Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

VERSOS

em honra do GRANDE POETA

Manoel Maria Barbosa du Bocage

e em homenagem à grande e ilustre Comissão e mais festeiros do seu estrondoso Centenário

PELO HUMILDE POETA
ELISINO SADÃO
 

CUSTO 40 RÉIS

DEZEMBRO DE 1905
 

Imprecação a Bocage

Fostes, Elmano, um lírico famoso

Como poucos por cá têm aparecido,

Mas quando sois maior, e mais luzido,

É quando a sátira soltais fogoso.

É látego que estala rancoroso,

Ou ri e brinca, com valor brandido,

E vibra e rasga, e que se impõe temido

Ao inimigo mais formidoloso.

Dai-me essa força, Elmano, o estro candente,

Dai-me também o guizalhar da troça

Com que soubeste castigar contente!…

Quero coisa feraz que faça mossa,

Que há por hi muita cousa e muita gente

Que reclamam, há muito, brava coça!

A sua desgraça

Não lhe bastava a crua e acerba sorte

Que sempre o grande vate perseguiu,

Sempre a empurrá-lo a um fatal desvio

Da cova ao berço, do nascer à morte?

Esfarrapado rei em sua Corte,

Quase sem roupa muita vez se viu;

Depois de morto expõem-no à chuva e ao frio

Em estatua tosca e de medonho corte!

Como preito já velho, honroso, e ufano,

A um jornal pulha dão seu nome (Elmano).

Quebram-lhe a pena as pedras dos garotos…

Lavam-no (agora!) a bombeiral esguicho,

E o livro (que não leram!) cheio de lixo,

E o pedestal mijado por marotos…

Depois da conferência do dr. Manuel de Arriaga

Conheciam-no só p'lo vão renome:

Daquela esguia estátua (que é grotesca)!

Ou dum antigo galeão de pesca

Que se condecorava com seu nome.

Outros dum teatro que morreu de fome

Depois duma existência principesca,

E muitos da anedota picaresca…

Que ainda há quem a sério não o tome…

Agora que é sabido o que ele foi…

Inda o 18 (esperto e audaz herói)

É capaz de o meter no cagarrão.

O que o livra do estranho desacato

É o Teixeira (que apanhou retrato…)

Ser o Macaco lá da comissão!

A consultar os astros

O Presidente que é um homem sério

E que é de letras gordas, mas facundo,

Vai deslumbrar a terra, a pátria, o mundo,

Com um discurso pleno de podério.

Andam da inspiração no grave império

O Brandãozinho, lírico profundo,

E o Leonardo, de gênio furibundo,

Que só de ouvir-lhe a voz treme o hemisfério.

O Jorge Gomes e outros luminares,

João Pinto, Luciano, andam nos ares

Como o Padilha interrogando estrelas…

Sonham foguetes, coros, reinações,

Mas tremem de pavor e em orações

Rogam ao Deus das chuvas e procelas…

Pede-se um Bocage para a associação dos caixeiros

I

 

Zé Paulo, que é rapaz escrupuloso,

Diz que não quer apresentar retrato

Ou seja bom ou mau, caro ou barato,

Nas festas que prepara cuidadoso.

Cousa menos que um busto é desacato!…

«Um busto em corpo inteiro!» grita ansioso…

E vai, fala a um galego talentoso

Para servir de Elmano com recato.

Para fazer de Poeta, outro Poeta!

Tem você ali um, no campo, à Lage

Mas consta já, por fim, (ou será peta)?

Já estar o Augusto Mattos contratado

Para fazer de busto de Bocage,

Em REPRISE de entrudo, enfarinhado.

II

 

Pobre Zé Agostinho! Infeliz sorte

A que Deus dá sempre aos que são maiores!

Olha para Bocage e outros cantores…

Ao menos que esta ideia te conforte!

Há destinos mais brutos que Mavorte,

Que o Deus Mavorte de cruéis furores;

Nos cálculos mais certos, sem favores,

O Fado surge e arruma cerce corte.

O Augusto reclamou-o o Tiro-Tauro,

E com razão, porque o feroz centauro…

De paparoca, à festa também vem.

Tens outro, à certa, e bom, (já é quizília!…)

Tens o Bocage Lima: é da família,

E, embora gago, representa bem.

Projecto dum carro monumental

Na azafama de carros alegóricos

É natural que falhe a fantasia,

Por isso eu vou dizer o que faria,

E vejo em meus ideais fantasmagóricos.

Da comissão o carro comporia

Com elementos próprios, e retóricos,

De efeitos mais que certos e fosfóricos!

Que o gosto mais audaz desbancaria.

Numa galera, entre «ondas salitrosas»

Os secretários, toda a Comissão,

Feitos Nereidas, Tágides dengosas…

Tridente em riste na escamosa mão,

Barbudo e em pelo, olhando as salerosas,

O Fragoso faria de Tritão.

A festeiros diversos

Festejam-no vocês porque está morto…

Fosse Ele vivo, quanto o morderiam!

Frades e hipócritas o que fariam

Ao seu magro canelo rijo e torto!

Gabam-lhe o nome com um ar absorto,

Mas quanto a lê-lo, adeus!… Olhem que o liam

Os ferozes maniques que o prendiam

Como suspeito e perigoso aborto.

Festejam-no vocês que nunca o leram

(E se o leram alfim não o entenderam!)

Festejam-no por bródio e funçanatas

Gastem dinheiro seu: comprem-lhe a obra,

Que tão rica e tão vária se desdobra…

Não vale só frigir, oh pataratas!

Consolação final

Não choreis, terra minha, a desventura

Da perda do Bocage genial,

Já sem ossos, sem cinza, e sepultura,

Mais do que o vivos vive, é imortal!

Rir não deveis também pela ventura

De seres o seu berço casual;

Rires demais também será loucura.

Moderai-vos na fúria festival.

Temos por cá ainda muito vate,

E o gênio autêntico do Calafate,

Que reclamem festejos e alegria…

Temos gênios em barda, e (sem biscate)

Temos também, para maior remate,

Temos cá outro Manuel Maria.