Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Cartas de amor, de Graça Aranha


Edição de Base

Biblioteca Virtual Brasileira

(St. Moritz para Paris)

St. Moritz, 04 de agosto de 1911.

(Trecho de carta)

Minha Adorada! Minha Vida!

Há uma beleza excessiva nestas expressões da solidão das altas montanhas, porém ela me é estranha! Eu só me sinto um com o mundo quando tu estás nesse mundo e tu o exprimes.

O mais sombrio e esquivo canto da terra se incorpora deliciosamente, estranhamente ao meu ser, se tu estás aí.

As coisas só existem para mim através da tua alma e dos teus sentidos. Essa imensa paisagem que é o exílio da minha alma não vive em mim e se eu a senti foi quando pelo mágico poder do Amor e da Arte eu te fiz viver nela. Então, nesse momento, tudo se tornou “uma só” coisa, um só Todo, misticamente belo e indivisível porque tudo era o teu Ser.

Sim, um dia eu te trarei aqui no momento supremo que nós esperamos e que chegarás, Petite Chose adorée, e eu te levarei mais longe ainda, mais alto sobre as montanhas inacessíveis aos outros homens, perto de Deus, que pasmará da maravilha que ele me deu e que é também a minha criação, mais alto, lá nas regiões soberanas e augustas do Silêncio, onde a luz diáfana seja a pura essência, a alma etérea da Natureza e o ar tão sutil, tão imóvel, que pareça não existir...

Ah! Eu te levarei, minha Santa transfigurada, e a tua voz de amor, descerá sobre a Terra que recolherá a melodia da tua alma e a tua voz subirá ao Céu, onde os anjos, nascidos dos teus próprios pensamentos, a repetirão num canto inextinguível enchendo de doce harmonia o Paraíso. Oh! Divina! E se para lá chegar for preciso morrer?... Então venha a morte, que nos dará a transformação celeste, a imortalidade dos seres eternos e infinitos. Morte e Vida. Vida e Morte de Amor! Que mistério!

Beijos, beijos. Adoração.

(St. Moritz, Engadine, para Paris)

St. Moritz, Engadine, 18 de agosto de 1911.

(Trecho de carta)

Idolatrada! Divina!

Como tudo é grande, imaculado e longínquo nesta hora calma e solene em que o dia e a noite se tocam. É a morada do Infinito!

Eu vos deixo, coisas belas e indiferentes! Adeus, montanhas do silêncio e da exaltação! Adeus, lago que reflete sempre o céu, como a minha alma sempre a tua imagem, Adorada! Adeus neve que descestes do céu para dormir o teu sono branco, o teu sono de mortalha na cabeça funérea da montanha, na palidez da lua! Adeus, céu que se alevanta para cima e se afasta mais e mais para dar lugar à minha exaltação de amor. Adeus, luz, cor, adeus, oh! Tu, Deus mesmo que me falavas tão perto e tão compassivo! Eu corro para Ela, para Aquela que vos dá a vida eterna, que cria na onipotência da sua força, a vossa existência na minha alma e na minha poesia. Ela é a minha alma e na sua alma eu vivo divinamente. Eu sou o seu Deus. Oh! Mística realização do meu Ser!      

(Haya para Paris).

Haya, Março 1913.

Sexta-feira, 12h30min.

Oh! Ma Petite Chose adorée, minha amante idolatrada e sublime! Tu me fizeste uma deliciosa surpresa com a tua divina e adorada cartinha de ontem. Deixa eu te contar... Amanheceu hoje um belo dia, e eu que havia dormido demais até às nove e meia, de meia noite! E que me sentia numa grande melancolia, pensei em caminhar e ir até à beira-mar. Preparei-me nesse propósito. Na rua comecei a ir inconsciente na direção do correio. De repente quis tomar outro rumo. Eu estava certo de que não teria hoje carta do meu Amor, e só mais tarde um telegrama. Seria um dia de maior tristeza. Mas o inconsciente venceu (oh! Minha poderosa e feliz natureza!) e no correio abri meio desconsolado a nossa caixinha, e foi um encanto ver e tocar aquele envelope cor de rosa em que a minha sublime Amante me mandava as palavras do seu êxtase e da sua paixão. E a minha grande tristeza se desanuviou por um instante... E eu sorri de triunfo, de orgulho, de exaltação! Como tu és extraordinária! E como eu te adoro, e te venero, minha incomparável Amante! Oh! Tu és inexcedível e tu te excedes a ti mesma nesta força, nesta decisão, neste perpétuo e divino êxtase! Eu te beijo loucamente, eu te desejo apaixonadamente e tu és a minha glória e a minha eternidade. Alegra-te...

A arte de Fausto é o prodígio de arrancar da lenda popular, anônima, o máximo do símbolo, de ideia geral, de emoção artística e filosófica. Foi a arte que me inspirou no “Malazarte”, a arte que Wagner empregou em Tristão e Isolda, nos Niebelungen.

Fausto vive na velha tradição alemã. Foi objeto do teatro popular, saiu do Guignol para crianças, e Goethe, jovem ainda, o viu nas “marionetes”... Foi daí que ele o arrancou. Já antes o poeta inglês Marlowe fizera uma peça de teatro, mas sem o gênio goethiano. Para Goethe o fundo filosófico da lenda se revelou maravilhosamente. É preciso te lembrares de alguns traços da evolução do espírito humano.

Depois do esplendor do paganismo com a sua filosofia e a sua estética, veio o cristianismo que, embora nascido na Judéia, foi principalmente uma religião dos bárbaros. O velho mundo greco-romano corrompido, exausto, vacilou e caiu por terra... Vieram os bárbaros e com eles a destruição da civilização pagã, e de toda a arte, e de toda a filosofia. “Le grand Pan est mort!...” Foi o grito que se ouviu nos bosques da Grécia... Depois da destruição é fatal a reconstrução... Depois dos bárbaros veio a idade média e com esta a civilização católica.

A filosofia passou a ser “teologia”, isto é, ciência de Deus (theos-deus) e coordenando todos os sentimentos religiosos, inspirando-se numa formidável construção religiosa, teocrática, o grande poema do espírito humano foi a Divina Comédia, em que se espelha todo o catolicismo. Foi o poema da Fé, da Hierarquia Sacerdotal, do pecado e da recompensa, do Inferno, do Purgatório e do Paraíso. A cidadela do catolicismo que parecia eterna no espírito humano teve de se render a essa milagrosa explosão de vida sensual, de arte, de liberdade, a essa volta ao paganismo, a essa combustão do espírito nas chamas do incêndio estético, e que é a Renascença!... Veio toda essa arte que tu sabes, e toda essa poesia meio cristã, meio pagã, de Tasso, Camões, Ariosto, Petrarca, Shakespeare... Mas o espírito humano na sua essência não voltou ao paganismo. Os deuses estavam eternamente mortos. Apareceu então a metafísica... Isto é, a filosofia que procura as causas originais e as causas finais, que quer saber o princípio e o fim das causas, do Universo, e que não se contentando com a explicação teológica, religiosa, busca todas as explicações. É o grande momento da Dúvida do espírito humano. Veio a filosofia de Descartes e de Spinoza, mas já antes a dúvida soprava no espírito e o homem teve a sede de “tudo" saber, de indagar o segredo da vida, a ânsia de descobrir. Foi um extraordinário instante esse da liberdade que começa, da angústia da descoberta. Fausto é o símbolo dessa ânsia de saber, da curiosidade incansável e imortal.

Agora tu vês o poema. É o poema do estado metafísico. O espírito humano procura o mistério, tudo quer sondar, ele penetra nas coisas pela ciência, e, como esta está em formação, em vez da astronomia, que é positiva e certa, ele tem a astrologia, que é vaga, inquieta, e imaginativa. Em vez da química, a alquimia. Pela astrologia, procura saber o destino do Universo e dos homens. Os astros presidem à sorte. Pela alquimia busca a origem dos corpos da Natureza e quer refazer o que a Natureza fez de mais misterioso e secular, quer fazer o ouro, o diamante, e prepara os filtros que dão a vida, a morte, o sonho e o amor... É a ânsia do espírito inquieto... É Fausto. E ele aceita o pacto infernal, que lhe dá a mocidade e o poder de se transformar. A mocidade é a surpresa da vida, todo o espírito que descobre novos mundos, que cresce e vibra às novas sensações, é eterna e divinamente jovem. A mocidade é a ação. E Goethe diz: "no princípio (isto é, o leit-motiv da vida) é a ação”. É Fausto no mundo exterior, na civilização. E vence Mefistófeles, que é o “espírito que nega”. O amor é a primeira ação de Fausto. Ele “devia” morrer no amor como Werther, Romeu? Não, ele não é o “amante”, ele é o símbolo do espírito humano que continua... Margarida é um acidente, e Fausto prossegue para adiante, em mil transformações e o seu casamento místico com Helena simboliza a união da época moderna com a antiguidade. É o triunfo da civilização fundada na Arte e na Beleza, “I’éternel retour à l'Héllade”. Dessa união nasceu “Euphorion”, a imagem de Byron, que representa o espírito humano libertado, subindo, subindo e morrendo nas alturas do pensamento.

Assim eu sinto Fausto e é com um exaltado gozo que eu te digo toda a minha emoção desse livro, que só a ti saberia comunicar...

Oh! Minha doce, minha genial Nazareth, como eu te adoro, e como eu sinto um frêmito de orgulho em teu amor imortal e divino! Tu és grande, e tu também és a minha Petite Chose adorée que eu beijo, beijo na boca maravilhosa e que eu aperto nos meus braços apaixonados. Oh! Meus loucos e fogosos beijos. Oh! Tuas carícias de amor! Minha Paixão!

Para divertimento de meu amor!

(Haya para Paris).

4 da madrugada de 03 de abril de 1913.

Psicologia Divina

Deus, criando Adão e Eva, não tinha seguramente a intenção de passar o resto dos seus dias em companhia desses dois inocentes, o que seria monótono e extremamente aborrecido. Assim o seu intuito com a criação dos seres humanos foi o de fazer surgir na face da Terra, sem trabalho para ele, uma multidão inumerável de gentes que, movidas pelos seus instintos e paixões, praticassem toda a sorte de loucuras e o interessassem e o distraíssem. Ele previa todo esse múltiplo e extraordinário espetáculo de risos, de dores e de lágrimas que vêm se desenrolando na marcha infatigável do Tempo, e que vai prosseguindo até o fim dos séculos dos séculos... E foi para esse divertimento divino, baseado na multiplicação da espécie humana que Deus criou e aparelhou Adão e Eva. Mas, sabendo quanto o homem desinteressado é indolente, e como a mulher é desobediente, não lhe quis revelar os seus verdadeiros desígnios, que não trariam o menor proveito a Adão, e que Eva por teima havia de contrariar... Portanto, para obter as seus fins secretos, proibiu-lhes de fazerem exatamente a que queria que eles fizessem... Ainda assim, o terror que ele havia incutido no espírito de Adão e Eva foi tão grande que eles hesitavam em desobedecer. Deus, vendo que o tempo corria sem proveito, e que os humanos não venciam o medo, tornou-se impaciente e apressado. Reconheceu que havia exagerada e então recorreu à astúcia para realizar o seu plano e metamorfoseou-se em serpente. Foi a primeira metamorfose de Deus, que mais tarde se transformou em sarça ardente, queixada de burra, Anjo Gabriel, Cristo, pomba do Espírito-Santo, etc., etc.

E quando Eva, melancólica e curiosa, passeava sozinha no Paraíso, Deus-Serpente começou a fazer-lhe insinuações expressivas e demonstrações simbólicas... Assim estimulada, Eva se revoltou contra as ordens proibitivas, e nessa revolta se criou bruscamente a alma feminina. Adão não teve remédio senão sair da sua cômoda indiferença...

Depois veio-lhes um grande medo de Deus, que, tomando a sua primitiva e carrancuda fama divina, se divertiu em lhes ralhar, fingindo-se muita irado. Adão e Eva, tremendo, juraram ao Senhor não repetir a desobediência... Deus, que sempre exagera, mas que às vezes se corrige, compreendeu que devia mudar de tom, sorriu, e lhes disse: “Já agora, continuem!”

E como Adão ainda estava desconfiado, não sabendo nunca ao certo quando lhe falavam a sério, Deus bateu-lhe paternalmente no ombro, e insistiu brejeiro:

“Cresce, e multiplica-te!”

(Paris para Paris).

27 de abril de 1913.

Domingo, meio-dia.

“Nosso Ninho”

Meu divino Amor! Luz da minha vida, minha Amante sublime e idolatrada, vou partir neste momento e vim buscar aqueles dons do teu carinho amoroso, e deixar aqui mais beijos, mais beijos! Lá vou nessa viagem do teu desejo... E faço esse sacrifício de me apartar de ti, Adorada, para a tua calma, tua tranquilidade! E o que eu não faço por ti, Amor único, com alegria?... Ontem, depois de te esperar longamente em vão na place Vendôme, eu te vi sair, acompanhada, do chá. Tu me buscaste... E eu penso que não me viste. Que pena! A tarde estava tão doce e eu te levaria até o “nosso” Luxemburgo...

Minha mãe deu-me à noite impressão da tua boa e agradável visita. Nula espera hoje os teus carinhos. Tu és boa! E eu te quero tanto nesses “élans” de simpatia.

Que vais fazer da tua vida amanhã, e depois, e depois?...

Eu te entrego a minha alma, e tu vives radiante e gloriosa no meu eterno pensamento.

Até sábado, às 03h30min.

Como vai ser duro esse pequeno e longo exílio! E quanta recordação do teu ser magnífico, do teu maravilhoso Amor, neste retiro da nossa incomparável Paixão! Adeus, adeus! Eu te beijo loucamente. Adoração.

(Haya para Paris).

Haya, 29 de abril de 1913.

Terça-feira, cinco e meia.

Minha Amante sublime e imortal! Minha Vida gloriosa! Alma de minha alma, ma Petite Chose adorée! A tua carta de domingo e de segunda-feira é tão doce, tão saudosa que é o divino espelho do teu pensamento e do teu amor.

Nela eu te vejo quase em todos os instantes e assim eu tenho a tua maravilhosa existência sob os meus olhos reconhecidos e admirados, e como se os fios da tua vida estivessem nas minhas mãos!

Desde ontem à noite uma estranha melancolia me toma todo o ser. Eu estava triste, muito triste, porém não sentia essa abstração, essa absorção, esse imenso silêncio dentro de mim, a melancolia indefinível!

Compreende bem, meu doce Amor, não é fraqueza, não, porque lutarei e estou forte até vencermos tudo, não é desespero, é “outra coisa” e tu me entendes. Eu quisera nada fazer, não falar, não me mover, contemplar, sonhar, recordar sem um instante de desvio, sem cessar...

É a saudade do meu idolatrado Amor! É a saudade no que ela tem de mais pungente, mais absorvente e aniquilador. E como tudo isto aqui é triste. Oh! Morada silenciosa da Saudade, onde eu sofro e nada me consola! O tempo está belo demais, o céu muito alto, sem nuvens, palidamente azul, o vento parado, o sol extravagante, a luz excessiva, as árvores revestidas de frágeis folhas, velhas árvores docemente, tristemente remoçadas... Verdes as folhas, verde o gramado, verde a própria sombra! Oh! Verde verdura, cor de melancolia!...

E estive na legação, e de lá venho. Nada de importante. Hoje de manhã, ao sair do hotel, encontrei dois colegas. Fiz alguns passos com o ministro da Alemanha que me quis deslumbrar com as suas recentes leituras. Que martírio a reputação de escritor! Abandonei-o logo e a tua carta lida no correio me deu o encanto desejado e com ela vim até os “Bois”, e aí a reli mil vezes e a vivi na intensidade da nossa Paixão.

Depois, ainda antes do almoço, fui escolher as flores que te mando. Vão muitos “muguets” e também tulipas raras, lindas, e “pois de senteurs" (escreve-se assim?). Tudo me pareceu delicioso e longínquo sonho e perpétuo pensamento de amor. Receio que as flores cheguem amanhã à tarde, quarta-feira, e assim não tenham aquela fragrância e frescura que eu desejava a 1º de maio.

Quem sabe, se tratarem bem?... Recomenda aí que não cortem “por ora” e na tua ausência, os pés das tulipas. Tu mesmo as arranjarás a teu gosto para as levares na quinta-feira para a casa. Escreve-me ainda na quinta-feira, pois sigo sem falta na sexta-feira, porém só às duas e meia.

Está custando muito a passar o tempo desta separação, e cada dia me é mais difícil viver um instante fora de ti, e quanto mais, longe de ti... Toda a minha vida, toda a minha alma, é o desejo, a aspiração de ti, meu infinito Amor! E enquanto eu não realizar a suprema vontade do meu ser, que martírio e que tortura!...

Não poderás jamais saber como eu te amo, porque não há expressão para definir o meu amor, e o que eu manifesto é apenas a ideia da intensidade que lavra em meu coração, em minha alma, em todo o meu ser!

Oh! Hoje eu pairo extático diante da tua imagem, e não sei me exprimir!

Vou por aí fora, errante, triste, sonhador, amando-te, amando-te! Oh! Melancolia!

Recolhe a minha alma dolorida e apaixonada... Agasalha-me bem, bem no teu peito amante... E eu te beijo, louco, místico, ardente. Oh! Morte de amor! Vida eterna! Adoração!

(Haya para Paris).

Haya, 02 de Maio 1913.

Sexta-feira, cinco e meia da tarde.

Ah! Minha vida, meu anjo adorado, minha Paixão, que martírio ficar hoje aqui longe de tua divina presença ainda dois dias!

Pelos meus telegramas e pela carta do correio ontem tu viste o efeito que causou em mim esta grande decepção... O meu primeiro impulso foi de partir, e de estar contigo ainda que uma rápida hora... E assim estive decidido, mas nesta dura e longa vigília da noite fui pensando que tu vives tão sobressaltada e ao mesmo tempo tão escravizada, minha adorada Petite Chose, ultimamente, e quem sabe se te seria fácil vir ao meu encontro ou de manhã ou de tarde, e que irias forçar uma situação difícil, que eu, oh! Dor! Resignei-me a esperar a tua relativa liberdade!...

Oh! Tu, minha alma eterna, sabes o grande sacrifício que fiz ao impulso do meu ser que só em ti vive e se alegra...

Aqui estou triste, acabrunhado, amargando este exílio, longe de ti, longe do que adoro, da minha luz e da minha razão de viver...

Nem mesmo posso escrever a minha mágoa... Mas eu não me queixo de ti, meu Anjo adorado. É da fatalidade que me queixo. E tu compreenderás que tudo o que faço é pelo amor, para que não sofras ainda mais do que tens sofrido neste mundo. Eu te adoro. Tu sabes!

Aí estarei no domingo, às 11 da noite. Vou dormir nessa cama da nossa paixão, do nosso êxtase e como que o teu delicioso perfume, a tua misteriosa essência, e as lembranças eternas do nosso amor incomparável me agasalharão, me adormecerão e me darão um doce repouso enquanto não me chega à presença real daquela divina adorada, da minha Petite Chose, da minha Beleza sobrenatural, que é toda paixão, alma, vida eterna!

Não te escrevo amanhã. Mando-te um telegrama. Avisa aí ao “concierge” a minha chegada. Escreve-me amanhã para que tenha a tua carta domingo antes de partir.

Perdoa não te escrever mais hoje... Estou exausto com esta decepção. Oh! Eu te adoro! E morro por ti. Quero o teu pensamento eterno, a tua alma sagrada, o teu corpo divino e beijo-te, beijo-te com os transportes de uma paixão sem igual! Adoração, amor.

06h30min. No Correio. Não tive o teu telegrama até agora! Hélas! Voltarei mais tarde. Hoje telegrafo à tua casa e assim terás como que uma resposta minha.

Dorme calma, meu Anjo adorado!

Não penses que estou, de leve mesmo, triste contigo. Não! Tu és a minha alma musical, a minha poesia! E eu te admiro neste Universo e te adoro com a paixão sem igual que tu sabes.

Sê gloriosa para segunda-feira no nosso divino êxtase!

(Haya para Paris).

Haya, Junho 1913.

Para a tua cultura.

Sim, tens razão, Juliano é uma figura enigmática. Ele persistira como um problema de psicologia na história. Fatalmente influenciado pelo espírito da sua época, a sua tentativa de ressuscitar o “helenismo” foi falha e desastrosa. Não se volta a um sentimento perdido, e o cristianismo tinha destruído o paganismo. O helenismo de Juliano é falso, e por isso ele querendo restabelecer o passado, é um retrógrado e a sua reação contra o novo espírito é um aspecto do romantismo político, desse mesmo romantismo que perdeu Napoleão, quando, deixando de ser “realista”, e ser a porta voz da Revolução, quis ser o restaurador do Império Romano, e reunir o Ocidente ao Oriente.

O cristianismo “domina” o espírito de Juliano, que “artificialmente” se faz um heleno.

O seu paganismo foi o cristianismo politeísta, como mais tarde o catolicismo foi o paganismo monoteísta.

A sua “restauração” do paganismo é impregnada da organização cristã, é uma adaptação do cristianismo, o que prova que este era vitorioso na época de Juliano, e que as suas instituições servem de modelo à restauração.

O paganismo de Juliano é “virtuoso” à feição do cristianismo e daí o grotesco da imitação e de toda a reação do novo helenismo.

Há um paganismo inspirado pela “fraternidade”, pela caridade e pela filantropia. E o próprio ascetismo que começa a exaltar o espírito cristão é copiado pela organização pagã de Juliano.

Que singulares mosteiros em honra de Afrodite!

Tudo é formal, exterior, na reação helênica de Juliano.

E para chegar a esse desastre, a esse artifício, Juliano foi dissimulado, hipócrita, incoerente. O homem é interessante, pelo seu gênio literário, e pela sua “atividade”.

No fundo ele é mais um oriental do que um grego, um Ocidental.

O seu gosto do mistério religioso, é uma ficção do espírito oriental.

Há um estudo a fazer sobre o espírito mediterrâneo-helênico, em conflito com o mediterrâneo-africano.

Meditemos sobre o segundo Fausto, a Tentação, Solambô, Juliano.

Há também a considerar a aproximação entre o século IV e o século XIX. No século IV há a dissolução, a morte do paganismo pela teologia monoteísta, pela moral dos escravos. No século XIX há a morte do cristianismo pelo espírito crítico, pela “análise” que destruiu os milagres e pelo advento das ciências naturais, (o darwinismo).

Mas em ambas as épocas reina uma grande confusão espiritual, há um perpétuo conflito de religiões, de sentimentos filosóficos. No século IV aparece a ciência e os laboratórios, que nasceram das práticas religiosas e dos mistérios dos augúrios, dos exames dos corpos e das vísceras. Começa-se a se ocupar com as origens das espécies, a evolução, e tudo é envolto em misticismo.

Por outro lado a religião é um tumulto, um formigueiro de heresias. O espírito humano é levado ao máximo das disputas religiosas da exaltação e da indagação. Ao mesmo tempo há um desgosto em muitos espíritos. Uma literatura antiga que persiste, há ainda todo o helenismo morto, e uma aspiração romântica de voltar ao passado, “le retour à I'Héllade”.

No século XIX, também aparece o misticismo ao lado do realismo, é o ocultismo, o misticismo das forças da natureza, a profecia baseada nos fenômenos naturais. Há a crise científica do dogma cristão, mas há a teosofia, o espiritualismo, a indagação das causas finais, há a divinização da natureza, o panteísmo. Na literatura, também ao lado do novo espírito há o espírito do passado, há uma emigração moral para a época perdida.

Na política há também o “élan” humanitário, o socialismo, o anarquismo, toda a massa escrava, proletária, que se levanta e quer dominar a Sociedade.

São duas épocas que se assemelham, épocas de profunda crise moral, e de transformação do espírito humano, determinadas por dois fatos idênticos: a morte do paganismo e a morte do cristianismo.

(Haya para Paris).

Haya, junho de 1913.

Terça-feira, 6 horas.

Oh! Minha gloriosa Amante, minha Beleza triunfante, meu milagre de Amor, é num imenso voo de paixão que eu te busco e corro para os teus braços divinos! A volúpia, o desejo, essa secreta e intensa vibração de todo o meu ser e que não tem nome, mas que também é a tua, tudo me exalta e me transporta. Que famintos os nossos beijos, que infinitos os nossos êxtases! Que arrebatamentos em nosso delírio!...

E como tu me vais acariciar, oh! Minha ardente Amante!... E eu estremeço de gozo antecipado... De tudo que de belo, grande e eterno eu terei do teu Ser sublime e da tua paixão incomparável!

Oh! Petite Chose adorée! Se tu soubesses como eu preciso de ti, da tua ternura, do teu consolo!...

Tenho sofrido muito, muito, e tu adivinharás.

Eu vou buscar depois de tantas lágrimas e de tanta angústia, a alegria eterna em ti, oh! Meu anjo, meu paraíso! E tu serás tudo, imortal, poderosa, frágil, doce, ardente, meiga, alquebrada, exaltada, pálida e transfigurada, porque tu és a Paixão, e tu és a Amante! E como tu és bela! Oh! Maravilhosa Narazeth, oh! Minha vida, minha consolação, alma de minha alma, corpo do meu delírio!... Eu sou teu! E eu morro por ti, minha vida! Tu viste que esta manhã recebi a tua carta que é uma maravilha de amor e eu quero que a conserves. Há tudo nela que é belo e eterno. Tudo se arranjou bem e quinta-feira, nós nos beijaremos. Irei ao teu encontro de 02h30min a 03h00min.

Oh! Tu deves saber como estou impaciente por ti.

Deixo Haya amanhã às 02h40min e chego a Paris às 10h45min. Pela manhã terei a tua carta de hoje.

A minha partida se arranjou sem violência, se bem que desde anteontem a megera diga desejar ficar ainda aqui por quinze dias. Oh! Essa mulher! Que infernal criatura! Ontem e hoje ela está terrivelmente endemoniada! Nada a nosso respeito, questões de raiva contra mim, procurando brigar por tudo, e sempre se queixando e me analisando com maldade e calúnia! Horror! Ufa!...

Mas tu és minha, tu és eterna, tu me adoras como tu me adoras e ninguém foi adorado com eu! E por isso oh! Amor divino, esqueçamos essa “miséria” e sejamos heroicos e sublimes!

Todo o meu ser em ti e eu te beijo com loucura e paixão. Oh! Como eu sou teu! Adoração.

(Haya para Paris).

Haya, 30 de junho de 1913.

04h30min horas.

Minha adorada Petite Chose, minha alma, minha vida eterna, meu Pensamento imortal, oh! Minha doce paixão, eu estou contigo na unidade absoluta e divina! Que imensa dor a desta separação e como nos separamos ontem! Estavas tão nervosa, tão inquieta, que fiquei num grande e angustioso tormento de te deixar assim... Que martírio sem nome o teu que vives atribulada, sem repouso, sem olvidio, quando tu só devias ter a felicidade infinita, o doce esquecimento para o pleno gozo do teu amor!

Tu que és o amor, e que amas extraordinariamente e que sentes o amor, que é a tua vida, condenada a este suplício de não te poder dar inteiramente a ti mesmo, e aos teus nobres e divinos sentimentos!

Eu não falo de mim... O que eu não quero é te ver sofrer. Isto me tira a vida... E de todos os lados te vem o martírio... Sofres no teu orgulho com estes “dois entes” inferiores que cada um a seu modo te ofendem... Sofres o terror do perigo que a cada instante abre para nós o desfecho final desta tragédia... Sofres na tua própria grandeza de espírito, que subiu muito, muito, que é uma maravilha, e que se debate num quadro pequeno e miserável...

Que posso mais fazer para cessar o teu sofrimento? Oh! Dura e inexorável fatalidade que nos mantém na tortura e que não nos abre a saída para a liberdade e para a verdadeira vida! Não sei o que faça mais...

Não estou desanimado, mas estou desesperado, venda-te enervada e triste...

No meio de todos os suplícios o que me apoia é a consciência forte e grande, é que jamais eu te fiz sofrer diretamente, eu sei que tu sofres pelo nosso amor, mas eu não ofendi nem por um pensamento descuidado esse amor sublime... Preferia morrer, sem ti, a te causar a mais instantânea tristeza. Vês? Oh! Minha beleza exaltante, minha criatura adorada, pequenina e imortal!

Onde estás neste momento? No “Bois”? Oh! Natureza companheira e benfazeja! Agasalha a minha divina Amante e mostra-lhe tudo que é belo, e que nela se reflete! A luz, a cor, a fama, o sonho; tudo é Amor!... São as expressões mudas do Amor!

Voltarás um instante ao nosso “paraíso”? Verás aí a tua imagem extasiada, ardente, amante, que ficou neste retira de saudades e que acompanha nesta solidão a tua presença de triste “Petite Chase” que evoca, que vê, que se sente alquebrada e dolorida!

Meu Amor, meu Amor! Eu estou contigo!

Tu paras um momento, tu sonhas, tu cismas, e tu quererias ficar aí nesse único e divino santuário da nossa paixão! Como o teu coração está apertada, como os teus imensos olhos estão extáticos, como a tua garganta se constrange! E as tuas mãos gelam e todo o teu ser sofre a infinita angústia sem nome da saudade! No lugar onde tudo foi amor, delírio, paixão! Ah! Se eu aí aparecesse... Que beijos, que abraços em teus abraços, que delícias! “Tu és minha”! E eu morro e vivo por ti, minha Santa transfigurada, beleza maravilhosa que é a minha vida e o meu êxtase!

Antes de deixar Bruxelas mandei-te um longo telegrama. Ao chegar na Haya, da estação, mandei-te outro.

Já houve a primeira reunião do tal “Conferência do Opio”. Amanhã segunda e provavelmente última reunião. É quase certo que seguirei daqui no dia 03 à tarde.

Olha, se eu for na quinta-feira, e chegar aí sexta, mandarei o meu telegrama de felicitações pelo teu aniversário, o telegrama “público”, assim: “sinceros” felicitações. Se eu “não” for na quinta-feira, telegrafarei: “muitas” felicitações. Assim estás prevenida. Tu sabes que tu és a minha vida!

Beijo-te, beijo-te, oh! Minha eterna e divina Santa!

(Haya para Paris).

Haya, 01 de julho de 1913.

Terça-feira, 12h30min.

Meu Bem! Todo meu sublime e delicioso Bem, minha eterna vida, minha Santa transfigurada!... A tua carta de ontem chegou cedo, e quando fui ainda há pouco ao correio já a encontrei. Dormi fatigado da tristeza da saudade imensa e da dúvida em que estou se posso ou não voltar amanhã.

Hoje há uma sessão que pode ser decisivo e eu ainda te direi o resultado. As minhas horas, quando não às dedico a te escrever, se têm passado em trabalhos do cargo e em aturar as dolências do Alcoforado, desconsolado de ter sido mandado para o Equador, e do Armínio nervoso em extremo por não saber o seu novo posto de primeiro secretário.

Imagina se o futuro ministro do Exterior é o Enéas! Recebi telegrama do Enéas dizendo em cifra que o nosso candidato à pasta do Exterior devia ser o Azeredo! Procurei o Azeredo ontem antes de partir. Repetiu-me este não poder e nem lhe convir ser ministro, e autorizou-me a telegrafar ao Enéas dizendo ser ele Enéas o nosso candidato e que nesse sentido se começava o trabalho junto do novo Presidente. Mandei ontem este telegrama ao Enéas. Seria ótimo que nós conseguíssemos isso, para não perder a partida.

Li a notícia do “Fígaro” que redigi sobre teu Pai.

Tu sabes quanto é sincero o meu sentimento e só lamento não ter feito melhor. Haverá ocasião. Gostei que tivesses gostado... Eu me sinto tão bem, tão deliciosamente bem, quando tu me aprovas... Vê... É o teu Mestre e Senhor que te pede o sorriso da harmonia... Oh! Eu te adoro loucamente, minha Coisinha de nada e onipotente!

Como eu me abismo na saudade da tua imortal beleza e de tuas divinas carícias e de nossas profundas, mortais e transcendentes volúpias!

06h30min. — Venho da conferência e chego ao hotel depois de ter ido ao telégrafo te mandar o meu desolado telegrama, avisando que é impossível partir amanhã como eu tanto desejava. Estou muito, muito contrariado. E tudo por culpa do tal presidente da conferência que é um imbecil, não sabe resolver, e, como holandês, está prolongando esta reunião que só dá lucro aos hotéis!

Há um desespero geral em todos, que se veem dirigidos por um incapaz, e a “Conferência do Opio” (que ridículo!) se está tornando barulhenta e tumultuosa.

Escreve-me, Amor, é o meu único consolo, a não ser a tua divina imagem que me acompanha na mais profunda e doce saudade. Tu és um anjo! Meu tesouro incomparável, como tu és grande, e como tu és a Amante ideal! Eu tenho orgulho da tua revelação e me entrego a ti na mais absoluta confiança.

Mas por que tanta separação?!... E agora neste momento, quando longos dias de duro afastamento dos nossos corpos estão para vir... E esse Brasil?... Quanto desespero!

Tu vês que o meu estado de espírito mudou, só pela decepção de não te ver na manhã de quinta-feira. Esperemos. Meu Amor, consola-me com os teus beijos de ausente idolatrada, com a eternidade do teu divino pensamento. E para a vida e para morte! Adoração. Amor. Paixão imortal!

(Haya para Paris).

Haya, 2 de julho de 1913.

Quarta-feira, 10 horas.

Meu Anjo da Paixão, meu doce Amor, meu eterno Bem, eu te adoro! Como eu te adoro!

Tu és a minha Alma musical, meu Pensamento, meu Êxtase, minha Poesia, meu Delírio sublime, minha Paixão! Que angústia um instante longe de ti! Onde neste momento a música de tua voz que canta em mim? A luz meiga, radiante, infinita de teus olhos divinos? Tu és a luz! Tudo em ti é belo, luminoso e uma auréola que emana de teu corpo divino e de tua alma transfigurada te envolve e ofusca os outros seres... Tu caminhas dentro da luz! Oh! Misteriosa! Como eu amo a tua palidez luminosa, é a cor do êxtase, a cor santa em que a paixão e a morte se anunciam! Tu és bela e admirável, tu és a minha Vida!

Amanhã é mais um ano da tua vida humana. Eu celebro na minha alma o mistério do inicio da tua existência. É o ponto de partida indispensável à tua formação e a esse esplendor a que atingiste! Eu sei que o teu “outro” nascimento foi quando o teu ser teve a revelação suprema do Amor. O Amor é o teu verdadeiro criador. E a tua existência em pouco mais de dois anos pela sua sublime grandeza, pela sua incomparável intensidade deixa apagados os anos anteriores de adormecimento, de apatia, de incompreensão! Mas o teu “primeiro” nascimento, se posso assim chamar, era indispensável ao mistério do teu grande destino, e é por isso que eu celebro na minha alma ardente o instante em que começou a tua existência que devia ser mais tarde gloriosa e sublime!

Eu te tomo docemente em meus braços e beijo-te meigamente, com a minha profunda ternura, e por uma transformação imaginativa, eu te vejo o pequenino ser desabrochando a vida, trazendo em si o segredo da minha alma, guardando misteriosamente o gérmen da minha essência, da minha emoção eterna, para me revelar a mim mesmo mais tarde!

Tu sabes que há no Universo uma harmonia profunda, que tudo tende para a unidade absoluta, que cada ser se completa definitivamente em outro ser, é a afinidade eletiva, é o Amor!

A criancinha que há anos tu foste, minha adorada Santa, já era o ser a mim destinado, e eu caminhei pelo mundo buscando-te, e quando nos encontramos, como nos iludimos durante anos à força do Destino! Mas esse era imortal, e o momento da revelação chegou enfim! Tu nasceste para mim, tu vieste também peregrinando pelo mundo até chegar à minha essência que era a tua alma... E os nossos seres se fundiram na união eterna, absoluta, sublime!

E que “viagem maravilhosa” a tua! O nosso Destino é trágico e belo! Não é porque a Morte nos acompanha os passos, é porque o Amor nos deu a chave do mistério universal, e nós vemos e sentimos tudo! A tragédia está na elevação de nosso espírito, na exaltada vibração dos nossos corpos apaixonados em que se revela o senso profundo do Universo, até então não atingido. Nós estamos além de tudo, muito longe, muito alto, e nós compreendemos o relativo porque vivemos no absoluto!

Eu não conheço nada mais maravilhoso do que a tua alma! Eu repito sem cessar que tu me deslumbras, e que tu és Única. Há uma infinita e doce harmonia em tua alma e essa harmonia é iluminada por uma poderosa inteligência, pelos raios de um gênio. É por isso que quando eu vejo que as contrariedades, as misérias, as ofensas, as limitações arrancam-te da imensa e forte paz de teu espírito, uma grande tristeza me invade, como a instantânea obscuridade do sol entristece o mundo...

Mas como o próprio sol tu vences “tudo”, tu brilhas, logo, o mundo da minha alma ressuscita!

Tenho uma pena indizível não estar aí amanhã contigo, Santa, minha Petite Chose adorada! Mas o meu pensamento companheiro eterno e abençoado não te deixa! E tu és sempre gloriosa e amada como ninguém!

06 horas. Fui interrompido neste voo de amor e saudade por visitas (um ministro, o Armínio, e gente do serviço da legação).

Naturalmente fiquei triste porque o meu único consolo é te escrever! Consolo!...

Antes de almoçar corri ao correio e tive as tuas duas cartas tão doces, tão apaixonadas, tão belas, tão tuas! Foi uma admirável surpresa. Duas cartas! E a segunda de “nossa” casa, do nosso paraíso. Oh! Amor! Como tu és sublime e sempre única! Como eu te adoro e te admiro! Fiquei tão contente que, correndo, mandei-te num telegrama o meu doce sentimento, e esta mensagem do meu coração que só, e inteiramente teu, te chegou sem dúvida aí a tempo de o receberes hoje “mesmo”.

Pensei que estaria contigo sexta-feira. Mas esses miseráveis não encerram a conferência amanhã, temos sessão “final” sexta-feira de manhã e eu não posso partir sem “escândalo” antes de sexta à tarde.

Mas sábado sem “falta” estarei nos teus braços e tu me beijarás. E eu te acariciarei docemente com toda a minha doçura mais profunda. E terei as tuas divinas carícias!

Oh! Meu Amor idolatrado, minha Paixão! Dá-me a tua boca ardente, pensa em mim que morro por ti e amanhã e sempre e eternamente estou em a minha Petite Chose adorée. Oh! Beleza! Beijos, beijos!

Guarda bem para mim toda a tua alma na festa do teu aniversário... Tu és minha e relê o que eu disse de ti, meu divino Destino, minha força, minha alma musical, Nossa Senhora da Paixão!

(Haya para Paris).

Haya, 3 de julho de 1913.

Quinta-feira, 05h30min.

Minha doce Petite Chose adorée, minha alma imortal, meu êxtase, meu anjo da paixão, quando eu penso que há esta hora eu “devia” estar a caminho das tuas carícias e de tua divina presença e no entanto estou tão longe, tão só, sem ti, meu Bem eterno, o meu desespero é sem nome, e apesar da minha extrema resignação e da minha incrível força não posso fugir a uma tristeza infinita que me magoa e me acabrunha. Como eu te quero, com que paixão, com que ardor! Nada me contenta, nem o pensamento, nem a saudade. Tudo é mortificação, agonia, ânsia. Um desejo de me agarrar a ti, de te “sentir”, de te beijar incessantemente, de te respirar, de te ver, de te ouvir, minha deliciosa alma musical! De só viver contigo, minha Essência imortal, meu Tudo, meu Encanto, meu Paraíso!

O meu pensamento te segue sem variar de atenção... Eu só vejo a ti... Oh! Paixão incomparável! Oh! Martírio delicioso, oh! Desejo sem fim e sempre ardente!

Tudo aqui é triste. O tempo é feio, úmido. Há nevoeiro e chuva. Estou só! Muito só.

Se eu aí estivesse, tudo sorria para mim. Nós vivemos numa grande agonia, os nossos encontros são tão rápidos, mas ainda assim nos vemos, nos tocamos, nos confundimos na volúpia imortal, e as nossas bocas, os nossos corpos vivem, se exaltam, e tudo é a glória do amor, o delírio no paraíso da paixão!

Tenho sede e fome de tuas carícias de fogo, de doçura e de transfiguração sensual e ideal!

Eu te adoro! Oh! Como tu és bela! Tu te ergues da Terra como uma Rosa! E tu és pálida como um círio, e tu és como a chama!... Tu és a minha alma amante e nos teus olhos eu me abismo no paraíso da paixão...

O teu espírito é angélico, a tua inteligência é profética, tu tens o segredo do passado e do futuro, e em cada linha, em cada movimento de tuas formas sobrenaturais se revela o mistério do Universo, o sentido oculto da minha própria vida.

Como eu te quisera comigo eternamente, divinamente, no êxtase, no esquecimento! Eu te quero, meu Amor! Eu te quero!...

Que doce e penetrante poesia em tuas cartas! Como tu és bela e grande e maravilhosa. Tu exprimes admiravelmente a tua paixão incomparável, e como tudo te fala tão sublime e tão intenso e tão íntimo!

Nosso ninho amado, nossas horas trágicas e divinas!...

Eu volto, eu volto, e sábado há 1 hora estarei nesse recanto onde tu passas a cismar sozinha presa à minha imagem e sacerdotisa da Paixão no misterioso templo do Amor!...

Aí encontrarei a tua imagem e tu virás ao meu encontro, e tudo será beijo, imenso, infinita. Oh! Êxtase de Amor!

Durma amanhã em Bruxelas, no Palace Hotel, com meu nome. Siga no trem de 08h20min para Paris, sábado. Infelizmente vou dormir nessa noite no Hotel de la TrémoiIle! Hélas!

Estava ansiosa para saber a que haviam comprado para o teu presente de anos. Manon! Por quê?... Não. “Il n’y a aucun rapport”...

Oh! “Hebé” triunfante! Tu sim, exprimes alguma coisa da minha amante divina! Tu és alada! Tu és cama ela a Aspiração, o Sonho, a Infinita. Tu és ligeira, elegante, graciosa como ela, e tu dais aos deuses a ambrosia, cama ela me deu na sua boca divina a poesia, a olvidia, a volúpia, o mistério, e o Paraíso!

Eu te adoro, eu te beijo loucamente, minha alma, minha vida, meu pensamento contigo, Amor!

Tu tiveste esta manhã às rosas que te mandei. O meu triste telegrama foi mal, o meu telegrama de amar e saudade, que espero tenhas recebida, tem sempre o meu pensamento, os meus eternos desejos, e a minha vida.

Beijo-te, beijo-te. Até sábado e seremos gloriosos na paixão.

Eu te quero para mim só.

Eu te adoro. Tu és imortal!

(Haya para Paris).

Haya, sexta feira, 04 de julho de 1913.

Seis e meia.

Minha vida eterna, minha suprema Delícia, oh! Minha Amante idolatrada, só agora te escrevo porque desde esta manhã o meu tempo tem sido tomado por visitas de colegas, que me vieram consultar sobre questões a resolver na Conferência, depois do almoço ainda combinações e de 3 horas até agora uma fatigante sessão, que nos enervou a todos, e jamais eu imaginei que o “opio” produzisse esse efeito de excitação como acabo de testemunhar.

O pior é que tenho de aturar o ministro americano, que é meu amigo, porém muito teimoso e confuso e sou eu que o tenho de convencer. Enfim só me faltava essa moçada, depois de tanto aborrecimento.

Temos sessão amanhã, às 10 horas, e eu espero partir às duas e meia, e ir dormir em nosso doce e agradável recanto de amor...

“Se eu não telegrafar” muito cedo, é porque assim fico resolvido e tu virás me ver no sábado, de manhã, e mais tarde às “3 horas”. Eu farei minha aparição no hotel às 6 da tarde de sábado. É o melhor, meu Amor.

Assim nós temos um dia para nós, e como eu necessito dos teus carinhos, dos teus beijos, de teu divino e maravilhoso corpo, do teu êxtase sublime, de tudo, de tudo que é a beleza, a imortalidade e a paixão!

Não me telegrafes amanhã, tu me escreverás como se “eu estivesse” aqui e deixa a carta aí para eu ter a sua deliciosa companhia durante a noite.

Meu eterno e exaltante Amor! Como vibrou em meu coração todo o teu grito de paixão na tua carta de ontem, e nos teus telegramas!

Tenho tanto que te dizer, e hoje não posso. É uma infelicidade, mas estou cansado, vou levar esta ao correio e venho me deitar um pouco, pois à noite tenho uma conferência com alguns colegas em casa desse fatal americano, ainda sobre o opio.

Perdoa e recebe a minha alma que te adora em meu ser extático!

Beijos, todos os meus beijos, minha vida eterna...

(Haya para Arcachon).

Haya, agosto de 1913.

(Trecho de carta)

Idolatrada! Minha gloriosa Paixão!

O milagre da tua aparição no mundo das formas ficará inexplicável eternamente. O Tempo foi o artista sutil, misterioso e infatigável que te criou, e de tão longe!

Quando a primeira nebulosa se formou vagamente no caos, já trazia o “desejo” dessa última e final criação. E tudo foi uma “Viagem Maravilhosa”. O Universo era luz e calor, e um raio dessa luz eterna e divina, ficou imortal, e uma chama desse fogo entranhado permaneceu doce e violenta... Nos teus olhos se guarda aquela luz e aquele fogo do primeiro instante em que o caos despertava do nada, e por isso neles está à vida eterna, a fonte de toda vida.

A água correu sobre a face do mundo e ela está como uma fonte pura e longínqua nos teus olhos cheios de amor!

Não houve um gesto de beleza na natureza que não fosse em tua intenção. A luz, o sol, as estrelas, as árvores, as flores, a forma de todas as coisas belas, a sombra benfazeja e agasalhadora, as linhas das catedrais, a fronte do Partenon, tudo que o gênio e a vida produziram, tudo triunfa na magia da tua forma incomparável. Tu és a paisagem, tu és a estátua, tu és o templo, tu és a árvore, tu és a flor, tu és o sol, és a estrela. Se tudo que é forma e expressão no Universo desaparecesse, tu restarias para dar a ressurreição e a vida. E só “eu te compreendo”, é por isso que me calo, e do profundo e maravilhoso silêncio, o grande êxtase se ergue como um lírio puro numa atitude de adoração.

Tu e eu somos a unidade perfeita e absoluta. A tua vibração intensa, divina, é a minha vibração. Não há nem para ti, nem para mim, segredos no Universo. Nós somos íntimas com todas as coisas. A tua voz ressoa em mim como a música secreta da minha alma. As tuas palavras são sempre profundas e elas dizem o mistério imperceptível. A tua “intuição” é a que vem do Tempo Criador, e não há força maior de inteligência que esta da perfeita unidade com tudo que é imortal.

Os nossas desejos se unem e tu fizeste do Amor, a epopeia da tua alma. O Amar é o teu Criador. Tu és a grande heroína do Amor e da Paixão numa raça mística e sobre-humana.

“Vita Nuova” para mim e para ti.

Tu te ergues no mundo que nos formou, como a aurora que sai da noite. Mas em vez da tristeza de nascer para a vida, tu te ergues como a expressão do triunfo do Universo, na Beleza, no Gênio, no Sentimento, e no Amor eterno. E por isso tu sorris, e nós realizamos por entre as coisas indiferentes e belas, a Unidade das nossas almas, das nossas sensações e da nossa divina Fatalidade. Oh! Amor!

(Haya para Paris)

Haya, dezembro 1913.

Domingo, 12h30min

Minha Luz divina! Minha Beleza extasiada, como tu és bela!

Toda a minha noite foi um longo e delicioso sonho contigo. Tudo que é de grande, admirável, único e supremo em nossa união incomparável, “tudo” me apareceu em sonho. E como a tua beleza é profunda, perfeita e imortal. Eu te vi sempre muito bela, pois tu me deste, oh! Ventura, a sensação absoluta do Ideal! Tu “realizaste” aquilo que eu eternamente buscava, a suprema beleza, a alma sublime, o corpo maravilhoso, em que o espírito vive em perpétua glória!

Medita nisto: a vida do teu Amante não tem sido mais uma peregrinação até a revelação da sua paixão em ti, a realização da tua Beleza. Eu te buscava numa vida inconsciente, eu te busquei na vida consciente, e tu vieste a mim, e nós nos unimos para a eternidade!

E que destino sem igual o nosso de termos realizado o Amor, como não há outro, o Amor fora dos tempos, e que domina os espaços, que é soberano e divino! E eu fico deslumbrado em ver como tu tens a admirável consciência do teu destino e da sublime e amada fatalidade que nos uniu e nos sagrou!

Todos teus atos e teus pensamentos são a pura harmonia, a música e os gestos da Paixão.

Na tua magnífica e poderosa cartinha de ontem eu senti a medida exata do teu estado de espírito. Vejo-te no absoluto do Amor! Vejo-te altiva, contente de mim mesmo, bela, invencível, orgulhosa e soberba Amante. E eu acrescento: divina! Idolatrada! Meu Amor, como eu te amo e te venero, e como tu me enches de admiração e respeito pelo teu indomável e belo caráter!

Também, tem coragem e para adiante, para adiante, para a vida, para a glória! Sim, fazem essa linda “viagem” pela Natureza e pela Arte, enriquece o teu genial espírito! E tu já disseste o motivo sublime da tua “viagem maravilhosa”. E eu te beijo, te beijo apaixonadamente!

Ontem fui com o Armínio e o Rodrigo à conferência de Richepin. Havia muita gente da burguesia e do povo da terra. Alguns diplomatas, o italiano, o francês, o belga, e apenas uma senhora, a ministra da Itália. Felizmente Richepin partiu hoje às 09h30min para Paris. Conversei com ele algum tempo, no intervalo da conferência (porque assim é o estilo da terra, a meia hora de descanso). Richepin está inteiramente preocupado com a sua peça “Le Tango” que será representada amanhã e do que ele me disse, creio ser uma palhaçada representada pela Lavallière e pela Spinelly! E se passa no século XVIII. Por quê?...

Hoje de manhã como não podia te escrever fiz esse pequeno “croqui” de Richepin como conferencista:

“Pequeno divertimento literário para ma Petite Chose adorée”:

“Richepin fez ontem uma conferência sobre Napoleão. Ele foi como de costume muito brilhante e agradável, mas extremamente superficial. Em todo o caso aqui, nesta sonolenta e úmida cidade, em plena noite de inverno, a conferência, embora cheia de evocações de coisas conhecidas, produziu o belo efeito de uma visão do Mediterrâneo, que surgisse no nevoeiro do Norte. Richepin possui a “ciência alegre”, é a ciência que Nietzsche proclamava como característica dos povos herdeiros dos gregos e dos romanos, e que ele designava em italiano: “la gaya scienza”. Richepin anima todo o seu discurso de imagens, de anedotas, de poesia, e ele o diz como um verdadeiro “ator”. Esse orador “representa” o seu discurso, e por isso o melhor espetáculo é ele mesmo e se goza mais do “como ele diz”, do “que ele diz”. Em geral nos pensadores há sempre mais interesse no que eles dizem do que na forma ou na maneira pela qual eles exprimem os seus pensamentos. Em Richepin, é o contrário. Estamos em presença de um homem que “só” diz o que todos sabem, mas ele sabe dizer como ninguém. E assim há um “rápido” prazer em seguir o “ator” em todos os seus efeitos. Ontem ele foi de uma grande virtuosidade. Foi eloquente, chegou ao instante da poesia, foi “familiar”, vulgar, desceu à grosseria, foi Bonaparte, foi Marechal de la Grande Armée, foi o “petit caporal”, foi mamelouck de la Garde, foi criança do tempo do império, e se exaltou, e riu, e se comoveu, e como um “troupier”, um “grenadier”, cantou ao som do tambor, e morrendo em Waterloo, gritou: “Vive l’Empereur!” Voilà “la gaya scienzal...” E assim soprou neste nevoeiro da Holanda, o espírito do Mediterrâneo! Mas esse espírito me pareceu vir dos túmulos... É uma ressureição de mortos. Pura retórica.

Oh! Eu só penso em ti, e só penso para a minha Coisinha adorada e que eu devoro de beijos e carícias. Oh! Amor eterno! Meu Amor! Hoje te escrevo pouco. Vim ao correio buscar a tua carta e te respondo da legação, onde estou fechado.

A megera, (oh insuportável criatura!) foi à missa.

Tu vês que a minha vida tem o belo ritmo da tua e eu te “sou absolutamente fiel”.

Oh! Eu te adoro e tu és a minha vida eternal

Que eu sonhe contigo, como sonhei ontem, e parecerá que a noite é mais doce!

Beijo-te, beijo-te! Escreve-me como tu sabes me escrever. Conta tudo e sê sempre gloriosa.

Nhonhô foi promovido a capitão de fragata e ficará na Europa.

Cuidado com as duchas! Não te resfries.

Mon Amour! Ma Petite Chose adorée!

(Haya para Paris)

Haya, 29 de dezembro de 1913.

Segunda-feira, 07 da noite.

Meu divino Amor, minha vida, minha Beleza imortal, hoje que minha alma sofre mais e mais e que eu devia me consolar te escrevendo e cantando a minha paixão, quis a sorte que eu tivesse um dia horrível! Desde manhã estou prisioneiro e tu imaginarás em que desespero.

Houve hoje de manhã o funeral do filho do Presidente do Conselho, morto num desastre de trem. Essas cerimônias acabaram às 2 horas e estive no cemitério por um tempo medonho, metidos os pés na humidade, horas e horas, e sob a neve!

Almocei às pressas porque tinha de assistir uma estúpida e inútil conferência de um padre dominicano sobre “arte-moral”, conferência patrocinada pela legação da Itália, à que por cortesia devia ir. Essa conferência durou mais de duas horas!

Voltando ao hotel, fui perseguido por visitas que me deixaram nesse momento!

Corro a ti, Amor, eterno Amor! E encontrei teu telegrama desta manhã em que vejo que adivinhas a minha decepção, a minha revolta e também, anjo de meiguice, exprimes a tua aflição, que queres ocultar.

Ah! Amor! Que aborrecimento! Foi um rude choque! Uma cilada, uma traição do Lauro e eu estou revoltado mas não acobardado. Tu sabes que ninguém me vence, e nem me esmaga, e que eu só cedo quando há interesse para o nosso Amor, e pelo teu bem! Recebi o telegrama às 03h30min de ontem, domingo. Fiquei calado e nada disse à megera até que veio o Armínio às 5 horas e com este desabafei.

O meu sofrimento é sem nome! Como poderei eu me resignar a cumprir tal estupidez, e não te ver, meu anjo, minha Nazareth idolatrada? Seria a morte... O fim do esplendor, do sublime, do milagre! A minha luta é enorme. É preciso ser “hábil”, enérgico e firme.

E eu tenho de lutar contra a megera também que neste momento e na “aparência” está pela questão pecuniária e porque não gosta da Haya, está disposta a ficar em Paris, mas tu sabes como ela é volúvel e pérfida, e de um momento para outro pode se colocar do lado dos meus inimigos. Há também o golpe traiçoeiro, a intriga, o capricho, da gente do ministério. Um interno! Passei uma noite péssima, como calcularás, Amor! Está manhã estou mais calmo e disposto a ficar indiferente, esperando tudo da fatalidade, da minha esplêndida sorte, da minha forte personalidade.

Perdoa que te fale sem sombras de modéstia, nós somos um, eternamente, a absoluta Unidade da Paixão na vida e na morte. Eu te tenho, Amor. Tu estás comigo! Vivamos, vençamos, sejamos heroicos, e se eu posso variar em detalhes a atitude para não provocar insolentemente o governo, como é do meu temperamento, não mudarei de conduta e assim estarei contigo até 08 de janeiro e nos teus braços apaixonados, nos divinos beijos da tua boca, nos transportes ardentes da nossa Paixão infinita, seremos gloriosos!

Ah! Lauro Muller! Não será o futuro ministro, se antes disso eu não deixar esta carreira, como devo.

No meu telegrama de hoje eu classifiquei esse ato pérfido e idiota como ele devia ser classificado. O meu telegrama desta manhã se cruzou com o teu, Amor idolatrado.

Amanhã te escrevo com mais ordem. Hoje estou a correr, mas amanhã terei a tua carta que me consolará, me fará mais herói. Tu és divina e sublime, e nesta hora sempre trágica como todas as da nossa paixão, tu sabes que eu sou teu para a vida e para a morte e tu receberás os meus beijos apaixonados, loucos, beijos de êxtase!

(Haya para Paris)

Haya, 31 de dezembro de 1913.

05 horas da tarde.

Quarta-feira.

Minha Amante sublime! Alma de minha alma, meu Êxtase, minha Beleza! Esta é a minha última carta deste ano tão glorioso da nossa vida, porque foi de amor infinito, de mais unidade, se possível, entre nós dois, ligados eternamente pela Paixão e pelo Destino! E foi pena que tanta felicidade na dolorosa relatividade da nossa existência fosse amargurada por estes últimos dissabores em que a estupidez e a perfídia nos martirizam neste momento. Como tudo é tão triste! Mas eu te sinto tão minha, tão na minha alma, e eu tão glorioso no teu ser divino, que me sinto forte e enérgico e tenho segurança na vitória muito breve e que tudo se curvará à nossa poderosa vontade.

Sei quanto a luta é séria e como é preciso nela todas as nossas qualidades, a energia, a astúcia, a decisão, a vontade, enfim o gênio.

Estou muito concentrado depois dos primeiros desabafos, e “só contigo combinarei” tudo. E eu me sinto muito bem por te ver e te sentir pronta e resoluta, vigilante e ativa.

Espero que a minha carta de ontem tenha te tranquilizado, e que tu não desanimes da minha energia e da minha confiança na vitória.

Na tua tão deliciosa e tão tua carta de ontem, oh! Minha idolatrada Santa, tu repetes que devo escrever ao Lauro. Na minha carta de ontem por minha vez te dei as razões porque “mudei” de resolução e não quero ou melhor penso não escrever ao amigo que foi e que se tornou pérfido e ingrato e que “friamente” zombará da minha indignação e não me responderá... Enfim... ainda é possível que eu escreva, se o teu firme palpite for esse... O meu plano é não escrever neste momento a ninguém sobre tal assunto, nem ao Azeredo, nem ao Fontoura.

O que eu preciso é ir a Paris te ver sem demora. Tu és a minha vida, nós somos um, e juntos nós nos consolaremos e formaremos o nosso plano de ação.

Pedi ao Vital que me dissesse quando chega aí (em Cherburgo) o vapor “Andes” por que vem Temístocles. Se chegar a 08 ou 09, sigo daqui a 06, e seremos “nós” no dia 07.

Oh! Como serão intensos e imortais os curtos instantes da Paixão eterna! E como tu serás bela, oh! Minha incomparável e sublime Amante!

Não sei até que ponto a megera é “responsável” por essa “medida” vexatória. Ele sempre me comprometeu, censurando abertamente a minha estada em Paris, e é possível que um “eco” disso tenha chegado até o Louro.

Tu sabes que este me mandou aquele recado pelo Alcoforado, e a razão fora, segundo dissera o Régis, pelo fato do Alcibíades Peçonha, ministro na Rússia, estar instalado em Nice. É estúpido dizerem aí que fui eu que provoquei essa medida. Não. O Lauro me feriu para ferir os outros, e sobretudo o Fontoura, pois ele anda danado com este há muito tempo, desde a campanha feita contra o nomeação do Oliveiro Limo para Londres, lugar disputado pelo Fontoura. Tu tens razão em dizer que ele detesta o Azeredo, e está com inveja do que tenho feito por este aqui. Mas eu estranho o Lauro, que é covarde e desta vez se saiu arrogante. Por quê?... É o “ponto” mais misterioso e que descobrirei.

Meu Amor, não fiques doente. Não, Adorada minha! E pensemos no que é sublime e grande e vencemos todos esses miseráveis.

A megera pode estar exultando, mas o Haya lhe é insuportável, ela aqui não encontro em que se divertir. Comigo se limita ao que é formal e assim continuarei, de jeito que ele vive se lamentando e desesperado por Paris, onde mexe, remexe, falo, “intrigo” e expande o sua vulgar natureza. Assim ela morará em Paris, e como é leviano e incoerente, dirá horrores da Haya e também do Lauro...

Ontem, como te disse, a minha tarde e a minha noite foram os mais sossegadas possíveis. Não sai à noite e o Armínio não apareceu. Hoje há uma recepção na legação da Alemanha, amanhã na Argentina, depois será a Corte e sábado jantar na legação da Itália. Pobre de mim! Como me sinto ridículo, fazendo vida diplomática! E neste momento em que o desespero, a tristeza e a saudade inconsolável de ti, Amor, me dominam!

Amanhã haverá tantas recepções oficiais das pessoas da Corte que passarei o dia estupidamente tomado. Mas serei sempre acompanhado do Armínio, que continua muito dedicado.

Meu doce, eterno e infinito Amor, que te posso dizer na passagem deste ano, neste instante simbólico, que não seja o canto da minha incomensurável e única Paixão! Tudo o que de grande, de belo e de sublime nos trouxer o ano novo será o doce reflexo do nosso Amor! Eu te beijo com o ardor dos meus profundos e maravilhosos desejos. Eu sou “teu” e tu és minha, oh! Petite Chose adorée, e tu és a Beleza, a Felicidade absoluta, eterna!

Beijos, beijos, oh! Saudade!

(Haya para Paris)

Haya, 1° de janeiro de 1914.

Quinta-feira, 12h00min.

Minha Luz Divina! Minha Amante eterna e sublime! Minha Doçura! Minha Esperança e minha Vida! Não te posso dizer a profunda e imortal emoção que me deu a tua apaixonada e incomparável carta de ontem, do nosso glorioso recanto de amor!... Todo o meu ser se espiritualiza e se torna mais divino à intensa e maravilhosa luz da tua Paixão, e nessa mágica atmosfera de êxtase sobrenatural que tu, criadora imortal, fazes nascer da tua Beleza, da tua Alma, do Mistério da tua Essência! E “viveste” ontem, na Saudade e na Ressurreição, todo o Universo e todo o Infinito. E a carta que escreveste é das mais belas que o teu gênio e a tua transcendental paixão tem inspirado, e ela é tão sagrada, que apesar do meu juramento não tenho ânimo de rasgá-la, e ela volta às tuas divinas mãos para que a guardes aí, e que eu a releia, releia, e quando estiveres também longe de mim, e me sinta por instantes desanimado, ela me dê a força, a energia, e a transfiguração...

Sim, Amor eterno e minha imensa Ternura, nós seremos gloriosos nesse ano decisivo da minha situação material. Tratarei de pôr tudo em ordem. Libertar-me-ei da carreira diplomática, e darei uma solução definitiva à nossa liberdade, e se pela piedade que também move o teu divino coração, nós resolvermos ainda ficar como estamos, pelo menos nós, pela independência material, estaremos livres para as resoluções definitivas. Estou calmo e intensamente resoluto. Tu me conheces, Amor supremo! Como ninguém, e tu sabes até onde eu vou. A maior dificuldade que eu tenho neste momento é não possuir meios de dinheiro, para me mover mais. Se eu tiver alguma coisa que me livre dos embaraços, e me possa dar facilidade de agir, e mesmo de suportar uma disponibilidade, ah! “eles verão”!

Deixa dizer que fui eu quem provocou a medida estúpida do Lauro. Procuram os miseráveis um responsável, e como eu sou o mais forte, atribuem a mim tudo.

É uma homenagem que me fazem os covardes. Melhor. Gosto de me sentir responsável, e “dono” de uma situação, seja mesmo má. Oh! Tudo “isso” é miséria e não vale nada. Lauro Muller foi um balão que eu soltei nas nossas relações exteriores. Como é fácil furar esse balão!

Amor! Perdoa se com essa expansão de defesa e agressão eu te roubo e a mim instantes profundos de pensamentos. Mas tu sabes que se trata de nós, do nosso amor eterno. Para mim só há uma coisa na vida, aquilo que interessa a nossa Paixão única e absoluta... Tudo se regula por esse sentimento imortal e tu serás orgulhosa do teu Amante! Oh! Minha Amante tão doce, tão meiga, minha pálida e extática Nazareth!

Hoje escrevo menos, é o dia da recepção no Ministério do Exterior, nas casas das velhas “grandes-maîtresses” da Corte e da inscrição nos Palácios.

Meu Amor, minha Beleza, eu te beijo toda, toda! Oh! Que saudades profundas, “dolorosas”... Amor! Minha divina Amante.

(Haya para Paris)

Haya, 02 de janeiro de 1914.

Sexta-feira, 06 horas.

Minha doce Petite Chose adorée, alma de minha alma, meus formosos olhos de saudade! Meu Tudo, oh! Como eu te tomaria nos meus braços apaixonados e te beijaria, te beijaria e na posse suprema realizaríamos o profundo e eterno desejo dos nossos seres imortalmente amantes!

Esta separação está sendo tão dura, hélas! E não há consolo possível para ela. Tuas cartas são divinas, nelas se reflete a tua alma sublime, o teu coração amantíssimo e único... Mas como tu, a tua vibração sentida e vivida, o teu Ser ardente e palpitante nas minhas mãos sôfregas, és incomparavelmente mais infinita, mais transcendental! Oh! Nossos instantes de delírio e êxtase, nosso abandono infinito e tão doce, divino esquecimento! E em vez disso a separação, a tortura, o martírio. Amor! Amor! Como é dura a existência dos amantes separados e se não fosse a Esperança e o próprio mistério do Amor insaciável, onde buscar forças para tanto sofrimento?...

Como eu te vejo errante, inquieta, infeliz, pobre Petite Chose idolatrada, que busca o seu companheiro eterno... E hoje ausente, e por toda a parte a saudade a lhe acompanhar!

Eu também pergunto como tu, onde está a minha Amante sublime neste momento. O seu pensamento, o seu coração, oh! Fidelidade absoluta, esses estão cheios de paixão. Mas o que faz ela?... Onde as exigências da vida a conduzem, heroína do Amor, Santa da Paixão?!... Mas por toda a parte Ela vive em mim, como Eu vivo nela! E tudo nos separa de todos e um halo misterioso, sobrenatural a protege, e a torna longínqua, como a Estrela inatingível...

Estou tão triste hoje! E não te quero escrever de tristezas... Mas que fazer? Não é desânimo. Não. É o indefinível da separação, é a anciã de ti, Amor! Que vida horrível leva aqui! Ontem fiz três visitas oficiais. Depois, jantar na legação argentina, que horror! Mas quando voltei, meti-me no meu salão, e acabei de escrever para ti, meu Amor, a resumo da história da guerra de Troia e do ciclo troiano. Sei que tu já estudaste o assunto, a que muito, muito me alegrou. Mas eu te mando o que fiz para confrontares com o que tu sabes e para teres uma interpretação minha, pessoal. Não tive livro nenhum para me ajudar, apenas verifiquei num pequeno Larousse os nomes dos reinos, dos guerreiros e chefes gregos. O “resto” é composição minha. Tu me dirás como te pareceu. Empreguei o estilo familiar das narrativas.

Estou danado por não poderes levar para casa os trágicos gregos. Que sujeito mais imbecil e mesquinho! Pobre Amor meu!

Aqui também a situação é desagradável. A megera ontem me fez uma dos suas cenas de malcriação. Que mulher insuportável e atrevida. Também o trato tão friamente!... Ainda hoje apareceu aqui na legação para me buscar e ir passear comigo. Não se tratava de cumprir um dever oficial, simples passeio. Recusei, e ela levou-me a Armínio, até com prejuízo do serviço porque hoje foi dia de saque no banco e havia necessidade de fazer as devidas comunicações. Que martírio!

Oh! Tu, meu doce Amor! Como tu és grande, sublime e como eu te adoro e te admiro! Tu és um verdadeiro e incomparável heroína e eu esqueço martírio, sofrimentos que me esperam, porque te sei firme, inabalável, sublime, único, divina! Meu Amor! Tu sabes que os nossos pensamentos se comunicam eternamente! Que eu vivo de ti, minha criatura idolatrada, que eu penso, me agito, crio, me elevo, e sonho, e venço, porque a minha força se apoia e se alimenta da tua poderosa paixão e de tua radiante e sobrenatural beleza, cujo mistério eu possuo soberanamente, eternamente!

Oh! Escreve-me, dá-me a tua alma que é a minha alma nas tuas mágicas palavras e eu suportarei ainda este martírio! Amor, eterno e sublime Amor!

Já fui muitas vezes ao correio e ainda não chegou o teu telegrama tão desejado. Esta, tu vais receber amanhã, e como domingo não é certo saíres, telegrafarei anunciando a partida do Rodrigo.

Hoje é a noite da Corte, mas não haverá baile por causa da morte da velha rainha da Suécia. Melhor.

Ainda e sempre beijos e toda a minha alma apaixonada num beijo eterno!

Adoração! “Fidelidade absoluta!” Para a vida e para a morte!...

Estudo Troiano

Celebraram-se no Olimpo as núpcias de Tétis e Peleu. Tétis era uma ninfa e Peleu era um rei de uma parte da Tessália, ao norte da Grécia. Desse casamento nasceu Achiles, que foi por sua mãe mergulhada no Styx, rio dos Infernos, o que o tornou invulnerável, exceto no calcanhar, por onde foi seguro quando se fez essa imersão.

À festa do casamento de Tétis e Peleu não fora convidada a deusa Discórdia, filha da Noite e irmã de Marte, e que havia sido expulsa do Olimpo por suas maldades. Ela jurou se vingar e, uma vez que num banquete, no meio da alegria geral e enquanto por entre gargalhadas dos deuses, Vulcano coxo e desajeitado e esposo infeliz de Vênus, servia o néctar (a ambrosia, a bebida celeste) a Discórdia atirou à mesa um pomo de ouro que trazia esta dedicatória: “À mais bela”. Esse pomo teria sido colhido no jardim das Hespérides (As Hespérides eram filhas de Atlas, e no seu jardim havia uma árvore de maçãs de ouro, naturalmente muito cobiçadas. Atlas era um rei da Mauritânia, hoje Marrocos, e que por castigo fora transformado em montanha e obrigado a carregar o mundo nas suas costas. Pensa-se pois que o jardim das filhas de Atlas, o jardim das Hespérides, devia estar situado na Mauritânia ou em terras de Espanha, e julga-se que a árvore dos pomos de ouro é a laranjeira, natural dessas terras, e cuja fruta parecia misteriosa para os gregos).

Uma vez que a Discórdia atirou na mesa do banquete o “pomo da discórdia”, três deuses o disputaram, Juno, Minerva e Vênus. Não havendo acordo entre os deuses, resolveram estes que a decisão fosse confiada a um mortal, e o árbitro escolhido foi Paris, filho de Príamo, rei de Troia, cidade da Ásia-Menor.

Cada uma das deusas disputantes procurou conquistar o voto do jovem príncipe. Juno prometeu-lhe o poder, a majestade, o domínio entre os homens. Minerva prometeu-lhe a sabedoria, o gênio, a arte; e Vênus o Amor, ou antes a mulher mais bela do mundo. Ou porque Vênus fosse realmente a mais formosa, pois era já consagrada deusa da Beleza, ou porque a promessa de Vênus fosse a mais sedutora, foi a ela que Páris deu a vitória, e entregou o pomo de ouro...

As outras deusas, irritadas, juraram vingança, enquanto Vênus tratou de cumprir a sua promessa. Ora, sucedia que a mulher mais bela do mundo era Helena, irmã por parte de sua mãe Leda, de Castor e Pólux (gêmeos, filhos de Leda e Júpiter, que para possuí-la se transformou ele mesmo em cisne), Helena era mulher de Menelau, rei de Esparta. Com o auxílio de Vênus, Páris raptou Helena e levou-a para Ílion ou Troia. Menelau, desesperado, vai de reino em reino na Grécia e suplico que todos vinguem o sua desgraça conjugal. Os reis, incitados por Minerva, se conjuram e resolvem pelas armas retomar Helena e destruir Troia. Forma-se um grande exército sob o comando de Agamenon, irmão de Menelau e rei de Mecenas e Argos, na península do Peloponeso, na Grécia. Agamenon e Menelau eram filhos de Atreu, rei sanguinário de Mecenas, e que massacrou os filhos do seu irmão Tiestes, e os serviu ao pai num banquete. Os filhos de Atreu, conhecidos na história e na lenda pelo nome de Átridas, foram célebres pelas suas desgraças e pelos seus crimes. O sangue dos Átridas é o sangue de Orestes e de Electra, filhos de Agamenon.

Os outros principais chefes do exército grego que foi combater Troia são: Ulisses, rei de Ítaca, célebre pela sua astúcia, pelo seu engenho ao mesmo tempo que pela sua bravura; Nestor, rei de Pilos, muito respeitado pelo seu bom senso, pela sua prudência, e pela sua idade; Diomedes, rei de Argos, de uma grande valentia, (foi Diomedes que feriu Vênus quando ele combatia contra Enéas, filho da Deusa); Idomeneu, rei de Creta, neto de Minos (célebre pelas suas leis, e que depois de morto foi juiz nos Infernos para julgar com mais dois outros os crimes e ações heroicas e nobres dos mortais); Achiles, filho de Tétis e Peleu, o mais valente dos gregos, rei dos Mirmidões, que eram um povo do Norte da Grécia, de estatura muito pequena.

Além desses reis, havia outros guerreiros famosos, como os dois Ájax que não eram irmãos, um era filho de Télamon, rei de Egito, o outro filho do Oileu, rei dos Locrianos; Pátroclo, amigo e companheiro de Achiles; Pirro, filho de Achiles.

O rei troiano era Príamo, marido de Hécuba, e pai de muitos filhos, entre os quais Heitor, o mais valente dos troianos, e Páris. Muitos reis e chefes guerreiros da Ásia-Menor vieram em auxílio de Troia, e entre estes Enéas, filho de Anquises e de Vênus.

Logo que os gregos puseram cerco à Troia, sobreveio uma grave discórdia entre os chefes do exército, porque depois da tomada de uma pequena cidade nas imediações de Troia, coubera a Aquiles, em partilha, a sacerdotisa Briseida, e mais tarde, no acampamento grego, Agamenon, abusando da sua autoridade de chefe supremo, tirou a Aquiles essa jovem cativa. O herói irritado se retirou à sua tenda, não mais combateu, e assim se passaram dez anos sem se poder decidir a vitória nem a sorte da guerra, apesar dos violentos e sucessivos combates em que gregos e troianos praticaram feitos notáveis sobretudo Heitor, os dois Ájax, Diomedes, Enéas, etc. Aconteceu porém, que Pátroclo, revestido das armas de seu amigo Aquiles, se bateu em combate singular com Heitor e foi morto por este. Aquiles depois de prestar ao seu amigo as honras fúnebres, por sua vez saiu da imobilidade em que se conservava, da sua longa “cólera”, e combateu com Heitor, e o matou, arrastando-lhe o cadáver várias vezes diante dos muros da cidade sitiada. Pouco tempo depois, Páris vingou a morte de Heitor, matando Aquiles, que ele conseguiu ferir com um dardo ou uma flecha no calcanhar, único ponto vulnerável do corpo do guerreiro que havia sido mergulhado por sua mãe Tétis, no rio Styx.

Muitos combates singulares se sucederam até que Príamo foi morto por Pirro, filho de Aquiles. Ainda assim a vitória não se decidia pelos gregos definitivamente, e estes aconselhados por Ulisses fingiram que abandonavam o cerco, que embarcados em seus navios, voltavam à Grécia, deixando como presente aos troianos um imenso cavalo de pau. Vendo que os gregos se haviam retirado, os troianos saíram da sua cidadela e, interessados pelo cavalo, levaram para a cidade, apesar das exortações do grão-sacerdote Laocoonte, filho de Príamo, que lhes advertia de temer os “presentes dos gregos”. O cavalo era um estratagema de Ulisses. Uma vez dentro da cidade e quando todos estavam descuidados, de dentro do bojo do animal de madeira saíram centenas dos mais valentes guerreiros gregos, que fizeram uma imensa carnificina na cidade, e puseram fogo nela. Entre os chefes que escaparam fugindo, notou-se Enéas, que carregou seu pai Anquises ás costas e levando seu filho Ascânio.

Uma vez arrasada Troia e ficando perpetuamente cheio de melancolia o lugar onde fora a cidade, “campus ubi” (onde) “Troia fuit”... finda a raça de Príamo, Helena reconduzida à Grécia, Vênus ajudada de Apolo e de Netuno e com a tolerância de Júpiter, exerce a sua vingança sobre os pérfidos e vencedores gregos. Cada herói tem um destino trágico.

Agamenon chegando à sua pátria, encontrou a sua mulher Clitemnestra casada com Egisto, parente de Agamenon, filho de Tiestes, irmão de Atreu, pai de Agamenon. Egisto, depois de matar Atreu, seduziu Clitemnestra e matou Agamenon quando este entrava no seu palácio de Mecenas. Mais tarde Egisto e Clitemnestra foram mortos por Orestes, filho desta rainha e de Agamenon, e irmão de Electra. É essa a história trágica dos Atridas.

Ulisses perseguido por Netuno, viajou, perdido, desviado do rumo da sua ilha, Ítaca, e levou errante longos anos combatendo, sofrendo, quando enfim pode voltar aa seu reino, onde sua mulher, a fiel Penélope, o esperava se defendendo dos “pretendentes” que a disputavam para desposá-la.

Um dos Ájax se havia matado durante o cerco de Troia, depois de disputar a Ulisses as armas de Aquiles, e quando possesso, furioso, começou a degolar rebanhos de carneiros e bois, julgando imolar os inimigos. O outro Ájax, voltando do cerco de Troia, naufragou e morreu afogada.

Há um “fundo comum” na mitologia que se encontra nas fábulas ou lendas dos povos os mais diversos. Assim na legenda da guerra de Troia é interessante que o “começo do mal” vem de "uma maçã” que uma “divindade infernal” por “vingança” atirou no “Olimpo”, servindo de instrumento aos seus desígnios tenebrosos, a “vaidade” da “mulher” (“a mais bela!”) Na lenda da Bíblia o pecado original veio de um pomo (maçã) que o demônio, Satã (a deusa Discórdia) deu no “paraíso” (Olimpo) à “mulher” excitando a sua “vaidade” e “curiosidade.”

Há uma perfeita identidade de processo de intenções e de resultado. Por aí se prova uma “unidade” literária, religiosa, inicial nos povos primitivos e as lendas populares imigram pelo mundo e trazem reminiscências de uma origem comum.

Na guerra de Troia se deve observar o símbolo dessa contínua luta do Ocidente com o Oriente. A marcha da civilização é do Oriente para o Ocidente. Do Egito, da Assíria à Grécia, da Grécia à Roma, de Roma à França, Alemanha e Inglaterra, e daí para a América. Mas o Ocidente sempre teve de combater o Oriente. Depois de Troia, a guerra dos Medas e Persas contra a Grécia, sendo os “invasores asiáticos” derrotados pelos gregos em Maratona, e na batalha naval de Salamina.

Depois vieram as conquistas de Alexandre, grego da Macedônia, que dominou o Oriente, e depois as guerras dos Romanos, depois já no fim do Império, Juliano, que morreu na Pérsia.

O Ciclo Troiano foi fecundo para a literatura. Os primeiros momentos da literatura grega, de obras de Homero, são inspiradas do ciclo troiano, a Ilíada, cujo nome vem de Ílion, Troia, e a Odisseia, de Ulisses.

Ésquilo tratou desse assunto soberano em várias peças, sobretudo na Orestiade, trilogia, que é a tragédia de Orestes, e dos Atridas. Sófocles escreveu Electra. Eurípedes escreveu outra Electra, e Helena. Nesta última peça o engenhoso grego para salvar a reputação da bela grega, imagina que fora a “sombra” de Helena que Páris raptou e que esteve em Troia, por artifício de Vênus, enquanto a mulher de Menelau ficara sossegada e honradamente no seu palácio real de Esparta!

(Acabado às 02h45min da madrugada de 02 de janeiro de 1914. Haya.)

Às 06h30min da tarde.

Há ainda como poema saído do ciclo troiano a Eneida de Virgílio, onde se celebra a peregrinação do herói troiano Enéas, que fugiu de Troia, quando os gregos queimaram a cidade. Enéas terminou o percurso na terra, no Lácio, (Latium), de onde proveio o povo romano. A lenda atribui a origem romana a Enéas, a seu filho Ascânio, e seus descendentes. E como mais tarde Roma foi a rival vitoriosa da Grécia, talvez haja nisso um “retour” misterioso do destino, que vingou Troia pelas armas dos descendentes dos troianos.

(Haya para Paris)

Haya, 03 de janeiro de 1914.

Sábado, meio dia e um quarto.

Minha sublime Esperança, minha Força imortal, minha doce e divina Amante... Tuas cartas de 1º e de ontem me extasiam. Nelas, junto ao misterioso perfume da tua alma cheia de Paixão, única e incomparável, há também esse perfume raro que vem de tudo que tu tocas, e ao abrir o envelope é como se eu abrisse um cesto de flores, de rosas, como se eu entrasse em um jardim encantado, em que fosse deliciosamente envolvido do hálito divino das rosas... Como tu és sagrada! Tu exalas esse odor que se encontra misticamente no corpo das Santas! E tudo o que se aproxima de ti e tudo o que tu tocas se enche desse perfume imortal que emana do teu ser misterioso...

E é por isso que eu te zelo tanto, que não te quero senão em ti mesma, na profunda e sublime solidão! E tu, Amante, a grande Amante, te separaste de tudo, ficas intangível e única para a glória do teu Amante, para a sublimidade da nossa paixão.

Essas cartas são maravilhosas e tão comovente! Que poder de expressão tu tens, ma Petite Chose adorée! Cada palavra, cada frase tua é a deliciosa “paisagem” da tua alma e do teu Ser... E eu te vejo, linda, linda, o formoso rosto transfigurado, os olhos em êxtase, a boca suspirosa, e todo o Ser se partindo de ti mesmo para as regiões infinitas e etéreas da volúpia e do amor...

Oh! Solidão sagrada, augusta e misteriosa da minha Amante sublime, como eu te adoro, e te respeito! Solidão divina, em que a alma paira, e todo o Ser se transporta, se exalta, e sobe até esse místico Paraíso que só a Paixão conhece! Como tu és incomparável, única, ma Petite Chose adorée, a mais sublime das Amantes!

Na tragédia e no êxtase em que tu vives, tu és a Paixão! E eu te venero, e eu te idolatro, e meu sangue, minha alma, minha vida, tudo em mim eternamente em ti! Oh! Nazareth! Como eu te amo!

Deixa que eu te conte as coisas inferiores em que me movo. Ontem à noite foi a recepção da Corte. Não houve baile por causa do luto e nem houve música. E como aquilo tudo me pareceu horrível e singularmente triste... Tu compreendes, Amor, que uma alma como a minha, ardente, extática, cheia de ti, oh! Divina! Devia sofrer muito naquele constrangimento. E por mais que eu me diga que é uma comédia, que não “sou eu” que ali estou, eu sou muito sincero para não deixar de sofrer, e eu não quero absolutamente criar no meu espírito esses artifícios, essas combinações engenhosas das almas inferiores. Não. Era “eu” mesmo que ali estava, eu, o teu Amante incomparável, o teu outro ser, ou o teu próprio ser, que estava ali contrafeito, humilhado, desesperado, e sentindo esse horrível “dégoût” das coisas que nos atiram ao Nada...

Oh! Libertação como tardas! E eu repilo toda a transação, Amor meu, e tu também não te deixes invadir por essas condescendências ordinárias que admitem ao “coeur léger” o amor e a vulgaridade, sob o pretexto de força e indiferença. Oh! Não. Tu és Única, e sublime! E jamais tu transigirás contigo mesmo e por isso tu serás sempre admirável e exemplo da paixão e do heroísmo!

Enfim está passado mais este tormento. Disseram-me que eu estava de uma “grande palidez” toda a noite... Devia ser assim, todo o meu sangue pulsava neste teu coração...

Hoje ainda uma maçada, jantar na legação italiana. Temístocles chega a 10, e eu vou no dia 08, quinta-feira, chegando à noite em Paris. E assim no dia 09, sexta-feira, nós seremos felizes eternamente, e gloriosos e divinos. Dá-me muito, muito, de tudo... E também do tempo!

Do Brasil chegou-me hoje um telegrama amável de cumprimentos do Régis, em que ele acentua: afetos, saudades. Do Lauro, nada. Também só mandei o telegrama “formal” do ministro e dos secretários da legação ao “Ministro do Exterior”. Para adiante.

Amanhã segue para aí o Rodrigo.

Sim, lê bem Homero, que é maravilhoso como artista! Que beleza a Ilíada lida por ti, oh! Divino Parthenon, milagre de Beleza e de Gênio! Aí tu me dirás o teu encanto! E eu te quero!

Beijo-te oh! Minha maravilhosa Amante terna e incomparável!

Como nós somos a gloriosa Unidade na Paixão! Amor! Eterno Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 04 de janeiro de 1914.

Domingo, 12h30min.

Meu eterno Amor! Minha sublime Amante! Todo o meu ser numa suprema emoção se recolhe em tua alma e em teu corpo, minha divina Petite Chose adorée! Recebi neste instante o teu intenso, profundo e ardente grito de paixão, e os meus olhos se enchem de lágrimas de saudade, de esperança e de desejos...

Fiquei radiante de ver como achaste “bem” o resumo que fiz para ti, oh! Minha sublime discípula idolatrada, e eu senti a vibração de amor e arte que se apoderou de ti... Já te disse que, pensando que tu lês Homero e com o teu gênio intuitivo, tu tens a revelação definitiva do gênio grego, sinto um imenso prazer e um êxtase estético que tu deves imaginar em mim. Tu, que eu considero a mais bela encarnação do gênio antigo no que este teve de puro, de simples, de grande, de luminoso, conheces enfim o milagre grego, e vês como a religião, a poesia, a arte, a história da Grécia têm uma profunda e maravilhosa unidade. Homero te dá a chave de todo o mistério da Grécia. Por ele tu compreendes o Partenon, toda a Acrópole, todas as tragédias, todos os deuses, esse povo olímpico, que parece a continuação dos gregos da terra, como estes são a continuação dos divinos... E como Homero é artista! Todas as metáforas, todas as imagens, comparações que ainda usamos vêm da Ilíada e da Odisseia. É a fonte suprema da literatura Ocidental! E que “pintor” sublime! Que cores, que grupos, e que movimento!

Oh! Petite Chose, como eu sou feliz te sabendo em plena revelação desse mundo mágico da poesia! Como tu palpitarás nos meus braços, de emoção do teu gênio, e de paixão da tua alma e da tua carne de paixão!

Eu te adoro, oh! Minha beleza!

Já te disse que aí estarei quinta-feira à noite, e sexta-feira contigo, adorada! Escreve-me ainda quarta-feira, e manda, por garantia, a carta expressa, que assim a terei sem falta na manhã de quinta.

Hoje mandei pelo Rodrigo a minha carta, em resposta a de “O.”. Assim tu terás qualquer coisa do teu saudoso amante. Escrevi a carta ontem à noite, de volta do fatigante jantar na legação da Itália, mas fechei hoje de manhã.

Sim, fizeste bem em acompanhar o “sujeito” ao teatro. Tu fazes tudo pelo melhor, e eu imagino como isso não te contraria.

Creio que não verei o Parsifal, porque terei de voltar à Haya onde há ainda obrigações da Corte. Hoje te escrevo pouco, infelizmente. É domingo, chove muito e vim sob um vago pretexto ao correio e te dizer o meu eterno amor. Não sei se me restará liberdade durante o dia, e assim, por segurança, escrevo-te agora. Mas tu me perdoarás, Amor meu! Tu sabes que sou teu, e que tu reinas vitoriosamente, gloriosamente na minha alma apaixonada e no meu corpo que te é fiel, “religiosamente fiel”.

Cuidado com a tua tosse que me inquieta. Tu és minha... Recorda-te sempre disso, minha eterna e adorada Petite Chose. Beijos. Amor! Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 05 de janeiro de 1914.

Segunda-feira, 04 horas.

Minha Paixão eterna! Minha Doçura, minha alma divina, minha harpa sublime, tudo em mim hoje é a bela alucinação da esperança.

Começa a semana em que vou ver a minha idolatrada Petite Chose e só esta “ideia” me anima e ressuscita este ser, esmagado de dor, de saudade e desterrado de tuas carícias imortais! Como eu te quero, meu doce Amor! Oh! Eu mesmo sou orgulhoso da paixão que te tenho. Que vale a própria arte quando se sente em seu sangue, na sua inteligência, nos seus profundos desejos, esse fogo misterioso e sublime da paixão que nos queima, nos ilumina e nos arrebata!

Eu sou Aquele que viu o Paraíso pelos teus olhos sublimes e eternos... Eu sou Aquele que preferiu reinar em tua alma a reinar no mundo! Tudo em ti, arte, poder, força, domínio, glória, e toda a vida!

Oh! “eles” me atacam, buscam me prender, me fazer esse ridículo prisioneiro, me humilham, a pobreza me embaraça, que importa! Eu sou o mais forte, tenho o teu amor, a paixão da Mulher incomparável, da beleza única, da sensibilidade mais profunda, mais além da realidade que no mundo possa existir! É o Paraíso, e quem possui o Paraíso é um Deus! Sinto em ti a Vitória e eu vencerei!... Como a tua realidade é mágica! Só a aproximação, ainda longínqua de ti, me alvoroça todo, e eu estou “louco” de grandeza, de paixão e de desejos! É singular. Até ontem tudo definhava em mim. Se tu visses o teu amante como morria... Sim, morria de tristeza, de saudades, de tudo o que tu sabes... Mas esta madrugada, quando a insônia costumada me persegue, veio então também um êxtase de amor, forte, imperioso, um imenso e entranhado “desejo” de ti, das tuas carícias, dos teus afagos, de tudo que é a tua volúpia sublime, imortal... E eu vi que começava a semana em que me aproximava de ti... E foi uma primavera em meu ser! Oh! Doces pensamentos de amor! Oh! Cismas melhores que os sonhos de amor!...

Como eu te amo! E como sou teu!

Ainda esta manhã fui ao correio e nada recebi de ti, nem a tua carta adorada e consolação suprema neste desterro, nem uma palavra pelo telégrafo. Vou voltar agora e com certeza terei um telegrama porque vejo que não pudeste escrever ontem, ou não saíste de casa.

Aqui tudo estúpido agora, reina atrapalhação com o luto da rainha da Suécia. Essas rainhas aqui são muito caprichosas com o corpo diplomático, como tu sabes, e isto nos põe a todos em dificuldades. Aqui não se sabe nada com antecedendo, e se é “chamado” à recepção da rainha algumas horas antes!

Ontem fiquei preso com visitas. Vieram alguns ministros e mais tarde fui à legação austríaca. À noite não sai. Escrevo-te do hotel! Eu espero o ministro americano, que é um escritor notável, e pela primeira vez diplomata. Ele fez conferências na Sorbonne, do que resultou um livro interessante que felizmente já conhecia, antes de vir para a Haya. Isto lhe deu prazer. E enquanto não vem, oh! Delicioso instante de liberdade para conversar com a minha Amante idolatrada e eterna!

E que fizeste ontem? Ainda o divino Homero? Visitas? Saíste? Oh! Eu quero saber “tudo”!

Como a tua vida me pertence!... E como tu és minha!

Tu deves imaginar a minha “tortura” longe de ti, Amor! Sim, a minha confiança é ilimitada. Tu és grande e sublime e eu te entreguei a minha vida.

06h30min. Interrompeu-me a visita do ministro americano, que conversou longamente e com que desespero eu não via o tempo que fugia roubado a nós... Saiu afinal o homem, fugi de casa, carregando estas folhas preciosas que são o pálido espelho da minha alma ardente. Fui ao correio, de lá trago vitorioso o teu telegrama tão intenso e tão belo em suas poucas palavras e aqui estou na legação, onde não há mais ninguém. O Armínio está em Bruxelas.

Diz aí aos “nossos concierges” que chego a 09, porque ainda não lhes paguei o aluguel de janeiro e não quero mandar o dinheiro pelo correio com receio de alguma complicação e explicação a dar, pois não sei “bem” o nome do “concierge”.

Fico ansioso por tua carta amanhã, pois vejo que não a remeteste ontem, e que hoje às 02h30min telegrafavas. Hoje à noite não saio. Aproveito para preparar algum expediente com a Delegacia. Oh! Só para ti eu vivo, e que vida maravilhosa não “faremos” quando sem mais hora e em toda a parte fomos eternamente, divinamente juntos!... Nós somos “um”. A unidade absoluta e triunfante do Amor, mas precisamos, nos rápidos momentos que temos de existência em nossas formas distintas e que “se completam”, viver sempre juntos... Aquela que não me deixa mais... Oh! Tu és mais sublime que a pálida e transfigurada Francesca!

Eu te adoro, minha Rosa Mística! E com que imensas saudades eu fico quando deixo de te escrever... Acabou-se a alegria, o entusiasmo, com que abri hoje o meu coração... Veio a realidade da separação... Onde está a minha divina e imortal Amante, que busca em tudo, tudo, no céu, nas estrelas, nas flores, nas coisas mais insignificantes o seu Amante e só o encontra no seu imortal pensamento, no seu imaculado e apaixonado coração?!... Agora tudo é triste, morto, é a grande noite silenciosa e só o companheiro pensamento me vela nesta dura prisão...

Boa noite, Petite Chose adorée! Boa noite, Divina! Recolhe a minha alma em tua alma e o meu coração palpitante em tuas mãos pequeninas e poderosas.

Para a vida e para a morte...

Eu quero morrer te beijando... Amor! Eterno Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 06 de janeiro de 1914.

Terça-feira, 04 horas.

Oh! Ma Petite Chose adorée, meu eterno Amor, minha Paixão imortal, saber que tu, na noite de Parsifal estás com os Azeredos foi para mim um golpe muito rude!... Imagina tu que eu não “penso” senão no nosso encontro, e que será logo depois de ouvires essa música quase para mim desconhecida e que é sublime! Imagina que eu vivo da ideia que tu vais sentir uma emoção artística rara e que tu estarás profundamente concentrada, recolhida, vivendo em nosso amor, e sagrada! E venerada e intangível. Eu estaria longe de ti, mas a minha alma contigo na doce e mística comunhão dos nossos seres! Imagina que eu refleti muito sobre Parsifal para mandar-te as minhas meditações, e que hoje me dispunha a te escrever tudo isto que vem do meu cérebro e do meu coração amoroso... Imagina que antes de ir ao correio passei no florista e mandei-te flores, e todas de uma grande pureza, lírios brancos, lilás, muguets, cravos da mesma cor ou sem cor, e as primeiras tulipas brancas e tudo para Aquela que iria no recolhimento da sua alma e “só” “só”, ouvir Parsifal!... E agora que ironia nos arranjou o destino!... Em vez desse recolhimento, o contato com a vulgaridade, com o que há de baixo, de torpe, de “imoral”... Oh! Noite de Parsifal, do herói “loucamente casto!”...

Como eu sinto tudo estragado, corrompido, como os meus sonhos são irrealizáveis, e como tudo é contrário...

O meu entusiasmo morre... E porque eu não morro também?...

Não, meu eterno Amor, não, eu não irei essa noite à Opera. É impossível arrastar essa megera na manhã de 08 e eu iria chegar aí às 5,1/4 na estação. Para ir à casa, vestir-me e ir ao teatro na “dúvida” de encontrar lugar no “tal” camarote que deve estar cheio e completo, tu compreendes que é impossível! Resignação!

Oh! Minha Amante sublime, não julgues um instante que eu te censure. Jamais! Que culpa tens tu dessa estupida fatalidade?... Oh! Nenhuma... Mas tu me compreendes, e eu te revelei as coisas sensíveis do meu coração e do meu pensamento, e tu que és minha, terás a extensão do meu sofrimento que só pode ser exagerado ou desarrazoado para quem não ama... Oh! Horror!... Pobre Petite Chose idolatrada, estou te fazendo mal com esse meu desespero. Mas para que sofrear o meu coração que se derrama no teu e vive contigo? Eternamente contigo...

O que eu te peço é que guardes “para ti” as tuas emoções. Não converses com essa gente, de Parsifal, nem de Wagner. “Nada...” Tanta coisa eu tinha de te dizer dessa música e desse imenso Poeta! Falta-me a força de escrever o que eu pensei. Em todo o caso mesmo me “arrastando”, te posso dizer que Wagner no Parsifal se revela um grande reacionário contra o espírito clássico e contra o paganismo grego. No fundo, a arte de Wagner se inspira da idade média, há um grande sentimento “cristão” e isso é para mim o seu ponto fraco.

Enquanto Goethe, no Fausto, faz a idade-média volver à antiguidade grega, e Helena é o símbolo do passado, da beleza, da arte, Wagner é o autor de Tannhauser, de Lohengrin e de Parsifal.

Ora, tu que lês Homero, e és uma alma “antiga” num corpo clássico e belo e divino, sentirás a diferença do teu temperamento a esse poema. É verdade que como todas as grandes amorosas tu “és mística”, e é pelo misticismo que tu sentirás a composição wagneriana. Para Parsifal, como na Bíblia, a volúpia dá nascimento à dor, e por ela a todo o sofrimento humano. Parsifal é o poema da piedade, inspirado no sofrimento. É o poema da redenção pela morte da volúpia, pela castidade. Oh! É belo! Mas é uma arte fora dos sentidos, e o próprio Wagner é traído pela arte, quando compõe a sua música toda de sensualidade (no grande sentido da palavra) e por isso eu te digo que o mais sublime em Wagner não é o poema, não é a ideia, é a música, independente de tudo, a arte divina e eterna. Ora esta é que tu deves recolher em tua alma, em teus sentidos... E que a profunda e imortal arte te dê, oh! Minha pobre Petite Chose idolatrada, o esquecimento instantâneo, o voo eterno às regiões puras da harmonia e do amor!

Música, música, faz o teu efeito mágico e envolve e protege a minha Nazareth! Oh! Minha Amante! Música! Paixão! Eternidade!...

Ah! Se ao menos eu tivesse os teus beijos apaixonados, a tua voz, o teu ser imortal! Nada! A solidão!

E... O pensamento a divagar... Errante, sombrio!

Oh! Eu sou teu, intensamente teu, e eu te beijo louco, apaixonado, oh! Minha divina Amante! Diz a hora do nosso encontro na sexta-feira. Oh! Como eu te desejo! Amor! Minha vida eterna!

(Haya para Paris)

Haya, 19 de janeiro de 1914.

Segunda-feira, 03 horas.

Minha Paixão eterna, minha sublime Amante, minha doce Consolação, todo o meu ser se funde no teu ser e num supremo espasmo, eu revivo em ti, minha beleza, minha vida!

Esta separação de agora é despedaçadora, tudo é saudade, recordação, e um pensamento único! Mas como eu te disse esta manhã no meu telegrama, tu me deste uma imensa força com a tua infinita e transcendental paixão, e com essa consolação incomparável do teu divino e amantíssimo coração.

Oh! Tu és “tudo” e “única” para mim! Em ti a minha força, a minha esperança e tudo o que há de grande, de trágico, de belo. E eu, te dando a minha vida, sei que te fiz esse dom supremo a Aquela que ama e sabe amar como ninguém no mundo e que é a mulher mais ornada do mundo! Que saudades, Amor, que saudade! Eu só vejo a ti, oh! Meus olhos fieis! Minha lembrança eterna e divina!

A viagem foi muito aborrecida e além do meu estado moral houve contratempos com a falta de lugares e duas baldeações, em Bruxelas e Anvers. Pensei, pensei no meu Amor! Às 09h30min estava nesta solitária terra e encontrei convite para o jantar na Corte amanhã 20. Concerto a 21, e a 27 recepção anual do ministério dos Estrangeiros. O jantar e o concerto são em honra da Grande-Duchesse de Luxemburgo que chega amanhã.

Como é intolerável viver um instante sequer longe de ti, ma Petite Chose adorée!... Tudo que não és tu, é nada. E como nós vivemos os rápidos e maravilhosos instantes desses últimos dias!

Agora estás aí só. Só! Nesse nosso ninho de paixão e de êxtase. E tu és divina e sublime! A tua palidez dolorosa e bela, de uma beleza profunda e infinita. O meu corpo estremece... Há uma saudade que o martiriza e um tremor de agonia e de suprema tristeza... Que frio em me ver assim tão só!

Escrevo-te na legação, enquanto os dois secretários falam das banalidades do ofício. A noite desceu. E eu tenho uma imensa pena de mim mesmo. Pena dos meus olhos que não te veem! Pena da minha triste boca que não te beija... Pena deste meu corpo que tu divinizas com as tuas carícias imortais! E olho as minhas pobres mãos... Minhas mãos que te envolvem, que te afagam e hoje desamparadas, e anteontem há esta hora tendo ainda bem deliciosamente tua divina cabeça, que se fez ainda mais bela, mais formosa e tão pequenina! A doce cabecinha da minha Petite Chose adorada!

E essa piedade de todo o meu ser que é glorioso pelo teu amor, me enche de melancolia...

E a tua voz canta eternamente em minha alma. Ah! Quando, no supremo esquecimento, conchegados, procurando nos extinguir um no outro, e viver e viver e sempre viver, eu te falava no grande esforço do Universo que é a unidade pelo amor... E que eu pensei um instante na morte... Oh! Tu me disseste a palavra única que é a “da perpetuidade na unidade atingida”, a “delícia”, o “gozo” da Paixão triunfante e imortal. E tu foste a Amante! Tu foste o Amor e tu foste a Revelação! Seja a tua profunda filosofia, e o teu sublime sentimento o nosso guia, a nossa razão de ser. E sejam quais forem as dificuldades de hoje ou de amanhã, nós seremos a Unidade absoluta que tudo há de vencer! E eu te confio a minha vida, a nossa felicidade na absoluta e profunda e inabalável confiança que tu me inspiras! E tu sabes também como eu velo por nós, pela nossa Paixão e para que tu sejas sempre orgulhosa de mim e feliz, feliz, minha pobre e idolatrada Petite Chose...

Interrompi esta carta diversas vezes por causa do serviço insignificante aqui. São 05 horas. Agora vou ao correio e talvez já tenha o teu telegrama Tão esperado. Oh! Amanhã terei uma carta tua!... Tu és a minha vida!

Beijos, beijos e minha alma num beijo infinito e fogoso em que te abraço de amor divino e único Minha Consolação! Eterna fidelidade.

Do correio. São 06 horas. Oh! Minha incomparável e divina Amante, que maravilhosa e terna surpresa tu me fizeste com a tua tão bela e apaixonada carta de ontem! Oh! Eu te beijo, te beijo de reconhecimento eterno e num êxtase supremo. Tu és sem igual, e porque eu ainda estou aqui longe do meu Bem supremo, quando só ao teu lado, ao fogo das tuas carícias, sou feliz, e vivo?!...

Serei ainda mais valente hoje nesta longa e aborrecida noite. Tu és a Aurora, o Amor, o Sol, a Beleza e a Paixão!

(Haya para Paris)

Haya, 20 de janeiro de 1914.

Terça-feira, 03 horas.

Oh! Minha sublime Amante! Meu Paraíso, minha Vida eterna! Como a tua alma divina vibra e canta nesta extraordinária carta de paixão e de êxtase que me deslumbra, me exalta e me faz morrer de saudades...

Meu Amor, meu Amor, como tu és inexcedível e incomparável! Cada dia, se é possível, tu sobes ainda mais, e nessa chama de amor, o teu maravilhoso coração se abrasa e me ilumina, como num prodígio de beleza!

Tu atingiste ao que eu no meu mistério aspirava forte e secretamente, aquele sublime estado de paixão que nenhuma mulher até então havia alcançado!... Tu és única!

E envolvida nas tuas doces e imortais carícias, amparado pelo teu invencível amor, realizando com o teu divino ser a unidade absoluta e suprema, eu me sinto “feliz”, belamente “feliz”, na grande tragédia do nosso Destino...

É singular essa estranha felicidade no imenso oceano de dor em que vogam as nossas almas unidas! Amor sublime, tu me compreendes... Tu sentes em mim a bem-aventurada vibração da nossa Unidade na morte e na vida! A paixão é isso, uma só alma, e a fusão “completa”, “definitiva” dos corpos, dos sentidos, na volúpia, no êxtase!

Tu és minha! Tu és a minha Vida, a minha Beleza, a minha Força, o meu Paraíso, a minha Fatalidade, o meu Êxtase, o meu Encanto, e eu sou imortal!

Oh! O teu Amor! Oh! Nazareth divina e minha Nazareth, que lágrimas ardentes de reconhecimento, de saudade, de desejo, de admiração, descem agora da minha alma! E que desespero esta separação tão iníqua dos nossos seres que se buscam, que se desejam, que se adoram, e que se fundem na glória da paixão! Mas é preciso vencer, é preciso o triunfo, e o divino esquecimento nos teus braços apaixonados onde eu sou glorioso, imortal, frágil e heroico!

E tu, minha sublime Amante incomparável, conta com a minha força, com todo o meu ser, consagrado a ti, oh! Minha Santa transfigurada! Mas como é duro e terrível o meu exílio! E como o meu pensamento está eternamente contigo enquanto o meu corpo enlanguesce, esperando a hora da ressurreição no teu corpo divino e loucamente desejado! Oh! Tua boca ardente, deliciosa, e o teu hálito perfumado, misterioso... A tua pele pálida e tépida, as tuas carícias alquebradas e meigas, todo o teu ser em êxtase se transfigurando na ternura infinita, no sonho, no delírio... Amor, amor! Sublime amor!...

O que fiz ontem?... Depois que saí do correio, às seis e meia, fui ao hotel, e depois de ficar sozinho em longo silêncio, vesti-me para ir ao jantar na legação da Rússia, em honra do ministro dos Estrangeiros. Oh! Esses jantares da Haya! Monótonos, enfadonhos, e sempre a mesma gente que me é indiferente! A vantagem é tudo acabar cedo. À noite não li, mas pensei em nós... E foi um simulacro de viver! Hoje de manhã escrevi cartas. Depois do almoço corri ao correio e tive o meu deslumbramento! Oh! Tu és “verdadeiramente” um milagre de amor!

Eu te adoro, e te venero infinitamente e eu te amo, e sei que em ti está a minha morte e a minha vida. És o sublime Destino do teu Amante!

Hoje é uma tarde maçante. Chega às quatro e meia a Grã-duquesa de Luxemburgo e agora no hotel descobriram que ela passa, vindo da estação, em carro descoberto, por diante da legação, e o ministro da Suíça, que é o “doyen”, deliberou vir para aqui, e com ele aquela família colombiana e a megera. “Voilà!”

Depois dessa maçada, tenho de ir para o hotel, para vestir-me de uniforme, pois a recepção (cercle diplomático) é às 07h15min e o jantar às 07h30min. Quanto horror!

Agradou-me tudo o que me contaste de tua “corvée”. Amor, em casa dos Paul Adam, e gosto que Temístocles se aproxime de ti. Ele saberá um dia admirar o Ente divino e sublime da minha Paixão, Aquela que é o milagre do amor, não somente em nossa raça, mas em todos os tempos e em todos os povos, porque para a tua honra e para a tua glória e para o meu êxtase, eu te digo que és “Única” e não tens e nem tiveste igual, e que eu morro de paixão pela tua beleza, oh! Meu corpo idolatrado e maravilhoso, e pela tua alma sublime e angélica, alma de paixão!

Mando-te a tua extraordinária carta de ontem para a guardares preciosamente. Oh! Nosso sagrado recanto de amor... Por toda a parte nós, eternamente nós!

Beijo-te, beijo-te. Adoração! Adoração! Para a vida e para a morte!

(Haya para Paris)

Haya, 21 de janeiro de 1914.

Quarta-feira, 06 da tarde.

Minha sublime e imaculada Amante! Minha vida eterna, doçura infinita! Como eu te desejo e como eu estou só! E que imensa tristeza! Pensei hoje ter um dia tranquilo para te escrever toda a minha paixão sem igual e toda a minha dolorosa saudade, e tem sido um dia atormentado!

Logo pela manhã recebi aviso de que eu seria hoje à tarde recebido pela Rainha-Mãe. Venho do palácio depois de uma fútil conversa de um quarto de hora. Hoje à noite às oito e meia é o concerto de gala. Parece uma vida de ator. A cada momento uma entrada em cena e uma mudança de trajo. Foi ontem o jantar da Corte, um grande jantar, com dois “cercles” diplomáticos, um para a Rainha e outro para a Grã-duquesa. Esta, como sabes tem 20 anos, é magrinha, tímida, e de longe não é muito feia. Disse a cada um de nós, ministros, uma banalidade e passou. Ao jantar leu um discurso (em francês) em resposta a outro da Rainha. Foi um longo jantar, e eu tive a sorte de ficar entre o ministro da Justiça e o ministro das Colônias. Não tive nenhuma “idiota” para “conversar... Às 10 e meia estava no hotel e no meu apartamento, enquanto os outros diplomatas se reuniam no salão do hotel.

Oh! Eu voltei num tédio, num aborrecimento, numa melancolia, minha Petite Chose adorée, que tu, só tu, podes imaginar e compreender.

Oh! Uma vontade de partir, de me ir embora, de voar para o teu seio, de me abrigar em ti, no doce e maravilhoso conchego do teu divino corpo. E àquela hora mais ou menos tu voltavas de outro jantar, e tu me desejavas, me buscavas no teu leito onde tu me queres tanto e onde eu não te amei ainda!...

Foi uma noite angustiosa, uma noite de saudades, de insônia e de tanto pensamento!

Sim, eu pensei “tudo!” O que devemos fazer, e como eu devo agir para a nossa cobiçada e indispensável liberdade. Eu preciso proceder com a máxima “ordem”, além da energia absoluta. Já por este vapor mando ao Rodrigo Octavio o meu requerimento para a contagem do meu tempo no serviço diplomático. Apurado bem este tempo (porque poderiam levantar dúvidas sobre o meu primeiro ano) eu apresentarei o pedido de aposentadoria no dia 15 de julho deste ano, quando completo dois anos de Enviado Extraordinário. Oh! Libertação tão sonhada e que se realizará!

Amor supremo, meu doce Amor, sim, eu quero a tua confiança absoluta, a tua força imortal, a tua fé inabalável, e serei vencedor! Oh! Ma très-douce Petite Chose idolatrada, como a tua carta de ontem, poesia da tua paixão incomparável, me enterneceu! Tu és única e tu és minha, eternamente, infinita, absolutamente minha na tua alma sublime, no teu coração divino, nas tuas entranhas imortais!

Como eu sou recompensado nesta paixão minha que realizou contigo a unidade absoluta!

E como sofro horrivelmente longe de ti, meu Tudo! E como eu queria que me acariciasses, e que eu repousasse a minha cabeça cheia da tua imagem em teu seio e que a tua boca maravilhosa beijasse a minha boca suspirosa e os teus olhos deitassem nos meus essa luz divina e angélica e eterna, luz amantíssima, doce e abrasadora, fogo da paixão suprema!

E estás longe, tão longe! Pobre de nós, meu Amor infinito, pobre de nós!

A coragem não me abandona. Tu és minha e serei sempre heroico. Como as tuas cartas me extasiam e como são lindas, únicas, as mais belas cartas desta vida! Jamais escritas.

Oh! Sim, dá-me sempre esse consolo incomparável! E eu vejo tudo, toda a tua vida, que assim sigo a todos os instantes, e o teu pensamento fiel e eterno, e os êxtases da tua saudade, e os gritos do teu coração dolorido! Sublime Santa! Carne pálida e misticamente “imaculada!” Eu conto eternamente contigo “em tudo”, Amor!

Lá vai o teu Amante, aquele que é teu e “só teu”, e “gloriosamente teu”, lá vai para a comédia da vida! Oh! Inferno! Como a minha pobre cabeça pesa hoje... Socorre-me, oh! Meu Amor eterno! O teu pensamento me ampara e eu me abismo no teu ser divino no transporte da paixão

Amor! Eterno Amor! Adoro-te. Para a vida e a morte. A minha boca em tua boca e tudo é um infinito beijo de paixão e de desejo imortal!

Beijos, beijos, beijos! Beijos...

(Haya para Paris)

Haya, 22 de janeiro de 1914.

Quinta feira, 04h30min.

Minha divina e incomparável Paixão! Minha Alma celestial, meu Bem supremo, meu Tudo, tua carta de ontem me “diz” que não estás bem! E eu fico inquieto... Pareceu-me te “ver” alquebrada, fatigada e procurando repousar a tua linda cabecinha no esquecimento infinito...

Tu não me escreves que estás doente, mas eu adivinho, Amor meu, e fico muito, imensamente triste em não poder com uma palavra da minha voz a mais doce, a mais apaixonada, te dar um instante de olvido e de êxtase sublime.

Como eu me sinto acabrunhado neste longo exílio e cada hora é mais dura a passar...

Sejamos heroicos, eu sei... Mas, meu Anjo, minha divina Amante, porque eu não te tenho nos meus braços e porque eu não te aperto bem contra mim e que o meu corpo se une ao teu e que nós procuremos nos confundir até a absorção completa, extática um no outro!

Isto aqui é doloroso para mim! É um desterro em que o meu carpo padece enquanto a minha alma enlanguesce e emigra para o teu seio amantíssimo.

Ontem foi o concerto. Ah! Santa idolatrada! Que amargura eu senti, e que isolamento o meu! Não quero te descrever o que foi a festa, medíocre e desigual, o que eu sei é de mim, de nós. Pus-me todo o tempo no meu lugar, um pouco afastado, e não procurei conversar nem com mulheres, nem com homens.

Tu compreendes! É um estado de aversão, uma necessidade de não ver ninguém, de me concentrar nos meus pensamentos e na minha paixão.

E isso é o reinado absoluto do amor! De tudo o que tocaram (a orquestra era pequena, relativamente, porém excelente) achei “pobre” uma ária de Sansão e Dalila, para canto, “Verse-moi l’ivresse...” convencional e medíocre. Porém foi magnífico o que deram de Listz. Conhece, Amor, os Prelúdios? Oh! A grande e heroica música! Como eu te desejei e como “eu te senti” ao meu lado, triste de mim! Quisera um dia ouvir música contigo, ter as tuas divinas mãos nas minhas mãos, oh! Sentir a vibração misteriosa e infinita de teu corpo agarrado ao meu, e a tua alma musical subindo, subindo, e nas harmonias do som, cantando! Oh! Tu és a música! O mistério do som, a melodia das vozes, a harmonia dos gestos, a graça das atitudes, e esse voo místico de tua alma, como um querubim, nas regiões plácidas e puras do sonho e do êxtase!

Tu me darás, Petite Chose, esse supremo encanto! E eu terei o deslumbramento da vibração de teu corpo, e a transfiguração do teu rosto, e “aquelas” lágrimas sublimes em teus maravilhosos olhos. Amor! Amor! Meu eterno Amor! Oh! Lágrimas de amor, lágrimas de saudade, oh! Eu as tenho tantas no meu coração, e elas se derramam por estes meus olhos tristes de não te verem I E assim foi essa dolorosa noite.

Às 11 horas eu estava no hotel e tive uma noite difícil a passar apesar da consolação incomparável que por vezes me vinha de ter-te bela, soberba! Divina, em meus sonhos que são cismas infinitas e não a morte!

Hoje de manhã também não sai de casa como tu ontem. Senti-me fatigado, pus-me a examinar o meu tempo de serviço diplomático para mandar ao Rodrigo Octavio o requerimento para a contagem do mesmo.

Depois do almoço ao correio, ao teu encantado e prodigioso encontro e tive a tua carta de paixão e de tristeza, onde adivinho que sofres, e que mesmo a tua saúde está abalada pela ânsia da saudade... Amor meu eterno, repousa um pouco, se te é possível, alma ardente e sofredora! E que uma doce paz te envolva e te tranquilize o peito arquejante!

Tudo é sofrimento neste instante. Ambos padecemos cruelmente nesta iníqua separação. E se pudéssemos nos ver um minuto! Oh! Meu Anjo, que triste, desejar o impossível! Aqui tudo me aborrece, me aniquila... Não penses que alguém me distraia... Nada. E essas pobres e insignificantes colombianas a que te referes não são dignas da tua mais simples e indiferente preocupação. Não existem. E se tu as conhecesses! E na realidade pouco lhes falo. Talvez eu nunca estive tão concentrado, em época diplomática, como agora.

Oh! Minha Petite Chose idolatrada e sublime e divina e única, eu sou teu, gloriosamente teu para a eternidade, na tragédia do nosso Destino, na vida e para a morte.

Hoje não saio à noite. Vou preparar o que tenho de mandar ao Rodrigo e escrever mais uma vez ao Alberto Faria sobre as ações, liquidar tudo. Fiquei triste de receberes tão pouco, mas alegrei-me que já tivesses pago logo o “Bechoff”. Ah! Como nós estamos pobres! Hoje mandei pagar o Doeuillet e o dentista da megera, 650 francos. Há tanto a pagar por ela! Que não sei como me arranjarei!

Vim acabar no correio, porque os secretários me esperavam para sairmos juntos e por cautela não quis pôr o endereço ali, na legação. Que inferno! Sempre gente! A hora que receberes esta, terás uma agradável surpresa com as flores que te mandei!

Lindas e saudosas flores, elas, ao menos, são felizes em te acompanharem aí e em perfumarem e embelezarem a solidão do Anjo da Paixão! Eu te beijo num delicioso ímpeto de amor.

Eu te quero e te entrego “confiante” e “radiante” a minha vida. Beijos! Beijos!

(Haya paia Paris)

Haya, 23 de janeiro de 1914.

Sexta-feira, 03h30min.

Minha sublime Amante! Minha vida eterna, minha gloriosa Beleza, a tua carta de ontem, rápido embora, é tão maravilhosamente do teu apaixonado coração que me pareceu, e eu senti, que tu, oh! Meu amor supremo, corrias de longe para os meus braços, que me buscavas, me tomavas para ti, dando-te a ti mesma, exótico, divino! E essa impressão me tomou tanto que eu fiquei longo tempo numa grande emoção, e as lágrimas nos olhos me impediram de vir a legação, e andei vagando, vagando, em sonho, e na saudade, na esperança... E na realidade triste da separação.

Oh! Meu infinito Amor, como eu te amo! E como só em ti eu vivo, e como tu me faltas profundamente. Oh! Minha vida que eu sonho e que eu realizarei, em êxtase diante de ti, bem “unido” a ti, os nossos olhos, as nossas bocas, os nossos peitos!...

Oh! Amor sublime, pálido, transfigurada, divina Amante!

E como tu és bela! E como a tua beleza é transcendente, “única”! Tu és a mediterrânea beleza, feita de linhas admiráveis, de expressões sublimes e nesse corpo extraordinário, musical, sob essa fronte de Partenon e nesses olhos infinitos, imensos, doces, flutuantes, negros-azuis, oh! A alma antiga e imortal e incomparável e eterna que vibra e sobe, e cria, alma igual a dos heróis e dos deuses, e mais profundo ainda, mais “alta”, mais “exaltada”, e mais “belo” porque a sua perfeição foi aumentada na chama purificadora da Paixão!

Sim. Tu podes pelo espírito, pelo sentimento inconsciente e já consciente teres a significação do mistério universal! Tu podes possuir o segredo dos deuses antigos e seres a companheira das estrelas, a irmã das árvores, das flores, ser uma expressão imortal do Universo eterno. Mas pelo êxtase que reina em tua alma, pela ascensão soberba da tua Essência, és mais angélica, mais divina que os antigos porque tu és mais espiritual e tu realizaste o amor, que a Grécia não conheceu e com a expressão que só as raças de sofrimento, as raças místicas possuem. Tua natureza ainda tem mais esta maravilha: de ser mística e panteísta. Tu me compreendes, Amor idolatrado, e eu não posso exprimir, tu entendes, divina Petite Chose!

Ah! Estás aí no nosso saudoso e sublime recanto de amor! E as flores te acompanham, as flores da minha saudade, as minhas mensageiras. E entre elas tu és a “Rosa!”...

Quando eu vejo uma rosa é a ti que eu vejo. São os teus olhos nela, é toda a tua maravilhosa cabeça, é todo esse perfume que se desprende do teu ser incomparável!

Oh! Saudade intensa “mortal!”... E a minha “Rosa” aí... E ela me lê esta carta de paixão, de delírio e de dor suprema... E ela é minha, imaculada, angélica, sublime! Mas, depois as exigências da vida a tomam... E a pobre e linda e divina flor lá vai, triste, recolhida, pendida a fronte, mas altiva e isolada, lá vai... Oh! Como é triste viver assim!... E como é doloroso ser forte e ir para adiante lutando... Oh! Meu Amor, Amor... Que outro nome não sei mais que te dê, tu és a minha vida eterna, o meu Tudo, o meu sublime Eu! Perdoa, estou sofrendo muito... Mas irei para a frente, porque tu és a Esperança e tu és a Paixão e a Beleza

Hoje trabalhei toda a manhã em papéis e cartas, preparando a minha aposentadoria.

A minha saúde se mantém e eu tenho, a impressão de que tu melhoraste com o repouso da noite de quarta-feira e fico mais tranquilo.

Fiquei contente com a tua boa impressão de Temístocles. Eu quero tê-lo sempre sob a minha dominação e que ele te venere e te queira bem, como Aquela que é a minha vida e a minha alma, e que é a realização sublime da Paixão na nossa raça e neste mundo!

A megera vive como sempre muita afastada de mim e no dia 28 volta a Paris.

Sábado tens essa maldita reunião da Olinto. Oh! Que horror! E quanto a vida é uma agonia! E tu és a Doçura suprema, o divino Êxtase! Amor, meu infinito Amor!

Na mais profunda emoção, no mais ardente deseja de viver em ti, eu te quero e eu me lanço em teus braços e te beijo, te beijo, sou teu eternamente “fiel” e “puro” para a vida e para a morte.

Rosa de Amor! Paixão!

(Haya para Paris)

Haya, 24 de janeiro de 1914.

Sábado, 04h30min.

Minha doce e imortal Petite Chose, meu Tudo, minha Aurora, minha Esperança, minha alma é a tua alma e nós somos a gloriosa e absoluta unidade da paixão! Hoje a tua deliciosa carta adorada me deu o êxtase da alegria que sentiste com as flores felizes que te acompanham nessa augusta solidão... Tu sorriste! Tu ficaste enlevada! Oh! Amor, como eu te vejo nessa saudade sublime, a tua alma num divino voo de amor, e o teu maravilhoso coração estremecendo da “lembrança” eterna, do “desejo” imortal...

E eu me sinto mais animado também porque antes de acabar a outra semana estarei contigo.

Oh! Meu Paraíso imaculado, meu corpo divino e transfigurado! Resolvi partir a 29, quinta-feira. Assim tu não precisas te preocupar em arranjar uma distração para as meninas. O meu plano é partir daqui no trem de 09h30min, da manhã, aí chegar às 05h30min da tarde. Assim tenho Themis à noite “longtemps”, talvez Elisa, Nhonhô e no dia seguinte estou livre e Themis não quererá me reter. Não vou na quarta porque é logo em seguida à recepção oficial, à noite, no Ministério do Exterior e pode haver qualquer coisa a comunicar ou a fazer na legação no dia imediato. É triste que no sábado ainda tenhas a maldita recepção da Olinto. E no outro sábado não haverá!...

Ficarei inteiramente incógnito em Paris, e já me arranjei com o tal “cercle” de escritores, com revistas, bibliotecas e outros pretextos, e só verei amigos brasileiros muito seguros...

Descansa, Amor meu, que tudo continuará divinamente para nós, e se assim não fosse, não seria preferível a morte?... Oh! Que desespero horrível estar privado de ti, meu Anjo de Paixão, privado das tuas carícias imortais, minha vida, meu Tudo, minha poesia, minha arte, tudo, tudo!... Eu te adoro loucamente e eu te quero num ardor sem nome! Estarei contigo sexta-feira. Falta tanto, Petite Chose idolatrada, mas já falta menos. Que importa que eu vá com a megera, se eu vou para os teus braços. Deixar que ela vá só e partir dois dias depois, é esquisito. Demorar por mais tempo a minha partida é horrível e insuportável. Não te inquietes que a megera não poderá viver na Haya. Ela está convencida de que deve partir. Não penses que lhe faço vida agradável. Não a acompanho a passeios. De manhã “nunca” saímos juntos, à tarde eu venho à legação, só, e se ela insiste em aparecer como ontem, a mando embora. A noite só saímos quando há um dever a cumprir, jantar, Corte. Vivemos o mais longe um do outro, menos mais talvez do que em Paris... E quanta ao que me é sagrado e divino, oh! Meu puro e doce e eterno Amor, “eu te sou imaculado e intangível”.

“A minha fidelidade é absoluta”, e eu não a chamo de gloriosa, porque é “natural”, é a consequência “profunda”, fatal, da minha paixão por ti. Não há o menor esforço da minha parte, é um ato simples, belo é verdade, mas que não é heroico, porque eu não luto nem contra desejos estúpidos, bestiais, baixos, indignos, que por acaso me viessem... Nem contra ímpetos devassos da megera... Porque, oh! Meu Amor eterno! Esse ato da paixão quando é um ato de amor é divino, glorioso, quando é um ato sensual, é estúpido, é infame...

Sejamos puros e maravilhosos no esplendor dos nossos desejos, na nossa volúpia sublime, na unidade suprema dos nossos corpos em êxtase!

Esta carta foi interrompida. Escrevo-te na legação. Houve serviço que está acabado e depois que os secretários partiram, continuei a te escrever, Amor! São 06 horas aqui, e aí ainda não são! Estás tão longe, em plena recepção mundana, tu a Santa do Amor, a gloriosa e transcendental Santa Thereza da Paixão divina! Tu, a mulher a mais amada do Universo, meu tesouro, ma Petite Chose adorée... E depois que daí saíres tu te lembrarás do teu Amante, marto de saudades, nesta terra longínqua, sonhando, pensada em ti, vivendo por ti! E tu não terás os nossos corpos unidos, as nossas bocas se beijando, os nossos olhos se consolando... E assim depois desse sacrifício da tua alma, da tua inteligência, não terás, oh! Amar, a ressurreição!

E será mais triste esta longa noite, e te recordarás, e desejarás voar, voar aos meus braços que te esperam, e em vão te buscam e se abrem nos espaças mudos para ti, que não vens... Senão em visão, em sonha... O meu coração sofre demais... E não terei hoje forças para nada...

Vou daqui, depois de pôr a minha triste e ardente carta de amor no correio, vou deitar-me e na escuridão, e na “solidão” eu estarei “bem unido a ti”...

Oh! Minha saudade companheira!... Meu doce refúgio, minha desolada consolação!

Virás amanhã ao nosso recanto de amor? Ficarás um dia na contemplação e no silêncio? Eu me pergunto tudo isto e quem me responderá?!...

Fico muito contente sabendo que Themis te procura. Escrevi-lhe ontem para que “me siga em tudo, me obedeça e me seja fiel”. Eu quero que ele seja do nosso lado, e que não se sujeite à megera. Não vale a pena escreveres a esta, que tem sido tão malcriada contigo. Ontem ela “quis” remexer nessas tristes coisas e eu tive de a repelir. Não há a menor confiança em semelhante mulher, má e louca. O melhor é a indiferença, é a situação que estamos criando. Uma carta tua talvez seja motivo de remoque, de discussão, e não, meu Amor, tu já tens sofrido muito para ainda cortejares esse “demônio”... Vai chamando Themis a ti, ele é sensível e dócil. No dia 27, terça-feira, ele faz anos. Nós não estaremos ainda aí, dá-lhe um “pequeno” presente, (nada de loucuras, Amor meu) e “talvez” ele vá ou jantar, ou à noite, depois do jantar com Elisa, à tua casa. Chama-a pelo telefone.

Ah! Agora me lembro, amanhã, é o matinê do “Ideal”, e lá vais tu, ma Petite Chose adorée, o mais este sacrifício, mas a tua alma é imortal, e o teu corpo é glorioso, puro e divino.

“E tu és minha” e nós morreremos e viveremos um pelo outro na glória da mais admirável paixão! Oh! Meu pensamento! Minha vida! Eu te beijo na boca ardente e maravilhosa nos olhos sobrenaturais, na fronte divina, nos cabelos infinitos e acariciadores, nos braços, e em todo teu corpo esguio e divino...

Beijos, beijos! Adoração! Eternidade!

(Haya para Paris)

Haya, 25 de janeiro de 1914.

Domingo, 03h30min.

Minha sublime Petite Chose idolatrada, minha eterna paixão, meu Paraíso, oh! Minha Poesia! Escrevo-te no silêncio da legação solitária. Vim fugindo à megera que está insuportável. Deixei-a furiosa e naturalmente não lhe disse que vim para aqui. Ah! Amor meu, quando eu terei a minha liberdade completa, o meu supremo descanso! Oh! Minha doce consolação como eu aspiro pela tua meiguice tão imensa, pelas tuas carícias que me dão a vida, a força e a esperança!

Hoje ao meio dia tive a tua carta de ontem, sábado, escrita às 3 horas no “nosso ninho"... E tu escreveste no mesmo sentimento de alegria intensa, de desejo ardente e que vai enfim se desforrar um pouco, como eu te escrevi e te escrevo! Nós nos aproximamos, oh! Amor, Amor! E tudo será belo, divino, o esquecimento, o sonho e a profunda realidade!

Já te disse que aí estarei na quinta-feira, à noite e nos veremos e seremos gloriosos na sexta-feira! Assim não há necessidade de arranjares a “matinê” para as meninas, mas se esta foi arranjada, tu me dirás por um telegrama, amanhã, quando tiveres a minha carta, e eu sigo na quarta-feira. Se nada arranjaste de definitivo, então transfere o arranjo para a outra quinta-feira, e assim teremos toda a futura semana para nós, pois também Mme. Olinto não recebe no primeiro sábado.

Vejo o que me dizes da amizade que te mostra o Temístocles. Ainda bem. E agora é preciso que ele não mude com a presença da megera. Ele é delicado, sensível, mas é tímido e não gosta de lutar. É bom que ele saiba que não deve ter outra atitude, e que deve continuar a te ver, e a ser teu amigo. Ele é um “pouco vaidoso” e gosta de ser querido. Se ele percebe que tu o aprecias como inteligência e superioridade de educação e se lhe mostras, como mostras, confiança e estima, então ele não te faltará. A ausência da megera por esse lado foi boa, porque assim Temístocles pode se aproximar de ti e “compreender” a tua grandeza, e te venerar, como eu desejo que ele venere o meu supremo Amor, a minha maravilhosa Criatura! Sim, porque tu és minha, a minha Coisa idolatrada, o ser que eu criei e por quem vivo e morro... E eu sei que a todo a instante, em toda a parte, tu sabes que “tu és minha”, a Criatura do meu amor, e também a sublime Escrava da Paixão!

E que divino encanto em teus gestos, e que incomparável vida a tua, ma Petite Chose adoréel Eu sei quanto te é penoso viver fora da divina atmosfera da paixão, como é um sacrifício para o teu espírito, para o teu gênio, para o teu coração e para o teu corpo, viver no meio de outros e longe de ti e do teu Amante! Pobre e imaculada Mártir! Mas tu serás recompensada e ninguém terá a Felicidade que nós teremos quando soar para nós a hora da liberdade do nosso Amor, e o êxtase perpétuo da Paixão!

Apesar de todo o martírio do presente, eu sinto em ti a Esperança, e tu me arrebatas para longe, para acima, além das misérias, das dores, das desgraças, e de tudo o que é relativo, e se chama “sociedade humana”! Da humanidade só queremos o nossa alma, a nossa sensibilidade, o nosso coração, a nossa volúpia, enfim o que constitui o “nosso ser”, porque é difícil imaginar como seria a paixão em nós, se nós fossemos outros seres, outras formas do Universo!

Sim, flores, nuvens, árvores, sóis, não importa, nós nos amaríamos transcendentalmente, mas a nossa paixão de humanos é tão bela, tão forte, tão única, tão exaltada, tão inteligente, tão arrebatadora e tão frágil e tão doce, que nós devemos ficar ainda por longo tempo em nossa própria forma atual e gozarmos esse amor incomparável, que vence a Morte e o Tempo e o Espaço!

Meu Amor divino, ma Petite Chose adorée, eu te aperto bem nos meus braços, eu me abismo em teu maravilhoso ser e tudo é volúpia, paixão sublime e eternidade. Amor! Oh! Meu Amor! Minha sublime Amante, minha idolatrada e divina Nazareth, que saudade e que desolação aqui! E que esperança! Amor! Minha alma! Para a morte e para a vida, Paixão!

São 04h30min! Onde estarás a esta hora? Que turbilhão de gente horrível em tomo de minha Santa! Desespero! Oh! Saudade! Oh! Meus beijos! Agasalha em ti teu Amante que te quer como tu o queres... E que morre de paixão por ti...

Adoração. “Fidelidade imaculada”.

(Haya para Paris)

Haya, 26 de janeiro de 1914.

Segunda-feira, 05h30min.

Minha sublime Petite Chose idolatrada, minha vida eterna, minha Esperança imortal, como tudo é mais triste hoje, mais insuportável, porque tive a decepção (que é sempre grande) de não ter a tua carta que me consola e me ilumina. Oh! Se tu soubesses como eu vivo e eu renasço quando leio as páginas saídas da tua alma divina, em que vibra a tua incomparável Paixão!

Oh! Meu Amor supremo, tu imaginarás também o meu desespero de me sentir privado desse infinito bem e de andar vagando, vagando sem um, sequer, pensar... Nessa dor profunda, animal, de estar desamparado, ainda mais morto do que vivo, longe de ti! Oh! Tu sabes tudo isto e tu me adoras! Amor, porque tanta tristeza e tanto sofrimento no Amor? Eu sei que também aí penaste ontem, que tiveste o desespero de não poder mandar a tua carta de paixão, o consolo infinito do teu Amante, do teu Amante idolatrado!

E tenho uma imensa pena de tudo o que te faz sofrer a ti, meu Anjo da Paixão, tu, tão meiga, tão doce, alma musical e poética, minha Amante eterna e desejada, como eu te desejo!

Hoje fui a um almoço na legação da Áustria e como sempre insuportável. Estive ao lado de duas velhas, sendo uma delas a mãe da ministra, uma velha americana, e tive de falar inglês durante todo o tempo. Amanhã também almoço na legação de Cuba, e à noite a recepção no ministério do Exterior.

Oh! Libertação! Oh! Amor!

A minha aposentadoria será uma coisa feita este ano, e depois nós veremos, tudo será outra coisa e nós não nos separaremos mais, meu divino Amor. Tu és a minha única razão de viver!

Quase não posso te escrever... Anseio muito e muito por notícias tuas, e vou ao correio de novo onde talvez tenha o teu telegrama. Tu deves estar aí em nosso ninho, oh! Saudades! E eu te envolvo, eu te acaricio daqui de longe, em cada objeto a nossa alma, e por toda a parte a nossa Paixão!

Oh! Minhas flores que te admiram! Oh! Perfume que tu respiras, oh! Pensamentos que tu pensas e imortais e onipotentes desejos que tu desejas. Somos nós, Amor, nós em tudo que é eterno, divino e belo!

06h20min. Ah! Como é bom agora viver, mesmo na saudade! Tive o teu telegrama neste instante e tu és um anjo em arranjares a tua liberdade para quinta-feira. Eu te beijo, te beijo e se tu estivesse aqui ao meu lado, tu verias a minha alegria! Oh! Meu divino Amor! Como eu te quero! E tudo mudou! Agora é a esperança, é o voo ardente para os teus braços, é a carícia imortal de tua boca e do teu corpo! Oh! Meu Anjo da Paixão! Eu te cubro de beijos, eu te quero, eu sou teu, eternamente, gloriosamente teu! Minha mão treme de prazer! Faz um tempo horrível. Chove, nevoeiro. Que importa agora!...

A ti, a ti, todo o meu ser que te quer, te busca! Pensemos nas horas longas e breves que vão passar e sorri, Amor, doce Amor! Eu te vejo, e tu és bela, tu és um pássaro e tu voas na alegria e no desejo. Paixão! Eternidade! Beijos, beijos! E tu és divina, minha vida eterna!

Até quinta-feira, sê o que tu és, a mulher a mais amada, a Amante incomparável, imortal!

(Haya para Paris)

Haya, 12 de fevereiro de 1914.

Quinta-feira, 3,1/4.

Oh! Minha Amante idolatrada e sublime! Minha doce e exaltada e divina Santa! Tu és a minha vida, o meu perpétuo Encanto, o meu Paraíso e a minha Eternidade e como tu podes imaginar que a megera tenha de mim carinhos e afeições para ela se gabar da “bela vida” que leva! Essa mulher é uma terrível comediante. Na véspera da minha partida, à noite, fez uma cena de desgraçada criatura abandonada e desprezada... Queixou-se de mim, que nem “mesmo a olhava”... E não a queria ao meu lado... Nem mesmo a acompanhava em visitas e que a sua vida era de mulher “viúva” em “todos os sentidos”, só parecendo que eu tinha uma paixão que fazia com que ela me aparecesse em horror... Não lhe respondi... E apenas com mau humor disse que se contivesse e que eu não tinha que mudar a minha vida e que ela já me havia feito sofrer muito e muito...

No dia seguinte essa demônia se pinta, se máscara e vai se dizer “a pessoa mais feliz do mundo”... Que miserável! Oh! Não é só o ódio, o aborrecimento, mas também o supremo desprezo que ela nos deve inspirar, meu divino Amor...

Sim, como tu, eu me indigno com o que ela conseguiu, as relações frias em que estão as nossas famílias Oh! Isso me revolta. Mas que fazer com um demônio infame como esse? Tu sabes que temos empregado todos os meios, a energia, as boas maneiras, e mesmo o escândalo... Ela é perversa e incapaz de nada que não seja o ódio... E tu sabes que o mau e suspeitoso temperamento de “O.” não permite uma situação clara, quer dizer, relações comigo só sem as da megera, e tu sabes que eu estou pronto a “abandoná-la”, a deixá-la e que só a tenho aguentado por causa de um sério escândalo, e que depois de me ver livre desse posto diplomático, tudo pode mudar... Esperemos, esperemos, ainda que soframos. O que eu não quero é que te aborreças demais, que fiques triste, e que a tristeza ou a raiva perturbem a doce e infinita harmonia da tua alma divina. Vive para Amar! E somente para o Amor! Foi ele o teu sublime criador! E tu és a Anja da Paixão, tu és a maravilhosa expressão de amor, cama jamais houve! Esse é o teu imenso Destino! Foi a tua sublime e divina Fatalidade! Pelo Amor tu tiveste a revelação profunda da vida eterna... Pelo Amor tu és uma forma ideal da Infinita, pelo Amor tu tiveste a Estética, tu dominaste a Universo, tu tiveste a unidade absoluta, e na volúpia mágica, suprema do Amor, tu conheceste o mistério profundo e eterno do teu ser e te dando maravilhosa, única na Paixão, tu és o Criador do teu Amante, tu és a Luz, a Delírio, a Paz, a Cor, a Sonho, a Esquecimento, a Música, a Vida eterna no corpo e na alma do teu Senhor, do teu Mestre, do teu Criador!...

Adoração... Amor! Amor! Sublime Escrava da Paixão!

6 horas. Do Hotel.

Meu divino Amor, minha doce Ternura, escrevia-te da legação quando fui obrigado a interromper para dar atenção a insípidos oficias e aos tristes secretários.

Da legação vim para aqui continuar a me entreter com a minha sublime alma.

Chegando, encontra um telegrama de “O.” chamando a minha atenção para qualquer causa que saiu no “Fígaro”, mas que ele não me diz o que é. E tenho de esperar até às 07h30min, quando poderei ter o “Fígaro” de hoje! Que será? A minha ida para o Brasil? É só a que me aterra e aflige. “Mas eu não irei”. Como me separar de ti? Querem a minha morte? Será a nomeação de “O.”? Ou a promoção para outro posto?

“Mas tu ficarás comigo”. Enfim, veremos o que vai ser. Em todo o caso vejo que “O." está atento a mim.

Fiquei muito satisfeito com o diagnóstico do homeopata. Segue rigorosamente o tratamento que é fácil e não estragará o teu estômago.

Como é possível que o teu coração, o teu divino e amantíssimo coração seja “lento” se o ritmo da paixão aí é ardente e acelerado? Ou o coração não é o órgão do amor? E o amor é tudo, corpo e espírito, sangue e nervos, e tudo o que não se pode precisar e é tão misterioso!

A minha saúde, apesar de tudo, se vai aguentando. Mas é singular como a Haya me cansa! Eu creio que é a dura separação, a terrível ânsia em que vivo por ti, minha Petite Chose adorée!

Deitei-me ontem cedo, às 10,1/4. Dormi, porém, sem repouso. Às 7 horas foi impossível ficar deitado. E andei por aqui no apartamento, vagando, lendo sem ler, meditando, pensando, oh! Mas te desejando, te desejando, Amor!

Por que ainda não estamos unidos dia e noite? Por que não desperto nos teus braços... E por que estamos privados de tanta coisa em comum e que seria um encanto e uma eternidade?...

Já te disse que farei o menos possível vida social. Tudo me aborrece. Amanhã irei à noite à legação americana, onde há um concerto. A tal recepção da Gran-Maîtresse, no sábado, não há mais. Só terça-feira tenho o concerto na Corte. Recusei hoje de manhã o convite dos Ligne para um jantar no dia 26. Só temo que a Rainha-Mãe me convide a jantar e assim me prenda aqui. Ela costuma dar dois jantares por semana, as segundas e as quintas, e convida os ministros apenas com 48 horas de antecedência! Imagina se me convida para quinta-feira, quando eu sigo daqui na quarta, de manhã! Velha cacete!

Oh! Como tu és divina tendo e estudando a Partenon, cuja imagem representa! E vivendo em espírito nessa antiguidade grega, que tanto admiras! Meu doce Amor, eu te quero, como eu te quero!... Meu doce Amor, tudo é infinito poderoso voo de paixão para o teu seio! Tu és a minha vida gloriosa! Eu te cubro de meus apaixonados e loucos beijos. Eternidade! Adoração! Para a vida, para a morte!

(Haya para Paris)

Haya, 13 de fevereiro de 1914.

Sexta-feira, 12h30min.

Oh! Minha pobre, idolatrada e divina Petite Chose! Minha Dor! Minha Alma! Minha Vida eterna! Como tu sofres! E como eu estou longe de ti, meu Bem supremo! Ainda estou atordoada com a tua dilacerada carta de ontem, que acabo de receber, e depois de te mandar as expressões da minha angústia, do meu ardente amor e da nossa piedade junta, em um telegrama que talvez recebas hoje, vim para casa escrever-te num estado de tristeza que tu imaginarás.

Oh! Eu te adoro, eu te adoro! E todos os meus beijos, todas as minhas carícias, toda a minha ternura não chegarão jamais para exprimir essa paixão sem nome infinita, eterna, dominadora, vasta, divina, que eu tenho por ti, ma Petite Chose adorée, minha pobre e formosa criatura, meu próprio Ser, que padece e que é tortura da pelo estúpido sofrimento! E eu longe! Oh! Sorte Ingrata! Nem ao menos te posso beijar dos meus lábios doces e ardentes, nem te acariciar das minhas mãos apaixonadas e santas pelo amor! Nada! Nada! Aqui a solidão que esmaga e definha... Aí a solidão que apavora e exalta! Nós somos duas solidões... Nós, a Unidade absoluta! Nós! O Amor eterno e imortal Como é horrível a tirania das convenções... E aqui estou prisioneiro... Tenho vergonha e uma surda humilhação me acabrunha. Mas como agir de outro modo? Meu ímpeto é partir para junto de ti, dar-te meu consolo, ainda que por algumas horas! Escuta, Amor meu, e obedece: se a agonia do teu coração for muito forte, se o teu ser precisa “um minuto que seja” do teu Ser adorado, do que amas e que é a tua vida, então sem a menor hesitação, tu me passarás um telegrama amanhã, e eu sigo imediatamente e domingo e segunda-feira tu me terás contigo. Voltarei na terça-feira para o miserável concerto da Corte. Vou incógnito, para ti só, e ficarei em nosso ninho. Sei que não terás disponíveis para nós senão alguns instantes, mas ainda assim eu irei, porque é esse o impulso do meu coração e do meu amar! No meu telegrama, que foi passado imediatamente depois da tua dolorosa carta me chegar, não te disse isso. Volto ao telégrafo para te mandar esse recado.

2h30min. Volto a te escrever, depois do almoço. Meu pensamento fiel, profundo, intenso está há todos os instantes contigo!

Como deves estar aflita! Tu tão amorosa, tão sensível, e no meio de tanta preocupação angustiosa!

Confio absolutamente em tua heroica energia, e quero que saias dessa rude provação sem prejuízo para a tua saúde. Ah! Meu Amor divino, minha gloriosa Beleza! Os teus, os nossos sofrimentos são enormes! Mas há para eles uma força invencível, é o nosso amor! Sofre-se, se é martirizado, tudo, tudo, mas como é poderosa, imortal e confortante a certeza da paixão que faz a unidade eterna e absoluto de dois seres!!

Há esse consolo supremo: eu sou adorada como nenhum ente no Universo! Ele vive da minha beleza do minha Essência, da minha alma, da minha sensibilidade, do meu Êxtase, de mim, de mim, e só e eternamente de mim! E Ele, o Amante, morre por mim. Sua alma é a minha alma, seu espírito é animado do meu Ser, o seu Ser vive glorioso da minha beleza, das minhas formas, do meu mistério, que ele revelou e de que só ele tem o segredo.

Aí, quando tu contemplares o sofrimento, quando o teu amoroso coração de mãe arquejar de piedade e de ansiedade, aí nesse instante de tristeza, o teu pensamento te dará a companhia do amor imortal, e tu terás o perpétuo deslumbramento, a consolação infinita, e dentro de teu coração brilhará a luz divino, e arderá a chama em que se abrasa gloriosamente o teu Ser de paixão!

Como eu quisera tomar-te nos meus braços, minha Santa torturada e te agasalhar docemente e te beijar longamente, e que tu repousasse, e que a paz, a doçura infinita te envolvesse e que o esquecimento te arrebatasse... Bem agarrada a mim, muito, muito conchegada, abandonado às minhas forças, à minha ternura, ao meu amor! E eu me sinto alquebrado de tanto desejar e de não realizar!...

Oh! Como eu me arrependo de ter vindo, como eu me arrependo de tudo! Que sou eu na vida senão o teu Amante?!

Por que o “resto”, o que não conta, só aparece para nos fazer sofrer?... Oh! Vida traidora e pérfida, quanto engano, quanta mentira, quanto sacrifício e quanto martírio!

5 horas. Volto da legação e do correio. Não havia telegrama teu. Esperemos. A noite desce sobre esta terra longínqua e ausente. Será uma noite como a de ontem, e ainda mais triste. Ontem depois que te escrevi e voltando do correio tive o “Fígaro” assinalado pelo telegrama de “O.” Vi do que se tratava e fiquei mais calmo. Telegrafei ao jornalista que dera a falsa notícia, e que já está me aborrecendo e telegrafei a “O.” e a ti mandei do fundo da minha alma aquele desejo de paz e de calma sobre ti, meu Anjo! “Boa noite”! E que noite angustiosa tu tiveste!

Eu senti uma tristeza tão forte que quis fugir à gente conhecida deste hotel, e mandei chamar o Armínio que é taciturno, e fomos jantar em um restaurante, onde não havia senão duas pessoas e essas, desconhecidas. Depois do jantar fomos de tramway a Scheveningue, um imenso silêncio! A praia deserta, fria, áspera... A princípio meio escura, depois chegou o clarão da lua. Nós éramos sós naquela vastidão triste.

E como é solene, meditabunda, a grande lua boiando no espaço livre sobre o mar infinito e sobre a terra adormecida. E a luz da lua é como uma mortalha que envolve o mundo. Tudo era vago, indeciso, lívido, mortal... E a minha Essência buscava a tua Essencial naquele silêncio, naquele infinito, naquela luz, naquela morte!...

Voltei a pé até o hotel por um caminho de árvores que eram espectros branqueados.

Era uma hora da noite quando me deitei.

Oh! Meu pensamento! Oh! Minha saudade. Oh! Minha alma!

Como tu me procuraste nessa longa noite, ma Petite Chose adorée, minha vida! Como tu precisas de ser heroica, minha sublime Amante!

6h30min. Escrevo-te do correio, onde tive os teus dois telegramas. Parece-me que estás mais tranquila e vejo que não queres que eu vá... Espero ansioso a tua carta de hoje. Meu pensamento eternamente contigo, minha Idolatrada! Beijo-te muito, muito, e confio na tua força, e não quero que adoeças. Adoração. Beijos, mil, mil beijos, minha vida e toda minha alma.

(Haya para Paris)

Haya, 14 de fevereiro de 1914.

Sábado, 05h30min.

Minha Doçura! Alma de minha alma! Anjo da Paixão, tua carta de ontem, ainda que angustiada, traz mais calma e mais segurança, e eu naturalmente me tranquilizo um pouco, vendo que o perigo de uma grave moléstia nas meninas não se apresenta. Mas como tu estás fatigada, te arrastando nessa dura situação, pobre e divino Amor, tu, minha glória, minha esperança eterna! Eu te vejo debatendo-te entre tantas preocupações: moléstias, falta de liberdade, angústias e saudades! E sem um consolo, sem uma doçura, e só sacrifícios e mais sacrifícios! Quanto martírio para ti, minha sublime heroína do Amor!

E todo o meu ser se exalta de compaixão por nós, de infinita ternura por ti, e eu te admiro, te venero, e te adoro! Como eu quisera te adormecer nos meus braços... Cerrar as tuas lindas pálpebras, apagar por uns instantes a luz transcendental dos teus imensos e maravilhosos olhos... Ter os teus doces e infinitos cabelos em minhas mãos, e a tua divina cabecinha sossegadamente repousando sobre mim... E um grande, um inquebrantável silêncio... E um misterioso e adormecedor perfume vindo do teu corpo em flor e da natureza benfazeja... E tu dormirias! E a grande paz te envolveria toda! E da extrema fraqueza, do cansaço, da alquebrada prostração, tu renascerias docemente para a vida, para a alegria profunda e terna do teu corpo e da tua alma! Oh! Mas a ti, nunca foi dado um momento de verdadeiro sossego! Um instante de esquecimento, de sono no amor... De horas assim divinamente perdidas. Nada! Sempre a luta, a atenção, o sacrifício, o martírio... Como te é dura a vida, oh! Sublime Paixão! E quando tu terás aquele momento sem cuidados, sem tormentos? Quando, quando? E por que tanta prisão para tão grande e incomparável Amor? Oh! Como eu medito assim sobre as injustiças da sorte! O nosso Destino foi maravilhoso, foi único! Mas como para a Beleza suprema da nossa Fatalidade temos de sofrer! E nós sofremos ainda mais, lutaremos sempre, sempre, não recuaremos diante do martírio, não tememos nem as lágrimas, nem as dores, nem os desesperos e por um pouco de alegria eterna nós padeceremos até o infinito! Eis o que é a Paixão! E nós somos heróis e nós somos bem-aventurados! E quem é feliz como nós, que temos o Amor como ninguém tem, e que realizamos a Unidade absoluta, que é a ânsia, o mistério de todo o vida, a tragédia do Universo, e o desespero dos desgraçados que não sabem o que é o Amor, ou que não tem a recompensa sublime do Amor-Amor! Isto é de amar e ser amado na absoluta comunhão dos corpos e dos espíritos!

Fiz uma pequena interrupção... “Ver-te” assim prostrada, tão martirizada, oh! Meu Amor, me abate, e me entristece tanto! E eu fiquei sem forças para continuar a te escrever quando todo o meu ser voava misticamente para ti, e se unia ao teu Ser... Assim passaram-se alguns minutos de meditação profundo, de “ausência” completa em que só o meu corpo quase inanimado aqui ficou, enquanto que toda a minha alma, a minha Essência estava aí contigo realmente... Oh! Recorda-te, recorda-te, Amor, e seguramente tu também a esta hora (6 da tarde) sentiste a mesma estranha “morte”, a separação da tua alma “buscando” o teu Amante, e se “unindo” a ele! Recorda-te e tu me dirás se não se passou contigo a mesma divina e misteriosa sensação...

Fico certo de que defenderás energicamente a tua saúde. Tomo as maiores precauções, faz gargarejos, e ao primeiro sintoma de gripe, toma aspirina. É melhor do que quinino. E evita o resfriamento. O tempo deve também ter mudado aí, vai fazer um pouco de frio. Aqui choveu toda a manhã, mas agora está seco. Eu estou bem e não estou resfriado.

Ontem à noite houve a recepção do ministro americano com um concerto um pouco infeliz. A mesma enfadonha e fatigante gente. Segunda-feira recepção na legação da Rússia, e terça o concerto da Corte.

Como estamos combinados, chego aí na quarta- feira ás 05 e um quarto. Oh! Meu Amor divino, minha Beleza, minha vida eterna!

Maldita megera que se porta tão mal contigo. É sempre a mesma, ordinário!

Trato com energia da minha aposentadoria, e hoje mandei a procuração ao Rodrigo Octavio para liquidar o meu tempo, e no momento oportuno ele fará o requerimento final.

O meu telegrama ao Bourdon, do “Fígaro”, não era para ser publicado. Mas não me aborreço de o ter sido. Vá lá! É uma nota de decisão.

Sim, eu serei calmo e forte, mas tu não vais cair doente, Petite Chose adorée. Sim?...

Oh! Meu Anjo, que imensas saudades e quanta solidão! Por que estás tão longe? Tu sabes que eu te adoro?... Ah! Sim... Tu sorriste... Oh! Meu Amor! E sobre a tua boca sorridente a minha boca apaixonada! Amor eterno!

Para a vida e para a morte! E os meus loucos e doces beijos...

(Haya para Paris)

Haya, 15 de fevereiro de 1914.

Domingo, 04h30min.

Alma de minha Alma! Minha vida eterna, minha glória, minha beleza imortal, já o teu inspirado telegrama de ontem à tarde havia me trazido um certo repouso, sabendo-te mais tranquila, e hoje a tua carta me confirma que a grande e doce paz entrou de novo em teu espírito, e que a tortura porque estavas cassando diminuiu. Oh! Sossega, alma divina e tão castigada de angústia!

Eu pergunto sempre ao Destino por que um ser como tu sofre e se debate em mil prisões? Como te seria doce à profunda liberdade, e a separação de tudo que não é a essência da tua vida!

Enfim tu és heroica e supremamente enérgica em tua admirável esperança! E eu me deixo ir também nessa auréola de luz e de felicidade que tu crias para nós! Oh! Ma Petite Chose adorée! Sê bendita entre as coisas belas e sorri para a tristeza e a solidão do teu Amante, de quem tu és a vida eterna e o paraíso!

A tua carta de ontem foi escrita em casa, e tu não respondes a minha que encontraste aí. O telegrama foi passado antes de chegares ao nosso ninho, onde a tua divina presença é a luz e o milagre!

Vejo o que me dizes sobre o grosseiro procedimento da megera e de Temístocles. “Era o que eu esperava”, e não há mais comentários a fazer! O que eu não quero é que a raiva ou a simples indignação tirem ao teu espírito os instantes que tu consagras aos teus belos pensamentos e ao teu sublime amor. Não dês à “semelhante gente” a importância de te aborreceres no teu íntimo. Sê indiferente e soberanamente desdenhosa, e jamais, jamais, me acuses de qualquer culpa nesse mísero procedimento, por fraqueza da minha parte. Oh! Não! “e tu sabes tudo o que já foi e “o que vai ser!” “Vive somente para mim”, e eu te adoro tanto como não é possível se adorar no Universo e ninguém é amada como tu, e em todas as gloriosas expressões da alma e dos sentidos! E como eu preciso de ti!... Da tua infinita meiguice, das tuas carícias incomparáveis!

Não me sinto bem. Há uma grande fadiga que me prostra, e eu só queremos estar na quarto, deitado, e sem nada fazer, a pensar, a pensar!...

Não te aflijas, meu Amor! Isto passará ao teu lado, ao mágico encanto da tua presença e será a ressurreição!

Como tudo que não és tu, me é indiferente! E como eu estou pronto para tudo que for da nossa Paixão... Seja a vida, seja a morte!

Vou sôfrego para ti na quarta-feira. Como te disse saio daqui às 09h30min, da manhã e aí chego às 5,1/4. Tu vens me esperar como antes num táxi-auto, no canto da rua em frente à “saída” da estação.

Escreve-me amanhã segunda-feira e na terça apenas me passarás um telegrama. Eu ainda te escrevo amanhã.

Vou levar esta ao correio e torno ao hotel, venho deitar-me um pouco e naturalmente janto no meu salão.

Oh! Minha alma voa para o teu ser. As saudades que tenho de ti, das tuas carícias, dos teus beijos e da tua divina e transfigurada volúpia... São mortais!

Oh! Minha Santa idolatrada, como eu te quero, e como eu quisera te dizer tanta coisa, tanta! Mas te beijando, te acariciando e no êxtase supremo da paixão!

Beijos, beijos e toda a minha alma para a vida e para a morte! Adoração! Paixão imortal!

(Haya para Paris)

Haya, 17 de fevereiro de 1914.

1 hora, terça-feira.

Minha sublime Amante, meu Tudo! Meu Paraíso!

Vim da correio e do telégrafo. Tua carta de ontem é de uma beleza imortal, é a paixão ardente de um ser divino e incomparável e eu não quero e nem poderia rasgar... Seria demais. Vim à legação e por ter esquecido as chaves da secretária não tenho papel para te escrever, oh! Meu Anjo! E felizmente encontrei envelope. Todo o meu ser vibra de desejos... De paixão, de entusiasmo... Oh! Eu vou te ver! Eu te beijarei e serei feliz, eternamente feliz! Depois do almoço te escrevo.

Oh! Como tu és bela, heroica, imortal!

(Haya para Paris)

Haya, 05 de março de 1914.

Quinta-feira, 05 horas.

Minha imensa Paixão, minha Doçura infinita, ah! Alma de minha alma, toda a minha vida em ti, e na grande depressão da saudade como eu estou só e tão triste! Nós nos separamos anteontem há esta hora, e na inquietação do tempo que fugia e da claridade que traía (oh! Nosso eterno amor onipotente, mas que se esconde para a sua felicidade...) nós cortamos bruscamente o encanto em que vínhamos, e os nossos adeuses foram rápidos e deixando tanta coisa em nossos corações... Como é a fatalidade do destino. Nós, a unidade absoluta, nós que morremos do nosso amor, que vivemos só um do outro, assim separados em plena rua, cada um seguindo maquinalmente rumos diversos, e levando para lados opostos esses corpos que foram tão gloriosos, que foram à chama e morada da paixão, e que agora envolvidos, amortalhados entraram na grande morte que é a separação...

E assim fui eu desolado e estranho até aquele chá, onde fui extremamente prudente, calmo e indiferente.

No hotel recebi telegrama avisando-me que a Rainha-Mãe deste pueril país, me convidava a jantar hoje. De forma que em vez de jantar com o ministro dos Estrangeiros, jantarei com a velha rainha. É me profundamente indiferente! Tu sabes como depois que a ideia de me aposentar se fortaleceu no meu espírito, é grande a distância em que me acho de tudo que é dever diplomático e mesmo de relações políticas no Brasil. Estás só me servirão para manter “O.” em Paris e nos dar alguma vantagem pecuniário depois de aposentado.

Minha mãe apareceu-me ontem de manhã, e tive prazer em vê-la, pois eu sabia que os seus olhos tão cheios de doçura e de bondade iam te ver, oh! Minha Santa idolatrada, ma Petite Chose adorée! E assim no olhar de minha mãe eu te mandei um “reflexo”, uma pálida impressão do meu olhar de paixão e de admiração. E parti! Ainda antes do trem me arrebatar, corri ao telégrafo da estação e mandei-te o telegrama que recebeste. E vê o meu esplêndido palpite... Tu não devias vir ao nosso saudoso ninho... Pensavas escrever de casa e mandar logo a tua carta. Eu desejei que tu viesses... E te mandei os meus ardentes pensamentos e os meus beijos loucos, fogosos, oh! Beijos de paixão!

A viagem foi como sempre fatigante, estúpida, silenciosa. A megera desesperada de ter vindo, interrompia o sono para se queixar... No hotel encontramos dois convites para jantar no dia 17 e 19. A “bicha” não quer ficar e parte na segunda-feira próxima! Que sucesso! Eu fico, e talvez seja possível ir ver-te aí, em segredo, por um dia ou dois. Que dizes?... Seria por exemplo, na sexta-feira da próxima semana, chegando-se aí quinta à noite. Não posso resolver nada porque estou chegando e ainda não sei o que há de serviço e de obrigações aqui. Em todo o caso já é uma vantagem me libertar da megera! E esta fica muito desmoralizada com as suas contradições que ele procura explicar de mil maneiras, mas a verdade é que ela detesta Haya e a vida daqui.

Passei uma noite má. A megera esteve aborrecendo-me a falar, a falar, recapitulando coisas tristes e querendo se justificar de tanta maldade. Ela falou tanto da sua cama para a minha, que eram 02 horas da madrugada e como eu não tivesse sono e estava morto fui para o salão, deitei-me no canapé e aí fiquei meditando até 03 e meia, e quando voltei ao quarto ela já dormia, enfim! Que horror!

Oh! Tua deliciosa carta, Amor! Mesmo no cansaço em que estás, no abandono e na prostração, como tu tens a maravilhosa energia de me consolar! E como eu me agasalhei em ti, e assim pelo força da ideia, senti um doce conforto, parecia-me que tu me tomavas carinhosamente a cabeça fatigada, que a beijavas ternamente com a tua bela e saborosa boca, que me olhavas tão profundamente, com esse olhar da alma que é o teu olhar de amor! E me acariciavas com a tua profunda e melodiosa voz e com todo o teu divino corpo! Como eu estou cansado hoje! E como eu dormiria nos teus braços, oh! Minha Beleza, minha infinita consolação!...

Tua carta me fez tanto bem!

Escreve-me “toda”, “toda” a tua vida. Eu quero te ver em tudo, e a todos os momentos... “Tu és minha” e eu te adoro loucamente, beijo-te no ardor da minha paixão imortal!

Como tu descreves bem o jantar e as suas ridículas ou insignificantes figuras! Pobre do meu doce Amor! E com que dolorosa expressão tu me dizes: “lointaine, silencieuse, triste et solitaire”. Tudo está maravilhosamente dito nestas quatro palavras que te pintam a alma, nesses momentos de opressão e de desânimo e de saudade!

Amor, meu eterno Amor, eu já não posso escrever... A cabeça me pesa muito e eu vou para casa ver se durmo um instante ou ao menos me deito antes desse estúpido e formalíssimo jantar. Vai passar... Não te inquietes. É o cansaço, é o enervamento, foi a cacete noite, tudo, tudo, que não é luz, não é vida, não é Amor!

Beijo-te loucamente. E tu oh! Minha Santa transfigurada, pálida, divina, tu és a minha vida eterna, a alma da minha alma, a minha glória, o meu supremo e único encanto! Beijos, beijos e tua boca!

(Haya para Paris)

Haya, 06 de março de 1914.

Sexta-feira, 06 da tarde.

Meu divino Amor, ma Petite Chose adorée, minha Beleza triunfante e imortal, esta manhã, antes do meio dia, vim ao correio e tive a tua cartinha escrita a lápis, do banheiro, mas que tu tiveste a suprema habilidade de me remeter, e foi uma grande, grande alegria!... A minha saudade de ti, Amor, é torturante e aniquiladora... Só ao teu lado posso viver, e só nas tuas imortais carícias encontro o esquecimento para tanta ânsia e tanta angústia. Como eu preciso de ti!... Como o teu agasalho é tudo para mim, e como eu quisera beijar-te e também dar a ti, minha idolatrada Coisinha, o supremo consolo, a eterna ventura! E abismados em nossa transcendental volúpia, deixar que as outras coisas continuem a sua marcha fatal e nós, divinos em nós mesmos...

E por isso a tua cartinha mesmo apressada, mesmo como reflexo da tua ansiedade, e dessa tortura em que vives, me ampara e me alegra! Quis escrever-te logo hoje de manhã, mas vindo à legação aqui encontrei o Armínio e passamos a nos ocupar dessas coisas tolas de nossa terra, desse estado de sítio, dessas agitações de mestiços, que são afinal de contas as revoluções da Sul-América. E não te pude escrever!

Depois do almoço passei algum tempo com aquela dor de cabeça que me persegue desde anteontem. Dormi um pouco, e depois vim à legação. Aqui estiveram os secretários até agora e só neste momento estou tranquilo. Tu vês também que tenho constrangimentos e isso me desespera.

Não te preocupes com a minha saúde, que é boa. Apenas tenho fortes dores na cabeça, mas espero que, com algum repouso e muito sono, este mal desapareça. O que eu lamento é não poder te escrever muito porque qualquer atenção me fatiga e nem mesmo posso ler. Ontem eu sei que estive extremamente pálido à mesa da Rainha-Mãe, durante o jantar. Mas não seria o contraste com a vermelhidão dessa velha? Ah! Esse jantar! Só velhas, velhas. Eu era o homem mais moço... Um jantar muito sossegado, muito “reglé”, como uma encenação de teatro. Estive à esquerda da rainha (à direita, o ministro da Rússia, mais antigo). A conversa foi bem distribuída entre os dois ministros...

Depois do jantar a rainha falou com os outros convidados, “menos” com os seus vizinhos de mesa. Às 9,3/4 ela se retirou e todos em seguida. Do palácio da rainha, fomos à casa do ministro do Exterior, onde devíamos ter jantado. Às 11 horas estava eu em casa, caceteado, fatigado, doente. Dormi e apesar de haver recebido ao voltar ao hotel, o telegrama da legação de Paris, sobre os acontecimentos políticos, telegrama cifrada, mas que não me preocupou demais, porque Temístocles havia na mesma ocasião me telegrafada dizendo haver estado de sítio no Rio e Petrópolis.

Vejo que o mau tempo só te deixou estar com minha mãe ontem. Espero amanhã a tua boa e tão desejada carta em que me dirás as tuas impressões.

E Temístocles não irá te visitar? Se ele soube que a mãe volta breve, com certeza iria te ver domingo! Ah! Covardia humana! Enfim deixemos os outros e falemos de nós.

Que fazes, meu doce Amor? Eu daqui te sigo minuto por minuto. Tu és a minha alma e tu tens em tuas divinas mãos a minha vida e a minha morte. Oh! Poderosa!

Tens lido? Antes de eu deixar Paris tentei mandar-te um livro de Jules Lemaître que acaba de sair com o título “La vieillesse d’Hélène”. Mas não havia na proximidade do hotel. Trata-se de comentários ou melhor contos e fantasias, tiradas da Odisseia, da Ilíada, e de Ovídio. Isto te divertirá. Pois bem, peço-te que compres um volume para ti com o dinheiro que está na gaveta e também com esse dinheiro compres um “vidro grande” de água de colônia, “ambre antique”. Tu farás isso, Amor, porque é meu desejo, e nós somos um, a Unidade eterna, imortal, absoluta e divina!

Vou ao correio e depois vou me deitar. Não te inquietes, Petite Chose adorée. Isto não é nada e quanto à calma e à resignação do meu espírito, estas são sobre-humanas!

Tu és a minha Beleza e nessa solidão eu te “vejo” e como eu te desejo, Amor meu!

Beijo-te longamente, loucamente. Tu és minha, a minha vida, o meu Tudo! Eu te adoro! Beijos. Adoração.

Minha fidelidade é eterna como a minha paixão.

(Haya para Paris)

Haya, 07 de março de 1914.

Sábado, 03 horas.

Minha divina Amante, minha Doçura infinita, meu Paraíso, minha vida eterna, eu vivo em ti e nesta imensa solidão, desterrado da tua beleza que exalta, dos teus imortais carinhos, minha alma é a morada da saudade! Saudade do Amor, saudade da Adorada, saudade de mim mesmo em ti, oh! Minha divina Nazareth, amante incomparável e sobrenatural!... Eu te adoro como só eu adoro e como tu me adoras!

A tua carta de ontem me sensibilizou muito, ela é como uma conversação que não quer acabar, e quando interrompida, renasce mais viva e mais brilhante.

Gosto tanto quando me escreves assim, quando vens de vez em quando conversar comigo. Tu me escreves neste momento! E como tu és bela e magnífica! Todo o teu ser vibra, as imagens de amor te povoam a cabeça tão linda, o teu coração palpita pressuroso, tu aspiras, tu desejas, tu sofres... E todo o teu ser divino se lança no espaço em busca do teu adorado Amante ausente, e aqui te buscando através dos espaços!...

Oh! Como eu beijaria a tua ardente boca neste instante! E como nós seríamos únicos no supremo êxtase da nossa volúpia transcendental! Oh! Ninho da nossa paixão, leito do nosso amor! Oh! Corpo imaculado e maravilhoso da idolatrada Amante minha, minha! E tu tens assim o segredo do meu acabrunhamento, é a “saudade” - é o desejo de ti, é a Paixão mortal e imortal!

Porque tanta separação? Tu já me disseste de um modo sublime, que no amor a separação é a imagem da morte. E tu compreendes tudo. E as tuas âncias, as tuas tristezas não são elas da mesma fonte, da mesma melancolia?... Não penses que há a desesperança em mim. Não. A energia, a audácia, a coragem não me abandonam. Eu sei, “tu” que és a Esperança! E eu vivo por ti. Mas é tudo o mais que vem da privação do amor. É a solidão. É o imenso silêncio! Não te ver! Não te ouvir, e não te sentir, oh! Ma Petite Chose adorée, e depois não te dizer o que me enche o coração, as ideias belas, sublimes que me veem, passar triste e silencioso diante do espetáculo maravilhoso da vida e do Universo, quando tu me “compreenderias” tudo! Eis a infinda e enorme tortura que aniquila e despedaça! Ah! Esse meu imenso e pobre coração como ele sofre! Como ele é abafado longe de ti, e que pena me faz ele que podia ser tão vivaz, tão alegre, tão radiante, assim tão machucado, sombrio e desamparado!

Pobre coração meu! Coração cheio de amor de sua eterna e transfigurada e bela Amante!

Mas tu me confortas tanto neste exílio com as tuas carinhosas cartas e eu sinto sempre e sempre o teu profundo e imortal pensamento comigo... E assim sou forte e heroico! Não temas o meu desânimo.

Tu sorris, é a Aurora que me desperta! Sorri, Petite Chose adorée, e nos teus formosos e infinitos olhos se refletirá a visão, a imagem do teu Amante, iluminado e invencível! Tu vês, que só de pensar que tu vais sorrir, eu me ânimo... Oh! Milagre do Amor! Como eu me sinto outro, exaltado e vibrante, só de “ver” a beleza do minha Santa, sereno, desnuviada e docemente confiante! E eu te beijo fortemente, com toda a imensa ternura que vive em mim, com a meiguice e com o ardor do minha paixão. Beijo-te toda.

Oh! A tua fronte! Meu imortal “Partenon" (agora tu sabes o segredo da minha comparação...) teus cabelos frondosos... E essa boca, minha, minha, e esse pescoço torneado, que eu acaricio com as minhas mãos voluntariosas, e esses divinos peitos onde tudo é escultural e tão macio, e onde eu repouso e sou pequenino... E esse ventre que se apaga e é firme... Oh! Eu te beijo, eu te beijo e exaltado e divino eu morro e vivo de amor!

Oh! Porque eu te desejo tanto e tu estás tão longe! Que martírio!

Tu me dizes tão docemente: esperança! Sim. Só me parece que os tempos da nossa “vida-uma”, sem interrupção, estão próximos! E mais uma vez a nossa vontade heroica triunfará de tudo e de todos. E tu me seguirás sempre, fiel, sublime e idolatrada!

Ontem depois que te escrevi fui para o hotel e deitei-me. Dormi um pouco e só às 09 horas, jantei no meu salão. Aí estive em silêncio, percorrendo os jornais de Paris, e às 11h30min voltei à cama. Dormi regularmente e hoje amanheci melhor. Apenas às 11 horas tive de novo dor de cabeça, que me durou até quando tive a tua carta, agora às 2,1/4. Hoje continuo repousando, não saio à noite e não recebo visitas.

Ainda não sei se irei te ver na sexta-feira. Neste momento parece conveniente ficar aqui na legação pois pode chegar algum telegrama urgente do governo. Enfim eu te direi o que deves fazer, no princípio da semana.

Não te agonizes com o que se está passando no Brasil. Trata-se de um sintoma do militarismo e o responsável ainda é o Hermes, que deixou os militares se apossarem pela violência dos Estados como Pernambuco, Ceará e Alagoas. Ele está agora colhendo os frutos da sua má fé e da sua incapacidade. Penso que haverá muita atrapalhação no governo Wenceslau Braz. Ele continuará a passar o que começou com o Afonso Pena. A América latina é uma terra de mestiços, há uma grande desordem moral, e uma confusão de raças, de sentimentos e de ambições. É natural que o elemento militar procure ser preponderante, mas como ele é incapaz de governar bem, sempre encontrará reação do elemento civil mais culto e mais equilibrado.

A única solução para esses países seria uma imensa imigração de europeus que transformassem a raça e modificassem a cultura. Mas isto, Amor, será longo e difícil. Por agora temos de suportar toda esta desordem que nos aborrece e nos desmoraliza. Nós andamos a simular, a fingir uma civilização que na realidade não existe, e de vez em quando uma convulsão revela que o país sofre de um grande e terrível mal, e o que temos aparentado de cultura, de educação, de poesia, de superioridade é artificial, e não corresponde à profunda verdade do estado da nação.

Vivamos longe disso, Amor. Vivamos o nosso sonho imortal, e estranho às restrições de raças, de nação e mesmo de civilização. Vivamos na eternidade. Pessoalmente essas desordens do Brasil não nos interessam. Estamos fora de tudo isto. E vê o que é singular. Isso vem ajudar ou melhor facilitar a minha aposentadoria. Por quê? Perguntas Petite Chose adorée?... Porque eu rigorosamente só me posso aposentar depois de 15 de julho. Ora dizem que a nova lei passaria em fins de maio, o que me atrapalharia muito. Agora com essa agitação política, estado de sítio e ainda a apuração da eleição presidencial, a Câmara não se ocupará de outra coisa senão desses assuntos. O governo terá de dar contas dos seus atos, e a discussão se abrirá apaixonada, doida, má, feroz, e por longos meses! Assim não haverá nada antes do fim do ano e eu terei o tempo de me libertar. Gostaste?... Tu vês que não perco a cabeça e que o meu pensamento é constante, firme e glorioso. Oh! Tu terás sempre o orgulho de mim e do meu infinito Amar! Vivamos da eternidade da nossa paixão e da beleza transcendental da nossa alma e das nossas corpos em êxtase!

Eu sabia que Sófocles havia de te encantar! Ele é mais puro, mais suave do que Esquilo, parecendo que este é mais sublime e mais criador. Eurípedes é inferior a ambas, e tem mais artifício, mais aquela “engenhosidade” grega, que se liga a Ulisses.

Tu verás a que ele fez da legenda de Helena! Espantoso!

Terias comprado a livro de Jules Lemaître? Tu o podes ler “publicamente”, e essa leitura “assim” terá o mesmo saber, ah! “tu chi legge”!...

Vi um conta desse livro, publicada no Temps, sobre Daphné. É curioso e gracioso. A vantagem para quem conhece como tu, Amor, a “fundo”, a mitologia, e a alma da Grécia antiga, é a recordação, a evocação das lendas, e da literatura gloriosa dos Homeros e das trágicas gregas. Tudo isso é como tão admiravelmente notaste, a essência da nossa alma, da nossa inteligência, da nossa cultura. É a formação, a geração!

Escreve-me muito e muito. Canta-me tudo de bom e de mau... Tu és a minha vida e a confiança em ti é infinita, absoluta, imortal. Não penses que eu vacile. Jamais! O que tu vês em mim às vezes, é inquietação... A ânsia de te ter para mim só, longe da sociedade, da família, dos filhos, de tudo... De tudo! Oh! Minha alma musical, minha saudade!

Eu te beijo ardente, fogoso e vivo e morra por ti...

(Haya para Paris)

Haya, 08 de março de 1914.

Domingo, meio-dia.

Meu divino Amor! Minha Coisinha idolatrado, minha Saudade! Hoje, domingo, vim do correio onde recebi a tua carta que me consolou tanto e que me afligiu tanto por ver quanto sofres, e que também terríveis dores de cabeça te perseguem na minha ausência. Eu melhorei desde ontem depois da tua carta, como te disse, e pude te escrever como gosto.

Hoje vou indo regularmente, se bem que ainda não me sinto “perfeito”.

Oh! Como eu quero que tenhas hoje um dia calmo e que amanhã possa estar bem, sem sombra de sofrimento!

Sofrer, tu? Oh! Como a Natureza é cruel com seres da tua ordem que são a harmonia e em que não devia haver a nota discordante da dor!

Para vir te escrever aqui na legação tive de usar de alguns estratagemas. Imagino que chove torrencialmente! E que o correio fecha às 12h30min! Ficar sem carta tua, minha suprema e única consolação neste exílio! Horror! Seria um imenso martírio! Assim sob o pretexto de precisar do carimbo para telegramas, pude escapar-me sem escândalo.

Oh! Com eu sofro longe do meu Amor! Longe do meu Tudo! E porque este doloroso estado de opressão, de tédio, e de uma tristeza que não é divinamente belo?

Oh! Esta tortura de te saber longe, de te saber arrostada a contra gosto embora, mas sempre arrostado a uma vida que não é a do teu coração! Eu sei que tu fazes o máximo, que “ninguém te iguala” e eu te admiro exaltadamente e te venero de toda a minha alma... Já é muito mas o “resto” me faz sofrer... Perdoa, tu queres que eu seja sempre franco e “um” contigo que és o meu Tudo, “a minha razão de viver” (e tu sabes quanto essa expressão é profunda e decisiva em mim).

E eu não poder te arrebatar de tudo isto... Tu deves compreender com o teu imenso talento, com a tua sublime paixão, toda a angústia da minha existência.

Eu compreendo que tu fizeste bem em te resignar a ir ao teatro, sem a tua vontade. E a decepção do “imbecil” foi uma pequena desforra, e talvez uma lição! Qual com este “sujeito" nada aproveita... E fico muito contente que vás amanhã ao Parsifal. Oh! Isso sim, somos nós. É a Arte divina e sobrenatural! E tu sonharás e a música será para ti “o amor procurando se exprimir”.

Aborrece-me muito que vás ao jantar do Dantas. Serás cercada do canalha “equívoco” e miserável que eu detesto, dos Azeredos, e outros... Tu! Oh! Minha Glória! Meu Orgulho! Minha Alma Musical! Tu!

Mas... Eu estou sendo cruel. Perdoa, Petite Chose adorée, meu Anjo da Paixão, alma soberana e “imaculada!” Eu te beijo loucamente, loucamente... E estou contigo sempre e eternamente no sofrimento e na alegria! Perdoa, Amor!

Vi que o Azeredo chegou. Ele não avisou “O.” pelo telefone? Ainda não apareceu em tua casa?

Como tu és tão admirável com a minha pobre mãe! Oh! Eu sei que eles ali te adoram e te veneram!

Vou te deixar. Que dia será o meu hoje? Tudo é tão triste e tão incerto na vida... E só o nosso Amor é grande e imortal! Eu te tomo nos meus braços apaixonados e te beijo, te beijo no supremo êxtase da nossa Paixão! Adoração!

(Haya para Paris)

Haya, 09 de março de 1914.

Segunda-feira, 05h30min.

Minha Paixão imortal! Minha vida eterna, minha esperança! Quando fui ao correio logo depois do almoço fiquei triste de não encontrar a tua adorada carta, que eu não esperava... Por ser ontem um dia de prisão para ti, meu doce Amor! E agora volto com o teu telegrama que me acaricia tanto, me consola e me exalta e me anuncia que ontem me escreveste longamente, e que a tua alma divina pode voar, voar, no sonho e na mais bela poesia da tua admirável paixão! Oh! Minha Petite Chose adorée! Como tudo em ti é sublime! E como eu te adoro na mais profunda admiração do teu ser incomparável!

E quase sem palavras, intensamente, gloriosamente teu, o meu desejo único é de me recolher em ti, de receber as tuas imortais carícias, de esquecer... E de viver! Como eu preciso de longos dias ao teu lado... De uma infinita sucessão de horas a te beijar, a te contemplar, a te admirar, e a receber dos teus lábios, dos teus olhos, das tuas mãos, e do teu exaltante e maravilhoso corpo, o dom supremo da volúpia na paixão E em vez disto, tenha aqui a solidão, o aborrecimento, a depressão, a ânsia e tudo que é mortal na separação de dois corações que vivem um do outro tão somente Eu sei que tu és a esperança, que mais um esforça nós teremos uma consolação “relativa”, porém, para aí chegar quanta pena! Quanta tortura! E vejo tristemente que ainda aqui ficarei até 20, porque me parece difícil ir antes te ver, Amor!

Quarta-feira tenho uma audiência do ministro do Exterior, a propósito da nomeação do novo ministro holandês no Brasil, casa que merece a minha atenção.

Ir na sexta-feira tu tens esse maldito sábado da Olinta e depois seria domingo.

Enfim toda é prisão neste momento, e há ainda a hipótese de um telegrama do governo par causa dos acontecimentos!

Que maçada! Na semana próxima tenho dois jantares, um a 17, outro a 19, de forma que só estarei livre a 20, e sigo então de manhã vindo tu ao meu encontro, ao me esperando às 05h30min no nosso amado recanta de amor e vida! Tu vês? Por maior e mais impetuosa que seja o meu desejo de te beijar... Eu creio que só na dia 20 teremos essa ventura suprema.

Mas se eu não puder me reter e houver a menor possibilidade, então sexta-feira e sábado desta semana, estarei contigo, chegando aqui no domingo de manhã. Veremos.

Deitei-me ontem às 11 horas, dormi muito pouco. Veio-me uma horrível insônia, e levantei-me às 4 horas e estive no salão lendo, tomando notas, pensando em ti e em nós, até às 07. Voltei a deitar-me e dormi um pouco até às 09h30min.

Não é uma vida normal a que levo aqui. E por mais heroica que seja a minha vontade, não pude ainda dominar essa ânsia que me tortura! Oh! Como te vejo! Como eu te desejo! Como eu te adoro, idolatrada minha! Porque estás tão longe e porque eu sofro tanto?

A megera está convencida que é o clima, uma velha da terra confirma esta crença e diz que se trata de “malária”! Oh! Ilusão! Deem-me a minha Amada um segundo e tudo será alegria, saúde, vida, entusiasmo e criação miraculosa! Deem-me os seus olhos, a sua boca, a sua voz, os seus beijos, o seu corpo, a sua alma e tudo o mais que é sobrenatural e eu desafio a morte e a doença!

E aqui dessa infinita solidão toda a minha essência te busca. Beijo-te, beijo-te! Agasalha-me, Santa imaculada! E para a morte e para a vida eterna! E as nossas almas unidas viverão e morrerão no êxtase do Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 10 de março de 1914.

Terça-feira, 07 da noite.

Minha sublime Amante! Meu Paraíso! Minha doce vida eterna, tu vês a hora tardia em que te escrevo! Estou desapontado e desesperado! Hoje vim cedo à legação. E antes estive no correio. A tua carta foi um deslumbramento para este teu pobre Amante desterrado. Ela é simplesmente sublime, e tu, meu Amor infinito te excedeste a ti mesma! Oh! Glorioso dia em que tu pudeste te expandir no meu coração! E toda a tua alma em mim, e teu espírito a subir, a subir! E depois no dia seguinte a tua alegria de receber uma longa carta do teu adorado, e a tua cabecinha tão linda e abatida e como que curvada sobre o meu peito, tu triste, envergonhada de te veres na sociedade de gente tão miserável como a que terás amanhã à noite! E eu vim correndo para te escrever, para te consolar com o meu amor, para impedir que sofras mais... E tanto, oh! Petite Chose adorèe!

Ao chegar à legação já encontrei os secretários que me amolaram com trabalhos estúpidos, e quando o expediente estava feito e eu podia enfim estar livre, eis que aparece, de “surpresa”, a megera, que vinha me buscar para uma recepção na legação americana! Declarei que não a acompanhava a essa visita, mas como todos iam sair, não tive remédio senão sair também, pois que pretexto daria para ficar? Fui até o hotel, e quando a mulher partiu e eu saia e vinha para aqui (escrevo na legação) chega o representante do Núncio que não tive remédio senão receber, pois haviam anunciado o próprio Núncio... Ainda estava o tal Monsenhor quando me introduzem outras visitas... Afina! Vim correndo a te escrever e esta vai “expressa”. Tu compreendes que seria para mim um horror deixar de te escrever, de te dar a minha alma a ti, Adorada, que anseias por ela! Oh! Tu adivinhas tudo, e quanto o meu martírio é sem nome! Minha carta de ontem te deu a exata imagem do meu espírito e da tortura em que eu me debato.

Sim, eu sou forte, heroico mesmo, mas não significa que eu não sofra!... Como não sofrer se eu te idolatro, e se tu és toda a minha vida! E estás longe, e eu te desejo tanto, e não te tenho! A força não me abandona, mas o sofrimento é um companheiro terrível, e é este o que eu tenho longe de ti, nesta infinita e profunda solidão!

Oh! Como eu vivo em ti! Meu pensamento eterno, meu sonho das minhas solitárias noites, és tu, Adorada sublime! E tu sabes como ainda ontem eu passei recolhido, magnífico em mim mesmo, enquanto as divinas sensações vindas da música te extasiavam! E tu deves imaginar como eu estarei “mortalmente” ferido enquanto estiveres na noite desse jantar, rodeada de entes abjetos, enquanto tu sofres tanto, e estiveres martirizada...

Tu és o meu Ídolo! A minha Alegria, a minha Luz, o meu Encanto, tudo, tudo, “eu só tenho a ti na vida”... E tu sabes que eu não quisera que essa luz brilhasse senão na pura atmosfera da glória e da elevação, que esse Ídolo... Oh! Amor, porque eu te faço triste com o meu sofrimento?... Resignação à miséria!...

E sejamos bem unidos, um só, que as nossas almas não se separem nunca, que tu vivas em mim como eu vivo em ti!... Oh! Eu sei como o teu amor é incomparável e como tu és sublime!

Tu vês, eu não tenho senão a mais íntima, a mais profunda e doce e eterna unidade contigo... Tu és minha e me dizendo sempre isto, sorrio à minha profunda dor!

Amanhã estarei livre e poderei te escrever mais tranquilo. A megera parte pelo trem da manhã.

E que tortura não poder voar aos teus braços... Oh! Tu me exaltas, tu me divinizas nessa chama ardente de tua maravilhosa e transcendental paixão! Amor, amor!

Dá-me a tua boca! Dá-me a luz diáfana, mais que luz, dos teus olhos... Aconchega-te bem a mim porque tu sofres e tudo te despedaça o ser divino e amante!

Beijos, beijos e para a vida e para a morte!

Li o livro de Lemaître, que me deu decepção. É “à la manière de...” Puro virtuosismo, e uma contrafação dos mestres!

Pobre Grécia!

(Haya para Paris)

Haya, 11 de março de 1914.

Quarta-feira, 10h30min da manhã.

Oh! Meu divino Amor! Minha vida eterna, minha única consolação, minha sublime Amante, escrevo-te da liberdade! Estou só! E muito longe de ti, embora, e com que dor! Mas ao menos estou só e livrei e te posso escrever quando quiser, sem constrangimento, dono do meu tempo e dos meus atos.

A megera partiu às 09h40min e depois de uma noite desagradável, pois se disse doente de “apendicite”, e gemeu, e se lamentou a noite toda. Em grande parte é histerismo, porque sempre se queixa de mim e se lamenta. Ah! Meu Amor, já viste comediante maior? Com que “aplomb” mente e se contradiz, como se os meus olhos não penetrassem naquela alma e não descobrissem o artifício e a mentira! E eu me sinto um pouco aliviado, separado dessa aborrecida e exigente criatura, e se a minha tristeza vinda de tanta outra coisa é infinito, ao menos sou livre na minha dor, e na grandeza dos meus pensamentos e do meu amor que é a minha alma e o minha vida.

Logo que deixei a megera no trem que se foi, corri ao correio, e não tive a tua carta de ontem. Era ainda cedo! Mas eu estava sôfrego por ler os doces e eternos acentos do teu maravilhoso e incomparável coração. É a música sublime que me diviniza e me faz viver, sonhar e me transporta. Porque tu cantas com a pena, Petite Chose adorée, e o teu canto é a suprema melodia da paixão! Oh! Meu saudoso rouxinol, oh! As madrugadas do verão passado! Oh! As horas eternas, os minutos infinitos em que o teu amor canta, e cantando tu sobes sempre, e subindo tu cantas ainda mais!...

Como tu és única... Sabes... Cometi uma desobediência e não rasguei a tua extraordinária carta começada no domingo, e que me deslumbrou tanto... Deixei-a na legação em móvel de segredo, de que “só eu” tenho a chave, e dentro de um envelope fechado e endereçado a “Angély”, pessoal, e fazer seguir, (assim no caso de uma desgraça, os secretários cumpririam as minhas ordens). E depois do correio a fui buscar, e aqui está defronte de mim, triunfante, radiosa, apesar de dolorosa no final. E dela vem o teu perfume que me faz sonhar e “desejar”, alguma coisa de material e de carnal da minha Amante idolatrada, que eu quero devorar de beijos e esmagar de carícias voluptuosos, loucas, sensuais, extraordinárias... E eu releio a cada instante a divina carta e como tu és imortal e como eu devo viver eternamente nos teus braços e sob as murmurantes e exaltadas carícias do teu corpo maravilhoso... Oh! Sim, eu te desejo, e desfaleço de tanto te desejar, e de não te ter!... Tu sabes o que é esse desejo que toma tudo, que paro o sangue, que precipita o sangue, que nos transfigura, nos alucina e nos faz lânguidos e potentes!

Paixão que de infinita se concentra no desejo!

Oh! Morte de amor oh! Volúpia imortal que me esmaga e me arrebata! Como neste momento em que o desejo me possui, em que tudo o que tu és de volúpia, de beleza, de transfiguração, de ardor, de transporte, de arquejante, de sem mais nome na paixão, no delírio, no êxtase, tudo, tudo o que os nossos corpos belos e exaltados e loucos, e as nossas almas sobrenaturais nos dão na Unidade absoluta, no instante sublime da morte e da vida eterna, tudo, “tudo”, me vem à mim, e me leva no máximo do desejo...

Oh! Sonho da paixão! Oh! Imagens únicas, vividas e ternas e desejadas, e que virão sempre, sempre até a consumação dos nossos corpos em nós mesmos!... No grande e divino incêndio da nossa paixão incomparável!

Meio-dia!... Depois de te escrever da minha saudade e do meu desejo, oh! Petite Chose adorée, me veio uma lânguida prostração... A triste realidade da separação... Tu estás longe, Amor meu... E tudo é sombrio e mortal aqui...

Mas, responde, Amor, meu Amor, o desejo, a saudade mesmo torturante, alucinadora, não são uma companhia para o coração desterrado? Oh! Mistério sagrado da paixão!

04h30min. Deixei-te, Amor, para a toilette e o almoço. Depois fui imediatamente ao correio. Oh! A tua carta! Tua carta! Santa adorada, que êxtase, que doçura e que poesia na expressão de tuas sublimes sensações do “Parsifal”! Quanta pureza em tua alma divina e em “todo” o teu ser transcendental! E que bálsamo e que consolação para a minha alma inquieta, torturada.

Foi uma torrente de bondade, de resignação, de esperança, de luz, de suavidade e de “transformação” que tu derramaste no teu Amante! Oh! Doce e profunda paz, harmonia infinita, esquecimento no sublime arrebatamento do amor! A auréola em que tu viveste naquela noite, me ilumina e me deslumbra. Vivemos na Aurora e na Luz! E como eu te quisera bem junto a mim nestes divinos instantes! Por que não nos foi ainda dada esse gozo de arte e de êxtase na volúpia da paixão?

Sim, Amor, nós buscaremos um dia esse encanta, sós, e a mundo das harmonias!

Imagina o meu extraordinário estado de espírito, torturada, inquieta e arrebatado no êxtase e tratando de negados com o ministro daqui! Venho dessa conferência e já esqueci o que é inútil. Estou contigo. Amor! E o tempo hoje depois da chuva e “grêle” se acalmou. Veio o sal. Há uma grande paz na atmosfera.

Tu estás aí na nossa solidão saudosa e abençoada. As nossas essências se buscam e se unem misticamente na eternidade da amar!...

Eu estou sempre contigo. E tu vais às outras esferas muito inferiores, mas a tua alma paira no alto, e o teu corpo é intangível e sublime! Eu sei, Amor...

E ontem eu te expliquei o que tu chamas meu desfalecimento... Não é fraqueza, é dor, é sofrimento. E a meu heroísmo é enorme porque eu sofro e vivo no martírio.

E por que eu vivo senão por ti? Senão pelo nosso amor? Tu sabes que com as minhas ideias do Universo e da vida, a morte não é um pavor, é um refúgio, um descanso, uma solução.

Viver é mais heroico, às vezes, do que morrer. Tu me compreendes. Nós somos “um”. E porque então me dizes que eu não sofra? Fica, minha Santa idolatrada, segura da minha força, do meu valor diante de tudo e de todos. Tu tens a minha decisão, a minha energia, a minha bravura, mas como eliminar de mim a amargura e a tristeza na dura fatalidade do nosso destino? Como ser feliz quando estou longe de ti, da tua imortal beleza, dos teus carinhos infinitos, das tuas carícias sublimes? E quando ainda a nossa vida de todos os instantes não é a mesma?... Tu me compreendes e eu “vivo” por ti, ma Petite Chose adorée!

Vou levar esta ao correio, volto para a casa, pensarei em ti, Amor, mais do que amor meu e se puder verei se trabalho um pouco num artigo que entrará no meu livro de ideias gerais. Tu vês que eu procuro por todas as nobres e belas formas da vida vencer a prostração... Oh! Só tu!... Só tu! És minha alegria, a minha vida, a minha força, o meu esquecimento! Como eu te quero!

Beijo-te, agasalha-me, e nas divinas carícias dá-me a tua alma e a tua vida! Oh! Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 12 de março de 1914.

Quinta-feira, 05 da tarde.

Meu divino Amor! Minha alma sublime, minha sublime Paixão, estou muito inquieto sobre a tua saúde. Oh! Meu Amor único! Que quer dizer isto? Estás doente? Não quero que adoeças. Tu és a minha luz, o meu sol, a minha beleza, a glória, o triunfo humano da forma e do espírito, tu és a minha Paixão, a minha Vida, o meu Tudo, como eu te posso, mesmo imaginar doente! Porque essa fatalidade do Universo que tem em ti uma divina expressão de glória!

Oh! Que sacrifício sem nome esta estúpida separação em que estamos! Hoje tive ímpetos de seguir pelo trem da noite e te fazer uma surpresa! E no momento em que te escrevo a tentação é muito forte e não sei o que farei. Não, não é possível e isto é mortal! Agora me lembro que há muitos ofícios na legação para mandar amanhã por causa dessas maçadas de estado de sítio, e também a nomeação do novo ministro holandês no Brasil. Um inferno. Oh! Como custa a resignação! Amor, amor! Perdoa do fundo da tua alma se não corro aos teus braços como me ordena o desejo o mais violento, o mais beijo! Perdoa. Oh! Minha Santa imaculada como eu te aflijo com o meu ideal! Mas o nosso ideal é um só! É o ideal da Paixão, da pureza da beleza eterna, da elevação, de tudo o que é sublime, divino e imortal!

Vejo que estás satisfeita contigo mesmo e é a força sobre-humana da consciência que tudo domina, que nos dá essa auréola íntima, suprema consolação e profunda recompensa da vida! Oh! O teu orgulho de amante sublime e incomparável como eu o venero e o admiro! É uma força como a do sol! Sim, tu és única! Tu és a transfigurada! A transcendental amante, a “casta”, a imaculada, a maravilhosa Amada que eu beijo, que eu adoro, e que é a minha glória e a minha vida! Oh! Esperança!

Pela tua carta de ontem pelo teu telegrama desta manhã, vejo que estás sem liberdade hoje para escrever ao teu adorado. Pobre e lindo amor! Compreendo tudo... E esperarei.

Ontem, depois que te escrevi, voltei como te disse ao hotel e recolhi-me em ti na profunda liberdade em que estou. Jantei sozinho. Que alívio! E nenhum secretário apareceu. Li, tomei notas, e pensei, pensei. À meia-noite fui deitar-me. Tu já havias voltado a casa. Assim pensei... E eu estava de vigília enquanto te sabia tão torturada. Depois pude dormir e até às 06 da manhã. Não tive mais dor de cabeça e às 10 horas comecei a escrever com certo prazer.

Oh! Nossa maravilhosa e dolorosa vida! Fiz uma meditação sobre a língua portuguesa no Brasil e cheguei ao resultado que essa desordem em que estamos é um encanto, porque é um sinal de esforço, de energia, de aspiração e que o gênio poderá se manifestar com mais liberdade e “procurar” atingir a perfeição... Logo que esta é atingida é que começa a decadência do gênio literário, ou pelo menos de uma manifestação da arte e da literatura. A escultura grega chegou à perfeição com Fídias, no Partenon. Depois ela se fixou. Praxiteles nada criou de novo, apenas repetiu e aprimorou a “mesma” beleza já encontrada. A poesia francesa chegou à perfeição na forma raciniana. Depois de Racine, nada de novo, de sublime, como originalidade. O próprio gênio de Victor Hugo se move dentro da forma de Racine e quando não o faz, ele é inferior ao modelo supremo. Transportando estas observações à literatura brasileira eu noto que a nossa desordem é um bom sinal, e interessante, porque ela seduz e anima ao esforço para melhor, para a perfeição. Esta está longe de ser atingida felizmente.

Vê a literatura portuguesa. Chegou ao máximo em Camões e há mais de trezentos anos que morre. Que diferença entre as duas línguas, a de Portugal e a do Brasil! Esta inferior, tola, incipiente, bárbara, é viva, a outra formal, feita, regular, é morta!

Está em que trabalhei, amor. Escrevi alguma coisa interessante para esse livro que é pelo menos vadio, livre, sem ser paradoxal.

Ah! Como eu suspiro e como eu aspiro por trabalhar junto de ti! Como seria belo, delicioso, sublime! Porque tu és a minha “criação”, tu és genial, e tu sentes o Universo, e o teu inconsciente é divino. O que tu me dizes sobre Parsifal é inexcedível e escrito de um ímpeto, no calor de uma inspiração que só é dada aos seres superiores e privilegiados como tu. Uma das manifestações literárias do teu espírito que me encanta é que tu não dizes o “lugar comum”, a frase feita, tu não repetes. Tu és criadora e tu dizes o que tu sentes, o que tu vives! Isto é raríssimo.

Tu não notas que os franceses são excelentes escritores do “lugar comum?” Vê tu os livros franceses, os discursos. Sempre “a chapa” E os que imitam os franceses acabam perdendo a originalidade e a força. Acabam fazendo espírito, que é um sinal de “inferioridade”. Fica-se gracioso, amável, mas isso já é decadência, amolecimento cerebral. E como o “sul-americano” é fraco diante da cultura europeia e sobretudo francesa. Abaixa-se e rebaixa-se. Onde o sol, o sangue, o calor, a atmosfera ardente em seus escritos?... Oh! Não, amor meu, tu és grande. Tu modificaste o teu espírito, tu entraste na alta cultura, mas tu te engrandeceste, e o que tu “viste”, o que tu te adquiriste só serviu para te exaltar o espírito, para te alargar a inteligência para te dar maior personalidade. E que orgulho eu tenho no sublime voo do teu espírito! Eu sei que eu te dei a revelação suprema. Eu te criei à minha imagem. Tu és a minha criatura, o meu próprio ser na forma feminina e se eu não te fecundei as tuas adoradas entranhas, hélas! Eu te fecundei o espírito, e tu fostes e tu és eternamente, gloriosamente a “mulher”. “Seja feita a vontade de Deus, meu Criador!”

Oh! Mística e sublime concepção do espírito da Amante! Oh! União sobrenatural do Amante e da Amante na Carne e no Espírito! Oh! Eternidade! Paixão, Vida e Morte! Porque só o Amor é sublime e onipotente. E o nosso amor é o nosso “destino”, no que esta palavra tem de mais profundo e de mais solene, como tu me dizes, Santa da Paixão.

É noite aqui. Há uma grande tranquilidade nesta cidade que é um rápido intervalo de aglomeração humana na pacífica e infinita planície da Holanda. Eu te tenho em mim! Eu te vejo! Eu te adoro loucamente. Tu “devias” estar aqui. A nossa comunhão de volúpias e de desejos seria sublime... Eu te beijaria docemente, ardentemente... Nós seríamos mudos e aconchegados nesta tarde que morre úmida e triste e entra no grande mistério... Mas tu estás tão longe... Tão longe... A noite sim vem próxima... Tudo é muito triste aqui... O meu saudoso e inconsolável coração te deseja, a minha alma sofre, torturada, te busca... O céu está muito pálido... Há a luz morta da lua que se anuncia... Nos meus olhos as lágrimas inquietas me impedem de admirar as primárias e longínquas estreitas que vêm vindos...

(Haya para Paris)

Haya, 13 de março de 1914.

Amor! Idolatrada! Estou muitíssimo preocupado sobre o teu estado, Amor meu. Assim me improviso teu médico. E tu vais me obedecer se houver necessidade de um tratamento sério. Em ti, como em mim, é preciso dar toda a atenção ao estado nervoso. Muitos sintomas podem surgir apenas de passagem devido ao sofrimento moral determinando uma depressão do organismo.

Tu deves repousar o mais possível, visto a agitação a que tu és obrigada pelas fatais circunstâncias da nossa pobre e admirável vida. Assim tu fazes imprudência em sair muito para o teatro, é sempre a fadiga noturna a mais inconveniente de todas, porque a fadiga do dia aspira pelo repouso da noite.

Como eu estou te censurando! Não, Amor, é apenas a preocupação com a tua saúde, porque nela como em teu amor está o milagre da minha própria vida. E eu te falo com a maior doçura e com o mais profundo carinho. Eu sei que tu sais pouco, o menos possível, mas tu mesmo reconhecerás o bem “relativo” que terás de uma noite tranquila, salvo quando é uma noite gloriosa com a de Parsifal.

Ontem depois que te escrevi voltei ao hotel, tendo passado antes por umas livrarias. Jantei no restaurante. Não havia ninguém. Ouvi do meu canto um pouco de música de Beethoven e quando a orquestra passou a tocar as odiosas valsas langorosas... Recolhi-me ao meu quarto. Li, e como sempre pensei, cismei docemente, tristemente, mas nada escrevi. E me estranhei muito não ter partido ao teu encontro. Por quê? Fiz mal? Fiz bem?... Oh! Esse Armínio! É um excelente secretário, mas como ele me prende! E assim, meu Anjo, minha Santa idolatrada, ainda temos de passar uma semana separados.

Sabes?... Penso em ir “dormir’’ na sexta-feira em nosso ninho. Assim te terei na tarde de sexta, na “manhã” de sábado, e na tarde de sábado! Que dizes?... Posso facilmente fazer isto, porque diria aqui que quebraria a viagem em caminho e só estaria em Paris na sábado. Seria um grande bem para mim. Estaria contigo com toda a calma, muito em nosso êxtase, e suportaria o domingo longe de ti, depois de sermos assim gloriosamente unidos e divinos.

Interessou-me muito o que me disseste do telegrama do Laura ao Olinto.

Não temo nada, mas compreenda que é preciso prudência, principalmente quando me preparo para me libertar de tudo isso.

Fiz bem em avisar que usaria das minhas férias em abril. Quando as meninas entram em férias de Pascoa?

A minha demora em Paris será até o dia 1°, porque no dia 2 tenho um jantar na legação de França. E como eu tinha de vir por poucos dias aqui em princípios de abril, aceitei esse jantar, tendo já recusado dois a esse meu colega.

A megera não virá mais a não ser talvez no verão, se até lá eu não houver requerido a aposentadoria.

Eu só aspiro ao maior silêncio, a viver no êxtase do meu amor, viver contigo, eternamente contigo, oh! Minha alma musical! Minha saudade! Nada mais quero.

Escreverei sim, porque o meu amor precisa de cantar o seu ídolo! E tu serás imortal! Porém o resto está acabado.

Enquanto eu precisei de fazer um nome na Europa, movi-me. Enquanto eu precisei de justificar e explicar a minha presença em Paris, fiz o esforço que tu sabes. Foram ingratos no Brasil. Tudo aí se confunde. Pois bem, serei solitário e grande no meu amor e no meu isolamento.

Não pensas que procedo bem? É tempo de mudar de atitude. É tempo de me recolher. A glória, se esta me vier, será dos meus livros, e não das minhas relações. Estas servem para encaminhar e para aqueles fins que te disse. Mas hoje está tudo mudado, e cada vez mais se possível viverei no profundo mistério da minha paixão incomparável, viverei por ti, Adorada! E tu me darás sempre o êxtase, a paixão, o deslumbramento, a magia, o encanto e o esquecimento. Amor, Amor, que mistério! Que doçura! Oh! Minha Nazareth imortal, minha Paixão! Tu és minha, tu és a eternidade da minha vida!

São mais de três horas. Vou levar esta ao correio. Vou depois à legação, onde há um pouco o que fazer. Tu deves estar me escrevendo! Oh! Amor! Que profunda e invencível saudade! Vem! Vem! Eu te chamo... Eu te quero! Eu morro longe de ti... Não. Eu viverei por ti, Idolatrada! Eu te adoro, eu te beijo loucamente. Adoração! Adoração!

(Haya para Paris)

Haya, 14 de março de 1914.

Sábado, 02h30min

Minha divina Amante incomparável e idolatrada e desejada do meu sangue, da minha alma! Minha ardente e apaixonada Petite Chose, eu te tomo nos meus braços, aperto-te muito ao meu corpo e te quero, te quero... O martírio da ausência já é demais! Eu pensei ter forças para me resignar e esperar a pesada passagem desses intermináveis dias... Não! Sofro muito, excessivamente, e foi uma loucura minha tão ter voado anteontem aos teus desejados e desejosos braços... Oh! Volúpia do pensamento, oh! Delícia, oh! Tortura! Eu sei que terias me dado apenas alguns instantes, pois a nova doença em casa te impediria de ficar comigo como “nós precisamos”. Amor meu! Enfim o fato é que continuamos separados e só sexta-feira teremos o deslumbramento dos nossos beijos e das nossas carícias...

Como dormi mal esta noite, li até tarde, e já às 06 horas estava sem sono e me pus a ler a obra de um crítico dinamarquês sobre Nietzsche.

Não vejo ninguém absolutamente. Apenas “falo” quando estou na legação, umas duas horas. Gasto muito desse regime do silêncio. Vivo com o meu fiel e profundo pensamento em ti, idolatrada! E cismo, e vêm-me ideias, tomo notas, e como eu imagino a tua divina presença ao meu lado eternamente e como tu não me deixas mesmo em sonhos!... E um ardente, intenso, devorador desejo me agita, me “exalta”... Compreendes?...

Oh! Como eu te adoro, como eu te quero e como eu morro na tua volúpia, na tua louca paixão sublime!

Tu sofres, Amor, de todos os lados e eu tenha uma piedade indizível de te ver angustiada. Além de toda o que é essencial, tens agora a preocupação da doença de Candida, que não te dá cuidados, eu sei, mas que te tiro a liberdade.

E tiveste a inquietação da minha carta que, acabando de modo estranho, te fez supor com razão um novo extravio de uma parte. Fui culpado. Quando ia fechando a carta quis ainda terminar como de costume, mas como eu já tinha no período antes do fim te beijado com toda a minha paixão, pensei que verias que a nota sobre a noite que me ia envolvendo era como um “post-scriptum” um estado da minha alma que me desamparava naquele momento. E vejo que te inquietaste. E tens razão. É preciso sempre desconfiar das distrações, e eu mesmo faço muita atenção a mim. O meu telegrama terá te dado tranquilidade. Não há nada extraviado, nada mandado por descuido, e eu só escrevo a outros, depois que a tua carta está fechada e quase sempre já no correio. E ainda mais, as tuas cartas são as “únicas” que eu mesmo levo ao correio. É uma regra absoluta que me impus. As outras cartas são entregues ou aqui no hotel ou na legação. Estou experiente. Não acreditas? Amor, sempre inquieta!

No meu telegrama passado às pressas, e com uma economia de palavras que me envergonha (imagina que eu tinha muito pouco dinheiro holandês comigo, apenas o necessário...) não te disse que fiquei mais aliviado com as notícias que me dás da tua saúde.

Minha radiante Beleza! Será possível?... Minha Santa idolatrada! Por que não?...

Se nós tivéssemos um filho não seria ele admirável e sublime? Eu me alegro profundamente com este pensamento e eu sei que seria uma tragédia, mas seria a beleza da nossa paixão... Ainda anteontem eu lamentava que as “tuas adoradas entranhas” não tivessem ainda sido fecundadas pelo nosso amor!... Vês que eu aceito radiante a fatalidade! E tu sabes que sou teu na vida e para a morte. Mas não será um sonho vão, e há esta hora tudo se tenha desfeito? Quantas vezes tu já desejaste essa flor da nossa paixão! E quantas vezes já tememos esse filho do nosso Amor!

Como tudo é triste mesmo na grandeza de nossas almas! Ainda não te falei da bolsa que deste a Elisa. É bela demais! Eu sei do imenso prazer que lhe fazes, e da alegria do teu incomparável coração. Mas se “nós” estamos tão pobres!

E agora me faz pena saber que “andas” de “metro”, ou foi só uma vez? O “metro” é a promiscuidade, e eu te quero no esplêndido isolamento... Para que guardas esses pobres trinta francos aí na gaveta? Tu sabes, o que é meu é teu, nós somos “um” e eu acho que tu deves praticar absolutamente comigo essa regra. Nós já somos ligados, unidos, e assim seria ainda a expressão da nossa inteira e imortal comunhão em tudo, em tudo!

Neste instante sou interrompido por um telegrama não assinado, mas que deve ser de Temístocles ou da megera, dizendo que o meu retrato foi recusado no “Salon”. Por quê? Não compreendo. Achariam muito grande? Seria por que tiveram de aceitar outro grande quadro do Vasquez-Dias, e não quiseram dar tanto espaço a um jovem pintor? Nada sei, e francamente não me entristeço senão por causa do pobre pintor, que fez aquela obra com tanto entusiasmo, com tanto desinteresse. Pessoalmente, não me importo. Estou num momento de uma grande indiferença, de uma grande renúncia. Só há uma verdadeira alegria na vida, a do Amor! Eu te admiro de joelhos, ardente e transfigurado. Beijos, beijos! Adoração.

(Haya para Paris)

Haya, 15 de março de 1914.

Domingo, 04h30min.

Meu divino Amor, minha Adorada e sublime Amante, minha doce vida eterna, tua carta de ontem me deu o supremo encanto de te sentir radiante, deslumbrada com a surpresa das flores!

Oh! Saber que a minha Coisinha idolatrada se alegrou, que por alguns instantes lhe veio à paz, o êxtase! Que a beleza e o Amor lhe deram o esquecimento de tanto martírio, oh! Que esperança também em mim!

Como a tua alma é musical, Amor! Como há uma inquebrantável harmonia entre os teus pensamentos, os teus sentimentos e as tuas expressões... E que risos de melodia nessas sensações e nessas lindas e doces frases!... Eu te adoro, eu te canto! E tu és imortal e transcendental!

Não é só o que tu queres ser que me delicia e me transporta, é mais ainda, é o teu inconsciente, o teu mistério, o que tu não sabes, tudo que é indefinido e tão profundo na personalidade humana, a “essência” que é sublime e raríssima, incomparável! E que vida extraordinária a tua, não somente o que deixas de fazer, não somente a vida externa, mas a vida íntima, a vida intensa, secreta, de cada um de nós, a nossa própria formação, essa elevação perpétua em que tu vives, essa divina e ardente chama em que te apuras sempre e sempre, a aspiração e a realização suprema de todo o teu ser! E se eu pudesse te contemplar sem a minha paixão, como se estuda a vida, a alma de uma Santa, de uma grande figura humana vista há séculos de distância, ah! Que admiração eu teria pela alma dessa Santa, dessa heroína da Amar, que é como doce e poderosa luz no sombrio e longo espaço dos tempos inumeráveis... Luz que atrai as almas e que seria a própria luz do Ideal de toda a glória, de toda a purificação, de todo o martírio e que nós buscamos atingir nos vencendo a nós mesmos!...

Oh! Os santos! Os heróis! Os deuses! São como as estrelas na grande noite dos sofrimentos!...

Mas eu não te admiro só, não te contemplo, eu te amo! Tu és a carne da minha carne, a sangue do meu sangue... E o amor é isto, é a unidade absoluta, a doce e profunda e eterna comunhão na ideal, no êxtase, na volúpia, a separação sexual para a fusão sexual! O espírito masculino e o espírito feminino, o mistério insondável e sempre revelada, a morte e a vida nos “olhos” que se abismam uns nos outros, os contatos secretos e indefiníveis, a palidez do desejo, a atração perpétua das duas essências...

Oh! Paixão, como tu me dominas, e como eu sou teu, e como eu não te posso exprimir!... Tu és sem nome! Tu és o Mistério e o Conhecimento absoluto! Tu és a força universal, tu és a êxtase, o encanto, o delírio, a exaltação, a vida e a morte! Tu me revelaste, oh! Paixão criadora, eu te sinto, mas eu não te posso explicar, oh! Misteriosa!

Meu Amor, meu Amor, que transporte na alma e no sangue do teu Amante neste instante de silêncio e de evocação!

Como eu te quisera ao meu lado, sempre e eternamente, e nestes sagrados momentos como eu viveria em teu coração maravilhoso e os teus cabelos, como o  doce e eterna vegetação da Terra, me acariciariam... E as tuas mãozinhas me abrasariam e me dariam a suprema calma, e a luz dos teus olhos, como duas estrelas, velariam o sono, o esquecimento do teu Amante na doçura do teu corpo!

Sim, Amor. Aí estarei na sexta-feira à tarde, e dormirei muito feliz em nosso recanto, nesse leito da nossa Paixão.

E quando, hélas! Estiveres longe de mim, toda a tua essência sobrenatural estará comigo!

Aí combinaremos o que devemos fazer durante as férias das meninas. Eu creio que só tomarei as minhas férias “ostensivas” depois de 20 de abril, ficando todo o mês de maio claramente em Paris. Mas que vida recolhida e bela vou levar dessa vez!

Espero ansiosamente uma carta tua amanhã, escrita da tua solidão, oh! Meu Amor, como eu te adoro! E a esperança de te ver, de acabar esta semana em teus braços me conforta de novo.

Quero ver se trabalho bastante neste bom estado de espírito em que vou agora.

Hoje sai um pouco pela manhã. Andei, andei... Havia um vento terrível que judiava com tudo, com as nuvens, com as árvores, com a terra e com as gentes. E uma luz extraordinária! Depois agora, veio a chuva e tudo morreu tristemente...

O Armínio veio aqui depois do almoço.

Foi-se, felizmente. Hoje não verei mais ninguém. Janto aqui no salão e trabalharei um pouco. Não vou ao restaurante porque prefiro o meu recolhimento e hoje domingo, burguesmente, muita gente dessa provinciana sociedade se diverte vindo jantar no Hotel des Indes...

Imagino a tua tarde hoje. A megera terá aparecido?! Mulher endiabrada! E minha mãe, e Elisa? Que prazer lhe deste!

Ao menos eu me consolo sabendo que estás cercada das minhas flores, que pensas profundamente, apaixonadamente em teu Amante, e que tu sabes que penso em ti e só em ti, sem cessar, e que tu és o meu Paraíso, a minha alma musical, a minha alegria. Eu te beijo loucamente    

Adoração! Adoração!

(Haya para Paris)

Haya, 16 de março de 1914.

Segunda-feira, 12,3/4.

Minha divina Música! Minha alma sublime, minha Amante incomparável, minha suprema Delícia, estou arrebatado para as regiões as mais altas, as mais belas, as mais puras e as mais azuis pelo teu mavioso canto de paixão, por essa melodia infinita e dulcíssima, que vem da tua alma de anjo, de tua paixão transcendental e que eu recebi neste momento... Oh! Música da alma! Ah! Poesia de amor!

E todo o teu Ser vibrante, e toda a tua beleza maravilhosa, todo o teu pensamento, todo o teu desejo nesse hino, nesse vão pelos espaços buscando o Amante idolatrado! Ah! Divina, oh! Doce, oh! Sublime! Eu te adoro, e como um turíbulo, minha alma desprende brandamente toda a sua pura essência diante da tua santa imagem, ou como um círio eu me consumo de paixão e de êxtase diante de ti, ah! Santa imaculada, ah! Amar!

A tua maravilhosa carta fez do meu coração um jardim de flores azuis... E tudo é meigo, é bom, é infinito e luminoso dentro da minha alma... E tu, única e divina, és a misteriosa dona desse jardim, és o anjo dessa alma. Oh! Santa, a minha vida é o nosso amor! E não há outra alegria maior da que a de amar, talvez a não ser da paixão recíproca, do amar um, da unidade absoluta... Sim, é isto. É a força absoluta, a razão de ser, de existir.

Tirem-nas por um instante, a ideia apenas, de não amar e de não ser amada, e como tudo está acabada, morto, na miséria, no frio da alma, no eterno silêncio...

Enquanto que o Amor! Oh! O Amor! O Amar és tu, minha divina Nazareth! Só tu és a paixão, a glória, o êxtase do amor! E só tu és a incomparável mulher que fez do amor a sua vida, e que sente e exprime maravilhosamente esse amor que tu vives!... Como tudo te é inferior a este respeito!...

Eu não falo de mim, porque eu sei como eu te amo, mas só tu poderás dizer e sentir se o meu amor tem a magnífica beleza e a sublimidade que tu aspiras... Sim, sim, o nosso amor é um, e nós somos a unidade absoluta no êxtase e na paixão.

02 horas, (depois do almaço, continua)

E nós somos inseparáveis na vida e na morte, e por que nos separamos mesmo na ideia e na comparação?...

Eu tenho em ti toda a minha vida, e apesar de todas as infelicidades que nos veem da vida, o nosso amor é a suprema alegria, a glória, a irradiação dos nossos corpos e a de nossas almas.

E aí é que está a sua força indomável que tudo vence, mesmo a dor, o desespero, e alimenta a eterna esperança!

Amor! Tu és a minha doçura infinita, ma Petite Chose adorée... E eu te beijarei, te beijarei e te darei a consolação, a felicidade suprema ao teu desejado e maravilhoso corpo idolatrado!... Imagina como eu não penso em nosso próximo e longínquo encontro! Tudo em mim é a divina alucinação do desejo, da volúpia e da paixão...

Oh! Como é difícil esperar!... Mas esperemos... E que esses ímpetos de volúpia se acalmem por um momento em mim para te poder escrever...

Vá... Depois de um instante de repouso...

Não podes mesmo imaginar como me encanta saber toda a tua vida, tão bela, tão pura, tão extraordinário. E tu num traço dizes tudo, de um modo definitivo e admirável. Tu não és somente um grande poeta de coração e imaginação, tu és um magnífico escritor pela vivacidade da expressão, pela evocação, pela vida que dás a tudo que tocas... E eu vejo tudo, fatos, quadros, conversas, pessoas, e a tua maravilhosa presença acompanhando e comentando com espírito, com energia, com a superioridade de criador, que tudo domina.

Como tu defines as pessoas! — Eu vejo “O.” na sua imbecilidade, nas suas perpétuas “fúrias” a se maldizer e inquieto, indeciso, num contínuo arrependimento de mil tolices que faz... Eu vejo a megera com a sua alma negra e feroz, louca, histérica, passeando a sua moléstia... E esse miserável idiota “X”, tudo e todos, e é um refinado gozo, um encanto, meu Amor!... E o resto, o resto?... O que é poesia, sentimento, elevação, a tua alma sublime, a tua paixão imortal! Como tu sabes exprimir e como eu te admiro...

Mas deixa que eu tenha o orgulho supremo de te dizer que tu és minha, minha discípula, minha Amante divina!

Ontem, Adorada, logo que terminei a minha carta fui ao correio. Chovia muito, mas eu prefiro ir eu mesmo do que mandar por pelos criados, ou aqui na caixa do hotel.

Voltei e não sai mais do meu apartamento. Foi ainda a grande e fecunda solidão.

Tu és a minha eterna e doce companheira! Mesmo nos trabalhos que poderiam “parecer” mais estranhos ao amor, tu estás presente e tu me inspiras e me guias, sublime Adorada!

Deitei-me cedo e dormi bastante. Como te disse, recupero a minha saúde e tu me terás “forte” e vibrante. Também te quero ardente, voluptuosa, extraordinária... Eu te adoro tanto! E tu és tão bela! Sublime e maravilhoso!...

Tu me escreverás até quarta-feira, dia do tal baile do “Ideal”, e na quinta (se poderes) telegrafa-me dizendo se tudo vai bem. Como está decidido, durmo “aí” em “nossa” casa na noite de sexta-feira. Oh! Gloriosa tarde em teus braços apaixonados!

E na manhã de sábado... E à tarde... Sejamos belos, divinos e heroicos!

Eu te beijo loucamente, minha boca em tua boca meus braços te enlaçando e te apertando ao meu corpo exaltado!

Adoração! Eternidade! Paixão!

Para a vida e para a morte. Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 17 de março de 1914.

Terça-feira, 05 horas.

Minha idolatrada Petite Chose adorée, minha vida eterna, meu tudo e minha pobre e sublime Amante! Que infinita saudade e que desespero de te ver assim nesta angústia e eu longe, terrivelmente longe, sem te poder consolar, sem te beijar, beijar, e te fazer sorrir um instante sequer em nossa imensa tragédia! Como eu me desespero! E como eu devo ser forte e heroico neste momento em que tu, oh! Minha doce e eterna vida, te abates e sofres!...

Em tudo tu és única e incomparável, seja no sonho que passou, nos instantes de ilusão, seja na agonia suprema! E eu te adoro loucamente, e a minha vida é a tua vida e sem ti eu não viverei. Tu sabes! E esse pensamento me dá uma soberana força.

Amor! Amor! Agora deixa que te tome nos meus braços amantes, que te beije a cabecinha ardente, que te acaricie docemente, que te veja bem pequenina, um nadinha de gente, e uma imensidade de paixão! E assim eu te falo e tu me ouves. Sim, doce Amor, minha divina Amante! Meu paraíso? Ouve. Esta manhã, às 07h30min, fui chamado pelo porteiro que me deu o teu telegrama. Imagina o meu espanto! E o meu aborrecimento, porque o telegrama fora expedido ontem às 04h53min da tarde, chegou à Haya às 03 da madrugada e só fora entregue no hotel às 07 da manhã! E por aí tu vês que não pude responder ontem mesmo. Imediatamente mandei-te a minha resposta te tranquilizando e espero que ela tenha chegado a tempo para te dar alguma coragem, Amor.

Pude te responder com certa tranquilidade e muita segurança. A carta de domingo foi posta por “mim mesmo” no correio. Aqui o domingo é um dia terrível, como em geral nos países protestantes. O correio se fecha ao meio-dia e trinta. As cartas são postas pelo lado de fora e com a preguiça desta gente, o serviço não se faz regularmente. Imagina que os jornais de Paris chegados à tarde, às 02h52min, só são distribuídos no dia seguinte. Um inferno! E que me desespera porque te causou tão grande abalo.

Pela minha carta de ontem tu viste que eu sempre vou pessoalmente ao correio. Espero que a carta atrasada tenha te chegado às mãos. E tu viste em que encanto de amor, em que serenidade de espírito eu escrevi à minha adorada Petite Chose!

Em todo o caso, fiquei inquieto esperando a tua carta, e esta me fez uma imensa e indefinível tristeza! Senti de novo um grande desânimo, vendo-te sofrer tanto e como que a nossa tragédia se precipitando.

Mas precisamos de toda a nossa coragem para refletir, meu anjo idolatrado. Como a nossa situação é dolorosa e difícil, e a razão principal neste momento é a nossa pobreza! Eu compreenda e sinta a gravidade da que se está passando e nos espera. Tu sabes que sou teu, gloriosamente, apaixonadamente teu, e que “por forma alguma” eu admita sequer a ideia de nos separarmos. Não. Não. Tu deves continuar silenciosa diante das ameaças e dos projetos de “O.” E que desespero eu tenha de não te poder libertar desse verdadeiro martírio, em que tu te debates, minha Santa idolatrada e mais que vida minha!

Ainda conversaremos e talvez juntos, bem unidos, como em dia de paixão, de desgraça, de naufrágio, mas com a esperança na alma, nós encontraremos a salvação. Oh! O consolo, nós o teremos em nossa paixão imortal, em nossa volúpia infinita, em nossos êxtases supremos!

Aí estarei sexta-feira à tarde. Sorri ao teu Amante ardente e extasiado.

Escrevi a “O.” sobre a morte da Calmette que muito me penalizou. Perco uma simpatia. Que furar anda no cérebro dos políticos franceses! E que mulheres! Aproveito para fazer uma lição à megera, mostrando-lhe a que pode levar o ódio. E ela não te foi ver! Que ordinário! Que rancorosa! Mas tu és uma verdadeira santa! Um anjo! A Paixão! Oh! Como eu te adoro! E como eu te sinto minha, eternamente minha! Eu te venero, Amor e eu te admiro!

Vou levar esta ao correio e pela terceira vez vou ver se já chegou telegrama teu em resposta do meu segundo. Se houver telegrama teu, responda do correio.

Hoje tenho a maçada do jantar do belga Fallon.

Beijos, beijos. Para a vida e para a morte. Eternidade. Paixão. Adoração!

São 06h30min. Nada encontrei no correio. Voltarei às 07. Talvez não tenhas tornado ao nosso saudoso ninho? Amor eterno.

(Haya para Paris)

Haya, 18 de março de 1914.

Quarta-feira, 02h30min.

Meu divino Amar! Minha Amante sublime e idolatrada, minha vida eterna e maravilhosa, que martírio o teu, o nosso amor!

A tua carta de ontem me fez uma pena imensa, infinita, porque vejo que não tens sossego, que continuas sempre e sempre atribulada com mil coisas e sempre com a doença das meninas.

Eu veja por tua carta quanto estás atordoada e como tu sofres! Esta nossa separação é insuportável e eu hoje me arrependa de ter ficado aqui, deixando-te desamparada aí, minha Petite Chose adorada! Que queres? Nós combinamos assim, era preciso “mascarar” a situação, que se desenhou um momento tão trágico! Lembras-te? Mas confia na minha ardente, profunda, imortal e mortal paixão. Tu sabes que eu sou teu, e quando tu queres que eu sorria, eu sorria... Eu quero que tu sejas amparada pela força do nosso amor, que só a ideia de que tu és no Universo o ser mais amado, e amada como tu és, te dê o alívio, o entusiasma, a vida! Eu não desanimarei mais e se por acaso me vier da funda das coisas, da fatalidade, uma grande dor, eu a matarei, tu não a verás, e mesma para morrer par ti, par nós, eu serei alegre e descuidada.

Espero hoje o telegrama que prometeste. Ontem eu te pedi que me telegrafasses, não o fizeste. Por quê?

E tu viste pela minha carta chegada aí hoje quantas vezes fui inutilmente ao correio receber esse telegrama tão desejado para a minha tranquilidade. Eu creio que foi a pressa em que estavas que não te fez prestar atenção ao meu pedido. Imagina que hoje a tua carta chegou com atraso, e precisei reclamá-la para a procurarem. Assim a tive à 01h30min. Já te disse que vai infalivelmente na sexta-feira, chegando às 5,1/4. Mandei-te as flores que gostas, Amor, e as terás amanhã. Eu quisera te envolver a existência só de carinhos, de bondade, de encantos. E sofro não poder realizar essa suprema aspiração do meu amor! Por que, um ser como tu, sofre? Não é um narrar à injustiça da vida?

A propósito de injustiça, sinta na tua carta que sofreste por “algumas expressões afetuosas” em carta minha à megera! Oh! Meu doce e infinito Amor! Como eu desejaria que tu tivesses lido toda essa carta, todas as minhas cartas a “ela!” Tu verias que apesar das circunstâncias eu sou profundamente sincero ao nosso amor! Na minha correspondência com a megera, eu sou severo em geral, e sempre aproveito para mostrar-lhe a vida infeliz que ela me fez. Essa carta (não me lembro bem de que assunto tratei) devia ser sobre a minha ida a Paris, para onde ela me chama por causa do tal cacete quadro que “só me interessa” pela simpatia e pena que me inspira o pintor. As palavras: “beijas”, não têm importância (e que beijos são?!) e são sempre dirigidas também a Temístocles, e vêm do hábito, que não posso sem ela estranhar alterar; “teu do coração”, isso eu escrevo a quase todos os meus amigos, a Enéas, Bandeira, a “O.” também, é uma fórmula maquinal, um pouco francesa, “à toi de coeur”, como me diz sempre o Ferrero.

Não, meu divino Amor! Não, tu não tens o direito de mesmo no mais remoto cantinho de tua alma divina, de qualquer sombra de uma tristeza por isso que devemos considerar uma banalidade na correspondência, principalmente quando se tem o tom afetuoso como eu me habituei, e vou perdendo.

Ah! Se tu lesses essa carta inteiramente, e a outra posterior, tu verias bem a amargura, a desilusão da minha vida em companhia de tal mulher! Tu compreendes que eu seria “profundamente infeliz” se eu pensasse que tu, por um instante, duvidas da minha inteira sinceridade, da grandeza, do absoluto da minha incomparável paixão. Oh! Santa idolatrada! Não faças esse mal a nós! E não “penses”, não “penses” com tristeza do que não existe e que não podia, não “devia” dar-te “une souffrance atroce” ao teu “pobre” coração “quebrado” e a tua alma “dolorida”, como tu, nos mais dolorosos e tristes acentos do teu mavioso e apaixonado coração me dizes. E por isso também me escreveste abatida, morta! Ah! Eu te compreendo, Amor meu, tu és a minha própria carne, o sangue do meu sangue, a alma da minha alma! Tu és minha, nós somos um, gloriosamente, divinamente um! Eu te quero repousada, vibrante, docemente amante e ardente. Nós precisamos de uns dias ao menos, de eternidade, de delírio, de descanso de tanto sofrer! De paixão e de volúpia suprema! Tu verás como o teu Amante vai para os teus braços. E ele te quer como tu és sempre, e como tu lhe prometeste ser, oh! Imortal! Beleza alucinadora sedução eterna e sublime! Ah! Amante! Nome que tudo evoca, o que há de terna, de absoluto, de paixão, de vida, de volúpia e de morte! Amante! Amante!

Doçura, meiguice, sonho, realidade absoluta, a Unidade de duas almas, a união maravilhosa dos nossos corpos... Como eles se unem... E como eles se desejam!... Petite Chase adorée, pequenina e eterna, divina e imortal, eu morro de paixão por ti! Eu te beijo e como a minha paixão é tudo, é o Universo! É tudo, é tudo! Amor! Amor!

Ainda te escrevo hoje mais tarde. Como eu vibro com a ideia de te ver! Eternidade.

(Haya para Paris)

Haya, 01 de abril de 1914.

Quarta-feira, 06 da tarde.

Meu divino Amor! Minha sublime e tão idolatrada Amante, minha radiante Beleza! Já esta manhã te mandei dois recados da minha saudade infinita e da minha paixão! A tua cartinha foi um belo ato “heroico”, porque eu imagino perfeitamente todas as dificuldades aí nesse dia de sofrimento, de cuidados e por ela eu te reconheço sempre a extraordinária e incomparável Amante que tu és, que vem ao teu adorado, e que sabe não haver para ele outra alegria, outra consolação na vida, senão as que vêm de tua alma e do teu coração e das tuas carícias. Oh! Como eu te beijo! Com que veneração e com que frêmito e com que desejo! O nosso amor é assim, o mais idealista e o mais realista! É a Paixão! E essa divina mistura é que o torna único e imortal e poderoso. No amor, a nossa alma e o nosso corpo Tudo. A vida! É por isso também que a separação é como a morte, e que a morte é o destino comum, unido, das nossas formas! Oh! Com que transcendente êxtase e ardor entranhado tu me disseste, fremente, amante, que tu eras minha, e que só eu tinha o poder sobre a tua vida, e tu, radiante, divina, misteriosa, te glorificavas desse dom supremo, desse reconhecimento íntimo de ser a coisa, a criatura de teu Amante... “E a minha vida é tua”, e por isso eu a quero gloriosa, sublime e eternamente criadora e pura! Eu vivo em ti e tu em mim, e tu assistes e me acompanhas em todos os instantes...

Quando tu me deixaste anteontem à tarde, todo o meu corpo era divino!... Tu o havias imortalizado pelas tuas carícias... E a minha carne era a tua carne, e a minha alma a tua alma! Uma transfiguração em tudo! E naquele eterno silêncio feito de lembranças únicas e da passagem gloriosa da paixão, eu tentei te escrever ainda o meu amor como tu tiveste a surpresa de encontrar hoje. Oh! Eu te adoro, te adoro!... Depois, oh! Depois... (como a vida é triste e desigual!...) fui um momento ver o Fontoura, a propósito de uma questão de imigrações na Espanha e que se repete aqui na Holanda. Daí fui ver minha mãe.

Oh! Como tu os encantaste! Estavam à mesa. Assisti todo o jantar de Mês. E só falaram de ti, da tua bondade, dos teus agrados e do futuro apartamento que minha mãe, como Nuta e até Nhônhô, muito desejam. Só lamentam que neste momento tu não possas procurar alguma coisa que lhes sirva. Depois do jantar deles vim para o meu hotel com Nuta que assistiu o meu jantar. Cansado de tanta emoção e de tanta coisa diverso só pedi silêncio, e às 10 e meia fui deitar-me.

Ontem de manhã, tratei da viagem e às 11 e um quarto, como havíamos combinado, desci e falei pelo telefone para a tua casa. Nos falamos... Oh! O desejo louco de estar contigo mesmo isolado ainda, assim à distância, e só pelo laço profundo do pensamento e pela confusão doce de nossas vozes... E foi mais forte do que a prudência e assim nos falamos... Nada dissemos, Amor meu! Nada do que nos enchia a alma e o coração. Nada. Mas foi tão bom, tão extraordinário, oh! Emoção da nossa comoção estranha e indefinida! Eu senti o teu peito arfar, e a tua voz traduzia o prazer, a ânsia e a inquietação! Mas não aconteceu nada de mal! Não é, Amor?

E eu vim com a tua voz divina, consoladora e reveladora! Cheguei cedo à estação. A viagem foi um longo silêncio. Fazia um tempo maravilhoso, e eu vim te imaginando naquele esplendor da Terra!

Quando chegou à tarde, eu senti pela primeira vez este ano a impressão da primavera. E essa sensação vinha da liberdade, da mistura da gente e da paisagem.

Nas planícies da Holanda tudo era verde, novo, e risonhamente tranquilo. Os “villages” cheios de gente, de crianças.

Um momento, ao pôr do sol, na fresca tarde, uma doce claridade enchia o mundo, e as forças profundas da alegria triunfavam! Quando eu passei em Anvers havia ao longe o mar. O sol era aquele braseiro, que nós vimos, Amor, no Oceano. Isso ao longe, no horizonte. Mais para cá, apenas os mastros inúmeros dos navios, e a fumaça que saía das chaminés, e como não se viam os cascos das embarcações havia o quadro de uma floresta carbonizada, seca, em que ainda persistia teimosa a fuma da incendia! Tal foi a paisagem da viagem e em que eu te vi, e tanta te desejei e tanta sonhei contigo! Oh! Meu Amor!

Porque estamos sempre separadas e não nos é dada gozar de tudo que é bela e tão rápida... E tão eterna! Por quê?!...

Há um conflito a propósito do Palácio da Paz, há a tal questão de imigração.

Hoje amanheci e fui várias vezes ao correio antes de te mandar o meu primeira telegrama. Depois tive a tua decidida e apaixonada e doce cartinha que me encantou. Antes já havia encomendado as tuas flores.

Já é tarde, Amor, receio perder o correio.

Escreve-me toda a tua vida. Beijos, beijos, beijos! Adoração.

Aí estarei domingo à noite. Beijos. Para a vida e para a “morte!...”

(Haya para Paris)

Haya, 02 de abril de 1914.

Quinta-feira, 02 horas.

Oh! Minha idolatrada Santa, minha vida, minha paixão eterna e minha beleza exaltante! Por que tanto sofrimento em torno de ti? Sempre a tortura, a angústia! Já lá vão longos meses sem sossego, oh! Adorada! Sempre a doença dos filhos queridos! Quanta aflição e como isto deve te abater e fatigar! E eu admiro a tua extraordinária resistência, a tua bondade profunda, a tua doçura divina que não te abandona um instante e não te dá o menor movimento de revolta.

Tu és na verdade um anjo, e eu me comovo muito, em tudo o que é mais entranhado em mim, pensando em teu contínuo martírio, e em tua infatigável meiguice! E como eu te quisera consolar com o meu ardente e imortal amor! Com a minha ternura... E como eu, nessa grande angústia que nos oprime, me sinto recompensado se tu encontras em mim, no meu ser que te adora, um momento de alegria! Eu te aperto muito, muito nos meus braços e te beijo numa mistura de paixão, de veneração, de idolatria, de desejo, e de vida e de morte...

Eu acaricio docemente a tua divina cabeça, os teus fluviais e infinitos e doces cabelos, a tua fronte soberba, beijo os teus olhos sobrenaturais, miro longamente perdidamente a transfiguração do teu rosto sublime, e pouso a minha boca ardente em tua boca fria, mortal, exangue... Boca de mil desejos, êxtase de paixão! Oh! Eu te adoro!

Como te disse em meu telegrama de hoje, passado depois de receber a tua triste carta de ontem, eu fico inquieto por tua saúde, e te recomendo vivamente que não faças esforços de escrever neste momento. Manda-me “apenas” algumas palavras do teu coração amantíssimo para o meu imenso consolo, e sábado manda-me um telegrama. Vou decididamente no domingo, e como o Armínio me acompanha irei pelo trem da tarde, aí chegando às 11 da noite. Não vou sábado para evitar estar domingo inteiro com a megera e sem nos vermos. Segunda, às 03h30min, tu virás, Amor idolatrado! Aos meus braços e eu te darei toda a minha paixão e a minha ternura. Espero que até lá a crise aguda da moléstia tenha passado e que tudo entre no período de declínio e da calma. Oh! Como tu precisas de repouso! Eu te sinto tão fatigada, que estou verdadeiramente inquieto! Creio que a presença de uma “garde-malade” é necessária, e assim terás um pouco de descanso, mesmo na convalescença das meninas. Pobrezinhas! Que pena me faz tanto sofrimento inútil e tanta doença. E como eu fico furioso e abatido de estar quase privado de lhes dar um pouco de ternura, e da minha profunda amizade!

Oh! Que megera monstruosa! Que louca perversa! Tu a julgas como ela merece. E tudo o que te diz é pretexto para não ir te ver tão cedo. Miserável!

Gostei que minha mãe e Nuta tornassem a te procurar e se minha mãe não faz mais é por acanhamento, receio de te constranger, e também ela iria tirar-te um pouco da tua tão curta liberdade.

Que te direi da minha vida aqui?!... O meu espírito e o meu coração, sabes como estão, meu Anjo! Ontem trabalhei muito na legação, tive uma longa conferência com o ministro dos Estrangeiros e tomei uma atitude ousada na questão de imigração, preparando uma nota que será publicada hoje e amanhã, aqui, em Roma, em Madrid, em Berlim, enfim em todos os países de imigração e também no Rio.

O Lauro vai ficar um pouco surpreso. Mas é preciso sairmos da atitude humilhante em que temos andado, sofrendo a difamação sem um protesto, sem uma réplica. Mandei anunciar que algumas legações brasileiras na Europa, entre outras a da Haya tinham aconselhado ao governo brasileiro de impor medidas severas ao recebimento de imigrantes para que inválidos, vadios, e ineptos, não sejam admitidos no território brasileiro, e depois não venham a se queixar do país, e reclamar a proteção das seus respectivos governos. É uma política de “crânerie” e a imigração assim restringida, vai aumentar.

Meu pobre Amor, o que tu tens com isto?...

Tu és minha e foi uma pequena diversão ao teu espírito, e assim sabes em que me ocupo, e se tu te distraíste um segundo, eu ficarei contente de te haver contado o que é tão pouco interessante e sem importância para nós.

À noite tive a longa visita do cônsul brasileiro que acaba de chegar do Brasil.

O Lauro deixa o ministério também porque quer ser senador em janeiro e precisa se desincompatibilizar (que palavra comprida!) Parece com ele! Meu doce Amor, tu vês, eu brinco contigo.

Oh! Que saudades das tuas carícias, do teu imortal Amor! “Que saudade!”

Hoje é o jantar na legação da França. Não tenho a menor ideia de quem vai. Também que coragem a minha de ir!

Meu Anjo, meu Tudo, eu te beijo loucamente, eu te adoro, como eu te adoro! E eu quero que haja um instante de alegria em tua alma e muita paz, muita saúde e calma, calma!

Tu és a minha vida eterna, o meu orgulho, a minha razão de ser! E eu te beijo com a paixão imortal que me arrebata!

Adoração! Eternidade!

(Haya para Paris)

Haya, 03 de abril de 1914.

Sexta-feira, 06 e meia da tarde.

Ah! Meu supremo Bem, minha vida eterna, minha sublime Amante, estou desapontado e desolado e quase não posso te escrever! Não é mais possível estar contigo, minha Santa idolatrada, na segunda-feira. Venho da reunião do Corpo Diplomático o propósito do Palácio do Paz, como te disse. E para resolver o conflito foi nomeado uma comissão de quatro ministros, o da Inglaterra, da França, da Alemanha e “eu!” Tu não imaginas o que com jeito fiz para não entrar nisso. Mas houve tanto protesto, tanta exigência dos colegas que foi “impossível” recusar. Trata-se de um caso sério e de consequências importantes aqui, e como os outros delegados do Corpo Diplomático são representantes das grandes potências como vês, trata-se de uma distinção pessoal a mim e eu não podia resistir mais do que resisti, chegando mesmo a alegar necessidade de me ausentar. Tem coragem, Amor meu. E lembro-te sempre que tu és meu Tudo, a minha alegria única, a minha vida, e que sem ti não vivo, e nem sou um momento feliz. Conto com a tua força, oh! Minha Petite Chose adorée, e escreve-me “muito, muito”. Mas não te canses em excesso. Tu vês, o meu espírito está atordoado e não sei o que quero, a não ser a ti, a ti e só a ti.

Creio poder partir terça-feira, assim nos beijaremos e seremos gloriosos na quarta-feira. Como vou passar estes dias! Ah! Meu Amor! Como a vida é dura. Que horror!... Mas eu te amo loucamente e a minha Paixão é incomparável. Beijos, beijos. Adoração.

(Haya para Paris)

Haya, 04 de abril de 1914.

Sábado, 02 horas.

Minha vida imortal, meu Paraíso, alma de minha alma, eu te adoro! E todo o meu ser é a sublime expressão de uma perpétua adoração a ti, oh! Minha Amante sobrenatural e transfigurada! Eu quisera viver assim, junto de ti eternamente... Tudo o mais esquecido e a única e profunda realidade a nossa paixão, os nossos corpos e os nossos espíritos... E assim tu imaginarás, Amor meu, como é dura e pesada a separação no amor, e como esta decepção de ficar mais alguns dias privado de teus doces afagos, de tua beleza, da tua divina paixão, é difícil de suportar. Depois que te escrevi ontem, recolhi-me muito aborrecido. À noite veio por alguns instantes o Armínio, e às 10 horas eu estava deitado naquele abatimento, naquela desolação que tu conheces. O que fiz? Não sei... Imaginei, pensei, dormi mal, e pela madrugada li esse estúpida livro de Anotole Fronce, “La Revolte des Anges”, que é pesada, tolo e mau e seco, sem o menor encanto. Hoje de manhã não sosseguei enquanto não tive a tua carta, que busquei várias vezes, como doce refúgio para o meu coração morta de saudades e ardente de amar... Logo que o recebi mandei-te a telegrama que recebeste, avisando-te que só hoje às 03 horas eu possa saber quando acaba este incidente, pois a conferência do ministro dos Estrangeiros não foi possível esta manhã e será daqui a pouco. Que maçada! Que me importa a mim a Palácio da Paz, a Fundação Cornegie, o corpo diplomático do Haya! São mesquinhas ocidentes na vida profunda e admirável!

Sim, porque eu acho que é admirável uma vida como a nossa sob o ritmo misterioso e divino do amor!

A tua cartinha me tranquilizou porque vejo tudo melhorando, e a volta da saúde das crianças, me alegra intensamente. Ah! Eu amo muito, e muito os teus filhos! Que hélos! Deviam ser meus. Eis aí, meu Amor, oa fundo dos meus sentimentos em relação a eles. Oh! Eu amo tudo que tu amas, porque há sempre uma partícula de ti nas causas que estimo e no que admiras... Eu amo a ti em todas as outras coisas! Tu vês, eu me observo em teu ser!... É o supremo e absoluta unidade na paixão... Como eu te quisera aqui comigo nessa imensa calmo, em que o meu coração é perturbado pela lembrança da Adorada!

Como eu imagino uma vida contigo, muito doce, muito intensa, no perpétuo êxtase, no profundo esquecimento! E o tempo vai passando... E ainda não nos trouxe a realização do sonho...

Primavera! Foi numa primavera que o nosso Amor se revelou definitivamente! Ele é a ressurreição! E assim como a Terra renasce na primavera, por uma maravilha do Destino, as nossas almas renasceram ou mesmo nasceram na ressurreição da Natureza! Tudo é um milagre em nosso amor! E a sua vida é um poema sublime de desejos, de realizações, de êxtases, de combates, de vitórias, e nós chegamos a essa apuração suprema de nossas almas e nossos corpos, ao fogo da paixão, do martírio e no heroísmo! Que glória...

Da legação. 04h30min. Venho da conferência com o ministro dos Estrangeiros. A minha impressão é que posso enfim partir na terça-feira, mas só na “tarde” de segunda-feira poderei ter uma solução definitiva e telegrafar-te o que ficar decidido. Em todo o caso, como na terça estarei em viagem tu encontrarás nesse dia o meu telegrama.

Estaremos juntos, minha Santa idolatrada, na quarta-feira, às 03 horas. Preciso muito, muito, meu Amor, que me dês pelo menos 02 longas horas! Tu prometeste ontem em tua deliciosa cartinha, e o meu coração bateu apressado, e o meu sangue alvoroçou-se num imenso e irresistível desejo da minha Adorada! Oh! Tu que és a Beleza, a Palidez, a Volúpia, a Delícia, eu te quero como tu sabes, Petite Chose adorée.

Há tanta coisa, tanta volúpia que nós ainda devemos pedir à nossa paixão... Sim?... Amor, Amor...

Como eu sonho contigo! E como misticamente tu és tudo: a suprema Idealidade, a Alma Musical, angélica, e o delírio, o transporte último dos sentidos transfigurados!...

Fala, murmura, canta, voz de paixão, e o meu ser se abisma em ti... Eternamente e como eu “quero” a tua intangibilidade! Como eu morreria se o teu corpo não fosse só meu... Meu... Porque há segredos nele, há mistérios, há delícias que eu criei e revelei, e antes a morte me arrebate, que tudo seja um doloroso e pesado silêncio, do que te imaginar submetida à tortura... Para que eu falo nisto?... Para que sofrer?...

Amor divino meu, quando lerás estas palavras de paixão, de saudades e desejos?... Beijo-te loucamente e a minha vida é tua para a eternidade. Beijos! Beijos!

(Haya para Paris)

Haya, 05 de abril de 1914.

Domingo, 03h30min.

Minha alma musical, minha divina Amante, meu Tudo! Hoje pela manhã fui ao correio pensando que por felicidade eu tivesse uma cartinha tua. Nada recebi e a falta é imensa! Eu sei que a minha demora, contra tudo o que estava combinado, foi para ti uma surpresa e vejo pela data e hora dos teus dois telegramas de ontem, que saíste tarde de casa, e vieste tarde ao nosso saudoso recanto. Depois, eu mesmo havia dito em uma das cartas, que no caso de me telegrafares era sinal que não havias escrito. Mas que falta não ver a tua letra, não me extasiar com as tuas frases de amor, não sentir a vibração com que escreveste e mandaste o grito da tua paixão!

Oh! Como tu és credora! As tuas palavras, os teus pensamentos, os teus sentimentos, Amor meu, criam em mim um mundo mágico e sublime! Todo um mundo, e eu vivo na grande beleza que tu criaste em mim! E cada dia eu subo mais e como que aumenta prodigiosamente a força do meu ser! E as tuas cartas são os ecos, as expressões admiráveis do teu mistério.

E quando eu não as tenho tudo é tristeza, desamparo e desalento. Tu vês como eu te adoro! E eu não sei mais como te cantar a minha paixão! Mas eu sei a exprimir nos teus braços e na doçura do teu amor incomparável. E como o tempo em que nos vemos é tão curto! Um instante, e tudo o que é infinito e sublime desaparece... Se nós vivêssemos juntos! E se ao menos nós pudéssemos nos acompanhar um ou outro mais vezes!

Quanta coisa! Quanto gozo da alma e dos sentidos nós teríamos ao lado do grande êxtase... Tudo isto hoje é impossível, a não ser quando nós deixarmos essa prisão social em que nos debatemos e somos torturados. Quando? Pergunto a mim mesmo. E a Esperança teimosa não me desanima.

O teu primeiro telegrama chegou depois que eu havia posto no correio a minha carta. E como eu tive, uma conferência com o ministro americano, eu o recebi somente às 07h30min. Depois recebi no hotel o segundo telegrama (Angély). Tive a impressão de que a visita da megera te surpreendeu e não te causou nenhum grave aborrecimento, e que por este lado tu estás mais calma. Ela é vária, doida. E às vezes eu penso como tu a poderias dominar, mas também desânimo porque tudo já tentastes sem resultado. Enfim, que neste momento ela não te faça mal! Oh! Como tu precisas de repouso, de sossego, de paz! Pobre meu divino Amor, quanto tormento e quanta luta! A megera só me escreveu uma vez para se queixar da sorte, das suas tristezas e do seu abatimento.

O teu telegrama “Angély” foi muito bom, e eu gostei da frase feliz, da tua invenção: “votre livre”...

Sim, tu és o meu livro misterioso, o que ninguém escreveu, e nem escreverá igual, livro da paixão, do êxtase, livro sublime em que todo o Universo se reflete, livro angélico, transcendental, poema de amor incomparável, e aí eu dei tudo o que tinha de belo, de grande, de magnífico, de puro, de forte, de imaginativo em meu ser! Esse livro divino é toda a Criação! É a Beleza! E tudo o mais ao lado dele é pequeno. A minha grande felicidade na vida é a felicidade absoluta que ninguém teve, foi o teu amor! Por ele eu cheguei ao mais alto do meu ser, e ao máximo de êxtase! Por ele fui ao fundo da vida, por ele sofri, lutei e fui um Deus! E esse Amor teve o supremo dom da Criação. Porque ele é o teu criador, e ele te fez à sua imagem, à imagem do Ideal, que todos buscam, e que eu de geração em geração fui buscando até realizar em ti... Oh! Minha genial e idolatrada Santa, nas tuas cismas pensa bem no milagre do nosso amor, e como ele se produziu, se revelou, como ele veio de longe, de muito longe até o seu grande e divino momento, e tudo o que ele produziu em tua alma, na minha alma, no teu corpo e no meu corpo!

Não é sobrenatural? Um milagre?

E quando uma paixão é assim, é só a ela que se deve obedecer, porque só ela é a Verdade, a Realidade, a Única.

O resto é mentira, mesquinhez, falsidade, morte.

Sejamos eternamente “fieis” a nós mesmos, à nossa Paixão!

Oh! Tu, sempre amorosa, sempre doce, sempre meiga, sempre transfigurada, minha dulcíssima Nazareth imaculada, e linda, apaixonada e idolatrada, meu Paraíso, meu divino esquecimento, minha “Forma” maravilhosa, minha alma musical, minha saudade infinita, daqui desta longínqua solidão todo o meu ser em êxtase te busca através dos espaços, e num beijo eterno ele realiza com o teu ser a unidade absoluta e transcendental, Nazareth, Nazareth!

Escreve-me amanhã, segunda-feira, porque eu sigo na terça às 02h30min. E assim, ainda tenho a tua carta. Na quarta-feira às 03 horas, nos teus divinos braços. Amor! Amor! Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 20 de abril de 1914.

Segunda-feira, 10 da manhã.

Minha Beleza! Minha Vida! Alma de minha alma! Venho de um belo e longo sonho contigo, Amor incomparável!... Depois de uma madrugada de insônia, pude dormir toda a manhã até agora, e dormi contigo! Eu te vi sempre, sempre, tu me falavas, nós ríamos, nós estávamos ora diante de outros, constrangidos porém unidos e maravilhados em nosso amor, ora na paisagem ao ar livre, em viagens, e eu te vi nua, sim, minha Amante sublime, nua, no esplendor das tuas formas, em tua cor que me exalta, em tuas linhas tão puras, tão Únicas, que são um milagre de ressurreição da forma helênica! E eu tive o teu êxtase, os teus murmúrios, a tua doçura, a tua paixão...

Manhã misteriosa de amor e sonho!... Onde estais, horas de magia e encanto?... Tudo se foi... Mas a divina recordação ficou como companheira da minha solidão, e eu agradeço o Amor, às divindades secretas do Amor, que me deram essa maravilha e esse supremo consolo!

Na verdade não foi um singular privilégio esse lindo sonho de amor? Que meu coração poderia ambicionar de mais belo e de melhor do que a sua Adorada, mesmo na ilusão?

Oh! Deliciosa e sublime imagem da Idolatrada que de tão longe, deixando a sua forma real veio “viver” na imaginação do seu Amante desterrado! Porque foste tu mesmo que vieste... Que por um prodígio da saudade e da paixão te desencarnaste e emigraste para a minha alma, pois tão real, tão viva, tão perfeita, eu te vi!

Amor, amor! Quando chegará a hora da nossa eterna vida sem mais separação? Esperança! Esperança!

A minha partida de Paris foi um pouco precipitada, ou melhor descuidada, porque confiei nos criados, e só na estação notei que não havia trazido sobretudo! Ainda tive tempo de telefonar para o hotel... A megera já não estava. Oh! Essa criatura! Ela não pode esconder a alegria de me ver partir! Agora vive me aborrecendo com a “sua” cura em Châtel-Guyon, que deseja fazer em junho. Infernal e estúpida mulher!

Quando tu me deixaste na tarde de sábado, vim com “O.” conversando longamente. Eu sei que ele muda sempre, mas uma coisa me parece “fixa”, porque é natural. Disse-me que só deixaria Paris se de todo não ganhasse algum dinheiro, porque toda a sua vontade era de ficar o mais tempo aí e só no momento de se aposentar, conseguir a nomeação de ministro. Eu o convenci e ele concordou, de que a minha aposentadoria, portanto a minha liberdade, era “para ele” uma grande vantagem pois eu tomaria a iniciativa e a responsabilidade franca dos negócios... Estou decidido a me aposentar. Recebi ao chegar aqui carta do Rodrigo Octavio, a quem encarreguei de fazer contar o meu tempo. Ele me escreve rapidamente, porém é contrário a minha aposentadoria por eu ser muito moço e estar em situação privilegiada no corpo diplomático. Compreendo tudo isto, mas ele não compreende o resto... A minha resposta foi um telegrama insistindo para que aproveite o estado do Luiz Dantas para a contagem do meu tempo. Feito isto, eu mesmo peço daqui a aposentadoria. Segundo o Rodrigo a nova lei não passa este ano, estando a Câmara absorvida na politicagem. A situação do Brasil é pelo menos aborrecida neste momento. Como seria doce e divino organizarmos a nossa existência em Paris, de uma maneira definitiva e esquecida... Na nossa situação, Amor, ainda o que nos convém é Paris. Eu sei os inconvenientes e as maçadas de muita gente que aí temos, e gente desagradável. Mas ainda assim tudo nos serve de pretexto para as rápidas e imortais horas da paixão e vida. No Brasil seria impossível, de um modo permanente, em Londres seria difícil a ti te separares das meninas durante horas e horas e como eu poderia viver ao teu lado sem escândalo, e sem uma terrível contradição contra tudo que venho sustentando? Só Paris, e para isso preciso de toda a minha energia.

E como tu vês, eu vou seguindo o nosso rumo, inspirado pelo teu divino amor!

A minha viagem no trem, teve duas diversões inesperadas. À hora do almoço apareceu-me o João Lopes que vinha a Bruxelas trazer um menino brasileiro para o colégio. Conversou longamente, deu-me mil novidades, e falou mal de toda a gente. Depois de Bruxelas apareceu-me o Lampreia, antigo ministro português no Brasil e depois na Holanda, que vinha à Haya ver a Rainha por ocasião do aniversário da princesa, no dia 30. E esses dois cacetes me tomaram aquele bom e costumado tempo à reflexão, e eu vi como é muito preferível à solidão!

Aqui na estação, o Armínio, e depois no hotel mais o Alcoforado! E conversa de brasileiro: casos pessoais, vida alheia, perguntas, lamentações, pessimismo... E como diplomatas, ainda a carreira. Oh! Como tu deves ter pena de mim!

Felizmente me veio à noite e com ela a solidão, eu mesmo e tu, minha sublime Amante, e veio esta maravilhosa manhã celebrada pela tua presença misteriosa, “real” e divina, manhã de sonho, de êxtase, de saudade, e que se vai prolongando pelo dia inteiro e mesmo na noite escura ainda será a eterna, doce, clara manhã em que tu me apareceste! Ressurreição! Eternidade!

05 e meia... Já fui duas vezes ao correio, e ainda não tive a teu desejado telegrama. Vim te escrever um pouco mais, pois nisto está “todo” o meu único prazer longe de ti. Estive na legação e como acontece sempre no primeiro dia de chegada trabalhou muito. Mandei um grande expediente para o Rio hoje, e é singular como eu faço render o serviço insignificante desta legação sempre em contato com todos os assuntos da nossa vida internacional. Nisto eu sigo a regra do nosso Mestre, Goethe, a atividade de espírito, como regra de conduta. Até da questão do México me preocupei telegrafando ao Domicio. Mas tudo isto é o acidente, é a expressão externa para disfarçar em certos momentos a única força poderosa e dominadora do meu ser que é o meu Amor! E só tu, sabes o que eu sou verdadeiramente, em minha profunda natureza, simples, puro, diante dos olhos da minha idolatrada e divina Amante! E tu és a fonte dessa força, a razão de ser da minha vida. E tu me darás sempre, sempre, o êxtase e a inspiração! Eu preciso eternamente de te amor e de te admirar. Sem isto como me será possível viver um minuto? E a tua Imagem será imortal, sublime, sem uma mancha, linda, maravilhosa, e que eu olhe no mais profundo do teu ser, e que eu seja perpetuamente iluminado, majestoso, único!

Não te disse ainda a singular e agradável impressão que tive quando aquela criança te saudou pelo meu nome!

No mistério, na sua profunda inconsciência divinatória ela percebeu que “tu és minha!...” que o teu ser é o meu ser, e que recebeste, absorveste na volúpia e na paixão! É preciso dar importância à linguagem dos seres muito próximo da natureza, como as crianças e os animais. Eles têm os segredos das causas, a instinto, e por isso eles espantam aos que não percebem e não são iniciados. Os poetas, os místicos, são também prodigiosos porque há neles uma intuição inexplicável que os guia e as inspira.

E tu és a melhor parte de mim mesmo!

Sem querer fazer um jogo de palavras, tu tens além da força indomável e bela da Paixão, tu tens a Graça! A “graça” é a aurora, a luz suave, o encanto, a doçura, a “harmonia” perfeita, a “elevação” em tudo, nos pensamentos e nos atos, um estado de divindade, de imortalidade, de aspiração! Oh! A “graça!” Tu me compreendes a que eu não sei explicar. E aí todo o meu ser se extasia em ti! A “graça!” A “graça!”

E tudo é adoração em mim. Na solidão eu medito, eu rememoro toda a nossa divina e trágica paixão, eu sonho, eu desejo... Oh! Como eu desejo a ti, meu Amor, minha idolatrada Amante, e as causas que poderiam fazer melhor e mais doce a nossa existência e acabar com tanto martírio!

Canta-me a tua alma divina, canta-me as instantes da tua vida que me pertence e de que fizeste a maravilhoso dom incomparável que fizeste.

Como eu te sinto palpitar no meu coração! E como eu me abismo maravilhosamente em teu ser! Amar! Infinito e doce Amor!

06 e meia... Do correio. Encontrei o teu consolador e tão saudoso telegrama que já me esperava algum tempo. Creio que foi expedida antes de teres recebida o meu e de passares em nosso amado recanto. Espero que tenhas encontrado aquelas “rosinhas” que deixaste sábado. Com que ansiedade não deseja a tua carta!

A carta da minha Amante idolatrada por quem morro e vivo. Oh! Eu te beijo, eu te beijo, e toda a minha alma, Adorada!

(Haya para Paris)

Haya 22 de abril de 1914.

Quarta-feira, 02h30min.

Meu doce Amor, minha Beleza, minha vida eterna, eu te adoro e tu me fazes uma falta imensa, imensa. Ontem depois da minha abandonada carta de paixão e saudade, fui caminhando dentro dessa grande e triste luz e todo o espetáculo do dia a morrer no espasmo da beleza, ainda mais exaltou o meu espírito! E assim cheio de tua divina essência que é a alma, a essência do Universo, errei longo tempo.

Como te dizer os meus pensamentos? Como te dizer essa misteriosa viagem do meu espírito, inspirada em ti? Vaguei na beleza, na luz, na cor, nas formas, e fui até à unidade profunda e infinita de todas as coisas.

Tudo é um, essencialmente um, e nós somos as fantásticas aparições da essência universal, e por isso nós devemos manter em nós a divindade maravilhosa do nosso ser! E tu me inspiras e tu vives em mim. Oh! Como eu tomaria nas minhas mãos ardentes, doces e apaixonadas, o teu palpitante coração, onde a Paixão sublime mora e que é como o pêndulo do ritmo da minha vida! Ah! Minha Petite Chose adorée! Como eu te faço bem pequenina para te ter toda, toda, nas minhas mãos e na minha alma!

E assim fui, solitário e divino, meditando a poesia do meu amor, até que a banalidade da existência me levasse a outro rumo. Entrei para me vestir e jantar na legação americana. Oh! Estúpido destino, pobre de mim! O jantar foi como todos os mais, ou pior ainda. Fez-me mal esse esforço, porque tive febre à noite. Talvez resfriamento, talvez... Eu mesmo não sei. Amanheci fatigado e pouco a pouco fui melhorando e sai para ir ao correio (era todo o meu medo) e acabo de almoçar no restaurante do hotel. Estou te escrevendo para te mandar eu mesmo esta, vou um momento à legação e recolho-me. Amanhã estarei bom e vou almoçar na legação da Alemanha, inteiramente entre homens. Também convidei a jantar amanhã, intimamente, os ministros da Alemanha, da França, da Bélgica, o Lampreia e o Alcoforado. Não há mulheres, e assim aproveito para convidar esses amáveis colegas, na ausência da megera.

As finanças estão péssimas, mas que fazer? Há muito tempo não convido ninguém. Convidei verbalmente, e por aí tu vês a sem cerimônia.

A tua doce e intensa carta de ontem me encantou muito, muito, e é o meu único conforto e consolo neste desterro. Eu a li na rua e antes de voltar ao hotel fui comprar o livro de Melchior de Vogué, “Jean d'Agrève”, que nunca li porque ele goza de uma reputação de enfadonho. Mas a tua emoção o transforma, e assim hoje à tarde começarei a lê-lo e aí tu me dirás o ponto sobre que queres a minha opinião. Imagina a minha curiosidade!

Já é tempo de começares a ler o “Wilhelm Meister”, depois de acabares os gregos, e esse pequeno romance “Histoire sans nom”.

Oh! O teu espírito, a tua cultura, tu sobes como eu a zelo! E o que é que eu não zelo em ti?... Não és tu a minha criatura, Aquela que eu formei, criei, a quem dei amor e vida, que é a alma da minha alma, a minha paixão sublime, o meu corpo divino e idolatrado, o sagrado templo do Amor? Nosso destino é um só, por que os nossos atos não serão sempre inspirados pelo formidável “consciência” desse destino? Por que não terão eles sempre, sempre, a ideal harmonia, a realidade essencial, a suprema unidade? Amor! Amor! Tu me compreendes, e tu me adoras... O resto é silêncio!

Como tu és boa, e sempre a mesmo para minha mãe, Nuto e os outros. Ontem à noite por telegrama vejo que minha mãe sobe da morte do irmão. Pobre do seu resignado coração! Voe vê-la um minuto, tu és a “Graça”, a bondade suprema, a tua voz é angélica... Tu és a consolação, e ela te adoro!

Não te assustes pensando que eu estou “doente”. Nada tenho. Talvez, como te disse, resfriamento (o meu sobretudo já veio) ou uma febre de esforço nervoso. Que maçado! Mas eu sou assim, e tu vês que estou te escrevendo, que estou de pé, e que vou sair de novo para levar este ao correio. Fico tranquilo.

Oh! Eu se te tivesse aqui nesta solidão! Ou numa solidão igual... O teu olhar me ilumino e eu só sofro quando me aparto de ti... Eu te quero e todo o meu ser apaixonado te busco, e se abisma em ti! Dá-me a vida num beijo infinito, louco e eterno! Adoração!

Estarei contigo, minha Santa, no sábado às 03 horas. Amor, meu infinito Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 23 de abril de 1914.

Quinta-feira, 10 da manhã.

Paixão sublime e imortal, minha Alma musical, minha Doçura, ma Petite Chose adorée, levanta-me neste momento da cama depois de um longo sono, e de uma demorada “rêverie” em que as infinitas saudades de ti, Amor, me deleitaram de lindas recordações e me exaltaram de intensas desejos... Tive um sono de repouso e estou melhor, mas com este alquebramento de convalescente, como se eu estivesse estado doente muitos dias, tal foi a chama febril que me queimou o sangue.

Foi uma tempestade que passou, e estou cansado, cansado... E como eu quisera te ter junto de mim, e nos teus doces braços e sob os teus divinos olhos, e no murmúrio da tua voz, e na tépida conchega do teu maravilhoso e abandonada corpo recobrar toda a força e toda a saúde... Viver, viver... Mas viver contigo, minha adorada Amante! E tudo que não é isso, ao pela menos a “ilusão” disso, é a imensa tortura, o martírio mortal que me cansa.

Sabes?... Li ontem Jean d’Agrève. Tens razão, é um belo e emocionante livro. É pena que haja na primeira parte tanta digressão, e que haja tanta palavra... Mas o “romance” é comovente. Nele domina a alma! É um livro de paixão. A inspiração é wagneriana e schelleyriana, a inspiração transcendental. O caráter, o temperamento, a alma de Helena são admiráveis. Como na vida real mais uma vez se prova como a mulher é superior ao homem em amor. Helena, sem ser uma Francesca, uma Heloisa e mesmo uma Isolda, é já a paixão, e ela domina a vida e reina sobre as coisas. É ela que morre de “amor...” enquanto ele morre do “dever...” É verdade que ela partiu para longe. A piedade a levou e nisto está o crime, a fraqueza da sua vida. Mas ela lutou por se libertar, e voltou livre, radiante, dominadora... Ele curvou-se à necessidade social duas vezes, a primeira deixando ela partir, “quando ela não tinha filhos”, e portanto o que se chama a vergonha “social” do nome não iria recair sobre inocentes, e estes não sofreriam do abandono... (tu me compreendes, meu sublime Amor). A segunda vez que ele foi infiel ao amor foi quando partiu para a guerra, para obedecer ao sentimento militar. Em ambos os casos se vê a “máquina social”, que depois de arrastar o indivíduo, o esmaga...

Mas a doce e pobre Helena! Que beleza o seu amor! Como ela se dá, e como para ela o mundo não existe fora do seu amor! E eu encontro, oh! Minha divina Nazareth idolatrada, um eco da tua sublime alma que é “ainda mais” transcendental, mais exclusiva, mais maravilhosa de paixão!

E que poema não escreverei que será o reflexo de todo o teu incomparável caráter, do teu amor inigualável e que jamais será comparado a outros!...

Quando me é dado na luz ofuscante do teu amor, ou no abrasamento da minha paixão, quando me é dado pensar em ti, examinar-te um momento, tudo é deslumbramento em mim, êxtase, admiração. O sonho, o ideal, a miragem, a fantasia, tudo que nos parece inatingível, eu vejo realizado em teu coração e em teus atos... E eu me ajoelho diante de ti, oh! Minha idolatrada Amante, na veneração profunda do Amor e da Paixão, de que tu és a sublime e suprema Encarnação, a poética, a divina Realidade! Adoração!

05 e meia. Interrompi a minha carta com a chegada do Armínio, que vinha a serviço. Depois veio o barbeiro, tomei banho e fui ao correio. Oh! Meu imortal e pobre Amor! Como as tuas palavras me quebraram o coração! Como tu sofres e te debates na prisão de uma existência contrária ao nosso amor! Eu sinto no mais profundo do meu ser, tudo o que tu sentes, e todo o mistério do meu sofrimento está exatamente no transporte de uma paixão incomparável, indomável, e que quer o seu mundo “exclusivo”, o seu reino, que é a vida eterna com a sua Amante idolatrada!

Vejo a afinidade das nossas impressões com a leitura do romance “Jean d’Agrève...” É o terror da separação! Mas nós não faremos “jamais como” esses pobres fracos amantes. Nós somos mais decididos, mais heroicos, ma Petite Chose adorée! E porque aquela mulher partiu “inutilmente”, e porque ela jamais foi franca, absolutamente franca com o seu amante? Todo o mal, toda a desgraça do Amor vem em geral da falta de franqueza absoluta, dessa estúpida reserva, desse “criminoso” medo de fazer o mal ao outro, e “que revela sempre a consciência atribulada”.

Oh! Helena, doce, meiga, transportada, louca, apaixonada, escondeu ao Amante toda a verdade de sua vida, da sua situação, e não lhe deu conta de todos os seus atos e intenções. Daí a fatal e irremediável “malentendu!” E se Jean d’Agrève, francês, portanto inferior em amor, preferiu cumprir o seu dever de soldado, Helena é um pouco responsável. Não pensas assim, Amor meu? Tu vês que o romance também me preocupa.

Vejo que estás inquieta da tristeza que me tomo neste momento. Não te sei explicar o que sinto. É estranho! Mas eu atribuo tudo à separação de ti, à tanta causa que te leva a outros rumos...

Oh! Meu infinito Amor, eu sei que tu és minha, eternamente minha, e a minha confiança em ti é absoluta, sublime. E não sei mesma explicar o meu estado de espírito! Só sei que a minha Paixão é única, soberana, e só em ti eu vivo. O teu divino olhar, as tuas doces e imortais carícias me darão a paz, e a harmonia... Eu te adoro, e te quero como eu te quero.

Na minha carta de ontem eu te havia pedido que fosses ver minha mãe depois da certeza da morte do irmão. Tu já a fizeste, como que adivinhando o meu pensamento. Minha mãe com certeza encontrou em ti um grande consolo porque a tua meiga bondade é infinita e angélica. Meu Anjo, minha suprema Doçura! Depois que fui ao correio almocei na legação da Alemanha. Éramos quatro ministros.

Hoje à noite jantam comigo, como te disse alguns colegas. Foi necessário fazer isto.

Sigo amanhã pelo trem de 02 e meia. Assim terei a tua carta que me consolará muito e muito. Aqui não precisa voltar antes de 21 de maio, e eu quero viver contigo o mais possível. Hélas! Que desejo impossível de realizar! E que todo o nosso mês de maio seja glorioso, divino!

Ah! Meu supremo Amor, minha Beleza transfigurada e extraordinária, eu te tomo nos meus braços, eu te aperto muito, muito e eu me abismo em todo o teu se amoroso. Minha Paixão, alma de minha alma, até o nosso divino encontro no sábado, às 03 horas!

Amor! Adoração! Para a vida e para a morte!... Beijos, beijos, beijos...

(Haya para Paris)

Haya, 22 de maio de 1914.

02 horas.

Minha doce e amantíssima Petite Chose idolatrada, alma de minha alma, minha saudade eterna e suave! Minha gloriosa Beleza, esperei até agora inutilmente a tua carta de ontem!... Ainda não chegou, e eu estou ainda mais triste de partir para Amsterdam, sem esse grande consolo. Parece que a separação é maior e mais dolorosa. Mas antes de partir passarei no correio e talvez seja desta vez feliz!

Sigo para Amsterdam às 03 horas, porque o “cercle” é às 6h30min, em seguida o jantar e depois concerto, de modo que tenho de dormir ali. Amanhã voltarei cedo, antes do almoço. Aqui na Haya tenho um concerto (que mania!) amanhã à noite e a isto limitam as festas aos Reis.

Como te disse, quarta-feira há uma importante sessão da Corte de Arbitramento, e só na quinta-feira voltarei a Paris, a ti, à minha vida eterna e única!

Foi singular que o acaso nos levasse ambos ao “Bois” na tarde de anteontem, e que nos víssemos pela última vez, na triste banalidade da avenida das Acácias!

Depois daquele chá no Ritz, Mme. Amoroso Lima quis nos levar ao “Bois”, e quando ali cheguei, vendo a Paulo, desci do automóvel para o felicitar pelo seu aniversário. Momentos antes eu havia dito que ia ver a Paulo, e assim o visitei na avenida dos “rastos”. E neste momento tu passaste, Amor, e nos olhamos... Para onde foste? Nunca mais te vi, porque voltei na direção que levaste, voltei só, e tu não tornaste... Nada te direi do meu estado de espírito que tão bem conheces...

A minha viagem foi aborrecida. Aqui chegando tive que aturar os secretários até quase meia noite. Exausto, deitei-me. Pela madrugada me acordaram para me entregar um telegrama do Lauro em resposta ao meu, e nestes termos de paz e de amizade: “Melhor, agradecido e saudoso, Lauro”. Fiquei comovido e tanta coisa passada me veio à recordação... Ah! Meu doce e divino Amor!

Ia me esquecendo de dizer-te que trabalhei na “Peça”. Não preciso mais de elementos fatais e de coincidências. Basta-me o caráter exclusivo do pai, o ciúme, o amor exagerado à filha, a inquietação diante do desconhecido, desse homem que vem pelo ar, e é o mistério. Explicar-te-ei melhor. Vai bem e eu achei o símbolo, nos dois contrastes; o “pássaro” é o espírito errante, incerto, moderno; o velho é a tradição, a raiz, a terra perpétua. E assim está acabado o “romonçon”, como tu bem definiste a primeira ideia, e entramos na filosofia, na poesia, na novidade. Não te posso mais escrever. Chega o Armínio! Que prisão! Tu és a minha vida, a minha glória, a minha eternidade. Adoração, amor, amor!

E eu cubro de beijos infinitos o teu maravilhoso corpo.

(Amsterdam para Paris)

Amsterdam, 22 de maio de 1914.

Sexta-feira, 05 horas.

Bracks Doelen Hotel.

Meu doce Amor! Minha Luz, minha Esperança, acabo de chegar a este Hotel, depois de viajar com alguns colegas, os ministros de França, Alemanha e Rússia

Tu vês que a solidão é impossível. Aqui está cheio do pessoal da Corte, e o hall do Hotel brilha em uniformes!... Mas eu estou no meu quarto, onde vou tomar sozinho o chá e enquanto tenho alguns minutos venho mandar-te todo o meu pensamento de Amor e de Paixão e toda a saudade do meu pobre coração. Antes de deixar Haya fui de novo ao correio e nada recebi... Começo a ficar inquieto. Terias adoecido? Terias tido impossibilidade de mandar a tua carta ontem? Neste caso terias telegrafado... Faço todas as conjecturas que a separação e a tristeza inspiram... Amanhã irei cedo à Haya e antes de ir ao hotel passarei no correio.

Como a vida é dura e má! Ah! Minha Petite Chose, como está a minha alma dilacerada! E eu prometo a mim mesmo uma grande força, e uma divina paz na incomparável paixão que te tenho. Oh! Eu terei a energia para o que for belo e sublime e doce, porque eu te adoro, eu te adoro, e toda a minha vida és tu, e se tu sofres de mim, como eu poderei ser feliz e mesmo resistir? Eu sei que o Amor cura as feridas que o Amor faz, e só ele é grande e misericordioso. É uma maravilha!

A tua esplêndida beleza enche a minha saudade. É uma glória! Eu me inclino sobre os teus olhos extraordinários, eu aspiro o teu hálito de paixão e eu bebo a divina e mortal volúpia na tua boca, no teu corpo imortal! Adoração! Meus beijos, meu êxtase, minha vida eterna!

Para a morte! Para a vida!

(Amsterdam para Paris)

Amsterdam, 23 de maio de 1914.

Sábado, 09h30min da manhã.

Bracks Doelen Hotel.

Minha doce e sublime Amante, minha Petite Chose adorada, eu te adoro!

Vou partir para Haya e sôfrego por notícias tuas.

A noite de ontem foi extenuante. Às 6,1/4 estava no Palácio. Houve o “cercle” do Rei, depois o cercle das Rainhas, e o jantar começou às 07h30min. Depois fomos à representação de gala no teatro, que consistiu em concerto e quadros vivos com relação a história da Dinamarca e Holanda. Nada de extraordinário, e muito mau gosto. A peça de resistência do concerto foi a “Vida do herói”, de R. Strauss, que como tudo que ele faz é desigual, há beleza e mau gosto, há inspiração e “recherche”. Foi uma peça mal escolhida e que cansou muito. Enfim só à meia-noite e um quarto estava eu no hotel! E assim passei seis horas de uniforme, e estou hoje com o corpo sentido, mas minha energia vence tudo, e já estou pronto para partir. De tudo isso a única impressão agradável foi o golpe de vista do jantar. A sala é realmente imponente e característica, desta arte holandesa sóbria e realista. As mesas estavam esplendidamente guarnecidas, e muita rosa, tanto que me fez sonhar... Junto de mim havia este pequeno buquê que acariciei todo o tempo como se eu acariciasse a tua divina cabecinha! Aí vão já mortas estas rosinhas... Elas guardam a doce cor do encanto, elas são a relíquia do pensamento de um amor incomparável e eterno!... Eu as beijei com toda a alma e os teus sublimes lábios colherão os impalpáveis desejos da minha boca, de todo o meu ser! Adoração!

Até mais tarde, da Haya, oh! Minha Amante e imortal!

(Haya para Paris)

Haya, 23 de maio de 1914.

Sábado, 03 e meia.

Alma de minha alma! Minha eterna Amante, minha divina beleza. Ao meio-dia cheguei à Haya e fui diretamente ao correio e tive o doce encanto da tua sublime carta e do teu consolador telegrama! Tu me escreveste a carta que eu esperava do teu incomparável amor, e tu foste fiel a ti mesma, à tua maravilhosa paixão, aos extraordinários e belos sentimentos do teu amantíssimo coração, e ao teu gênio inconsciente e por isso natural e único! E eu me sinto apaziguado e confiante para te transmitir toda a minha alma e recolher toda a tua meiga, sensível e divina alma!

Eu te adoro numa sublime paixão e eu não quisera jamais que em ti o Amor não fosse sempre a glória e o bem supremo! E oh! Felicidade inaudita! Eu me orgulho de ver que no meio das nossas desgraças, em plena tragédia, tu mesmo proclamas a tua felicidade, e tu sentes esse encanto, esse êxtase íntimo, profundo, eterno, que só o Amor glorioso pode dar ao ser humano! Bendita sejas tu, mulher incomparável, eleita do Amor, que vive da sua Paixão, e que sabe amar, como ninguém no Universo! Cada vez mais, se é possível, eu me sinto teu, eu sei a extensão do meu Amor, as razões eternas do seu exclusivismo, e se eu não posso nem devo trair a mim mesmo, e se por acaso eu me manifesto um pouco em desacordo contigo, doce “Petite Chose”, é ainda em nome do Amor, e pelo impulso indomável da minha Paixão!

Não penses que o meu “gênio” mudou, que o meu temperamento se tornasse mais exigente... Não, meu Anjo, meu Bem... Não. E que entre nós, a confiança é definitiva, única, absoluta, e tu vês toda a minha franqueza.

Quando nós nos unimos PARA A ETERNIDADE, no começo da revelação sublime, eu tive a feliz intuição do teu ser excepcional e maravilhoso, e nada “exigi de ti”, deixei que o Amor te criasse no mais profundo da tua essência... E pouco a pouco, se bem que vertiginosamente (tu me compreendes) tu fizeste a “Viagem Maravilhosa”, e tudo se transformou aos teus olhos extasiados. E não houve jamais espetáculo mais divino do que essa gloriosa ascensão da tua alma, e essa apuração sublime do teu lindo corpo, de todo o teu ser.

Foste tu mesmo que numa evolução incomparável, porém absoluta, decisiva, revelaste a tua nova imagem. Foste tu mesmo que fizeste do Pudor, a divindade veladora da tua Beleza, que fizeste da tua nova existência o espaço maravilhoso em que devia se mover o teu espírito iluminado, tudo nasceu de ti, a composição ideal da tua imagem, oh! Amante, amante!

E se eu fui o teu Inspirador, o teu Mestre, o teu Deus, tu sabes bem que também fui o espectador deslumbrado dessa criação sem par!

Ora, que sublime representação não tenho eternamente de ti, minha Adorada?!...

Acostumado a esse deslumbramento, eu tenho uma segurança absoluta em ti, eu hoje sei o que pensar sobre todas as coisas, e como o teu pensamento é nobre, é poético, é grandioso, é doce, é fiel aos teus sublimes sentimentos, e eu sei como tu procedes em todos os casos. Pensamento e ação, quando assim em profunda harmonia não é o que constitui o maravilhoso caráter da minha idolatrada Santa?...

Antigamente, repito, eu não tinha esse conhecimento tão íntimo e tão seguro, e tu não tinhas tido a gloriosa transformação, ou melhor, a criação do teu Ser, que a Fatalidade marcou para um destino de Paixão incomparável e imortal! Hoje tu és esse Ser que se imagina, que se sonha, que se chama em seus pensamentos e em seus desejos, Ideal, Ideal!

Tu sabes... A imagem divina, o anjo, a beleza, a santa, a inacessível, o infinito de amor e de pureza...

O teu reino “não é mais” desse mundo a que tu pertenceste, pobre criatura inconsciente, hoje gloriosa alma, maravilhoso Ser de Paixão e de vida e de consciência...

E se por acaso um ato teu, um gesto que por mais insignificante não me parece corresponder à tua Realidade profunda, à tua Imagem, a minha surpresa é imensa, e eu a manifesto na “sincera” espontaneidade do meu Amor...

E aí está a explicação do que se poderia chamar a minha exigência. Tudo vem da sublimidade a que atingiste, e da qual eu não posso te ver apartada um instante... É, Amor meu, a homenagem, a veneração a ti, a fidelidade ao meu próprio êxtase, que és tu...

E para sempre tu me compreendeste! Minha Coisinha idolatrada, meu Nada, meu Tudo, eu te aperto nos meus braços, meus olhos se abismam nos teus, minha boca se une forte e docemente à tua, e tudo é a divino esquecimento no transporte maravilhoso da Paixão, Adorada, Desejada, eterna, eterna!

Estou aqui numa desoladora solidão, em que tenho o consolo de pensar em ti, mas torturado pela saudade.

Onde estás? A tarde está descendo, é a hora do teu chá... Estás com minha mãe? Estás?... Onde estás?

Eu vim muito fatigado de espírito e de corpo. Fez horrível calor essa noite em Amsterdam, pela madrugada veio a tempestade, e hoje refrescou. Chegando aqui, não quis ver ninguém. Tomei um longo banho, almocei no meu salão, e relendo, relendo a tua incomparável carta, sentindo em mim a vibração sublime do teu amor, fiquei até agora muito quieto, deitado, em profundo silêncio e dele sai para te escrever o que vim te dizendo misticamente há longas horas... Adoração, meu supremo Amor!

Sim, na tarde do Bois, eu devia estar de uma palidez mortal. Tu sabes como eu sofri, e ao chegar no Ritz, oh! Inferno, eu tinha a impressão de ter espalhado ali a impressão da morte... Mas agora fico triste pensando que notaste o meu sofrimento, e que dele também sofreste. Está tudo passado... Eu sofri?... Não me lembro... O que eu sei é que sofro de uma saudade infinita dos teus beijos, dos teus êxtases, da tua divina expansão de amor e volúpia... Oh! Desejo!...

Tu me consultas sobre Byron (esta transição brusca é um esforço para não sofrer demais, e para continuar a conversar docemente contigo.). Deves lê-lo. É imenso. Ele trouxe a poesia, o romantismo exuberante, a nota da paixão contra a sociedade, a revolta. Não é o mais “poético” dos poetas, mesmo ingleses, porém é o mais “eloquente”, e se isso é uma relativa inferioridade, foi também o imã do seu prestígio e da sua influência. A sua vida foi extraordinária, e ele é um inquieto, um errante. Shelley é mais poeta, Keats é mais divino, porém Byron teve maior ação, e por isso Goethe o admirou tanto que fez do seu “Euphorion” (Fausto, 2ª parte, oh! tu sabes isso mais do que eu!) a imagem dele. E o que é maravilhoso é a fertilidade, a criação contínua. Não é singular que os românticos fossem todos assim? Vê Victor Hugo, Lamartine, Musset, que precocidade! Hoje os maiores gênios como Ibsen ou Tolstoi não produziram com essa vertigem. Por quê? Reflexão? Maior cultura? Influência da ciência?

Lê Byron, já que não podes ler o “teu” Shelley. Mas tu lerás porque ao chegar aí te darei. Que idiota esse estúpido inquisidor!...

O artigo do Arinos é uma polêmica de viagens no Brasil. Felicitei-o porquê o artigo está muito bom, está decisivo e porque gosto de animar a todos.

Hoje à noite tenho ainda um concerto em honra dos reis da Dinamarca. É a última coisa.

Agora vou me vestir para levar esta ao correio. Oh! Como me faz bem conversar “assim”, com toda a alma contigo, meu sublime Amor!

Até amanhã, doce Petite Chose! Por que eu te acho tão doce, tão meiga, tão irreal de bondade, de paixão? Por que essa deliciosa e divina sensação? Amor, amor, tu és o Amor! Eternidade, adoração. Beijos, beijos, todos os meus apaixonados beijos!

(Haya para Paris)

Haya, 24 de maio de 1914.

Domingo, 12h30min.

Meu divino e doce Amor, minha meiguice, minha Petite Chose adorée! Tua carta da noite de anteontem e da manhã de ontem é um encanto, um sonho, um ideal! Oh! Que orgulho eu sinto em te ver assim, amante sublime, alma transfigurada, realidade profunda e etérea visão!

Imagina a minha extrema comoção, e as lágrimas que tu chamaste como desabafo da angústia, estão correndo docemente como alívio do coração magoado!... Eu te adoro apaixonadamente e aquele esforço de me conter me fez um grande mal, como tu compreendeste da minha primeira carta. Mas desde ontem depois de te escrever como é do meu imenso amor, e de toda a minha alma que é tua, sinto-me melhor e mais consulado. Não falemos mais nisto, Amor meu! Dá-me a tua boca de doçura e de volúpia, dá-me o esquecimento na tua maravilhosa paixão. E assim, eternamente unidos, vivamos na glória e no êxtase! Como tu és bela extremamente bela, e como a tua linda e sublime imagem vive em mim!

Oh! Adoração de todo o meu ser, bem-aventurança do amor, encanto, transporte do sonho! Oh! Idolatrada, agasalha-me na tempestade do Amor, e eu te conduzirei para além, para a beleza, para a suprema revelação da maravilha.

Como tu és dócil, “mon enfant adorée”, e como os teus olhos divinos refletem a beleza eterna!

E assim curvado sobre ti, Petite Chose idolatrada, deixa-me contar a minha existência e o meu coração.

São 03 horas. Interrompi-me para ir almoçar com o ministro americano, em família. Ele é um velho poeta americano, professor de Universidade, que fez notáveis conferências na Sorbonne sobre o “gênio americano”, e que improvisaram ultimamente em diplomata. Como já te disse ele se entende muito bem comigo, e como nós temos uma seria questão na Corte de Arbitramento, quarta-feira, a questão que sabes com a Fundação Carnegie, pediu-me ontem à noite, que viesse almoçar para conversar.

Foi um almoço de família, a mulher que é uma velha surda e que parece boa na sua grande fealdade, uma filha de quatorze anos, e a última, uma agradável criança de sete anos. São muito religiosos (protestantes) e antes de começar o almoço houve a oração, mas todos sentados. O almoço em uma mesa “sem toalha” e servido com muita riqueza, correu simplesmente, com a tranquilidade familiar.

Depois do almoço, fomos os dois homens conversar e acabada a conferência que foi proveitosa para o Brasil, porque tive algumas informações confidenciais, vim imediatamente continuar o meu doce entretimento com o meu Amor.

Ontem depois que te escrevi vaguei solitário pelo bosque que é a dois passos da cidade. Ninguém, ou só vagos e raros desconhecidos. Era à tarde e o começo da noite. O canto dos pássaros que se recolhiam aumentavam o silêncio da solidão. Minha alma contigo, meu pensamento te buscando eternamente, e a tua gloriosa imagem... (nova interrupção!!) Veio o cacete Alcoforado que só agora me deixou.

São 04h30min. Tem pena de mim!... E a tua gloriosa e divina imagem na minha alma, na minha saudade. A melancolia é grande aqui. E foi com visível esforço que às 08h30min, depois de haver jantado às pressas tomei o uniforme para ir ao novo concerto. Este foi mais bem combinado e menos pesado.

Havia quadros vivos, mas de um modo original. Figurava a reprodução de um quadro de um pintor holandês, Dirk Hals, representando uma festa num parque. Havia damas e cavalheiros com os costumes do século XVI e uma mulher que “devia” cantar e uns músicos.

Pois bem. De repente a mulher canta e os músicos tocam umas velhas áreas holandesas. Foi um belo efeito, mas que não foi completo porque os “espectadores” não se moviam de suas atitudes, e era um singular contraste entre a “ação” de uns e a “imobilidade“ impossível de outros. E foi desagradável sob esse ponto de vista. O outro quadro foi mal dado. Era a representação de uma festa em honra de Bach. Houve “dentro do quadro”, danças, à maneira de Isadora Duncan, mas por umas meninas horríveis e desagradáveis, e dançando mal, muito mal.

Tu vês como aqui tudo é defeituoso, e como falta o sentimento estético. A parte musical foi melhor. Deram a “Ouverture” de Tannhauser, e depois toda a “suíte” de Peer Gynt.

Ah! Meu Amor, que emoção deliciosa e tormentosa quando se tocou a morte de “Aase”, justamente o trecho que tocaste na quinta-feira e de que me falaste em tua carta ontem recebida!

Como é belo esse canto plangente que a orquestra ainda fez mais triste e doloroso que o piano. Dir-se-ia o funeral da natureza do Norte. E como a “paisagem” é aí melancólica, fúnebre, mortal. E como os ventos gemem como murmuram os pinheirões, e um grande lamento, infinito, misterioso percorre toda a solidão da terra!

Em seguido a esse trecho vem à dança de “Anitra”. Tu a conheces. É admirável. Essa dança me dá uma impressão mais profunda do que qualquer dança espanhola ou italiana ou brasileira e sul-americana. É terrível, é angustiosa, é louca. É o dança que tudo arrebata, tudo transforma, que é o prenúncio da morte, porque os seus “arrancos”, os seus “ímpetos” são alucinados, há um frenesi íntimo, signo do aniquilamento último, a morte vem em seguida à volúpia, ao gozo animal!

Durante toda essa representação estive muito à parte. Senti uma grande tristeza e um imenso cansaço. A noite de Amsterdam foi extenuante, e o resto passado.

Entre os diplomatas ontem havia uma grande preocupação das questões aborrecidas de que te falei e assim no intervalo (um só) o entretimento foi só esse.

Sossega, Petite Chose adorée, teu amante é eternamente, gloriosamente teu! E só vive em ti e por ti, Anjo da Paixão, minha transcendental Beleza!

Às 11h30min estava no meu quarto. Tomei um pouco de chá e sandwichs. Deitei-me logo e “vivi” contigo. Acordei cedo e tornei a dormir, sinal de fadiga. Depois da “toilette” fui ao correio, e comecei o te escrever... Voilà... Como num círculo a vida do teu adorado. Agora te escrevo de novo, e vou ao correio. Depois irei ver os Guesalagas. Imagina! O meu cônsul, e voltarei ao hotel para jantar, talvez no meu salão.

Amanhã às 11 horas temos uma conferência na casa do ministro de França, em pequeno “comitê”.

Sabes?... O meu prestígio entre os colegas é sempre crescente e muito firme.

Tratando-se de casos complicados, como esse, somos cinco ministros que resolvemos, o francês, o russo, o alemão, o inglês e eu. A meu pedido eles acrescentaram o ministro dos Estados-Unidos. Conto-te isto porque tens prazer. Tu não és “minha?” e assim tu deves saber toda a minha vida e a minha situação, e isso é a unidade absoluta e sublime!

Oh! Meu doce Amor, agora eu te beijo radiante pela tua energia em recusar o passeio à avenue des Acocios. Esse e outros fatos e atos marcam a tua bela figura.

Tu me dás a impressão de Minerva (sejamos eternamente clássicos) criando o seu círculo com a sua lança, e afastando tudo que lhe ofende. É também a auréola da santidade, da beleza verdadeira e absoluto, que faz em torno de si a luz benfazeja e doce. Muito bem.

E tua boca, os teus olhos, todo o teu ser! Eu te adoro!

O que me dizes de Byron concorda com o que te disse ontem. Ele é o espírito da revolta, a ânsia, o paradoxo, o absurdo. E o contraste que achaste entre Byron e Goethe é perfeito. Byron é o Goethe do Werther, e aí ele recebeu toda a sua influência (o que ele confessa) e também em René (o que ele não confessa, e foi, sempre, o desespero de Chateaubriand).

Sim. Eu quero que discutas comigo, que digas toda a tua opinião. Tu és a melhor e mais admirável sensibilidade estética que jamais conheci.

Toma nota desse meu decisivo conceito e vê como te considero e admiro.

Tu vais ver a tua influência em mim, nessa “peça” que farei e que sairá bela, “original” e forte. As tuas objeções me fizeram bem. Foram como marteladas que fizeram saltar o ouro escondido na pedra e com esse ouro, fagulhas de luz! Meu Amor, meu Amor, por que estás tão longe? Como eu te busco! E como eu te vejo!... Não há um instante em que estejas sem mim, e tu és para mim como o misterioso Anjo da Guarda!

Espero ansioso amanhã a tua carta de hoje.

Que tal a “ido” à igreja? Por quê?

Vou ao correio. Tu és a minha vida gloriosa e a minha doce e sublime Amante. Eu te beijo longamente, com toda esta minha paixão imortal!

Beijos... Oh! Que saudades infinitas. Até sexta-feira... Como é longe! Beijos, beijos!

(Haya para Paris)

Haya, 25 de maio de 1914.

Segunda-feira, 04 horas.

Minha doce e idolatrada Petite Chose, alma de minha alma, oh! Minha vida eterna, tua cartinha de ontem de manhã tão meiga, tão amorosa, tão profunda e tão triste me comoveu muito, muito. Oh! Minha divina e sensível Amante, eu compreendo o mal que te fez não teres saído com minha mãe e Nuta, e a decepção que elas te deram de não ir tomar chá contigo! Tu deves sofrer, como eu sofro vendo esse “prestigioso terror” da megera... Eu sei que elas não fizeram reserva expressamente. Não. Queridas criaturas (sejamos justos!) que te amam e veneram, mas elas temem a megera, procedem em relação a ela como se fosse uma pessoa estranha ou de cerimônia, pois um convite teu tem precedência, tratando-se de gente de casa. Elas deviam ter a coragem ou a tranquilidade de aceitar e dizer à megera que visse ou fosse fazer outra coisa... E contigo que tens sido para elas o anjo que tens sido... Fez-me mal isso, embora eu saiba o fundo de tudo, e esteja seguro que não foi falta de atenção ou diminuição de estima. Mas ainda assim...

Oh! Eu farei sentir isso a minha mãe, que está tendo uma atitude subserviente diante da megera, o que não me agrada.

Tu não deves fazer outro convite, nem te mostrar zangada, (e não deves estar, Amor) fica esperando que elas te procurem. Como eu estou cansado com todos!

Imagina que não escrevo a ninguém da família. À megera só mandei uma “pequena” carta no sábado e só! Telegrafei ontem a Temístocles, que parece ter de partir em junho.

Ah! Meu Amor infinito, como eu te adoro! E como eu sofro de te ver sofrendo.

Não. Pensa em mim, em nós, na eternidade da nossa paixão, e na beleza dos nossos sentimentos!

Cada vez mais, se é possível, eu sou teu! Há uma força de amor, de criação, de poesia em mim que eu quero derramar em tua alma... Sim, em teu espírito, em todo o teu ser.

Como nós temos nos amado! Mas como nós nos amaremos ainda! Tu vais ver, meu Anjo, meu Tudo! A tua melancolia me entristece muito, extremamente, e eu não sei como me desfazer mais em expressões de amor para te consolar e para te dar toda a minha essência, toda a grandeza dessa Paixão! Eu te desejo, eu te quero ardentemente e só em ti vivo e sou heroico! O “resto” não existe. Parece que cada vez sou mais concentrado, e não me é possível suportar os outros.

Eu sei que eu não posso ser mau, mas eu posso viver só e contigo eternamente ou na divina presença real ou na magia do pensamento!

Ouve agora a relação de toda a minha existência neste degredo. Ontem depois que te escrevi fui ao correio e de lá a casa dos Guesalagas. Estavam a família e dois ministros sem as mulheres. Eram 6,1/4. Aí estive até 06h50min e vim a pé para o hotel. Fazia frio e o tempo era de uma imensa tristeza. No hotel trabalhei um pouco na “peça”. Despi-me e jantei no salão às 8,1/4. Às 10 horas estava deitado. Não veio ninguém. E como eu pensei em ti, em nós!...

Que saudades, que martírio e que beleza!

Não sei quando dormi... Pela madrugada acordei e assim levei em sono e em sonhos e em vigílias até às 08h30min. Trabalhei de novo na “peça” (ça marche bien!). E depois do café, barba, banho, saí às 11 horas para a conferência. Estavam aí, em casa do “doyen”, que é o ministro da França, apenas os representantes das seis grandes potências europeias, dos Estados Unidos e do Brasil. Trabalhou-se bem, até 1 hora. Vim com o ministro americano que almoçou comigo. Dedicou-me às 02h30min e eu fui logo ao correio.

Oh! Tua triste e bela, muito bela cartinha, minha sublime Coisinha! Lá fui à legação e tive a força de ditar um ofício, de preparar um importante telegrama ao nosso governo, de dar algumas instruções. E vim para o hotel para derramar a minha alma no teu divino coração! Eu só vivo por ti e em ti. E a própria arte não é para mim hoje senão um reflexo de tua alma, uma expressão do meu amor! Quando essa infinita tortura da separação terminará para nós?... Já é demais! Como eu compreendo o ímpeto dos amantes que fogem a tanto sofrimento, a tanta angústia inútil... Só a piedade pelos outros nos tem retido... Que imenso sacrifício... Amor, amor, que melancolia! Foi o ritmo inicial da nossa paixão! Recorda-te, meu Tesouro?...

Ainda tenho de te deixar... Agora à tarde temos uma conferência com o ministro do Exterior paro comunicar-lhe o resultado da nossa deliberação desta manhã. Somos quatro os encarregados dessa missão. Tu vês que eu trabalho!... Mas esse trabalho é contra a minha natureza, contra os meus desejos, por isso ele me fatiga e aborrece.

Mandei telefonar para o Diretor do Lloyd Holandês, de Amsterdam, para saber quando chega à Boulogne o vapor que traz teu pai. Respondeu-me que quarta-feira, 27, de 8 horas a 11 da noite.

Assim presumo que só irás à Boulogne na tarde de quarta-feira, e não amanhã como pensavas. Tu me dirás em carta. Escreve-me “só até” terça-feira. Quarta, telegrafa, pois pretendo seguir daqui na quinta, às 9h30min da manhã.

Dize-me a que horas nos veremos sexta-feira. Tu sabes a minha ânsia de estar o máximo contigo... Nós precisamos, Amor eterno! Eu te escreverei até quarta. Oh! Como eu te sinto minha! E como eu te desejo e te devoro de beijos... Oh! Paixão!

(Haya para Paris)

Haya, 26 de maio de 1914.

Terça-feira, 05 horas.

Minha Amante sublime e incomparável, minha Luz, minha esperança, minha eterna Magia! Esta manhã antes do almoço recebi a tua linda, maravilhosa e “única” carta de domingo e de ontem e tudo em mim é ressurreição e glória! Como tu és profundamente amante e quando eu medito sobre as “outras”, nenhuma é tua igual, nem Madalena (servir!) nem Heloísa (escrava, discípula e mais que mulher) nem Francesca (fascinante, extática e trágica) nenhuma foi tão completa como tu, minha idolatrada Santa da Paixão. A tua carta me arrebatou pelo amor que puseste nas suas belas e felizes expressões e pelo profundo, intenso, alto e raro sentimento que a inspira. És toda tu, essa doçura, essa meiguice, essa música suave e melodiosa do coração. Há uma “passividade” sublime em tua alma de amante que me exalta e me comove. A “revoltada” é o êxtase, é a doçura, é o extremo de ternura, de aniquilamento, de abdicação no amor! E eu te adoro, e todo o meu ser se abisma nesse oceano de paixão que és tu, minha divina Beleza! Assim, assim, eternamente assim, unidos, confundidos, sentindo a mesma vida, vivendo o único e mesmo amor! Tu és a minha alma, e em ti a minha glória, o meu esquecimento, o meu encanto, a minha força e a vitória final, antes de chegar o instante da nossa morte unida... E num infinito e ardente beijo eu te dou o meu ser.

Além de todo esse êxtase que me deram a tua alma e o teu sagrado e incomparável amor, veio também da tua doçura e da tua bondade, um sentimento de “reconciliação” com minha mãe!

Tu viste pela minha carta de ontem como eu estava magoado com o medo delas e revoltado diante do terror prestigioso da megera. Eu sei que elas são boas, que minha mãe te adora e te prefere... (é minha mãe, é uma criatura excepcional e te compreende e te adivinha, mas essa atitude de reserva, esse constrangimento me tem afligido). E eu não posso te ver sofrer... E nem suspeitar que tu sofres, sem ter uma imensa dor, e ver tudo acabado, sem beleza, sem alegria, sem encanto.

Não és tu a Alegria, o Encanto, a Beleza?...

Se tu sofres, eu me sinto morrer, e como eu passei ontem o dia! Oh! A tua carta é a libertação diante da opressão do infortúnio, e eu te sinto feliz, e eu choro de alegria!

A nossa alma é feita dessa rara sensibilidade. Sejamos fiéis a nós mesmos, e não nos contrafaçamos, porque eu sei quanto custa e como dói esse esforço de escondermos um do outro os nossos profundos e magníficos sentimentos. Oh! Jamais, jamais, eu farei a reserva, mesmo por delicadeza e respeito a ti, seria mortal! O nosso amor é uma torrente impetuosa, é a divina e bela Fatalidade. Como contrariá-lo? Contê-lo? Desviar o seu livre curso? Opor um pequeno ou mesmo formidável dique?

Ele tudo vence, e se o retivéssemos ele nos mataria e a beleza, a beleza da nossa Paixão, e da nossa Morte? Que seria dela?...

Amor, tu és imortal e nós te obedeceremos para a eternidade! Petite Chose ideal, eu te beijo com a minha paixão, beijo esse teu maravilhoso corpo, meu êxtase, minha transfiguração, porque quando o contemplo e quando o toco, e “vivo” nele, eu sou um Deus! E em tua alma eu subo, subo, e tudo é luz e poesia.

Todo o meu ser está numa íntima e bela exaltação depois da tua maravilhosa carta e diante da divindade da minha doce e sublime Amante. E eu, desde manhã quis te escrever, mas tenho andado tomado pelo serviço e só agora fugindo da legação, vim te mandar a minha saudade infinita e os murmúrios da minha Paixão.

Ontem à tarde às 05h30min tivemos a conferência com o ministro dos Estrangeiros. Éramos quatro ministros, delegados do corpo diplomático. A situação estava grave e insolúvel, porque se tratava de capricho, teima e mau humor, de parte à parte.

Oh! Minha Santa, tu me conheces... No meio da discussão eu tive um daqueles rasgos do meu temperamento generoso e pude ser feliz encontrando uma solução de acordo, que me pareceu digna para todos e em que a outra parte que era vencida não ficava humilhada demais como eles queriam. E ali mesmo, vencendo um pouco a resistência do ministro alemão, propus uma fórmula, que o ministro de Estrangeiros aceitou, e hoje o acordo está firme, a paz vai reinar no Palácio da Paz, e nós escapamos do ridículo de abandonar o edifício e nos apresentarmos diante do mundo inteiro como gente de discórdia... Estou satisfeito comigo mesmo. Amanhã é a sessão, e quinta-feira, como te disse, às 09h30min, vou correndo para os teus carinhos que são toda a minha vida... Como o tempo custa a passar e como está ainda longe sexta-feira! Assim tu me dirás a que horas nos encontraremos.

Repousa bem na quinta-feira, porque a viagem a Boulogne vai te fatigar muito. Fizeste bem em tomar cômodos no “Langham”. Sempre me pareceu o mais sensato e conforme os gostos de teu pai. Ele depois resolverá. Ando preocupado com esse frio que está fazendo por causa dele em alto mar, e sobretudo aí na Mancha. Toma cuidado, muito cuidado com a viagem a Boulogne e “teme” o ar frio do mar, quando fores a bordo. Os vapores costumam ficar longe, e era noite. Que maçada!

Não te disse ainda que ontem depois da conferência vim para o hotel, aqui jantei só, e muito triste, às 10 horas estava deitado. Hoje tive muito serviço na legação porque amanhã há sessão da Corte de Arbitramento e quero tudo pronto para partir na quinta-feira cedo.

Meu divino Amor, vou levar esta ao correio para que a tenhas sem falta amanhã cedo. Vai “expressa”. Eu te adoro. Tu és tudo, tudo para mim e cubro-te de todos os meus beijos apaixonados e infinitos.

Adoração. Fidelidade. Eternidade. Paixão.

(Haya para Paris)

Haya, 27 de maio de 1914.

Quarta-feira, 02 horas.

Meu divino Amor, alma de minha alma, minha Beleza sublime e extasiada! Eu te beijo docemente e no ardor da minha infinita e incomparável Paixão!

Há uma misteriosa e suprema ternura que vem do teu maravilhoso ser e que me envolve, me encanta, me transporta e me faz te desejar ainda mais (se isso fosse possível!)

Tu és todo Amor! Tu te dás ao teu Amante no sublime êxtase, na doce doçura, na aspiração imortal, na profunda e transfigurada volúpia... Oh! Magia! Oh! Sonho! Oh! Ideal!

E como eu me sinto divino e todo mergulhado nesse mar de amor que és tu!... E há uma luz infinita, meiga em nossos olhos, e tudo o que vemos é belo e único.

Como eu te quero assim, eternamente assim... Como eu me sinto feliz na perpétua, definitiva e absoluta comunhão das nossas essências!

Não te posso mais dizer como sou teu e como eu te idolatro! Tu sabes... E tu sentes, ma Petite Chose adorada!

Esta manhã logo ao acordar tive a boa e consoladora surpresa de receber este cartão de minha grande mãe. Compreendo tudo! A suave impressão que a tua divina essência lhe havia dado, e que ela pensava “intensamente em mim” durante o tempo em que estava contigo. Isto me comoveu porque eu senti que a “sua alma nos abençoava”... Mando-te o cartão, e tu terás a mesma sensação e como o teu nome é ali repetido.

Depois, às 11h30min, indo ao correio tive a tua encantadora e sublime carta da manhã.

Que doce e bela paz em tua alma divinal que transfiguração que “santidade”, no que esta expressão tem de mais profundo, mais místico... Minha alma musical... Poesia sublime, Amor! Amor!

Assim em êxtase, ainda fiz algum serviço esta manhã na legação, preparando a minha partida. A 01h14min tornei ao correio, e tive a tua segunda carta, de ontem à tarde. Vejo que partiste esta manhã, e que a esta hora estás nessa triste cidade de Boulogne, que conheço, e que vês o mar. O meu Amor e o Mar! Quanta recordação, quanto sonho, quanta cisma e quantos beijos frementes e quanta volúpia na tragédia do nosso Destino, sobre o mar!

Tu me dirás os teus fundos e altos pensamentos depois de amanhã, às 11 horas, aí no nosso sagrado recanto... E eu sonho com o êxtase da nossa Paixão nos seus sublimes transportes...

Vou te deixar para ir à sessão do Tribunal, que pode acabar muita tarde, e quero pôr esta carta no correio lá.

Sigo amanhã às 09h30min, e sexta-feira às 11 horas tu me darás a tua beleza que me deslumbra... Amor e Paixão!

Oh! Tu és incomparável, único, um anjo, um gênio, meu Amor, espera o teu Amante que morre e vive por ti. Adoração. Eternidade. Meus beijos, meus beijos em todo o teu corpo maravilhoso. Amor!

(Haya para Paris)

Haya, 08 de junho de 1914.

Segunda-feira, 09 da manhã.

Minha divina exaltação, minha gloriosa beleza! Todo o meu ser profundamente maravilhada do teu amor te busca e te adora! Aquela grande e deliciosa e magnífica jornada de sábado foi, no meio da nossa tragédia e na miséria de uma parte da minha existência, uma imensa consolação e um deslumbramento.

E oh! Milagre da paixão e da beleza! De tudo o que de repugnante, mesquinho e horrível me foi dada presenciar pouca lembrança me resta, porque as meus olhos, a minha memória, os meus ouvidos, todos os meus sentidos estão sob a eterna e forte e transcendental impressão da Beleza que me foi dado contemplar e “viver”, das carícias imortais que dei e recebi, da música murmurante e exaltado que recolhi, e dos êxtases infinitos em que desfaleci gloriosamente e ressuscitei na eternidade do amor!

Eu tenho a singular sensação de que o ente que sofre e é martirizado é outro... E não eu... E uma imensa piedade me vem da vida que esse outro meu ser posso... Enquanto eu na profunda realidade sou tão feliz e tão adorado!

Quando eu te deixei, meu divino Amor, vim do Trocodero o pé até à casa.

Percebi que a megera estava, mas como tinha a porta do quarto fechado, e não havia luz no apartamento, deixei-me ficar muito tempo no salão, lendo o jornal do tarde. Só depois de 08 horas é que lhe apareci. A velha megera fingiu-se de doente com pretexto para não sair. Estava horrível! Lívida, cadavérica, os olhos esbugalhados e maus, a boca contorcida, o crânio pelado, as mãos hirtas... E arfando e gemendo, simulado, histérico, declarou que não podia descer para jantar... Tu imaginarás o doloroso e acabrunhadora impressão que eu devia sentir, depois de sair do nosso êxtase e sob a complexa sensação do deslumbramento, do prazer e da tristeza e da saudade... Como é duro e difícil viver assim! Afinal chegou Mme Bandeira. A megera, antes que ela subisse foi logo exigindo não ir a tua casa... Miserável!

Mme Bandeira entrou e “ela” se resolveu o vestir-se. Fomos jantar. Aí a princípio eu, por esforço heroico, pude conversar e disfarçar, mas a infame mulher se vendo vencida não se conteve, e sem propósito, disse que “eu não era generoso”, porque estava exigindo dela sair depois do jantar sem a menor consideração ao seu estado de saúde! Naturalmente eu reagi e protestei contra o insulto, e ela sem pejo, sem dignidade, continuou a me acusar, estragando tudo.

Subimos, e aí eu tive de declarar formalmente que renunciávamos à visita. Pedi a comunicação para a tua casa e a megera, (oh! Infame e louca criatura) disse que estava pronta a ir. Vexame! Não sei o que pensa Mme Bandeira. Preciso ter com ela uma explicação decisiva e séria. Naquele momento eu me pude ainda dominar, e não me fazendo zangado, mas acentuando o idiota e incoerente e ridículo procedimento da megera, fui levando as coisas até a solução que viste, até a indispensável e desejada visita, cumprimento de boa educação. Que ironia! Felizmente em tudo isto, o teu nome não foi pronunciado em mau sentido, e a miserável se conteve de “proferir” alusões ao nosso amor. Mas a insinuação ficou, a raiva, a atitude de desespero, mostravam a fúria do ciúme! Que víbora perigosa! E o pior é que não há uma solução pronta e boa. Tudo é difícil e cheio de inconvenientes. Ela não tem a menor parcela de dignidade, e quando um ente não tem o pudor social, não há nada a esperar!

É indispensável que a velha megera, essa harpia da minha existência, fique bem conhecida e desacreditada.

É uma questão para mim de defesa pessoal!

E quero que tu fiques sempre acima, acima, intangível, soberana e divina. Conto para isso com o meu prestígio e com a minha calma e bom senso. Não temo a batalha.

11h30min. Interrompi para tomar banho, vestir-me e ir ao correio e telégrafo, de onde volto. Ainda não tive o teu telegrama e uma “possível” cartinha de consolação e esperança.

Que fizeste ontem de manhã? Campiègne? Fontainebleau? Chantilly? E a chuva?

Em viagem tive uma grande tempestade, cerca das três horas. Pensei com pena que o passeio de vocês estivesse estragado, e te vi depois, triste, prisioneira, sem poder sequer, escrever-me uma linha, e a pensar, a cismar, a recordar! Pobre e maravilhoso Anjo! Meu delírio e minha vida!

Sabes que teu grande pai está cada vez mais íntimo comigo? Tenho esta impressão. Tu viste como ele me abraçou muito à minha chegada à tua casa? E depois esteve sempre muito interessado e atento à minha conversa e fez-me a “confidência” dos telegramas políticos que está trocando com o Pinheiro Machado, e pediu-me a minha opinião e orientação. Viemos juntos para as nossos hotéis e ele continuou sempre a conversar da política de São Paulo. Pediu-me que fosse para Evian, fazer ali a minha cura!...

A megera perfidamente indagou de todos os planos e datas relativas a vilegiatura e viagens de vocês!... Por mais que eu, jeitosamente, quisesse embrulhar o caso, teu pai foi respondendo naturalmente. Que ordinária!

A “nota” do “Fígaro” não saiu ontem por falta de espaço. Deve ser publicada hoje e espero que saia bem e o teu velho e bom pai fique contente. Também providenciei sobre os lugares para a sessão da Câmara. Mandaram apenas dois, um fica para o Azeredo e outro para o Conselheiro. Renovei com insistência meu pedido para o Paulo e espero obter.

Antes de sair ontem de casa a megera (oh! estúpida e infernal criatura!) insinuou que poderíamos convidar a jantar no dia dos meus anos os dois velhos Azeredos, minha mãe, Nuta e Nhonhô, só! Imagino! Disse-lhe categoricamente que achava a sua proposta um desaforo, e que se houvesse um jantar nesse dia, os primeiros convidados seriam vocês, os meus maiores e melhores amigos. Quis discutir. Achei-a ridícula, idiota, e a desdenhei. Voltou à carga dizendo que achava melhor fazer-se o jantar com vocês, teu pai, os Azeredos... Além de minha mãe e os irmãos. “Assim” concordei, mas fazendo ela os convites e diretamente a ti... Que tal?... Mas eu teria prazer em jantar contigo sempre e sempre e nesse dia também. E para os outros não seria de mau efeito.

Vou almoçar e depois à conferência que é às 02 horas.

02 horas. A conferência é às 02h30min. Ainda tenho alguns momentos contigo e nisto está toda a minha existência quando longe de ti... E como eu te vejo em uma vida que “ainda” não é a que eu desejo para Aquela que é o meu orgulho, o meu Amor, a alma de minha alma, a Amante sublime e gloriosa! Tu sabes que eu me refiro à tua falta de liberdade e a essa eterna atenção que és obrigada a dar a gente vazia e fútil! Parece que nem podes pensar, sonhar, viver a divina e profunda vida interior que é toda a criação, a revelação, a ressurreição do nosso mais íntimo e admirável ser! E assim vai correndo o tempo... E tu lá vais a essa vilegiatura em que não terás o teu “próprio meio”, e sem um descanso, um instante de repouso, presa num torvelinho inquietante para mim... Oh! Minha alma, minha doce e idolatrada Nazareth!

Bem, meu Amor, não entristeças com essa minha observação. Tu mesmo o tens notado. É a fatalidade!

E como no meio desse temporal e desse vazio, tu tens feito prodígios de inteligência, de coração e de sentimentos incomparáveis e maravilhosos! Tu és admirável e eu te venero e te adoro, minha idolatrada e eterna Amante.

Vou agora à Conferência. Ainda há pouco, ao almoço, encontrei alguns delegados, e o sentimento geral é que tudo vai acabar amanhã. Mais tarde te direi.

06h30min. Houve a Conferência. Depois de terminada essa primeira reunião fui ao correio pela segunda vez. Eram 04 horas, o teu aceiado telegrama não havia chegado. Estive na legação despachando e às 5,1/4 passei de novo no correio, já estava a tua mensagem de amor e saudade. A Conferência de hoje foi uma decepção, porque vejo que querem (os holandeses) prolongá-la, e assim só amanhã à tarde terei certeza de partir na quarta-feira. Vai me escrevendo e quarta de manhã tu terás uma notícia decisiva. Ficarei muito, muito aborrecido de não poder partir antes de quinta-feira, e assim perco de estar contigo mais horas e de te ver bela e radiante na recepção das Ramos.

Que ei de fazer contra a má sorte, e a ganância dos holandeses que querem fazer prosperar os hotéis.

Eu imaginarei deliciosamente, tristemente a tua divina Imagem! Anteontem à tarde onde estávamos nós, meu Amor! Como tudo mudou! E que separação!

Estou mais triste agora do que quando esta manhã, comecei a te escrever...

Recebe todos os meus beijos ardentes e apaixonados. Eu te adoro e tu sabes que eu morro dessa imortal Paixão que é minha vida eterna!

(Haya para Paris)

Haya, 10 de junho de 1914.

Quarta-feira, 03 horas.

Minha idolatrada Santa, minha Doçura, Minha sublime Amante, que intenso e profundo desejo de receber as tuas infinitas, puras e voluptuosas carícias, de repousar sobre o teu seio amantíssimo, de me abismar nessa ardente, meiga e imortal paixão! Não sei, a tua carta de ontem tão terna e alquebrada me dá a sensação de que os nossos estados de espíritos são iguais. Eu te sinto fatigada da vida que levas, vencida de desejo e de saudade, aflita pelo repouso, pelo esquecimento, e ardendo pela liberdade! Pobre e divino Amor. Como eu te compreendo! Não és tu a minha própria alma? E tu deves saber como eu me “arrasto” longe de ti. É um grande esforço para carregar o peso da separação, e para permanecer neste doloroso estado em que o nosso Amor vive sem a calma ambicionada, sem a pura atmosfera “exclusiva” que ele reclama!

E quando eu pensava estar contigo amanhã, eis-me aqui, longe de ti, aspirando eternamente por ti, nesta inexorável separação que sempre chega mal!...

Ah! Ontem à tarde quando li a notícia da tempestade de segunda-feira à tarde em Paris, que tortura, que agonia! Era possível que tivesses sofrido alguma coisa e sem notícia, e sabendo que “nunca” eu teria uma notícia de qualquer acidente que possa ocorrer a ti, que és meu Tudo, meu Ser, minha Vida!

Essa triste imaginação me atormentou toda a noite! Como a nossa vida, apesar de toda a nossa admirável vontade e força, ainda está nas mãos estranhas!... Se eu vier a morrer longe de ti quando e como tu o saberás?!... E essa ideia de que eu não terei no último instante a sublime imagem tua para me acompanhar além da morte, e ficar gravada nas minhas pupilas que se fecharão para sempre, oh! Minha Amante, oh! Minha idolatrada Nazareth, divina e única! Minha Paixão, meu Paraíso, minha vida eterna, essa ideia dá todo o horror do que é para nós a separação!... Mas não desanimemos. Há em mim bem no íntimo do meu ser a energia imortal e a tenaz esperança que me diz que havemos de vencer, que nós morreremos juntos num mesmo enlace supremo de Paixão e de Morte!

O meu telegrama de ontem à tarde e a minha carta que recebeste hoje te disseram a minha decepção de ainda ficar aqui. Recebi hoje uma carta da megera se dizendo “torturada” de remorsos. Aproveitei para lhe escrever “seriamente”, fortemente, e dando-lhe pela “última” vez os meus definitivos conselhos. Mostrei-lhe mais uma vez como ela tem prejudicado a minha reputação, estragado a minha vida... E tudo o mais que eu devia dizer. Não falei diretamente em ti, mas precisei os fatos que são os das nossas relações de família. Disse-lhe que nada mais havia que falar, que eu esperava os atos dela para saber como proceder. Não tenho a menor esperança de que a situação se modifique, mas como ela sempre quer saber o que eu penso entendi dever dizer-lhe por escrito. Veremos como ela vai proceder. Oh! Mulher perversa e sofista!

Penso poder partir na sexta-feira e te espero depois de uma hora, em nosso feliz e doce ninho.

Quem sabe se não é melhor eu ir dormir ali... Na noite de sexta-feira e assim estaremos juntos na manhã de sábado, e mais tarde, às 03 horas?... O que eu resolver te direi por telegrama. E se não poderes sair no sábado de manhã e “não poderes” tomar ducha?... Mas tu arranjarias um pretexto e virias aos meus apaixonados braços que tanto te desejam. Da megera pouco me importo.

Como é duro este meu exílio! Daqui a pouco eu te imagino no “Bois” com Tita. Tu não poderás nunca calcular a que é a minha solidão. Hoje vou à legação, depois uma conferência com o ministro americano para a redação de uma nota diplomático. Depois uma longa e solitária caminhada, depois da jantar no meu salão, sozinha. Voilà! Como é duro longe de ti, meu Tudo, minha Beleza, como é duro viver!...

Eu te cubro de mil, de infinitos beijas apaixonadas... Frementes! Recolhe-me no teu pensamento eterno e fiel.

Beijos e toda a minha alma.

(Haya para Paris)

11 de junho de 1914.

Quinta-feira, 06h40min. Do correio.

Meu imenso Amor! Minha Vida eterna, vim ao correio e encontrei o teu telegrama desta manhã! Que desolação! Então achas preferível que eu só vá na segunda-feira? Que aborrecimento é esse do trem do Brasil? Pelos meus planos eu chegarei aí em Paris há 01 hora e o trem de Cherbourg só às 04h40min.

Penso que tens de ir com as meninas à estação e aí está o embaraço... Será? Enfim ainda há tempo para uma resolução. Logo que receberes esta e um telegrama que te mando agora, telegrafa-me, urgente, dizendo-me “com toda” a franqueza o que “é melhor” e “mais conveniente” fazer. Confio absolutamente em ti. Ainda terei tempo de partir amanhã às 07 horas e meia. Se porém estiveres impedida no sábado, então chegarei na segunda-feira. Não te posso dizer o meu desespero! Se me disseres de esperar, esperarei. Hélas! Então tu me escreverás amanhã! Eu te adoro! Oh! Só sei, oh! Eu só sei, que te adoro e sofro muito, muito, longe de ti. Cubro o teu divino corpo dos meus apaixonados beijos. Para a vida e para a morte! Que desespero! Beijos, beijos!

(Boulogne-sur-Mer para Paris)

Boulogne, 15 de novembro de 1915.

07 horas da manhã.

Oh! Meu Amor eterno, alma de minha alma, minha doce Consolação! Oh! Minha Paixão!

Há longo tempo que despertei nesta cama de ocasião, num hotel secundário, num quarto sem aquecimento algum e mesmo sem “chaminé”!

Quando ontem chegamos aqui e fomos os passageiros surpreendidos com a notícia de não haver comunicação com a Inglaterra, foi uma precipitada corrida à procura de hotel. Mas a situação era difícil. Alguns hotéis e dos melhores, estão convertidos em hospitais, os outros cheios de oficiais ingleses e da marinha francesa, e como nestes três últimos dias não tem havido comunicação com Londres, os passageiros vão chegando e tomando o que encontram. Procurei por toda a parte inutilmente um quarto. Estava desanimado e ia para Vimereux (que tu conheces e onde estive uns dias com o Nabuco) quando tentando de novo alguma coisa neste hotel, tive a fortuno de obter um quarto, deixado por um oficial que partira poucos instantes antes para a frente! O quarto é triste, e eu me sinto num grande abandono aqui entre gente estranha e desconhecida, e torturado de saudades do meu eterno e divino amor! E faz um frio cortante à beira deste mar tempestuoso. O meu agasalho é o xale que tu me deste ainda na rua de Lille. Com ele me envolvo dos pés ao pescoço. É alguma coisa de ti, é um pensamento carinhoso teu que me agasalha! E eu me agarro bem a ele numa infinito e poderosa necessidade de te ter nos meus braços e bem conchegado a mim, minha deliciosa e doce e idolatrada Petite Chose!

Ontem à noite se espalhou aqui a notícia de que ainda por uns três dias não haveria vapor para Folkestone! Nestas circunstâncias eu devia voltar a Paris hoje pelo expresso. E para que não mandasses a tua carta para Londres e determinasses os teus dias da semana de outro modo, mandei-te dois telegramas, um endereçado à tua casa, que talvez recebestes ontem à noite, ou hoje de manhã com certeza. Assim tu não porias a carta escrita ontem domingo, no correio, e virias ao nosso ninho onde encontrarás dois telegramas de ontem para te orientar, Amor. Depois de algum tempo, quando tendo andado, andado por esta cidade militar, e à beira silenciosa e deserta da praia, por uma noite de melancolia, em que a lua crescente era tão alta e pálida, soube que o serviço de vapores será restabelecido hoje, e que não haverá perigo na travessia. O perigo não era o do mau tempo, mas porque com a tempestade as minas desgarraram, e era preciso repescá-las para evitar catástrofes. Afirmam que não há o menor risco e eu sigo nessa confiança. Mas se daqui a algumas horas eu morrer, sabe, oh! Minha amante sublime e idolatrada, oh!... Minha vida e minha alma, que eu morro pensando em ti com toda a minha infinita e imortal paixão, e que eu morro certo que tu me seguirás na eternidade! Está jurado e jurado na unidade profunda e absoluta dos nossos corpos, das nossas almas, dos nossos desejos, e das nossas essências infinitas no êxtase supremo da paixão! Está jurado!

Tu executarás tudo o que combinamos, destruirás os nossos papéis, e mesmo as minhas notas literárias porque a minha arte hoje é a minha paixão, que ela sempre procura exprimir.

Que tristeza imensa não ter sequer ainda “redigido” alguma coisa do nosso Poema! Oh! Recorda-te sempre que eu começo o nosso livro com o teu nirvana, no mundo sentimental do amor! Tu me entendes. O meu ponto de partida é a tua “virgindade”, a tua “pureza”, “a ausência do sentimento amoroso” em ti até que nós nos amamos. Só daí pode seguir uma tão sublime “viagem maravilhosa”. Será o seu supremo encanto, o mais delicioso e profundo mistério, a alma que nasce na paixão e que descobre a mundo, o Universo, pela revelação do amor!

Não telegrafa à tua casa que sempre continuo a viagem (que outra viagem!) hoje. Assim eu posso telegrafar em Folkestone, o que te dará tranquilidade, e sempre sob o pretexto dos telegramas a serem reexpedidos para Londres. Vou telegrafar para minha residência a minha partida e assim terás essa notícia na recepção desta tarde, mas tu saberás antes pois deves passar um pouco em “nosso” recanto, como ficou resolvido. É singular que exatamente à hora da recepção, quando Aquela que é a minha vida, o meu Tudo, está nesse meio tão absurdo, eu estou correndo o perigo da morte! Mas a fatalidade, quando não é sublime como a que nos ligou eternamente, é estúpida e má.

Estou te escrevendo da cama, e o mais agasalhado possível, neste ambiente glacial. De vez em quando me interrompo e cismo longamente e tudo, tudo me rola no pensamento. Quanta bela, doce saudade! Quanta tristeza! Quanta esperança! Mas eu vivo só por ti, pelo nosso incomparável amor, e eu tenho um imenso consolo na profunda certeza que tu tens da minha exclusiva, absoluta e imortal paixão por ti, oh! Minha Adorada! Oh! A confiança inspirada a Aquela por quem se vive e se morre! É o supremo bem da alma.

São 09 horas... Vou levantar-me e preparar-me para sair e verificar bem se sigo para Londres ou para Paris. Telegrafarei o que se resolver.

Meu amor sublime, com que saudades me levanto deste leito onde eu tinha a doce “imaginação” de estar conversando em meigo e mavioso sussurro contigo, Adorada! E ter o teu quente, macio e voluptuoso e lindo corpo aconchegado estreitamente ao meu, e na doce e infinita união, o esquecimento divino!... Oh! Amor! Oh! Saudade! Mas... Para adiante!

11 horas... Meu sublime Amor! Já volto do telégrafo. O meu telegrama te dirá a ânsia do meu desejo de me unir sempre a ti, Adorada, e se eu tenho de te deixar neste mundo, que seja com os nossos pensamentos unidos e por tão breve tempo. Oh! Eu sei que apesar de tudo o que ainda te prende na terra, eu te arrebatarei para a eternidade! Que sem mim tu não terás razão de viver, que a tua essência é a minha essência, que os nossos passos errantes e inconscientes na terra eram à busca de nós mesmos, porque tudo é unidade, ou melhor tudo se completa e acaba divinamente na unidade, e quando um ser não encontra enfim o outro ser, que é ele mesmo em outro sexo, e à que ele foi destinado, a vida desse ser é um absurdo de tolices, de inconsciências, de mesquinharias e mesmo de torpezas. E daí o terrível e triste espetáculo do que se chama humanidade e vida humana!

Se nós mesmos cometemos “erros” antes de nos revelarmos, que um profundo e grande esquecimento encerre para sempre, mesmo em nossa má e desgraçada memória, todo esse passado por mais humilhante que nos tenha sido. E vivamos o nosso passado, o nosso presente, a nossa tragédia sublime, a nossa esperança e a nossa eternidade! Eu não sei se tu tens tempo de me escrever da tua alma. A tua existência é muito atribulada e muito entravada para que tu possas dar nas cartas a grandeza dos teus pensamentos. Sim, tu dás nelas a imensidade do teu amor, mas infelizmente o teu tempo é tão roubado às expansões do amor, à tua própria vida, que eu apenas tenho luminosos relâmpagos de doçura e beleza e paixão, no grande silêncio das horas da saudade e do pensamento!

Deixei o meu quarto tão feio e triste, e escrevo-te numa sala deste hotel, inteiramente gelada. Que vida atribulada e errante a do teu Adorado! Como eu penso no nosso quarto que tu fizeste um delicioso ninho róseo! Como eu penso em tudo de grande e infinito e doce e exaltado que eu vivia ali encerrado contigo, com a Eternidade e a Paixão e a Beleza, num maravilhoso Paraíso! Oh! O poeta disse: “Nenhuma dor maior do que recordar dos tempos felizes nos tempos da desgraça”. Longe de ti, das tuas sublimes carícias, da tua extrema formosura (olha, meu amor eterno, ninguém entendeu a tua beleza como o teu Amante, como eu, que tenho o teu mistério... Tudo o que te disseram era estúpido, banal, não existente!) Quanta gente pode achar “bonita” a Vênus de Milo, a Ofélia, que aí tens, Diana... Mas quanta gente “sentirá”, “compreenderá” e “vibrará” ao profundo interesse e encanto e mistério, e incognoscível dessa sublime beleza, e de toda a essência dessa Arte?... Assim é com a tua Beleza! Meu Amor! Minha Santa Transfigurada!... Quem a sentiu como eu?... Para quem ela foi e é a Revelação da Eternidade, a Estética absoluta, o mistério da Arte, o Universo radiante da forma e da expressão... A vida eterna da plástica, a graça sublime do movimento, o Irreal, o Infinito, a morte que dá o êxtase do amor, a vida que dá a transfiguração da paixão?...

Tu sabes que eu morro na contemplação do teu ser, que eu me transformo, que deixo toda essa contingência humana, para realizar contigo no supremo êxtase, no voo de todo o nosso ser, a unidade além do bem e do mal! Oh! Que tu sintas em ti, no teu sangue, na tua carne, nos teus mais secretos e remotos pensamentos, toda essa vibração intensa e imortal que nos une, e que é a paixão, e que um não possa existir sem o outro!

Agora eu continuo... Longe de ti como tudo terrível! Lá vou por esse mar... Afirmam que não há perigo... Tu sabes que eu não conheço o medo. Mas eu não quisera te deixar neste instante, se bem que nos tenhamos separado numa absoluta e sublime unidade, sob a renovação de um juramento eterno.

Se eu tenho de morrer longe de ti seria uma boa hora, a de hoje... Porque eu levo comigo para o Infinito, a mais sublime paixão e a mais sublime ternura! De todo o meu coração te digo que não tenho a mais tola e absurda queixa de ti... Tudo é beleza e amor eterno e saudade infinita! Oh! Como eu senti a tua essência ser absolutamente minha! E em tudo a unidade imortal! Que força imensa em meu ser! Vê como eu te escrevo!

Terás tu tempo de ler perfeitamente, de sentir, de meditar toda essa expansão da minha alma que é tua, antes de precipitadamente partires do nosso “Paraíso” e lançares ao fogo estas folhas de papel que vão abrasadas da minha paixão? Não é tua culpa, é a terrível engrenagem da tua existência, Amor!

Oh! Adorada, como eu te adoro!

Esta minha viagem a Londres talvez traga a solução de muita coisa, de um melhor arranjo da minha vida aí em Paris e a segurança de nosso futuro. Como eu quisera ter liberdade maior e menos ocupações para poder me encerrar horas e horas em nosso ninho e escrever enfim o Poema do nosso Amor! E tu virias, tu, a Inspiradora, a Beleza! Sabes tu o que é a Beleza para a minha paixão e para a minha arte?... E tu saberás que tu és o Universo!

Às três horas deixo esta terra. Vou percorrer a cidade tão militar e ativa. Há aspectos interessantes que eu notei, mas que passam ao segundo plano para nós.

Fico ansioso por tuas cartas. Mandei-te desta cidade uma granada cheia de chocolates, granada francesa, e se não houver inconveniente dá aos pequenos. Em nosso ninho, para que uma granada?... Foi uma simples curiosidade do momento. Um pensamento de guerra. Não tenho mais papel aqui e a sala está gelada e os meus dedos um pouco entorpecidos e os pés muito frios.

Adeus! Oh! Como custa me separar de ti! E como a saudade me quebra a alma! Aperta-me bem contra ti... Oh! Adorada!

Adeus! Adeus! Amor! Recebe num supremo beijo toda a minha vida! Eternidade. Paixão.

(Londres para Paris)

Londres, 16 de novembro de 1915.

Três e meia.

Meu eterno Amor! Minha suprema Consolação, meu divino e perpétuo Encanto, como todo o meu ser te busca e te deseja! Oh! Nossa hora sublime! Nosso mistério, nosso paraíso! E tudo aqui é silêncio, tristeza e inquietação! Como viveremos um sem o outro? E que maior martírio do que eu nessa infelicidade e nessa separação!... Ao menos juntos há o deslumbramento, há o delírio da paixão, há a vida, a vida!

Como eu quisera arranjar a minha existência de forma que eu me separasse o menos possível de ti, meu doce Amor! E eu já penso que terei de voltar aqui em dezembro e quem sabe ainda quantas vezes sucessivamente. A comissão que eu tenho é a minha base atual de vida e eu a devo desempenhar com o maior escrúpulo. E tudo é difícil. Tenho de lutar muito para dar contínuas boas provas. Já hoje pela manhã estive no escritório. Há coisas a fazer e que tenho de cumprir sem demora. Basta uma palavra e tudo estaria arranjado. Mas esta palavra é um pouco difícil de obter. Seria uma grande tranquilidade para muitos meses. O representante aqui me autorizou a tratar o negócio aí, mas o resultado será pequeno, pagam uma comissão muito menor. Mas sendo negócio seguro, “se realizarmos”, o lucro mesmo pequeno serve e eu aceitei as bases, tal é a minha pressa de pôr em ordem a nossa vida financeira. Foi o meu trabalho esta manhã. Também o fornecimento não é grande pois a fábrica não tem grande capacidade. Seria um negócio para 3 a 4 mil francos para cada um de nós mensalmente. É magro?... Mas assim mesmo serve e vou tentá-lo com energia à minha volta.

A minha viagem foi fatigante. Foi a repetição do que fizemos juntos o ano passado. Vim para o cais a 01h42min da tarde. Já havia multidão. Com muita luta consegui entrar no vapor depois das 03 horas da tarde e o vapor só partiu às 05 e meia. E que vento! Viajamos à noite, o mar felizmente não era mau. Viemos com muito cuidado e chegamos ao porto inglês às 08 horas. Mandei um telegrama à tua casa que recebeste esta manhã e te tranquilizou, e outro para nosso ninho. Cheguei a Londres às 11 horas. Fazia muito frio. Não havia na estação nem carregadores nem táxis! Fiquei gelado, tremia debaixo da chuva, enquanto esperava que me conseguissem condução, julguei-me tão infeliz! Oh! Longe de ti! Como nos abraçaríamos, nos uniríamos bem um ao outro nesta intempérie, e nesta solidão! Todo o pavor do desconhecido morreria ao fulgor, à luz eterna do nosso amor! E tudo seria belo!

Deram-me um bom quarto, e uma cama imensa, muito grande para nós dois que nos conchegaríamos tanto! Depois de lavar-me muito e mudar-me todo, de muita água quente, deitei-me e levei cismando sobre o meu destino glorioso e desgraçado! Tudo me rolou na memória, e que saudades da minha divina Petite Chose!

Há uma saudade da tua meiguice, do encanto supremo da tua voz em murmúrio, uma saudade do teu supremo abandono, da tua auréola e da tua formosura, que me doe e ao mesmo tempo me faz querer viver, viver!...

A minha noite foi agitada por tanta fadiga passada e tanto sofrimento vivido!

Já às 11 horas estava na City. Antes de deixar o hotel escrevi duas linhas ao Fontoura e mandei a encomenda que me entregaste.

É quase certo que eu posso voltar no sábado, se não for possível eu telegrafarei amanhã. Prefiro ir agora ainda que torne aqui por poucos dias no princípio de dezembro. Além da ânsia de estar contigo, eu tenho o que fazer aí, mesmo no sentido da minha representação aqui. O que eu preciso é de muita concentração e atividade logo à minha chegada, para resolver este caso da nossa situação. Espero amanhã com ansiedade a tua carta.

Oh! Meu doce Amor, tão doce, tão meigo! Por que és tão sublime em tua incomparável paixão? Como eu sinto não te escrever como de Boulogne! Paciência. Mas eu te beijo loucamente com o mesmo supremo ardor! Oh! Teus olhos infinitos!

Acabo de te escrever, vou me vestir para trator de alguns negócios. Depois vou ao correio, antes do almoço, e terei seguramente a tua carta de domingo e segunda.

Ontem jantei só no grill-room deste hotel. Depois fui só ao um estúpido cinema... E, só, me recolhi! Para que a companhia dos outros quando eu tenho a tua adorada e divina Imagem comigo?!...

Meio-dia e vinte. Do correio.

Nada! Por quê? Penso que não fosse segunda-feira como ficou combinado o “nosso” caso.

Foi uma decepção tão grande!

Será mais um dia escuro e desolador. Espero ser mais feliz amanhã.

Vou escrever muito o teu pai. É ainda uma sincera amizade com que eu conto.

Meu Amor, meu Amor! Tu vês, sem uma palavra tua, o Universo morre!... ... E num beijo eterno a minha Paixão imortal.

(Londres para Paris)

Londres, 17 de novembro de 1915.

Quinta-feira, 03 horas.

Meu Anjo da Paixão! Minha eterna e sublime Amante, meu Paraíso! A tua divina palavra de amor, recebida esta manhã criou em meu ser o Universo! Oh! Minha Criadora, eu te adoro! Eu te disse ontem quando tive a decepção de não receber a tua carta, eu te disse: nada! Sim, Amor meu, era o nada, o não-ser, o nirvana, a morte do Universo que se esvaíra na desilusão! Que triste e magoado dia eu passei! Se tu souberas, tu que me adoras, tu darias a vida para me dar a esperança e a força!... Nada! E não havia nem pensamento, nem força, nem ideia, nem expressão estranha que me fizesse sair desse estado de tristeza e de melancolia infinita. De volta do correio e da City, recebi recado do Fontoura para almoçar. Fui. Oh! Como tudo me caceteou! Depois do almoço vim ao hotel e mais tarde fui à legação. Durante a noite não vi ninguém, não sai e às 09 horas estava deitado. Oh! Como a minha vigília, o meu sono e os meus sonhos são sempre contigo, Adorada sublime!

Hoje me levantei cedo, escrevi longamente a teu pai explicando as grandes dificuldades que sempre tenho de vencer aqui neste momento sério e em que todos os transportes são destinados ao serviço de guerra. Essa carta está de acordo com o representante da Companhia. Lá eles pensam naturalmente que o meu, o nosso trabalho é fácil! Felizmente a Companhia aqui reconhece que só eu poderia obter o que se tem obtido. Amanhã terei uma conferência no ministério dos Estrangeiros para resolver algumas pequenas dificuldades.

Afinal e pela primeira vez apelo para o governo e conto vencer. Essa vitória, se eu a obtiver, formará a minha reputação “là-bas” e me dará tranquilidade por seis meses.

Do Brasil não vem mais resposta se aceitam ou não a proposta francesa. Em todo o caso, estou hoje mais contente porque o inglês que fez a primeira proposta aceita e renova a proposta, e nós faremos um negócio ou outro. Eu estava com medo de falhar ambos... E andava preocupado. Amanhã almoço com esse negociante inglês e o seu representante no Rio, e tudo será de novo bem restabelecido. O essencial é fazer alguma coisa e sair desta inferioridade de dinheiro em que nos debatemos, e assegurar o nosso futuro. Bom. Já te aborreci muito com estas histórias enfadonhas?... Tu deves saber tudo, as minhas esperanças e os meus desfalecimentos instantâneos... Mas que não são fraquezas!

Ah! Meu Amor único e infinito! Como tu sofreste! Sim, foi o abalo da separação, a inquietação sobre a sorte do teu Adorado que te fez mal. Tu vês, como tu és minha, eternamente minha na alma e nas íntimas e profundas forças do teu corpo?!... Tu irás melhorando e eu vou correndo ao teu encontro, sigo sempre no sábado.

Dá-me todo o teu sublime alento neste difícil instante que eu atravesso. Só em ti, em teu amor imortal está a minha vida e a minha esperança.

Eu preciso, como nunca, de ti, da tua sublime beleza, da tua alma imaculada, do teu sonho, da tua meiguice, da tua ternura!

Oh! Minha Amante idolatrada, eu repousarei minha cabeça fatigada em teu seio e tu me beijarás para que a tortura morra e o divino esquecimento se apodere de mim, e tu me arrebatarás em teus braços, tu me unirás ao teu maravilhoso corpo e me darás o êxtase imortal, oh! Divina Nazareth! Eu te cubro de beijos fogosos. Para a vida e para a morte.

(Londres para Paris)

Londres, 18 de janeiro de 1916.

Piccadilly Hotel.

Terça-feira, 09h30min da manhã.

Minha Paixão sublime, alma de minha alma, mártir imortal, heroína incomparável do amor! Eu te beijo ardentemente, minha boca em tua deliciosa e apaixonada boca, meu corpo absorvendo o teu maravilhoso corpo num êxtase profundo de desejo eterno, e numa admiração ilimitada e divinal Oh! Adorada! Como me será possível viver longe de ti, ficar privado do teu ser, que é meu Tudo e a minha vida?! A nossa união, a nossa unidade é tão absoluta e tão magnifica em sensações sublimes, que longe de ti, ou sem ti, nada me interessa, “tudo” é medíocre, mesquinho, falso, ordinário, estúpido, e muitas vezes odioso! E por isso a separação é uma tortura sem nome, seja de algumas horas. E no entanto o nosso martírio é infinito porque a nossa vida em comum e inseparável não se realizará tão cedo... Mas a esperança é tenaz e ela brilha no céu alto e longínquo que buscamos!

Que poderei fazer para que o teu sofrimento seja diminuído nessa torturante e esmagadora prisão em que te debates? A minha ternura infinita, a minha adoração imortal! A minha paixão absoluta e invencível e sublime?... Mas tu sofres! Tu, puro Amor! Tu, a Beleza única, minha exaltação de poeta! Minha alma musical! Meu sonho etéreo!...

Como pode ser torturada a Arte, a Fantasia, o Idílio, o Maravilhoso, o Vago, o Sublime, o Amor?!... Como prender essas raras e puras expressões da Natureza e da Inteligência?... A tortura sobre um ser incomparável como tu, é a monstruosa e absurda e revoltante opressão sobre a Poesia, o Pensamento e a Paixão!! Mas tu serás livre enfim! Eu te juro pelo nosso eterno e onipotente amor!...

Pobre e sublime Petite Chose! A tua vida é um poema divino da Paixão! E eu me extasio e me comovo no mais profundo do meu ser em te admirar e em testemunhar cada gesto, cada movimento, cada ondulação do teu coração, da tua alma e do teu corpo!... Imaculada!

A tua energia na tarde de domingo me deu uma forte confiança em tua resolução, em tua “vontade” de vencer! Bravo, Adorada! Oh! Que deliciosos e ardentes beijos de paixão tu me deste! Como todo o meu ser se abrasou em desejos e se extasiou em saudades e esperanças!... Oh! Noite misteriosa e divina... Inesquecível momento de união e de eternidade!

Tu serás sempre assim, brava, destemida, poderosa, dominadora das dificuldades! Oh! Victoria! Oh! Diana!... E serás pura e intangível. E serás Única e Incomparável... Oh! Mulher sublime! Oh! Lenda de Amor e Poesia! Eu te adoro e morro neste êxtase infinito em que me dás a vida eterna!

Tu vês como num belo rasgo de caráter tu me deste a força de vencer?... É preciso que eu conte contigo para a trágica luta em que nos debatemos e eu sei que eu conto em tudo, em tudo contigo, de um modo absoluto e incomparável, que tu não terás medo desse estúpido miserável, que tu conservarás a tua calma, a tua força, a tua independência, que “não serás jamais” a sua escrava, nem a sua posse... Oh! Horror!... Não. Tu serás sublime e imortal e nós venceremos e seremos gloriosos!...

Adorada! Paixão idolatrada! Minha Nazareth, para a vida e para a morte. Para sempre!

Que te dizer da horrível viagem que fiz? Parti às 07h50min da manhã e cheguei aqui ao hotel à meia-noite! Vento, mar, fadiga, apertos, esperas sem conta!

Aqui estou e ainda não vi ninguém. Vou me preparar para sair e só amanhã te escreverei, depois da tua primeira carta.

Telegrafei de Falkstane, e telegrafarei daqui todos os dias. Pelos telegramas saberás a minha demora em Londres.

Espero ansioso, ansioso, as tuas cartas, e quero todos os teus atos, tudo o que sentes e que é meu, eternamente meu. Oh! Tu, amor idolatrada, tu também és exclusiva em tua paixão e por mais que penses que eu só é que sou exclusivista, tu a és, da mesma forma, com o mesmo ardor e imensidade. Porque nós somos “um” para a eternidade. Não é assim?... Diz, sublime Santa! Meu divino Amor!

Eu te beijo loucamente. Eu te aperto nos meus braços ardentes, eu te devoro de paixão eterna e imortal. Adoração. Admiração. Fidelidade.

(Londres para Paris)

Londres, 19 de janeiro de 1916.

Piccadily Hotel

Quarta-feira, 04 horas.

Minha Paixão imortal! Minha Doçura! Minha meiga e bela idolatrada! Estou um pouco cansado de haver trabalhado toda a manhã até agora no assunto que me trouxe aqui.

Trata-se de um caso de força maior que nos prejudicou um pouco e eu estou vendo que compensações posso obter. Felizmente nenhuma responsabilidade por ausência de Londres me cabe. Não. A minha situação é ótima e firme neste ponto, e ninguém obteria mais do que eu. Tenho a minha consciência tranquila e eles reconhecem os meus indispensáveis serviços.

Oh! Triste coisa é a necessidade de trabalhar! De precisar de tudo isso para a minha vida! Não desânimo, mas penso que um homem da minha situação devia estar ao abrigo da necessidade.

Ontem estive longamente na legação, onde jantei na mais estrita intimidade da família. À noite eu estava realmente fatigado e por isso não te escrevi, minha adorada, meu Tudo!

Hoje desde muito cedo tenho andado em sucessivas conferências e depois do almoço, cerca de 03 horas, é que pude ir ao correio, onde tive a tua tão pura, tão doce e tão amorosa carta de segunda-feira. Do correio te mandei um telegrama, que receberás amanhã. Por ele sabes que tive sem dificuldade a tua carta tão desejada e que partiu na sexta-feira. Meu Amor sublime, quantas saudades!

São 04 horas... Tu estarias em meus braços... Eu te contemplaria em êxtase infinito! E nós partiríamos no transporte da paixão para as regiões etéreas do sonho, do delírio e da vida eterna!... E no entanto a realidade é a dolorosa separação, é o aniquilamento da saudade!

Tu dizes bem, meu divino Amor! Que ânsia de felicidade tem o teu Amante! E a felicidade só pode vir de ti!... E o teu sublime destino é dar-me a vida e a beleza imortal!

Tudo em ti... E que tu sejas eternamente a minha idolatrada Petite Chose, o meu Bem, a minha Coisa, o meu Reino, o meu Universo...

Oh! Tu és minha, a minha propriedade, o meu objeto idolatrado e sobre ti eu tenho a vida e a morte. Não é, adorada?

Apesar de toda a nossa desgraça, uma confiança me domina! Uma certeza de vencer, uma força indomável. Por quê? Será por que eu “senti” toda a vastidão infinita da tua Paixão sem igual? Por que eu te vejo imaculada, forte na tua defesa, intangível e sublime?... Tu vês, a minha adoração é sem limites, mas eu quero a tua honra, a tua virgindade no amor, esse fogo de pureza que te circunda o corpo e que te queimará antes de te ver manchada e impura.

Oh! Como o teu ardente Amante precisa da doçura dos teus olhos sem par! Da frescura apaixonada da tua boca, da melodia celeste da tua voz, das tuas lágrimas divinas, dos braços frementes, de teu íntimo e secreto calor... Oh! Minha Paixão! E morrer e viver no êxtase do teu amor, e das nossas carícias imortais!...

Chegarei na sexta-feira à noite. Passarei em “nossa” casa saudosa e desejada e lá terei a tua carta. Por ela saberei a hora que te devo ter no sábado. É possível que eu chegue muito tarde, ainda assim por aí passarei. Aviso.

Hoje janto de novo com os Fontouras, mas num hotel, onde virá também um ministro estrangeiro. Álvaro deve ter chegado. Ainda não nos vimos. É possível que venha ao jantar e por ele terei notícias tuas, indiretas.

Por que somos ainda desse mundo? E não estamos longe, vivendo em nós, na beleza do nosso amor incomparável, dos nossos pensamentos e de todas as aspirações do nosso ser!...

Sinto um grande desejo de me separar de todos, de ver pouca gente, de viver somente contigo, meu Amor! E quando eu me lembro que é preciso continuar, que é preciso aparecer, mostrar-me aos outros, justificar os meus atos, a minha presença em Paris, junto de ti... Oh! Que martírio e quanta humilhação para a minha liberdade e meu orgulho! Enfim, vá lá!...

Mas tu me adoras, tu és minha! E que me importa o sacrifício se tudo é recompensado pelo mais admirável e sublime amor humano!

É a minha última carta deste novo desterro. Amanhã telegrafarei confirmando a minha partida. Nada recebi da megera. Ninguém saberá da minha chegada na sexta-feira.

Beija-me com o ardor da tua paixão e eu te beijo longamente, oh! Meu corpo sublime e desejado do meu corpo!

Para a vida e para a morte!

Adoração! Imortal! Eternidade!

(Londres para Paris)

Londres, Piccadilly Hotel, fevereiro, 1916.

Terça-feira, 10 da manhã.

Alma divina da minha Amante sublime, dá-me o teu perpétuo encanto, e que eu me abisme eternamente em teu ser, oh! Idolatrada, do meu coração!

Neste grande recolhimento quanta meditação profunda! Quanta imagem do Passado não desfila aos olhos da minha lembrança e como o teu amor é imortal e incomparável! Eu sei bem tudo o que de divino tu me deste, e como a paixão te criou infinita e Única! Eu me orgulho em ti, minha Santa extática, e eu sinto toda a profundeza do teu amor, que não encontro igual em nenhuma mulher! Tu vives como eu sempre aspirei para o nosso amor, no absoluto. Tudo ou Nada. E Tudo eternamente, porque o Nada seria a nossa morte na união suprema dos nossos seres. A Morte! Num dos meus livros de nota, o único que tenho comigo, encontro este belo e triste pensamento teu: “O Amor é tudo, tudo, e a separação no Amor é a imagem da Morte. Mas a separação vive da Esperança e a Esperança é uma força divina. E a Morte? Oh! a Morte é o fim de tudo... A nossa Morte está unida, nós partiremos juntos e isso também é uma dolorosa mas bela consolação.” Tu o disseste, Anjo sublime, e mesmo na ideia da Morte que teremos, tu puseste a imagem da Beleza que é a expressão maravilhosa de todo o teu ser. A Beleza! Sempre a eterna Beleza! Sejamos gloriosamente fieis e esse destino de nossas almas e de nossos corpos, e vivemos na imaculada pureza do Belo. Que nossos mais íntimos e inconscientes pensamentos, que nossos mais insignificantes gestos sejam pensamentos, gestos e atos de Beleza. Que a própria dor, que a piedade, que a tristeza, que a desgraça, tudo, tudo se transforme em Beleza, e que a vida estética que é a vida da Paixão, seja a nossa vida, meu doce Amor!

Há 15 dias te deixei numa tarde de angústia... Oh! Tristeza! E quanta coisa depois, e quanto heroísmo tu deves ter mostrado nesta tormento que te cerca! Mas eu sinto uma grande consolação quando penso na serenidade da tua alma! Porque tu não és inquieta em teu ser mais profundo. Tu podes ficar atordoada com as perseguições da sorte, com as contrariedades que se opõem ao teu glorioso e fatal caminho, mas a tua alma é serena, é confiante e segura e daí te vem essa força sublime que eu admiro tanto e me conforta no meio de tanta luta em que nos debatemos. Essa serenidade eterna e intensa e íntima vem da imensa confiança que tens em mim, na minha paixão incomparável, em todo o meu ser que só vive por ti, Amor! E eu sou supremamente feliz em te dar essa maravilhosa vida secreta à tua alma, que vive em eterna primavera, e que só te dá nos dias mais torturados, o espetáculo da beleza mágica da cor, do esplendor, da força jovem, da aspiração para o além puro e longínquo, o céu da Paixão, e tudo é docemente verde e ouro na paisagem da tua alma, oh esperança! Tua alma é o Paraiso misterioso da Paixão! E embora todo o resto do mundo esteja em trevas, envolvido nas densas nuvens da melancolia e da tristeza, a tua alma vive no esplendor do Amor, na Alegria secreta da Paixão imortal, que te arrebata além da Piedade, da Compaixão e da Morte para te dar a vida eterna, o deslumbramento íntimo, o frêmito da Unidade maravilhosa e sublime na alma e no corpo do teu Amante! Pelo Amor tudo venceste, e és Única! Adoração! Beleza!

Ainda mais três dias eu parto para as tuas carícias supremas e desejos aceiado de todo o meu ser.

Os negócios se apresentam bem. As condições que obtive são as melhores possíveis. E tu como vais?...

Eu vivo com o meu pensamento em ti, instante por instante, te seguindo por toda a parte... Eu te quisera sempre comigo...

Como nos beijaríamos e nos agarraríamos bem, bem um ao outro... Beijos em tua boca, em teus olhos... Vem, Amor meu!

(Paris para Paris)

Paris, 1916.

Segunda-feira, 02h30min.

Meu divino Amor. Idolatrada, por que não vieste? Por quê? Eu precisava tanto, tanto de ti, dessa tua imortal carícia que me deslumbra e me dá a vida, e de todo o teu ser... Estás doente? Oh! Esse imenso silêncio!... Esse desespero do Nada!... Toda a manhã à tua espera, e estremecendo de antegozo a cada instante que passava e a cada ruído de que se pudesse imaginar a tua aparição... E depois, estremecendo do frio da solidão, e da ânsia da inquietação!

Esperei até dez minutos depois de meio-dia...

Vim correndo depois do almoço, pensando encontrar uma palavra tua... Nada! Nada! É terrível! É angustioso. O meu ímpeto é mandar Aimée ao telefone... Será uma imprudência?... Talvez. Oh! Como tudo isto é doloroso e despedaçador!... E que aborrecimento enorme de não poder passar toda a tarde aqui, a esperar ou a tua adorada vinda, meu doce Amor... Ou ao menos uma carta. Infelizmente tenho um “rendez-vous” importante às 3 horas e sou obrigado a partir. Voltarei às 4 horas. Serei feliz? Mais feliz? Quem sabe!... Oh! Meu Amor como tu és a minha única e total vida, e como eu sofro na agonia de te imaginar doente! Não! Tu estás boa... Amor...

Escreve-me uma qualquer coisa... Voltarei. Até logo? Sim... Não. Não... Eu te devoro de meus beijos na ânsia da minha paixão eterno.

(Paris para Paris)

12 de novembro de 1916.

(Trecho de carta)

Esperemos docemente a morte. É o instante da não separação que se aproxima para nós, tão dilacerados em nossos corações sempre portados um do outro. Que o mesmo caixão nos leve ao mesmo túmulo, que nossos ossos se misturem no seio tranquilo e sombrio da mesma terra, e que o pó do que foi nossos corpos se confunda para sempre. E assim unidos, indistintos, tenhamos enfim a paz e a eternidade que buscávamos em vão por entre os tumultos da vida.

Ou então que os nossos corpos sejam queimados juntos e a mesma urna guarde as nossas cinzas que reunidas se confundirão como foram unidas as nossas esperanças, as nossas alegrias e as nossas penas e sejamos assim além da morte, para sempre inseparáveis.

(Divonne para Evian)

Divonne, 21 de julho de 1919.

Segunda-feira, 9 da manhã.

Ma Petite Chose adorée, mon Aurore! Bom dia! Oh! Minha Saudade e toda minha vida!

Depois de uma longa cisma como só um grande silêncio pode inspirar, cisma de amor, de desejo, de esperança e de desolação! Deixo o pensamento errante e venho diante da tua Imagem divina fazer a minha oração fervorosa e transbordante de amor eterno! Tu és bela!... Tu és gloriosamente bela! Tu te ergues no espaço como uma flor! Tu sobes como um lírio, tu brilhas como uma rosa! Oh! Tu és leve, e teus pés apenas tocam a terra, e tu já estás te exalçando para o Infinito! Tua cabeça é como uma chama que aspira! Tu bebes a luz etérea, e os teus olhos dão a Esperança que corta as trevas, a Aurora que anuncia e promete, a sombra luminosa que é o mistério, a doce noite de amor!... Eu te adoro!...

A tua suprema beleza, que tu mesma não compreendes, como a flor não se entende, me dá em todo o meu ser este frêmito, esta vibração suprema, todo este Indefinível sentimento de desejo, de aspiração e de passe e de unidade, que é toda a razão sublime da vida! E essa beleza se foi criando, desenvolvendo, expandindo, se aprimorando, até se tornar este milagre de expressão divina com o Tempo, e o grande artista foi o Amor!

Como tu és bela, mais bela, depois que cada linha, cada traço do teu corpo a Paixão trabalhou! O grande labor do sofrimento e da alegria, a grande chama da amar, a alma, enfim! Todos martelaram, cinzelaram o teu corpo maravilhoso e em cada traça a vida eterna, a expressão incomparável, e essa irradiação infinita de quem leva dentro de si o Mistério da Eternidade!...

Oh! Tu que és a Divina! Que és a Absoluta! O Irreal! Como é grande o meu sofrimento de te ver te debatendo no relativo, e em todas estas “categorias” que são a prisão da alma e do amor!!

Eu quisera te dizer tanta coisa, te explicar a ti mesma... Eu te quisera aqui nesta liberdade em que vivo inutilmente... Por que eu saí livre aqui onde não te tenha? Como a sorte é cruel! Nós estaríamos ainda no profundo esquecimento do tempo... Nesta manhã fria e triste e a noite de amar se prolongaria misteriosa e ardente!... E estão só... Só com a meu amor que me consola, mas não me acalma nesta separação. Como é preciso ser resignado! Oh! Minha Paixão! E pensar que tu sofres, que a Ser idolatrada para quem a vida devia se transformar em perpétua magia de encanto, de doçura e de êxtase sofre! Este doloroso pensamento aumenta a minha desolação. Temos muito que lutar ainda e é terrível quando o combate é em todos os terrenos, até nas preocupações materiais.

A minha esperança de vencer em tudo é firme, e se esta me faltar que será de nós, meu supremo Bem?...

Nada está ainda definitivo em nossa situação material. Os negócios vão tão devagar! Eu sei que é assim mesmo e que é preciso paciência. Mas não podemos esperar muito. Eu “preciso” ter uma resolução definitiva até janeiro. Agora que vejo mais claro, que muita ilusão caiu, e que conheço melhor os assuntos, a minha luta vai ser mais enérgica. Contento-me com o que puder obter, mesmo com prejuízo relativo. Em nosso país tudo é incerto e demorado. Há uma semana que espero a resposta de um telegrama para decidir o contrato aí, ou aqui, e nada me chegou até agora!

Não te desoles, Petite Chose adorada! Tu és forte e sublime, mas tu és também muito frágil... Confia e espera. Dá-me a todo o instante a tua alma, eu a recebo através dos espaços, como a hóstia sacrossanta na mística comunhão do Amor eterno!

E todo cheio de teu espírito divino, eu me alegro na minha infinita tristeza!... Dá-me a tua boca ardente, dá-me os teus olhos sublimes, dá-me o teu seio palpitante e tépido, envolve-me na noite dos teus cabelos... Conchega-me a ti, assim, assim, mais e mais, e num abraço estreito e voluptuoso unamos as nossas almas e os nossos corpos em um sublime e infinito êxtase de amor! Amor! Amor! E eu te cubro de beijos e morro e vivo em ti, oh! Idolatrada!

Eu vi num tanque d’água, ao anoitecer, na montanha, um bando de cisnes brancos dormindo sobre a flor d'água tranquila.

Assim repousam os teus pensamentos cheios da felicidade do Amor.

(Divonne para Evian)

Divonne, 24 de julho de 1919.

Quinta-feira, 09h30min da manhã.

Oh! Que sol! Que luz nesta minha grande solidão, minha Santa transfigurada, minha Paixão imortal!

E ontem à esta hora, (instante fugitivo de amor, de eternidade e de volúpia sublime!) eu tinha para me iluminar outra luz, outro sol... Eras tu, Amor! Beleza suprema, Fascinação deliciosa... E como eu te tenho em mim e diante de mim perpetuamente, todo esse outro mundo de formas e cores me parece um mundo morto, a não-realidade, a não-existência... E para ele não vão os meus olhos. Olhar o quê? Quando eu tenho os olhos cheios da maravilha do teu corpo? Quando eu tenho nos meus olhos os teus olhos em tão doce e infinita conjunção? Quando tu és a paisagem única, surpreendente, que cada instante me revela mais beleza!...

Lembras-te, Amor? Ainda ontem, quando nos meus transportes de paixão eu parei um momento, repentinamente inebriado de beleza pela revelação que tive vendo os teus cabelos cair como delicioso manto sobre o teu dorso... Teu dorso de um modelado tão perfeito, tão divino que parece sobrenatural, e de uma cor tão pálida, cor de marfim, cor do martírio, do sacrifício, cor da Paixão e da Transfiguração?!...

Oh! Quem traz este encanto nos olhos, o resto lhe é indiferente. O sol dos outros brilha no céu dos outros? Há cores? Há formas? Há outra beleza? Não sei... Nada existe para mim fora do “meu” sol, do “meu” céu, da “minha” cor, da “minha” forma... E fora deste “meu” Universo que sou eu aqui exilado neste outro mundo ignoto, estranho e intangível?...

Eis a minha grande desgraça, meu Amor divino, toda a angústia deste ser que é teu, te busca, e não “vive” fora de ti... O que me sustenta, o que me dá a certeza, a consciência de que não estou morto é a memória da minha felicidade suprema! Oh! Memória amiga e amparo do meu coração!... Como tu me ressuscitas cada instante de amor, de beleza e de sonho. É um sonho de um sonho!... Sublime mistério da vibração do meu espírito! Eu “a” vejo! Eu “a” contemplo, eu me abismo em “seus” olhos, eu “a” beijo, oh delícia! Eu “a” tenho nos meus braços, oh palpitação divina do seu coração, seu lindo corpo vibra docemente no meu corpo... Oh sonho maravilhoso, sonho, lembrança, ressurreição do êxtase imortal!

Eu te agradeço minha fiel memória, de me dares esta consolação que me faz ainda viver, porque na doce e mágica evocação do Passado está a promessa inefável, exaltante do Futuro... Será amanhã, ou noutro dia, mas “será”... E assim eu vivo, lembrando e esperando!

Saudade! Que mistura o que houve com o que vai haver, e assim como num ciclo místico, tudo é Eternidade pela força suprema e invencível do Amor!...

Oh! Como eu te amo! E como a nossa Unidade é absoluta e imortal! Minha Paixão eterna!

01 e um quarto... Fiz, meu querido Bem idolatrado, uma pausa para ir à ducha e ao correio, de onde volto. A tua ansiada e divina carta não chegou. Era muito cedo para eu ter, mas acreditando sempre num bom acaso, fui ao correio.

Ainda não te contei o resta da minha tarde de ontem. Depois que te escrevi, veio o “masseur”, e eu tomei uma longa ducha. Pobre corpo que a batem, o amassam e o inundam d'água, como se ele fosse um condenado e como se toda a agonia não estivesse no espírito.

E vaguei um pouco por estes campos e bosques, quando sobre eles descia a grande paz da Natureza.

Que contraste com a alma do teu Amante triste, mas da grande melancolia que nas abate e nos envolve... Meu espírito naquele inquebrantável silêncio te buscava ávida, ardente. A tua dolorosa imagem dos cães d'Evian se mostrava diante dos meus olhos, muda, angustiada, num infinito desespero de paixão e abandono. Não! Eu estou eternamente contigo!

Que comoção em minha alma errante, vaga, perdida nesse silêncio insuportável, porque tu me faltas, divina Amor!...

Quando voltei era noite. Jantei mais levemente possível, sem carne, sem queijo, sem vinho. Apenas legumes e um pouco de creme de baunilha, e subi ao meu quarto.

Oh! Evian! Tão longe no horizonte, e as luzinhas a tremerem de hesitação e de frio na linha indecisa que a água disputa à terra... Toda o meu pensamento se ausentou de mim, e ele vivificou o teu corpo sublime... Eram 9 horas... Pouco depois deitei-me. Luzes apagadas, nenhuma leitura, janela toda aberta, sem vias, sem cortinas, a noite pálida lá fora a me fitar a uma grande tristeza e cama compadecida de mim, o meu pensamento que voltara de ti e que eras tu... E assim adormeci num sono sem fim até às seis horas de hoje!...

Chega o correio do dia, último. O primeiro é às 9 horas. Não tive nada por ele.

O “Gelria” aborrecido deixou o Rio a 24 e estará em Lisboa a 06 de agosto. Eu tenho de sair daqui a 07 ou 08, isto é quinta-feira ou sexta da próxima semana.

Na segunda-feira aí estarei, à noite, oh! Suprema felicidade... Sonho, realidade, mistério, êxtase! Terça passo o dia com todos. Não pensas tu que devo dormir aí no “Royal”, ou no “Léman”, de modo que passemos toda a manhã de quarta-feira juntos, nossa última manhã, neste recanto onde fomos sublimes?... Pensa bem, eu farei como entenderes.

Se eu sair do “Royal” na manhã de quarta-feira, despeço-me à noite de terça-feira e digo que parto pela primeira barca de quarta e venho ao “Léman”. Se eu sair à tarde de terça-feira do “Royal”, as coisas se complicam, porque eu terei de tomar a barca de 06h25min que me levaria a Ouchy, a última barca que não chega a tempo de tomar a que volta de Ouchy, às 07h20min. E não há meio de fingir que venho tomar a barca porque sendo ainda cedo a sua partida, é natural que Paulo ou as meninas me acompanhem até o cais. Agora, vendo o horário, me ocorre outra hipótese, vir a Ouchy na tarde de terça-feira, aí dormir, e voltar pela barca de 07h05min da manhã de quarta-feira e às 07h40min chegar a Evian, onde tu virás ao “Léman”, “cinco minutos” depois (não mais de cinco minutos). Creio que é a melhor solução. E passarei o mais longo tempo possível em Evian contigo, e talvez daí mesmo parta para Paris, por Bellegarde. Este ponto é para estudar. Se concordares com o meu plano, seria bom Lina avisar o hotel que me reserve o quarto para “quarta de manhã”. Assim estaremos juntos mais tempo seguido, desde a “heroica noite” de segunda, até a tarde de quarta-feira. Pensa bem e responde. Aperto-te, estreito-te bem contra o meu corpo inteiro e uma vida divina se apodera de mim...

Beijo-te, beijo-te e toda a minha paixão eterna!

Meu divino Amor, lê e relê esta pobre carta em que te mando tudo o que há em mim.

Que estas palavras vivam eternamente em teu ser como o fluído que o animará na sua imortalidade!...

Parque do Silêncio

(Divonne para Evian)

Divonne, 25 de julho de 1919.

Sexta-feira, 05 horas da tarde.

Idolatrada... Minha Doçura e minha Luz!

Escrevo-te deste Parque do Silêncio... A solidão é infinita e ela é feita deste céu tão alto, dessas árvores tranquilas, desse verde tão doce, desse canto de pássaros, desse mugido de cachoeira que conta e soa como o cristal, e dessa grande e benfazeja ausência dos seres humanos.

Como esse, sim, é o teu reino. Aqui seria o nosso Paraíso revelado, enquanto para os outros o Paraíso é perdido eternamente! E que piedade eu tenho de ti, minha Amante divina, que devias estar aqui ao meu lado, sob a magia do Amor supremo, e no entanto estás aí nesse arrostar vulgar de teus passos, indo do “pâtisserie” às loios, do Casino ao Hotel.

Que miséria te fazem, meu grande e imortal Amor. Que martírio sem fim o de tua Alma divina que tem horror à existência de condenada que te fazem! A minha piedade é imensa e eu chego a ter raiva de minha liberdade, desse prazer de poder ser livre, de poder meditar sobre a nossa Paixão, cantá-la por entre os doces encantos da Natureza indiferente e bela!

Porque não sou eu que estou nessa banal Evian, nesse detestável Hotel Royal, enquanto tu devias estar sossegadamente aqui, fremindo da maravilha do mundo e compondo estes hinos de amor, que só tu sabes, oh! Mulher incomparável, compor para o teu Amante? E não poder eu nada por ti! Oh! Desespero sem nome!

Mas que tu aí nessa Cosmópolis, nesta insignificância que te cerca, saibas que a mesma hora em que te arrastam, eu vivo em ti, meu amor te sustenta, te exalta e te imortaliza. Que pena tenho, profunda e infinita de ti, minha Coisa idolatrada, e que o meu coração palpite em teu corpo, como a fonte eterna da tua vida imortal, e que eu te beije e meus beijos te protejam, como meu amor vela eternamente sobre ti, Adorada! Adorada!

(Divonne para Evian)

O Amor e a Vida humana.

Julho, 1919.

O nosso Amor é infinito, ele domina o Universo e ele fez de nós o Todo, a Unidade absoluta. Ele sobreviverá a todos os cataclismos.

Uma catástrofe universal deve vir sobre a Terra para que o nosso Amor seja invencível, e sempre vitorioso paire sobre as ruínas do mundo, como o espírito divino sobre as águas do dilúvio...

Dois anos depois dessa invocação e desta previsão penetrante do mistério da vida, a catástrofe desabou sobre o mundo.

Oh! Horror! Tudo o que era humana entrou num paroxismo de destruição. Os impérios se afundaram, os poderosos foram humilhados, a Terra revolta pela metralha, as florestas queimadas, o ar pestificado, as águas pérfidas, o mar, um abismo de traição, a sangue enrubesceu o Universo.

E nada venceu aquele Amor, que o sangue não maculou e o fogo que tudo consumiu, a vida e a matéria, deu a apoteose da morte universal para o tornar eterno.

E sobre as ruínas do mundo paira este Amor imortal.

Do sofrimento da Terra ele recebeu o frêmito da Morte.

Os nossos dois seres são a essência do Universo. Eles não se extinguirão e sobre o que pode desaparecer, a nossa serenidade é absoluta e infinita. A nossa Unidade é tão perfeita, que tudo nos parece espetáculo, brincos da inconsciência suprema, jogos do Destino, que a própria Morte não é mais a Morte, e que a Vida não é mais a Vida. Tudo desaparece, e nós, na volúpia sublime, extinguimos o próprio Universo e nos abismamos na divina inconsciência.

(Divonne para Evian)

Divonne, 26 de julho de 1919.

Sábado, 11 horas.

Meu Divino Amor! Minha Paixão Imortal, Petite Chose do meu sangue! Como estou triste! O que devia vir, não veio! O que eu chamava da minha profunda saudade não chegou!... A tua ardente e apaixonada cartinha, cheia desta infinita ternura que me sustenta na grande solidão e na desolada separação... Já fui duas vezes ao correio. Nada! E estou certo de que nada virá até amanhã. Por acaso, fatigada, tomada de uma emoção tão viva que te faz sonhar em vez de agir, não pudeste, meu doce Amor, escrever, naquela tarde de quinta-feira? Então o atraso se explica, e eu terei amanhã talvez duas cartas, a de quinta (à noite) e a de sexta. E quem sabe se não terei o deslumbramento de te ver?!... O tempo está belo e não duvido que tu possas decidir a excursão. Nesse caso eu espero um telegrama que me dará aviso e que é necessário para que eu vá a Nyon. Só há dois automóveis em Divonne que têm o “permis” internacional e podem ir à Suíça. Devo arranjar um deles. Em todo o caso eu irei a Evian, na terça-feira, como está combinado. Se eu não tiver o mesmo quarto (o que compreenderás, por me veres te esperando à janela) tu encontrarás em baixo, no “café”, uma das mulheres da casa que te dirá onde estou. Ou melhor eu te esperarei à porta. Sei que deves chegar de 07 e um quarto a 07 e meia, na quarta-feira.

Oh! Que tu não estejas doente nesse dia e sobretudo na venturosa noite da bela loucura que viveremos, meu Amor eterno, da volúpia, do encanto, da paixão maravilhosa que nos agita, nos exalta e nos engrandece, meu Universo, meu Tudo!...

Ontem errei por toda a parte, neste parque, nessas campinas e tudo foi uma doce conversação contigo. Um momento, uma imensa tristeza me tomou o coração. Era uma piedade infinito de ti, que aí sofres, e vives uma vida sacrificada e tola! Não! Tu não devias estar aí, nessa Cosmópolis idiota, vivendo no meio desses fantoches, que são como fantasmas vindos de um mundo que já morreu. E a minha tristeza foi enorme. E dela tracei as linhas que te mando nesta folha de papel. Já antes eu havia escrito uma meditação sobre o nosso amor, eco da conversação tão intensa e alta que aí tivemos, minha Santa. O nosso Amor imortal, planando sob a destruição do mundo, e se tornando universal, e fora do Tempo, além dos Espaços.

Aquela piedade de ti me comoveu tanto que à noite o meu organismo se ressentiu. Pela madrugada tive um grande suor gelado, e senti como se a vida se me fosse... Passou sem eu ter perdido conhecimento... Hoje de manhã consultei o médico sobre essa crise. Disse-me que nada vinha do coração. Era tudo por excesso de emoção, que eu devia ter tido um aborrecimento que me havia enervado. Guardei o parecer, mas não disse o que eu havia sofrido. Apenas respondi que provavelmente eu havia “pensado” um pouco demais.

Ah! Amor, amor, é o meu temperamento tão emotivo que se declara. Paciência. Viveremos assim. É por esta força de emoção que o Amor é o que é, e que eu sinto toda a essência do teu ser divino. Vês como eu te amo, minha Beleza?... E o que tu fazes do meu Amor, desse Amor único na terra e no Universo e em todos os tempos?... Oh! Sim, eu sei, minha Doçura, minha Consolação, tu fazes dele a tua vida eterna! E tu me amas, e nós somos um só na imortalidade de uma Paixão única, e que não tem nome para sua grandeza infinita.

Meu Ídolo adorado! Tu virás amanhã? Olha tudo o que é meu aqui. Vê, toca em tudo, e as coisas terão um pouco da tua vibração. Adorada!

Beijo-te com os meus beijos mais fogosos e mais ternos. Dou-te a minha vida e sou teu para a morte e para a vida na beleza da nossa paixão!

Escreve uma cartinha bem tua a minha mãe, endereço: 142, Rua Humaytá, Rio de Janeiro.

(Divonne para Evian)

26 de julho de 1919.

Poema de Amor.

Tu virás bela, radiante, como o Amor!

Nos teus olhos a Esperança é uma eternidade.

As tuas lindas mãos vêm cheias de promessas e todo o teu corpo sublime, é um poema de paixão!...

Tu te ergues da terra para o deslumbramento.

Tu vieste da nebulosa primitiva até a mim como a alma de minha alma, e só em mim a tua unidade foi absoluta e imortal.

Tu me revelaste a felicidade que me invadiu o Ser e me transfigurou.

Por ti me senti um com o Universo, e sou total, completo e inumerável.

Eu trago em mim depois desse Amor, a alma do Todo.

Como é doce o infinito do teu olhar apaixonado, como é sublime o teu Amor que me possui eternamente!

Oh! Deliciosa, oh! Imortal!... Eu suspiro por ti longamente. Quisera a meiguice e a música da tua voz, quisera a ternura e a vibração da tua carne, o manto da tua pele morena que me envolve todo e me acaricia, quisera o toque e a cascata dos teus cabelos que me fazem estremecer de gozo...

Quisera os teus olhos de paraíso, teus olhos de amor, o teu olhar de Santa apaixonada... Quisera a tua boca fresca, alegre, grave, eterna... Morte de amor! Quisera ver, adorar a tua cor pálida... E quisera loucamente a ti, minha Nazareth!

(Divonne para Evian)

Divonne, 27 de julho de 1919.

Domingo, 11 horas.

Amor! Idolatrada! Minha Paixão imortal, minha Beleza que me exalta e me move!...

Por que palavras posso dizer-te, oh minha Santa, a doce vibração deste ser que tu inspiras de tua Paixão incomparável! Como te exprimir esta alegria alucinadora que é saudade de ti, minha Divina, dos teus êxtases, de nossas loucuras, que avivas na tua carta da tarde daquele dia que foi toda a sublime manhã do Amor? Oh! Que extraordinária e suprema Amante é a que é minha para a eternidade! Só pelos meus beijos colados à tua maravilhosa boca, e a minha carne na tua carne, te possuindo, te acariciando, te inebriando, te dando o imortal esquecimento na morte voluptuosa do gozo inaudito, só nesse incomparável êxtase, eu te poderia exprimir a beleza da minha alegria que vem de ti, vai para ti, Amor, Amor, minha Santa transfigurada, Admiração, Paixão, e tudo o que de sublime não tem nome!

Quase que não posso te escrever, tal é a emoção que se apodera de mim, e a vontade louca de ler e reler a carta onde tu derramaste o fluido, o filtro da tua Paixão... Não pude resistir. Reli mais uma vez essas duas cartas, a de quinta e a de sexta, e o cartão das duchas. Oh! Meu Bem adorado, como eu aí sinto toda a tua alma ardente, todo o teu sublime coração apaixonado!

Tu és o Amor! Se pudesse te definir, a ti que estás acima das palavras humanas, o teu nome, oh minha Nazareth idolatrada, seria Paixão!...

E eu vivo desta Paixão eterna, dessa Beleza que é para mim toda a magia universal! Como meus olhos se alimentam, se extasiam se exaltam da tua forma sublime!... O artista te contempla arrebatado... O amante te possui, louco, maravilhado, transportado ao extremo do gozo humano...

Tua fronte tão pura, tão simples, tão correta, meu “Partenon”! Teus olhos oh! Teus olhos, tão eternos, tão doces, tão meigos, tão luminosos, olhos de Paixão infinita, olhos negros-azuis, como o mistério, o sonho, o êxtase divino!

E os teus longos cabelos que me acariciam e me envolvem e me prendem, eterna corrente amada! E a tua boca, oh boca maravilhosa e ardente e branda e meiga onde morre e vive e renasce eternamente a fonte dos teus beijos imortais... Minha boca que eu confundo com a minha e que ambas se abismam na volúpia estonteadora... E esse corpo sublime onde os meus olhos incansáveis se maravilham, se repousam e partem para o ideal!...

Oh! A graça, a elegância, o acabado, a esbelteza, a irradiação, a palidez desse corpo de marfim, corpo de paixão, nascido da Terra e vindo do Céu à Terra para mim, para o meu corpo, meu corpo irmão, meu Tudo, meu Paraíso!...

E o “resto” eu não sei mais dizer, Amor, é o delírio, é o gozo, é a volúpia, é a sensualidade suprema, é a porta sublime do templo da Paixão, e por ela eu sou imortal e a minha felicidade é única, eterna, a morte se alia à vida, e não há mais fim e mais princípio, é a unidade absoluta, a Paixão, a Paixão...

Sabes tu o que é o Amor?... Sim, oh! Sim... Só tu sabes o que é o amor e o que é a Paixão.

Meu amor, que este delírio sossegue um instante para eu te poder dizer alguma coisa sobre o que temos a fazer. Meu Bem, eu estarei aí na terça-feira à noite no nosso seguro e inolvidável “Léman”. Se achares bom, manda Lina levar a tua carta de amor e ao mesmo tempo saber qual o número do meu quarto. O que tínhamos era o n° 1. Se, porém, a tua carta vier pelo correio compreendo que Lina não vem ao “Léman”. Em todo o caso na terça-feira pela manhã avisarei ao hotel a minha chegada, e assim à “tarde” tu, por intermédio de Lina, terás certeza de que não houve mudança.

Vou telegrafar amanhã, ou terça-feira ao “Royal”, reservando quarto no quinto andar, de preferência.

Oh! Toda a minha vida está concentrada neste único pensamento: ver-te, devorar-te de amor, receber o fluido imortal de tua Paixão, e me esquecer docemente nos teus braços, em “teu” leito! Maravilha!...

Não te inquietes muito pela minha saúde. Dormi bem esta noite. Ontem não fiz nenhum esforço intelectual. Andei, andei, por estes morros e campos. Que grande calma, em redor do teu Amante sempre só, que não olha, e nem fala a ninguém! Tu vives em mim e eu me sinto por isso um Deus!...

Não vieste hoje! Que grande pena eu tenho. Mas tu, minha Divina, não és senhora de ti!... Pobre Amor! Eu te devoro de beijos, de carícias, e tu verás como tudo será belo, sublime, único!

Esta é a minha última carta até o nosso divino encontro. Oh! Minha Paixão!

(Divonne para Evian)

Divonne, 07 de agosto de 1919.

Quinta-feira.

Meu sublime Amor! Alma de minha alma, minha Santa amante! Oh! Meu doce Bem, minha eternidade! São 03 horas, acaba de chegar à minha melancólica solidão, abro alguns telegramas, vejo que a minha ausência nada perturbou, e logo vinha te dizer a minha imensa felicidade e a minha infinita desgraça...

A nossa vida é a mistura deliciosa e amarga da dor e da alegria suprema... Não sei como te dizer a minha adoração, essa posse do teu ser pelo meu ser que é a unidade absoluta e imortal. Oh! Como te vejo tão dolorosa, tão mortificada, tão bela e tão divina! Amor, Amor, por que és tão minha e tão única?!

Eu tenho uma piedade de ti que me esmaga e eu tenho uma dor infinita dessa separação que é a imagem da morte em nós... Oh! Que horas de supremo delírio, de “absoluto” nós vivemos! Jamais fomos tão felizes e por isso a separação é impossível e quem sabe a destina que ela encerra em só... Não faça mais nada, absolutamente mais nada senão repensar a nossa vida celeste desses dias incomparáveis em nosso amor... Bendito Amor que nos maravilhou pela grandeza, pela majestade e pela doçura dos seus atos! ...

Como te deixei naquela pequena rua simpática dos nossos passos de amor... Tu com as mãos cheias de rosas, oh Divina, eu vi a tua imagem assim que não mais poderei esquecer... Desci rápido aquela ladeira, encontrei logo embaixo um excelente automóvel e nele me precipitei, e veloz partimos para Thonon.

O amor nos protege sempre, e a minha invisibilidade é como um mito. Há qualquer coisa que me torna invisível de todos... Ah prodígio da Paixão! Ah vida eterna!

Como somos invencíveis e sempre gloriosos, mesmo na dor!... Na barca nenhum conhecido. E um momento de angústia quando não te vi no cais... Ah minha Santa idolatrada! Mas tu vieste e eu vivi em ti, na tua dor cruciante, dor de amor eterna... Mal indefinível da Paixão! E dei-te o que já eternamente vive em ti, a minha alma, a minha saudade esmagadora. Oh! Que acabrunhamento ali... E quando não mais te vi... Adeus! Adeus! Cubra-te de beijos imortais. Para a vida e para a morte. Adoração eterna.

Estou te escrevendo às carreiras. O correio vai partir. Já fiz pedir a Hotel Rayal no telefone. Escrevo mais tarde. Amor! Mistério Sublime! Minha Paixão!

(Divonne para Evian)

Divonne, 08 de agosto de 1919.

Sexta-feira, 08 e meia da manhã.

Minha Paixão eterna e imortal! Minha Glória! Meu Bem Supremo. Consolação. Força. Doçura de minha vida!

Começo a te escrever e um grande choro me toma... É um choro em que o meu ser desamparado se angustia e se deixa ir, perdida, sem mais vontade de nada, desgarrado da sua salvação e da corrente que o mantinha firme e resplendente!

Meus olhos se voltam para o que foi num desespera, numa ânsia alucinada, e todo eu, me agarro à imensa Beleza que vivemos, ah Amor meu! E quero rever tudo, e viver na lembrança de cada parte, cada incidente desse poema maravilhoso que se foi e me deixou totalmente transfigurado... Oh! Exaltação sublime, por que passaste?... Que desespero, minha Adorada, que dor no coração de teu infeliz e glorioso Amante!...

Eu sei que é preciso um valor, um ânimo superior, para dominar esta infinita desolação, e esperar ainda 16 longos e infernais dias sem te ver! Eu sei tudo... Junto de ti, pelo fluido divino do teu ser eu posso tudo, eu tenho uma coragem inaudita. Mas é depois que vem a desorientação, a morte em mim, oh minha Adorada!

E é tudo que me faz sofrer, a separação em si mesma, terrível, dura, triste, a falta, a falta, oh meu Amor, de ti, dos teus encantos sublimes, da tua beleza, do teu olhar divino, da tua voz que me exalta cada célula do meu corpo, de todo o teu contato que me funde, me absorve, e me diviniza... É também a pena de te ver sofrer que me dilacera o coração e tu sofres muito, muito e eu não te posso saber neste desespero da dor do Amor que é a dor suprema e incomparável!... Tudo isto é a minha alma, e será por longos dias de ausência... Meu pobre Benzinho adorado, que devemos fazer?!... Como resistir ao martírio que é o presente, e ao sacrifício que vai nos matar?!... Eu te quisera beijar, beijar sem fim! Ter-te bem agarradinha a mim, acariciar-te toda com as minhas mãos e meus olhos deslumbrados! Suspirar na tua boca!... Que infelizes nós somos! Resignação? É possível viver sem um grande e nefasto sofrimento?...

E ainda vou inquieto pela tua saúde. Tu me disseste ontem pelo telefone que havias “levado um tombo...” Tu sorriste da minha angústia... Amor, tu ficaste contente de sentir a minha vibração por ti... Mas ela é perpétua, eterna, imortal. Amor!

A explicação que me deste não me chegou clara, oh! Que maldito telefone! Apenas percebi dizeres que estavas com teu pai, e afirmares que não estavas, machucada. Isso é essencial, teu lindo corpinho divino, machucado, sofrendo, dolorido, ferido, oh! Não, mil vezes não! Mas quem sabe se vacilaste e caíste porque estás atordoada por tanta tristeza?... A dor te perturba os sentidos e tu não tens o mesmo equilíbrio, pobre coração adorado da minha “Petite Chose” idolatrada! Espero amanhã saber de tudo pela tua carta que receberei em Paris. Oh! Paris sem o meu Amor! Que melancolia! Mas tu virás sem falta e a Esperança me dará a suprema coragem de esperar. Sigo hoje. Deixo esta Divonne da minha solidão de amor e sonho...

Todo o interesse acabou para mim aqui. Resta apenas uma doce e funda lembrança. Daqui eu partia para os teus braços. Aqui eu imaginava te ver, e saía para te ver... Eis o que foi Divonne. Um “ponto” de imaginação e do desejo de eterno amor!... Agora que não posso mais te ver, Divonne acabou, desapareceu, e estou muito melhor em Paris no meio das nossas lembranças do “nosso túmulo” adorado, vivendo a vida sobrenatural da nossa paixão... Não te pude dizer pelo telefone ontem que te havia escrito rapidamente e que hoje Lina podia ir ao correio onde teria seguramente a minha carta, em vez de esperar até amanhã. Mas percebi pelo tom que me falavas que não estavas só e que receavas ser ouvida talvez por Eudóxia. Ou falavas em baixo e não do 3° andar? Mas não estavas livre, e espero que tudo se tenha passado sem transtorno. E assim os nossos divinos dias foram sem nuvens, sem tormento... Oh! Sim, houve aquele triste tormento do tarde em que nos separaram e que tanto me doeu, e que te fez sofrer e mesmo ser injusto para comigo, teu Tudo! Pobre Amor idolatrado!... Que encanto e que dolorosa piedade de ti, quando eu tive o teu corpo combalido, abatido e apaixonado, em meus braços no meu quarto!... Oh! Mal de amor, mal sem fim e o mais terrível de todos!...

Não sofras mais assim, meu Benzinho amado. Não! Tu dizias ontem que “era melhor” não me amares! Pois sim. Petite Chose idolatrada e divina! Não me ames mais!... Mas eu te amarei eternamente e tu serás a Imortal, a sublime Mulher mais amada na Terra!

Oh! Meu ser transfigurado pela Dor da Paixão, arranca esse amor que te mata, mas o meu amor será imortal e absoluto!... Tu não podes, Divina?... Então por que o desejaste, cruel?... Eu sei o que tu és e te admiro em êxtase!

Como eu estou triste a morrer! Essa noite passada, logo depois do jantar sai pelos campos sossegados, vi as estrelas e a lua... Meditei, sonhei, vibrei, revivi... Foi em mim o grande e interminável canto da Saudade e do Amor eterno!

Às 09 horas eu estava no balcão do quarto e voltado para o lugar santo em que respiras e que foi o quadro maravilhoso da magia infinita da “nossa hora”... enfim chegada... como a aurora do grande dia de sol eterno que vai vir para nós, Amor idolatrado! Eu te imaginei aí, dolorida, estranha, mortificada, nessa miserável existência que te fazem!... Imaginei que o “imbecil integral” aí estava te fazendo sofrer com a sua odiosa presença, que o “clown” procurava divertir a galeria... e tu, oh! Amor! Sentias um peso no coração, uma angústia a te cerrar a garganta e todo o teu corpo fatigado de suportar a dor, a tristeza e o nojo... E como te havias de lembrar de mim! Do teu pobre amante desterrado dos teus cuidados, dos teus carinhos de cada instante... Oh! Vida injusta, estúpida e cruel! Reserva as teus “cuidados”, mesma em companhia dos outros para mim só. “Só” para teu velho pai permita que faças um pouco...

E a resto da tua noite cama se passou? Onde estiveste, fantasma que aí estavas, quando a tua alma, o teu corpo, estavam aqui na minha saudade, e no meu sangue, dando-me vida, movimenta, pensamento, poesia, sonho, desejo, e tudo o que é a vida eterna, criada e inspirada pelo mais sublime amor do Universo! Depois de uma longa e tão triste meditação, deitei-me, beijei longamente o teu retratinho “zangada”, “feroz”, como “eu quero”, ah! Adorada! E pensei te escrever. Mas de sonha em sonha, de evocação em evocação, fui adormecendo contigo, e como a luz estava apagada, a noite entrava pela larga janela, a noite que vinha clara do teu lado... Dormi até às 06 horas!... Era tudo cansaço, tristeza, mortificação infinita...

E agora te escrevo pela última vez de Divanne. Lá me vou para a verdadeira terra do nosso amor... E tu virás e nas serenas venturosas, esquecidas, grandes e loucas de paixão. Vem! Não sei se a megera se resolve a deixar Brides hoje. Não me parece. Não lhe dou conselhos e nem faça sugestões. Ela que faça como quiser.

De Paris telegrafa para paste restante (sempre a Lina, naturalmente) e te escrevo imediatamente. É possível que tenhas a minha carta domingo. Farei tudo para isso.

Manda Lina ao correio domingo por causa do telegrama.

Agora... 01 hora da tarde, acabo de almoçar e venho te dizer, meu divino Amor, a multidão de sentimentos da minha pobre alma dolorida. Tu me adivinhas, pois nós somos um só, e o coração que em mim palpita é o teu doce e sublime coração... Adeus!

Fica tranquila, doce Amor, que aqui não deixei nada. O teu retratinho foi para Paris.

Oh! Minha Beleza! Os sinos!... Os sinos tocavam a aleluia da nossa Paixão e da nossa volúpia imortal!

Devoro-te de meus beijos apaixonados e num êxtase supremo, infinito, todo o meu ser se une eternamente a ti...

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 24 de dezembro de 1919.

Noite de Natal.

Sublime Amor! Minha Esposa idolatrada! Oh! Minha doce Paixão e minha Beleza imortal! Escrevo-te da minha tristeza infinita à tua desolação melancólica! Somos dois desesperados de amor que separaram nesta terra e que se buscam nos espaços... São 02 horas da noite... Errei longamente só, e com o amor que nos ampara e nos guia. Errei pela beira desse mar sossegado e quase morto como a face da lua... E o “réveillon” do teu Amante desterrado tem sido na solidão da terra com as estrelas do céu... Oh! Como conversei com elas!... E para mim elas são os teus pensamentos de amor, os teus divinos desejos que se iluminam no céu e se comunicam comigo! Há uma infinidade desses pensamentos estrelares que são teus, vêm de teu coração apaixonado e cintilam, uns docemente, outros longínquos, tímidos, outros profundos, outros ardentes, como beijos da tua boca maravilhosa!...

E o meu silêncio foi iluminado, e tudo foi divino... Foi o único instante de paz que tive depois que me apartei de ti, Amor meu! E que paz! A paz da tristeza, o repouso na desolação sem fim...

Que separação a nossa, meu Bem adorado! E por quê? E para quê?

Já te disse na breve cartinha desta tarde o que foi a viagem. Simplesmente infame. 26 horas horríveis e infectas. Tivemos baldeação em Nice para maior castigo, e sem “wagon-restaurant” durante o trajeto de Paris até aqui.

A megera esteve intolerável de cacete, a se queixar, a gemer e em tudo nojenta! Na estação de Nice esteve rabugenta, zangada, o que me deu dor de cabeça.

Afinal chegamos e como Heloisa e o marido não estivessem na estação, fomos à casa deles. Só aí estava a menina com as criadas. Havia um quarto, preparado para nós, um bom quarto, com vista para o mar, e sala de banho e “02 camas” (não haveria perigo, porque Heloisa não dorme mais com o marido).

Afinal chegaram eles do Casino e nos encontraram jantando depois de ter “eu” tomado banho. A megera por esse tempo se distraia com a neta.

Fatigadíssimo dormi e só acordei às 09h30min! Nunca mais me deixaram livre até às 04h30min quando a megera voltou à casa para preparar a árvore de Natal e eu fiquei na rua sob pretexto de cabelereiro e uma visita aos Dantas. E foi nesse momento que pude te escrever aquelas rápidas primeiras linhas e mandar-te a meu telegrama. Quando receberás esse telegrama?

Virás amanhã pela manhã ao nosso saudoso reconta? E a minha cartinha? E esta do meu “réveillon” contigo?

Jantamos cedo e ninguém quis sair à noite. Sai só, e sem plana de te escrever. Sai para viver contigo na grande solidão da noite. E vivi tão profundamente, tão louca de paixão que entrei neste “café” para te escrever e mandar-te aquela que já recebeste eternamente, a minha alma, o meu coração... Oh! Minha idolatrada Santa! Que amar sem fim e sem princípio como a eternidade...

Neste ruído dos outras tudo é silêncio e beleza divina para o teu Adorado!... Escreve-me a tua alma e a tua vida. Quero “tudo”, “tudo”... Oh! Eu te cubro dos meus beijos... Amor, amor! É a noite do símbolo da revelação do amor dos homens! Mas o nosso amor é eterno e divino!... Oh! Nazareth!

Beijos! Adoração!

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 25 de dezembro de 1919.

08h30min da noite.

Minha doce Vida, meu Bem supremo, como é triste a minha pobre existência nisto que é para mim uma solidão pesada e asfixiante! A decepção de não poder receber as tuas cartas me exaspera e me faz doente. Depois de Mônaco esta manhã, onde fui para te escrever e telegrafar sossegadamente, almocei, dei uma volta, vagando por essas ruas e à beira-mar, até voltar à hora do jantar que foi antes das 07. Depois do jantar para fugir à estúpida conversa familiar, sai sempre só e vim a este gabinete de leitura do Casino sem passar pelas salas de jogo, e nem é necessário a autorização indispensável para se penetrar naquelas salas. Aqui se é livre, e muito independente. Descobri este recurso que é um refúgio agora à tarde. Posso vir às manhãs quando te escrever. Fica sossegada, minha Adorada, que tudo farei com a maior cautela.

E as cartas de teu coração que me escreveste, Amor?! Farei tudo para ver se as obtenho amanhã. Talvez mudando o empregado, vindo outro, serei mais feliz. Infelizmente não estamos na França e eles aqui querem ser mais severos, porque são desconfiados. É verdade que estamos em Monte-Carlo, na terra dos vícios, dos furtos, dos crimes.

Oh! As tuas cartas! Que tortura, que suplício sem nome saber que elas estão aqui e não me são entregues. É de se adoecer de desespero! Como o meu pensamento não te abandona um instante! E a tua saúde? Foste ao médico? Fico inquieto por tudo e triste, triste porque não me tens aí ao teu lado, e não te posso acariciar com aquela paixão de todo o meu ser! Como tu és bela, meu Amor, como nós somos um só na eternidade do amor!

Aí estarei sem falta na “manhã” de “05 de janeiro”. É uma segunda-feira. Chego às 09 horas, e às 11 horas posso estar no nosso “segredo...” Dispõe de “tua manhã” para nós, e da “tua tarde”.

Boa noite, minha Paixão imortal!... Os meus beijos voam para ti e te acariciam docemente...

Ainda não entrei nas salas de jogo do Casino. Só aqui penetrei para vir agora ao salão de leitura. O teu Amante é mais “sage” do que tu mesmo imaginas. Não Amor, tudo isso é muito idiota para quem vive da eternidade, para aquele que te adora, oh! Minha Santa imaculada, pura e imortal, idolatrada Nazareth! Amor! Amor!

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 26 de dezembro de 1919.

Sexta-feira 11 1/4 da manhã.

Amor adorado! Sublime Santa da imortal Paixão! Jamais deste lugar de misérias, um grito de amor tão puro e tão eterno foi lançado... E dirigido Àquela que é toda luz, toda a brancura da alma, toda a doçura do coração humano! Oh! Triste sorte do amor, mas este purifica tudo, e escrevendo-te daqui, e neste papel, nenhuma mancha recai sobre nós, e nada de tristemente infame chega aos teus divinos pés. Tu és a Santa! O pecado, voltando-se para a tua luz, se purifica, e tudo é beleza. Nunca me vi tão mal instalado para te escrever como aqui. Preciso tomar mil precauções, examinar os outros e agir com segurança. Tudo o que te mando daqui, do meu coração, pode ser na aparência, desordenado, mas é integral de fidelidade, de intensidade sublime, de grandeza imortal. A essência é única e deste amor ninguém a não ser tu, oh! Minha Beleza idolatrada, jamais teve em todo o Universo e na eternidade do Tempo.

Como eu estava ontem ferido, doente, mais morto do que vivo pela enorme decepção de me ver privado das tuas cartas que o empregado da “posta restante” não me queria dar. Esta manhã levantei-me enérgico e disposto a ganhar a partida, (oh! Linguagem de jogo!) e vim direito ao correio. O empregado desagradável não estava. “La chance!” e ao que distribuía as cartas falei em tom decisivo e de comando. Foi um encanto, a tua divina carta passou rápida às minhas sôfregas mãos. Desapareci com ela. E na rua, em lugar solitário, abri e vi que era a de quarta-feira escrita de nosso saudoso ninho. Oh! A bela, a linda, a meiga carta do meu Amor sublime! Como a devorei de carícias enquanto a lia! Minha carta que eu julgava impossível, perdida para sempre nos arquivos do correio de Monte-Carlo!

Parecia um grande milagre e era uma maravilha que se realizava. Li e reli tudo o que me contas, Amor. “Quero” que sempre sejas assim “completa”, inteira para o teu Adorado, e me digas tudo, tudo. Não sou eu o teu Tudo, o teu Confidente, o teu Amigo, o teu Mestre, teu Dono e Senhor?... E teu companheiro eterno na beleza, na paixão, na volúpia, na luxúria, no sonho, no ciúme e no sublime?...

Gostei muito que tenhamos ao “menos” duas longas tardes por semana, e o resto o teu amor nos dará. Vejo com prazer a perspectiva de “O.” ficar em Varsóvia... São favores do Destino àqueles que merecem a ventura suprema como nós, os Amantes incomparáveis.

Nada de novo em minha simples vida aqui. Vou pedir um rendez-vous a Camille Mauclair.

Aperto-te o corpo idolatrado ao meu e tudo é amor! Beijos, beijos   

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 27 de dezembro de 1919.

11 horas da manhã.

Meu Bem supremo, minha Santa imortal, todos os meus beijos ardentes, minhas carícias doces e fogosas te envolvem o corpo adorado e um grande e divino êxtase enche as nossas almas que voam da volúpia aos céus do Ideal!... Como eu vivo de ti, da tua Beleza e do teu encanto perpétuo, minha adorada Sedutora!... No meu silêncio infinito, que é sempre a separação de ti, o teu ser está unido ao meu e tudo é grande e absoluta unidade. O martírio de sair desse silêncio é horrível e por isso eu fujo a tudo o que é companhia dos outros e vivo errante e só, ou então recolhido e só.

Como somos infelizes em nosso incomparável Amor! Não nos é dado nenhum momento de longo e eterno esquecimento! Nos mais belos lugares da terra não somos nunca sós... Sempre outros, sempre devemos ser vigilantes e jamais nós podemos esquecer! Que sorte desgraçada em tanta magia! E o nosso sofrimento não terá fim? Oh! Amor idolatrado, quando a liberdade, o fim de tanta privação? Por que o mundo não entra num grande cataclismo, numa catástrofe em que sociedade, nações, leis sociais, famílias, tudo soçobre, se afunde, para deixar livre e radiante o nosso Amor imortal?!...

É para essa absoluta liberdade contigo que todo o meu ser aspira, e cada gesto que eu faço é para te ter para mim só, divina, pura, sublime, imagem suprema da Paixão imortal!

A minha existência longe de ti é aquela que se conforma com o meu sentimento infinito. Vivo só.

Ainda não penetrei em uma só sala de jogo, nem em restaurantes de festas. Tenho almoçado e jantado sempre em casa.

Ontem à tarde depois de um longo passeio só, estive recolhido no meu quarto com vista para esse sereno mar. Meditei muito sobre nós, sobre o nosso sublime Amor, a nossa imortal união, sobre a tua Beleza, o teu divino coração... Oh! Meu Bem adorado. E nessa meditação aspirei ao Ideal... E recolhi a inspiração que me fará trabalhar hoje à tarde. Eu estava tão cansado e depois tive uma decepção tão seria quando não me quiseram entregar as tuas cartas que fiquei por algum tempo atordoado e paralisado. Enfim agora estou mais forte... Tuas cartas me chegam bem. Recebi ainda há pouco, o telegrama de ontem e às 06h30min da tarde as tuas cartas de terça e quinta-feira.

Tu viste que os nossos “réveillons” foram semelhantes. “Réveillons” de amor puro, tu procurando na música sublime do puro “Parsifal” os meios de te comunicar comigo, e eu passei a noite com as “estrelas” que eram os teus pensamentos, as tuas mensageiras de amor a teu Ausente idolatrado! Amor, como tu és bela e incomparável!

Pelo meu telegrama tu vês que tenho certeza de chegar aí na manhã de 05, às 09 horas, na estação. A megera fica aqui. Já tenho “couchette” para mim e Themis, tudo pago.

Espero escrever amanhã mais longamente e sem a pressa de hoje.

Adoração! Amor! Beijos, beijos...

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 27 de dezembro de 1919.

Sábado, 09 da noite.

Não pensava, meu Amor adorado poder te escrever ainda hoje. E como tenho um pouco de liberdade vim dar a boa noite ao meu Ídolo e dizer-lhe a minha saudade infinita. Oh! Esta saudade que é uma ressurreição, que companhia me faz neste desterro! Tudo o que é teu vive em mim gloriosamente, minha Beleza ideal! Tenho “saudade” dos teus divinos olhos tão doces, tão infinitos, tão negros-azuis como abismos tentadores, saudade da tua boca que me beija tão gostoso, e que eu beijo ardente e voraz e meigamente, esquecendo nela tudo o que não é amor, ternura, desejo, união eterna de carne e da carne, na vertigem da paixão... Saudade da tua voz, música do amor, voz de onda que murmura, de brisa que canta, voz dos sentidos e voz da alma e da paixão, saudade dos teus braços tão esbeltos, tão elegantes, braços que me apertam ao teu corpo e me prenderão para sempre, saudade das tuas mãozinhas tão mansas, mensageiras da ternura infinita do teu coração amantíssimo, mãos puras, mãos de volúpia e de bondade eterna, saudade da tua pele que me enleva, me arrebata, me acaricia e que me envolve docemente e febrilmente... Oh! Pele do meu Amor transcendente, saudade desse calo marmórea e tenro onde a minha cabeça repousa estonteada de beijos e onde a vida eterna do amor maravilhoso palpita como ó arfar do mundo de desejo... Oh! Morada divina do coração da minha sublime Nazareth... Oh! Amor glorioso e supremo, amor que é a vida eterna!... E saudade do teu cabelo que me cobre, me amacia a tristeza, me exalta a sangue, saudade das tuas sublimes pernas de amor que me enlaçam, me retém, me acariciam... Oh! Volúpia do meu ser que se abisma na tua carne de paixão e vive na eternidade suprema do desejo que se não sacia, que é eterna e é divino...

E como nesta tortura possa viver longe de ti, meu amor adorado? Oh! Que martírio sem nome... Piedade, destina atrás... Dá-me a minha Amante, o meu Tudo, a meu Amor, a minha mulherzinha idolatrada, e tira-me deste degreda infame e leva-me sem demora para o que é “meu...” pois longe dela tudo é morte, dor e sacrifício sem fim! Saudade! Saudade!

Boa noite, Amor meu, boa noite! E as meus beijos te buscam através desses espaços e tudo vai se unir no mistério do desejo sem fim... Boa noite... Dorme com o meu pensamento que te protege e te leva a minha eterna adoração...

Oh! Saudade! Oh! Paixão!

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 28 de dezembro de 1919.

Domingo, 11 3/4 da manhã.

Alma de minha alma, doçura e terna esperança. Bom dia, Amor da minha vida! Contigo me deito, contigo me levanto!... Oh! Mas é infelizmente só em pensamento, que mesmo belo, infinito, eterno, não é tudo! Eu te quisera divinamente na realidade profunda do teu ser nos meus braços, o corpo fundido ao meu, no perpétuo êxtase! Amor!

Esta manhã fui embaraçado na rua pelo encanto com a família, furioso de não ter a minha liberdade e antes de ter ido ao correio. Depois de uma hora pude largá-la sob pretexto de ir ao cabelereiro. Monte-Carlo é menor do que Evian, e devo ter mil cuidados em evitar a “família” e os Dantas (que raramente vejo, mas que o acaso pode me fazer encontrar).

Vim do correio e tive o prazer infinito do teu telegrama de ontem à tarde, mas a decepção de não ter a tua carta de sexta-feira.

Agora recebo a tua correspondência sem o menor embaraço. Aquele mesmo empregado difícil não me exige mais prova de identidade. Foi uma grande causa porque sem as cartas de minha Petite Chose adorada como poderia viver eu aqui?!

Oh! Meu Amor tão belo, tão divino, como eu te quero com a mais sublime Paixão!

Então estás contente de me veres enfim “só” em Paris?! Aí terei uma completa semana livre. Penso em te levar com as meninas ao “ballet” russo da Ópera e também ao “Oedipe”, de Gémier. Ainda não sei a tua impressão da “morte do cisne”. É a carta atrasada que me devia dar conta do que sentiste. Adorada minha, eu te cubro de beijos eternos e fogosos. Vou almoçar e desesperado de te deixar, meu êxtase sublime.

Amor! Para a vida e para a morte.

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 28 de dezembro de 1919.

Domingo, 05 horas.

Minha “Thereza” idolatrada, Paixão imortal, minha Beleza! Vim do correio onde tive a tua linda carta de sexta-feira, que me faltava esta manhã. Li e reli essa carta de amor que me fez tanto bem e que te remeto para ser guardada aí. Tu me dizes ter recebido as minhas cartas de 24 e 25. Não sei se recebeste a da noite de Natal, do meu triste e belo “réveillon” contigo, sob as estrelas. Vejo a impressão que tiveste com a “morte do cisne”...

Fui a Mônaco visitar o museu marítimo que é muito curioso e me sugeriu alguns pensamentos sobre a beleza do fundo do mar, qualquer coisa que eu já cantei no “Malazarte”, lembras-te: as estrelas do mar, as pérolas, os corais... Depois desta visita voltei a Monte-Carlo. Fui ao correio, e de lá venho feliz, muito feliz de ter a doce carta do meu Amor adorado.  

Domingo, 04 de janeiro, parto daqui com Themis, ao meio-dia e 37. Chegamos a Paris na segunda-feira às 09 horas da manhã. Tu sabes, Amor meu? “As saudades são imensas...” E tu?... Murmura nos meus ouvidos o teu canto de paixão, e tudo será divino!...

Boa noite, Amor! Dorme bem. Eu velo sobre ti. Beijos, beijos e toda a minha alma em perpétuo êxtase!

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 29 de dezembro de 1919.

Segunda-feira, 10h30min.

Meu Amor! Meu Tudo, minha Beleza, minha vida, sinto o coração que bate ardente e sôfrego por ti!... Acabo de receber a tua carta de sábado, à tarde, que me encheu a alma de saudade e de alegria.

Tu me chamas para o teu lado... Sim, eu estarei eternamente contigo, na beleza suprema, na Paixão, na imortalidade, e tu sabes que nós somos “um”, a unidade sublime e incomparável...

Não viste agora mesmo que na noite de Natal, enquanto tu tocavas a melodia, a harmonia cristã de “Parsifal”, que no fundo é uma expressão do panteísmo místico que a música cria e comunica, eu aqui neste lugar ignóbil, fugia a todas as impurezas, e só, e no silêncio da noite, em face do mundo dos mistérios, do mar, do céu e da sombra, falava do meu amor com as estrelas e tudo eras tu, minha Beleza, meu êxtase, mística Amante do Puro Amor!...

O meu telegrama desta manhã, que receberás à tarde de hoje, te repete o meu fiel e terno juramento: “Estarei eternamente contigo”.

Terás de combater um pouco por nós, para que fiques ao meu lado neste grave momento, em que a separação seria perigosa, pois “O.” não está ainda instalado em um posto definitivo e as coisas se devem normalizar aqui, antes de te separares de mim. Serei o teu conselho, a tua força invencível, e a tua doçura suprema e inesgotável.

Não é isto a Paixão? E que amor no Universo maior do que o meu?... Amor, amor! Que glória!

Vejo com prazer que o posto destinado é Cristiana. Para “nós” é preferível esse à Varsóvia e Atenas. Christina só pode ser “visitada” por ti em julho e agosto. O resto do ano é inabitável ao passo que Atenas é possível mais tempo, e Varsóvia na primavera é agradável.

Ontem à noite nada fiz, sai um pouco, vaguei por essas margens do mar, à noite. O luar começa, mas o tempo ameaça chuva. Voltei a casa...

Ah! Meu Amor adorado, se tu soubesses como me aborreço aqui, como acho tudo isto uma horrível prisão para o meu espírito e o meu corpo, tu não terias sossego no teu coração amantíssimo enquanto não me visses livre de todo este cacete martírio!... Eu me refugio em ti maravilhosamente! Amor.

Tu és o Amor sublime e eterno.

Beijos ardentes e infinitos em teu corpo adorado.

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 30 de dezembro de 1919.

Terça-feira, 11 horas da manhã.

Meu Bem! Meu Adorado Bem! Meu eterno Bem!

Sim, tu és a minha felicidade única e perpétua, tu és a doçura da minha vida, a razão do meu ser!...

Escrevo-te depois de ter recebido a tua cartinha de domingo de manhã e o telegrama de ontem à tarde. Depois que li essas idolatradas mensagens da tua divina paixão (e li fora do correio), voltei a te mandar o meu telegrama que receberás à tarde. Estou imensamente triste em ver que a tua filha é má para contigo que és a eterna Sacrificada! Miséria do coração humano! Como se pode ser a esse ponto ingrata e injusta contigo que “ainda” vives pelo bem dela em um mundo de onde a tua alma e o teu amor te arrancaram para a tua gloriosa felicidade.

Imagino as maldades que ela te disse que não queres me referir por carta para não me aborrecer ainda mais! Fica em plena calma de consciência, o teu primeiro dever é para contigo mesmo, ora tu e o teu amor são uma coisa só. Para gozares o teu amor na plenitude do teu ser, na beleza, na força da paixão, é preciso que não sofras nem física, nem moralmente. A tua saúde é indispensável ao teu amor, à tua “verdadeira”, vida, e tu não a podes sacrificar inutilmente por outros que no teu sacrifício só vêm a satisfação do seu próprio egoísmo. Dirão: é um conflito de egoísmos. Sim, mas por que os outros não hão de ceder e só tu é que tens de ceder?... Por que são filhos? Não procede esta razão. Tanto os filhos devem se sacrificar pelos pais como os pais pelos filhos, e o que se deve pesar bem é saber onde está a maior vantagem do sacrifício.

A tua viagem “agora” ao Brasil seria uma “refinada tolice”, sem proveito para os filhos, seria um sacrifício tolo imposto à tua saúde, uma desordem levada ao teu coração, o que seria prejudicial aos próprios filhos. Fica pois bem calma, bem forte, tu procedes admiravelmente não indo agora ao Brasil.

E por outro lado tu serás imensamente feliz ficando comigo, com Aquele para quem és o Bem supremo, a Beleza que exalta, a Doçura que esquece, a Bondade que abranda, a Sedução que enfeitiça, a Volúpia que extasia, a Poesia que diviniza, a Paixão que o imortaliza, oh! Minha Nazareth eterna, meu corpo sublime que devoro docemente, fogosamente de voluptuosas carícias, de beijos eternos e loucos...

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 31 de dezembro de 1919.

Quarta-feira, 11,1/4 da manhã.

Meu Anjo de amor! Minha Paixão imortal! É o último dia deste ano do nosso Amor eterno...

Para nós que estamos emancipados de toda a convenção e que vivemos na imortalidade do nosso amor, estas fórmulas nada significam, ano que se foi, ano novo que começa!... Que significa isto para o que é eterno, e que não tem fim?

Mas se as fórmulas são simbólicas, se o pensamento da multidão serve como uma expressão para definir, marcar o indefinido, então façamos o voto supremo de que este ano se cumpram milagres em nossa Paixão, que tu te libertes de muita escravidão, e que a nossa união seja mais livre, e que em face do mundo e das gentes, nós possamos ostentar aquilo que é nosso em face do eterno, do ideal, do absoluto, e do mistério: a nossa Unidade imortal e sublime...

No meu telegrama eu pedi ao destino que não nos separasse tanto neste novo ano... É o voto simples de um Amor sem limites, e que se esforça por se contentar do mínimo ao que ele tem direito.

Como é terrível e triste, e mortífera a separação no Amor!... Tu disseste uma vez: é a imagem da morte... Apenas com a esperança a mais!...

Farei tudo para que vivamos sempre perto um do outro e há em mim qualquer coisa que me diz que este ano tu serás livre e lindamente minha... Oh! Sem esta intuição profunda, espontânea, que brotou no ser que é intuitivo e se comunica com as coisas secretas do Universo, esta profecia se cumprirá e tudo será a poesia eterna do amor imortal...

No relativo das coisas, enquanto esperamos o “absoluto”, terás a certeza de que se fores ao Brasil no fim do ano, eu irei também. Já eu fiz aqui declaração neste sentido, e Heloisa julga que foi ela quem conseguiu de mim essa promessa. E tudo terá uma aparência razoável. Nada nos impede de nos reunirmos em nosso país!

Oh! Como eu te verei sublime à claridade da nossa luz, e à beira do nosso mar!

Minha alma transborda de poesia por ti, Adorada, que vives em meu ser e me inspiras o gênio...

Infelizmente aqui o tempo de minha liberdade é muito curto. À tarde Heloisa quase não me deixa. Ontem levou-me a Menton, rápido passeio em autocarro que durou hora e meia.

Conversei a sério com Heloisa sobre a sua estúpida conduta contigo. Afirmou-me que é tua amiga e muito reconhecida, que nada tem com as tolices da mãe. Mostra-se muito contente em te frequentar de novo.

Tenho me “aborrecido” muito aqui e estou louco por me ver nos teus braços onde a mais gloriosa e mais ardente e mais transcendental paixão agasalhará este meu ser que o amor fez imortal! Themis chega hoje e a minha liberdade diminui... Mas o Amor tudo vence e tu és o Amor! Oh! Minha Nazareth idolatrada! Beijos infinitos. Adoração.

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 01 de janeiro de 1920.

Ano Bom.

Eterno Amor! Sublime Amante! Meu Ideal e minha suprema ventura.

No símbolo a profunda Realidade!...

Tu és para mim o Sonho e a Verdade!... Oh! Adoração perpétua de todo o meu ser pelo teu ser, oh! Inefável, infinita e absoluta Unidade do Universo que se realiza em nós!... O máximo da vida foi atingido neste amor incomparável. Vivamos esta Paixão em toda a sua intensidade, em toda a sua maravilhosa beleza. O meu voto para o Ano que começa, é a consagração de toda a minha existência, de cada instante meu, de cada pensamento mais inconsciente para tua felicidade e para o sublime triunfo de nosso amor! Tudo que não te interessar não existirá para mim, meu Bem adorado. E tu me ajudarás de toda a imortal força deste amor incomparável.

Que eu possa realizar as obras de poesia e pensamentos criados pelo nosso amor e vindos da fonte miraculosa do teu doce e invencível coração, onde vive o grande e eterno amor!... Assim firmes neste propósito superior, nós seremos vencedores em tudo, a tua libertação se completará, e tu viverás enfim na glória da Felicidade sem limites, no êxtase perpétuo da Paixão, que faz a magia do Universo.

Penso que as violetas brancas, simbolizando a pureza do nosso amor e a minha vida “imaculada” aqui (e sempre) te farão doce companhia em teu quarto e darão um tímido clarão branco nas trevas do teu divino sono... Oh! Minha adorada, que saudades de ti e que sacrifício esta inútil ausência! Felizmente o martírio está acabando.

Na manhã de 05 estarei no nosso ninho de amor.

Se não puderes vir pela manhã, virás sem falta à tarde. Deixa uma cartinha dizendo-me o que devo fazer e o que de importante te aconteceu depois de 31, data da última carta para aqui.

Themis falou de ti com radiante amizade, porém meio reservado com a megera. Idiota! Pela primeira vez ontem, de dia, entrei, levado pelo Rosa e Heloisa, na sala dos jogos do Casino. A minha impressão foi de que esses jogadores são imbecis e que o “risco” e a fortuna está em outras coisas e não numa bola e no jogo. Não joguei nada, estive ali apenas meio-hora. Que mau cheiro, o mesmo dos tramways e metros! A alegria, o luxo, de Monte-Carlo são lindos. À noite Themis não teve ânimo de entrar na sala de jogo. Gostei desta repugnância instintiva. É pena que Heloísa seja forçada a acompanhar o marido. Mas isto não nos interessa, meu Amor divino. Meu ser te quer ardentemente. Beijos, oh! Minha sublime Nazareth! Idolatrada e imortal!

(Monte-Carlo para Paris)

Monte-Carlo, 02 de janeiro de 1920.

Sexta-feira, 11 horas da manhã.

Minha Santa idolatrada! Alma de minha alma, Êxtase, Ídolo, Paixão, meu Tudo!

Desde ontem a tua divina carta que me sustenta e me inebria todas as manhãs, não veio ao teu Amante desesperado neste forçado exílio! Que desequilíbrio em meu ser causa esta interrupção de comunicação contigo!

No degredo em que tão repentinamente me vi, só as tuas cartas e os teus telegramas me davam coragem e um raio de felicidade. Sei que não estás doente e que me escreveste tanto na terça-feira como na quarta, 31, pois desse dia é o teu último telegrama que respondi ontem. Ontem, 1º, recebemos o teu telegrama de ano bom, das 09h45min — e aqui chegou às 05 da tarde. Eu estava em casa e tive a alegria de receber o teu pensamento e o teu nome!

Amor idolatrado, dentro de 48 horas estou deixando estas paragens para mim desoladoras e voando aos teus apaixonados braços, “et le reste” tão sublime!...

O meu pensamento fixo à essa partida e essa viagem. Espero que o trem não tenha atraso nem pela desordem das coisas, nem por motivo das inundações nas vizinhanças de Paris. Oh! “Sena” admirável em cujas margens se realiza o mais divino mistério da Paixão na terra, abranda o teu ímpeto, modera a tua louca expansão, e deixa passar rápido, alegre, vivaz deslumbrado, o Amor!...

E não havendo embaraço posso estar na Rua de Rivoli mais ou menos às 10 horas e apenas dando tempo a uma rápida toilette, um mergulho na água quente, e mesmo “barbudo”, corro ao nosso encantado paraíso. Aí ou terei a tua divina e única e sublime realidade, ou a tua imagem, a tua saudade e os teus desejos de amor que flutuam no ar e me anunciam o noivado eterno dos nossos seres que se atraem perpetuamente e se unem no Infinito da Paixão imortal!... Amor, como eu te adoro! Não sei mais dizer isto que é a essência do meu ser e é a razão da minha vida. Tu tens a maravilhosa certeza de que és o ser mais amado do Universo. E eu sinto que tu és eternamente minha, que és a minha esposa fiel e sublime, o meu Anjo de Amor, a minha Santa mística, o Ideal, a minha Criação, a minha Amante eterna, a minha volúpia infinita, o meu Pensamento, o meu Desejo, a minha Poesia, a minha sensualidade, a minha carne de amor!... Oh! Doce, eterna, mágica, sedutora, mansa, tenra, ardente, divina Nazareth! Que eu te beije sem descanso o teu corpo sublime, que eu ouça perpetuamente a melodia da tua voz que me arrebata, que eu sinta pulsar o teu divino coração junto ao meu, que os nossos pensamentos sejam um só pensamento, que as nossas vontades sejam unidas e fieis a nós mesmos, que os nossos êxtases sejam sempre eternos e incomparáveis, que nos transportemos ao reino do Amor imaculado, às regiões do Ideal, renunciando perpetuamente a toda realidade indigna do nosso Amor, e vencendo tudo o que se opuser à nossa Paixão imortal... É para este paraíso do Amor que vivemos, minha adorada Santa, e nele toda a nossa alma ardente e mística!

Amor! Meu Amor! É esta a minha última carta daqui. Se vieres na manhã de domingo ao nosso ninho, a receberás antes da minha chegada. Não te escrevo amanhã, porque a carta só estaria aí segunda-feira. E eu prefiro chegar eu mesmo, que ardo de desejos e morro de saudades tuas, meu Bem!...

Ontem choveu aqui muito e muito. Foi impossível qualquer passeio. Ainda tentamos, Temístocles e eu, ir a Mônaco. E como o carro era aberto (apenas fechado como os do Brasil com cobertas) resolvemos parar no correio de onde Themis mandou alguns telegramas e entre outros a você. Daí fomos visitar o Casino, que é na vizinhança do Correio. Entramos nas salas dos jogos. Naturalmente nenhum de nós jogou. Themis achou tudo medíocre e teve um grande desapontamento visto as lendas que correm deste famoso Monte-Carlo. Vimos o sistema de jogos, voltamos a casa às 04 horas, e daí, não saí mais passando a noite chuvosa a ouvir tolices familiares...

Oh! Eu nesse mundo! Nessa atmosfera que me é tão estranha! Ia esquecendo de dizer que à tarde, recebi, antes do teu consolador telegrama de feliz ano novo e de “saudades... uma carta de Mauclair, que veio de Grasse, próximo de Cannes, em 3 dias! Não há meio de nos encontrarmos aqui na Rivière, e eu tive ontem mesmo de escrever-lhe longamente sobre o prefácio de “Malazarte” que quero obter dele para a edição francesa.

Os meus projetos literários para este ano são: a “Estética da Vida”, que vou preparar com rapidez, o nosso romance, Poema sublime da nossa Paixão, e a edição em francês de “Malazarte”. É um imenso programa que tu me “farás” realizar, meu Bem idolatrado. Sim?... Canta contigo, com a tua perpétua inspiração, com o teu secreto desejo, com o teu pensamento eterno e profundo em mim e em “nossos” livros.

E que glória para ti, Amor, de veres enfim realizada, escrita, admirada, este Poema incomparável, que veio de ti a mim, nascida da União imortal dos nossos seres. E tu serás a Admirável, a Abençoada dos nossos leitores do futuro, e serás a Companheira do teu Poeta, na memória e na gratidão dos que vierem depois de nós!...

Façamos um voto solene de cumprir este ano esses trabalhos, e se eu tomo assim esta resolução, foi porque eu a senti viva em ti, Amor, porque na confidência mais tenra, mais doce, mais apaixonada de teu ser, tu me disseste, quando, divina, repousavas nos meus braços e sob as meus olhos em êxtase, em nosso leito de amor!...

Depois que eu acabar esses trabalhos que são definitivos do meu espírito, só escreverei a história da minha vida e como eu peregrinei neste mundo até chegar a ti, Amor, a ti, que eras o meu Desejo inconsciente, Aquela para quem eu fui criado, como tu foste criado para mim.

Como eu sinto não ter de te escrever amanhã, e depois, enfim no tempo que ainda me resta passar aqui.

É tão agradável, tão belo, tão “necessário” ao meu coração te escrever que é um desespero quando não o faço.

Felizmente hoje tive liberdade. Temístocles foi a Nice. A megera está em casa com a neta, porque o tempo está úmido. Heloísa e o marido foram à missa, mas voltam sem demora para a casa. Themis me fala muito em ir ao bailado russo na noite de 06, antes de partir para Lisboa. Diga-te isto por causa do teu projeto de jantarmos os dois contigo nessa noite. Não achas que eu deva ir à tua casa na noite de segunda-feira? Farei como quiseres.

Oh! Meu Bem idolatrado, meu divino Amor, minha Santo extasiada! Muitas carícias eternas, meus beijos ardentes, fortes e fogosas em teu corpo divino... E até o dia 05.

Para a vida e para a morte!

Eterno Amor! Adoração imortal! Beijos, beijos... Meu adorado “Cisne”...

(Paris para Paris)

“Nosso Ninho”

33 Rua de Noples

Esta manhã, errando sob o céu azul e longínquo e na doce claridade da luz desmaiada e extática, nesse grande êxtase de toda a Natureza, eu me recolhi, oh! Adorada, ao santuário da nossa Paixão!

O forte e suave perfume do nosso amor me adormeceu os sentidos, e nessa vaga e imortal sensação, a tua divina Imagem me sorria, e me transportava. Tudo era saudade e esperança, porque tudo é realidade intensa e eterna! Aspirei este ar cheio de ti, oh! Paixão! Mirei estas coisas embelezadas pelos teus olhos, oh! Magia! Beijei este leito onde se transformam e se imortalizam a tua Alma e o teu Corpo, oh! Amante! Pensei os teus pensamentos, amei o teu amor, segui o teu Destino, desejei os teus desejos, morri a tua Morte, oh! Vida!

E tudo eras tu na gloriosa e infinita mutação do Universo. Que importa a luz do Sol que importa a brisa vadia e alegrei que importa a forma, a cor que brilham lá fora, se o sol está na minha alma, se o ar está no infinito da Paixão, se neste recanto, neste profundo recolhimento está a magia do Universo!

Oh! Minha pálida Amante!

Por que tu és tão bela e tão pálida?

Sabes?... A palidez do teu rosto me dá este êxtase, onde o pensamento se abisma e o coração se confrange num divino espasmo de desejo, de volúpia e de adoração!

Pálidos mármores das estátuas, pálida Victoria, pálida Diana, pálida Vênus, que dais o transporte da sensação estética, que valeis diante da minha pálida Amante, que é como a Luz, como a Lua, como o Sonho, como a Morte?!... Adorada! Adorada!

(Paris para Vichy)

Paris, 26 de maio de 1920.

Meio dia e dez.

Meu divino e eterno Amor! Meu Êxtase supremo, minha vida imortal... Meio dia e dez!... E tu deixas Paris neste momento! O grande vácuo se fez, meu Amor idolatrado! E neste vazio só tenho para me sustentar a tua mágica e doce lembrança, a Saudade que é uma ressurreição do teu ser adorado e dos instantes da eternidade da nossa Paixão!

E tu, meu Bem supremo, que imensa solidão se fez repentinamente em volta de ti! Como te deve parecer estranha essa infinita liberdade de que não podes gozar na plenitude do teu amor e que é ainda uma terrível ausência. Pobre grande Adorada! Faz da tua solidão um grande poema de amor, em que a alma se exalta e o corpo se prepara para a vida eterna da Paixão. Tu viverás muito em ti, mas não estás isolada, nunca estarás “só”. Eu estarei perpetuamente contigo e tu te abrasarás nesta saudade do Amor e nesta presença real e mística de teu Amante em ti, na tua essência imortal! O teu pensamento será povoado de inefáveis lembranças, a tua memória inesgotável em delícias vividas, e a tua imaginação se confortará no sonho do que ainda vai vir e que é mais belo e mais extraordinário de tudo o que já foi de tão sublime e apaixonado. Vive da saudade e da esperança e tudo será divino em ti. Meu Amor, cerca-te de uma auréola, o fogo místico da minha Brunhehilde que a isola e a purifica... Fortifica esse meu maravilhoso corpo de amor... E que eu te encontre forte, ardente, exaltada de vida e de paixão...

Como estavas pálida ontem, meu Amor adorado!

Eu vi a transfiguração de teu ser na volúpia suprema... Vi esse divino semblante se esvair no gozo infinito e na dor da paixão eterna!

E à noite ainda os vestígios da ânsia suprema e do amor imortal se estampavam na tristeza do teu lindo rosto...

Quando voltei todo dolorido, a megera infernal quis “taquinar-me!” Já antes ela se regozijava com a chuva, pensando que eu não pudesse sair. Se os seres diabólicos tem algum poder na Natureza, estão certo de que aquele temporal foi um desejo mau, tenebrosa da megera, pois esse demônio jubilava enquanto a chuva torrencial caía, e só me chamava de louco por querer afrontar o tempo e ir ao teu encontro. Miserável!

Fui. Vi-te, Amor meu! E que dolorosa tristeza em tudo!... Não. Deixemos estes pobres pensamentos e coragem para a beleza que nos espera e da qual devemos ser dignos, como os heróis da Paixão!

Termina aqui esta breve carta enquanto tu te afasta da terra do nosso amor.

Vim tarde ao nosso retiro, porque tenda recebida uma ordem de dinheiro do Brasil, fui ao Banco e há toda uma complicação por causa do preço da libra que cai, cai a perder de vista! Quis liquidar o que tenho em libras, e andei de banco em banco e afinal resolvi esperar uns dias o conselho do “River-Plate”. Coragem, Amor adorado. Amanhã ti escreverei longamente. Minha Vida! Minha vida é tua vida como tua alma é minha alma! Cubro-te de beijos eternos. Oh! Ontem! 04 horas!

Lembranças à Lina que lamenta não ter visto.

(Paris para Vichy)

Paris, 27 de maio de 1920.

Quinta-feira. 02h45min.

Amor da minha alma! Minha doce e eterna Saudade, meu Bem supremo, minha pura Beleza!

O teu telegrama desta manhã (08h45min) aqui foi recebido às 12h30min. Só o tive às 02 horas quando vim ao nosso retiro da Saudade e da Paixão! Já antes de sair de casa soube pelas meninas que havias chegado bem, sem atraso, e detalhe que não achei no meu telegrama, que já havias começado o tratamento... Vejo que vais executando com firmeza o teu programa e que não perdes tempo. Que disse o médico? Qual é o teu regime? Como distribuis as horas de tratamento? Conta-me tudo. Não penses que há pormenores insignificantes a teu respeito. Tudo que te diz respeito interessa-me vitalmente. Não sei se recebeste o meu telegrama de ontem à tarde, e que devias ter recebido hoje logo ao acordar. Ou por esquecimento não acusaste a sua recepção?

Imagina, meu Amor, que estava metido no meu trabalho, a escrever nesse estado hipnótico que me vem quando componho, e tua imagem divina no meu pensamento fiel e imenso, e de repente em sobressalto, eram 6h30min... Veio-me um impulso de te mandar uma palavra da minha desolação e do meu amor. Sai rapidamente e mandei-te o telegrama rápido porém vibrante que era para o teu despertar de hoje. Vejo que não te chegou às mãos, e que fui traído pelos meios materiais da vida. Talvez tenhas razão, meu Bem adorado, atravesso um momento duro e contrário “la pente”! Preciso retesar as rédeas do carro do meu destino, enfrear as minhas forças nas mãos, e “monter, monter!”

Há em mim esta vontade de poder que é invencível e não temo a batalha. O que é preciso, é a confiança absoluta, a fé inabalável da minha companheira que é a razão da minha vida e o prêmio da minha vitória! Para adiante.

Como é solitário e vazio este nosso doce e infinito abrigo quando tu não estás aqui para animá-lo com a tua beleza e o teu fluido magnífico! As mesmas rosas que olhaste, olham-me vagas e sem expressão, o sofá deserto, o nosso leito extático se deixa envolver num manto de ouro guardando ali dentro a saudade do amor eterno que vibrou e foi o Universo! Lá fora a dia ora escuro ora luminoso, e o meu pensamento vaga no ar como uma nuvem e paira sabre o campo longínquo para onde foste degredada! Oh! Minha pobre e divina Santa idolatrada! Que sacrifício estás fazendo e como é terrível a angústia que te oprime o coração. E por que este martírio? Compreendo que defendas a tua vida que me deste, e que queres ser a minha valente Amante radiante e imortal. Sofres. Mas no meio da tortura está o gozo inefável de esperar alguma coisa de único, de jamais vista ao sentido e que vai vir...

E tu te consolas no pensamento da alegria, na antecipação do êxtase inaudito! E por essa esperança e esse sacrifício tu és divina!... Há nessa tua admirável atitude uma terrível! E sublime emoção. Oh! Minha Amante imortal, eu te venero e te adoro para a eternidade. Meu Amor!

Queres saber a minha existência de ontem? Depois que te escrevi, voltei à casa onde me esperava o Falcão. Almoço. Trabalho com ele até às 04 horas. Solidão até às 06h30min. Telegrama para a minha Petite Chose, volta ao trabalho. Jantar. Trabalho até às 11h30min. Dor de cabeça de cansaço. Sono pesado. Acordo esta manhã cedo e me ponho a trabalhar, (quero acabar até amanhã o meu capítulo sobre a arte). Helo vem almoçar. Recuso jantar hoje com as Rosas. Corro aqui. Tenho a encanta do teu telegrama ardentemente esperado. Vou falar com um homem de negócios, polaco. Volto ao nosso solitário e adorado ninho. Só amanhã de manhã terei a tua primeira carta. Tudo é silêncio para mim. Tu é o meu trabalho, que é uma emanação de ti! Oh! Sublime misticismo do meu espírito que se absorve no seu amor e vive no ser da sua Adorada! Vive por mim, pela nossa incomparável Paixão. Soube que o Sylvio telegrafou de Lisboa à “Americana” avisando chegar no sábado. Até amanhã. Oh! Meu Bem supremo, como te dizer esta angustiosa saudade e esta vontade de voar aos teus braços e viver aí na tua grande liberdade. Como o tempo custa a passar! Amor, Amor! Para a vida e para a morte! Beijos. Adoração!

(Paris para Vichy)

Paris, 28 de maio de 1920.

Sexta-feira, 02 horas.

Minha Divina! Amor meu, meu eterno Bem! Oh! Minha Doçura! A tua primeira carta da tua livre solidão! Era assim que eu a imaginava, a tristeza, o medo, de mistura com a esperança e esse encanto místico do sonho livre na grande paz! O teu sacrifício será mitigado por esse perpétuo desejo de ver realizado a mistério do amor em toda sua plenitude nesses três dias de êxtase perpétuo... Não é já a imagem do que será a vida eterna de amor e de união indissolúvel que juramos realizar um dia?! Confiança, meu Ídolo!

Vê... Nós desejamos do fundo de nosso ser, a liberdade de três dias para o voo sublime da nossa Paixão. Esse sonho vai se realizar... Por que o outro, o grande, o definitivo não se realizará um dia também? O que é preciso é querê-lo intensamente. Tu sabes que nada poderá resistir à nossa vontade. Tudo está em ter esta vontade sempre firme, sempre alerta, jamais adormecida. E parece que ultimamente nós nos deixamos abismar no gozo de nossa paixão e não chamamos a nós as forças ocultas que sabemos comandar para ajudar o nosso destino imortal. Tu me achas um pouco “sorcier?”. Não sei. Quem ama como eu, quem tem essa força íntima com a Natureza pelo mistério da Paixão, tem em si uma divindade invencível. Usemos de nosso poder sobre os outros seres, e sobre todas as coisas. Assim por este poder tu estás aí, “posta em sossego”, esperando o teu Amante que vai colher em teu espírito e em teu corpo a maravilha!...

Que frêmito eu sinto ao imaginar a tua espiritualização pelo Amor! Como a tua alma mística se vai elevar mais alto, mais alto, como o teu coração recolherá os segredos dos teus ardentes desejos e de teus sonhos apaixonados, como o teu corpo se transfigurará na infinita pureza da solidão criadora! O Amor é o teu Criador! Essa atmosfera do silêncio é a pátria da tua alma divina. Oh! Beleza, oh! Imortalidade! Minha Santa Teresa do Amor Eterno!

Os nossos pensamentos como duas linhas partidas de pontos diversos se vão encontrar num só ponto para que ardentemente convergem: só pensamos no instante do nosso encontro, na benfazeja e sublime liberdade. Já na tua primeira carta vês a realização da minha marcha para ti. Talvez, Amor adorado, eu vá diretamente daqui partindo na noite de 09. Assim ganhamos mais tempo. Não acredito que ninguém se ocupe de me acompanhar à estação. Noto que estão me deixando muito em paz, entregue como ando aos meus estudos. Naturalmente irei para a estação como quem vai tomar o trem noturno da Itália, e ainda tomarei o trem de Vichy, de 10 horas. Não, eles não imaginarão que corro ao teu encontro. Não são tão inteligentes para penetrarem até o fundo de nossas almas e dos nossos invencíveis desejos. Coragem! Não te posso explicar, de novo a esperança acende a sua estrela na minha estrada...

Ontem te escrevi um pouco triste. Estava aborrecido por outros saberem mais de tua vida do que eu que sou o teu dono, teu senhor e teu Deus de Amor!... Hoje a tua linda e doce carta explica tudo, e uma grande e forte consolação me arrebata o ser. Oh! Como eu te idolatro e como o nosso amor é a vida maravilhosa. Depois que te escrevi ontem, fui até ao “Evénement”. Em caminho se me deparou convidativo um “bureau de poste”. Entrei e mandei-te o telegrama que seguramente recebeste ontem mesmo antes do jantar. Do “Êvénement” para casa. Não quis ir nem a uma conferência do Goloubeff, e nem ao chá da livraria “Chez Fast” que me tinham rogado de ir. Fui trabalhar e felizmente estava só. O capítulo vai bem. Escrevi toda a manhã. Volto agora a escrever. Amanhã cedo, às 08 horas, o Falcão estará comigo para copiá-lo sob o meu ditado. Assim fica redigido de uma vez. Tu dirás que sou demorado... Mas, meu Amor, é uma condensação ou “cristalização”. Logo que estiver copiado te mando.

Conheço “Atlântida”. Amanhã te direi.

Meu eterno Amor, o meu fiel pensamento te acompanha nessa bela e doce retira de tua alma. Mas como te dizer a ânsia da minha volúpia sofrendo aqui na nossa retira de paixão onde somos os amantes loucos e incomparáveis! Beijos, beijos...

(Paris para Vichy)

Paris, 29 de maio de 1920.

Sábado, 03 horas.

Supremo Êxtase da minha Alma, minha Vida eterna, meu Deslumbramento, como te chamar e como traduzir em palavras vagas e pobres a imensa emoção sublime e inefável que todo o meu ser sente neste momento depois da leitura de tuas maravilhosas cartas... Meu Bem idolatrado, correm lágrimas da mais pura e infinita adoração diante da tua Imagem transfigurada e imortal! Como tu és irreal nessa incomparável atmosfera em que a silêncio é feito de luz, de cor, e do murmúrio das causas eternas... Como eu quisera te ver um só instante nesta irradiação do teu divino ser. E ao mesmo tempo como eu quisera “quebrar” o teu silêncio pelo frêmito da minha paixão...

Oh! Sublime vigília do Amor!

Minha Santa, que beleza suprema e transcendente é a tua nesse instante maravilhoso. Jamais o teu ser, sempre glorioso depois que o Amor nele fez a sua mágica morada, foi tão extraordinário, e esse momento de tua Existência dará uma mística saudade de ti mesmo quando saíres (hélas) do teu reino exclusivo e sobrenatural... E nós ainda levaremos mais alto este êxtase, faremos mais vasto e mais profundo o solene encanto em que vives, oh! Meu Amor, meu Ídolo!

Como eu estou ardendo de desejos infinitos, e como tudo em mim é a suprema Paixão...

As tuas cartas são admiráveis, elas reproduzem soberbamente a atmosfera em que vives, e são o maravilhoso espelho da tua alma divina. Sim. A tua existência é o mais belo e o mais imaginário poema que jamais um ser humano viveu. Bem eu te dizia, a solidão é a pátria da tua alma, ali tu serás tu mesma, teu ser se engrandecerá e tu serás envolta numa auréola que te faz intangível, sublime, angélica. A adoração desses dois espíritos (Lina e Marie) que aí seguem após a tua figura divina são os testemunhos da tua divindade. Neste momento incomparável da vida, tu és exclusivamente a Mulher-Amor. Tudo o mais que era contingente, relativo, se aboliu da tua existência, teu ser brilha na sua pura e imortal essencial... Amor! Amor! Que glória!

Sei que nada perturbará esses dias sem iguais que passarás aí, no teu reino, até a minha deslumbradora aparição. “Esse reino” é “meu”. Tu o criaste para mim ou melhor sinto que o criei pelo teu mágico poder de realização. Tua imagem está diante dos meus olhos eternamente. Pela evocação de cada instante de tua vida, de que tão esplendidamente me dão conta as tuas cartas, sei os teus movimentos e te “vejo” numa realidade absoluta.

Como conheço o quadro de Vichy, é fácil te “localizar” em todos os teus gestos. De agora em diante tu estás diante dos meus olhos não só como a aparição ideal, a imagem que eu adoro, e que é a essência da minha vida, mas também viva, palpitante, minha mulherzinha adorada, meu Bem ardentemente desejado. E eu te sigo e sou inseparável de ti. E os nossos seres se prendem no eterno êxtase da mais sublime Paixão...

Como me sentiria amesquinhado diante da tua grandeza infinita, se a minha existência não fosse a da mais pura solidão no pensamento do amor e no trabalho intelectuaI...

Que horror se eu estivesse obrigado a vida social ou mesmo “familiar”...

Agora tu vês o que há de horrível e doloroso quando se está no puro êxtase, e o “outro” no turbilhão das coisas vãs e mesquinhas e imundas...

E foi um sonho?... Foi uma realidade suprema?... Tu me falaste!... A tua divina voz vibra em mim!... Oh! Amor! Amor!... Não pude reter as mais doces lágrimas. Tu me deslumbras... O que me disseste é a pura Beleza. E como eu não voo esta noite mesmo para os teus braços?!... Não compreendo a minha hesitação que me humilha aos meus olhos e me faz sofrer porque contraria os meus desejos supremos!... Sim, é o “prelúdio!” A divina Tragédia de Amor imortal vai começar. Vivamos a nossa Paixão na pura e única liberdade!!

Não te posso escrever mais hoje. O que eu sinto é tão infinito, tão maravilhoso que não posso exprimir em palavras.

Quero viver o meu sonho, quero neste retiro onde tudo és tu, me abismar no gozo sublime da saudade do meu Bem idolatrado!

Oh! Glória, oh! Maravilha!... “O meu Amor compreendeu tudo...” Ela desvendou o segredo do Infinito... Ela vive o Absoluto da Paixão... “Nós somos um com o Universo!” “Como eu me sinto feliz!” Essa felicidade vem de ti como devia ser!...

Libertemos os nossos corpos da prisão em que os miseráveis os guardam, e unamos para sempre a nossa existência. O sonho é único e a realidade será a vida eterna!

Oh! A tua voz me canta e eu ainda queria inebriar-te nela, quando ela partia longínqua... Adeus! Adeus... E assim foi se apagando... Mas dentro de mim ela cantará! Amor! Amor! Vitória, Glória, oh! Paraíso... Oh! Minha Santa da Paixão, meus beijos infinitos te devoram de amor eterno! Oh! Saudade sem fim! Paixão!

(Paris para Vichy)

Paris, 30 de maio de 1920.

Domingo, 04 horas da tarde.

Minha Beleza imortal! Paraíso de meu Ser, meu divino Amor!

Ontem eu te exclamei: Como sou feliz! Era o grande êxtase que me inundava de um gozo infinito, que me elevava ao sublime das forças humanas. E esta suprema felicidade nascia de ti, do teu ser incomparável, do teu frêmito de paixão, do “absoluto”, em que vives, e que me comunicaste quando me afirmaste pela voz divina do teu amor, que a tua vida de hoje é o prelúdio da tua grande vida de amanhã, de sempre, do futuro, da nossa eternidade. Tu compreendeste! Oh! Maravilha ah! Magia do Amor! Tu viste a profunda realidade, e tu sabes que só ela existe e que a resta que chamam vida real é mentira e ilusão, é a força absurda em que nos metem os miseráveis, aqueles que foram privados do dom sublime de amor e de viver o seu amor. Tu sabes que tu és uma comigo, que somos um só e que temos o dever de viver a nossa realidade, e nos libertar da mentira. Bendita a tua solidão que foi a tua revelação decisiva! O teu ser privilegiada, já despertado, já abismado na eterna Paixão, desde que pude ficar um instante consigo mesma de um modo completo, resolveu a enigma do seu destino. Eu sabia que seria assim, e por isso desejei que estivesses só e quero que o teu silêncio não seja perturbado até a instante “incrível” do nosso maravilhoso encontro. Conto com a tua enérgica resolução para este resultado definitiva e “indispensável”.

Se tiveres visitas, que sejam rápidas e no teu hotel. Não faças passeios banais, “e defende a teu reino”. Não quebres essa atmosfera de êxtase, de exaltação da alma, de comunicação com o Universo, de “viagem maravilhosa” e de admiração em torno de ti por ridículas e vãs cortesias sociais. Sê só, sempre só, com a fiel Lina e a pobre Marie, a te seguirem em perpétua adoração e respeito sem fim. Que importam os outros! Tenhamos a coragem do nosso dever para conosco que é um dever sublime de Amar.

Aí estarei na manhã de 10. Ninguém notará a minha partida, já tão falada, que parece aos outros consumados, tal é o hábito em que estão dos meus livres movimentos.

Depois que te deixei ontem... Depois que a tua misteriosa voz se calou pouco a pouco... Que deslumbramento em mim! Não sei como pude acabar a carta, tirei-me à nossa gostosa e saudosa cama, rolei sobre ela, beijei a tua “marca”, beijei-te em imagens, em sonhos, louco de amor!

Só a muito custo, pude desprender-me deste santuário... E que vontade ardente de beijar o telefone que recolheu o eco da tua voz e ainda te ouvir... Oh! Eu anjo idolatrado! E lá me fui até o correio, tonto de luz e de paixão! Oh! Adorada! Sê minha só!

Faz um grande silêncio no nosso retiro saudoso. Fugi para aqui e daqui ao correio. Esta manhã impossível vir por causa do cortejo a Jeanne d’Arc. Ninguém viu lá em casa a não ser Helo. Passou o Barrès ligeiramente festejado. Passou Léon Daudet muito aclamado. Tudo isto é nada. Só tu és a Beleza, o Sonho, o Amor sublime, a Vitória da Paixão! 10 de junho! Loucura de prazer infinito...

Beijo-te muito, muito. Devoro-te de carícias. Oh! Paixão!

(Paris para Vichy)

Paris, 31 de maio de 1920.

Segunda-feira, 03 horas e um quarto.

Ah! Meu Êxtase sublime, minha Beleza infinita, minha Esperança e minha suprema Realidade. Amor!

Já estão aqui há mais de meia hora, num imenso gozo da vibração infinita que o teu incomparável amor me comunica pelas tuas palavras angélicas, ardentes apaixonadas, lindas e mágicas! Oh! Poderosa! Oh Divinal...

Recebi a tua carta de sábado, que me dá a sensação da espera da nossa conversa pelo telefone e o maravilhoso deslumbramento depois da fusão das nossas vozes e das nossas emoções. Puro e imortal Amor! E agora tu me entendes para sempre. Tu “vês” que eu te quero eternamente, que tu és a minha única vida, e meu ídolo, a minha fascinação, o meu espírito e a minha carne... E tu vês que aqueles por quem te sacrificas, que tu geraste, te abandonam, ou pela menos não te cobiçam com ardor... Como foi admirável e fecunda essa prova da indiferença da família, e te confronto com a pura, imortal amor de toda a vida, e da eternidade dos tempos. Como eu saí triunfador, a vitoriosa, pela imensidade da Paixão, pela fidelidade inquebrantável do maior amor humano, que se fez amor fatal, amor universal, porque tu, ma Petite Chose idolatrada, és o meu Todo, o meu Universo, e eu só vivo em ti...

Que importa que agora “eles” te mostrem uma afetada afeição! A prova está feita. A sorte foi lançada. A minha vitória é absoluta, e como esta vitória é tua, é do nosso Amor! Hosana! Glória!...

Foi por um lado, muito bom (apesar de toda a dor e do grande sacrifício) que tu mesmo verificasses o egoísmo frio e tolo daqueles por quem fazes o sacrifício do teu amor, do teu ser, e da tua vida. Tu és minha para eternidade. Não te basta, meu Anjo adorado? O resto é ilusão, mentira, associação passageira, instantânea.

No reino animal, os filhos não reconhecem as mães. É a lei natural. O que vem depois, o amor filial, a dedicação, foi obra de cultura religiosa e social. Mas o que é animal domina nas naturezas comuns, e só os seres excepcionais escapam a essa regra biológica. Não penses que estou agravando mais o caso para proveito do meu amor. Se assim fosse era ainda justo. Mas acentuo o caso depois que tu mesmo o notaste. E não faço senão repetir as tuas conclusões, quando num impulso magnífico e plenamente consciente tu me dizes: (oh! Maravilha!) “Sou tua, vem, toma-me paro sempre, e eu não lamentarei nada”. Ah! Amor meu, sempre receaste esse “regret”, essa saudade, e essa pena que maculariam a nossa pura e infinita felicidade na união perpétua e absoluta das nossas existências. Agora, essa terrível dificuldade está passada no teu espírito e no teu coração e nós vamos resolver o reino da Beleza que se aproxima e já nos inebria com o seu perfume transcendente, com a sua magia inesgotável e soberana! Amor! Amor!

Como tu és sempre belo, meu Benzinho delicioso!... Começaste a tua carta dizendo que pela faculdade que havia em ti.

Meu sublime amor, minha Paixão arrebatadora... Para que continuar?

Acabo de falar contigo e que são as palavras escritas quando se tem a música sublime da tua voz de paixão imortal?!...

Canto, cotovia! Canta, “meu rouxinol que contaste na aurora da nossa Paixão!...”

E todo o meu ser estremece de um gozo infinito e adivinha o que vai vir!... Que maravilha! Corre mais depressa tempo, eu a quero para sempre, para sempre! Eternidade. Sim. Depois de amanhã falaremos de novo. É uma maravilha... Que delícia infinita, que encanto... Meu Amor adorado. Só penso em voar para o teu corpo todo. Como tu és um magnífico espetáculo! Que auréola nesta benéfica e sublime solidão!

Quem tem um amor assim, despreza tudo o mais, e só aspira à união eterna com o seu amor. A minha vida procura se aproximar desse ideal.

Se ontem fui ao Claridge e passei algumas horas naquela vulgaridade cosmopolita, eu te invejei todo o tempo, e pensei quanto tu eras melhor e maior do que eu! Mas eu tinha a minha adoração que me purifica e a tua imagem que me deslumbra e me acompanha eternamente.

Esta manhã não saí de casa, trabalhei como te disse. Assim farei às manhãs, porque quero as primeiras horas da tarde livres para nós.

As tuas impressões da leitura da vida amorosa de Comte e Clotilde são perfeitas. Só uma Amante como tu pode com tanta exatidão analisar o coração de outra mulher em matéria de amor. Tu vês o que sempre te repito: “nenhuma Amante sublimada pela poesia, pela lenda e pela história te vale”. A tua vida de Paixão é mais bela que a de qualquer delas, e o teu Amor é mais profundo, mais decisivo, mais vasto, mais poético, mais apaixonado, mais amor!

“Tu, só tu, poderias ser Amante de um ser como eu, que vive no Absoluto, no Universal”. Tu és a Amante heroica e pelos teus atos e pelo vão do teu coração tu és imortal e tu és a minha verdadeira, única e inseparável companheira eterna. Tu és a Beleza!... E este mágico nome, no “meu sentido”, só tu o mereces.

Cubro-te dos meus beijos apaixonados. Eterna! Eterna!

Vou daqui marcar os meus lugares para Vichy direto ou Lyon na noite de 09. Oh! Arrebatamento!

(Paris para Vichy)

Paris, 01 de junho de 1920.

Terça-feira, 04 horas.

Meu Êxtase! Meu Bem supremo, minha Saudade sem fim, minha bela e doce Paixão... Escrevo-te hoje mais cedo do que estava habituado porque tive o Falcão logo depois do almoço para lhe dar mais páginas a copiar, e ainda fui ao “P. L. M.” para as “couchettes” da noite de 09. Só hoje começaram as locações para esse dia. Tenho um bilhete de 1º classe para Vichy e uma “couchette” até St. Germain. Por esse trem chegarei ao meu Paraíso maravilhoso às 06h30min da manhã de 10 (que frêmito e que jubilo ardente no teu Amante extasiado!...) Tenho ainda uma “couchette” para Lyon e um respectivo bilhete de 1º classe. Se me acompanharem à estação tomo o trem de Lyon que vai a Vintemillia e corresponde com o que parte para Gênova (3 horas de distância). Se ninguém me acompanhar, como é possível, irei diretamente no noturno de Vichy. Este é o meu desejo, a minha “vontade”. Assim será realizado.

Se eu não chegar a Vichy na manhã de 10, espera-te nesta mesma manhã em St. Germain e farei como quiseres para a minha entrada em Vichy em pleno dia ou à noite. Oh! Tudo se passará como numa mágica sobrenatural e tu me terás no teu quarto na manhãzinha de 10, e eu te beijarei linda, maravilhosa, trêmula, transfigurada... Minha Paixão imortal! Que Amor arrebatador!

A noite passada fazia um luar surpreendente. Estive longamente só, e até muito tarde no salão, e de vez em quando vinha à janela ver a silenciosa viagem da lua na noite vasta e luminosa. O meu pensamento estava fixo na direção de Vichy.

Viste a noite?... Os teus pensamentos também passeavam com a lua errante e serena?...

Quando me recolhi já há muita devias estar dormindo. Sim. Dormiste. Quando a tua voz me deixou eu senti em teu ser um deslumbramento e ao mesmo tempo uma imensa paz... A primeira vez que nos falamos, foi tão bela também, mas quão dolorosa e despedaçador... A tua voz me precedia à vida... E a teu sonho não foi senão a confirmação da que eu pensei. E assim nós somos “um” eternamente, a nossa comunhão é essencial, absoluta, sublime!...

Tu que és um admirável pintor de sentimentos, me dás em tua extraordinária carta de domingo (que beleza!) a paisagem íntima da tua alma e é um deslumbramento!

Hoje só recebi uma carta. A de ontem não chegou. Por quê? Felizmente nos falamos deliciosamente ontem, e foi uma força consoladora. Mas como eu quisera ter a tua carta da véspera! Maldito correio!

O meu trabalho vai muito bem, mas ainda não o acabarei deste impulso. Até sábado te mandarei esse novo capítulo da “Arte”. Talvez te leve alguma coisa do que está feito. Tu lerás aí tranquilamente, será o belo serviço para o “teu” livro, de o leres assim mesmo de o reler sossegadamente, e ver se tudo está o puro “chef-d’oeuvre” que inspiraste. Está entendido que levo tudo o que está definitivamente copiado.

Depois que eu partir (oh! Torturante ideia de pingente e divina saudade...) tu ficarás com os meus pensamentos universais e serei sempre eu em ti para sempre!...

Amanhã estarei aqui cedo para telefonar. Vi às 02 horas sem falta e em 30 minutos terei a comunicação.

Tu me dirás amanhã se tens realmente melhorado. Não te impressiones se as melhoras não se manifestarem logo. Tu tens experiência de “curas”. Quem sabe não foi Vichy que me pôs bom para sempre do fígado. Aí estive antes de ir a Roma (hélas, por esse tem perdido, meu doce e divino Amor), achei que não tinha aproveitado. Mas a verdade é que nunca mais sofri do fígado, como sempre sofri antes no Brasil e Londres. Vichy? St. Moritz? Ou a longa moradia Europa? Quem sabe o que se passa?...

A propósito de mistérios, tu estás a digerir esse “Disciple’’ que é tão pesado. Talvez eu fizesse mal te dar. É um livro curioso, intelectual e em que se joga com a técnica filosófica e psicológica. Continua o “Rouge et Noir” do frio Stendhal, mas que conclui religioso, falsamente místico. Sob este aspecto é detectável e inteiramente estúpido. Mas deve-se conhecer como um livro importante, “à côté”, de uma orientação que não é a nossa. “Seraphite” é um voo místico, vago, etéreo, porém belo. É mais geral e menos pretencioso. Lido este livro de Bourget, farás ponto final com esse autor.

Gostas de teu Mestre severo e exclusivista?

Oh! Se tu soubesses o que é a minha Paixão, meu Ídolo, em êxtase perpétuo? Sabes? Não.

“Agora é que vais ver”. Não tremas. Amor. É a suprema e única Felicidade, o Divino! O Eterno!

Como se faz tarde termino e corro ao correio.

Diz à Lina a minha afeição por ela. Ma formule es celle-ci: “Dis-moi ce que tu admires, je te dirai ce que tu es”. Et Lina admire mon Idole. Donc elle est digne de nous, elle est parfaite.

Estas palavras em francês tu lerás a essa fiel amiga. Quero que ela nos veja na maravilha da nossa liberdade.

Oh! Sonho único que me faz estremecer de gozo infinito... Meu Amor! Como tu és sublime e poderosa! Beijo-te. Para a vida e para a morte. Adoração!

(Paris para Vichy)

Paris, 02 de junho de 1920.

2,3/4.

Meu supremo Amor imortal, minha Paixão, meu eterno Desejo, oh! Fantasia, poesia sublime!

Acabo de ler a tua carta de segunda-feira, ampla, bela, magnífica e quantas vezes dolorosa, mas sempre divina!

A tua inebriante poesia entra-me pela carne e me transfigura... É uma imensa idealidade misturada do delírio ardente do amor e da volúpia em que o Universo inteiro se volatiza e se enternece e se abranda como uma carícia infinita. Em tudo é maravilhoso o te “toque” e tu me exaltas no voo incomparável do amor transcendental. Como que te ouço falar com a tua mágica voz, como que sentisse as tuas doces mãos me ameigar a cabeça e me suavizar a pele, como que te visse em tudo, no ar livre, em plena Natureza, no parque, só as árvores, no hotel, à mesa, na ducha, no teu quarto e no teu solitário e cobiçado leito que nos espera... É o poder de evocação das tuas palavras que me fazei imaginar, e que me cantam a melodia sobrenatural da paixão... Escreve-me assim, mais e mais e tudo é uma maravilha no cenário misterioso da minha saudade da minha imaginação. Oh! Divina!...

Aqui cheguei antes de 02h30min, logo pedi Vichy. Talvez neste instante estejam nos pondo em comunicação eu tremo de alegria... Por que não me telefonou ontem? Pois telefonaste para a casa... Não compreendo bem a significação desse impulso que não está de acordo com os teus sentimentos. E prefiro dizer-te que o achei estranho, e saber de ti a razão misteriosa (porque tu medes admiravelmente os teus gestos sobretudo neste sublime momento em que vives a tu alma ardente e mística) do que guardar uma impressão esquisita da qual quero, como de todas as outras desta ordem, estar inteiramente desanuviado para chegar aos teus divinos braços puro de qualquer tristeza, louco de alegria, único, universal, teu Amante vitorioso e eternamente feliz.

Soube que havias assim telefonado quando fui ontem à noite lá. Não te incomodes com o que te digo. É uma justa expansão com Aquela que é o meu Universo, e que se proclama ardente e sublime, minha Coisa, minha Discípula e que é a minha perpétua Adoração e meu divino Ídolo.

Que terrível saudade, e que martírio sem fim voltar àquela casa vazia de ti e que horror quando vi a megera instalada em tua cadeira... Oh! Profanação! O teu “nicho” poluído por aquele miserável ser! Em vez da tua divina Imagem a figura histérica e monstruosa da megera! Que sacrilégio! E tive de suportar esse torturante suplício. Não. Não devia ter voltado ali de onde nos separamos na noite do temporal que parecia dizer o sofrimento das nossas almas revoltadas e magoadas...

Leio o que me dizes sobre o médico, confio que serás com ele muito discreta, muito longínqua. Nada de intimidades, nem clínicas, nem sentimentais. Os médicos gostam de se fazer camaradas e sustentadores da “moral” dos clientes, o que no teu caso seria uma injúria... “Vê lá”

Quanto à “velha” da ducha dá-lhe um presente da minha parte, se ela sempre te cuidar bem. E... Que tem ela de te examinar?... Como se pudesse compreender! Santa, cuidado com toda essa profanação!...

Já são 03h30min. E até agora não me chamam de Vichy. Que malandros! Vamos, gentes do telefone, “vite”, “vite”, “vite!”

Esta manhã não sai de casa. Trabalhei ainda no meu capítulo sobre a “Arte”, que vai bem. Espero acabá-lo hoje à tarde e à noite. Amanhã cedo sairei com o Falcão para ver se descobrimos um livro velho para o Edgard. Vou à margem esquerda.

Não tenho notícias do “monde” e do “demi-monde” brasileiro.

O “Êvénement” ainda me amola.

A libra se mantem a cinquenta francos. Ainda não vendi as que tenho. Sim, meu doce Amor, levarei dinheiro bastante para os nossos passeios e nutrição. “Malazarte” manobrou bem ontem de manhã como te disse. E como sempre consegui o que quis...

E... Lá se foi a tua voz no telefone que me levou a alma... Agora caiu numa grande desolação. Porque antes era a esperança de te ouvir, a alegria que batia no meu peito. Agora que solidão! Choro a minha saudade sem fim... Tudo é sombrio.

Oh! Que Paixão! Como eu te quero devorar de beijos, de carícias, de ternuras infinitas!

(Paris para Vichy Paris)

03 de junho de 1920.

Quinta-feira. 03 e meia hora da tarde.

Meu divino Sonho! (tu és para mim tão irreal, tão maravilhosa!) Meu sublime Amor! Minha eterna volúpia, minha deliciosa morada!...

Como é uma pura magia, e o mais supremo encanto viver em ti! E eu vivo eternamente em teu ser, e tudo se une no tempo e no espaço pela tua essência, Amor...

Hoje a felicidade foi dupla, duas cartas do meu Bem Adorado, e uma escrita ontem depois da nossa doce e fremente conversa ao telefone!... Que maravilha tu és, minha Santa imortal. Sim, eu sinto a tua infinita paixão, incomparável e única na vida eterna. Tuas palavras entram no meu corpo, e é uma delícia. Cada palavra palpita e vibra e da frase se desprende uma harmonia infinita que é o canto de uma alma, a divina música da paixão.

Não me escrevas à noite. Seria te fatigar. Quero-te forte e ardente, virginal e intrépida. Concentra em teu ser a magia da volúpia que tu derramarás em mim e por ela serei o Amante glorioso e bem-aventurado. Dentro de 08 dias estarei nesse sonho acordado... Nesse Paraíso supremo, alvo de todos os meus secretos e imortais desejos. Tu serás a harpa que vibrará maviosa, tu serás a Poesia e o Ideal, tu serás a Volúpia, a Transfiguração, a Paixão imortal, Amor!...

Tenho bem na memória as tuas recomendações sobre a minha chegada aí e escolha de quartos. Manobrarei para ficar ao teu lado para maior felicidade. No fundo que importa! Não és tu aí uma desconhecida? Vejo que te inquietas sobre o que dizem a propósito das “comerages” de criados. Respeito os teus escrúpulos, meu Bem idolatrado, mas isso não tem importância.

Eu quero que fiques sossegada, que a tua alma não tenha uma só preocupação aborrecida e pequena, fico certo de que és minha para a eternidade, meu reino, meu paraíso, meu perpétuo encanto, minha doce e sublime discípula e Amante imortal!

Vês, aceito as explicações que me deste sobre o “coup” de telefone à casa e não quero mais pensar nisso. Neste supremo instante eu sou plenamente aquilo que somente devo ser: o amante apaixonado, louco, sublime, que espero maravilhado o instante, único entre os instantes, de ter nos seus braços a Amante glorioso, linda, vibrante, meiga, formosa, terna, doce, o “mar de amor”... O abismo do prazer eterno, a união infinita e transcendental. Nossas almas se desejam apaixonadamente. Nós nos buscamos e nós estamos unidos para sempre. O tempo cumpre a sua missão infalível e aproxima os Amantes, o espaço se apaga e o união se fará na liberdade e no delírio supremo... Não partirei só de Vichy. Tu irás comigo para longe, muito longe... Valeu, meu Amor eterno? Sim? Minha ventura infinita... É a liberdade, é a maravilha. Deixemos este mundo o que não pertencemos e ló... Livres, únicos, soberanos, amantes divinos, sejamos fieis a nós mesmos e ó sublime Fatalidade que é a força universal e invencível que nos uniu para sempre.

Assim, partida para a Beleza, “Voyage Merveilleux”...

Oh! Maravilha!... Chegarei aí como o teu Dono, e na madrugada te acordarei para a liberdade que é o nosso Paraíso de Amor.

Toda a nossa vida de sofrimentos será enfim resgatado por esse passo decisivo e sublime. Prepara-te, minha serva imortal, incomparável Escrava da Paixão.

E como serás belo na grande liberdade! É a ressurreição. Ora quando se levo na alma esta coragem, e quando me sinto inteiramente libertado dos outros, porque estou a encher o meu espírito de mesquinhas preocupações, de tristes coisas relativas que vão cessar por encanto, e desaparecer para sempre? O momento é único. O Amor nos guia, e ele preparou a sua suprema ocasião. Temos o dever de obedecer ao Amor. Partamos. Oh! Glória, oh! Eternidade, enfim!

Cada instante eu digo a mim mesmo esta revelação e não quero ter outra atitude na vida fora da fidelidade à Paixão. E tu sorris maravilhosa à felicidade. Tu és o Amor. E em ti a minha perpétua Alegria.

Que te diz “Seraphita”, o voo místico? Não é a unidade absoluta dos seres iguais? O “Disciple” é a sombra, o crime, a baixeza, como bem disseste. Procuremos sempre a luz. Enquanto esperas, sonha, canta, vibra, alma imortal do meu amor! Oh! Que transmissão de volúpia vai de mim para ti e vem de ti para mim! Porque não telefonamos hoje? Seria tão bom todos os dias... Não quero te contrariar e só sábado terei o frêmito doce e infinito de ouvir o teu canto divino. Até lá, que silêncio!...

Que maravilha a tua compreensão da solidão e que floração admirável em teu espírito, nesse silêncio, nessa liberdade, nessa suprema posse de ti mesma! Tu foste “magicienne” quando disseste que era o “prelúdio”. O resto vai vir e será a vida eterna. Concordo que leias “Beethoven” depois de “Seraphita”. A música é a expressão mais próxima do Amor.

Dentro de 03 dias terás o meu capítulo sobre a “Arte”. Hoje serão copiadas mais oito páginas. Tu verás. O resto levo comigo e tu mandarás pelo correio a Aimée depois... Não, estou embrulhando tudo. Não haverá resto. Nem Aimée, nem depois. O todo nós levamos conosco. Tu sorris, divina!...

E como tu és bela! Que imensa falta tu me fazes. Como tudo isto me fatiga, me enfastia, me enerva. Aspiro ao repouso divino no teu corpo de paixão! Quero a vida, a imortalidade, o delírio, e te ver bela, transfigurada, imagem e realidade do amor supremo! Tu és única! Agarro-te muito, muito, como-te de carícias. Adorada. Oh! Minha alma extasiada! Que saudade infinita! Que silêncio!

Sim, eu ouço a tua voz que me chama. Corro! Tu és imortal!

(Paris para Vichy)

Paris, 04 de junho de 1920.

03 horas.

Amor! Amor! Meu Ídolo, minha boca sobre a tua boca, tu nos meus braços, transfigurada, divina! Oh! Sonho de amor eterno e sublime!

Recebi tuas duas cartas de ontem. Agora tudo vai bem no correio, desde que a tua “vontade agiu”. Assim será em tudo. Tu és invencível e imortal!

A tua primeira carta é de 09 e meia da manhã, a segunda de 03 e um quarto. Em ambas o teu único e incomparável amor, esse “mar” de ternuras que me abisma tão docemente e me faz viver. Mas na primeira há a tua grande revolta contra os estúpidos projetos de “O.” que no fundo só pensa em vegetar no Brasil, “onde se sente considerado”, e tem a “Chácara”. É um indigno parasita que não tem outro ideal senão o de viver à custa de teu pai, de ti e dos outros.

Tenho remorso de ter te comunicado este “plano” de “O”. Mas contava com o teu riso irônico, com a tua superioridade de ânimo para saber que o homem vive a formular planos que sempre desmancharemos.

O que é preciso é um excelente resultado da cura de Vichy. É preciso para a tua saúde e teu amor. Tu és a Amante sublime. Tu precisas de força vital para o voo admirável da tua alma, e o êxtase do teu corpo maravilhoso. Se Vichy for um sucesso, será um argumento para a tua permanência na Europa.

Não tenhas medo de dizer que farás essa “última” viagem para o Brasil com imenso receio e por um grande sacrifício às filhas e que o médico de Vichy, repetindo o que disseram os médicos de Paris e com mais segurança, te proíbe o clima do Brasil. Na verdade esse clima te é nocivo. A viagem ao Brasil será o teu mal.

Só quero o tua poesia, a tua divina união comigo. Esquece todos os míseros e sejamos os heróis do Amor. Pensemos unicamente que na manhã de 10, estarei contigo, e tudo será a maravilha!...

Daí partiremos juntos. Tomaremos o wogon-lit, que nos devora diretamente a Milão. Aí rápida saudação ao maestro Leonardo, contemplando o “Ceio”. Voaremos a Veneza. Veneza, Amor! E um grande esquecimento em que mergulharemos os nossos espíritos sobrecarregados do passado. De Veneza a Ravenno, túmulo de Dante, il padre, depois Rimini, o túmulo de Paolo e Francesca mais miseráveis do que nós porque não tiveram a libertação. Vamos o Brindisi, onde tomaremos o vapor que nos leva a Port-Soïd. Aí, nessa terra antiga do Egito, nós embarcamos para a Índia. É o Oriente fabuloso. É caminhar na direção do Sol, como tu caminhas aí na tua solidão de Vichy. Na Índia será a grande e definitiva liberdade. Vamos ao país dos Grãn-Mogols. Vamos a Dehli, a Benarès, a Calçuta, e pausando onde a fantasia pedir. Seremos como os pássaros, viajantes eternos no espaço livre!...

Tudo está providenciado. As passagens do paquete a Brindisi estão tomadas e pagas. Temos uma cabine moderna com um belo e grande leito, e sala de banho. Ao lado uma cabine para Lina. Ainda não tomei as passagens no “wagon-lit” de St. Germain des Fassés a Milão. Faremos ponto aí, porque não sabia em que dia deixaremos Vichy, para sempre, e em Vichy a que ficou para trás.

Não te preocupes das roupas internas que te possam faltar. Acharemos tudo na Itália, no Egito e na Índia. A minha feiticeira será lindamente vestida...

Os passaportes estão prontos. Mandei reproduzir em pequena o teu retrato e colei um deles sobre o documento oficial. Para o mundo tu és a minha mulher casada (para mim tu és a minha Amante eterna e divina). Viajarei com o meu próprio nome. É mais fácil, nestes tempos complicados. Levo comigo cheques no valor de 10 mil libras, que nas darão para viver alguns anos. O resto é o mistério. Vivamos a glória do nosso presente. Tu és imortal, minha Petite Chose soberana! Todo o meu ser estremece, entrevendo essa realidade que se aproxima. Sentir a tua essência divina na ampla liberdade, viajar na magia do esquecimento, ver a beleza do mundo que varia e cresce se projetando (e envolvendo-te) sobre a tua beleza.

Oh! Transfiguração das causas! Amor, que maravilha, minha Amante idolatrada, beijo-te ardente, sôfrego e para a vida até a morte, na Eternidade da Paixão! Beijos, beijos e glória! Que adoração incomparável tu me inspiras, meu Bem idolatrado. Que pena te deixar agora, não continuar a te narrar a nossa partida e a “Viagem Maravilhosa”. Enfim, a liberdade caminha e nos estende as suas mãos vitoriosas! Que desejos em mim por ti... Beijos, beijos...

(Paris para Vichy)

Paris, 05 de junho de 1920.

03 horas, sábado.

Meu divino Amor! Minha eternidade! Minha perpétua adoração! Deveria eu te chamar também minha fraqueza idolatrada?...

Tuas belas cartas de anteontem à noite e as de ontem (cartão e carta) refletem a constante angústia da minha Brunehilde. Tens medo que eu vá à Itália deixando aqui a suspeita. Não, meu grande e divino Amor. Sou mais hábil mesmo no supremo entusiasmo. A minha viagem à Itália está justificada. A megera sabe que vou por negócios, um, da mecânica, em “soi-disant” dificuldade na praça de Génova por causa de um fornecimento, e outro, examinar o que se pode fazer para o estabelecimento de uma casa de café na Itália. “O.” está ao corrente destes dois motivos poderosos. A minha desconfiança sobre os arranjos com o Álvaro eram sem fundamento, em longa e íntima conversa que tivemos, verifiquei que nada há de mudado, ele pensa que a minha ida a Génova é útil. Portanto fica tranquila, desse lado não tenhas inquietação, minha frágil e sublime Adorada!

Hoje de manhã estive na estação para a despedida da Bandeira. Conversei com todos os conhecidos sobre a minha ida a Génova. Vês tu que tudo é natural e fácil, quando se tem a resolução e a “aplomb” que o teu amante tem. Não penses mais sobre a possibilidade de uma suspeita levantada por essa minha partida. Ah! Meu pobre Amor, tu pensas demais no que se pode dizer, tu estás ainda neste mundo de que me esforça por te libertar. Sejamos livres, grandes, únicos e vencedores de tudo e de todas.

A outra imensa fraqueza de que as tuas palavras angustiadas exprimem toda a amargura, é a tua libertação neste instante...

Compreenda a dolorosa hesitação do teu coração, e respeita a dilaceramento do teu ser me recusando esta felicidade imediata... Sei que me adoras, fica também sabendo que te deténs no limiar da liberdade e que não ousas sair da tua prisão. Que queira! A minha divina cotovia foi encerrada longo tempo em uma gaiola, e ela não pode mais voar!... Está condenada à prisão perpétua, a viver na agonia do desejo, sem poder ir além, sem poder remontar ao céu que ela vê, e que aspira loucamente... As suas belas asas não voam mais... Oh! Símbolo da paixão escrava! Mas não te entristeças. Nem uma sombra de melancolia. O teu amante livre, a tua águia virá do grande espaço e entrará na tua prisão... Dar-te-á a alegria, o encanta, o sonho, a miragem, e depois tomará o seu voo livre e audaz, planará no espaço, pousará indiferente aqui e ali, até de novo se extasiar no amor da divina cotovia que estará oculta à espera da amante ousada, na retira misteriosa para sempre...

Tudo o que te disse da maravilhosa fuga será a poeira de um sonho... Mostrei-te a miragem!... Como é bela! E que atração infinita. É um abismo tentador. Liberdade eterna. Paixão imortal!...

Mas eu te quero loucamente. Sou e serei sempre o mesmo. Sê alegre, radiante e descuidada, até o nosso encontro e durante a nossa eternidade de 03 dias... E não penses que te julgo mal como heroína do Amor. Eu te admiro e te adoro exclusivamente. A tua força suprema e invencível está na minha paixão por ti.

Há mais de uma hora que pedi Vichy. Responderam-me que está “interrompido” e que haviam de me dar pela “voie détournèe”. É preciso esperar com paciência.

Ontem tiveste a facilidade de falar, e hoje não tenho a mesma sorte, e eu penso que o destino me devia ser mais favorável... Só hoje à noite conversarei longamente com “O.”. Veio uma carta do Tristão sobre o “porto franco”. Tristão insiste para que eu vá ao Brasil. “O”, acha desnecessário desde que ele vai em Outubro. Ri, e não te aborreças, Amor adorado.

Álvaro mantem a mesma combinação e mandou dizer ao sócio técnico que viesse um momento à Europa para se pôr de acordo comigo. (E a minha fuga?... a nossa libertação?... Ainda a escravidão?... e por quanto tempo?...)

A megera voltou ontem da casa da Sylvia às 03h30min, da madrugada! Esteve arrumando malas. É o triunfo da histeria! A megera está radiante em proclamar a sua “bondade”. Como o mundo é idiota! E permanecemos como essa gente?!...

Meu Amor, Amor, e as tuas leituras? Os teus passeios? A tua intimidade com a Natureza? Isso é a beleza e disso quero que me entretenhas. Oh! Como a minha adorada é infinita e como por ela tudo se engrandece e se diviniza. Tu és o centro do Universo, tu és a Eternidade e a Beleza!

Reclama sempre a comunicação de Vichy. Afinal me prometem “dans quelques minutes”.

Oh! Que tortura e tu aí ansiada, não podendo compreender o enorme silêncio! Esperemos. São cinco horas. O telefone sempre mudo. Para ficar despreocupada, mando Aimée pôr esta no correio e assim espero tranquilo falar com o meu Ídolo. Beijos e a minha vida...

(Paris para Vichy)

Paris, 06 de junho de 1920.

Domingo, 11 horas.

Meu divino Amor, meu supremo Êxtase, Dona da minha vida, adoração infinita!

Tua doce, triste, lânguida e alada carta de ontem reflete a tua alma sublime, e toda a angústia e todo o entusiasmo do teu coração maravilhoso de Amante única e incomparável. É a tristeza e a esperança que se misturam magicamente, é a morte e a ressurreição! Tu és o Amor! A ausência te mata, a presença te engrandece. A agonia do teu espírito desapareceu ao clarão da esperança. E se tu começas a escrever desesperada, mortal, tu terminas radiante e gloriosa. É um prodígio de beleza na paixão e eu te adoro se possível ainda mais, meu Bem única e divina. Confia em meu amor. É a tua força e a tua salvação. Por mais impetuoso que seja o ardente desejo de te arrebatar deste mundo e te levar para a suprema felicidade, o meu coração se resigna à tua sorte, e se funde na grande bondade. Descanso, Petite Chose adorada. Não te farei sofrer jamais. Quero que me ames sem a amarga mistura da saudade e do remorso... Canta-me descuidada, feliz, exaltada, a tua alma gloriosa, e que em cada gota do teu sangue se anime eterno e universal o desejo exclusivo de me dar a essência misteriosa da tua paixão e do teu deslumbramento no gozo infinito! Espera o teu Amante como o teu amor imaginou.

E a realidade será mais bela que o sonho! Esqueçamos tudo por algumas horas. Vivamos uma vez o Absoluto e a Eternidade. Os teus olhos meigos e luminosos, doces e ardentes, azuis-negros, serão a porta do Paraíso e por eles irei ao mais recôndito do teu ser divino. O teu corpo todo, oh! Maravilha, será a harpa da paixão. Cada célula vibrará e só eu conheço o seu infinito e estonteador segredo e dele tirarei a música dos desejos misteriosos e tudo será a unidade e a harmonia inquebrantável! Sonhemos o nosso delírio, e vivamos antecipadamente da magia que nós criamos e que também é a nossa criadora... Amor!

Tudo está bem combinado, partida e chegada. A “minha viagem” entrou tranquilamente na convicção de todos. E estou quase seguro de que ninguém me acompanhará à estação e assim irei livremente no noturno de Vichy e pela manhã te terei divina, agasalhadora no teu leito ainda quente dos teus desejos sem fim e que terão a sua glória nesse instante augusto e inaudito! Como tu és poderosa! E como o nosso amor é a vida eterna que nos comanda e nos inspira!

Depois que pude te falar, meu Amor idolatrado, fiquei longamente neste nosso saudoso recanto e a tua voz ressoava em todo ele, e tudo era sonoro e musical. Gozei este longo êxtase da saudade e do desejo infinito, e não tendo coragem de fazer outra coisa fui daqui para casa. Lá também me senti incapaz de ação que não fosse pensar em minha Santa extática...

Por que te faço sofrer? Perdoa este coração apaixonadíssimo e sempre torturado e louco! Não sofras, Amor! Quero-te sossegada, calma e maravilhosa. A tua saúde é indispensável ao nosso amor. E por ele eu reclamo a tua cura total. Creio que esses 15 dias que faltam te vão ser de mais proveito.

Tu me terás 03 dias. É o Paraíso e as suas maravilhas. Parto. É a saudade do supremo gozo, mas é a força e o deslumbramento. Tu realizaste um antigo e sublime sonho. Tu és a Vitória. E esta certeza te dará o valor e a esperança. Aqui nos encontraremos e o Paraíso se abre de novo florido e magnífico! Oh! Maravilha! Isto é a vida e por ela devemos viver.

Canta, cotovia alada e livre, o hino da Paixão e da invencível Esperança.

Ontem à noite as meninas vieram jantar. Tudo correu mansamente. As meninas estavam lindas. Vestidas com aqueles vestidos de “tafetás” que lhes vão tão bem para a dança. Estavam alegres. Falou-se muito de ti, coisas de mim sabidas, felizmente, meu Amor (Como eu sou exigente e terrível! Que me importa, tu és Minha!). Depois que saíram... Que saudades no grande silêncio da noite e na minha prisão.

Mas dentro de quatro dias será a liberdade, o êxtase, o Incrível, o Absoluto, o Sublime.

Cubro-te dos meus apaixonados beijos e para a vida e a morte...

(Paris para Vichy)

Paris, 07 de junho de 1920.

Segunda-feira, 02h30min.

Meu Bem idolatrado, Alma de minha Alma, meu supremo encanto! Eu estremeço deste antegozo do Paraíso que se abrirá para nós dentro de poucos dias! Que frémito de me repetir a mim mesmo: depois de amanhã eu estou em caminho do meu Amor imortal e na manhã de quinta-feira terei a tua presença real e magnifica de paixão extática diante de mim, transfigurada na delícia sobrenatural da mágica volúpia!... Que delírio e como tudo em mim é vida, força e esperança. Glória a ti, Amor adorado!

Aqui chegando pedi logo a comunicação para Vichy. Creio que hoje a teremos mais cedo do que no sábado porque a linha não está interrompida.

Como vão as nossas vozes se entrelaçar, meu Bem adorado?... Que mistério e que delícia, mas quanta saudade a matar pelos mais loucos beijos... Oh! Minha Petite Chose, haverá ainda alguma coisa mais bela que a nossa paixão sublime?... Impossível. Nós atingimos ao máximo da beleza universal, o Amor nos dá a inconsciência absoluta, o esquecimento eterno e nos guarda a consciência sensível para gozar da inconsciência suprema. Não é tão misterioso e tão extraordinário?... E por isso vivamos no ardor da Paixão e no transporte da magia do Amor!...

Hoje, dia seguinte ao domingo, só tive o teu cartão de sábado à noite. Fremente de amor, que beleza, tu és meu Anjo idolatrado! O teu ritmo é o mesmo que me exalta e não poderia deixar de ser assim porque nós somos a Unidade total e absoluta! Como o teu Amante, tu só vives da imaginação desses 03 dias de suprema delícia que vão vir e que são o triunfo imenso do nosso desejo invencível.

Estou inteiramente absorvido neste profundo pensamento que o resto não existe, e uma grande paz me invadiu o espírito, tornando-o forte e calmo, como se eu já estivesse para sempre longe desse mundo. Nem mesmo pude acabar o meu capítulo sobre a Arte, e assim só te mando o que foi copiado!... Tu o lerás antes da minha chegada. É só meu pensamento de esteta que vai na frente e te saúda e te encanta. O resto é a maravilha, e quando se a pode realizar para que escrever e cantar?...

Vejo que tudo se prepara muito bem para a minha escondida partida.

E o telefone custa a timbrar na minha solidão cheia unicamente de ti, minha adorada Petite Chose...

Vamos, telefone, toco, chama-me e eu ouvirei a voz sobrenatural que é a música do amor infinito... Oh! Delírio! Paixão sublime! Espero sempre. E tu aí, meu divino Amor deves estar ansiosa! Vou reclamar, pode ser que assim se apressem. Reclamei.

Vamos ver! Enquanto te espero direi que ontem só sai para vir aqui de manhã, e às 06 horas fui aos Ramos.

Falaste, Divina! E que maravilha! Como foi belo, suave, sublime, a nossa conversa tão intensa e tão curta! Que vibração deliciosa neste corpo que te deseja e nesta alma que te aspiro!...

Eu te adoro! Assim gritei o meu amor eterno e foi a minha última palavra... Tudo é a magia do Amor! Beijos, beijos. Para a vida e para a morte. Vitória! Glória!

(Paris para Vichy)

Paris, 08 de junho de 1920.

Terça-feira, 03h30min.

Paixão sublime Coração do eterno Amor! Amante divina, única e incomparável. Cubro-te de beijos ardentes e infinitos e toda a minha vida se abisma em ti e renasce na suprema volúpia para a mágica glória da felicidade!

Sim! Há no meu ser a vibração sobrenatural da ventura que vai ser e que é para sempre... É um gozo exaltante as núpcias com a Felicidade, gozo que aumenta cada instante que o tempo me aproxima de ti e que sabe se terminará no divino Paraíso da Paixão imortal... “Crescendo” mágica chegará dentro de poucos dias ao seu máximo! Antes de 48 horas... Oh! Mistério do Amor onipotente e sempre vitorioso.

Tu verás, minha Beleza, e tudo será a maravilha. Os desejos tumultuam no meu sangue, as imagens sublimes da paixão volteiam no meu cérebro, que quase não passo escrever para exprimir a sensação deliciosa e incomparável.

E no entanto para que tudo corra bem preciso refletir com segurança, ter muita calma e prontidão de ação. Mas tudo corre bem... A megera tem o seu teatro amanhã, à hora da minha partida, teatro Antoine. Levará os Belfort Ramos.

Meu Amor adorado, o nosso público encantado me deixará sair envolto na nuvem do mistério. Magia ou mágico? Essa partida, como é deliciosa prepará-la como o faço!

Ontem escrevi do Grand-Hotel (papel marcado) ao “Thermal” de Vichy. Disse que passaria por Vichy e aí ficaria 03 dias e queria que me reservassem um quarto no 4.° andar para a manhã de quinta-feira. Assinei G. Alves. E fiz bem porque “Georges” é francês, e eu sendo “alfacinha” de Lisboa (que horror!) devia ser bem galego. Vá lá por Gilberto que ainda cheira a francês.

Creio que o hotel não fará dificuldade, e fizeste bem em anunciar que tinhas amigos a vir... E isto explicará talvez alguma coisa da nossa atitude. Ninguém sabe se os empregados vão nos ver sair juntos, e assim será natural. Um conhecido, um amigo! Que mal há nisso? Tomo nota de tudo o que me dizes e farei tudo pelo melhor. Tu verás a vitória.

Que beleza de cartas tu me escreveste domingo e ontem! Recebi-as agora juntas (e o cartão com a fachada do hotel). Maravilha de poesia, de amor e de profunda e verdadeira paixão mortal e sublime. E como tu sabes a poesia dos poetas e dos artistas, meu gênio da Natureza! A Poesia és tu. Tu és a Natureza sublime que anima e cria, a poesia, a arte. Tu és a Inspiração deste teu poeta iluminado!

Desde ontem estou para ter mandar o meu trabalho sobre a Arte, quase todo concluído. E não o pus no correio. Não me aborreço porque é melhor que não o leias “antes”. Lê depois, e tu entenderás ainda mais... Neste instante tu és o Sonho, o Desejo, a Aspiração, o Fluido, o Canto, a Poesia, em uma palavra o Amor!... Não há leitura, não há poema, ou música que valha a tua alma translúcida e divina. Nem a Natureza esplêndida neste momento é comparável a ti. Natureza para mim só tem a existência real que vem da tua imagem. Amor, Amor! Tu és a paixão, a vida eterna!

Não esqueço uma só das tuas recomendações. Terás tudo. E terás a divindade do Amor...

Que sonho deslumbrante, que maravilha! Sinto-te neste supremo instante em mim, como sempre, e agora tu palpitas o ritmo da eterna felicidade... És a suprema beleza! Meu Amor imortal, quinta-feira na manhã da Eternidade... Os Amantes heroicos se transfigurarão na volúpia transcendente da infinita paixão...

Oh! Meu Amor! Canto, cotovia divina, vibra, adorada sublime! Morre de paixão, Amante idolatrada, minha vida eterna...

Continua na tua magnífica solidão. O silêncio é a morada da tua alma.

Eu voo em teu ser divino!... Beijos, beijos...

(Paris para Paris)

“Nosso Ninho"

(véspera da partida para o Brasil)

04 de novembro de 1920.

Minha Santa, Alma de minha Alma, como eu te amo! Tu sabes o que tu és para mim: a fonte da vida, a razão da minha existência, e nos separamos. E vamos viver da saudade e do desejo, e da esperança...

Por maiores que sejam os nossos sofrimentos quando estamos ao lado um do outro, ainda assim um instante, em que eu te vejo, um minuto de nossa presença é uma consolação e um sustento para tantos infortúnios... A nossa força é o nosso amor... E se somos infelizes, não o somos jamais por um instante de infelicidade da nossa chama apaixonada.

O ambiente, os outros podem nos dar o mal, mas nós somos unidos eternamente numa maravilha de amor, e nós não daremos um ao outro senão o encanto, a ventura e a vida.

Isto é Amor, e desse Amor se vive e se morre.

Deixa que eu te diga aqui o que vais ouvir daqui a pouco quando numa doce e meiga e forte volúpia os nossos corpos se estreitarem... Oh! Morte de amor, melhor que vida, porque não vens nesse instante divino!

Deixa que te diga e sempre e sempre que tu és a Beleza. O Universo se fez mais belo em ti...

E eu não terei mais amanhã o teu corpo maravilhoso, os teus olhos, porta luminosa e esperançosa do Paraíso... A tua boca que é uma flor nua e misteriosa e onde toda a minha alma se transfunde e vive no teu ser; eu não terei mais o esplendor de tua cabeça que é uma rosa, oh! Meu Amor! E as colunas esculturais e vibrantes dessas maravilhosas pernas, os pés delicados e ágeis, os braços de amor, as mãos fortes e doces, e todo o teu ser divino! Oh! Que paixão e que tortura e que saudade!

Tu levas a minha alma e tenho confiança suprema de te entregar a ti o que é teu, só teu... O meu destino, o meu espírito. Porque tu, oh! Minha Santa transfigurada, tu és sublime no teu amor. Bendita a chama que te abrasa e te ilumina! O próprio Deus se enche de admiração do teu espírito. Oh! Nova Santa Thereza! Como tu és admirável! Tu deixaste o que era fútil, vão, e só vives da grandeza e do sublime, tu vives do Absoluto! Tu és a irmã de Deus! A irmã do Sol, tu és a Estrela, o Mar, a Luz, a Cor, tu és tudo que é eterno e maravilhoso! Como eu te venero na tua austera e augusta solidão! Tu só vives no Amor e no Pensamento e nos atos, tu és o Amor... Eu te contemplo a todo o instante, e sei como tu subiste. Oh! Meu orgulho, tu és a Única, a Incomparável!

Jamais o Universo produziu um ser de amor como tu. Eu sei o que foram as outras: Francesca, Isolda, e tu és maior que elas, porque além de tudo tu vives na tragédia da paixão e do destino, tu eliminaste de ti tudo que é pequeno, a vaidade, a “coquetterie”, o relativo, e tu és Grande e Sublime.

Agora na imensa tristeza da nossa separação, a tua alma “velará” a minha alma. Tu sabes que eu quero o teu pensamento constante e sei que ele é meu. Os nossos pensamentos darão vida e força aos nossos seres acabrunhados. Zela sempre o teu espírito que vai numa ascensão sublime.

Sabes que tu és minha, minha, e que não há uma mulher como tu. Eu quero que tenhas a consciência da tua grandeza. E essa consciência já é poderosa em ti, pela separação que fizeste do teu espírito de tudo que é banal, pela vida interior de tua alma. Oh! Minha Rosa Mística!

Eu sofro como tu sofres. Coragem, Amor, Alma de minha Alma. Todo o meu ser se aniquila, mas eu quero viver por ti. Tu me darás o consolo de me dizer em carta o teu sofrimento, a minha angústia, como eu te direi... Que martírio!

Não posso mais te dizer o meu amor, eu te “quero”, eu quero morrer sob a carícia da tua boca.

Recebe minha alma de paixão e cheia de ti, e que eu viva sempre e eternamente em ti, minha adorada Nazareth...

(Paris para Ouchy)

Paris, 16 de agosto de 1921

Terça-feira, 10,1/4.

Amor! Minha meiga e divina Petite Chose, que eu idolatro e que é toda a minha vida! Adorada!

Vim cedo hoje me entreter contigo porque Paulo e o Cândido vêm almoçar, e como o almoço é tarde, e seguramente ficarão a conversar muito tempo receio não poder te escrever com calma à tarde e mandar a minha carta antes da mala dos departamentos se fechar. A megera não gostou muito desse almoço que lhe dá trabalho. Mas era preciso convidá-los para a casa. No restaurante seria tão caro, e a megera iria e estragaria tudo. “Voilà”!

Estive com Paulo à tarde, mas não muito tempo porque um jovem escritor francês colaborador da “Atlântida” precisava falar-me e assim voltar cedo a casa. À noite não sai. Themis passeou a “ursa”. Fiquei sozinho até às 10 horas quando me apareceu o “X.” Trouxe-me o seu romance que acaba de aparecer. Percorri algumas páginas, nada. Livro fútil, tolo, apenas com algum movimento descritivo. Mas a descrição não vale somente pelo movimento e pela exatidão. Todo o segredo da arte descritiva está na vida das coisas, e na sugestão que recebemos. É preciso que da paisagem ou do quadro e da cena resulte uma emoção, e se esta for de boa qualidade, e de grande intensidade, a evocação artística atingiu o seu fim. Descrever por descrever é trabalho mecânico, estranho à arte.

Ah! Meu Amor, que pobre literatura a nossa em que falta essencialmente a arte. Podemos ter poetas, mas raros são os que possuem a poesia, esse elemento misterioso, vago, indefinido, que funde na emoção artística todo o Universo.

Sou exigente? Não. Sou um pouco artista, um poeta, que não se satisfaz com a palavra mas que aspira encontrar na literatura a arte, seu vago e a emoção que daí nos vem. Com esta sensibilidade educada tu também não te contentas com a banalidade literária que agrada ao comum das gentes, porque tu és artista em tua alma e na tua infinita inteligência, tu és um maravilhoso poeta do coração, do amor e do êxtase. Tudo sentes, a essência das coisas, o mistério do Universo e tu és criadora sendo a criatura “I’enfant sublime” da Paixão! Oh! Meu Amor, como eu te adoro e como tu és bela em tudo, Amor!

A nossa afinidade é total. Não podemos “sentir” senão juntos... E em “tudo”, Adorada! O teu pensamento é o meu pensamento. Os nossos sonhos são os mesmos, e eu te tenho como o meu próprio eu e talvez eu te entenda mais a ti do que a mim mesmo, como reciprocamente te acontecerá.

Os nossos sexos são diferentes para a nossa maior unidade. Se fossemos do mesmo sexo seríamos estranhos um do outro, mesmo irmãos ou grandes amigos. Como somos, nos unimos eternamente, não sei onde tu começas e eu termino. Há uma continuidade que volto sempre ao mesmo ponto. Somos como um círculo no espaço que nos rodeia. Tal é a geometria do nosso amor. As linhas que traçamos em nossos movimentos se harmonizam de tal modo que somos um só corpo cujas partes se justapõem. Não é somente... é sempre. A nossa separação é aparência. A atração das partes dos nossos corpos é tão absoluta que em qualquer atitude (que por uma ilusão pareço diferente) em que estejamos, formamos sempre uma só entidade. É a atração suprema. Os nossos corpos convergem totalmente para uma linha central que é o eixo do corpo ideal que nós formamos!... Oh! Meu Amor!

Amor! Vejo que o meu pensamento se transporto a esta mística da geometria do Amor, e sinto que há nesta exposição que te faço um frêmito novo, uma ideia inteiramente inédita, jamais compreendida, e eu me comovo de sentir como tu me inspiras...

Não há nada mais belo do que inspirar o sentimento e o pensamento do ser que é nosso, e que vive do nosso amor, e da nossa alma.

Lágrimas de uma pura emoção, e de uma infinita gratidão por ti, oh! Idolatrada, me enchem os olhos e eu estou escrevendo com a visão turva, mas divina, pela luz coada através dos olhos marejados de orvalho... Amor ideal! Santo imortal! Oh! Minha doce e eterna Nazareth!... Recebe neste instante de emoção a minha vida inteira!...

Estive recostado e cismando. Senti que tu estavas junto a mim, que alisavas os meus cabelos, que beijavas tão meigamente a minha cabeça, e que depois te alinhavas a mim, colavas a tua boca à minha, e os nossos corpos se uniam no triunfo da paixão!... Oh! Foi um sonho... E nada mais!...

Agora estou só, e o teu pensamento adeja aqui e me envolve docemente... Oh! Saudade!

Espero-te, Amor, na tarde de sábado. E por isso só à noite irei à tua casa. Nunca pensei ir à estação, tu não podes imaginar como estou senhor de mim. É a resolução formidável em que estou de te arrebatar a esse mundo a que não pertences, meu Bem supremo, e por isso muita coisa que me aborrecia, hoje me é indiferente, como as iras da megera, o ódio do imbecil, a maledicência do mundo.

Com o teu sublime amor, eu me julgo invencível. Tu serás também a minha valente e vitoriosa mulher, minha Esposa idolatrada, minha Amante sobrenatural! Tudo é Amor!

Como poderei viver até esse dia quando o meu ser vibra de paixão infinita por ti?...

Eu quisera não ver ninguém. Aqui ficar até que tu viesses me despertar com a tua voz maravilhosa, e com os teus beijos celestes...

Dormir, dormir, sonhar, e despertar em teus braços!

Quase não posso escrever. Tudo estremece em mim de saudades!

Tu que és o Amor, tu que és o meu Ser, tu me entendes, oh! Divina Amante, que eu beijo, que eu venero, que eu adoro, e que é o meu tudo, o meu paraíso, o meu bem, a minha consolação, oh! Meu êxtase!

Lágrimas de amor, corre livremente, vós que sois a expressão do coração que sofre, que deseja e que ama!... Oh! Adorada! Oh! Nazareth! Que eu idolatro, minha vida eterna, minha Esperança... Recebe estas lágrimas da Paixão!

Para a vida eterna! Adoração!

(Rio para S. Paulo)

(Trecho de carta)

Paineiras.

Rio, 19 de novembro de 1922.

Estou na floresta e na divina solidão. Estou ouvindo, porém, as vozes misteriosas da Natureza! Uma manhã de sol. Estou na maravilha. Corre ao meu lado a água incessante que murmura docemente. O sol brilha em tudo. A estrada vem abeirando a montanha em plena mata. De espaço a espaço abre-se uma clareira e é um deslumbramento! De onde estou vejo o oceano, as ilhas quase apagadas na água, as brancas praias, e por toda a parte no anfiteatro verde as montanhas que se atropelam umas sobre as outras. O sol espaneja o tempo. A humidade verte em tudo; e é uma delícia a alegria dos vegetais embebidos no invencível e infinito líquido. Oh! Beleza das cores verdes! Há uma fantasia nos limos que cobrem as pedras da calçada e as encostas dos morros. Há limos cor de rosa-verde que pintaram os troncos das árvores, invisíveis artistas! Eu te escrevo, Amor meu, sob a copa de um jequitibá... Uma gota d'água caiu sobre este papel como uma lágrima do céu. Tudo canta misteriosamente, os insetos dançam, os pássaros gritam, as cigarras se desforram dos dias sem sol, os ventos, que se calaram, voltam e agitam a mataria. Uma nuvem passa, e tudo se escurece, o oceano fica como uma enorme pérola manchada de ilhas. O sol volta e tudo muda novamente.

(Rio para S. Paulo)

Rio, fevereiro de 1923.

(Trecho de carta)

Adorada! Supremo Amor!

A Paixão é a Dor que busca a eterna Alegria. A eterna Alegria é a fusão dos dois Amantes na Unidade infinita do Universo. E essa fusão é a magia suprema, o gozo sem nome, o êxtase absoluto, o frêmito do desejo sem fim e que se renova incessante, querendo mais, mais, até a morte do amor, melhor que vida. Amor meu!

O Paraíso não deve ser a Eternidade que passa, não, meu Bem idolatrado. Seja ele para nós a eterna miragem que sem descanso buscamos e que devemos sempre realizar. Coragem! Coragem!

A nossa tristeza não nos deixará mais até o instante da nossa eterna união. A nossa saudade infinita se exaltará em toda a sua grandeza. Isso é belo e necessário. Choremos, Amor. Afastemo-nos de todos. Vivamos na solidão, que é a eterno companheiro do amor e das nossas almas. Oh! Meu adorado Amor!

Absorve-me em teu Ser e que eu viva eterno e glorioso em tua alma!      

(Rio para S. Paulo)

(Trecho de carta)

Rio de Janeiro. Fevereiro. 1923

Tudo transfigura-se e em toda transfiguração há uma imagem que muda. Nota, minha Divina, a imagem que muda, nota a imagem que passa e que chama a que há de vir...

Este perpétuo “fieri” de imagens é a suprema estética. O movimento é eterno. Nada é extático e tudo é êxtase! O panteísmo é imanente e não transcendente. A transfiguração é a causa e o fim; é o universal inatingível. Explica-nos a nós mesmos e conserva o nosso perpétuo mistério.

É uma divina alucinação. O abismo está em cima, no alto, e todo o meu ser, unido ao teu. Sobe, perde-se, transfigura-se. Sinto a unidade absoluta sem imagem. É o máximo da ascensão. É a beatitude além da alegria. É o êxtase além da imagem. É a transfiguração que se detém... É a eternidade.

Recomeça a deserção e a imagem renasce. A transfiguração multiplica-se; os êxtases prodigam-se; a vida define-se; a unidade desune-se. É à volta à ânsia da fusão no Todo infinito, é a angústia, a delícia do Amor... A ascensão recomeça. Tudo transfigura-se. Tudo é imagem. Transfiguração, perpétuo jogo da Estética do Universo.

Cristo transfigura-se, é a Divindade.

Cristo ressuscita, é a Imagem.

A alma transporta-se, é o Êxtase.

O homem imagina-se, é o Ideal.

A dor transporta-se, é a Ilusão.

A vida exalta-se, é a Alegria.

O amor realiza-se, é a Magia.

(Rio para S. Paulo)

Rio, 03 de outubro de 1923.

(Trecho de carta)

Adorada Meu Bem supremo!

Na mais profunda adoração cubro-te de beijos imortais e mato-te de carícias! Sou teu! Sou feliz! E tudo em breve será a glória desse Amor sublime e único no Universo! Como tu és grande! A minha adoração é ilimitada, infinita como o meu amor! Espera, meu Bem, e tudo será infinitamente belo! Oh! Magia de Amor! Conservemos os nossos seres superiores neste estado de sublimidade que é a maravilha da Unidade na paixão...

Sejamos acima do Bem e do Mal criados pelos outros... Vivamos na “Estética” que é a nossa moral suprema é a “lei única”, soberana e absoluta, a lei do Amor! Vivamos a “Estética da Vida” e seremos felizes, felizes. Vivo de ti, por ti, tudo se concentra em ti e nesta unidade vivo, vibro, tu és a minha vida, minha idolatrada Santa. Oh! Que alegria viver ao teu lado, eternamente, sentir-te unida a mim, sentir o teu entusiasmo todo, a tua paixão e a liberdade suprema, única, a nossa vida no Paraíso! É divino! Eu te adoro!

A vida de teu Amante está na meditação e no êxtase da paixão. Pouco e nada me interessa o que se faz por todo este mundo...

(Rio para S. Paulo)

Em carta (trecho)

1923.

Tu me consultas sobre Max Jacob... Trata-se de uma sátira contra a “poesia feita”, rimada, e contra a arte convencional. As palavras não têm sentido, mas tudo rima; quatro, quatro, etc... perron operons, pelouse jalouse, orge, rage, sucre, stuc, ruche, moche, riche, e o conjunto é o grotesco da construção mole, pretenciosa, idiota. O segundo trecho é mais compreensível, e a evocação dos nomes gregos, é uma sátira, a de Dostoievsky é uma emoção, porque encerra uma homenagem ao seu gênio lúgubre, solitário; como o chiffonnier da triste madrugada e a sua nobreza. É uma reação contra a cultura. O movimento partiu de Zurich e da Bohemia e quem o introduziu no Ocidente francês foi um tal Tzado.

O dadaísmo?... A tese é: há excesso de cultura, é preciso recapitular, esquecer tudo, ser ingênuo como um simples que só diria: dá, dá, e não sabe mais nada! Chegado a essa imbecilidade, dá dá, recomeça sob outras bases a educação do espírito humano, do espírito que desaprendeu o que lhe ensinaram e veio da tradição.

Havia na arte um excesso de literatura que embaraçava, viciava a pura emoção artística. Era necessário acabar com o parnasianismo de Heredia, Leconte de Lisle, Gauthier, etc. Mas, o disparate do dadaísmo é confundir literatura com cultura. Pode-se, deve-se abolir a literatura da obra de arte (poesia, música ou outra qualquer) mas é impossível abolir-se a cultura que é da essência do espírito humano na sua luta contra a natureza em que esta é dominada pela inteligência, pela ciência, em uma palavra pela cultura. É ainda a cultura que elimina a literatura da arte, porque a cultura dá o supremo senso crítico. Portanto, dadaísmo é um erro. Max Jacob mostra-se ignorante do que seja arte. Ele não dispõe de uma filosofia para fixar a estética. A arte para ele é uma distração.

Eles não percebem que a arte não é distração, nem tragédia, nem alegria, nem dor, é a própria essência do espírito humano que se transporta das sensações corporais, que vêm dos sentidos, aos sentimentos indeterminados, que nos levam à fusão no Todo Infinito. Max Jacob ignora isto.

(Rio para S. Paulo)

Em carta (trecho)

Novembro, 1923.

Não-catarineta, Bumba meu boi, são mistérios medievais, mas também atos da descoberta portuguesa e da vida campestre do Brasil. Atos coloniais ou melhor portugueses com exceção da festa do boi. A não-catarineta, uma festa marítima como a chegança que celebra a chegada dos portugueses na Ásia, África e no Brasil. A não-catarineta é uma galera portuguesa. É uma tragédia da conquista lusitana em que o diabo se faz marinheiro para se apossar da não e da alma do capitão. O bumba meu boi é uma festa de vaqueiros. Deve ter origem secular. Deve ser simbólica. A primeira fase da civilização foi pastoril. O Egito fez o boi um deus, o boi Apis; na Grécia fizeram uma deusa para a agricultura, para o trigo, Ceres, e na Bíblia os dois tipos das civilizações em Abel e Caim, um pastor e outro agricultor. A agricultura venceu a fase pastoril, daí a morte de Abel por Caim. O boi Apis dominou o Egito. O bumba meu boi é uma reminiscência ancestral que veio do Egito ou de mais longe. Os assírios veneravam o boi. As portas de Babilônia representam o boi com asas, o boi alado. A morte do boi deve representar o mito da passagem da época pastoril para a época agrícola.

(Rio para S. Paulo)

Rio, 22 de janeiro de 1924.

(Trecho de carta)

Meu supremo e idolatrado Amor, meu doce e sublime encanto, transcendente Amante.

Contigo para a eternidade e para e imortalidade da paixão!

Todo o teu ser divino vibra em mim e eu me abismo em ti... Que meiguice em todo o teu ser apaixonado e tão meu! Bendito seja o Amor para a eternidade! Eu te admiro. Haverá maior glória para o meu ser? Maravilha!

Como é duro este exílio sem a tua presença idolatrada que tudo diviniza... Um martírio. É preciso muita energia para vencer a dar e criar a coragem da esperança! Eu só vivo de ti e por ti. Ah! Meu Amor, esperamos, e coragem.

Os nossos miseráveis inimigos sofrerão um dia. Teremos a nossa “revanche”. Sossega, tenha e terei sempre na memória todo o mal que nos fizeram e também não poderei nunca perdoar a nossa atual posição, afastados um do outro diante do “público Malditas!”

Não quero que sofras muito dessa situação triste e aborrecida. Eu te darei em breve a felicidade perpétua, o divino consolo... Seremos felizes e os miseráveis sofrerão as consequências das suas infâmias maldades...

(Rio para S. Paulo)

Em carta, (trecho).

Para a tua cultura.

Março, 1924.

Os homens primitivos, no estado mítico, em contato com a Natureza, achavam um mistério em tudo a que crescia, na vegetação, na multiplicação dos animais, e por simpatia procuravam na “phallus” o símbolo desse crescimento, dessa fecundação primaveril e eterna. O phallus dá a semente, o “sêmen”. O culto se foi desenvolvendo, de rude, caótico, passou a se cristalizar em fórmulas, festas, em todo o rito religioso e assim é ele o culto secreto do culto de Bacchus, de Pan, de Orfeu mesmo. O phallus passou a ser adorado, tornou-se um deus supremo e sempre vencedor. O seu emblema foi colocado nos templos. Havia um templo dedicado a Vênus (o amor, phallus) com dois membros viris nas portas, de mais de cem metros! Para os Romanos o phallus era o amuleto que dava sorte e evitava o azar. Desse culto do membro viril se originou o culto do sexo da mulher. Duas correntes psicológicas levaram certos grupos humanos a ele... primeiro porque para muitos povos primitivos a mulher era a base da agremiação, ela era a mãe, a que tinha filhos e os conservava, dela se originando a família. Ao passo que o homem era nómade, caçava, pescava, vagava pelo mundo, buscando alimento e muitas vezes abandonando a mulher fecundada que ficava presa à terra, e pela necessidade cultivando-a e formando primitivos e rudes núcleos. Daí a primeira “forma social” da coletividade humana, o “matriarcado”, regime em que a mãe, a mulher, era o chefe de “família” que se estendia e se tornava grupo. Mais tarde, depois desses grupos constituídos e estabilizados e fieis ao solo, é que o homem não querendo, ou não tendo mais o impulso já desnecessário, de errar pelo mundo, ficara como centro da sociedade, seu chefe, e apareceu o “patriarcado”, que é o regime do pai de família, de pai e chefe da tribo. Na memória do homem ficou sempre aquele prestígio da mulher e ele sempre lhe atribuiu a força misteriosa que o fez viver e daí a explicação do culto religioso do sexo da mulher. Também existe um espírito de oposição que sempre acompanha a evolução psicológica humana. Toda a religião tem um princípio do bem, outro do mal. Se há Deus, há o Diabo, seu opositor. Contra Indra, Shiva; contra Ormudz, Ahriman. Há signos que fazem o bem, há outros que fazem o mal, uns dão sorte, outros dão azar. Essa oposição pode existir mesmo desassociada do princípio do Bem e do Mal, por simples função dualista que parece ser uma fatalidade do espírito humano. Se há um Deus pai, há um Deus filho (a trindade é poste nomeação da cultura) e ambos benignos. Há o culto do Sol. Logo a esse se opôs o culto da Lua. Aquele se tornou o culto de Apolo, o Sol. Esse é o culto de Diana, transformação de “Selene”, palavra grega que significa Lua, (e Diana é irmã de Apolo).

Os adoradores da Lua chamam-se “selenitas’’. Este culto se tornou tenebroso, noturno, lunar, por magia simpática. O cristianismo é a religião do Cristo, seu chefe, seu Deus. Logo o espírito de oposição começou exaltar o culto de Maria. Há mesmo a seita dos Marianistas, condenada pela Igreja Católica, mas que subsiste e hoje é mais dominante o culto de Maria, da Virgem Santa, do que o do próprio Cristo. Há nesse culto uma reminiscência daquele primitivo sentimento que exaltou o sexo da mulher e que hoje se corporifica na “Mãe” de Deus. Há também a oposição inerente ao homem. É o cultivo do ódio à mulher, a condenação desta como a causa do pecado, é uma “revanche” do culto masculino, mas o culto feminino se desforra, mesmo na época do catolicismo, praticando o satanismo que faz da mulher causa do pecado, o instrumento necessário à redenção, à expiação. Daí as “missas negras” em adoração à fêmea, daí os diabos e todas as bestas femininas que são gárgulas (megera!) e inspiradoras de práticas tenebrosas, sanguinárias, aviltantes, que pululavam na mística idade-média.

(Rio para S. Paulo)

Em carta, (trecho).

Dezembro de 1924.

Sim, James Joyce é um analista de grande talento, mas literato, pregador, discutidor e... Cacete. “Dedalus” é a história de sua mocidade católica na Irlanda- Fundo de quadro inglês, as lutas, as brigas, os ancelos do povo, as misérias... Umas páginas, (vinte!) de um sermão sobre o pecado original e outras vinte de uma discussão e escolástica, teorias de S. Thomaz de Aquino sobre a beleza! O livro vai até 1914. Sua obra “Ulisses” é mais definitiva, monólogo interior, (Valéry Larbaud) é a novidade do processo literário de James Joyce.

Tens razão, Meredith é moralista, pesa o bem e o mal e condena este.

Aragon foi dadaísta e é agora chefe do surrealismo. No seu livro, “Le paysan de Paris” nada de novo. Ele sustenta que a imaginação é que nos governa, que o inconsciente e o subconsciente dominam a razão, etc., Tudo. Velho. Aragon foge da análise e cai nela como qualquer Proust.

(Rio para S. Paulo)

Rio, 22 de fevereiro de 1925.

(Trecho de carta)

Sublime, incomparável, divino e idolatrado Amor! Tu és bela no supremo expressão físico e moral e eu te idolatro e te admiro loucamente apaixonado! Eu adoro tudo em ti... Que força tu és! Como tu és valente, destemido, única, imortal na tua divina inconsciência! É uma força indomável, invencível e tu és digna de ser amada, admirada em todo o Universo... A tua beleza transcendente, a tua magia, teu sensualismo, a tua meiguice, a tua inteligência única e rara, o teu maravilhoso encanto, o teu exaltado e infinito amor... Tudo te faz única, tudo em ti, tudo me exalta e me diviniza e é um orgulho que me enche a alma de perpétuo êxtase... Meu Amor! Pela tua força venceste tudo! O terror foi-se...

Para adiante sempre, impávidos e fortes. Nada nos abaterá, o futuro nos pertence... Somos um só para a eternidade! Tu és mágico e hábil e vencerás tudo.

Oh! A vontade de poder que te domino. Entrego-me a ti, poderoso Amante... E tudo será divinamente belo! Firmeza. Indiferença. E sorrindo, para adiante na mancha luminoso para o Paraíso. Podes confiar neste que é teu Amante eterno e fiel e cuja vida é consagrada exclusivamente o ti.

Renunciei a tudo para viver no meu amor, no idealismo da paixão imortal. Só o que é horrível é a separação, a falta imensa e esmagadora que sofro do teu ser sublime que me arrebata e é a minha vida. Nada mais me perturba a doce serenidade. Aboli tudo o mais. Tu és o meu Universo absoluto! Amor, amor!      

(Rio para S. Paulo)

Em carta (trecho)

Novembro, 1925.

A França é governada por um regime parlamentar, o governo é constituído por homens e partidos que têm a maioria na Câmara. Atualmente a maioria é na esquerda, Cartel (contra o bloco nacional de Clemenceau, Poincaré, Millerand). Nesse grupo preponderam os radicais-socialistas (Herriot, Cailloux) e os socialistas puros (Léon Blum, Paul Boncour).

O programa deles é o imposto sobre o capital e afinal a divisão de propriedade. O senado é mais ou menos conservador e repele isso...

A nossa raça brasileira?

1º: A ausência do sentimento de responsabilidade. Ninguém se julga responsável para consigo mesmo. Daí uma absoluta falta de escrúpulos na angústia do dinheiro, das posições e do gozo.

2°: falta de amor próprio. Não há orgulho pessoal, há vaidade. Não há lógica nos atos. Não há coerência. Obedecem aos instintos do lucro e do gozo. Aduladores. Cínicos.

3º: O espírito de aventuras. Tudo se espera do jogo, das ocasiões, do negócio aleatório. Não há esforço, não há tenacidade, nem perseverança.

4º: Não ligar a nada. Dissolução completa para a livre expansão do gozo, da conquista do dinheiro e das posições.

5°: Perversão da sensualidade. Avidez de luxo, de luxúria. Vícios. Intoxicação. Sodomia. Homossexualismo.

6°: Ausência de idealismo. Indiferença total às ideias. Desprezo por qualquer manifestação transcendente do espírito. Horror à filosofia, à estética. Desdém pelas ideias políticos. Fazer da política um negócio.

7°: Preguiça intelectual. Inércia sentimental. Embrutecimento no sensualismo vulgar, no jogo, nos vícios, nos tóxicos, nos divertimentos sórdidos.

Observações nos nossos miseráveis contemporâneos, e se em outras épocas existiam homens cínicos, depravados e ferozes, floresciam também gênios incomparáveis... E... Agora?!...

Tudo é baixo, mesquinho. Horror!

(Rio para S. Paulo)

Em carta, (trecho)

Para a tua cultura.

Novembro, 1925.

A Índia primitiva era povoada por duas raças, uma negra, como os primitivos habitantes da Austrália, outra caucásica (branca), as quais submeteram os negros. Mais tarde veio a invasão dos arias ou arianas que dominaram e são os hindus de hoje. Aquelas primitivas raças arias segunda as Vedas (livras sagrados) adoravam as forças da Natureza e tinham como divindade principal, Indra, que personificava o Céu. Desse panteísmo originou-se uma religião sacerdotal, uma organização chamada bramanismo. Segundo esta religião havia uma unidade suprema, um deus eterno e onipotente, Parabrahma, que se revelava por uma trindade. Brahma, ou a Deus criador, Vichnú ou o Deus conservador, Shiva, ao Deus destruidor. Brahma, para povoar a terra, deu origem a 04 filhos. Brahman, nascido da cabeça, Xatrya, dos braços, e Vaycia, do ventre, Sudra dos pés. Daí as quatro castas da organização social do país: as brâmanes (sacerdotes) scatryas (guerreiros) vaycias (negociantes) sudras (escravos). As castas eram separadas rigorosamente. Se esse princípio era violado, as filhas nascidos dessas uniões proibidas eram chamadas parias, miseráveis, desprezadas, odiados, não podiam morar nas cidades, nem banhar-se no Ganges (ria sagrado) nem ler as Vedas, livros santos. O código dessa organização foi feito por Mami, filha de Brahman. A concepção fundamental do bramanismo era extinguir a dor e atingir o seio da divindade e não mais voltar à existência terrena. O que perpétua a dor é a nascimento. O nascimento era uma condenação. As almas renasciam em transmigrações sucessivas, em eternas encarnações. Isto é o que eles chamavam a metempsicose. O homem pela piedade e pelo ascetismo podia ter como suprema recompensa voltar a Brahma, ao seio do poder criador, e não tornar a existência terrena. Era atingir a nirvana ao aniquilamento completa. Seis séculos antes do Cristo apareceu na Índia um reformador do bramanismo, como Cristo reformou o judaísmo. Foi Buda. Era um príncipe da casta dos guerreiros xátrias, da raça dos cakyas. O nome desse príncipe era Seddahartha. Quando ele teve a revelação da velhice, da doença, da morte, conheceu o princípio da dor, renunciou a tudo, purificou-se no ascetismo, na renúncia, tornou-se monge, (monni, daí o seu nome corrente, Cãkya-Monni) e chegou a ser santo, o Buda. Renunciou a tudo aos 30 anos. Fez penitência, meditou e viveu no retiro até 36 anos, quando começou a pregar. Depois de 40 anos de propaganda morreu em...

O budismo reagiu contra o sistema tirânico das castas e por isso sofreu uma guerra formidável do bramanismo, cujos chefes eram interessados na organização social. O budismo conservou a doutrina da dor perpetuada pelo nascimento, e deu ao homem meios de acabar com a dor pelos seus próprios meios, sem a intervenção divina. Pela santidade da vida, pela pureza do coração, o homem desembaraçado do desejo e por tanto dos sofrimentos da terra atinge a felicidade suprema do Nirvana. A via santa para o Nirvana tem oito caminhos: fé pura, vontade pura, palavra pura, ação pura, conduta pura, aspiração pura, memória pura, meditação pura. Depois de descobrir e possuir essas verdades exclama: “Deuses, ascetas ou brâmanes, eu sei que cheguei ao estado de Buda. Estou para sempre libertado. Não terei mais novos nascimentos”.

Deves notar, meu Amor, na vida de Cristo reminiscências da vida de Buda. Nascimento, renúncia, pregação, santas mulheres, discípulos, adoração de chefes (reis magos) tentações do demônio. Na religião bramânica permanece o animismo fetichista, paganismo, como nas deusas das fontes (fadas), deus das serpentes. São reminiscências das religiões primitivas, selvagens, antes da invasão dos arias, ou talvez do fundo pagão de destes, que se reproduz na Grécia, com organização superior da religião de estado...

(Rio para S. Paulo)

Em carta, (trecho)

Dezembro, 1925.

“A Confirmação do Espírito Humano ao Real” é uma fórmula para explicar o modernismo. Há o real da natureza e o real da vida. A vida cria sempre o real e o seu real é sempre moderno, porque é vida. O espírito humano tem de se conformar com esta realidade. Deve ter um conhecimento mais profundo do mal, abolir os “trompe-l’oeil” da existência, deve suprimir a separação entre o ser e a matéria, praticar o objetivismo (objeto, realidade) que será dinâmico porque a vida é dinâmica, e esse dinamismo esfacela o romantismo, ou a deturpação sentimental, o classicismo literário ou o vício do passadismo, o academismo ou a frivolidade factícia, convencional, rotineira. Eis a síntese da confirmação do espírito ao real. Eliminar os “trompe-l’oeil”, as convenções, os artifícios que tudo entorpece a verdadeira vida...

(S. Paulo para S. Paulo)

14 de fevereiro de 1926.

(da casa de Lina)

4,3/4.

Minha gloriosa Amante incomparável, minha Doçura divina, minha Santa Transfigurada! A tua Essência misteriosa está aqui neste meu corpo que tu acabas de imortalizar com as tuas sublimes carícias, está aqui volátil, sutil, eterna, única, em todo este ambiente que suspira de saudade pela Forma suprema que aqui domina excelsa e radiante! Oh! Como tu és bela!

Parece um sonho esse milagre de linhas que se harmonizam divinamente, e de expressões que dizem a majestade, a luz de um pensamento de Amor eterno!

E no entanto é a Realidade profunda e absoluta esse sonho que és tu, minha idolatrada Amante! E é toda a realidade a nossa Paixão. Como tu foste heroica em vir dar-me a suprema Consolação do teu Amor, e em vir beber nos meus lábios a volúpia única e as palavras da minha adoração! Há um benfazejo e imenso reconhecimento em mim pela existência de um Ser como tu entre os seres do Universo, e que esse Ser incomparável seja o meu Amor, o meu domínio, a minha Petite Chose! Não há sofrimento que eu não vença para a eternidade da nossa vida “unida e eterna!”

E hoje que nós nos separamos uma grande tristeza me torna mais concentrado, mais profundo! Mas essa tristeza é forte, é a tristeza da Felicidade! Nós possuímos na vida o que esta pode imaginar de mais profundo, de melhor e mais sublime, a Paixão recíproca, o Amor ardente e amado! E quando dois seres que se amam a este ponto exaltado, se sentem “Um” e quando eles se olham dentro de si mesmos e uma doce e inabalável confiança aí reina imortal, então o Universo é a nossa propriedade, o nosso domínio, e se nós nos separamos, se uma saudade indefinível e mortal nos faz desejar e sofrer... Ainda assim o Pensamento se une nos espaços infinitos, as Essências realizam a sua suspirada Unidade, e a Esperança sorri e mitiga a Tristeza!...

Agora que eu te disse a fortaleza do meu espírito, e a dor de mais esta separação, eu “quero” que tu sujas serena, e que venças as contrariedades deste momento, que veles a tua saúde como o bem precioso do teu Amante! Que tudo seja suave em torno de ti, que em tua alma brilhem sempre a Esperança e a Glória...

Em todos instantes a minha companhia é perpétua em ti, tu me verás, e tu sorrirás, e nestes teus olhos sobrenaturais luzirá a chama da Paixão, que se vai entender misteriosamente com o sol e as mesmas estrelas que o teu Amante lá de longe contemplará!

E assim sejam elas fluidos invisíveis do ar, correntes secretas da atmosfera, astros majestosos, longínquos, divinos, as mensageiras sublimes e infatigáveis das palpitações, dos desejos dos nossos corações, e dos sonhos, e do que é tão sutil, tão nosso, que nome não tem, e vem do nosso eterno Pensamento!

Adeus, minha sublime Amante, eu te tenho na minha boca imortalizada, nos meus braços, em tudo, em tudo, e tenho a tua Essência, e a saudade infinita da tua Beleza e da tua Volúpia, e eu te tenho em mim eternamente, e tu me fazes viver... Viver!... Eu te beijo como eu te beijei e nos meus beijos a minha alma! Adoração!

(Rio para S. Paulo)

Em carta. (trecho)

Para a tua cultura.

Fevereiro de 1926.

O ponto essencial da doutrina socrática é a limitação da indagação espiritual à moral, à política, ao pragmatismo. Não indaga das causas primeiras, nem finais. Contenta-se com a hipótese de Anaxágoras de que o Universo é governado por uma inteligência e daí parte para estabelecer o domínio da inteligência nas relações entre os homens. Sócrates repele todo o espírito metafísico que procura explicar o Universo. Essas indagações, são inúteis e ociosas. É o mesmo ponto de vista de Auguste Comte. O positivismo repele qualquer indagação da causa primeira ou da finalidade do Universo. Limita-se a aceitar o “provado” cientificamente e formou uma doutrina moral e política. Eles desconhecem que o homem é um animal metafísico e que a unidade do Universo é o fato supremo do espírito humano. A filosofia sem a filosofia... Mas há metafísica e metafísica. Há a metafísica religiosa... A “outra”, reconhece que o espirito humano tem “necessidade” de indagar das causas, que busca incessante a unidade do Cosmos, que tem na separação do Universo a sua tragédia fundamental. Mas não podendo explicar cientificamente a substância que forma o Universo, compreende este como imagina esteticamente...

Sim, Brancusi é um escultor moderno da forma mais simples. “Pássaro que voa”, ou o “espírito do voo”, é a escultura abstrata em oposição à escultura sensorial. Puro cubismo. É o oposto de Maillol e Despiau. A eterna luta entre nominalistas (idealistas) e os realistas. Mas... Desde que a emoção nos vem da obra de arte e nos integra no Todo Infinito pelas sensações de forma, luz, cor, é obra de arte, é função estética.

A abstração de Brancusi, a animalidade de Rodin ou o realismo de Maillol são “sentidos” do mesmo modo.

(Rio para S. Paulo)

Em carta, (trecho).

Outubro 1926.

Cubismo, dadaísmo, totalismo, tudo, era do passado. Essas escolas resultam na falta de escolas, isto é, no personalismo, individualismo, e que é interessante. Nisso se distinguem duas correntes, o ananimismo e o animismo. Hazard prefere a fantasia. Agora é a poesia pura... Hazard fala de Bremond, diz que a poesia pura não é eloquência, nem música, é o misticismo, é particular e possui uma certa realidade. Os poetas modernos devem ser interpretados pelos que os leem. Do contrário não seriam compreendidos. Na sua conferência, Hazard falou do surrealismo que é a última expressão literária em França, com Breton, Aragon, Soupault, etc. Há nessa corrente literária coisas interessantes, fundadas em observações de ordem psicanalítica de Freud, muito exatas. Essa corrente exprime o tumulto, o turbilhão, a vertigem da vida moderna e não é de se admirar se a Academia Francesa receber um autor surrealista.

(Rio para S. Paulo)

Em carta. (trecho).

1926.

A poesia pura?... É transcendente, é a magia verbal que se faz música, é vaga, tem cor, tem forma e é impalpável! Poesia irreal, poesia enfim... “A poesia começa onde a arte acaba” (Estética). Poesia pura: “outras vezes tudo é silêncio, e eu venho à noite sozinha ouvir o suspiro do mar e quando ele se banha na luz do luar” “Eu sou um mar de Amor”. “À noite a lua deitada sobre o leito de coral dorme um sono cor de rosa”. “A água do poço só reflete o céu... O céu nos envolve de todos os lados”. (Malazarte). São poesias mágicas, que abrem a infinito no espírito e que analisadas pela fria razão não se podem explicar “precisamente”. Tu deves notar que a padre Bremond embrulha muito para defender uma tese tão verdadeira e velha e faz trabalho de inteligência, de raciocínio, ele que procura o mistério, fora da razão. Vício francês da dialética e da discussão.

(Rio para S. Paulo)

Rio, 28 de dezembro de 1926.

(Trecho da carta)

A luta é um acidente natural do amar heroico e sobrenatural, que nos une para a eternidade, minha Idolatrada e é um incidente passageiro, que não modifica em nada as resoluções da nossa vontade soberana e invencível... Estão mais forte e não penso nas tristes e insignificantes intrigas. Nada me abate mais. Estou tão firme, tão resoluto! O meu amor me dá força e coragem e recebo de ti o fluido do entusiasmo e da vitória que me anima o ser. Desprezos vão terrores e miseráveis intrigas. Não há nada que nos aparte um do outro. Nossa vida é uma, como será a nossa morte. Longe de ti, vivo da saudade e nada mais! A minha libertação é completa e eu só aspiro ao momento meu Amor supremo, ao momento sublime de tudo deixarmos para fugir bem longe, para o nosso Paraíso!

Deixar tudo o que é vão, hostil e infecto!

Oh! O nosso Paraíso! Que maravilha! Imaginá-lo já é uma divina delícia! Sempre unidos, apaixonados, nos abismando nos nossos seres e fundidos na magia do Amor! Nenhum aborrecimento, nenhuma maldade! A unidade absoluta, a paixão eterna.

(Rio para S. Paulo)

Rio, 08 de fevereiro de 1927.

(Trecho de carta)

Poderosa! Divina! Meu Amor!

Compreendo essa doce passividade, esta mística servidão da Amante que não tem mais vontade própria e que radiante se elimina no Amante e vive no sangue e no pensamento deste. E eu, o teu Amante bem-aventurado, aceito na perpétua alegria o divino dom do teu ser, e me confundo contigo formando a entidade absoluta que é a Unidade primitiva do nosso ser, separado apenas para maior delícia que é a da perpétua atração e da perene realização da fusão voluptuosa e imortal...

Sentir o desejo por ti, a ânsia de te possuir é uma sensação sem nome, de tão singular e transcendente é ela...

Parece que eu volto a mim mesmo, que és tu, no meu “eu” feminino, como eu sou teu “eu” masculino, que também procuras a ti mesma em mim, como eu sei que me vou encontrar no mais recôndito do teu corpo, que é o meu próprio corpo em uma aparência de maior sedução, e consequente perpetuidade. Tudo isto, meu Amor, é o jogo mágico da Natureza, é o mistério dos mistérios, porque é a realidade da Paixão, é o Amor!

Eu só vivo de ti, como tu só vives de mim. Oh! Glória da Unidade enfim realizada, descoberta, revelada para sempre! Maravilha!

E desde que nos separamos a dor é imensa. A saudade de nós mesmos é uma tortura. A ausência do companheiro tentador, delicioso e infinito, é o mal que destrói a outra parte do ser, que aspira incessantemente à sua “unidade” para recomeçar sempre a buscá-la de novo!