Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

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ANTERO DE QUENTAL

LIGA PATRIÓTICA DO NORTE

BARCELOS

Tipografia da Aurora do Cavado

Editor — R. V.

1896

Tiragem apenas de 100 exemplares:

20 em papel de linho.

80 em papel d'algodão.

N.º___

O torpe e prepotente ultimatum de 11 de janeiro de 1890, apresentado ao nosso país pela Inglaterra, «a nossa fiel aliada» de tantíssimos anos, medrada e engrandecida por essa aliança e desde que ela em má hora para nós começou, à custa de nossas riquezas, sob qualquer forma que elas constituídas e manifestadas, de modo que ao passo que com estas ela, a ilha ingrata, se foi opulentando, a passo igual foi o nosso país decaindo e resvalando do mais preeminente lugar, do Zenith, entre as nações no início dos tempos modernos, para o mais ínfimo e humilde lugar, para o nadir, nos tempos presentes, esse torpe e prepotente ultimatum, terrível guante de ferro levantado pela mais poderosa das nações, formidanda por suas riquezas, por seu poderio, por seus nenhuns escrúpulos, sobre a cabeça da mais empobrecida e enfraquecida delas, não tanto pela idade, como pelas depredações e traições de seus próprios filhos e de estranhos, abriu motivo aparente — e só aparente, para o maior número, ai de nós! — para uma como revivescência e rejuvenescimento do nosso país, que, ferido em sua justiça e em seus brios, de um extremo ao outro de seus domínios, pareceu levantar-se, galvanizado pela dureza e brutalidade da afronta, decidido a conquistar no convívio e conceito das nações o posto a que o passado lhe dá incontestado direito, e a que a sua situação na Europa, e seus ainda vastos domínios em três outras partes do mundo, lhe garantem jus.

Foi desse movimento vivo e uníssono, e que se afigurara firme e duradouro, e por certo o seria, se não fosse traído e contrariado pelos mais mesquinhos interesses, pelo mais miserável egoísmo, pelas mais feias e negregadas traições, que rebentaram espontâneas e vividas, entre outras muitas manifestações patrióticas, a subscrição Nacional e a Liga Patriótica do Norte, para presidir a cujos destinos, assumindo sua direção, ninguém foi julgado mais competente e mais no caso de bem o fazer, pelos predicados de seu passado, de seu talento e de seu amor pátrio e pela austeridade de caráter, do que Antero de Quental.

Convidado para essa presidência e direção aceitou-as, e superintendendo na organização dos Estatutos da Liga, chegou a crer e confiar nos destinos desta e em sua influência benéfica e decisiva para o levantamento do país, como bem o testemunhou no discurso que proferiu em 7 de março desse ano de 1880 em sessão pública da Liga.

É esse discurso o transcrito em seguida.

Rodrigo Velloso

LIGA PATRIÓTICA DO NORTE

Meus senhores: — Em primeiro lugar, cumpre-me agradecer à assembleia geral da «Liga Patriótica do Norte» a honra que me fez, nomeando-me seu presidente. Esta honra considero-a no momento atual como a maior que um cidadão pode receber dos seus concidadãos. Espero fazer da minha parte para que a «Liga» me ache sempre à altura da confiança que o meu nome e os meus antecedentes lhe inspiraram.

Meus senhores, creio firmemente que a fundação da «Liga Patriótica do Norte» será a primeira pedra do edifício da restauração das forças nacionais. Não será esta porém uma obra de momentâneo entusiasmo, mas de aturada paciência, de patriótica e esclarecida perseverança.

O protesto contra o insulto e a vilania da Inglaterra, e o propósito de nos libertarmos da sua aviltante dependência, implica um esforço viril e persistente para sermos de facto independentes, o que hoje não somos nem política, nem economicamente. A subscrição nacional, brilhante movimento duma paixão nobilíssima, será apenas o início dessa obra de ressurreição do brio e das forças do povo português. Se precisamos de armamentos, precisamos todavia de mais alguma cousa do que simples armamentos.

A vida atual, para ser autônoma e independente, tem de ser remodelada. A nação tem de emendar erros profundos e numerosos, acumulados durante muitos anos de imprevidência, de egoísmo, de maus governos e de corrompidos costumes públicos. Esta situação é tanto mais grave, quanto gradualmente se foi estabelecendo entre a nação e os governantes um verdadeiro divórcio, divorcio há muito latente e que a crise atual veio apenas patentear em toda a sua cruel realidade. Os governos, em Portugal, deixaram há muito de representar genuinamente os interesses e o sentir da nação. Nem por isso, porém, a ação da «Liga» será revolucionaria. Pelo contrário, a «Liga» considera um tal divorcio como uma calamidade, e a sua ação tenderá a restabelecer a natural harmonia entre o pensamento nacional e o seu órgão, o Estado. Fora das competições da falsa política, que nos tem dividido e enfraquecido, mas por isso mesmo no terreno da verdadeira política, que é a dos grandes interesses nacionais, fora dos partidos, porque superior a eles, a «Liga» fará ouvir aos poderes públicos a voz da nação: e essa voz persistente, firme e cheia de autoridade obrigá-los-á, por muito inveterado que seja o seu endurecimento, a converterem-se à sua verdadeira missão, que é a dos representantes e zeladores dos interesses da nação, e não só dos interesses materiais, mas dos mais elevados, os interesses morais, e entre estes preeminentemente o da dignidade nacional. A moralização dos poderes públicos, tal é a primeira condição do renascimento e integridade da vida social portuguesa.

Por outro lado a «Liga», filha da opinião pública, e inspirando-se nela, devolverá à sua inspiradora o seu próprio pensamento refundido, tornado claro, consciente e prático. Todos os alvitres, que a opinião popular sugira, serão aqui estudados, revestidos, completados. Deles sairá um plano de emancipação econômica, de restauração das forças produtoras, de levantamento do nível intelectual e de garantia e defesa da integridade nacional, plano de ordem, justiça e moralidade sociais, que significará, ao mesmo tempo, a emenda dos passados erros e a esperança dum futuro em que Portugal retome entre as nações civilizadas um lugar digno das suas nobres tradições. Esse plano terá por certo a adesão do país, que verá nele a expressão consciente do seu pensamento e das suas necessidades. A nação fá-lo-á seu e saberá impô-lo aos governantes. Contra a vontade unanime do país não prevalecerão as artes corruptoras, com que uma oligarquia das menos escrupulosas, aproveitando-se do indiferentismo e desleixada tolerância a que a nação se entregara, (reconheçamo-lo com contrita sinceridade) como quem abdica do seu direito e dignidade, conseguiu apossar-se da alta administração e do governo, para nos conduzir, no fim de 30 anos de materialismo político, à beira de um abismo onde nos encontramos.

Tais são, senhores, os altos intuitos da «Liga Patriótica do Norte». Resumindo-os, como acabo de fazer, cuido ter interpretado fielmente os vossos unanimes sentimentos. Saída do veemente movimento de indignação popular contra uma afronta que revelou à nação a sua própria fraqueza em face da arrogância dos fortes, a «Liga» propõe-se dar a esse movimento um caráter permanente, discipliná-lo e alargá-lo até às proporções dum programa de reforma nacional.

As garantias eficazes de defesa da sua integridade e de respeito da sua dignidade não pode a nação encontrá-las senão numa profunda reforma da legislação e costumes. Radicou fundo no ânimo de todos este pensamento à «Liga Patriótica do Norte», assim como às Associações congêneres, que sem dúvida se vão formar por todo o país, cumpre agora torná-lo efetivo, dar-lhe forma pratica e impô-lo como a ideia diretora duma era de renovação nacional. Por árduo e trabalhoso que seja este grande encargo, o patriotismo de todos os membros da «Liga» estará à altura dele.

Por amor deste fim supremo, sacrificaremos todos no altar da pátria intuitos e providencias particulares dissidências, azedumes e suspeições, triste legado dum tempo de mesquinhas lutas, que entibiaram ainda os melhores, e unidos num comum ideal, seremos fortes por essa união indissolúvel, tão indissolúvel, como a unidade da pátria, cujo sentimento nos inspira a todos, sem distinções.

Terminarei, senhores, dando-vos conta dos meus atos, como presidente da «Liga Patriótica do Norte. »

Em primeiro lugar, como presidente da vossa comissão encarregada de elaborar as bases do estatuto da Liga, esforcei-me por que esta nossa lei fundamental exprimisse com a maior clareza e da maneira a mais pratica o pensamento sistemático e essencialmente popular e patriótico da Liga. Foi-me esse esforço tanto menos custoso, quanto encontrei na vossa comissão e em cada um dos seus membros luzes, dedicação e unidade de pensamento, posso bem dizê-lo, completas. Reconhecereis também, que, apesar do nosso ardor, nos não era possível desempenhar-nos do nosso encargo num período de tempo mais curto, se considerardes que a obra que nos incumbistes, além da sua complexidade, apresentava certos problemas delicados de organização que precisavam ser atentamente estudados. Ella vos foi já apresentada, e ides julgá-la. Nada mais devo acrescentar a este respeito; senão que ela representa o melhor não só da nossa inteligência como dos nossos sentimentos.

Em segundo lugar, entendi do meu dever representar ao governo de sua majestade, em nome da «Liga Patriótica do Norte», e pelos motivos que todos conheceis, sobre a necessidade de ser retirado o exequatur ao cônsul inglês nesta cidade. A vossa comissão instaladora, por um voto unanime, aderiu a esta minha iniciativa. Não vos encobrirei, senhores, que redigindo aquele documento a minha confiança na firmeza patriótica dos membros do atual governo, confiança que a todos os portugueses deve, em princípio, merecer qualquer governo português, não podia ainda assim destruir completamente no meu animo certas apreensões e como que um pressentimento de que a nossa representação não seria coroada do bom êxito. Eram-me bem conhecidas as circunstâncias, umas mais antigas, outras atuais, que reduzem quase fatalmente os governos de Portugal a um estado de tímida dependência perante o governo inglês. Entretanto, além de que sempre se deve tentar o que é justo, animava-me um tanto a consideração da atitude enérgica e que eu não tinha razões para não supor patriótica, assumida pelo atual presidente do conselho de ministros, tanto no conselho de estado como na imprensa, logo ao rebentar do conflito anglo-português.

Desgraçadamente, não eram mentirosos aqueles meus tristes pressentimentos. A resposta do Presidente do Conselho à nossa representação, se atesta o empenho e bons desejos de S. Exc.ª em obter algum desagravo para a dignidade nacional, dá ao mesmo tempo testemunho das insuperáveis dificuldades que rodeiam o assumpto, e é, para quem bem ler aquele papel, uma lamentosa confissão da impotência do Governo português em face das arrogantes imposições do Governo inglês.

O Governo português está inerme e coacto. É esta a cruel verdade. Convém que se diga bem alto e que todos dela se compenetrem. É tal atualmente a nossa fraqueza e dependência, que o Governo português não pode sequer conseguir esta cousa simplíssima: a liberdade no uso do seu direito e a reparação, ainda moderada, dum agravo à dignidade nacional. O Governo inglês entende impor-nos o seu cônsul insultador, e a nação portuguesa tem de aceitar esta odiosa imposição. O governo português, embora gemendo, no-lo dá suficientemente a entender!

Ah, Senhores! quanto custa a um coração português ter de reconhecer esta odiosa fatalidade! Mas devo reprimir os ímpetos da indignação, para só atender à voz austera e salvadora da razão. Sim, tenhamos a coragem de reconhecer essa cruel fatalidade, porque este reconhecimento será para nós salutar. Não recriminemos, não aumentemos ainda mais as funestas divisões que tanto nos têm enfraquecido. Saibamos antes tirar deste facto desolador o ensinamento que ele contém. Compreendamos por ele que o abismo de fraqueza e humilhação, em que caímos, é ainda mais fundo do que supúnhamos, e que para sair dele precisamos redobrar de energia e patriótica dedicação. A desforra de tamanhas afrontas vem longe ainda mas será segura, se soubermos prepará-la com firmeza, união e perseverança.

A atitude que nos convém não é a do protesto violento e estéril: é a da concentração da vontade, aplicando-se indefessa até conseguir, pela força e independência reconquistadas, a desafronta, o sossego e a dignidade. Se ainda fossem necessárias provas, esta última humilhação nos provaria quanto o pensamento da «Liga Patriótica» é único e salvador; quanto é necessário e inadiável que unidos nesse só pensamento, todos os Portugueses trabalhem sem descanso pelo levantamento da nossa infeliz pátria, hoje ludibriada e sem defesa. Coragem, paciência e esforço: tal deve ser doravante a nossa divisa. Se a seguirmos à risca, o futuro, um nobre futuro, digno do nosso nobre passado, nos recompensará amplamente pelos sacrifícios do presente.