LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Versos perversos, de Bastos Tigre
Texto-fonte:
Versos perversos, Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho, 1905.
VERSOS PERVERSOS
Poesias satíricas em
comentário aos acontecimentos políticos
de 1904
______________
A troça por princípio e a pilhéria
por base: o riso por fim.
A Emílio de Menezes, o mestre
do verso satírico.
A Raul, Calixto e Gil, os turunas
da caricatura.
D. XIQUOTE
ÍNDICE
A EXPOSIÇÃO DE APARELHOS A ÁLCOOL
AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E O CRIADO DE MISTER JOHN
Servindo de prólogo.
Os versos que ides ler, forjados dia a dia
Não têm a pretensão de consertar o mundo;
Fê-los a Musa Alegre, uma boêmia vadia,
Que às vezes finge um olhar de analista profundo.
A pena a mergulhas nas tintas da ironia
Ou da blague sem fel (que eu, de resto, as confundo)
Critico um fato, esboço um tipo e todavia
Sei que tudo isto é inócuo, estéril e infecundo.
Não julgueis que eu me iluda e cuide que os meus versos
Possam vir a tornar os homens mais honrados,
Com cachets de bom senso e injeções de civismo...
Qual o que! Passarão sob olhares diversos,
Produzindo afinal o mesmo resultado
Que nas pernas de pau produz o sinapismo.
Inocentes criaturas, raparigas
Em pleno alvorecer da mocidade!
Se acaso mãos perversas e inimigas
Este livro vos derem, por piedade
Lançai-o ao mar, às feras, às urtigas,
Fugindo à feminil curiosidade.
Isto é um livro de perfídias intrigas.
Só para os homens de maior idade.
Nada tem ele, é certo, de indecente;
De tal defeito não o acuse a crítica
Por mais que seja ríspida e exigente.
Mas tem de um ralo a exalação mefítica;
É um livro mau, incontestavelmente...
Trata de cousas torpes: — de política.
Empunho a durindana da Ironia,
Monto o corcel fogoso do Epigrama
E vou, qual Dom Quixote, o olhar em chama
A combater a Pedantocracia!
Levo apenas em minha companhia
Um escudeiro, um pândego de fama:
— O Riso — ele conhece o meu programa
E nesta liça incruenta me auxilia:
O — Leal Cavaleiro — de Cervantes
Andava a combater os seus gigantes,
As cutiladas atirando ao vento;
Mas o inimigo de quem dou alarmas,
Existe, é poderoso e tem por armas
— Os foles colossais do engrossamento!
É certo que a República vai torta;
Ninguém nega a duríssima verdade.
Da pátria o seio a corrupção invade
E a lei, de há muito tempo, é letra morta.
A quem sinta altivez, força e vontade
Ficou trancada do Poder a porta:
Mas felizmente a vida nos conforta
De esperança uma dúbia claridade.
Porque, (ninguém se iluda), “isto” que assim
A pobre Pátria fere, ultraja e explora,
Jamais o sonho foi de Benjamin.
Os motivos do mal não são mistério:
— É que a gentinha que governa agora
É o rebotalho que sobrou do Império.
À minha vacilante e frágil pena
Eu quis dar altas honras de escalpelo;
Se alguém por esta audácia me condena,
Não tem motivo algum para fazê-lo.
Quando a pátria de vícios se envenena
E tem nas faces da desdita o selo,
Que alma haverá misérrima e pequena
Que fuja da Verdade ao nobre apelo?
É forçoso dizer, — custe o que custe –
Que tudo o que se vê na nossa terra
É da politiquice o torpe embuste;
E ela vai da Moral descendo a serra...
Se um braço forte a marcha lhe não suste,
De vez no imundo pântano se enterra...
Venham dragas! O Porto vai ser feito;
E que não é sem tempo, seja dito;
Mas por este motivo felicito
O Lauro, que é ministro do meu peito.
Dizia-me a propósito um sujeito:
— É justo que do Müller seja escrito
O nome sobre um bloco de granito;
Mas numa draga? Não lhe vejo jeito. –
Ao que eu tornei: — numa ilusão te afogas;
O Brasil desde o Prata ao Amazonas
É uma terra de dragas e de drogas:
O Bulhões — é o dragão que guarda as lonas;
Tem Lauro a draga contra a qual te jogas,
E o Argolo e o Noronha têm dragonas...
Considerando que o Pereira Passos
Tem demonstrado ser prefeito e tanto;
Considerando que nos causa espanto
Como ele vence os sérios embaraços;
Considerando que não há quebranto
Que o faço esmorecer, cruzando os braços;
Considerando os luminosos traços
Que ele deixa da urbi em cada canto;
Considerando que com arte e jeito
Qualquer afronta à Lei não deixa impune,
Pois que na cousa entrou com pé direito;
Considerando que ele, enfim, reúne
Requisitos perfeitos de um prefeito,
— Eu sou de opinião que o Passos nune! (*)
(*) Nune — Sinônimo de fique em português da época.
(Paródia ao “Lenço” de Guimarães Passos)
Este meu Acre que apertar procuras
De encontro ao magro e descarnado seio
Há de levar-te (oh desenlace feio!)
À mais triste e mais rata das figuras.
Lute de balde a procurar um meio
De evitar que te metas em funduras,
Pois bem deves saber que te aventuras
A ter o quengo dividido ao meio.
Porém, oh minha trêfega menina,
Se a belicomania te alucina
Prepara as gambias que verás bem cedo,
No cós das calças, trêmulo, pegando
Ir pelo Acre, aos toques de comando,
Pando fugindo, pálido de medo!...
(assinado) Brasil.
“Receberam o grau de doutor pela Faculdade de Medicina os Srs.”: (Seguem-se três colunas de nomes).
Agora é que a Amarela e a tal Peste Bubônica
Não abandonam mais esta heroica cidade.
A higiene ofensiva — oswáldica, platônica,
Vai entrar em maré de franca atividade!
Quando médico, ó Céus! que prodigalidade!
A nova epidemia — epidemia crônica,
Encher este país em poucos tempos há-de.
Desde os pampas do sul, à região Amazônica!
O Oswaldo vê-se doido! é tanto pretendente,
Que não há força humana e nem poder celeste
Que arranje um osso mais em que se meta o dente!
E quando contra ele o pessoal investe,
O Oswaldo Cruz promete e jura a toda a gente
Que vai ver se consegue arranjar outra peste...
Ministros meus! Agora mesmo exponho
Aos vossos olhos o genial projeto
Belo, supimpa, esplêndido, completo,
Que sugerido pelos Céus suponho!
Já quimera não é, já não é sonho
De palácios o Rio ver repleto!
E o peso, sobre os ombros, acarreto
Da responsabilidade a que me exponho.
Nas grandes obras célere me apuro;
Tenho dinheiro e créditos de sobra
E em matéria de arame eu sou seguro...
A minha atividade se desdobra!
Por Santa Engrácia vos prometo e juro
Que nas Obras do Porto, eis de ver obra!
A EXPOSIÇÃO DE APARELHOS A ÁLCOOL
Aos propagandistas.
Acendo o meu lampião de engrossamento,
Pois que, por causas múltiplas e várias,
A Exposição merece luminárias
E mesmo iluminar é o seu intento...
Quando prodígio ali do humano invento
Se vê, de aplicações extraordinárias!
Ricos ou pobretões, nobres ou párias
Ali têm luz, calor e movimento!
Sinto que a Exposição, que é tão bonita,
Esteja em breves dias encerrada
E tão cedo outra igual não se repita.
Por isso a minha Musa entusiasmada
Quer que, depois de morta, seja a dita
Exposição em álcool conservada.
O Bernardino e a guapa comitiva
Hospedados no Hotel dos Estrangeiros
Andam agora numa roda viva
Para atender aos grupos piferreiros.
Pifér, um coração de sensitiva,
Foi, pudera! o primeiro entre os primeiros
A levar saudações à gente ativa
Goelas — funis dos públicos dinheiros.
Sei de um tipo que agora quando passa
Perto do Hotel, firmando o polegar,
Um círculo com a mão ligeiro traça.
E, ontem, mas que lembrança singular!
Disse num bonde: — em breve aqui da Praça
Leva sumício a estátua do Alencar!
Está terminada a greve dos cocheiros;
O Passos aos grevistas disse: — basta
De tantos rolos e de tais berreiros
De consequência estúpida e nefasta.
Volta a polícia aos ócios costumeiros,
Volta o Seabra a se ocupar da pasta,
Torna aos quartéis o Corpo de Bombeiros,
De novo a vida apática se arrasta.
Os carroceiros vão pagar o imposto
(De resto, imposto leve e pequenino)
Seja por bem, ou seja a contragosto.
Amigo Seabra, facilmente atino
Com que raiva mortal, com que desgosto,
Vais pagar três mil réis pelo Pelino!...
(O Dr. J. J. Seabra brindou o Dr. Oscar Rodrigues Alves, etc. (*)
Salve Doutor Rodrigues Alves Filho,
Jovem que há de brilhar, subindo a serra
Da vida, pelo verdejante trilho
Que lá da Promissão conduz à terra!
Vosso fulgente olhar tem tanto brilho,
Vossa cabeça tanto miolo encerra,
Que, de certo, a minha débil voz não erra
Aqui dizendo — de tal pai, tal filho!...
O Oswaldo Cruz vosso valor respeita:
Não matareis mosquitos! e eu vos peço
Que abandonais de Hipócrates a seita.
Breve tereis no Parlamento ingresso,
Não fazendo em matéria de receita
Nada mais que a receita do Congresso.
(*) Eis, traduzido em maus versos o madrigal em prosa que o recitou o primeiro ministro da Corte de El-rei Subida.
Esta organização do novo Estado
Do Acre é caso para tal disputa.
Que tem feito vibrar todo o Senado
N’uma de ideias ardorosa luta.
Quem há de ser o cidadão fadado,
De tino grande e força resoluta,
Que mude aquela terra no El-Dorado?
— É a pergunta que agora a gente escuta.
O Acre é paragem úmida e doentia
Onde de água do rio um simples gole
Leva um mísero diabo à cova fria.
Mas se lá querem povo em denso mole,
Falam chefe da nova oligarquia
Um membro ilustre da família Acioli!
Vai entrar em serviço a nova Guarda
Civil, há tanto tempo prometida
Que nos vem garantir a bolsa e a vida,
Com belo porte e reluzente farda.
Esta milícia esplêndida e luzida
Nossa população, ansiosa, aguarda,
Achando que demais demora e tarda
A promessa do chefe em ser cumprida.
Se a polícia não tem civilidade
Venham guardas civis que menos mal
O sossego garantam da cidade.
Na milícia soberba e sem rival
Teremos o cordão que fazer há-de
O sucesso maior do Carnaval.
Quando o pessoal famélico do avança
— Gente de devorar ferro e granito — ,
Aos cofres do Tesouro, audaz, se lança,
Não vale a pena pôr na boca o apito.
Para quê? Não há sombras de esperança
De que se escute de socorro o grito;
É tolo, pois, quem de gritar se cansa
Neste país em que a Justiça é um mito.
Deixem roubar! Que um braço não se estenda
Nem se eleve uma vez, pois com certeza
Sairá pior do que o soneto a emenda.
Brás Bocó! Não te metas nesta empresa,
Que és tu, por fim, que pagas a encomenda
Das dez léguas de artigos de defesa.
“Vai em viagem de instrução, levando guardas-marinhas, o cruzador Almirante Tamandaré”
É a pilhéria melhor do Carnaval deste ano:
Vai o Tamandaré para a instrutiva viagem,
Cortas águas azuis do truculento oceano
Sem do oceano temer a tétrica voragem.
Ei-lo que corta o mar, viajando a todo o pano
Ou a todo o vapor, e cheios de coragem,
Os moços hão de ter ante os olhos a imagem
Da glória a desvendar-lhe o mundo arcano a arcano.
Ele, o Tamandaré, ele o soberbo vaso,
Ao mundo vai levar em muito breve prazo
As glórias do Brasil sem pólvora e sem sangue;
E o povo brasileiro há de vibrar de gozo,
Vendo o Tamandaré fumegante e garboso
Fazendo evoluções... pelo canal do Mangue!
Encerrou-se afinal o Parlamento;
Voltam Licurgos à mansão dos lares,
Deixando garantidos seus lugares
Que inda lhes hão de dar bem bons proveitos.
Se cousa alguma ao público contento
Fizeram do Congresso os altos pares,
Comendo bons almoços, bons jantares,
De boas intenções tiveram centos.
Hoje, ainda cheios desse amor profundo,
Que à tal Mãe Pátria tem da Pátria os pais,
Uns vão à terra, outros ao Velho Mundo.
Vão... quem nos dera que deixando o cais,
Talqualmente nas “Pombas” do Raimundo
Eles ao milho não voltassem mais!...
Telegramas que vêm de Budapeste
Comunicam que um bando de imigrantes
Numa campanha de ódios e desplantes
Furiosamente sobre nós investe.
Contra os desleais e pérfidos rompantes
Não peçamos a cólera celeste;
Pois que de norte a sul, de leste a oeste
O universo é de ingratos e intrigantes.
Mas será muito triste o teu destino
Se assim, oh Hungria, contra nós explodes
Com tal rancor odiento e pequenino.
Ter comércio conosco jamais podes;
Pois, se brigarmos, nunca mais Pelino
Usa Pomade Hongroise nos bigodes.
Partiu a comissão encarregada
Pelo governo de fazer... projetos
De construção de açudes e da estrada
Que há de prestar serviço aos nossos netos.
Lá do Rio Grande a terra desolada
Vai tomar uns novíssimos aspectos,
Pois darão bela conta da empreitada
Do Felipe os discípulos diletos.
O povo à míngua ali não morre mais;
Engenheiros, teóricos distintos,
Matam a fome a golpes de integrais.
E pelas secas e crestadas matas,
Irão levar aos míseros famintos
O Debauve ensopado com batatas.
Vai ser aberto o cofre: agora em torno,
Na compostura mais solene e grave,
Todo o pessoal que da Arte é glória e adorno
Firme, se estende sob a augusta nave.
Reina um silêncio sepulcral e morno:
O Henrique Oswaldo dá uma volta à chave
E nos gonzos a porta, sem transtorno,
Move-se doce, musical e suave.
Mas, oh céus! non est hic! e de repente
As faces enche o escândalo de rugas
E aquela nota desconserta a gente.
Fugiu? Que valem pequeninas nugas?
A flauta do Patápio certamente
Era uma flauta feita para fugas...
Carta de cumprimentos a um amigo pelo nascimento de um filho.
“Recebi teu cartão em que me dizes
— Que tenho às ordens mais um criadinho –
Que um novo encanto traz para o teu ninho
E a ti e a esposa vem fazer felizes.
Que da Ventura o capitoso vinho,
De exóticos aromas e matizes,
Bebas; e o sonho esplêndido realizes
De ver forte e homem feito o teu filhinho.
Sem aflições, sem penas, sem cuidados,
Por ele passe venturosa a vida,
Entre os sorrisos dos bondosos Fados.
E em primavera plácida e florida,
Viva tanto que veja realizados
Os trabalhos do Porto e os da Avenida.
Apareceu enfim, numa solene
Pose de obra de peso, aprimorada,
De Torturas o Código, que a Higiene
Nos dá, que talismã de amiga Fada.
Essa reforma quem, de mau, condene,
Dirá que à medicina apadrinhada
Vem dar nova e mais bela mise en scène
E a muita gente vem servir de escada.
O que é triste porém, que talvez quebre
O compasso das altas ovações
Ao novo gato que nos dão por lebre,
É prever, com carradas de razões,
Que quem se salve da amarela febre
Morre da febre de desinfecções.
É a desratização palavra nova,
Recém-forjada pela douta gente
Que vive a nos mostrar discretamente
O caminho da cova.
De onde procede? de que fonte é oriunda?
De que idioma o vocábulo deriva?
Do grego? do latim? da língua bunda?
De língua morta, ou viva?
Mário Barreto, que é rapaz de muque
Em tais assuntos, pálido de espanto
Garante que ela nasce do esperanto
Ou vem de volapuque.
Porém, seguindo o mesmo itinerário
Da formação desta palavra nova,
Sem dos linguistas recear a sova,
Farei um dicionário.
Assim, como chamar o horrendo crime
De assassinar um pobre cidadão?
— O fato delituoso assim se exprime:
— Desumanização.
Matar cachorros, como faz o Passos,
Segundo a mesma douta opinião,
Traduzo sem maiores embaraços:
— Descachorrização.
E dos tais stegomyas — fasciatas
A árdua guerra fatal da destruição
Será por essa lei, das mais exatas:
— Desmosquitização.
E quando, ao ferro de um algoz infame
Uma virgem rolar morta no chão,
É justo que tal crime assim se chame:
— Desvirginização!...
Tomo da língua portuguesa as dores,
Suplicando do Oswaldo a compaixão.
Chama-se o horrendo crime dos doutores:
— Desgramatização!...
O Dr. O. Cruz proibiu o uso de tinas para a lavagem de roupas.
As lavadeiras (miseras criaturas!)
Não lavam mais a roupa suja em tinas,
Que o Código famoso das Torturas
Requer marmóreos tanques e piscinas.
Da nossa Higiene as principais figuras,
Que são genialidades peregrinas,
Bradam cheios de nobres composturas:
Lavem sem tinas! Barrem-se as sentinas!
Não se beba água e copos! Tomem mate
Em taças de champagne! em pratos rasos
Sirva-se a verde creme de abacate!
Em pias lavem pés e nos mais casos,
Dês que de um “ato mais banal” se trate,
Diremos nós os competentes vasos!...
(FÁBULA)
Sempre que um transeunte passa próximo ao palácio do governo, em Niterói, a sentinela brada: — passe de largo!
Um pândego, o Camargo!
Conheci-o tão triste, tão sumido,
Parecendo da cova ter saído,
A roer da vida o duro pão amargo.
Em prontidão eterna,
Nem possuía um tostão para semente:
E, ao ver nas ruas, por acaso, a gente,
Tinha sempre uma frase amiga e terna.
Não pagava aos credores:
Tinha tantas conversas e tão sábias,
Que nas contínuas e eloquentes lábias
Vencia o mais genial dos mordedores.
Camargo era um herói...
Tinha bem dura a cama e a mesa parca:
Muitas vezes lhe dei tostões para a barca...
(O Camargo morava em Niterói)
Tem caprichos a sorte!
Morreu-lhe há poucos tempos um parente,
Deixando-lhe um sobrinho; o suficiente
Para arrancá-lo às mãos da negra morte.
E por isto o Camargo
Anda agora importante e todo ufano,
Fuma charutos de tabaco havano
E ao jantar não dispensa o esguio aspargo.
E quando pela rua
Passa, metido em roupas de bom gosto,
Finge que não nos vê, voltando o rosto,
Soberbo e cheio da importância sua.
Quando o amigo Camargo
Vê que dele algum tipo se aproxima,
Ergue a cabeça, olha-o de baixo a cima,
Dizendo a sério: olá! — passe de largo!
Das antigas mazelas,
Da velha prontidão, da vil caipora,
Nem se recorda mais e mesmo agora
Anda a tratar de areias amarelas...
MORALIDADE
Deixa o riso brejeiro...
Quando ouvires gritar — passe de largo!
Não vás pensar, leitor, que o meu Camargo
Seja o Estado do Rio de Janeiro...
Sobre o Código torto e de Torturas
Erguem fortes protestos os padeiros;
E procurando estradas mais seguras,
Não se metem das greves nos salseiros.
Reclama. Pobres homens que na lida
Passais a noite a conquistar o pão!
Perdeis o tempo: à Higiene culicida,
Sobra ventre, mas falta coração.
Perdeis o tempo, amigos; com tal raça
Jamais conseguireis colher vantagem;
Esta Higiene que é feita de ruim massa,
Leva o fermento da politicagem.
Meteu-se a dentro pelas nossas casas;
Não temos liberdade nem conforto:
Que estão extintas da vergonha as brasas,
No forno d’alma deste povo morto.
Na antiga Roma o César soberano
Em vendo arder de uma revolta o facho,
Tinha para abafá-lo um grande plano:
— Era dar pão e circo ao populacho.
Mas nosso César dorme, dorme e ao cabo,
Manda que seu ministro subalterno,
Nos dê pão amassado pelo diabo
E em vez de circo, um círculo do inferno!
Certo um trabalho benfazejo fora,
Trabalho sem rival, de mão de mestre,
Fazerdes com essa Higiene destruidora
O mesmo que às farinhas de Trieste...
Foi afinal abaixo o secular mercado,
Estafermo senil, mais velho do que o mundo;
Pré-histórico montão, que fora ali postado
Para servir de abrigo ao matagal fecundo.
O vasto casarão que Cabral tinha a um lado,
E do outro o Rio Branco e a lerda City ao fundo,
Foi afinal rolar no chão desmoronado,
Deixando na cidade o vácuo mais profundo.
O Passos, a seguir a ousada trajetória,
Esta terra há de pôr mais decente e bonita
E ter o engrossamento e os abraços da História.
E não pareça cousa exótica e esquisita
Que ele, para alcançar os píncaros da Glória,
Afaste do caminho o mercado da dita.
Está terminado o inquérito famoso,
A rigorosa polícia devassa,
Que o comprido e finíssimo Cardoso
Abriu, por dar à jogatina caça.
Quinze dias, passados sem repouso,
Coisa não é que tenha muita graça,
Para um homem magríssimo e anguloso
De uma saúde pobremente escassa.
Que dos fofos colchões goze a delícia
O nosso chefe e que afinal repouse
Da jiga-joga em que mostrou perícia.
Está mudado o pessoal; mas há quem ouse
Garantir que em matéria de polícia,
Plus ça change, plus c’est la même chose !
“O vizinho mais próximo deve, logo que tiver conhecimento ou presumir da natureza infecciosa da moléstia, comunicar o fato à Delegacia de Saúde do distrito.”
(Do Código de Torturas.)
Este da Higiene Código daninho,
— Saco de espantos que jamais se esgota –
Merece um riso homérico, escarninho;
É ridículo, é tolo, é pulha, é idiota!
A tal lei, que encarrega o meu vizinho
De dar à Higiene a oficiosa nota
Do que se passa dentro do meu ninho,
É mesmo coisa de seu Jota Jota!
Sem de maldoso me tornar suspeito,
A lei famosa facilmente explico,
Aos méritos do autor rendendo preito:
É justo que este Código tão rico
Em mil seabrices, fosse apenas feito
Para legalizar o Mexerico...
Vão ser inauguradas finalmente,
Do Porto as grandes obras seculares,
Que hão de levar à Glória mais fulgente
Da pátria engenharia os luminares.
Lauro, Frontin, Bicalho, o Presidente,
Os diplomatas, do Congresso os pares,
Para a Veuve Clicquot, loira e fervente
Vão preparando os finos paladares.
Como no Credo entrou Pôncio Pilatos,
Rodrigues Alves vai entrar na História
Por este, como por mais outros atos.
E cansado afinal de tanta glória,
Veste o chambre e sacando os sapatos,
Dormirá sobre os louros da Vitória.
Essa organização do Estado do Acre
Tem dado ao Seabra instantes muito amargos:
Põe-lhe o Barão tais dúvidas e embargos,
Que o pobre fica fulo e cor de lacre.
Morfeu — cocheiro de cem olhos de Argos
Que governa do Estado o velho fiacre,
Sujeita o Seabra ao bárbaro massacre
De meter-se em tais múltiplos encargos.
Pobre ministro! Ver-se nesta alhada...
Ele que fez da pasta um grande bolo
A provocar da troça a gargalhada,
Vai agora fazer papel de tolo,
Pois de organizações não fará nada
Quem nunca em ordem teve o próprio miolo.
Tu foste um grande idiota, oh velho Judas,
Do teu pobre canastro dando cabo:
Caíste assim nas feras mãos do Diabo
De olhar em fogo e garras pontiagudas.
Neste nosso Brasil, que eu amo e gabo,
Almas existem, de moral desnudas,
Que por quantias muito mais miúdas
Vendem a Pátria, e alegremente, ao cabo,
Sem remorsos, sem mágoas, sem torturas,
Nadando em mar de fartas alegrias,
Ganham de prêmio pingues sinecuras.
Judas! réu infernal de olhar sinistro,
Se hoje vivesses no Brasil terias
Fama, dinheiro e a pasta de Ministro.
Não comprou um só quadro o Presidente
No Salon de Petrópolis; declara
Certo jornal, que ele de lá somente
Levou um que apanhou de meia cara.
Mas de tal caso não se espante a gente:
D. Subida não é de certo arara:
Não dura a presidência eternamente
E a vida está que é mesmo um horror de cara!
Também o Seabra, cuja grande usura
Entre os próprios amigos causa assombros,
Um quadro não comprou! Que ruim figura!
E a alguém que lhe mostrava um, pequenino,
Disse o ministro, sacudindo os ombros:
— Qual! de pintura basta-me o Pelino!
Bela quantia, esplêndida bolada
Carregou certo pandego estradeiro
Lá da Estação Central da grande Estrada
Que leva as lampas às do mundo inteiro.
Bem dirigida e bem fiscalizada,
Mormente nestas coisas de dinheiro,
De há muito que a Central está fadada
A um futuro brilhante e lisonjeiro.
A polícia está vendo se descobre
Quem se meteu no avantajado cobre
(Certo, gatuno de soberbo mérito...)
E o povo, que surpresas já não sente,
Vai muito em breve rir gostosamente
Da pachuchada clássica do inquérito.
Aquela casa decididamente
Tem caveira de burro ou mau olhado;
Quem ali entra põe o juízo ao lado
Fica louco, sandeu, gira ou demente.
Pode o sujeito ser equilibrado,
Calmo, honesto, sisudo, inteligente;
Se eleito acaso for para intendente,
Cria mata-mosquitos no telhado.
Os Conselhos são todos mais ou menos
A mesma coisa — um manicômio cheio
De almas ocas e cérebros pequenos;
Este que aí está e que é da mesma escola,
Só entrará no bom caminho, creio,
Com cacete, com ducha e camisola.
(*) É o que se foi; o novo ainda não passou da lua de mel...
O Sr. Ministro do Peru dizia
Na cidade serrana ao Rio Branco:
“Barão, em coisas de diplomacia
Eu meto o Pecegueiro num tamanco.
Aviso-lhe ainda mais que qualquer dia
O governo de Lima, em forte arranco
Lá no Acre passa a ter soberania
E do Amazonas o domínio franco...”
O Barão ficou fulo, a calva rubra!
E por mais que o rancor, discreto, encubra,
Ele aparece claramente, ao nu.
E logo exclama enérgico e sinistro:
— Nada temo! Ministro por ministro
Eu também sou ministro... do Peru!
Nem guarda civil, nem os mata-mosquitos
Têm visto o seu rico e desejado cobre;
Estão de há muito apitando e os míseros apitos
Têm o som glacial de um lutulento dobre.
Pelas ruas além, magros como palitos,
Esperam que a Fortuna amplas asas desdobre
E que há do Tesouro os arames benditos
Venham do Sr. Bulhões num movimento nobre.
Há muito que esperar, cidadãos da Brigada!
Há muito que esperar — Guarda civilizada,
Compêndio de Bom Tom de nossa capital.
Sereis pagos um dia, ó rútila quimera!
E para isto o Governo está somente à espera
Que se encontre o caixão fugido da Central.
“O Capitão Otávio Brasil, contratante da derrubada do Mercado da Glória, iniciou ontem este serviço, etc.”
(Dos jornais).
Dês que por sai glória e no Largo da mesma
Se viu Pedro Cabra em bronze eternizado,
Começou a implicar com o medonho abantesma
Que há séculos atrás fora um grande Mercado.
Olhava o verde mar: amplo, profundo, quieto!
— Campo dos triunfos seus esplêndidos e grandes;
E para recordar da Pátria o doce afeto,
Tinha em frente a “Pensão Península Fernandes”.
Nada disto, porém, lhe tirava do peito
Esse desgosto atroz que o acabrunhava tanto;
E viu-se-lhe (refere um senhor de respeito)
Sobre as faces de bronze uma gota de pranto.
Um bonde a transbordar demandava o arrabalde,
Um outro ia à cidade e entre um bonde e outro bonde,
Encarando o monstrengo o Capitão debalde
Procurava enxergar a estátua do Visconde.
E ele e o Frei Henrique e o Pero Vaz Caminha
Todos três a cismar, saudosos do passado,
Olhavam tristemente o amigo Laranjinha
Como que a lhe pedir que arrasasse o Mercado.
Veio o Passos; brilhou nos longes do horizonte
Uma leve esperança; e pela vez primeira
Viu-se no calmo olhar do Senhor de Belmonte
O trêmulo vibrar de uma expressão fagueira.
Mas a esperança teve o reduzido espaço
Das rosas do chavão; e ninguém se movia...
Nem mesmo do Prefeito o valoroso braço,
Num solene empurrão naquela ruinaria.
Pedr’Álvares, porém, presa de uma ansiedade
Que um momento sequer não o deixava tranquilo,
Resolveu procurar por toda esta cidade
Um sujeito qualquer que demolisse aquilo.
E tanto procurou, que finalmente agora
Vai por terra o Mercado. Ó santa picareta,
Hei-de vos decantar por este mundo agora
Fazendo do meu verso uma imensa trombeta.
Vai o Octavio Brasil por a baixo afinal
Esse torpe casebre arqui-vetusto e vil.
..................................................................................
Parabéns, capitão Pedr’Álvares Cabra,
Por terdes descoberto este novo Brasil!
Já três dias passaram que o palácio
Não assiste aos bocejos do seu dono;
O nosso Conselheiro Alves Acácio
Foi-se, tudo deixando no abandono.
Engrosse-o toda a gente; beije-o, abrace-o
A comitiva que vela o sono;
Aqui, na Capital, o Zé-Pascácio
Não nota a falta que ele faz no trono.
Pois se assim é, se o povo almoça, janta,
Ceia, dorme, trabalha e vai ao teatro
E a ausência d’ele não lhe aumenta os males,
Um pedido me parte da garganta:
Pelos anos que faltam para os quatro,
Guarde-o aí, doutor Francisco Sales!
Os lagos, repuxos, etc., devem ser povoados por meio de peixes das espécies mais vorazes, etc.
(Do Código das Torturas.)
Entre os peixes vorazes, é sabido,
Que tem, oh mestre Cruz, lugar saliente
Um, que não vive n’água unicamente
Pois que em terra se encontra e bem nutrido.
É o crocodilo — o anfíbio reluzente
No Egito e no Amazonas conhecido;
Com certos tipos muito parecido
Pois que muda de cor constantemente...
Empreguem, pois, vorazes crocodilos;
Quando mudam de cor grandes estragos
Fazem nos pobres culexes tranquilos.
Nós os temos dos bons, dos superfinos,
É bom experimentar, pondo nos lagos
Uns dois ou três políticos ladinos.
Informam telegramas sobre a guerra
Ter sido num combate derrotada
A Rússia. Toda a frota em debandada
Da vitória a esperança vê por terra.
De Porto Artur a praça está sitiada;
Surdo terror os ânimos aterra,
Enquanto se ouve já por vale e serra
O tonitruar do obus e da granada.
Um outro telegrama nos refere
Que não sai mais do Báltico a esquadrilha,
E é de prever que muito tempo espere.
Do fato a conclusão eis, inconcussa:
Se é certo que não sai a tal flotilha
Temos o Seabra na marinha russa.
Opíparo, o banquete oferecido
Ao homem que a Justiça manda à breca!
Fez-se representar el-rei Soneca,
E o carname sem custo foi comido.
Vatapá, caruru, peixe em moqueca
Nada do bom Vatel fora esquecido...
E au dessert o Pelino, divertido,
Com bolinhas de pão jogou peteca.
Como em todo o gravanço que se preza,
Houve entrée no cardápio assaz variado,
Espocando o champanhe à sobremesa.
Contudo um fato é bom notar aqui:
— Sendo o banquete ao Seabra dedicado
Não pode haver licores... à sortie...
Anda causando uma estranheza bruta
Os ofícios do Seabra serem feitos
Por mestre Cruz quem a provocar despeitos,
Ofícios do Pelino assim disputa.
Não pareça que a falta é diminuta,
Nem de minuta à falta que defeitos
Se veem tantos e a todos os respeitos
No ministério onde o Não Sai labuta.
A causa disto explico facilmente:
A paixão que à vacina o Oswaldo sente
Não há no mundo força que a domine.
E Oswaldo com os maiores sacrifícios
Leva ao ministro, prontos os ofícios
E diz-lhe apenas: — seu doutor, vá, assine!
UMA PROPOSTA
Lá no Congresso uma questão
Agora surge de improviso:
Acordam todos que é preciso
Que se reforme o pavilhão!
Não percam tempo, meus senhores;
Se este que temos não convém,
Sem mais demora surja quem
Mude a legenda e mude as cores.
Porque, de certo, eu não conheço
Outra questão mais oportuna;
E o meu concurso que é turuna
À douta Câmara ofereço.
Esse — auriverde — é uma ironia,
Talvez maior que a da legenda;
(Com tais palavras não se ofenda
Do Comte a augusta companhia.)
Mas não há dúvida: o que o auri,
Já o disse Acácio, é a cor do ouro;
E bem sabemos que o Tesouro
À falta dele é que se exaure.
E o verde? — O senso me assegura
Que ele é uma cor disparatada
Nesta república, coitada,
Que está caindo de madura.
Quanto à legenda... nem falemos!
Ordem... Progresso... que irrisão
Não sois da mesma opinião
Oh Leite, oh Accioly, oh Rosa, oh Lemos?
Porém, (voltado à vaca fria)
Se o nosso lábaro não presta,
Eu bato um murro sobre a testa
E peço auxílio à Fantasia.
E, sem temer luta ou canseira
Nesta questão da tutameia,
Eu passo a expor a minha ideia,
Para a mudança da bandeira,
Certo de que o Congresso aplaude
Esta proposta que apresento;
(Se for cordato o Parlamento
E não houver cabala ou fraude.)
Ei-la: (Perdoem que eu me arroje
A tão bizarra insinuação)
— A que mais calha ao pavilhão
É a cor de burro, quando foge...
Que o burro (é útil que se note)
É um animal manso e modesto...
Sofre calado e sem protesto
A dura carga e o vil chicote.
Nenhuma cor melhor assenta
Para a bandeira nacional:
Este país, como o animal,
Sem protestar, a carga aguenta.
E para símbolo? — Resolvo
Segunda a minha Fantasia
Que simbolize a Oligarquia
Tentaculoso, enorme Polvo.
Quanto à legenda, não se canse
Em procurá-la o Parlamento:
Este é o país da — perna ao vento,
Do — Deus dará — da nonchalance!
E se a legenda é a coisa, enfim,
Em que o Congresso mais capricha,
Ponham-lhe a tal da Lagartixa:
— E DEIXA ANDAR, CORRA O MARFIM!...
Certo artista chinês, em virgem tela
Pintou do Seabra o respeitável busto;
Deu-lhe aquela expressão de olhar, aquela
Linha fidalga do semblante augusto.
Esta homenagem (digo-o aqui sem susto)
D’arte a Narciso, embora bem singela,
É um alto preito, de tal forma justo,
Que de aplausos lhe dou forte parcela.
Mas a obra prima um vil borrão manchava;
Na boca aristocrática e distinta
Sinais havia de saliva e baba...
Que agora eu indague o público consinta:
Por que motivo é que o Pelino andava
Com os lábios sujos de verniz e tinta?
(IMPRESSÃO DO GARDEN-PARTY)
Na bela festa da Maternidade
Fez bonita figura o presidente:
Provas quis dar de generosidade
E o fez, causando pasmo a toda gente.
Cinquenta paus uma empadinha quente
Custou-lhe; e muito embora sem vontade
Ele meteu nos camarões o dente...
(O camarão faz bem... naquela idade.)
Outros cinquenta paus por um autógrafo
Do que tem o Pelino por seu biógrafo,
Ele sacou da meia abarrotada.
Impõe-se a conclusão: — no seu conceito
De bom garfo e político perfeito,
Vale tanto o ministro quanto a empada...
Novamente o Conselho sai dos trilhos
E via a sala das sessões em frege;
De novo o Eneias mete-se em sarilhos
(Nestas coisas não há quem não o inveje.)
Mostra o Conselho os seus famosos brilhos
Ao Zé Povo que o paga e não o elege,
Cantando sempre os mesmo estribilhos
O coro que o senhor Sá Freire rege.
Monteiro Lopes vendo o caso preto,
Diz: — em questões de fendas não me meto
Pois temo os resultados consequentes;
E não é de espantar que isto aconteça:
Brevemente abram fendas na cabeça
Um dos outros os bravos intendentes.
(BERCEUSE)
(Ao Dr. Rodrigues Alves.)
Pela janela do Palácio mudo
Entra um raio de sol, que enche o salão,
Doirando as alcatifas e o veludo
Dos teus divãs, magnânimo Sultão!
Dorme! Lá fora dorme o coração
Da grande terra agrícola e bendita;
Nem uma voz murmura ou fala ou grita
No meio da fartura e do esplendor!
Do Norte a gente mísera e precita
Como tu adormece, Grão Senhor!
Não ter perturbe o sono o silvo agudo
Dos monstros que se cevam de carvão;
Calou-se a voz do proletário rudo
Que trabalha, ao gemer de uma canção.
Dorme, oh, Abdul Hamid de papelão!
Nem um guarda noturno mais apita:
Dorme, que um dia ganharás a fita
E a grã-cruz da “Legião do Cobertor”
Dorme! a polícia que nos felicita
Como tu adormece, Grão Senhor!
Não temas, D. Morfeu, o olhar sanhudo
Da negregada e fera Oposição:
Do poder contra o forte e brônzeo escudo
Qualquer esforço é nulo, é inócuo, é vão!
Dorme! Humilde, de rojo pelo chão,
Vovô Senado madrigais recita;
Dorme, que a esquadra do Laurindo Pita
Teu sono velará com grande amor...
Dorme! A Câmara — a bela Favorita –
Como tu adormece, Grão Senhor!
OFERTÓRIO
Sultão glorioso do Brasil, dormita!
Canto aos teus pés esta embalada, escrita
Para ver se consigo o teu favor...
Dorme, que o povo que o Brasil habita,
Como tu adormece, Grão Senhor.
A outras gentes o cuidado deixo
De explicar o que quer dizer, em suma,
Inaugurar-se um eixo, um simples eixo
Com champanhe que espoca e ferve e espuma.
Mas o povo não tem dúvida alguma:
Isto é razão para cair de queixo
Num pavoroso avança, que resuma
Desse bródio fantástico o desfecho...
Derribem casas e avenidas furem
E qu’eixos aos milhares se inaugurem
Com soberbos manjares esquisitos...
Fácil tarefa é esta, certamente;
O que, porém, deseja toda a gente
É ver este governo andar nos ditos.
O Sr. Rogério de Miranda, chamado para dar o seu voto, respondeu: — PRESENTE. Todos riram-se.
Não percebo o motivo da risota;
Penso mesmo que o caso é muito sério.
A questão de aplaudir não tem mistério
Nem é um assunto que mereça nota.
Se a reflexão a inteligência esgota,
Das circunstâncias respeitando o império,
Não perde o tempo em refletir Rogério
Que vota, sem saber mesmo o que vota.
Onde há razão de espanto e de estranheza?
Se a ordem do Catete chega à Mesa
Para que a coisa passe à simples vista,
O Rogério declara — estou presente;
E tanto basta para o presidente
Fazer acrescentar um sim à lista.
Triste de ver, as sinas lancinantes,
Capazes de abater a alma de um forte,
Do desembarque desses que do Norte
Voltam trôpegos, fracos, vacilantes...
Pedindo um olhar amigo eu os conforte
Ei-los que vêm, de pálidos semblantes
Dessas regiões inóspitas, distantes,
Onde a menor desgraça é a própria morte.
Foram servir à Pátria: perigava,
(Diziam) seu prestígio e seu bom nome,
E o Brasil destes bravos precisava.
Se eles por lá passavam sede e fome,
— É que a gente que aqui a vida cava
Come o que é seu e o que é dos outros come!
A discussão da Linfa obrigatória
Tem dado que fazer ao Parlamento;
E há de ficar gravada em nossa história,
Como um belo e soberbo monumento.
Certo, de um caso assim não há memória;
Pois que outras discussões — leva-as o vento...
Ao passo que esta há de guindar à glória
O garboso pessoal do engrossamento.
E quanto à minoria, à dissidência,
Esta há de em breve se meter na encolha
À força de perder tempo e paciência;
E dois caminhos tem somente à escolha:
Fazer calar as vozes da consciência,
Ou sujeitar-se à imposição da rolha.
Outro simile: o monstro da Vacina,
Projeto obrigatório, de encomenda,
Nos lembra um papagaio que se empina
Apesar da canícula tremenda.
A maioria é chicanista e fina:
Para que o bicho facilmente ascenda,
Um rabo o Mello Mattos imagina
Grudando cuidadoso emenda a emenda.
Pedaços de flanela, estopa e brim,
Cretone, alpaca, sarja, oxford, o diabo,
Ligam, atando ao bicho a causa enfim.
Vão empiná-lo; mas o Brício, ao cabo,
Atrapalha a subida mesmo assim,
Puxando o papagaio pelo rabo.
Da vacina o projeto é um velho bonde
Movido à força da politiquice,
Que segue pela estrada da Tolice,
E vai levado, nem se sabe aonde.
O Brás é o motorneiro que responde
Pelos desastres, pela maluquice
Dos passageiros (pois que é ele um vice-
Leader, que em si muito bom senso esconde).
O Oswaldo espera já no fim da estrada,
Tendo a postos a exótica Brigada
Com músicas, foguetes e ovações;
Mas o nosso valente Brício Filho
Vai pondo umas pedrinhas sobre o trilho
E o bonde segue... mas aos trambolhões.
Morto o Poder Legislativo, morto
O desgraçado e pobre Regimento,
De nada serve um fúnebre lamento,
De nada serve alívio nem conforto.
Requiescat in pace! O Parlamento
Morreu, deixando da vacina o aborto
Cego, manco, corcunda, surdo e torto
Fruto do mal e do demônio invento.
Na campa do Poder Legislativo
Este epitáfio meigo e compassivo
Gravou um poeta nestas coisas prático:
— Aqui jaz o Congresso Brasileiro;
Falou, gritou, berrou, gastou dinheiro
E da Linfa morreu: — morreu linfático...
Por portaria do Ministro do Interior foi nomeado o Dr. Oscar Rodrigues Alves preparador da cadeira de Histologia da Faculdade de Medicina.
Caso não é que comentário
Exija, um caso tão comum;
Nem nos parece extraordinário
Que aos padre-nossos de um vigário
Se adicione mais algum.
É já tão velho este estribilho
Que não merece comentar:
— Todo o bom pai protege o filho;
Da vida mostra-lhe o bom trilho
Por onde o moço deve andar.
Se o pai, porém, é presidente
De uma república, verás
Leitor, que a coisa é diferente:
— É obrigação de toda a gente
Guiar os passos do rapaz...
Um bom Ministro, se tem tino,
Se é dedicado e se é fiel,
Deve saber que o seu destino
É de ama-seca do menino
Representar; é o seu papel...
E de passagem dito seja
Este rifão; ei-lo que aí vai:
— Quem do filhinho a boca beija,
(Ninguém com dúvidas esteja)
Adoça os lábios do Papai...
Se o rapazinho, além de tudo,
Tem um diploma de doutor,
Se o tal Ministro que é rudo,
Sem perder tempo em grande estudo
Pode o fazer... preparador.
Preparador é um bom emprego
Para o futuro preparar
A fim de que, sem rocha ou pego,
Qual linfa d’água por um rego,
A vida possa deslizar...
E se o Ministro ao tal pequeno
Preparador nomeou, também
Direi, sem dolo nem veneno:
— Está preparando o seu terreno...
Faz muito bem, faz muito bem!
Regressou lá dos Pampas o Cassiano
Já agora descansado das fadigas,
Para durante todo o resto do ano
Presidir à colheita das espigas...
Ele que é o chefe, o leader soberano
E que é o terror das hostes inimigas,
— Contra regras, que faz subir o pano
Para a audição das líricas antigas.
Voltou triste e sisudo ao Parlamento;
E ao ver o grande e pavoroso estrago,
Que o Mello Mattos fez no Regimento,
Chorou... chorou... seu pranto fez um lago;
Foi maior seu lamento que o lamento
De Mário sobre as ruínas de Cartago.
Mal o Congresso arranja uma reforma
Da Instrução malsinada e miseranda,
Outra já se prepara; e desta forma
Ela de Herodes a Pilatos anda.
Da mania reinante segue a norma
(Pois que da glória os píncaros demanda)
E de um grande projeto o esboço forma
O fecundo doutor Passos Miranda.
A nova lei ordena que os pequenos
Trilhem com aplicação e com cuidado
Seis anos os científicos terrenos.
Um parágrafo seja acrescentado:
— O saber ler é obrigatório; a menos
Que o rapaz se destine a deputado...
Magro bode expiatório! Assim defino
A mísera Instrução da nossa terra;
Quem quer mostrar que tem talento ou tino
E da fama galgar a íngreme serra,
Declara logo à desgraçada guerra;
(Ser saco de pancada é o seu destino...,
E um belo dia no Congresso berra:
— Colegas! vamos reformar o ensino!
E logo, transformado em pedagogo,
Um projeto genial à mesa manda,
Como quem num cigarro pega fogo...
Eis da instrução a sorte miseranda:
— Ela é o bicho que dá no velho jogo
Que está fazendo o Passos de Miranda.
Um conselho de amigo, Doutor Passos:
— Da vil politiquice evite a rota,
Se feita não quer ver em mil pedaços
Da sua honestidade a rija cota.
Fuja de amigos ursos, fuja aos laços
Da baixa camarilha de má nota,
Que por onde rasteja deixa os traços,
Que deixa num tapete imunda bota.
Se esta gente que aí está o engrossa e adula,
De atroz desprezo infrinja-lhe os castigos
Pois que ela é toda gente falsa e nula;
Do engrossamento evite os mil perigos
E em todo o corpo veja se inocula
Uma vacina contra tais amigos.
O Dr. Oswaldo Cruz está organizando o
regulamento da vacinação obrigatória.
Já vi um cego discutir pintura
E vi um coxo dar lições de dança;
Conheço um beberrão que não se cansa
De falar nas vantagens da água pura.
Sei de um tipo que é surdo desde criança
E da Aída critica a partitura;
Um sujeito nas raias da loucura,
As “Regras do Bom Senso” a lume lança.
Certo cearense fala sobre a gula!...
E de um cretino sei que tem momentos
Em que zurze a valer a gente nula;
E se, pois, casos tais se veem aos centos,
Não espanta que o Cruz, que não regula,
Ande agora a fazer regulamentos!...
Os estudantes compraram 20.000 apitos, afim de vaiar o general Rocca por ocasião de entregar este governo ao Dr. Quintana.
(Telegrama de Buenos Aires)
Paciência general! nem tudo flores
São, na vida de quem povos governa;
O Poder tem seus grandes dissabores
E a ventura não pode ser eterna.
Quando, deixando a Casa Branca, fores
Para o teu banharão, estira a perna
E trata de gozar os esplendores
Da Natureza bondosa e terna...
Teu colega daqui, também rodando,
Teve saída estrépida e solene,
Maldizendo o Destino miserando...
Foi, é certo, diversa a mise-en-scène
Porque, por já vivermos apitando,
Latas usamos cá de querosene.
No extremo norte a esquadra se dizima
Pois que, mesmo sem guerra, morre gente,
Pelas nefastas condições do clima
Daquela terra paludosa e ardente.
A quem foge da typhica, vítima
Do beribéri o morbus inclemente;
E essa hecatombe a uma pergunta anima:
— Aquilo é extremo-norte, ou extremo-oriente?
E não há na pergunta disparates:
Como a nossa, da Sorte as fúrias loucas
Sofre a esquadrilha russa, em mil embates.
Diferenças, se as há, são muito poucas:
— Lá no Oriente há Japão para os combates
E no Norte já pão não há p’ras bocas.
Uma consulta breve e inocente,
Certo, resposta pronta requer:
Que fim levaram (pergunta a gente
Por toda a parte, curiosamente)
Os relatórios do Chanceler?
Ontem num bonde — Saco do Alferes –
Dizia um quidam para a mulher:
— Dar-te-ei as bichas, não desesperes;
Mas, queridinha, peço que esperes
Os relatórios do Chanceler.
Um belo terno de cor escura
Há poucos dias mandei fazer;
Hei de pagá-lo (talvez com usura)
Assim que tenha feito a leitura
Dos relatórios do Chanceler.
— Quando me pedes? Diz com ansiedade
A Alice ao Cláudio Sá de Alenquer.
— Hei de fazê-lo, bela deidade,
Assim que tenham publicidade
Os relatórios do Chanceler.
Só quando o nosso Barão não fume,
Quando o felino gênio tiver,
Quando haja amores sem zelo ou ciúme,
Por estes tempos virão a lume
Os relatórios do Chanceler.
Dizia o amante: mil juras faço
Que eternamente te hei de querer;
Só te abandono quando do espaço,
Por um milagre, rolar o maço
De relatórios do Chanceler.
Não falta gente, tempo, dinheiro;
Não falta jeito, nem savoir faire,
Caneta, pena, papel, tinteiro;
No entanto nada, seu Pecegueiro,
De relatórios do Chanceler?!
Este governo passa a ser sério
E deixa o povo de padecer;
Sai mesmo o Seabra do ministério (!)
E ficam dentro do seu mistério
Os relatórios do Chanceler.
Oh Pecegueiro! tu que és dos nobres,
Que tão bem cumpres o teu mister
De ir ao Tesouro, do arranjar cobres,
Vê se te animas, vê se descobres
Os relatórios do Chanceler.
Mas, ora bolas! vejo ao cabo
De balde meto nisto a colher;
E estas quintilhas, furioso, acabo,
Doido da vida, mandando ao diabo
Os relatórios do Chanceler.
Da rua Lavradio o movimento
Faz prever uma próxima bernarda;
O pendão da revolta agita o vento
E a atmosfera é pesada, é brônzea, é parda.
O Cardoso de Castro, num momento
Da polícia central redobra a guarda;
Trocam-se as ordens de policiamento
E o grito de avançar a tropa aguarda.
Assim que a bicha ronque pela rua
O chefe, que em batalhas não recua,
Irá na frente, intrépido, garboso.
Como os gatos das pugnas antigas
Hão de aterrar as hostes inimigas
Os macacos do sótão do Cardoso.
I
Pobre do nosso Scarpia: a madrugada
Abre as negras cortinas do horizonte;
Ele pula do leito, apalpa a fronte,
E sente fria a face macerada.
Que medonho estampido! Uma granada
Rebentara, acordando o vale e o monte.
A revolta — hidra, serpe ou mastodonte,
Dera o sinal primeiro de avança!
No telefone, o Castro diz em choro:
— Camões! Garcez! Paes Leme! eu perco o tino!
Vinde me garantir a pele e o couro.
Depois indaga trêmulo e mofino:
Você ouviu, seu Alencar, o estouro?
— Foi um trovão; responde o Virgolino.
II
— Foi um Trovão! Repete o Barbalonga;
Digam depois que eu exagero os fatos!
A bicha está na rua! (e sem delonga
Em três tempos consulta o Mello Mattos).
— É o do caso Varella — o songa monga
Que à bola já me fez dar tantos tratos –
E em considerações não mais se alonga;
Grita, pula e faz mil espalhafatos.
“Foi Trovão quem jogou a tal granada!”
E já telefonando ao Presidente,
Pede o auxílio do Exército e da Armada.
E a resposta recebe incontinente:
— Papai diz que não está para maçada
E pergunta se o Senhor está demente...
Ao prefeito Paulo Alves um pedido
Aqui fazemos insistentemente:
Sua Senhoria bem feliz tem sido
Buscando casas em que nasce gente...
Pois bem: aguce agora o seu sentido
De arqueológico faro e incontinente
Torne do nosso povo conhecido,
Da sua argúcia usando a forte lente,
A casa, seja aqui, na Praia Grande,
Na Gávea, em Botafogo, em Santa Rosa,
Onde quer que o seu fino faro o mande,
Em que nasceu, para desgraça eterna
Da nossa pátria, a imunda e arqui-famosa
Politicagem vil que a desgoverna.
No velho e complicado mecanismo
Ao Seabra é certamente que compete
De parafuso honroso ofício; diz-mo
A razão, e o bom senso mo repete.
Ao vê-lo, preso ao ministério, cismo:
— Com os demônios! o Seabra tem topete!
Por mais que se abra da censura o abismo,
Ele na má madeira se intromete.
Mas eu compreendo e aqui razões aduzo
Porque ele do critério assim se afasta,
A cometer abuso sobre abuso;
Do ofício o desempenho a tanto o arrasta:
Sendo ele do governo o parafuso,
É natural que seja PORCA a pasta.
Emenda um ponto aqui e um outro adiante
Ao grande arqui-famoso relatório:
Ajuda-o o Pecegueiro, de ar simplório
No trabalho afanoso e fatigante.
Há muito tempo que o Barão, o Atlante
Que nos ombros aguenta o papelório,
Se anda a cansar nesse trabalho inglório;
Mas que obra limpa há de entregar, garante.
Depois de inteiramente corrigi-lo,
A D. Morfeu que pasmará, surpreso,
Há de mandá-lo e ficará tranquilo.
Mas da troça Morfeu não perde o vezo:
E concluíra que, computado aquilo,
Trabalho deve ser de muito peso.
Depois de procelosa tempestade,
Quero dizer — depois de muita espera,
Desce o Barão dos cimos da Quimera
E vem ao rés-do-chão da Realidade.
O prometido relatório, que era
Esperado com a máxima ansiedade,
Apareceu por fim; toda a cidade
Desanuvia agora a face austera,
Em vez de enviar a obra ao Presidente,
Ao Cruz mandou-a o Chanceler; de fato
A razão facilmente se pressente:
Nosso Barão mostrou que era sensato:
O parto da montanha, infelizmente,
Foi em lugar de outra montanha — um rato.
Do Exército não pode rir a Armada:
Se aquele lá no norte se extermina,
Esta é lá pelo sul menosprezada
Em perigos, no mar, de morte e ruína.
Basta ver-se este fato da arribada
Do Deodoro em Santa Catarina,
Para sentir-se o quanto descuidada
É a gente que o país rege e domina.
Parece-me, porém, muito esquisita
E de cabo de... esquadra à tal razão
Dada à Família Brasileira aflita.
Se o motivo procede, eu penso então
Que ao Congresso pedir devera o Pitta
Em vez de mais navios, — mais carvão.
Foi aprovado na Câmara um crédito extraordinário de 500 contos ao ministério do interior para as despesas do acordo entre o Brasil e o Peru.
(Dos jornais)
Mais quinhentos pacotes (coisa pouca...)
Vão ser dados ao homem, cuja pasta
É a que com mais fartura os cobre gasta
Para entupir de certa gente a boca.
Gabando-lhe a política nefasta,
Em seu louvor o foguetório espouca.
Em prodigalidade assim tão louca
Não sei quando o Barão dará com o “basta”.
Se foi Bismarck — o Chanceler de Ferro,
Nosso ministro é justo que reclame
Um vulgo reboe por vale e serro.
Dos seus atos por isso faço o exame
E erguendo os braços para a História, berro:
— Nosso Rio Branco é o CHANCELER DE ARAME!
Sob este céu benigno, à sombra das bananeiras que oferecem a todo o mundo a sua fruta nutritiva...
(Discurso do Dr. David Campista, a favor da vacina obrigatória).
Meus francos parabéns, Dr. Campista,
Por esta sua esplêndida tirada,
Em que a pátria Banana é decantada
Num discurso empolado e nativista.
Para a vacina defender, de nada
Melhor, como argumento, sei que exista:
Uma banana vale um tratadista,
Seja ela crua, frita ou mesmo assada.
E até, como arma forte de combate,
Com mil vantagens, dizem que se bate
Com o revolver, com a faca e com o cacete.
Mas seu emprego aconselhar não ouso,
Pois esta arma pertence ao milagroso
S. Francisco... de Paula, do Cacete.
Vai a nossa maluca Edilidade,
Contra quem o bom senso vive em greve,
Um privilégio conceder em breve
Para os banhos de mar desta cidade.
Se sobre o nosso corpo leis prescreve
O Oswaldo Cruz, que o nosso lar invade,
Por que a Assembleia dos Edis não há de
Dizer do banho que tomar se deve?
Que vá, pois, o Conselho legislando...
Ele, que do poder ocupa as grimpas,
E em nossas vidas tem supremo mando,
Votará brevemente leis supimpas
Sobre o onde, o porquê, o como e o quando
Faremos... outras coisas menos limpas.
Ao saber apagadas o Cardoso
As lamparinas da iluminação
Saltou da cama e pálido, nervoso,
As tropas mandou pôr de prontidão.
Eis que da Hidra o espectro pavoroso
Surgira novamente; a escuridão
Era um sintoma nada duvidoso
Do rompimento da revolução.
De medo e horror numa explosão macabra,
Grita: — Sem luz, como cumprir o ofício
De liquidar a faca e o pé de cabra?
Para ele a treva é um tétrico suplício;
E por este motivo é que o Seabra
Mandou pôr luz elétrica no Hospício.
No Banharão, dormindo sossegado
No ócio burguês e farto da Fazenda,
Entre os virentes cafezais e o gado,
Qual Cincinatus na romana lenda,
Ao ser o Campus Sales convidado
A aceitar do poder a áurea prebenda,
Resmungou que apesar de já cansado,
Boa conta daria da encomenda.
Cansado e velho!... todo o grande esforço
Faz branquear a cabeça e curva o dorso;
Mesmo o trabalho ingrato do coveiro...
Envelheceu-o, cansou-o a dura prova
De em quatro anos abrir a funda cova
Em que jaz o caráter brasileiro.
Que fim levou a esplêndida bolada
Que saiu lá dos cofres do Tesouro?
Esta é a pergunta que se escuta em cada
Esquina, praça, beco ou logradouro.
Por que estranho caminho e escusa estrada
Foi este arame ter ao sorvedouro,
Onde pinga o suor da gente honrada
Do Zé Bocó que lida como um mouro?
Ninguém responde; toda gente cala;
Como o Sabino, o Brás perdeu a fala
E por nada o Barão desata a trouxa.
E há quem diga que em vez daqueles contos
A Corte de Morfeu nos deixa tontos
Com quinhentas histórias da carocha.
AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E O CRIADO DE MISTER JOHN
Hoje — eleições. O Zé Povinho,
Acostumado à pagodeira,
Vai o calor deixar do ninho
Queira ou não queira;
Pois que um encanto tem tamanho
Uma eleição, que o nosso Zé
Salta do leito, esquece o banho
E o bom café
E vai correndo sem tardança
Para a secção eleitoral;
Chega e na urna o voto lança,
Que por sinal,
Por uma sorte de magia,
Ele não vê na apuração;
Mas, se com a mesa se arrelia,
Não tem razão.
Porque, afinal, os candidatos
São todos bons, não há que ver:
Honestos, sérios e cordatos
No proceder;
Mesmo depois de estar eleitos,
Depois que os seus diplomas têm,
São certamente os seus defeitos
Iguais também.
Se vem o Edil, tirado a gancho,
Não se incomode o Zé Povinho;
Eleito, tanto vale o Sancho
Como o Martinho.
Porque é que a gente se consome
Se todos eles são iguais?
A diferença é só de nome
E nada mais.
Não tem o povo em frente o espelho?
Uma mudança que é que val’,
Se é sempre o mesmo o tal Conselho
Municipal?...
Nas eleições mais disputadas,
Voto em qualquer, não me incomodo.
Se eu sei que lá ficam pancadas
Do mesmo modo.
Sabem a história edificante
Do serviçal de um certo inglês?
Eu conto-a aqui, num breve instante,
Ouçam vocês:
Um serviçal sir John tinha,
A flor dos criados — Nicolau.
Era um rapaz que lhe convinha;
Nem bom, nem mau...
Um dia em falta o rapazelho
Grave, gravíssima, caiu;
John, colérico, vermelho,
O despediu.
Triste, o rapaz desce de um salto
A escada e vai buscando a rua;
Mas mister John o chama do alto
E ele recua.
Vem Nicolau, de olhar submisso;
Diz-lhe o inglês sério, de pé;
— Você quer entra meu serviço,
Senhor José?
José aceita; e brevemente
Dá nova falta. O seu patrão
Muda-lhe o nome incontinente
Para João.
Depois foi Pedro, foi Rozendo,
Joaquim, Francisco, Paulo, Mário,
Todos os nomes percorrendo
Do calendário.
No entanto está claro, claríssimo:
Subindo o último degrau,
Mudava o nome e era o mesmíssimo
O Nicolau.
Mire-se o povo neste espelho:
É ou não é sistema ideal
Para a mudança do Conselho
Municipal?
Se os mais sisudos, lá chegando,
Em pouco tempo ficam doudos,
Deixem os que estão, porém mudando
O nome a todos.
Sair, assim, não é mister
Um cidadão dos quentes ninhos...
Ficam no lar ele, a mulher
E os seus filhinhos...
Não haverá mortal que trema
Do pau, da faca, do xadrez.
Siga o governo o tal sistema
Do meu inglês!
Não nos quis escutar o doutor Passos
E lá se foi meter com a flor da gente,
Que onde quer que se encontre deixa os traços
Negros de fria cábula evidente.
Sem grandes atropelos e embaraços,
Vimos uma eleição — quase decente –
Se os eleitores foram muito escassos,
Do eleitorado é a culpa tão somente.
Se eu indago, porém, por que o prefeito
Na citada eleição não teve jeito
De encartar os seus muitos candidatos,
Toda gente me explica — meu amigo,
Foi o nosso prefeito por castigo
Encabulado pelo Mello Mattos.
“A sessão da Câmara não teve importância.”
O motivo expliquemos: este dia
Do mês é quase sempre um dia aziago;
A algibeira da gente está vazia
Chorando a ausência do precioso bago.
A quebradeira as discussões esfria,
Convida à chaise longue e ao meigo afago
De um sonho de quimeras e poesia
À margem fresca e plácida de um lago...
Não é só esta a causa: os deputados
Nesse dia já estavam preocupados
Em arranjar, com gosto e com decência,
Uma coroa de saudades para
Ornamentar a sepultura cara
Da sua falecida independência.
Num triste cemitério (não me lembro
Qual o nome e o lugar do Campo Santo)
Entre a roxa saudade e o amargo pranto
Desse torvo e feral Dous de Novembro.
Ia da Higiene o Diretor de fama
Passeando entre as áleas de ciprestes,
Triste, envergando funerárias vestes,
Como o “Remorso” do final de um drama.
— Ser ou não ser! oh misteriosa Parca!
O grande Cruz emérito dizia,
Num tom de voz que até nos parecia
O príncipe infeliz da Dinamarca.
Chegando em frente de uma sepultura,
Ele, a trêmula mão levando ao mento,
— Indaga em voz mais fria que um lamento:
— Quem jazerá nesta morada escura?
Funérea voz responde-lhe macabra:
— Eu, que aqui vim parar antes da hora,
Eu, que ninguém lamenta e ninguém chora,
Tua vítima e vítima do Seabra.
Não treme o Cruz, Bayardo de elmo e arnês:
“— Quem quer que sejas, cidadão defunto,
Responde sem demora ao que eu pergunto:
— Eleitor do Irineu, dize, quem és.
Como viste parar da cova ao fundo
Na paz da morte lúgubre e funesta?
Dize: quem foi que te mandou para esta
— Colônia dos Dois Rios do Outro Mundo.”
E o morto respondeu: “— Sou X, um pobre
Diabo que viveu quase sem nome;
Trabalhei, tive sede, tive fome,
Vivi sem posições, morri sem cobre.
Morei numa Avenida; um belo dia
Veio expurgar-me a casa a tua Higiene,
Com aquela costumada mise-en-scène
Que ainda agora me assusta e me arrepia.
Com as aparências trágicas de um espectro,
Entrou certo doutor encartolado,
Que comandava um pelotão armado
De baldes de formol e de piretro.
Vasculharam-me a casa. Iniqua sorte!
Quanta desinfecção! quanta lavagem!
Fez parecer-me de Átila a passagem
A do erudito batedor da Morte.
Mas logo à noute a febre, em triste estado,
Levou-me ao leito, isto é, levou-me à esteira:
“Isto não passa de uma bebedeira,
Disse da Higiene um médico afamado.
E no dia seguinte muito cedo
Veio bater-me novamente à porta:
— Sua moléstia com a vacina aborta;
Eu trago a linfa aqui, não tenha medo”
Disse; e me foi metendo pelo braço
O imunizante e obrigatório soro.
Nos meus filhinhos, em copioso choro,
Tratei de dar o derradeiro abraço.
Encurtando razões: — a sorte trafica
Pôs-me na fronte os suores da agonia;
Moribundei-me; e no terceiro dia
Faleci de varíola hemorrágica.”
*
O Cruz ouviu calado; a alma de poeta
Ferira-lhe um pesar profundo, intenso;
Ia o Oswaldo sacar do bolso o lenço
E enxugar uma lágrima indiscreta,
Quando um gemido lúgubre, da cova
Se ergueu apavorante, de tal sorte,
Que parecia que a sinistra Morte
Havia feito alguma presa nova.
Ao ver o gesto que o higienista fez,
Imaginando que o Doutor Creolina
Procurasse a lanceta da vacina,
— O defunto morreu segunda vez!!
“El Tiempo, do Buenos Aires, exalta a candidatura do sr. Campos Sales à presidência da República do Brasil.”
Pudera não! se os nossos bons vizinhos
Eles país desejam liquidado,
É justo que mereça seus carinhos
Quem para tal mister nasceu fadado.
Campos Sales tem ótimos padrinhos
Que o levarão ao posto ambicionado,
Em proveito dos pérfidos, daninhos
Ratos do imenso requeijão do Estado.
Surge agora mais um: receba o povo
Os nossos parabéns por este novo
Amigo que a tal ponto nos estima.
Mas se ele acha o Pavão bom Presidente,
Com prazer lho daremos de presente
Podendo mesmo lhe pagar por cima.
Dos suicídios a estúpida mania
Enche agora as colunas dos jornais;
A gente ao lê-los sente a espinha fria
E da cabeça aos pés dores mortais.
Pois, efetivamente, é raro o dia
Em que a imprensa não conta casos tais;
E as mortes são (conforme à fantasia)
Por venenos, por tiros, por punhais.
Se isso assim continua, brevemente
Vai o Rio sentir falta de gente,
Receio que a um pedido me conduz:
Tome o governo pronta providência
— Que os suicídios não façam concorrência
À Higiene do doutor Oswaldo Cruz.
Da cabeça de Júpiter Tonante
Saiu Minerva, conta o velho mito.
Não julgo o fato exótico ou esquisito
Nem caso é tal que me surpreenda ou espante.
Pois neste Olimpo inédito em que habito,
— A de São Sebastião cidade ovante –
Um fato mais que aquele interessante
De espanto e comoção me acorda um grito.
Do cérebro do Oswaldo (um novo tomo
Do Júpiter) — um deus, cujo fadário
Será nestas festas figurar de Momo,
Sai agora um famoso, extraordinário
Regulamento da Vacina, como
Um camundongo sai de um velho armário.
Depois de ler o tal “Regulamento”
Que resultados mil dará fecundos,
Senti-me transportado a novos mundos
E vi que à Lua me levava ao vento.
Os astros — os sidéreos vagabundos,
Perambulavam pelo firmamento,
Num doce e compassado movimento,
Calmos, serenos, plácidos, jocundos.
Deploro não poder, em quente rima,
A gratidão que na minh’alma estua
E que o meu peito nesse instante anima,
Mostrar-te, Oswaldo Cruz, que com essa tua
De maluquice exótica obra prima
Me fizeste em três tempos ir à Lua.
Causou no Cardosinho um certo abalo
Do Oswaldo Cruz o tal regulamento.
Não devera o governo publicá-lo
Nem à tal coisa dar consentimento.
Dizem que foi preciso segurá-lo,
Pois era tal o seu desvairamento,
Que ele quis ir a pata de cavalo
Dirigir em pessoa o movimento.
Ao ver esta loucura, sem notícia
Nos anais (se a memória não me ilude)
Da nossa guapa policial milícia,
Dizia um popular sincero e rude:
Que diabo! o Cardosinho da Polícia
Parece o Cardosinho da Saúde!
O Senado negou à Academia
De Letras um mesquinho e curto cobre
Que muito eficazmente auxiliaria
Nossa literatura inócua e pobre.
Este fato o protesto desafia
Da minha ingênua musa, que descobre
Nele a maldade mais ferina e fria
De inimigo feroz e pouco nobre.
Mas a razão do caso extraordinário
De recursar-se uns níqueis, em provento
Do nosso já desfalecido Erário,
É que é da Academia pensamento
Organizar um grande Dicionário
O que atrapalharia o Parlamento...
Bomba! afinal está na rua
A tão falada Hidra fatal;
Oh D. Morfeu! eis que afinal
Vás ter firmada a glória tua.
Há muito sangue derramado,
Há muita gente morta em vão,
Há muito pobre lampião
Que jaz por terra espedaçado...
Contam que certo comandante
De face fria e cor de giz:
— Meu general, seja feliz!
Disse; e sem mais, seguiu adiante...
Eu nada vi, que não sou tolo;
Assim que a cousa rebentou
Fui me esconder no meu chateau
Que eu nunca fui freguês de rolo.
Porém depois soube a notícia
Pelos jornais da situação:
— Não há memória de um poeirão
Que se compare ao da Polícia.
Soldados houve tão ligeiros
No guapo avanço... para trás,
Que de apanhá-los incapaz
Seria o Corpo de Bombeiros.
E Porto-Arthur! Que bela blague!
— Caso de as pedras fazer rir.
Pilhéria assim, força é convir,
Não há dinheiro algum que a pague.
Em vez de balas de combate,
Havia lá, sabeis o quê?
— Com capas de marrons glacés,
Balas de alteia e chocolate.
E para cúmulo da troça,
Em vez de bélicos canhões
— Uns inocentes lampiões
Por sobre rodas de carroça!
Mas a polícia, aquilo vendo
De uma aparência fera e hostil,
Perdeu a pose varonil
E para longe foi correndo.
No mar, então, que pleito rude!
A cousa até causava horror!
— Um couraçado e um cruzador
Estacionavam na Saúde,
Prontos a dar combate franco
Entre disparos de canhões
Aos desgraçados lampiões
Em valoroso e forte arranco.
Enfim... três dias de barulho
Em que o Zé Povo andou feroz;
Pobre de quem não foi veloz
E se meteu no grande embrulho!
A Hidra afinal foi derrotada
E a tal mashorca teve fim;
Acho, porém, que tudo enfim
Há de acabar, leitor, em nada.
Passo por alto os pormenores
Do turumbamba; que afinal
Foi todo o caso tão banal
Que casos há muito melhores...
E por faltar-me o tempo e o espaço
E por pedido do editor
Vou sem demora um ponto pôr
Nesta epopeia do... Cagaço.
Foi declarado em estado de sítio o vilayete de Salônica.
(Havas)
Longe das iras do Sultão famoso
Que guarda as chaves da Sublime Porta,
Eu n’alma sinto frêmitos de gozo
E esta distância anima-me e conforta.
O brado altivo de protesto, que ouso
Neste momento erguer, os ares corta
E aos ouvidos do Grande Criminoso
Soa, acordando-lhe a consciência morta.
Ao povo turco meus auxílios presto
Contra a da Porta infame tirania
Num largo, altivo e belicoso gesto!
Fulva chama em meus olhos irradia;
E sem receio do Sultão, protesto
Contra o estado de sítio... na Turquia.
NATAL EM SÍTIO (*)
Boas festas, leitor; o sol dardeja
Com tanta fúria, que estes versos traço
Só por vos dar meu respeitoso abraço
E pedir que convosco a paz esteja.
Com tão feroz, canicular mormaço,
Que é que um pobre mortal sonha e deseja?
— Fugir daqui, buscar a sertaneja
Minas e adormecer no seu regaço.
Adeus, leitor e fique Deus convosco
Vou procurar mais calmo e fresco sítio
Onde não seja o céu tão brônzeo e fosco.
É torturante este calor; evite-o
Quem possa mesmo em catre pobre e tosco
Passar, como eu, este Natal em Sítio.
(*) Estação da E. F. Central do Brasil.
“S. Petersburgo. — O governo fez saber que está resolvido a coibir qualquer manifestação antigovernamental e a compelir os Zemstvos a não irem além das suas atribuições.”
Merece parabéns o povo russo
Por esta grande e liberal conquista
E se este caso ora comento e esmiúço,
É que ele é caso para encher a vista.
Um madrigal ao Nicolau soluço;
A ele que assim faz baixar a crista
Dessa assembleia e a manda sem rebuço
Tornar-se em carneirada governista.
Mas se quer Nicolau soberba norma
Seguir em tal esplêndida reforma,
Que faz de cada Zemstvo um carneiro.
Podemos emprestar0lhe o Cassiano,
Que a reforma fará segundo o plano
Do egrégio Parlamento Brasileiro.
No alto refulge um sol de estio ardente:
Pela cidade um ríspido calor
Faz com que se enxovalhe toda a gente
Com a imunda lama de frontina e suor.
Céleres vão pelo eixo da Avenida
Operários aos mil, cavando a vida,
Estes de picareta, estes de alvião;
E qual Bonzo chinês, mirando o chão,
Com o movimento de vaivém contrasta,
Sempre de ostra na velha posição,
O Seabra, firme, atarrachado à pasta.
Cai agora um chuvisco impertinente
Que nos enche de tédio e mau humor.
O céu se obrumbra; o Corcovado em frente,
Como que faz das nuvens cobertor.
Os transeuntes em rápida corrida
Vão aos cafés — tomar uma bebida –
Para evitar qualquer constipação.
Mas faça sol ou chova, é tudo em vão
Da praça Tiradentes não arrasta
Chuva ou raio ou ciclone ou furacão
O Seabra, firme, atarrachado à pasta.
De estranhas novas lá do Extremo Oriente
Da “Havas” um telegrama é portador:
“Grande combate trava-se, inclemente;
Vinte mil mortos! Extermínio! Horror!
A Rússia desta vez está perdida;
Só se espera que o Stoessel se decida
A consentir na capitulação...”
Mas vença quem vencer — Rússia ou Japão –
Nem uma linha do lugar se afasta,
Inabalável como um paredão,
O Seabra firme, atarrachado à pasta.
De D. Morfeu, o excelso Presidente,
Fica das faces macilenta a cor,
Da Hidra vendo o vulto repelente
Mais do que o do gigante Adamastor.
Sai à rua a polícia, apercebida
Para a terrível, sanguinária lida;
E as pernas, sem querer buscando vão
Algum baluarte mais seguro; então
Vê-se que não se amola nem se agasta.
Esperando a apoteose da função
O Seabra, firme, atarrachado à pasta.
Mas Prata Preta, capitão valente
De Porto Arthur, egrégio defensor
Não resistiu à tática excelente
Do Argollo que é da Pátria o salvador.
Para a ilha das Cobras conduzida
Vai a “gente da lira” que em seguida
Deportada será para o sertão
Onde rola borracha em profusão.
É morta a Hidra bárbara e nefasta;
E fica indiferente à situação
O Seabra, firme, atarrachado à pasta.
OFERTÓRIO
Musa, que não tens plectro e sim violão!
Quebra-lhe a prima, quebra-lhe o bordão,
Que de tanto cantar, oh musa, basta!
Pois não sairá do Ministério, oh não,
O Seabra, firme, atarrachado à pasta.
Há dias conversava certa dama
Sobre a fidelidade dos maridos:
— O me por mim de puro amor se inflama;
É um belo esposo em todos os sentidos...
No peito arde-lhe intensa a rubra chama
Da paixão; sempre atende aos meus pedidos,
Conhece dos carinho toda a gama
Dá-me joias, riquíssimos vestidos,
É caseiro, gentil, condescendente,
Os meus caprichos nunca leva a mal
E é tão fiel que causa espanto à gente.
— Fiel? Minha senhora, é mau sinal!
Seu marido comente brevemente
Um desfalque no pacto conjugal!
Não resta dúvida sobre a cumplicidade do agiota Dantas Coelho no roubo dos 330 contos.
(Dos jornais).
Andam agentes céleres, tontos
Vendo se o melro podem prender;
Mas dos trezentos e trinta contos
Jamais notícias pensamos ter...
Por becos, praças, ruas, ladeiras,
Buscando a pista do tal ladrão,
Nossos gendarmes, sempre às carreiras,
Toda a cidade batendo vão.
Não há notícias; o cabra esperto
Do mundo vasto buscando o meio,
Achou abrigo n’algum deserto
Ou das florestas no amigo seio.
Algumas coisa porém se adiante
Que para o caso muito convém:
Fato é sabido que o sacripante
Um camarada cúmplice tem.
É o Dantas Coelho que já seguro
Seus depoimentos prestando vai;
E arrependido, num grande apuro,
Diz que (pudera!) noutra não cai!
Da tão falada cumplicidade
Há muito tempo que eu já sabia;
(Por meu silêncio que a autoridade
Não vá meter-me numa enxovia.)
Mas tanto é isto coisa evidente
Que nessa história pondo o bedelho,
Eu disse há dias: — forçosamente
Há neste avança, dente de... coelho!
À “Anonyme do dito”
Segundo as leis da Física dogmática
Na natureza três estados vemos:
— Sólido, líquido e gasoso. A prática
Neste assunto nos diz quanto queremos.
E baseados nas leis da matemática,
Os segredos da ciência desvendemos;
Sem pedantismo e sem vaidade enfática,
Vamos chegar aos últimos extemos.
Os corpos mudam muita vez de estado
E poderá o acerto ver provado
Quem não for néscio, preguiçoso ou estólido.
Mas dos três, o terceiro a primazia
Tem, pois é claro como a luz do dia
Que o “Gás” liquida o capital mais sólido.
Valha-nos Deus! as nossas pobres ventas
Já não podem sofrer o imundo cheiro
Das tais obras da City, pestilentas,
Que estão infeccionando um bairro inteiro.
Se tu, leitor, passar acaso tentas
Pelo largo da Glória, vai primeiro
Desinfecções fazer, as mais violentas,
Que aquilo é de micróbios um viveiro.
Os mexe-canos, desde que amanhece
Até que o sol vai se afundar no ocaso,
Cultivam de micróbios farta messe.
Não escuta a Higiene os nossos gritos
Nem menor importância liga ao caso,
Ocupada na guerra com os mosquitos.
Em sessão da Câmara dos Deputados o sr. Baudry d’Asson investiu para o sr. Combes com uma enorme caçarola e uma colher de sopa.
(De um telegrama de Paris)
Caçarola e colher? — É o simbolismo
Aplicado às questões do Parlamento;
O nosso há de adotá-lo em breve; diz-mo
Agora um tal ou qual pressentimento.
E enquanto neste caso estranho cismo,
O fato não deploro e nem lamento;
Antes, dando expansões ao patriotismo,
Aplaudo o novo e benfazejo invento.
Que o adote a nossa gente espero e creio,
O seu velho processo pondo ao lado
De escarradeiras atirar, que é feio.
Na caçarola se prepara o assado;
E só no gesto de jogá-la eu leio
Que comeu no negócio o deputado.
Após dias de bárbara secura,
De um terrível e aspérrimo calor,
O dia de Natal foi portador
De mais fresca e melhor temperatura.
Aquele tempo quente abrasador
Que nos tirava a linha e a compostura
Foi, por ser incapaz e má figura,
Noutras regiões a cara feia expor.
Choveu enfim! Benéfico aguaceiro,
Vieste arrancar o Rio de Janeiro
De uma moleza apática e cruel.
Foi esta chuva (e contestar quem há-de?)
O mais rico presente que à cidade
Poderia fazer Papá Noel!
(A propósito dos últimos delitos contra a moral)
O calor destes dias tem causado
Grandes males à pública decência;
O feio diabo da concupiscência
Muito espírito são tem perturbado.
Indaguei da Moral, da humana ciência,
Dos sábios que do assunto têm tratado
Qual seria o específico indicado
Para o mal que aqui reina com frequência.
E um famoso doutor, após ter gasto
Dez resmas de papel, de trinta um litro,
Achou remédio para o mal nefasto!
E agora a sua fórmula me envia:
— Aplicações de cânfora e de nitro
E nos pulsos compressas de água fria.
Dos Faraós no Egito, quando enchia
O Nilo, todo o povo satisfeito,
Joelhos no chão, batendo contra o peito,
Aos deuses o favor agradecia.
Das enchentes do Nilo goza o efeito
A terra fluminense, que hoje em dia
Não sente a fome negra que sentia
E até subiu no público conceito.
É justo, pois, que Niterói às danças
Se entregue e faça de su’alma asilo
De alegrias, venturas e esperanças.
E com as flores e as músicas do estilo,
Faça grandes e esplêndidas festanças
Comemorando a inundação do Nilo!
Quem pela rua Voluntários passa
Da rua Dona Mariana à esquina,
Tem de escutar uma infernal buzina
Em que o Quo Vadis acha imensa graça.
Aquela gaita que nos azucrina
E a nossa paciência torna escassa,
É das pernaltas, de escolhida raça,
Vindas talvez dos cafundós da China.
Dizem uns que ele as guarda por lembrança.
Outros que são muito estimada herança
De um sapateiro que as deixou no espólio.
Ele, porém, que ouviu falar nos “gansos”
Diz aos amigos: “meus bichitos mansos
São seriemas cá do Capitólio.”
— Dentre os 182 oficiais, 157 juraram sob palavra que não tornariam a pegar em armas em quanto durasse a atual campanha. Vinte e cinco recusaram tomar tal compromisso.
(Telegrama de Tóquio)
Eu de coisas de guerra nada entendo;
E confesso com a máxima franqueza
Que julgo o casus-belli um caso horrendo
E julgo o mata-gente uma torpeza.
Mas nos jornais o telegrama lendo
Sobre a campanha russo-japonesa
Cogitações diversas vou fazendo
Sobre o fato que é causa de estranheza.
Vinte e cinco oficiais, de altivo peito,
Da velha honra militar escravos,
Houveram de valor egrégio feito!
Na crua luta entre nipões e eslavos
São este vinte e cinco em meu conceito
Mais do que todos, os heróis e os bravos!
Trinta e um! Pinga o último do ano:
Ano de tédio e de banalidade,
Em que nós — o Colosso Americano –
Num mar nadamos de... felicidade.
Vogou a nau do Estado a todo pano,
Fez-se, em todos os pontos, a vontade
Do grande povo altivo e soberano
Desta feliz e edênica Cidade!
Deus nos livre de um ano assim ditoso,
Que nos dê tanto riso e tanto gozo,
Tão poucos furtos e tão pouco avança.
E que o ano novo seja mais modesto
Na partilha de gozos que, de resto,
Muita felicidade também cansa!