sumício a estátua do Alencar!

 

O FIM DA GREVE

Está terminada a greve dos cocheiros;

O Passos aos grevistas disse: — basta

De tantos rolos e de tais berreiros

De consequência estúpida e nefasta.

Volta a polícia aos ócios costumeiros,

Volta o Seabra a se ocupar da pasta,

Torna aos quartéis o Corpo de Bombeiros,

De novo a vida apática se arrasta.

Os carroceiros vão pagar o imposto

(De resto, imposto leve e pequenino)

Seja por bem, ou seja a contragosto.

Amigo Seabra, facilmente atino

Com que raiva mortal, com que desgosto,

Vais pagar três mil réis pelo Pelino!...

 

O BANQUETE DO PRÍNCIPE

(O Dr. J. J. Seabra brindou o Dr. Oscar Rodrigues Alves, etc. (*)

Salve Doutor Rodrigues Alves Filho,

Jovem que há de brilhar, subindo a serra

Da vida, pelo verdejante trilho

Que lá da Promissão conduz à terra!

Vosso fulgente olhar tem tanto brilho,

Vossa cabeça tanto miolo encerra,

Que, de certo, a minha débil voz não erra

Aqui dizendo — de tal pai, tal filho!...

O Oswaldo Cruz vosso valor respeita:

Não matareis mosquitos! e eu vos peço

Que abandonais de Hipócrates a seita.

Breve tereis no Parlamento ingresso,

Não fazendo em matéria de receita

Nada mais que a receita do Congresso.

(*) Eis, traduzido em maus versos o madrigal em prosa que o recitou o primeiro ministro da Corte de El-rei Subida.

 

O ACRE

Esta organização do novo Estado

Do Acre é caso para tal disputa.

Que tem feito vibrar todo o Senado

N’uma de ideias ardorosa luta.

Quem há de ser o cidadão fadado,

De tino grande e força resoluta,

Que mude aquela terra no El-Dorado?

— É a pergunta que agora a gente escuta.

O Acre é paragem úmida e doentia

Onde de água do rio um simples gole

Leva um mísero diabo à cova fria.

Mas se lá querem povo em denso mole,

Falam chefe da nova oligarquia

Um membro ilustre da família Acioli!

 

A GUARDA CIVIL

Vai entrar em serviço a nova Guarda

Civil, há tanto tempo prometida

Que nos vem garantir a bolsa e a vida,

Com belo porte e reluzente farda.

Esta milícia esplêndida e luzida

Nossa população, ansiosa, aguarda,

Achando que demais demora e tarda

A promessa do chefe em ser cumprida.

Se a polícia não tem civilidade

Venham guardas civis que menos mal

O sossego garantam da cidade.

Na milícia soberba e sem rival

Teremos o cordão que fazer há-de

O sucesso maior do Carnaval.

 

A DEFESA

Quando o pessoal famélico do avança

— Gente de devorar ferro e granito — ,

Aos cofres do Tesouro, audaz, se lança,

Não vale a pena pôr na boca o apito.

Para quê? Não há sombras de esperança

De que se escute de socorro o grito;

É tolo, pois, quem de gritar se cansa

Neste país em que a Justiça é um mito.

Deixem roubar! Que um braço não se estenda

Nem se eleve uma vez, pois com certeza

Sairá pior do que o soneto a emenda.

Brás Bocó! Não te metas nesta empresa,

Que és tu, por fim, que pagas a encomenda

Das dez léguas de artigos de defesa.

 

O TAMANDARÉ

“Vai em viagem de instrução, levando guardas-marinhas, o cruzador Almirante Tamandaré”

É a pilhéria melhor do Carnaval deste ano:

Vai o Tamandaré para a instrutiva viagem,

Cortas águas azuis do truculento oceano

Sem do oceano temer a tétrica voragem.

Ei-lo que corta o mar, viajando a todo o pano

Ou a todo o vapor, e cheios de coragem,

Os moços hão de ter ante os olhos a imagem

Da glória a desvendar-lhe o mundo arcano a arcano.

Ele, o Tamandaré, ele o soberbo vaso,

Ao mundo vai levar em muito breve prazo

As glórias do Brasil sem pólvora e sem sangue;

E o povo brasileiro há de vibrar de gozo,

Vendo o Tamandaré fumegante e garboso

Fazendo evoluções... pelo canal do Mangue!

 

HÁ MAIS TEMPO

Encerrou-se afinal o Parlamento;

Voltam Licurgos à mansão dos lares,

Deixando garantidos seus lugares

Que inda lhes hão de dar bem bons proveitos.

Se cousa alguma ao público contento

Fizeram do Congresso os altos pares,

Comendo bons almoços, bons jantares,

De boas intenções tiveram centos.

Hoje, ainda cheios desse amor profundo,

Que à tal Mãe Pátria tem da Pátria os pais,

Uns vão à terra, outros ao Velho Mundo.

Vão... quem nos dera que deixando o cais,

Talqualmente nas “Pombas” do Raimundo

Eles ao milho não voltassem mais!...

 

POMADA HÚNGARA

Telegramas que vêm de Budapeste

Comunicam que um bando de imigrantes

Numa campanha de ódios e desplantes

Furiosamente sobre nós investe.

Contra os desleais e pérfidos rompantes

Não peçamos a cólera celeste;

Pois que de norte a sul, de leste a oeste

O universo é de ingratos e intrigantes.

Mas será muito triste o teu destino

Se assim, oh Hungria, contra nós explodes

Com tal rancor odiento e pequenino.

Ter comércio conosco jamais podes;

Pois, se brigarmos, nunca mais Pelino

Usa Pomade Hongroise nos bigodes.

 

PARA O RIO GRANDE DO NORTE

Partiu a comissão encarregada

Pelo governo de fazer... projetos

De construção de açudes e da estrada

Que há de prestar serviço aos nossos netos.

Lá do Rio Grande a terra desolada

Vai tomar uns novíssimos aspectos,

Pois darão bela conta da empreitada

Do Felipe os discípulos diletos.

O povo à míngua ali não morre mais;

Engenheiros, teóricos distintos,

Matam a fome a golpes de integrais.

E pelas secas e crestadas matas,

Irão levar aos míseros famintos

O Debauve ensopado com batatas.

A FLAUTA DO SR. PATÁPIO

Vai ser aberto o cofre: agora em torno,

Na compostura mais solene e grave,

Todo o pessoal que da Arte é glória e adorno

Firme, se estende sob a augusta nave.

Reina um silêncio sepulcral e morno:

O Henrique Oswaldo dá uma volta à chave

E nos gonzos a porta, sem transtorno,

Move-se doce, musical e suave.

Mas, oh céus! non est hic! e de repente

As faces enche o escândalo de rugas

E aquela nota desconserta a gente.

Fugiu? Que valem pequeninas nugas?

A flauta do Patápio certamente

Era uma flauta feita para fugas...

 

CORRESPONDÊNCIA DO FUTURO

Carta de cumprimentos a um amigo pelo nascimento de um filho.

“Recebi teu cartão em que me dizes

— Que tenho às ordens mais um criadinho –

Que um novo encanto traz para o teu ninho

E a ti e a esposa vem fazer felizes.

Que da Ventura o capitoso vinho,

De exóticos aromas e matizes,

Bebas; e o sonho esplêndido realizes

De ver forte e homem feito o teu filhinho.

Sem aflições, sem penas, sem cuidados,

Por ele passe venturosa a vida,

Entre os sorrisos dos bondosos Fados.

E em primavera plácida e florida,

Viva tanto que veja realizados

Os trabalhos do Porto e os da Avenida.

 

A REFORMA

Apareceu enfim, numa solene

Pose de obra de peso, aprimorada,

De Torturas o Código, que a Higiene

Nos dá, que talismã de amiga Fada.

Essa reforma quem, de mau, condene,

Dirá que à medicina apadrinhada

Vem dar nova e mais bela mise en scène

E a muita gente vem servir de escada.

O que é triste porém, que talvez quebre

O compasso das altas ovações

Ao novo gato que nos dão por lebre,

É prever, com carradas de razões,

Que quem se salve da amarela febre

Morre da febre de desinfecções.

 

HIGIENE NEFELIBATA

É a desratização palavra nova,

Recém-forjada pela douta gente

Que vive a nos mostrar discretamente

         O caminho da cova.

De onde procede? de que fonte é oriunda?

De que idioma o vocábulo deriva?

Do grego? do latim? da língua bunda?

         De língua morta, ou viva?

Mário Barreto, que é rapaz de muque

Em tais assuntos, pálido de espanto

Garante que ela nasce do esperanto

         Ou vem de volapuque.

Porém, seguindo o mesmo itinerário

Da formação desta palavra nova,

Sem dos linguistas recear a sova,

         Farei um dicionário.

Assim, como chamar o horrendo crime

De assassinar um pobre cidadão?

— O fato delituoso assim se exprime:

         — Desumanização.

Matar cachorros, como faz o Passos,

Segundo a mesma douta opinião,

Traduzo sem maiores embaraços:

         — Descachorrização.

E dos tais stegomyas — fasciatas

A árdua guerra fatal da destruição

Será por essa lei, das mais exatas:

         — Desmosquitização.

E quando, ao ferro de um algoz infame

Uma virgem rolar morta no chão,

É justo que tal crime assim se chame:

         — Desvirginização!...

Tomo da língua portuguesa as dores,

Suplicando do Oswaldo a compaixão.

Chama-se o horrendo crime dos doutores:

         — Desgramatização!...

 

O VASILHAME DA LEI

O Dr. O. Cruz proibiu o uso de tinas para a lavagem de roupas.

As lavadeiras (miseras criaturas!)

Não lavam mais a roupa suja em tinas,

Que o Código famoso das Torturas

Requer marmóreos tanques e piscinas.

Da nossa Higiene as principais figuras,

Que são genialidades peregrinas,

Bradam cheios de nobres composturas:

Lavem sem tinas! Barrem-se as sentinas!

Não se beba água e copos! Tomem mate

Em taças de champagne! em pratos rasos

Sirva-se a verde creme de abacate!

Em pias lavem pés e nos mais casos,

Dês que de um “ato mais banal” se trate,

Diremos nós os competentes vasos!...

 

PASSE DE LARGO

(FÁBULA)

Sempre que um transeunte passa próximo ao palácio do governo, em Niterói, a sentinela brada: — passe de largo!

         Um pândego, o Camargo!

Conheci-o tão triste, tão sumido,

Parecendo da cova ter saído,

A roer da vida o duro pão amargo.

         Em prontidão eterna,

Nem possuía um tostão para semente:

E, ao ver nas ruas, por acaso, a gente,

Tinha sempre uma frase amiga e terna.

         Não pagava aos credores:

Tinha tantas conversas e tão sábias,

Que nas contínuas e eloquentes lábias

Vencia o mais genial dos mordedores.

         Camargo era um herói...

Tinha bem dura a cama e a mesa parca:

Muitas vezes lhe dei tostões para a barca...

(O Camargo morava em Niterói)

         Tem caprichos a sorte!

Morreu-lhe há poucos tempos um parente,

Deixando-lhe um sobrinho; o suficiente

Para arrancá-lo às mãos da negra morte.

         E por isto o Camargo

Anda agora importante e todo ufano,

Fuma charutos de tabaco havano

E ao jantar não dispensa o esguio aspargo.

         E quando pela rua

Passa, metido em roupas de bom gosto,

Finge que não nos vê, voltando o rosto,

Soberbo e cheio da importância sua.

         Quando o amigo Camargo

Vê que dele algum tipo se aproxima,

Ergue a cabeça, olha-o de baixo a cima,

Dizendo a sério: olá! — passe de largo!

         Das antigas mazelas,

Da velha prontidão, da vil caipora,

Nem se recorda mais e mesmo agora

Anda a tratar de areias amarelas...

MORALIDADE

         Deixa o riso brejeiro...

Quando ouvires gritar — passe de largo!

Não vás pensar, leitor, que o meu Camargo

Seja o Estado do Rio de Janeiro...

 

HIGIENE E PÃO

Sobre o Código torto e de Torturas

Erguem fortes protestos os padeiros;

E procurando estradas mais seguras,

Não se metem das greves nos salseiros.

Reclama. Pobres homens que na lida

Passais a noite a conquistar o pão!

Perdeis o tempo: à Higiene culicida,

Sobra ventre, mas falta coração.

Perdeis o tempo, amigos; com tal raça

Jamais conseguireis colher vantagem;

Esta Higiene que é feita de ruim massa,

Leva o fermento da politicagem.

Meteu-se a dentro pelas nossas casas;

Não temos liberdade nem conforto:

Que estão extintas da vergonha as brasas,

No forno d’alma deste povo morto.

Na antiga Roma o César soberano

Em vendo arder de uma revolta o facho,

Tinha para abafá-lo um grande plano:

— Era dar pão e circo ao populacho.

Mas nosso César dorme, dorme e ao cabo,

Manda que seu ministro subalterno,

Nos dê pão amassado pelo diabo

E em vez de circo, um círculo do inferno!

Certo um trabalho benfazejo fora,

Trabalho sem rival, de mão de mestre,

Fazerdes com essa Higiene destruidora

O mesmo que às farinhas de Trieste...

 

ABAIXO O MERCADO!

Foi afinal abaixo o secular mercado,

Estafermo senil, mais velho do que o mundo;

Pré-histórico montão, que fora ali postado

Para servir de abrigo ao matagal fecundo.

O vasto casarão que Cabral tinha a um lado,

E do outro o Rio Branco e a lerda City ao fundo,

Foi afinal rolar no chão desmoronado,

Deixando na cidade o vácuo mais profundo.

O Passos, a seguir a ousada trajetória,

Esta terra há de pôr mais decente e bonita

E ter o engrossamento e os abraços da História.

E não pareça cousa exótica e esquisita

Que ele, para alcançar os píncaros da Glória,

Afaste do caminho o mercado da dita.

 

O FIM DA COMÉDIA

Está terminado o inquérito famoso,

A rigorosa polícia devassa,

Que o comprido e finíssimo Cardoso

Abriu, por dar à jogatina caça.

Quinze dias, passados sem repouso,

Coisa não é que tenha muita graça,

Para um homem magríssimo e anguloso

De uma saúde pobremente escassa.

Que dos fofos colchões goze a delícia

O nosso chefe e que afinal repouse

Da jiga-joga em que mostrou perícia.

Está mudado o pessoal; mas há quem ouse

Garantir que em matéria de polícia,

Plus ça change, plus c’est la même chose !

 

O DEDO DO GIGANTE

“O vizinho mais próximo deve, logo que tiver conhecimento ou presumir da natureza infecciosa da moléstia, comunicar o fato à Delegacia de Saúde do distrito.”

(Do Código de Torturas.)

Este da Higiene Código daninho,

— Saco de espantos que jamais se esgota –

Merece um riso homérico, escarninho;

É ridículo, é tolo, é pulha, é idiota!

A tal lei, que encarrega o meu vizinho

De dar à Higiene a oficiosa nota

Do que se passa dentro do meu ninho,

É mesmo coisa de seu Jota Jota!

Sem de maldoso me tornar suspeito,

A lei famosa facilmente explico,

Aos méritos do autor rendendo preito:

É justo que este Código tão rico

Em mil seabrices, fosse apenas feito

Para legalizar o Mexerico...

 

SONO DE JUSTO

Vão ser inauguradas finalmente,

Do Porto as grandes obras seculares,

Que hão de levar à Glória mais fulgente

Da pátria engenharia os luminares.

Lauro, Frontin, Bicalho, o Presidente,

Os diplomatas, do Congresso os pares,

Para a Veuve Clicquot, loira e fervente

Vão preparando os finos paladares.

Como no Credo entrou Pôncio Pilatos,

Rodrigues Alves vai entrar na História

Por este, como por mais outros atos.

E cansado afinal de tanta glória,

Veste o chambre e sacando os sapatos,

Dormirá sobre os louros da Vitória.

 

ORGANIZANDO...

Essa organização do Estado do Acre

Tem dado ao Seabra instantes muito amargos:

Põe-lhe o Barão tais dúvidas e embargos,

Que o pobre fica fulo e cor de lacre.

Morfeu — cocheiro de cem olhos de Argos

Que governa do Estado o velho fiacre,

Sujeita o Seabra ao bárbaro massacre

De meter-se em tais múltiplos encargos.

Pobre ministro! Ver-se nesta alhada...

Ele que fez da pasta um grande bolo

A provocar da troça a gargalhada,

Vai agora fazer papel de tolo,

Pois de organizações não fará nada

Quem nunca em ordem teve o próprio miolo.

 

NO SÁBADO DE ALELUIA

Tu foste um grande idiota, oh velho Judas,

Do teu pobre canastro dando cabo:

Caíste assim nas feras mãos do Diabo

De olhar em fogo e garras pontiagudas.

Neste nosso Brasil, que eu amo e gabo,

Almas existem, de moral desnudas,

Que por quantias muito mais miúdas

Vendem a Pátria, e alegremente, ao cabo,

Sem remorsos, sem mágoas, sem torturas,

Nadando em mar de fartas alegrias,

Ganham de prêmio pingues sinecuras.

Judas! réu infernal de olhar sinistro,

Se hoje vivesses no Brasil terias

Fama, dinheiro e a pasta de Ministro.

 

NA EXPOSIÇÃO DE PINTURA

Não comprou um só quadro o Presidente

No Salon de Petrópolis; declara

Certo jornal, que ele de lá somente

Levou um que apanhou de meia cara.

Mas de tal caso não se espante a gente:

D. Subida não é de certo arara:

Não dura a presidência eternamente

E a vida está que é mesmo um horror de cara!

Também o Seabra, cuja grande usura

Entre os próprios amigos causa assombros,

Um quadro não comprou! Que ruim figura!

E a alguém que lhe mostrava um, pequenino,

Disse o ministro, sacudindo os ombros:

— Qual! de pintura basta-me o Pelino!

 

O CAIXOTE DA CENTRAL

Bela quantia, esplêndida bolada

Carregou certo pandego estradeiro

Lá da Estação Central da grande Estrada

Que leva as lampas às do mundo inteiro.

Bem dirigida e bem fiscalizada,

Mormente nestas coisas de dinheiro,

De há muito que a Central está fadada

A um futuro brilhante e lisonjeiro.

A polícia está vendo se descobre

Quem se meteu no avantajado cobre

(Certo, gatuno de soberbo mérito...)

E o povo, que surpresas já não sente,

Vai muito em breve rir gostosamente

Da pachuchada clássica do inquérito.

 

CONSELHO DE MALUCOS (*)

Aquela casa decididamente

Tem caveira de burro ou mau olhado;

Quem ali entra põe o juízo ao lado

Fica louco, sandeu, gira ou demente.

Pode o sujeito ser equilibrado,

Calmo, honesto, sisudo, inteligente;

Se eleito acaso for para intendente,

Cria mata-mosquitos no telhado.

Os Conselhos são todos mais ou menos

A mesma coisa — um manicômio cheio

De almas ocas e cérebros pequenos;

Este que aí está e que é da mesma escola,

Só entrará no bom caminho, creio,

Com cacete, com ducha e camisola.

(*) É o que se foi; o novo ainda não passou da lua de mel...

 

A BRIGA DE PERUS

O Sr. Ministro do Peru dizia

Na cidade serrana ao Rio Branco:

“Barão, em coisas de diplomacia

Eu meto o Pecegueiro num tamanco.

Aviso-lhe ainda mais que qualquer dia

O governo de Lima, em forte arranco

Lá no Acre passa a ter soberania

E do Amazonas o domínio franco...”

O Barão ficou fulo, a calva rubra!

E por mais que o rancor, discreto, encubra,

Ele aparece claramente, ao nu.

E logo exclama enérgico e sinistro:

— Nada temo! Ministro por ministro

Eu também sou ministro... do Peru!

 

DEMORA DE PAGAMENTO

Nem guarda civil, nem os mata-mosquitos

Têm visto o seu rico e desejado cobre;

Estão de há muito apitando e os míseros apitos

Têm o som glacial de um lutulento dobre.

Pelas ruas além, magros como palitos,

Esperam que a Fortuna amplas asas desdobre

E que há do Tesouro os arames benditos

Venham do Sr. Bulhões num movimento nobre.

Há muito que esperar, cidadãos da Brigada!

Há muito que esperar — Guarda civilizada,

Compêndio de Bom Tom de nossa capital.

Sereis pagos um dia, ó rútila quimera!

E para isto o Governo está somente à espera

Que se encontre o caixão fugido da Central.

 

A DERRUBADA DO MERCADO

“O Capitão Otávio Brasil, contratante da derrubada do Mercado da Glória, iniciou ontem este serviço, etc.”

(Dos jornais).

Dês que por sai glória e no Largo da mesma

Se viu Pedro Cabra em bronze eternizado,

Começou a implicar com o medonho abantesma

Que há séculos atrás fora um grande Mercado.

Olhava o verde mar: amplo, profundo, quieto!

— Campo dos triunfos seus esplêndidos e grandes;

E para recordar da Pátria o doce afeto,

Tinha em frente a “Pensão Península Fernandes”.

Nada disto, porém, lhe tirava do peito

Esse desgosto atroz que o acabrunhava tanto;

E viu-se-lhe (refere um senhor de respeito)

Sobre as faces de bronze uma gota de pranto.

Um bonde a transbordar demandava o arrabalde,

Um outro ia à cidade e entre um bonde e outro bonde,

Encarando o monstrengo o Capitão debalde

Procurava enxergar a estátua do Visconde.

E ele e o Frei Henrique e o Pero Vaz Caminha

Todos três a cismar, saudosos do passado,

Olhavam tristemente o amigo Laranjinha

Como que a lhe pedir que arrasasse o Mercado.

Veio o Passos; brilhou nos longes do horizonte

Uma leve esperança; e pela vez primeira

Viu-se no calmo olhar do Senhor de Belmonte

O trêmulo vibrar de uma expressão fagueira.

Mas a esperança teve o reduzido espaço

Das rosas do chavão; e ninguém se movia...

Nem mesmo do Prefeito o valoroso braço,

Num solene empurrão naquela ruinaria.

Pedr’Álvares, porém, presa de uma ansiedade

Que um momento sequer não o deixava tranquilo,

Resolveu procurar por toda esta cidade

Um sujeito qualquer que demolisse aquilo.

E tanto procurou, que finalmente agora

Vai por terra o Mercado. Ó santa picareta,

Hei-de vos decantar por este mundo agora

Fazendo do meu verso uma imensa trombeta.

Vai o Octavio Brasil por a baixo afinal

Esse torpe casebre arqui-vetusto e vil.

..................................................................................

Parabéns, capitão Pedr’Álvares Cabra,

Por terdes descoberto este novo Brasil!

 

A VIAGEM A MINAS

Já três dias passaram que o palácio

Não assiste aos bocejos do seu dono;

O nosso Conselheiro Alves Acácio

Foi-se, tudo deixando no abandono.

Engrosse-o toda a gente; beije-o, abrace-o

A comitiva que vela o sono;

Aqui, na Capital, o Zé-Pascácio

Não nota a falta que ele faz no trono.

Pois se assim é, se o povo almoça, janta,

Ceia, dorme, trabalha e vai ao teatro

E a ausência d’ele não lhe aumenta os males,

Um pedido me parte da garganta:

Pelos anos que faltam para os quatro,

Guarde-o aí, doutor Francisco Sales!

 

UM CONSELHO DE GRAÇA

Os lagos, repuxos, etc., devem ser povoados por meio de peixes das espécies mais vorazes, etc.

(Do Código das Torturas.)

Entre os peixes vorazes, é sabido,

Que tem, oh mestre Cruz, lugar saliente

Um, que não vive n’água unicamente

Pois que em terra se encontra e bem nutrido.

É o crocodilo — o anfíbio reluzente

No Egito e no Amazonas conhecido;

Com certos tipos muito parecido

Pois que muda de cor constantemente...

Empreguem, pois, vorazes crocodilos;

Quando mudam de cor grandes estragos

Fazem nos pobres culexes tranquilos.

Nós os temos dos bons, dos superfinos,

É bom experimentar, pondo nos lagos

Uns dois ou três políticos ladinos.

 

O SEABRA NO BÁLTICO

Informam telegramas sobre a guerra

Ter sido num combate derrotada

A Rússia. Toda a frota em debandada

Da vitória a esperança vê por terra.

De Porto Artur a praça está sitiada;

Surdo terror os ânimos aterra,

Enquanto se ouve já por vale e serra

O tonitruar do obus e da granada.

Um outro telegrama nos refere

Que não sai mais do Báltico a esquadrilha,

E é de prever que muito tempo espere.

Do fato a conclusão eis, inconcussa:

Se é certo que não sai a tal flotilha

Temos o Seabra na marinha russa.

 

O BANQUETE AO MINISTRO

Opíparo, o banquete oferecido

Ao homem que a Justiça manda à breca!

Fez-se representar el-rei Soneca,

E o carname sem custo foi comido.

Vatapá, caruru, peixe em moqueca

Nada do bom Vatel fora esquecido...

E au dessert o Pelino, divertido,

Com bolinhas de pão jogou peteca.

Como em todo o gravanço que se preza,

Houve entrée no cardápio assaz variado,

Espocando o champanhe à sobremesa.

Contudo um fato é bom notar aqui:

— Sendo o banquete ao Seabra dedicado

Não pode haver licores... à sortie...

 

VÁ, ASSINE!

Anda causando uma estranheza bruta

Os ofícios do Seabra serem feitos

Por mestre Cruz quem a provocar despeitos,

Ofícios do Pelino assim disputa.

Não pareça que a falta é diminuta,

Nem de minuta à falta que defeitos

Se veem tantos e a todos os respeitos

No ministério onde o Não Sai labuta.

A causa disto explico facilmente:

A paixão que à vacina o Oswaldo sente

Não há no mundo força que a domine.

E Oswaldo com os maiores sacrifícios

Leva ao ministro, prontos os ofícios

E diz-lhe apenas: — seu doutor, , assine!

 

A NOVA BANDEIRA

UMA PROPOSTA

Lá no Congresso uma questão

Agora surge de improviso:

Acordam todos que é preciso

Que se reforme o pavilhão!

Não percam tempo, meus senhores;

Se este que temos não convém,

Sem mais demora surja quem

Mude a legenda e mude as cores.

Porque, de certo, eu não conheço

Outra questão mais oportuna;

E o meu concurso que é turuna

À douta Câmara ofereço.

Esse — auriverde — é uma ironia,

Talvez maior que a da legenda;

(Com tais palavras não se ofenda

Do Comte a augusta companhia.)

Mas não há dúvida: o que o auri,

Já o disse Acácio, é a cor do ouro;

E bem sabemos que o Tesouro

À falta dele é que se exaure.

E o verde? — O senso me assegura

Que ele é uma cor disparatada

Nesta república, coitada,

Que está caindo de madura.

Quanto à legenda... nem falemos!

Ordem... Progresso... que irrisão

Não sois da mesma opinião

Oh Leite, oh Accioly, oh Rosa, oh Lemos?

Porém, (voltado à vaca fria)

Se o nosso lábaro não presta,

Eu bato um murro sobre a testa

E peço auxílio à Fantasia.

E, sem temer luta ou canseira

Nesta questão da tutameia,

Eu passo a expor a minha ideia,

Para a mudança da bandeira,

Certo de que o Congresso aplaude

Esta proposta que apresento;

(Se for cordato o Parlamento

E não houver cabala ou fraude.)

Ei-la: (Perdoem que eu me arroje

A tão bizarra insinuação)

— A que mais calha ao pavilhão

É a cor de burro, quando foge...

Que o burro (é útil que se note)

É um animal manso e modesto...

Sofre calado e sem protesto

A dura carga e o vil chicote.

Nenhuma cor melhor assenta

Para a bandeira nacional:

Este país, como o animal,

Sem protestar, a carga aguenta.

E para símbolo? — Resolvo

Segunda a minha Fantasia

Que simbolize a Oligarquia

Tentaculoso, enorme Polvo.

Quanto à legenda, não se canse

Em procurá-la o Parlamento:

Este é o país da — perna ao vento,

Do — Deus dará — da nonchalance!

E se a legenda é a coisa, enfim,

Em que o Congresso mais capricha,

Ponham-lhe a tal da Lagartixa:

— E DEIXA ANDAR, CORRA O MARFIM!...

 

IMPRESSÕES DO “SALÃO”

Certo artista chinês, em virgem tela

Pintou do Seabra o respeitável busto;

Deu-lhe aquela expressão de olhar, aquela

Linha fidalga do semblante augusto.

Esta homenagem (digo-o aqui sem susto)

D’arte a Narciso, embora bem singela,

É um alto preito, de tal forma justo,

Que de aplausos lhe dou forte parcela.

Mas a obra prima um vil borrão manchava;

Na boca aristocrática e distinta

Sinais havia de saliva e baba...

Que agora eu indague o público consinta:

Por que motivo é que o Pelino andava

Com os lábios sujos de verniz e tinta?

 

MINISTRO E EMPADA

(IMPRESSÃO DO GARDEN-PARTY)

Na bela festa da Maternidade

Fez bonita figura o presidente:

Provas quis dar de generosidade

E o fez, causando pasmo a toda gente.

Cinquenta paus uma empadinha quente

Custou-lhe; e muito embora sem vontade

Ele meteu nos camarões o dente...

(O camarão faz bem... naquela idade.)

Outros cinquenta paus por um autógrafo

Do que tem o Pelino por seu biógrafo,

Ele sacou da meia abarrotada.

Impõe-se a conclusão: — no seu conceito

De bom garfo e político perfeito,

Vale tanto o ministro quanto a empada...

 

A QUESTÃO DAS FENDAS

Novamente o Conselho sai dos trilhos

E via a sala das sessões em frege;

De novo o Eneias mete-se em sarilhos

(Nestas coisas não há quem não o inveje.)

Mostra o Conselho os seus famosos brilhos

Ao Zé Povo que o paga e não o elege,

Cantando sempre os mesmo estribilhos

O coro que o senhor Sá Freire rege.

Monteiro Lopes vendo o caso preto,

Diz: — em questões de fendas não me meto

Pois temo os resultados consequentes;

E não é de espantar que isto aconteça:

Brevemente abram fendas na cabeça

Um dos outros os bravos intendentes.

 

EMBALADA CLÁSSICA

(BERCEUSE)

(Ao Dr. Rodrigues Alves.)

Pela janela do Palácio mudo

Entra um raio de sol, que enche o salão,

Doirando as alcatifas e o veludo

Dos teus divãs, magnânimo Sultão!

Dorme! Lá fora dorme o coração

Da grande terra agrícola e bendita;

Nem uma voz murmura ou fala ou grita

No meio da fartura e do esplendor!

Do Norte a gente mísera e precita

Como tu adormece, Grão Senhor!

Não ter perturbe o sono o silvo agudo

Dos monstros que se cevam de carvão;

Calou-se a voz do proletário rudo

Que trabalha, ao gemer de uma canção.

Dorme, oh, Abdul Hamid de papelão!

Nem um guarda noturno mais apita:

Dorme, que um dia ganharás a fita

E a grã-cruz da “Legião do Cobertor”

Dorme! a polícia que nos felicita

Como tu adormece, Grão Senhor!

Não temas, D. Morfeu, o olhar sanhudo

Da negregada e fera Oposição:

Do poder contra o forte e brônzeo escudo

Qualquer esforço é nulo, é inócuo, é vão!

Dorme! Humilde, de rojo pelo chão,

Vovô Senado madrigais recita;

Dorme, que a esquadra do Laurindo Pita

Teu sono velará com grande amor...

Dorme! A Câmara — a bela Favorita –

Como tu adormece, Grão Senhor!

OFERTÓRIO

Sultão glorioso do Brasil, dormita!

Canto aos teus pés esta embalada, escrita

Para ver se consigo o teu favor...

Dorme, que o povo que o Brasil habita,

Como tu adormece, Grão Senhor.

 

O EIXO

A outras gentes o cuidado deixo

De explicar o que quer dizer, em suma,

Inaugurar-se um eixo, um simples eixo

Com champanhe que espoca e ferve e espuma.

Mas o povo não tem dúvida alguma:

Isto é razão para cair de queixo

Num pavoroso avança, que resuma

Desse bródio fantástico o desfecho...

Derribem casas e avenidas furem

E qu’eixos aos milhares se inaugurem

Com soberbos manjares esquisitos...

Fácil tarefa é esta, certamente;

O que, porém, deseja toda a gente

É ver este governo andar nos ditos.

 

SUNT, ERGO, SIM

O Sr. Rogério de Miranda, chamado para dar o seu voto, respondeu: — PRESENTE. Todos riram-se.

Não percebo o motivo da risota;

Penso mesmo que o caso é muito sério.

A questão de aplaudir não tem mistério

Nem é um assunto que mereça nota.

Se a reflexão a inteligência esgota,

Das circunstâncias respeitando o império,

Não perde o tempo em refletir Rogério

Que vota, sem saber mesmo o que vota.

Onde há razão de espanto e de estranheza?

Se a ordem do Catete chega à Mesa

Para que a coisa passe à simples vista,

O Rogério declara — estou presente;

E tanto basta para o presidente

Fazer acrescentar um sim à lista.

 

A VOLTA DAS TROPAS

Triste de ver, as sinas lancinantes,

Capazes de abater a alma de um forte,

Do desembarque desses que do Norte

Voltam trôpegos, fracos, vacilantes...

Pedindo um olhar amigo eu os conforte

Ei-los que vêm, de pálidos semblantes

Dessas regiões inóspitas, distantes,

Onde a menor desgraça é a própria morte.

Foram servir à Pátria: perigava,

(Diziam) seu prestígio e seu bom nome,

E o Brasil destes bravos precisava.

Se eles por lá passavam sede e fome,

— É que a gente que aqui a vida cava

Come o que é seu e o que é dos outros come!

 

A ROLHA

A discussão da Linfa obrigatória

Tem dado que fazer ao Parlamento;

E há de ficar gravada em nossa história,

Como um belo e soberbo monumento.

Certo, de um caso assim não há memória;

Pois que outras discussões — leva-as o vento...

Ao passo que esta há de guindar à glória

O garboso pessoal do engrossamento.

E quanto à minoria, à dissidência,

Esta há de em breve se meter na encolha

À força de perder tempo e paciência;

E dois caminhos tem somente à escolha:

Fazer calar as vozes da consciência,

Ou sujeitar-se à imposição da rolha.

 

O RABO

Outro simile: o monstro da Vacina,

Projeto obrigatório, de encomenda,

Nos lembra um papagaio que se empina

Apesar da canícula tremenda.

A maioria é chicanista e fina:

Para que o bicho facilmente ascenda,

Um rabo o Mello Mattos imagina

Grudando cuidadoso emenda a emenda.

Pedaços de flanela, estopa e brim,

Cretone, alpaca, sarja, oxford, o diabo,

Ligam, atando ao bicho a causa enfim.

Vão empiná-lo; mas o Brício, ao cabo,

Atrapalha a subida mesmo assim,

Puxando o papagaio pelo rabo.

 

O BONDE

Da vacina o projeto é um velho bonde

Movido à força da politiquice,

Que segue pela estrada da Tolice,

E vai levado, nem se sabe aonde.

O Brás é o motorneiro que responde

Pelos desastres, pela maluquice

Dos passageiros (pois que é ele um vice-

Leader, que em si muito bom senso esconde).

O Oswaldo espera já no fim da estrada,

Tendo a postos a exótica Brigada

Com músicas, foguetes e ovações;

Mas o nosso valente Brício Filho

Vai pondo umas pedrinhas sobre o trilho

E o bonde segue... mas aos trambolhões.

 

O EPITÁFIO

Morto o Poder Legislativo, morto

O desgraçado e pobre Regimento,

De nada serve um fúnebre lamento,

De nada serve alívio nem conforto.

Requiescat in pace! O Parlamento

Morreu, deixando da vacina o aborto

Cego, manco, corcunda, surdo e torto

Fruto do mal e do demônio invento.

Na campa do Poder Legislativo

Este epitáfio meigo e compassivo

Gravou um poeta nestas coisas prático:

— Aqui jaz o Congresso Brasileiro;

Falou, gritou, berrou, gastou dinheiro

E da Linfa morreu: — morreu linfático...

 

PREPARADOR

Por portaria do Ministro do Interior foi nomeado o Dr. Oscar Rodrigues Alves preparador da cadeira de Histologia da Faculdade de Medicina.

Caso não é que comentário

Exija, um caso tão comum;

Nem nos parece extraordinário

Que aos padre-nossos de um vigário

Se adicione mais algum.

É já tão velho este estribilho

Que não merece comentar:

— Todo o bom pai protege o filho;

Da vida mostra-lhe o bom trilho

Por onde o moço deve andar.

Se o pai, porém, é presidente

De uma república, verás

Leitor, que a coisa é diferente:

— É obrigação de toda a gente

Guiar os passos do rapaz...

Um bom Ministro, se tem tino,

Se é dedicado e se é fiel,

Deve saber que o seu destino

É de ama-seca do menino

Representar; é o seu papel...

E de passagem dito seja

Este rifão; ei-lo que aí vai:

— Quem do filhinho a boca beija,

(Ninguém com dúvidas esteja)

Adoça os lábios do Papai...

Se o rapazinho, além de tudo,

Tem um diploma de doutor,

Se o tal Ministro que é rudo,

Sem perder tempo em grande estudo

Pode o fazer... preparador.

Preparador é um bom emprego

Para o futuro preparar

A fim de que, sem rocha ou pego,

Qual linfa d’água por um rego,

A vida possa deslizar...

E se o Ministro ao tal pequeno

Preparador nomeou, também

Direi, sem dolo nem veneno:

— Está preparando o seu terreno...

Faz muito bem, faz muito bem!

 

A VOLTA DO LEADER

Regressou lá dos Pampas o Cassiano

Já agora descansado das fadigas,

Para durante todo o resto do ano

Presidir à colheita das espigas...

Ele que é o chefe, o leader soberano

E que é o terror das hostes inimigas,

— Contra regras, que faz subir o pano

Para a audição das líricas antigas.

Voltou triste e sisudo ao Parlamento;

E ao ver o grande e pavoroso estrago,

Que o Mello Mattos fez no Regimento,

Chorou... chorou... seu pranto fez um lago;

Foi maior seu lamento que o lamento

De Mário sobre as ruínas de Cartago.

 

REFORMA DO ENSINO

Mal o Congresso arranja uma reforma

Da Instrução malsinada e miseranda,

Outra já se prepara; e desta forma

Ela de Herodes a Pilatos anda.

Da mania reinante segue a norma

(Pois que da glória os píncaros demanda)

E de um grande projeto o esboço forma

O fecundo doutor Passos Miranda.

A nova lei ordena que os pequenos

Trilhem com aplicação e com cuidado

Seis anos os científicos terrenos.

Um parágrafo seja acrescentado:

— O saber ler é obrigatório; a menos

Que o rapaz se destine a deputado...

 

AINDA A REFORMA DO ENSINO

Magro bode expiatório! Assim defino

A mísera Instrução da nossa terra;

Quem quer mostrar que tem talento ou tino

E da fama galgar a íngreme serra,

Declara logo à desgraçada guerra;

(Ser saco de pancada é o seu destino...,

E um belo dia no Congresso berra:

— Colegas! vamos reformar o ensino!

E logo, transformado em pedagogo,

Um projeto genial à mesa manda,

Como quem num cigarro pega fogo...

Eis da instrução a sorte miseranda:

— Ela é o bicho que dá no velho jogo

Que está fazendo o Passos de Miranda.

 

A CABALA ELEITORAL

Um conselho de amigo, Doutor Passos:

— Da vil politiquice evite a rota,

Se feita não quer ver em mil pedaços

Da sua honestidade a rija cota.

Fuja de amigos ursos, fuja aos laços

Da baixa camarilha de má nota,

Que por onde rasteja deixa os traços,

Que deixa num tapete imunda bota.

Se esta gente que aí está o engrossa e adula,

De atroz desprezo infrinja-lhe os castigos

Pois que ela é toda gente falsa e nula;

Do engrossamento evite os mil perigos

E em todo o corpo veja se inocula

Uma vacina contra tais amigos.

 

NÃO ADMIRA

O Dr. Oswaldo Cruz está organizando o

regulamento da vacinação obrigatória.

Já vi um cego discutir pintura

E vi um coxo dar lições de dança;

Conheço um beberrão que não se cansa

De falar nas vantagens da água pura.

Sei de um tipo que é surdo desde criança

E da Aída critica a partitura;

Um sujeito nas raias da loucura,

As “Regras do Bom Senso” a lume lança.

Certo cearense fala sobre a gula!...

E de um cretino sei que tem momentos

Em que zurze a valer a gente nula;

E se, pois, casos tais se veem aos centos,

Não espanta que o Cruz, que não regula,

Ande agora a fazer regulamentos!...

 

CÁ E LÁ

Os estudantes compraram 20.000 apitos, afim de vaiar o general Rocca por ocasião de entregar este governo ao Dr. Quintana.

(Telegrama de Buenos Aires)

Paciência general! nem tudo flores

São, na vida de quem povos governa;

O Poder tem seus grandes dissabores

E a ventura não pode ser eterna.

Quando, deixando a Casa Branca, fores

Para o teu banharão, estira a perna

E trata de gozar os esplendores

Da Natureza bondosa e terna...

Teu colega daqui, também rodando,

Teve saída estrépida e solene,

Maldizendo o Destino miserando...

Foi, é certo, diversa a mise-en-scène

Porque, por já vivermos apitando,

Latas usamos cá de querosene.

 

UM TRISTE CALEMBOURGO

No extremo norte a esquadra se dizima

Pois que, mesmo sem guerra, morre gente,

Pelas nefastas condições do clima

Daquela terra paludosa e ardente.

A quem foge da typhica, vítima

Do beribéri o morbus inclemente;

E essa hecatombe a uma pergunta anima:

— Aquilo é extremo-norte, ou extremo-oriente?

E não há na pergunta disparates:

Como a nossa, da Sorte as fúrias loucas

Sofre a esquadrilha russa, em mil embates.

Diferenças, se as há, são muito poucas:

— Lá no Oriente há Japão para os combates

E no Norte já pão não há p’ras bocas.

 

OS RELATÓRIOS DO CHANCELER

Uma consulta breve e inocente,

Certo, resposta pronta requer:

Que fim levaram (pergunta a gente

Por toda a parte, curiosamente)

Os relatórios do Chanceler?

Ontem num bonde — Saco do Alferes –

Dizia um quidam para a mulher:

— Dar-te-ei as bichas, não desesperes;

Mas, queridinha, peço que esperes

Os relatórios do Chanceler.

Um belo terno de cor escura

Há poucos dias mandei fazer;

Hei de pagá-lo (talvez com usura)

Assim que tenha feito a leitura

Dos relatórios do Chanceler.

— Quando me pedes? Diz com ansiedade

A Alice ao Cláudio Sá de Alenquer.

— Hei de fazê-lo, bela deidade,

Assim que tenham publicidade

Os relatórios do Chanceler.

Só quando o nosso Barão não fume,

Quando o felino gênio tiver,

Quando haja amores sem zelo ou ciúme,

Por estes tempos virão a lume

Os relatórios do Chanceler.

Dizia o amante: mil juras faço

Que eternamente te hei de querer;

Só te abandono quando do espaço,

Por um milagre, rolar o maço

De relatórios do Chanceler.

Não falta gente, tempo, dinheiro;

Não falta jeito, nem savoir faire,

Caneta, pena, papel, tinteiro;

No entanto nada, seu Pecegueiro,

De relatórios do Chanceler?!

Este governo passa a ser sério

E deixa o povo de padecer;

Sai mesmo o Seabra do ministério (!)

E ficam dentro do seu mistério

Os relatórios do Chanceler.

Oh Pecegueiro! tu que és dos nobres,

Que tão bem cumpres o teu mister

De ir ao Tesouro, do arranjar cobres,

Vê se te animas, vê se descobres

Os relatórios do Chanceler.

Mas, ora bolas! vejo ao cabo

De balde meto nisto a colher;

E estas quintilhas, furioso, acabo,

Doido da vida, mandando ao diabo

Os relatórios do Chanceler.

 

A HIDRA

Da rua Lavradio o movimento

Faz prever uma próxima bernarda;

O pendão da revolta agita o vento

E a atmosfera é pesada, é brônzea, é parda.

O Cardoso de Castro, num momento

Da polícia central redobra a guarda;

Trocam-se as ordens de policiamento

E o grito de avançar a tropa aguarda.

Assim que a bicha ronque pela rua

O chefe, que em batalhas não recua,

Irá na frente, intrépido, garboso.

Como os gatos das pugnas antigas

Hão de aterrar as hostes inimigas

Os macacos do sótão do Cardoso.

 

A BERNARDA E O TROVÃO

I

Pobre do nosso Scarpia: a madrugada

Abre as negras cortinas do horizonte;

Ele pula do leito, apalpa a fronte,

E sente fria a face macerada.

Que medonho estampido! Uma granada

Rebentara, acordando o vale e o monte.

A revolta — hidra, serpe ou mastodonte,

Dera o sinal primeiro de avança!

No telefone, o Castro diz em choro:

— Camões! Garcez! Paes Leme! eu perco o tino!

Vinde me garantir a pele e o couro.

Depois indaga trêmulo e mofino:

Você ouviu, seu Alencar, o estouro?

— Foi um trovão; responde o Virgolino.

II

— Foi um Trovão! Repete o Barbalonga;

Digam depois que eu exagero os fatos!

A bicha está na rua! (e sem delonga

Em três tempos consulta o Mello Mattos).

— É o do caso Varella — o songa monga

Que à bola já me fez dar tantos tratos –

E em considerações não mais se alonga;

Grita, pula e faz mil espalhafatos.

“Foi Trovão quem jogou a tal granada!”

E já telefonando ao Presidente,

Pede o auxílio do Exército e da Armada.

E a resposta recebe incontinente:

— Papai diz que não está para maçada

E pergunta se o Senhor está demente...

 

UM PEDIDO

Ao prefeito Paulo Alves um pedido

Aqui fazemos insistentemente:

Sua Senhoria bem feliz tem sido

Buscando casas em que nasce gente...

Pois bem: aguce agora o seu sentido

De arqueológico faro e incontinente

Torne do nosso povo conhecido,

Da sua argúcia usando a forte lente,

A casa, seja aqui, na Praia Grande,

Na Gávea, em Botafogo, em Santa Rosa,

Onde quer que o seu fino faro o mande,

Em que nasceu, para desgraça eterna

Da nossa pátria, a imunda e arqui-famosa

Politicagem vil que a desgoverna.

 

A MÁQUINA GOVERNAMENTAL

No velho e complicado mecanismo

Ao Seabra é certamente que compete

De parafuso honroso ofício; diz-mo

A razão, e o bom senso mo repete.

Ao vê-lo, preso ao ministério, cismo:

— Com os demônios! o Seabra tem topete!

Por mais que se abra da censura o abismo,

Ele na má madeira se intromete.

Mas eu compreendo e aqui razões aduzo

Porque ele do critério assim se afasta,

A cometer abuso sobre abuso;

Do ofício o desempenho a tanto o arrasta:

Sendo ele do governo o parafuso,

É natural que seja PORCA a pasta.

 

TRABALHO DE PESO


Emenda um ponto aqui e um outro adiante

Ao grande arqui-famoso relatório:

Ajuda-o o Pecegueiro, de ar simplório

No trabalho afanoso e fatigante.

Há muito tempo que o Barão, o Atlante

Que nos ombros aguenta o papelório,

Se anda a cansar nesse trabalho inglório;

Mas que obra limpa há de entregar, garante.

Depois de inteiramente corrigi-lo,

A D. Morfeu que pasmará, surpreso,

Há de mandá-lo e ficará tranquilo.

Mas da troça Morfeu não perde o vezo:

E concluíra que, computado aquilo,

Trabalho deve ser de muito peso.

 

O RELATÓRIO DO CHANCELER

Depois de procelosa tempestade,

Quero dizer — depois de muita espera,

Desce o Barão dos cimos da Quimera

E vem ao rés-do-chão da Realidade.

O prometido relatório, que era

Esperado com a máxima ansiedade,

Apareceu por fim; toda a cidade

Desanuvia agora a face austera,

Em vez de enviar a obra ao Presidente,

Ao Cruz mandou-a o Chanceler; de fato

A razão facilmente se pressente:

Nosso Barão mostrou que era sensato:

O parto da montanha, infelizmente,

Foi em lugar de outra montanha — um rato.

 

O “DEODORO”

Do Exército não pode rir a Armada:

Se aquele lá no norte se extermina,

Esta é lá pelo sul menosprezada

Em perigos, no mar, de morte e ruína.

Basta ver-se este fato da arribada

Do Deodoro em Santa Catarina,

Para sentir-se o quanto descuidada

É a gente que o país rege e domina.

Parece-me, porém, muito esquisita

E de cabo de... esquadra à tal razão

Dada à Família Brasileira aflita.

Se o motivo procede, eu penso então

Que ao Congresso pedir devera o Pitta

Em vez de mais navios, — mais carvão.

 

O CHANCELER DE ARAME

Foi aprovado na Câmara um crédito extraordinário de 500 contos ao ministério do interior para as despesas do acordo entre o Brasil e o Peru.

(Dos jornais)

Mais quinhentos pacotes (coisa pouca...)

Vão ser dados ao homem, cuja pasta

É a que com mais fartura os cobre gasta

Para entupir de certa gente a boca.

Gabando-lhe a política nefasta,

Em seu louvor o foguetório espouca.

Em prodigalidade assim tão louca

Não sei quando o Barão dará com o “basta”.

Se foi Bismarck — o Chanceler de Ferro,

Nosso ministro é justo que reclame

Um vulgo reboe por vale e serro.

Dos seus atos por isso faço o exame

E erguendo os braços para a História, berro:

— Nosso Rio Branco é o CHANCELER DE ARAME!

 

A FRUTA DA TERRA

Sob este céu benigno, à sombra das bananeiras que oferecem a todo o mundo a sua fruta nutritiva...

(Discurso do Dr. David Campista, a favor da vacina obrigatória).

 Meus francos parabéns, Dr. Campista,

Por esta sua esplêndida tirada,

Em que a pátria Banana é decantada

Num discurso empolado e nativista.

Para a vacina defender, de nada

Melhor, como argumento, sei que exista:

Uma banana vale um tratadista,

Seja ela crua, frita ou mesmo assada.

E até, como arma forte de combate,

Com mil vantagens, dizem que se bate

Com o revolver, com a faca e com o cacete.

Mas seu emprego aconselhar não ouso,

Pois esta arma pertence ao milagroso

S. Francisco... de Paula, do Cacete.

 

O PRIVILÉGIO DO BANHO

Vai a nossa maluca Edilidade,

Contra quem o bom senso vive em greve,

Um privilégio conceder em breve

Para os banhos de mar desta cidade.

Se sobre o nosso corpo leis prescreve

O Oswaldo Cruz, que o nosso lar invade,

Por que a Assembleia dos Edis não há de

Dizer do banho que tomar se deve?

Que vá, pois, o Conselho legislando...

Ele, que do poder ocupa as grimpas,

E em nossas vidas tem supremo mando,

Votará brevemente leis supimpas

Sobre o onde, o porquê, o como e o quando

Faremos... outras coisas menos limpas.

 

MEDO DO ESCURO

Ao saber apagadas o Cardoso

As lamparinas da iluminação

Saltou da cama e pálido, nervoso,

As tropas mandou pôr de prontidão.

Eis que da Hidra o espectro pavoroso

Surgira novamente; a escuridão

Era um sintoma nada duvidoso

Do rompimento da revolução.

De medo e horror numa explosão macabra,

Grita: — Sem luz, como cumprir o ofício

De liquidar a faca e o pé de cabra?

Para ele a treva é um tétrico suplício;

E por este motivo é que o Seabra

Mandou pôr luz elétrica no Hospício.

 

VELHO E CANSADO

No Banharão, dormindo sossegado

No ócio burguês e farto da Fazenda,

Entre os virentes cafezais e o gado,

Qual Cincinatus na romana lenda,

Ao ser o Campus Sales convidado

A aceitar do poder a áurea prebenda,

Resmungou que apesar de já cansado,

Boa conta daria da encomenda.

Cansado e velho!... todo o grande esforço

Faz branquear a cabeça e curva o dorso;

Mesmo o trabalho ingrato do coveiro...

Envelheceu-o, cansou-o a dura prova

De em quatro anos abrir a funda cova

Em que jaz o caráter brasileiro.

 

OS 500 CONTOS

Que fim levou a esplêndida bolada

Que saiu lá dos cofres do Tesouro?

Esta é a pergunta que se escuta em cada

Esquina, praça, beco ou logradouro.

Por que estranho caminho e escusa estrada

Foi este arame ter ao sorvedouro,

Onde pinga o suor da gente honrada

Do Zé Bocó que lida como um mouro?

Ninguém responde; toda gente cala;

Como o Sabino, o Brás perdeu a fala

E por nada o Barão desata a trouxa.

E há quem diga que em vez daqueles contos

A Corte de Morfeu nos deixa tontos

Com quinhentas histórias da carocha.

 

AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E O CRIADO DE MISTER JOHN

Hoje — eleições. O Zé Povinho,

Acostumado à pagodeira,

Vai o calor deixar do ninho

         Queira ou não queira;

Pois que um encanto tem tamanho

Uma eleição, que o nosso Zé

Salta do leito, esquece o banho

         E o bom café

E vai correndo sem tardança

Para a secção eleitoral;

Chega e na urna o voto lança,

         Que por sinal,

Por uma sorte de magia,

Ele não vê na apuração;

Mas, se com a mesa se arrelia,

         Não tem razão.

Porque, afinal, os candidatos

São todos bons, não há que ver:

Honestos, sérios e cordatos

         No proceder;

Mesmo depois de estar eleitos,

Depois que os seus diplomas têm,

São certamente os seus defeitos

         Iguais também.

Se vem o Edil, tirado a gancho,

Não se incomode o Zé Povinho;

Eleito, tanto vale o Sancho

         Como o Martinho.

Porque é que a gente se consome

Se todos eles são iguais?

A diferença é só de nome

         E nada mais.

Não tem o povo em frente o espelho?

Uma mudança que é que val’,

Se é sempre o mesmo o tal Conselho

         Municipal?...

Nas eleições mais disputadas,

Voto em qualquer, não me incomodo.

Se eu sei que lá ficam pancadas

         Do mesmo modo.

Sabem a história edificante

Do serviçal de um certo inglês?

Eu conto-a aqui, num breve instante,

         Ouçam vocês:

Um serviçal sir John tinha,

A flor dos criados — Nicolau.

Era um rapaz que lhe convinha;

         Nem bom, nem mau...

Um dia em falta o rapazelho

Grave, gravíssima, caiu;

John, colérico, vermelho,

         O despediu.

Triste, o rapaz desce de um salto

A escada e vai buscando a rua;

Mas mister John o chama do alto

         E ele recua.

Vem Nicolau, de olhar submisso;

Diz-lhe o inglês sério, de pé;

Você quer entra meu serviço,

         Senhor José?

José aceita; e brevemente

Dá nova falta. O seu patrão

Muda-lhe o nome incontinente

         Para João.

Depois foi Pedro, foi Rozendo,

Joaquim, Francisco, Paulo, Mário,

Todos os nomes percorrendo 

         Do calendário.

No entanto está claro, claríssimo:

Subindo o último degrau,

Mudava o nome e era o mesmíssimo

         O Nicolau.

Mire-se o povo neste espelho:

É ou não é sistema ideal

Para a mudança do Conselho

         Municipal?

Se os mais sisudos, lá chegando,

Em pouco tempo ficam doudos,

Deixem os que estão, porém mudando

         O nome a todos.

Sair, assim, não é mister

Um cidadão dos quentes ninhos...

Ficam no lar ele, a mulher

         E os seus filhinhos...

Não haverá mortal que trema

Do pau, da faca, do xadrez.

Siga o governo o tal sistema

         Do meu inglês!

 

A RAZÃO DA DERROTA

Não nos quis escutar o doutor Passos

E lá se foi meter com a flor da gente,

Que onde quer que se encontre deixa os traços

Negros de fria cábula evidente.

Sem grandes atropelos e embaraços,

Vimos uma eleição — quase decente –

Se os eleitores foram muito escassos,

Do eleitorado é a culpa tão somente.

Se eu indago, porém, por que o prefeito

Na citada eleição não teve jeito

De encartar os seus muitos candidatos,

Toda gente me explica — meu amigo,

Foi o nosso prefeito por castigo

Encabulado pelo Mello Mattos.

 

TRINTA E UM DE OUTUBRO

“A sessão da Câmara não teve importância.”

O motivo expliquemos: este dia

Do mês é quase sempre um dia aziago;

A algibeira da gente está vazia

Chorando a ausência do precioso bago.

A quebradeira as discussões esfria,

Convida à chaise longue e ao meigo afago

De um sonho de quimeras e poesia

À margem fresca e plácida de um lago...

Não é só esta a causa: os deputados

Nesse dia já estavam preocupados

Em arranjar, com gosto e com decência,

Uma coroa de saudades para

Ornamentar a sepultura cara

Da sua falecida independência.

 

EPISÓDIO DE FINADOS

Num triste cemitério (não me lembro

Qual o nome e o lugar do Campo Santo)

Entre a roxa saudade e o amargo pranto

Desse torvo e feral Dous de Novembro.

Ia da Higiene o Diretor de fama

Passeando entre as áleas de ciprestes,

Triste, envergando funerárias vestes,

Como o “Remorso” do final de um drama.

— Ser ou não ser! oh misteriosa Parca!

O grande Cruz emérito dizia,

Num tom de voz que até nos parecia

O príncipe infeliz da Dinamarca.

Chegando em frente de uma sepultura,

Ele, a trêmula mão levando ao mento,

— Indaga em voz mais fria que um lamento:

— Quem jazerá nesta morada escura?

Funérea voz responde-lhe macabra:

— Eu, que aqui vim parar antes da hora,

Eu, que ninguém lamenta e ninguém chora,

Tua vítima e vítima do Seabra.

Não treme o Cruz, Bayardo de elmo e arnês:

“— Quem quer que sejas, cidadão defunto,

Responde sem demora ao que eu pergunto:

— Eleitor do Irineu, dize, quem és.

Como viste parar da cova ao fundo

Na paz da morte lúgubre e funesta?

Dize: quem foi que te mandou para esta

— Colônia dos Dois Rios do Outro Mundo.”

E o morto respondeu: “— Sou X, um pobre

Diabo que viveu quase sem nome;

Trabalhei, tive sede, tive fome,

Vivi sem posições, morri sem cobre.

Morei numa Avenida; um belo dia

Veio expurgar-me a casa a tua Higiene,

Com aquela costumada mise-en-scène

Que ainda agora me assusta e me arrepia.

Com as aparências trágicas de um espectro,

Entrou certo doutor encartolado,

Que comandava um pelotão armado

De baldes de formol e de piretro.

Vasculharam-me a casa. Iniqua sorte!

Quanta desinfecção! quanta lavagem!

Fez parecer-me de Átila a passagem

A do erudito batedor da Morte.

Mas logo à noute a febre, em triste estado,

Levou-me ao leito, isto é, levou-me à esteira:

“Isto não passa de uma bebedeira,

Disse da Higiene um médico afamado.

E no dia seguinte muito cedo

Veio bater-me novamente à porta:

— Sua moléstia com a vacina aborta;

Eu trago a linfa aqui, não tenha medo”

Disse; e me foi metendo pelo braço

O imunizante e obrigatório soro.

Nos meus filhinhos, em copioso choro,

Tratei de dar o derradeiro abraço.

Encurtando razões: — a sorte trafica

Pôs-me na fronte os suores da agonia;

Moribundei-me; e no terceiro dia

Faleci de varíola hemorrágica.”

*

O Cruz ouviu calado; a alma de poeta

Ferira-lhe um pesar profundo, intenso;

Ia o Oswaldo sacar do bolso o lenço

E enxugar uma lágrima indiscreta,

Quando um gemido lúgubre, da cova

Se ergueu apavorante, de tal sorte,

Que parecia que a sinistra Morte

Havia feito alguma presa nova.

Ao ver o gesto que o higienista fez,

Imaginando que o Doutor Creolina

Procurasse a lanceta da vacina,

— O defunto morreu segunda vez!!

 

A OPINIÃO DO AMIGO URSO

El Tiempo, do Buenos Aires, exalta a candidatura do sr. Campos Sales à presidência da República do Brasil.”

Pudera não! se os nossos bons vizinhos

Eles país desejam liquidado,

É justo que mereça seus carinhos

Quem para tal mister nasceu fadado.

Campos Sales tem ótimos padrinhos

Que o levarão ao posto ambicionado,

Em proveito dos pérfidos, daninhos

Ratos do imenso requeijão do Estado.

Surge agora mais um: receba o povo

Os nossos parabéns por este novo

Amigo que a tal ponto nos estima.

Mas se ele acha o Pavão bom Presidente,

Com prazer lho daremos de presente

Podendo mesmo lhe pagar por cima.

 

OS SUICÍDIOS

Dos suicídios a estúpida mania

Enche agora as colunas dos jornais;

A gente ao lê-los sente a espinha fria

E da cabeça aos pés dores mortais.

Pois, efetivamente, é raro o dia

Em que a imprensa não conta casos tais;

E as mortes são (conforme à fantasia)

Por venenos, por tiros, por punhais.

Se isso assim continua, brevemente

Vai o Rio sentir falta de gente,

Receio que a um pedido me conduz:

Tome o governo pronta providência

— Que os suicídios não façam concorrência

À Higiene do doutor Oswaldo Cruz.

 

HIGIENE MITOLÓGICA

Da cabeça de Júpiter Tonante

Saiu Minerva, conta o velho mito.

Não julgo o fato exótico ou esquisito

Nem caso é tal que me surpreenda ou espante.

Pois neste Olimpo inédito em que habito,

— A de São Sebastião cidade ovante –

Um fato mais que aquele interessante

De espanto e comoção me acorda um grito.

Do cérebro do Oswaldo (um novo tomo

Do Júpiter) — um deus, cujo fadário

Será nestas festas figurar de Momo,

Sai agora um famoso, extraordinário

Regulamento da Vacina, como

Um camundongo sai de um velho armário.

 

NO MUNDO DA LUA

Depois de ler o tal “Regulamento”

Que resultados mil dará fecundos,

Senti-me transportado a novos mundos

E vi que à Lua me levava ao vento.

Os astros — os sidéreos vagabundos,

Perambulavam pelo firmamento,

Num doce e compassado movimento,

Calmos, serenos, plácidos, jocundos.

Deploro não poder, em quente rima,

A gratidão que na minh’alma estua

E que o meu peito nesse instante anima,

Mostrar-te, Oswaldo Cruz, que com essa tua

De maluquice exótica obra prima

Me fizeste em três tempos ir à Lua.

 

AMBO FLORENTES...

Causou no Cardosinho um certo abalo

Do Oswaldo Cruz o tal regulamento.

Não devera o governo publicá-lo

Nem à tal coisa dar consentimento.

Dizem que foi preciso segurá-lo,

Pois era tal o seu desvairamento,

Que ele quis ir a pata de cavalo

Dirigir em pessoa o movimento.

Ao ver esta loucura, sem notícia

Nos anais (se a memória não me ilude)

Da nossa guapa policial milícia,

Dizia um popular sincero e rude:

Que diabo! o Cardosinho da Polícia

Parece o Cardosinho da Saúde!

 

O SUBSÍDIO À ACADEMIA

O Senado negou à Academia

De Letras um mesquinho e curto cobre

Que muito eficazmente auxiliaria

Nossa literatura inócua e pobre.

Este fato o protesto desafia

Da minha ingênua musa, que descobre

Nele a maldade mais ferina e fria

De inimigo feroz e pouco nobre.

Mas a razão do caso extraordinário

De recursar-se uns níqueis, em provento

Do nosso já desfalecido Erário,

É que é da Academia pensamento

Organizar um grande Dicionário

O que atrapalharia o Parlamento...

A MASHORCA

Bomba! afinal está na rua

A tão falada Hidra fatal;

Oh D. Morfeu! eis que afinal

Vás ter firmada a glória tua.

Há muito sangue derramado,

Há muita gente morta em vão,

Há muito pobre lampião

Que jaz por terra espedaçado...

Contam que certo comandante

De face fria e cor de giz:

Meu general, seja feliz!

Disse; e sem mais, seguiu adiante...

Eu nada vi, que não sou tolo;

Assim que a cousa rebentou

Fui me esconder no meu chateau

Que eu nunca fui freguês de rolo.

Porém depois soube a notícia

Pelos jornais da situação:

— Não há memória de um poeirão

Que se compare ao da Polícia.

Soldados houve tão ligeiros

No guapo avanço... para trás,

Que de apanhá-los incapaz

Seria o Corpo de Bombeiros.

E Porto-Arthur! Que bela blague!

— Caso de as pedras fazer rir.

Pilhéria assim, força é convir,

Não há dinheiro algum que a pague.

Em vez de balas de combate,

Havia lá, sabeis o quê?

— Com capas de marrons glacés,

Balas de alteia e chocolate.

E para cúmulo da troça,

Em vez de bélicos canhões

— Uns inocentes lampiões

Por sobre rodas de carroça!

Mas a polícia, aquilo vendo

De uma aparência fera e hostil,

Perdeu a pose varonil

E para longe foi correndo.

No mar, então, que pleito rude!

A cousa até causava horror!

— Um couraçado e um cruzador

Estacionavam na Saúde,

Prontos a dar combate franco

Entre disparos de canhões

Aos desgraçados lampiões

Em valoroso e forte arranco.

Enfim... três dias de barulho

Em que o Zé Povo andou feroz;

Pobre de quem não foi veloz

E se meteu no grande embrulho!

A Hidra afinal foi derrotada

E a tal mashorca teve fim;

Acho, porém, que tudo enfim

Há de acabar, leitor, em nada.

Passo por alto os pormenores

Do turumbamba; que afinal

Foi todo o caso tão banal

Que casos há muito melhores...

E por faltar-me o tempo e o espaço

E por pedido do editor

Vou sem demora um ponto pôr

Nesta epopeia do... Cagaço.

 

ESTADO DE SÍTIO

Foi declarado em estado de sítio o vilayete de Salônica.

(Havas)

Longe das iras do Sultão famoso

Que guarda as chaves da Sublime Porta,

Eu n’alma sinto frêmitos de gozo

E esta distância anima-me e conforta.

O brado altivo de protesto, que ouso

Neste momento erguer, os ares corta

E aos ouvidos do Grande Criminoso

Soa, acordando-lhe a consciência morta.

Ao povo turco meus auxílios presto

Contra a da Porta infame tirania

Num largo, altivo e belicoso gesto!

Fulva chama em meus olhos irradia;

E sem receio do Sultão, protesto

Contra o estado de sítio... na Turquia.

 

NATAL EM SÍTIO (*)

Boas festas, leitor; o sol dardeja

Com tanta fúria, que estes versos traço

Só por vos dar meu respeitoso abraço

E pedir que convosco a paz esteja.

Com tão feroz, canicular mormaço,

Que é que um pobre mortal sonha e deseja?

— Fugir daqui, buscar a sertaneja

Minas e adormecer no seu regaço.

Adeus, leitor e fique Deus convosco

Vou procurar mais calmo e fresco sítio

Onde não seja o céu tão brônzeo e fosco.

É torturante este calor; evite-o

Quem possa mesmo em catre pobre e tosco

Passar, como eu, este Natal em Sítio.

(*) Estação da E. F. Central do Brasil.

 

OS ZEMSTVOS

“S. Petersburgo. — O governo fez saber que está resolvido a coibir qualquer manifestação antigovernamental e a compelir os Zemstvos a não irem além das suas atribuições.”

Merece parabéns o povo russo

Por esta grande e liberal conquista

E se este caso ora comento e esmiúço,

É que ele é caso para encher a vista.

Um madrigal ao Nicolau soluço;

A ele que assim faz baixar a crista

Dessa assembleia e a manda sem rebuço

Tornar-se em carneirada governista.

Mas se quer Nicolau soberba norma

Seguir em tal esplêndida reforma,

Que faz de cada Zemstvo um carneiro.

Podemos emprestar0lhe o Cassiano,

Que a reforma fará segundo o plano

Do egrégio Parlamento Brasileiro.

 

CANTO REAL

No alto refulge um sol de estio ardente:

Pela cidade um ríspido calor

Faz com que se enxovalhe toda a gente

Com a imunda lama de frontina e suor.

Céleres vão pelo eixo da Avenida

Operários aos mil, cavando a vida,

Estes de picareta, estes de alvião;

E qual Bonzo chinês, mirando o chão,

Com o movimento de vaivém contrasta,

Sempre de ostra na velha posição,

O Seabra, firme, atarrachado à pasta.

Cai agora um chuvisco impertinente

Que nos enche de tédio e mau humor.

O céu se obrumbra; o Corcovado em frente,

Como que faz das nuvens cobertor.

Os transeuntes em rápida corrida

Vão aos cafés — tomar uma bebida –

Para evitar qualquer constipação.

Mas faça sol ou chova, é tudo em vão

Da praça Tiradentes não arrasta

Chuva ou raio ou ciclone ou furacão

O Seabra, firme, atarrachado à pasta.

De estranhas novas lá do Extremo Oriente

Da “Havas” um telegrama é portador:

“Grande combate trava-se, inclemente;

Vinte mil mortos! Extermínio! Horror!

A Rússia desta vez está perdida;

Só se espera que o Stoessel se decida

A consentir na capitulação...”

Mas vença quem vencer — Rússia ou Japão –

Nem uma linha do lugar se afasta,

Inabalável como um paredão,

O Seabra firme, atarrachado à pasta.

De D. Morfeu, o excelso Presidente,

Fica das faces macilenta a cor,

Da Hidra vendo o vulto repelente

Mais do que o do gigante Adamastor.

Sai à rua a polícia, apercebida

Para a terrível, sanguinária lida;

E as pernas, sem querer buscando vão

Algum baluarte mais seguro; então

Vê-se que não se amola nem se agasta.

Esperando a apoteose da função

O Seabra, firme, atarrachado à pasta.

Mas Prata Preta, capitão valente

De Porto Arthur, egrégio defensor

Não resistiu à tática excelente

Do Argollo que é da Pátria o salvador.

Para a ilha das Cobras conduzida

Vai a “gente da lira” que em seguida

Deportada será para o sertão

Onde rola borracha em profusão.

É morta a Hidra bárbara e nefasta;

E fica indiferente à situação

O Seabra, firme, atarrachado à pasta.

OFERTÓRIO

Musa, que não tens plectro e sim violão!

Quebra-lhe a prima, quebra-lhe o bordão,

Que de tanto cantar, oh musa, basta!

Pois não sairá do Ministério, oh não,

O Seabra, firme, atarrachado à pasta.

 

O CASO DO FIEL

Há dias conversava certa dama

Sobre a fidelidade dos maridos:

— O me por mim de puro amor se inflama;

É um belo esposo em todos os sentidos...

No peito arde-lhe intensa a rubra chama

Da paixão; sempre atende aos meus pedidos,

Conhece dos carinho toda a gama

Dá-me joias, riquíssimos vestidos,

É caseiro, gentil, condescendente,

Os meus caprichos nunca leva a mal

E é tão fiel que causa espanto à gente.

— Fiel? Minha senhora, é mau sinal!

Seu marido comente brevemente

Um desfalque no pacto conjugal!

 

OS TREZENTOS E TRINTA...

Não resta dúvida sobre a cumplicidade do agiota Dantas Coelho no roubo dos 330 contos.

(Dos jornais).

Andam agentes céleres, tontos

Vendo se o melro podem prender;

Mas dos trezentos e trinta contos

Jamais notícias pensamos ter...

Por becos, praças, ruas, ladeiras,

Buscando a pista do tal ladrão,

Nossos gendarmes, sempre às carreiras,

Toda a cidade batendo vão.

Não há notícias; o cabra esperto

Do mundo vasto buscando o meio,

Achou abrigo n’algum deserto

Ou das florestas no amigo seio.

Algumas coisa porém se adiante

Que para o caso muito convém:

Fato é sabido que o sacripante

Um camarada cúmplice tem.

É o Dantas Coelho que já seguro

Seus depoimentos prestando vai;

E arrependido, num grande apuro,

Diz que (pudera!) noutra não cai!

Da tão falada cumplicidade

Há muito tempo que eu já sabia;

(Por meu silêncio que a autoridade

Não vá meter-me numa enxovia.)

Mas tanto é isto coisa evidente

Que nessa história pondo o bedelho,

Eu disse há dias: — forçosamente

Há neste avança, dente de... coelho!

 

A CIÊNCIA DO GÁS

À “Anonyme do dito”

Segundo as leis da Física dogmática

Na natureza três estados vemos:

— Sólido, líquido e gasoso. A prática

Neste assunto nos diz quanto queremos.

E baseados nas leis da matemática,

Os segredos da ciência desvendemos;

Sem pedantismo e sem vaidade enfática,

Vamos chegar aos últimos extemos.

Os corpos mudam muita vez de estado

E poderá o acerto ver provado

Quem não for néscio, preguiçoso ou estólido.

Mas dos três, o terceiro a primazia

Tem, pois é claro como a luz do dia

Que o “Gásliquida o capital mais sólido.

 

AS OBRAS DA CITY

Valha-nos Deus! as nossas pobres ventas

Já não podem sofrer o imundo cheiro

Das tais obras da City, pestilentas,

Que estão infeccionando um bairro inteiro.

Se tu, leitor, passar acaso tentas

Pelo largo da Glória, vai primeiro

Desinfecções fazer, as mais violentas,

Que aquilo é de micróbios um viveiro.

Os mexe-canos, desde que amanhece

Até que o sol vai se afundar no ocaso,

Cultivam de micróbios farta messe.

Não escuta a Higiene os nossos gritos

Nem menor importância liga ao caso,

Ocupada na guerra com os mosquitos.

 

SISTEMA NOVO

Em sessão da Câmara dos Deputados o sr. Baudry d’Asson investiu para o sr. Combes com uma enorme caçarola e uma colher de sopa.

(De um telegrama de Paris)

Caçarola e colher? — É o simbolismo

Aplicado às questões do Parlamento;

O nosso há de adotá-lo em breve; diz-mo

Agora um tal ou qual pressentimento.

E enquanto neste caso estranho cismo,

O fato não deploro e nem lamento;

Antes, dando expansões ao patriotismo,

Aplaudo o novo e benfazejo invento.

Que o adote a nossa gente espero e creio,

O seu velho processo pondo ao lado

De escarradeiras atirar, que é feio.

Na caçarola se prepara o assado;

E só no gesto de jogá-la eu leio

Que comeu no negócio o deputado.

 

CADEAU DE NATAL

Após dias de bárbara secura,

De um terrível e aspérrimo calor,

O dia de Natal foi portador

De mais fresca e melhor temperatura.

Aquele tempo quente abrasador

Que nos tirava a linha e a compostura

Foi, por ser incapaz e má figura,

Noutras regiões a cara feia expor.

Choveu enfim! Benéfico aguaceiro,

Vieste arrancar o Rio de Janeiro

De uma moleza apática e cruel.

Foi esta chuva (e contestar quem há-de?)

O mais rico presente que à cidade

Poderia fazer Papá Noel!

 

RECIPE

(A propósito dos últimos delitos contra a moral)

O calor destes dias tem causado

Grandes males à pública decência;

O feio diabo da concupiscência

Muito espírito são tem perturbado.

Indaguei da Moral, da humana ciência,

Dos sábios que do assunto têm tratado

Qual seria o específico indicado

Para o mal que aqui reina com frequência.

E um famoso doutor, após ter gasto

Dez resmas de papel, de trinta um litro,

Achou remédio para o mal nefasto!

E agora a sua fórmula me envia:

— Aplicações de cânfora e de nitro

E nos pulsos compressas de água fria.

 

A ENCHENTE DO NILO

Dos Faraós no Egito, quando enchia

O Nilo, todo o povo satisfeito,

Joelhos no chão, batendo contra o peito,

Aos deuses o favor agradecia.

Das enchentes do Nilo goza o efeito

A terra fluminense, que hoje em dia

Não sente a fome negra que sentia

E até subiu no público conceito.

É justo, pois, que Niterói às danças

Se entregue e faça de su’alma asilo

De alegrias, venturas e esperanças.

E com as flores e as músicas do estilo,

Faça grandes e esplêndidas festanças

Comemorando a inundação do Nilo!

 

AS SERIEMAS DO QUO VADIS

Quem pela rua Voluntários passa

Da rua Dona Mariana à esquina,

Tem de escutar uma infernal buzina

Em que o Quo Vadis acha imensa graça.

Aquela gaita que nos azucrina

E a nossa paciência torna escassa,

É das pernaltas, de escolhida raça,

Vindas talvez dos cafundós da China.

Dizem uns que ele as guarda por lembrança.

Outros que são muito estimada herança

De um sapateiro que as deixou no espólio.

Ele, porém, que ouviu falar nos “gansos”

Diz aos amigos: “meus bichitos mansos

São seriemas cá do Capitólio.”

 

OS MAIS BRAVOS

Dentre os 182 oficiais, 157 juraram sob palavra que não tornariam a pegar em armas em quanto durasse a atual campanha. Vinte e cinco recusaram tomar tal compromisso.

(Telegrama de Tóquio)

Eu de coisas de guerra nada entendo;

E confesso com a máxima franqueza

Que julgo o casus-belli um caso horrendo

E julgo o mata-gente uma torpeza.

Mas nos jornais o telegrama lendo

Sobre a campanha russo-japonesa

Cogitações diversas vou fazendo

Sobre o fato que é causa de estranheza.

Vinte e cinco oficiais, de altivo peito,

Da velha honra militar escravos,

Houveram de valor egrégio feito!

Na crua luta entre nipões e eslavos

São este vinte e cinco em meu conceito

Mais do que todos, os heróis e os bravos!

 

TRINTA E UM

Trinta e um! Pinga o último do ano:

Ano de tédio e de banalidade,

Em que nós — o Colosso Americano –

Num mar nadamos de... felicidade.

Vogou a nau do Estado a todo pano,

Fez-se, em todos os pontos, a vontade

Do grande povo altivo e soberano

Desta feliz e edênica Cidade!

Deus nos livre de um ano assim ditoso,

Que nos dê tanto riso e tanto gozo,

Tão poucos furtos e tão pouco avança.

E que o ano novo seja mais modesto

Na partilha de gozos que, de resto,

Muita felicidade também cansa!