Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

TEIXEIRA DE PASCOAES

Á Ventura

COIMBRA. 1901

Typ. França Amado.

Aos meus companheiros.

Oh Saudade tantas vezes invocada,

Musa, que tantos infelizes inspiraste!

Tu, que nos deixas a nossa alma iluminada,

Que tantas Liras, com teus dedos, afinaste!

Oh saudade que és das dores a mais linda,

Que das tristezas és a mais menina e moça,

A mais eleita, a Desejada, a mais bem vinda!

A que mais nos governa, a mais senhora nossa!

Enche o meu coração da tua claridade,

Desse raio de luz trêmulo e moribundo,

— Que é o fogo-fátuo de perdida mocidade, —

Com que o sol, ao morrer, ensanguenta o mundo!

E quando à tarde, em labaredas, o Poente

Parece, na distância, uma outra Roma a arder!

É uma saudade, é a dor que a natureza sente

Pelo sol que a fecunda e faz reverdecer!

Oh minha musa triste e de olhos lacrimosos!

Ensina-me a pintar o que é ficarmos sós!

Que eu saiba ler nos corações desfortunosos,

Que eu aprenda a cantar com lagrimas na voz!

É sempre ao pôr do sol a hora de partir!

É quando chora nos pinhais o vento norte,

Que tão bem sabe em doidos gritos traduzir

A dor dos que andam sempre ao Deus-dará da sorte!

Sempre um sinal do céu aos homens revelou

Cada facto que é, na vida, extraordinário!

Quando morreu Jesus o sol se eclipsou

E em convulsões estremeceu todo o Calvário!

É um adeus afinal a minha vida toda…

Sempre do coração sinto partir alguém!

Que deserto areal descubro, se olho em roda,

Nem sei por que milagre ainda me resta alguém!

Adeus! Adeus! Eis as palavras que aprenderam,

Logo ao nascer, os meus ouvidos infelizes!

Em chagas a sangrar assim os converteram

Estas palavras que nos deixam cicatrizes!

É ao ouvir, dentro do peito, soluçar

Desapiedada voz que só me diz adeus,

E me causa tristeza, e faz idealizar

Uma cruzada que conquiste novos céus!

É ouvindo essa voz, que em lagrimas chegara

Ao mais recôndito lugar do coração,

Onde um dilúvio de repente se formara,

Que as Bíblias do Amor em verso cantarão!

Que eu vou cantar, meus companheiros de Aventura!

A facada que contra o peito nos vibrou,

Lá numa esquina deste mundo, em noite escura,

A Sorte que funesta estrela nos ditou!

E que nos fez perder assim os pátrios lares,

E nos deixou sem norte, errantes, vagabundos,

Abandonando-nos à fúria desses mares,

Onde tentamos descobrir uns novos mundos!

E, quais Telêmacos entregues ao furor

Das tempestades e dos deuses vingativos,

Nós viajamos em procura dum amor

Que vive longe… entre arvoredos primitivos!

Vive encantado, e simplesmente os leais amantes

Têm para ele uma varinha de condão

Que, numa noite, os faz andar terras distantes

E um rochedo converter num coração!

O amor existe. É o eterno sol aureoral!

Que de flores esmalta nosso sentimento.

Quem for capaz de amar possui todo o Ideal,

Quem tem um coração é o Deus dum firmamento!

Mas quantas ilhas desoladas visitamos!

De que tormentos e naufrágios e perigos,

Por milagre de Deus, apenas nos salvamos,

Meus companheiros da Aventura, oh meus amigos!

Mas essa Grécia, aquela praia desejada,

Das velhas naus, em pouco tempo, heis de avistar…

Já no horizonte é como nuvem desmaiada,

É um lenço branco que p'ra nós está a acenar!

Já se distinguem bem as linhas sinuosas

Daqueles montes onde, um dia, nós nascemos…

Lá nos esperam outras almas venturosas

Que nos hão de entregar aquilo que perdemos!

Do nosso lar o fumo perde-se no espaço,

Nossa terra natal já se descobre além…

Dois braços eu avisto abertos num abraço,

E naquele alto, à nossa espera, eu vejo alguém!

Que lindo mar! Olhai, vede nascer a aurora!

Como brilha no céu a estrela da manhã!

O mundo unicamente é mau para quem chora,

E é feliz quem tiver outra alma sua irmã!

Já o sol apagou a estrela matutina;

Num diluvio de luz parece tudo arder!

Ela fugiu da imensidade cristalina

Para no nosso coração amanhecer!…

Coimbra, 20 — março — 1901.