Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Caquinadas, de Domingos Américo


Edição de Base

Biblioteca Virtual Brasileira

Aos companheiros da

“A Pátria”:

Dioclides Moijhão

Tarquinio Filho

Teixeira Junior

Os alicerces do edifício da regeneração do Maranhão estão feitos: “A Pátria” foi um dos elementos eficientes da argamassa. Vocês, que foram os obreiros mais esforçados desse momento brilhante da vida maranhense, permitam que lhes coloque os nomes ilustres no frontispício das CAQUINADAS, que são apenas um dos aspectos da bela campanha que temos de levar a cabo.

Domingos Américo

No batente

Da longa luta jornalística que venho sustentando, há dois anos, na “Folha do Povo”, na “Tribuna” e n’”A Pátria” ,este último, órgão de minha exclusiva propriedade e direção, fundado como contribuição do Partido Democrático deste Estado ao grande movimento aliancista, resolvi, sugerido pelos amigos, escolher alguns escritos e reuni-los em livros afim de oferecer ao povo maranhense na campanha senatorial, em que o meu nome foi apontado como candidato daquela agremiação partidária, para disputar o lugar a que está indicado pela oligarquia dominante o sr. capitão de corveta José Maria Magalhães de almeida.

O primeiro volume — NOVOS HORIZONTES, contem grande parte dos artigos redigidos no intuito de acordar, na alma dos meus comprovincianos, o ódio contra os mistificadores do regime republicano, e, simultaneamente, a simpatia pelos seus adversários, sobretudo, pelos filhos de outros Estados, que aqui vieram, ou por aqui passaram pregando a Boa-Nova.

Artigos, porém, havia, que não podiam ser enfeixados nos NOVOS HORIZONTES, em virtude da sua confecção ter obedecido a outras razões, a intuitos-outros. Deliberei, por isso, reuni-los neste pequeno compêndio a que dei o nome de CAQUINADAS, se bem que reconhecesse ser Sorrisos e Gargalhadas o título que melhor lhe convinha.

Fica, todavia, CAQUINADAS, que por não ser termo muito vulgar, atrai mais a atenção do público para a aquisição do modesto livrinho.

Sorrisos e Gargalhadas ficará para outra ocasião...

DOMINGOS AMÉRICO

Caquinadas

Quos vult júpiter...

É da sabedoria grega, é da pátria de Sócrates e Péricles, que nos vem o adágio: “Quando a Divindade prepara desgraças para um homem, primeiramente tira-lhe a razão”.

Traduzido o pensamento, em dois versos celebres de uma das inimitáveis tragédias de Eurípedes, que não transcrevo devido à falta de caracteres gregos, dali passou a Roma, onde Patérculos e Publius Syrus o espalharam, na língua de Cícero, em formas várias, que, afinal, se condensaram no

Quos vult Jupiter perdere, dementat prius.

Eu considero o sr. Washington Luiz, mesmo pondo de lado sua posição de Presidente da República, uma das grandes figuras da política nacional.

Por maior que seja a minha divergência de um homem, por maiores que sejam os seus erros, não o julgo somente pelos erros, não o considero somente pelos males porventura causados, mas também pelos acertos e pelos benefícios praticados, pelos serviços realizados, pelas ideias propagadas.

É com real interesse patriótico e com sincera admiração que venho acompanhando a trajetória do sr. Washington Luiz, desde sua administração na Prefeitura de S. Paulo.

Quando S. excia. foi eleito Presidente do grande Estado que marcha na vanguarda das unidades progressistas da Federação, exultei como brasileiro e, logo que foi publicada sua primeira mensagem dirigida ao Congresso de S. Paulo, procurei lê-la e estudá-la.

Desde o governo Campos Sales que leio e estudo as mensagens de todos os Presidentes da República e as principais dos governadores.

Poucas se comparam a essa do sr. Washington Luiz, e nenhuma a excede em clareza, em segurança de conceitos, em grandeza de ideias e propriedade de forma, envolvendo pensamentos de um grande estadista. de um notável político, a quem não são estranhos os alevantados ideais de solidariedade humana, que, modernamente, dominam todos os grandes espíritos.

Se considero um grande erro de S. excia., um verdadeiro desastre para o Brasil, sua política financeira do câmbio vil e dos empréstimos externos para estabilizar o valor da moeda, não desconheço os efeitos salutares da liquidação da dívida flutuante, deixada pelo seu infeliz antecessor, assim como a moralidade na arrecadação das rendas públicas, dando em resultado os saldos orçamentários.

A severidade com que S. excia. puniu os empregados da Alfandega do Rio, prevaricadores associados a poderosos contrabandistas; o alto critério que tem presidido as nomeações de Ministros do Supremo Tribunal Federal, feitas em seu governo, certamente que atenuam muitos dos seus erros nos primeiros anos de administração.

É justamente por isso que fico perplexo diante dos atos arbitrários de S. excia., praticados com o fim de levar à presidência da República o seu protegido, o ilustre sr. Júlio Prestes. Começando por querer adiar a escolha dos candidatos, afim de seus adversários não terem tempo de preparar a campanha contra o preferido de S. excia., o sr. Washington Luiz chegou ao ponto de violar segredo de cartas escritas, na confiança da amizade, pelo seu antigo ministro e amigo, o ilustre sr. Getúlio Vargas!

Cometeu assim um crime punido pelo Cód. Pen., sem necessidade, pois o ilustre candidato liberal, não recusaria a permissão para a publicação da referida carta, que em nada o diminui, caso o sr. Washington a tivesse pedido, como é de lei e de elementar dever de educação.

Chamou da Europa o sr. Bernardes, para atirá-lo contra o sr. Antônio Carlos e como aquele preferisse acompanhar o chefe mineiro, S. excia. permite que seus sequazes, e que o foram do sr. Bernardes. o injuriem, lancem lhe em rosto os erros do governo a que eles prestaram o mais decisivo apoio!

Aliás, o principal responsável pelas desgraças causadas ao Brasil, pelo governo nefasto do sr. Arthur Bernardes, é justamente o sr. Washington Luiz!

É sabido que por ocasião da campanha niilista, no mais aceso da luta. em que o sr. Epitácio portou-se como verdadeiro chefe da Nação, reuniu S. excia, no Catete os principais chefes favoráveis ao sr. Remardes e expôs-lhes a situação, afirmando que tinha forças suficientes para levar ao poder o candidato odiado, caso o mesmo fosse eleito, mas lembrou a ideia de ser feito um acordo em volta de outro nome, afim de serem evitados futuros males consequentes dos ódios desencadeados.

Foi então que o sr. Washington telefonou dos Campos Elísios para o Catete, dizendo que a resolução de S. Paulo era definida e definitiva ao lado da candidatura Bernardes, o que veio dar ganho a este.

A Nação teve motivo para acreditar que isso era o resultado de um acordo entre Minas e S. Paulo, feito por intermédio do sr. Raul Soares, para ser escolhido o sr. Bernardes que depois escolheria o sr. Washington, como de fato o escolheu, para Presidente durante o estado de sitio!!!

O sr. Epitácio cumpriu o seu dever constitucional, garantindo a ordem pública e não intervindo no pleito.

Que diferença entre o procedimento do sr. Epitácio Pessoa e o do atual Presidente da República, em relação à eleição do sucessor!

O sr. Washington demite funcionários públicos, remove do Rio Grande para o norte modestos empregados, probos chefes de famílias, que não podem ser demitidos, isto pela única falta de terem declarado que votam no sr. Getúlio Vargas para Presidente da República.

Comete assim S. excia. o crime de responsabilidade previsto no § 4° do artigo 54 da Constituição da República, que diz ser crime de responsabilidade do Presidente da República: “atentar contra o gozo e exercício legal dos direitos políticos ou individuais”.

Desde que S. excia, demite e remove funcionários públicos por serem partidários do sr. Getúlio, atenta contra os direitos políticos desses funcionários, viola a nossa Suprema Lex, que jurou manter, atenta contra a liberdade de seus concidadãos, sai fora da lei, abandona a chefia da Nação pela bandeira de um partido!!!

Essa cadeira do primeiro Magistrado do país, de chefe da Nação, em que se sentaram Pedro II, Prudente de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves, S. excia. deixa-a, abandona-a pela de chefe de uma facção, de um partido, o partido das oligarquias, contra o qual se ergue todo o povo brasileiro, de norte a sul!

Nenhum espirito imparcial dirá que o sr. Washington Luiz está sob o domínio da razão. S. excia. se acha perturbado de tal forma que esquece até a Constituição que jurou manter.

Quos vult Júpiter perdere, dementai prius...

Os prodomos da farça

O Sr. Comte Magalhães de Almeida não teve ontem um amigo. Não desses amigos comuns que aplaudem todos os nossos atos e cuja única preocupação é nos serem agradáveis, nas horas felizes, pouco se importando com o nosso futuro; mas, o verdadeiro amigo, aquele que resiste, aconselha, ampara moralmente o amigo nas ocasiões em que os nervos superexcitados fazem-no esquecer os seus deveres e arrastar-se por maus caminhos, guiado tão somente pela paixão e pelo ódio

Um amigo daqueles que o velho rifão tão precisamente define: os que resistem ao rei para servir ao rei!

Desses, não o teve o sr. Presidente do Estado, porque se o tivesse não assistiríamos às cenas vergonhosas que se passaram, ontem, nesta cidade, com ostentação de força, boatos alarmantes, ocupação do Palácio da Justiça pela Força Pública e que cumulou com a proibição da entrada dos srs. Desembargador Adolpho Eugênio Soares Filho e dr. Marcelino Rodrigues Machado, em um edifício público, onde iam exercer um direito sagrado!

Ninguém acredita nas desculpas que os amigos do governo pretendem dar, tripudiando sobre a verdade e querendo fazer das vítimas algozes!

É uma desculpa infantil querer fazer o público acreditar que o sr. dr. Marcelino Machado possuía elementos materiais para perturbar a ordem pública.

É um erro gravíssimo não permitir os oposicionistas comparecerem às urnas, impedira eleição dos mesários, que lhe assegurem a seriedade do pleito.

O que se passou, ontem, nesta cidade, foi o resultado de ódios pessoais entre o sr. Comandante Magalhães de Almeida e dr. Marcelino Machado. O sr. Presidente do Estado não oculta esse ódio e seus amigos o propalam por todo o Maranhão, e o sr. dr. Marcelino Machado permite que ele se manifeste, de sua parte, através dos artigos de “O Combate”, órgão de seu partido!      

Mas o sr. Presidente do Estado, deixando-se dominar por tal paixão, esqueceu até que o sr. Desembargador Adolpho Eugênio Soares Filho foi Secretário da Fazenda no governo Urbano Santos, e o sr. dr. Marcelino Machado teve ingresso na vida política do Estado, pela mesma mão que trouxe S. excia. para a Câmara Federal!

O nome de Urbano Santos, cuja memória o sr. Magalhães de Almeida preza com tão justo carinho, devia ser uma causa de tolerância, um motivo para que esse ódio diminuísse, já que não se pode extinguir, em bem dos nossos princípios de educação política.

Fique certo o sr. Presidente do Estado de que só uma pessoa perdeu, ontem, com aquela encenação deprimente, estranha aos costumes políticos de nossa terra: foi o Comte. José Maria Magalhães de Almeida!

No atual momento, apaixonado, dominado pelo ódio e pela vaidade, S. excia. não nos acreditará, não ligará importância à advertência do adversário leal, que tem 30 anos de uma vida pública que não inveja a de ninguém; mas preste bem atenção o sr. Presidente do Estado às nossas palavras de hoje, e, em um futuro não longínquo, S. excia. há de verificar que elas são inspiradas na mais pura verdade e no mais são patriotismo!

O sr. Comte. Magalhães de Almeida sabe que não deve utilizar-se do cargo que exerce para satisfação de seus ódios pessoais. Além disso, membro de uma distinta família maranhense, S. excia. não deve infringir essa doçura de costumes, essa delicadeza de relações, essa paz que sempre reinou entre nós e que é a única coisa que nos resta do Maranhão de outrora. Envergando uma farda de nossa gloriosa Marinha de Guerra, S. excia. tem o dever de ser cavalheiro. Filho do Maranhão, S. excia, não tem o direito de levar sua ambição ao ponto de esquecer nossas tradições de cordura e tolerância.

31-1-030.

Escravos negros e escravos brancos

Em toda pagina de Rui, há sempre um profundo conceito moral, ou um pensamento de elevada filosofia, quando não o fundamento jurídico deduzido com o rigor de um silogismo.

O modo admirável com que o Mestre veste suas ideias, a música arrebatadora de seus períodos, a elegância da linguagem escorreita e impecável, a beleza da forma, enfim, é tal que, embevecidos por ela, principalmente quando ele se eleva nos seus grandes voos líricos, esquecemos o pensador, para admirar, somente, o artista, o mais poderoso talento verbal de nossa raça.

De suas páginas, uma das mais admiráveis é a em que estigmatiza o servilismo, a escravidão dos brancos, no Brasil, dando como causa o castigo da Providência, pela miséria da escravidão negra, que por tanto tempo enodoou nossa Pátria.

E Rui não conhecia o Maranhão!...

Eu digo uma das páginas mais admiráveis, por necessidade de fazer sobressair o meu pensamento, porque não sei, em Rui, o que é mais admirável.

Zola, entrando, um dia, na imponente basílica de S. Pedro, ficou estupefato porque sentiu voltar-lhe a fé. Eu, também, ao entrar na catedral de Colônia, a famosa mole gótica que se espelha nas aguas do Reno, contemplando os vitrais magníficos, com pinturas de cenas do Evangelho, através dos quais côa-se uma luz suave, admirando as quatro ordens de colunas jônicas que sustentam o teto, sobre o qual passeei depois, com uma turma de ludâmbulos, — senti, naquele momento, voltar-me a fé em que educou minha alma a pessoa que mais amei na vida.

A obra de Rui é, para mim, como uma dessas catedrais antigas. Quando nela penetro, revigora-se me o amor à Liberdade e o culto à Justiça, a única e verdadeira forma de eterna Beleza!...

Lá, é que eu vou beber essa inspiração que provoca a simpatia e admiração das almas boas, o despeito e o temor dos covardes e dos degenerados, a inveja dos hipócritas. Lá, é que eu vou buscar a força, a energia serena, com que vou semeando os ideais democráticos, exercendo esse apostolado cívico em benefício de todos, dos próprios inimigos. Foi essa energia que me fez rejeitar uma cadeira de deputado, oferecida por Benedito Leite, quando ainda muito moço, e, outra vez por Urbano Santos, já na maturidade!

Leite era o talento ao serviço da honestidade e do patriotismo; e de ninguém recebi provas de amizade e de animação, como dele; mas, infelizmente, aquele grande espirito se deixou arrastar pela vertigem do poder e pelo ciúme, e praticou a injustiça de atirar ao ostracismo a figura imaculada de Cunha Martins, e queria colocar como seu substituto um títere. A minha paixão liberal não permitia vacilações entre o amigo e a Liberdade! Se Leite estivesse vivo, estaríamos juntos, porque ele era um patriota e um justo que tinha a nobreza de reconhecer seus erros e respeitar a honra alheia.

Urbano Santos tinha comigo os mais sérios compromissos. Um dia, de passagem para o Rio, vindo do Acre, numa demora em S. Luís, fui a palácio retribuir uma visita do ilustre maranhense. O salão de jantar estava cheio e Urbano, sentado à cabeceira da grande mesa de jantar, trabalhava. Cumprimentei-o e sentei-me à sua direita a palestrar. As vezes relanceava o olhar sobre a assistência. Era uma desolação! Não vi homens, mas espectros que tinham mais a feição de enfermos mendigos, à porta da Santa Casa, esperando que se esvaziassem leitos; e não homens públicos que fossem tratar, junto ao chefe do Estado, de negócios que interessavam às suas funções. Havia entre eles vários magistrados. Só um atravessou a sala, com passo firme e porte digno; o Desembargador Pereira Junior.

Urbano tinha faltado para comigo ao compromisso de honra de levantar os brios de nossos conterrâneos, quando eu, as escancaras, e, ele, disfarçadamente, combatíamos a onipotência de Benedito Leite. O meu caminho, a minha posição foi deliberada naquele momento. Eu ia romper com Urbano, combater a oligarquia familiar que ele estava fundando e defender a liberdade de meus comprovincianos, a dignidade de meus infelizes colegas. muito mais aviltados do que no tempo de Benedito Leite.

Ao sair de palácio encontrei o dr. Godofredo Viana, a quem manifestei a minha triste impressão, diante daquela cena. Godofredo ouviu-me um tanto vexado e respondeu:

—Que queres? É da época...

Mais tarde, quando José Leite e o malogrado dr. Antônio Leite, flor da esperanças, tão cedo esmaecida, cortada da haste da Vida ainda com a corola molhada peio sereno da madrugada, foram a minha casa e inteligentemente acenaram-me com uma cadeira de deputado, que eu sabia ser, disfarçadamente, oferecida por Urbano, delicada e habilmente declinei da honra, ocultando os verdadeiros motivos, porque ninguém tem o direito de perturbar a felicidade de um amigo, principalmente quando ele é jovem...

A morte de Urbano Santos, acontecimentos posteriores, adiaram a minha campanha, que irrompeu juntamente com a democrática, e, agora, com o prelo liberal.

Mas Rui não tem razão quando atribui ao castigo da Providência divina a escravidão branca, pois esta é muito mais ignóbil que a outra. Conheço ambas. A minha reconhecida memória retém fatos os mais antigos. Tinha eu três anos quando uma escrava de meu pai, Bibiana, foi vendida para Minas, com o irmão Januário. Lembro-me bem das lágrimas da Bibiana que me caíram sobre o corpo quando, no momento da partida, eia me ergueu para a abraçar-me. O irmão pedira venda e meus pais não quiseram separá-los.

Os escravos brancos não têm essa nobreza de Bibiana...

Eles não adotam uma expressão de saudades para os filhos dos antigos senhores... Com o mesmo sorriso hipócrita vão explorar o amor paterno dos novos amos maculando, com seus beijos lívidos, a inocência das crianças.

Babujam, mentem, nas senzalas e na Casa Grande. Para os adversários, porém, em segredo, expõem as mazelas, revelam' intimidades, contam histórias, narram fatos os mais íntimos e deprimentes para os senhores, e, depois, voltam à senzala moderna que deprimiram, a empanturrarem os estômagos com guisados dos farrapos das velas do patacho “Caravelas” e sopas de fosfato da ilha Trauhira, cozinhados nas aguas da Ulen...

O número de cobardes e imbecis é muito maior do que se supõe.

O caso da trauira

Há muito que circulam. na cidade, boatos os mais deprimentes para a administração pública, em torno de uma concessão dada pelo sr. Presidente do Estado à firma Francisco Aguiar & Cia., para a exploração da indústria de adubos fosfatados e seus derivados. O “O Combate” denunciou-o há muitos dias e a “A Pátria” há três dias em um tópico ligeiro, referiu-se ao caso sucintamente. Agora, porém, o escândalo tomou maiores proporções em virtude do Congresso não se querer reunir para aprovar o tal contrato, ilegalmente feito, entre a firma referida e o sr. Presidente do Estado; e este, como é público e notório. irritado, andar a procurar deputados, pedindo-lhes, exigindo-lhes a aprovação do mesmo, que, segundo outros afirmam, não conta com o apoio do Presidente eleito, sr. Pires Sexto, e tem a repulsa dos deputados.

Orgam da opinião pública, a “A Pátria” vai estudar a questão, calmamente, sem paixão, visando tão somente o bem coletivo, e a dignidade do Estado, se bem que a opinião do jornalista oposicionista de nava valha para os poderes públicos, para os governistas, convencidos de que somos uns párias e que o Estado é propriedade de quem tem em mãos o poder.

Antes de tudo, acho que a disposição da letra a do art. l.° de ambas as concessões, que parece um favor à primeira vista, é uma medida justa e de interesse para o Estado.

A disposição da letra e do art. 2.º da concessão Peixoto, que o obriga a pagar 1$000 de exportação por tonelada de produtos que fabricar, não obedece a um critério exigível em indústria deste gênero, pois a taxa deve incidir sobre o preço, e não sobre o volume do produto. Esta regra é de rigor nessas indústrias.

O Chile percebe 20% sobre os preços do salitre e seus derivados, exportados, e, Já, o custo da produção é muito oneroso, pois até a água para o consumo é extraída do mar por maquinas caríssimas.

A disposição correspondente da concessão Aguiar, mandando pagar 2, 4 e 5 contos por mês ao Estado, é um absurdo de tal ordem, que estou convencido de que o sr. Presidente do Estado e o Secretário Geral não sabem o que assinaram!

Qual a base em que se firmaram para saber que é justa e equitativa aquela quantia?

O preço, a quantidade, o lucro?

Mas, se é uma indústria a se formar, que os concessionários e o Estado não sabem, nem ao menos se existe a matéria prima, o minério, que só é conhecido na ilha pertencente à empresa do outro concessionário!...

Como poderão saber o preço, a quantidade, o lucro?

É incrível haver homens públicos que incidam num erro destes. Não é imposto, não é taxa, não é uma indenização, porque não há uma base sobre a qual fosse calculada a quantia. E, se não é taxa, não é imposto e não é indenização, o que pode ser?

—Gorjeta!!!

Simplesmente, gorjeta!

Os comerciantes Aguiar & Cia. deram ao Estado do Maranhão uma gorjeta pela concessão que o sr. Presidente do Estado lhes fez, contra a Lei, contra a Constituição, concessão de direitos, concessão de bens e concessão até da soberania popular!!!

Exagero? sofismo?

Sim exagero; não deu, prometeu dar a gorjeta em prestações, em quotas, como diz o próprio decreto do sr. Magalhães de Almeida.

Diz o Dec. em seu art. 2° letra d: o Estado manterá em suas leis o imposto de 30$000 por tonelada de matéria prima bruta, produtos e subprodutos, sujeitos os concessionários apenas ao pagamento das quotas fixadas no art. 2. "letra e”.

Leram?... Está no decreto!!!

Os impostos são estabelecidos, anualmente, pelo Congresso, isto é, pelo povo por intermédio de seus representantes. A concessão Magalhães — Aguiar viola este princípio elementar de Direito Constitucional, determinando que, durante 20 anos, o povo maranhense não poderá alterar a taxa de 30$000 por tonelada de fosfatos, de sua produção, que exportar! Além de violar a disposição constitucional, que dá ao povo o direito de, anualmente, organizar o seu orçamento, viola a outra que não permite privilégios nem monopólios!

O Congresso pode, em uma indústria nova, isentar de impostos um indivíduo ou uma empresa, mas não pode, ao mesmo tempo, estabelecer impostos sobre a mesma indústria em relação aos demais, principalmente impostos proibitivos!

Seria violar a liberdade de comércio já estabelecida no Brasil, antes da Independência, por Dec. de D. João VI, datado da Bahia.

Demais, sendo da competência privativa do Congresso decretar concessões, o sr. Magalhães, fazendo um contrato com outrem, que não aquele a quem o Congresso em Lei sancionada por S. excia. determinou que se fizesse a concessão, usurpou funções que lhe não competiam, ultrajou a honra dos congressistas seus amigos e injuriou seu sucessor já eleito que é quem teria de sancionar a lei votada pelo Congresso.

Além de nulo, o ato presidencial é profundamente inábil e antipolítico.

S. excia., nas vésperas de deixar o poder, fazendo uma concessão ilegal, demonstrou, positivamente, claramente, não querer que seu sucessor dela tomasse conhecimento.

Ficou neste dilema fatal:

Ou a concessão é honesta e, não confiando no dr. Pires Sexto, não confia na probidade do novo Presidente, ou reconhece a integridade moral do seu sucessor e, assim sendo, confessa a improbidade do ato.

Trauira

Estabeleci, no artigo em que encarei o problema das concessões da indústria de fosfatos, os verdadeiros termos da questão, apontando, indiretamente, ao governo o caminho que tinha a seguir, mostrando-lhe os erros em que incorrera, muitos dos quais são perfeitamente corrigíveis.

Referi-me à indústria de salitre do Pacifico, demonstrando-lhe que, enquanto os poderes públicos de minha terra, pela redação dos decretos de concessão, demonstravam ignorar, completamente, o problema que, levianamente, querem resolver, esses problemas não me eram estranhos.

Além dos erros jurídicos, mostrei o erro econômico, procurando despertar a inteligência dos nossos homens de governo para o estudo do caso sob outros aspectos.

Os jornais oficiais vêm procurando defender o sr. Presidente do Estado das acusações que lhe são feitas e dos erros que foram apontados. Se essa defesa já representa uma satisfação à opinião pública, uma compreensão dos deveres inerentes à personalidade do administrador em um regime republicano, ela em nada diminui a responsabilidade do sr. Presidente do Estado e do sr. Secretário Geral na assinatura da concessão Aguiar.

Não quero dizer que não a tenham pela assinatura da outra, cujo defeito, aliás, apontei.

A realidade é que os interesses do Estado não foram cuidados e os homens públicos, que tomaram parte no caso, desconhecem, completamente, o assunto. Isto para lhes ser favorável.

Aí, é preciso distinguir os terrenos de propriedade de particulares dos terrenos de propriedade do Estado.

Nesta indústria extrativa, o Estado não a deve consentir em suas propriedades, sem vantagens manifestas, lucros imediatos. O presidente Bernardes, em Minas, não protegeu o transporte dos riquíssimos minérios de ferro daquele Estado, porque não havia lucros para o mesmo. É preferível que permaneça no solo o minério para necessidades futuras do Estado.

Quanto às propriedades particulares, a concessão não deve ir ao ponto de prejudicar aos outros proprietários de terras, porque, do contrário, além de ser altamente injusto, vai ferir disposições da Constituição federal.

A proteção deve limitar-se a garantir o capital empregado, contra a possibilidade de impostos para o futuro, que venham sobrecarregar por demais os produtos.

Em relação às terras do patrimônio do Estado, este não deve proteger a indústria que lhe não deixa lucros razoáveis, salvo se os produtos desta indústria têm de ser aplicados em outras do mesmo Estado, o que me não parece ser o caso das concessões, pois ambas visam exportar seus produtos para a Europa.

A concessão Peixoto tem uma disposição final, em que dá ao governador poderes para, no contrato, estabelecer outras condições.

Sou partidário da exportação livre, menos em mineiros, pois, não é justo que vamos, sem nenhum lucro, beneficiar as indústrias alheias, principalmente numa época como esta, em que as nações andam em uma competição feroz, em todos os continentes.

O governo tem o dever de atender a todas essas circunstâncias, e lembrar-se de que nossa lavoura também precisa de fosfatos e muito fosfato, do que não se lembraram em nenhuma das concessões.

Essa história de terra nossa fertilíssima é igual à história de nossa riqueza que vamos repetindo, há não sei quanto tempo, e sempre estamos na pobreza, senão na miséria, No Maranhão, está tudo em estado primitivo, nunca ninguém fez o exame químico das terras, persistindo a» noções antigas sobre o assunto. O atraso e do povo e do governo, motivado também peias circunstâncias mesológicas.

Até hoje ainda não houve governo que se lembrasse de instituir uma Diretoria de Agricultura e Terras, do que muito depende o futuro do Maranhão.

Em administração, no Maranhão o governador que não fizer isso, não tem a exata compreensão de suas responsabilidades. Não para ser ocupado o cargo por qualquer bajulador; assim é melhor não criar. Mas, para mandarem buscar fora, no sul, um homem competente, que, queira trabalhar, estudar o Estado, as suas condições, os remédios a aplicar, e seja um auxiliar sincero uma personalidade na chefia de sua própria repartição.

O Maranhão, para progredir, precisa sair do regime do espoletismo, do eunuquismo em que tem vivido, e que o sr. Magalhães, talvez, como ninguém, tanto tem feito proliferar.

Só assim poderemos evitar a tristeza de vermos um oficial de Marinha, que já esteve na Câmara e no Senado da República, e um magistrado que já ocupou a chefia de sua classe, perpetrarem a insensatez, como governador e secretário geral de colocar suas firmas sob um documento como o do decreto fosfatado.

A ilha fatal

Os fosfatos são excelentes adubos para restituir às terras esgotadas, por constantes cultivos, a fertilidade necessária à produção compensadora da lavoura, transformando a gleba maninha e agreste em solo produtivo, onde vicejam os loiros trigais, e os milharais fecundos verdejam.

Mas, como tudo na vida tem o seu reverso, às vezes os adubos são causadores de desastres bem funestos, trazendo até a guerra com seu cortejo de miséria—a destruição dos loiros trigais e dos verdejantes milharais.

É conhecida a guerra do Pacífico, com a bravura épica do Almirante Gráu, o heroico comandante do “Huascar”, submergido, em combate glorioso, nas águas do cabo Agamos.

Pois foi devido a uma grande questão de adubos!

Toda a costa do Pacífico, desde Antofagasta até Arica, é um verdadeiro deserto estéril e sem água, tal qual a ilha Trauira. Sob a camada delgada da terra sáfara, porém, está o salitre, o nitrato, necessário à fertilização das terras esgotadas da Europa, que o paga generosamente pelo fato do precioso adubo multiplicar-lhe as searas.

Aconteceu que o Chile, ambicioso, quis apoderar-se dos ricos depósitos pertencentes à Bolívia, e declarou-lhe a guerra. O Peru interveio em favor da Bolívia, mas, com esta, foi derrotado, e a Bolívia perdeu toda a região da costa que era um depósito de nitrato, e o Peru, parte, só terminando a questão do território o ano passado, com a intervenção e bons ofícios dos Estados Unidos. O Chile ficou senhor do rico deserto. Rico de adubos!

O herói da guerra foi o Almirante Grau, do Peru. Bloqueado Iquique, ele, com dois navios, força o cerco naval aos gritos de: “Viva el Peru”. Trava-se a bar talha marítima, destruindo Grau um navio chileno, vendo, porém, um dos seus submergido, apesar do que aproou para o sul, rumo do Chile, cujas costas devastou aos gritos de: “Viva el Peru”.

Afinal, encontrando-se o “Huascar” com a corveta chilena “Esmeralda", nas alturas do cabo Agamos, fere-se novo combate, soçobrando, gloriosamente, o “Huascar”, com o seu comandante aos gritos de: “Viva el Huascar”, “Viva el Pe-rú”!

Tudo isso por uma questão de adubos!

Aqui, no Atlântico, também tivemos o nosso Gráu, o bravo Comte. Magalhães de Almeida, cujo navio legendário, o patacho “Caravelas”, por uma troca de roteiro, pelo comissário, acaba de submergir-se nas águas da Ilha Trauira.

No Pacifico, o valente Gráu usava dar expressões: “Viva el Perú”, “Viva el Huascar”! Aqui o bravo Comte., inspirando-se em Falcão que, na batalha de Caseros, dirigindo o 5º batalhão maranhense, exclamava: “Avança 5°, avança!” — usou sempre do lema:

—"AVANÇA “CARAVELAS”... AVANÇA!”

O seu primeiro feito glorioso foi contra o tirano Parga, saindo completamente vitorioso. O “Caravelas" deixou o gurupés e o pau da bujarrona enganchados nas estacas do trapiche do Tesouro, mas, numa manobra feliz, bem carregado, velachos, joanetes e gáveas enfunados, saiu barra a fora, Comandante ao leme, Betinho comissário, mano Artur imediato, todos a gritarem:

—"AVANÇA “CARAVELAS”... AVANÇA!”

Um dia os maranhenses viram dobrar a Ponta d’Areia, um navio estranho. Era o “Caravelas” que, devido ao feito bizarro do seu bravo comandante, fora elevado à categoria de galeota real...

Então, começou a via gloriosa. Em breve, ó heroico comandante do patacho legendário teve uma cadeira de deputado, e outra de senador logo após; mas nunca abandonou o navio querido. Certa ocasião resolveu-se a dar combate aos piratas Lages. Vitória completa, com assinatura de um tratado, em que o inimigo se obrigava a fornecer todos os mantimentos à esquadra maranhense... E o “Caravelas”, de novo, fez-se ao mar, rumo do norte, carregado, com a linha d’água mergulhada, velas pandas, vento em popa, Gráu Maranhense ao leme, Betinho comissário, mano Artur imediato, todos a dizerem:

— “AVANÇA “CARAVELAS”... AVANÇA!"

Outro feito notável foi nos Estados Unidos. Um dia, a população de Nova York leu, em letras garrafais, em todos os jornais, a notícia de que ancorara no rio Hudson o navio maranhense. Todos correram a visitá-lo. Calmo e sereno, na sua figura hierática de Buda japonês, em contraste com o berrante chapéu tropical, o Gráu Maranhense causou admiração a todos, inclusive aos banqueiros da 5º Avenida. O Maranhão precisava de bondes, esgotos, água e mais, e queria um empréstimo. Cederam e ofereceram ainda a Ulen, respeitosos... Foi assinado o tratado financeiro, mas, desdenhoso e sobranceiro, o herói deixou, por desprezo, metade do empréstimo nas mãos dos banqueiros. O “Caravelas”, porém, foi calafetado, e deixou o Hudson, carregado, rumo da Guanabara.

Novos cometimentos ousados. combatendo ingratos e usurários, deram-lhe a cadeira de governador e tratados financeiros com o Banco do Brasil.

Depois disso o “Caravelas” singrou para S. Luís. de pau da bujarrona, gurupés e mastros novos, velame concertado, giba, bujarrona, velachos, joanetes, gáveas, vela grande, vela de estai, estai grande, gata, rabeca e vela de ré, com vento à es entesados, popa, todos enfunados, os riz o navio glorioso navegou com o Comte ao leme, zombando dos elementos, guarnição dobrada, Betinho comissário, mano Artur imediato, todos radiantes a exclamarem:

— “AVANÇA “CARAVELAS”... AVANÇA!”

A história maravilhosa do Comte. e da guarnição, desde a chegada a este porto, já está contada em livro celebre.

Novas glórias, porém, ainda quis o “Caravelas” e foi preparado, tendo em cada vela, à imitação dos cruzados antigos, que pintavam uma cruz, duas letras enormes: H. G.—honra e glória, dizem que por inspiração do comissário.

Marinheiro e filho de Atenas, não é de estranhar que o Comandante sonhasse com o papel de Jason capitaneando, no Argos, os heróis gregos que partiram para a Colchida, a conquistar o Velo do oiro...

Quem sabe se não lhe passou pela mente, com as leituras do Professor Ludovico, a ideia de encontrar, na ilha Trauira, o Tosão de oiro, que não foi achado pelos heróis gregos? Quem sabe?!

E que glória não seria para o Maranhão!...

Um marinheiro, Peixoto, porém, borrou a carta de marear e, confundindo a luz dos fosfatos com a de um farol, o herói levou o “Caravelas” sobre rochedos da ilha Trauira, onde jaz despedaçado, com mastros caídos, gurupés e pau de bujarrona quebrados, quilha espatifada, cavername rebentado e convés esbandalhado!

Não se irrite, nem se entristeça o bravo Grau Maranhense, pois “Caravelas” e Trauira ficam na História. Hoje, da praia do Caju ao Desterro, da rampa de Palácio à Vila Operaria, como amanhã, em toda parte, sempre que surgir um herói semelhante, a frase gloriosa há de ser repetida, com o mesmo entusiasmo que pronunciava, com Betinho comissário e' mano Artur imediato:

— “AVANÇA “CARAVELAS”... AVANÇA!”

Vestido de nu

Certo dia, um rei teve a fantasia de possuir uma vestimenta de um tecido tão fino e transparente que ninguém visse a fazenda, e logo mandou chamar o mais importante alfaiate de sua capital, a quem manifestou o singular desejo.

O alfaiate, atônito, fitava o rei, porque, naquele tempo, era um crime punido com a pena capital contrariar o desejo do chefe do Estado.

— Então, não te atreves a fazer-me uma vestimenta desta, interrogou o rei agastado?

— Eu estava admirado, respondeu o alfaiate, é como Vossa Majestade pôde adivinhar que eu tinha uma fazenda destas!

— Ah! tu tens a fazenda que não se vê? — indagou o rei com o semblante iluminado por um sorriso.

— Pois se ontem me chegou do tecelão!

E o alfaiate tomou a medida e, no dia seguinte, foi provar a vestimenta, trazendo uma agulha visível, mas com linha tão fina que o rei não a via, assim como não via a fazenda. Depois anunciou, aos cortesãos, o feliz achado e, quando o alfaiate trouxe o vestuário real, todos o gabaram.

Esplêndido, belo!... Nunca rei algum tivera veste semelhante, diziam os ministros, os generais, os veadores, os conselheiros, os juízes, os desembargadores, os inspetores. E resolveram que o rei fosse passear pela cidade, afim de mostrar, a seu povo, a maravilhosa obra do alfaiate insigne.

Nesse tempo não havia jornais matutinos nem vespertinos...

Um bando, precedido de trombetas, anunciou à cidade o passeio do soberano para mostrar a seu povo a mais bela vestimenta que já possuíra um rei. E saiu o cortejo com o freguês real do alfaiate, vestido com a roupa de fazenda tão fina e transparente, que ninguém a via.

Nas ruas, nas praças, nas janelas, nas portas, moços e velhos, mulheres e meninas, todos, extáticos, admiravam a vestimenta do rei, tão fina como ninguém jamais vira igual. Mas, ao passarem numa rua, um garoto, trepado no telhado de uma casa em ruinas, gritou:

— Lá vai o rei vestido de nu; — está vestido de nu!!

Então foi que todos viram e gritaram: O rei está nu, o rei está nu.

Os jornais da terra anunciaram o passeio de despedida do sr. Magalhães de Almeida que, antes de seguir para o Sul, em companhia do capitão Zenobio, ia mostrar-se à cidade que tanto felicitou com suas altas qualidades de estadista, ainda superiores ás reveladas no comando do patacho “Caravelas”.

E saiu o ilustre maranhense acompanhado de muitos amigos e grande massa popular, que tanto o admiram.

O cortejo subiu a avenida Pedro II, atravessou a praça B. Leite, entrou pela rua de Nazareth e atingiu a praça João Lisboa.

Aí, junto à estátua do pensador patrício, assoma à tribuna um cavalheiro alto, magro, rubicundo, que, em palavras elevadas, faz a apologia dos feitos gloriosos do “Caravelas", sempre a avançar... nunca recuando. Palmas delirantes cobriram a peroração magoada do orador que lembrava o naufrágio do navio legendário.

Depois, da sacada de um jornal, orador grave dissertou sobre os grandes estadistas, demonstrando que o maior de todos era o homem ilustre que dirigira o Maranhão, pois, em 4 anos, tomara 7 empréstimos. (Bravos da multidão).

Orador e homenageado foram ovacionados. Segue o préstito pela rua Oswaldo Cruz, e, ao passar por uma escola pública, outro orador agita um lenço branco. O povo para. E a voz cheia de um senhor moreno e gordo se faz ouvir. Ele vai prestar homenagem ao maior protetor da instrução. O grande estadista é tão cuidadoso e ama a instrução e a infância que só nomeia professoras as normalistas puras que lhe são indicadas pela honestidade do irmão.

Viva o protetor da instrução!... viva o grande estadista!... são gritos que se ouvem de todas as bocas, enquanto o sr. Magalhães, tirando o chapéu colonial, sorridente, comovido, agradece aquela expressão de admiração.

Adiante, na praça Deodoro, outro orador mostra os serviços à Justiça, demonstrando que o jovem Bismarck só nomeia e promove juízes, aqueles que não vendem sentenças, nem se humilham diante do poder. Os aplausos se intensificam e de novo o estadista, tirando o chapéu, sorridente, agradece a ovação!

Ao dobrar a rua Nina Rodrigues, um cidadão pede a palavra. Falou de Semíramis e Catarina da Rússia, de Péricles, o construtor do Partenon, de Justiniano, que mandou edificar e Santa Sofia.

Refere-se a Napoleão III, o reformador de Paris, e a Rodrigues Alves, o transformador do Rio; mas acha que, de todos, o maior estadista foi o sr. José Maria. (Bravos. Ufano, o estadista agradece).

Outros oradores se sucedem em cada canto. Um estuda as grandes estradas, desde as romanas até o transiberiano, desde as alemãs até as americanas; mas, nem Cezar, nem Nicolau, nem Guilherme II, nem Roosevelt se podem comparar com o grande maranhense que vai deixar o governo. O sr. Magalhães agradece, satisfeito e convencido.

Outro se refere ao palácio de S. Marcos e compara o sr. Magalhães a Péricles e a Leão X.

Vivas delirantes. O sr. Magalhães, de novo, tira o chapéu tropical e cumprimenta o povo, sorridente.

— Viva o Péricles maranhense—Vivô!

Viva o Bismarck maranhense, — vivô! Viva o Almirante do “Caravelas”, — vivô!

E descem a rua debaixo de vivas e aplausos ensurdecedores.

Mas, ao chegar junto ao teatro, a preta velha que, há trinta anos, vende doce naquele canto, fita o sr. Magalhães com um sorriso nos lábios e exclama:

— Gente, olha o irmão do Betinho!!!

Então, reboa pela multidão, na rua, e pelos que ocupam as portas e janelas, o grito: Viva o irmão do Betinho! viva o irmão do Betinho!!! viva o irmão do Betinho!!!

E, só então, compreendeu o sr. Magalhães de Almeida, que, para os oradores, para os cortesãos de palácio, para todos os maranhenses, desde a preta velha até os senadores, não passava disto: — o irmão do Betinho...!

Saiba deus e todo mundo ...

Saiba Deus e todo mundo saiba que o Brasil vai navegando em mar de rosas, e quem o diz é S. excia. o sr. Washington Luiz, muito ilustre e digníssimo presidente da República, em sua última mensagem, lida, em 3 de maio, perante o Congresso Nacional, presidido pelo exmo. senador Azeredo.

Quando li, porém, o resumo da mensagem, em telegrama, lembrei-me do Ti-burcio de Cervasio Lobato.

Um estudante portuguez encontra, um dia, no mercado de Coimbra, o Tibúrcio, criado no solar paterno, na província.

— Olá Tibúrcio, tu por aqui e não me havias aparecido?

— Cheguei ontem, mas já estava para ir procurar V. excia.., sim senhor.

— Como vai isso lá por casa, meu cavalo de Álter está bonito?

— O cavalo morreu queimado, porém tudo mais vae sem novidade.

— Meu cavalo, queimado, como?

— Coitado, foi a cavalariça que pegou fogo, porem tudo mais vai sem novidade.

— A cavalariça pegou fogo?

— Foi o fogo que passou da casa grande, porem tudo mais vae sem novidade.

— A casa grande, o solar de meus pais, pegou fogo? — indaga o morgado.

— Foi um dos círios que estavam junto ao caixão da defunta, que, caindo no assoalho, o queimou e a labareda passou para a casa toda, porém tudo o mais vae sem novidade.

—Que defunta, Tibúrcio?

— A senhora minha ama, sua mãe, que morreu de pesar, mas tudo mais vai sem novidade,

— Então minha mãe morreu de pesar e por quê?

— Coitadinha, por causa da desgraça que sucedeu ao pobre de meu patrão, mas tudo o mais vai sem novidade.

— Que sucedeu a meu pai?

— Deu um tiro na cabeça, de pesar, porque os credores iam tomar conta do solar, porém tudo o mais vai sem novidade!

O sr. Washington Luiz mandou ao Congresso Nacional a sua mensagem, pintando a situação do Brasil prospera e, como nunca, “mais capaz de realizar suas formosas é delicadas aspirações”.

E a Nação pergunta-lhe:

— E temos marinha?

— Não. O melhor navio, o couraçado “Minas Gerais” com que o país, há pouco, gastou 40 mil contos para consertar, voltou de uma excursão à Ilha Grande, sem quase poder atingir a Guanabara, completamente inutilizado, de forma que não possuímos um só navio de guerra, para combater, mas saiba Deus e todo mundo que o Brasil vai bem e o meu Júlio é o presidente.

— E temos exército?

— Muitos oficiais estão no exílio, outros presos, a maioria desgostosa com o predomínio da Missão Francesa e a perseguição aos colegas, mas saiba Deus e todo mundo que o mais vai bem e o Júlio é o presidente.

— E nossa situação econômica é boa?

— A borracha está liquidada, o açúcar desvalorizado, o café em crise, o arroz e o algodão por preços baixos, o manganês baratíssimo, porém tudo mais vai bem.

— E a nossa situação financeira?

— A União deve perto de 14 milhões de contos, S. Paulo, 2 milhões, Amazonas. Pará, Maranhão, Pernambuco, Estado do Rio e Mato Grosso estão falidos, mas saiba Deus e todo mundo que o mais vai bem e o meu Júlio é o presidente.

— E a indústria e comércio do Brasil estão prósperos?

— Têm falido milhares de casas comerciais; o comércio continua em crise e a indústria em situação deplorável, principalmente a de tecidos de algodão, mas saiba Deus e todo mundo que o Brasil vai muito bem e o meu Júlio é o presidente.

—E a vida está barata para a pobreza, para os operários, para as classes desprotegidas?

— Ao contrário, todos gritam contra a miséria, porque os alimentos comuns e os tecidos ordinários só podem ser vendidos por preços que não estão ao alcance da bolsa dos pobres, mas saiba Deus e todo mundo que o mais vai sem novidade e o Júlio é o presidente.

— E o Poder Judiciário e o Legislativo estão na altura de uma civilização?

— Nós temos o Poder Legislativo que faz o que mando e o Judiciário é uma miséria, mas saiba Deus e todo mundo que o mais vai sem novidade e o Júlio é o presidente.

— E temos eleições regulares, o que constitui a base de uma República?

— A regularidade das eleições no Brasil é não haver eleição, e quem quiser proceder de modo contrário é na... “madeira". Só permiti eleição no Rio de Janeiro para não escandalizar o corpo diplomático, e no Rio Grande por causa... da proximidade da fronteira, mas saiba Deus e todo mundo que tudo mais vai bem e o Júlio é o presidente.

— E tem havido saldos nos orçamentos?

— Saldo em orçamento é a coisa mais fácil de se arranjar, principalmente quando o sucessor é camarada... É só termos tinta, pena e papel.

— E o povo está satisfeito com tudo isso?

— Qual, está tudo a bradar, a gritar, principalmente depois das caravanas e da bestidade do João Pessoa, do Antônio Carlos e do Getúlio em acreditarem em utopias, mas saiba Deus e todo mundo que o mais vai bem e o Júlio é o presidente.

— E não tem receio de uma revolução geral, diante da indignação de todos, a exemplo da Rússia, da Alemanha?...

— Aí é caso que dá para pensar, mas enquanto não vier, saiba Deus e todo mundo que o Brasil vai muito bem e o Júlio é o presidente.

— E se vier uma guerra externa e o povo se aproveitar para punir os que o traíram e roubaram e o deixaram desarmado?

— Aí o caso é muito sério e, certamente, de consequências muito graves, com o exemplo da França, Rússia e Alemanha, mas enquanto não vier, saiba Deus e todo mundo que o Brasil vai muito bem e o Júlio é o presidente.