LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Cinza e bruma e Poemas dispersos de Othon d'Eça. Florianópolis: Fundação do Banco do Brasil; Ed. da UFSC, 1992. Poemas DispersosOthon Gama d'Eça- Minha ilha
- Cantigas ilhoas
- Cantigas ilhoas
- Cantigas ilhoas
- Cantigas ilhoas
- Cantigas ilhoas
- Poemas da minha ilha
- Versos do meu exílio
- No exílio
- As falas das areias
- Marinha
- A lua e a ponte
- Elegia da neve
- Baladas do silêncio
- Velas
- Manchas
- Balada da árvore
- O besouro
- O fumo do meu cigarro
- Noturno
- Dor sem orlas
- Renúncia
- Profissao de fé
- Misteriosa
- Esses teus dedos...
- Sinfonia pagã
- Meditação
- Flor de haxixe
- Paradoxal
- Diálogo romântico
- Milagre de amor
- O milagre do teu nome
- Natal do céu
- Romance
- A velha figueira do jardim
- Os onze do morro
Minha ilha
Bendita sejas pelo tempo afora,Ilha do meu Amor! Meu verde altar,Onde a minha alma ajoelhada ora,Com a contrição de quem vai comungar.Em ti exalto a imagem do meu lar;O casarão em que a saudade vela,A contemplar além, beijando o mar,A silhueta azul do Cambirela.E canto as formas túmidas, redondas,Dos teus morros bordados de esplendores!A cidade que sonha, ouvindo as ondas,E os meus velhos amigos pescadores!Ilha do meu Amor! Bendita sejas,No que tu mostras e no que sugeres!Na serena postura das igrejas,E nos olhos castanhos das mulheres!E bendito o teu céu cor de safiraE o teu agreste corpo de esmeralda!E o mar, que em torno a ti de amor suspira,E lábaros d'espuma ao sol desfralda!E bendito o teu povo de praieiros,Que constrói ele mesmo o seu casal;E fala a velha língua dos troveiros,Como falava o avô de Portugal!Cerro os olhos e vejo na lembrançaO que tu tens de belo e de lendário:Um regaço de praia onde um barco descansa.Sob as ramas de um cedro solitário!Ou então uma fonte, um caminho, um telhado,Docemente a surgir nos braços do arvoredo. E refolhos de mato abobadado,Com chilreios, e sombra, e perfume, e segredo!OferendaIlha do meu Amor! Por ti palpitaO mais apaixonado coração!Tu és a minha verde Sulamita,A luz do meu olhar e a minha devoção. (República – 09/12/1923)Cantigas ilhoas
I
Cantiga da minha vida,Cantiga do coração!Apenas por mim sentida,Nas horas de solidão...Cantiga da minha vida,Divina consolação!Coitada da entrevadinha,Que no caminho encontrei!Tão velha, tão pobrezinha,Que até de pena eu chorei.Coitada da entrevadinha,Que só me disse: "Não sei!"Morreu-lhe a mãe, coitadinho,Na noite em que ele nasceu!Ficou sozinho no Mundo E só – no Mundo cresceu!Morreu-lhe a mãe, coitadinho,No dia em que o pai morreu!No cálice da madrugada,Eu vi a rosa de Pã!Tão linda, e toda orvalhadaComo uma deusa pagã...No cálice da madrugada,Eu vi a flor da manhã! (Revista "Terra" – maio/1920)Cantigas ilhoas
II
Meu amor partiu para a guerra,Quando o meu filho nasceu.Fiquei sozinha na terra,Porque meu filho morreu.Meu amor partiu para a guerra,E já de mim se esqueceu.Mas levo sempre a pensarQue tudo foi Deus quem quis.E sorrio, sorrio a lembrarO tempo em que fui feliz!Mas levo sempre a pensarMaria! Por que sorris?E fico, então, para um canto,A desfiar hora e hora.Choram meus olhos, enquantoCigarras cantam lá fora!E fico, então para um canto,Rezando à Nossa Senhora! (República – 26/06/1921)Cantigas ilhoas
III
Como a cigarra vadiaEu cantei de olhos no céu.E cantando noite e diaNinguém, ninguém me entendeu.Como a cigarra vadia,Meu coração já morreu.Agora no seu lugar,Geme e chora uma velhinha,Que vive sempre a fiar,Toda branca e curvadinha.Agora, no seu lugar,A saudade está sozinha.E o floco que vai fiandoÉ feito dessas cantigasQue eu fui na vida espalhandoPelas estradas antigas.E o floco que vai fiandoFere-lhe as mãos como urtigas!Mas o sangue que gotejaDas suas mãos engelhadas,Caindo n'alma florejaEm roseiras encantadas;Mas o sangue que gotejaDeixa as mágoas consoladas.(República – 20/04/1923)Cantigas ilhoas
IV
À doce luz que desmaia,Por sobre as ondas do mar,O velho cedro da praiaParece um monge, a rezar!À doce luz que desmaia,Um vulto passa a cantar!E canta a linda cançãoDum passarinho doirado,Que um terrível furacãoDestruiu o ninho amado.E canta a linda cançãoDum pobre ser torturado.(República – 08/03/24)Cantigas ilhoas
V
Cigarra d'asas de renda,Perdulária da canção,Verde folha duma lendaQue o outono atira ao chão!Cigarra d'asas de renda,Voz alada do verão!Chegaste! E quanta alegriaO teu canto espalha no ar!Até parece que o diaSe ajoelha a te escutar.Chegaste! E quanta alegriaVem teu canto despertar!Mas é breve a tua sorte,Que se desfaz como os ninhos!Vem o frio e vem a morte,e rolas pelos espinhos.Mas é breve a tua sorte,Flor de canto dos caminhos!A fonte vive rimandoCantigas claras, joviais.Que linda fonte cantando,Por sob os teus roseirais!A fonte vive rimando:– Não te queixes nunca mais!Desceu sozinha dos montes,A cantar, sempre a cantar.Se tens mágoas, não mas contes,Que pode a fonte chorar!Desceu sozinha dos montes,Sempre alegre, a borbulhar!Não chores, fonte da estrada,Não te voltes para trás.Canta sempre, deslumbrada,Cantigas claras, joviais!Não chores, fonte da estrada,Não te queixes nunca mais!Sois bem irmãs das aranhas,Rendeiras do Ribeirão!Tramando teias estranhas,Pra prender meu coração.Sois bem irmãs das aranhas,Tecendo espumas em vão!Os fusos dos vossos dedosQuanta vez tecem cantando,Enquanto tristes segredosAos poucos vão vos matando!Os fusos dos vossos dedosBailam e cantam sangrando.Por isso as rendas de linho– Espumas tristes de luar!São os perfumes do espinho,Vossa vida a rasgar!Por isso as rendas de linhoSão todas vós, a penar!Saudade é Dor meiguiceira,Carpida na solidão.Espinho de laranjeiraCravado no coração!Saudade é Dor meiguiceiraQue vem á boca em canção!Toda a vida da genteNum sonho azul que se esvai.Poeira resplandecenteQue do passado nos cai...É toda a vida da gente,Que se resume num ai!Nasci na concha redonda,Num dia de vento sul.Foi minha mãe – uma onda.Foi meu pai o céu azul.Nasci na concha redonda,Batizou-me – um deus exul!(República" – 11/02/1923)Poemas da minha ilha
A Ivo d'AquinoTorres de S. Francisco! Velhas torres,Cheias de lenda e de tranquilidade,Como dois braços pétreos da cidade,Para os homens pedindo a Deus favores!Nada perturba a expressão severa,A ascética postura e o sossegoDessas torres velhíssimas e sujas!No rumor de luz da Primavera,E o trissar hediondo do morcegoE o chirrio agourento das corujas!Sua legenda é a imagem de DestinosQue vão subindo iguais e iguais sonhando,E as mesmas canções ambos cantando,Nas baladas helênicas dos sinos!Nestas noites de vento e de geadas,Ao calor do meu lar as rememoro,Tão sombrias e mudas, engolfadas,Na solidão da rua Deodoro!(República – 28/12/1919)Versos do meu exílio
Para a emotiva e pura alma de Altino FloresSinos de minha Terra! Éreas flores de Lis! Imaculadas flores de Maria!Eu quisera escutar-vos, noite e dia,Para ser mais Feliz!Quanta vez vos recordo em repiques festivos,Ou plangentes de mágoas, tristes e sentidos!E que vos tenho ainda dentro dos ouvidos,Como os cantos do mar nas valvas redivivos!Sangra o Sol, a morrer, num Gólgota profano,Coroado de azul, ungido de verbena!Erra em tudo o esplendor do verso marianoDos salmos que entoais nas tardes de novenaE vem depois o Inverno... a paisagem encanece,E fica, erma, a viver o sonho das neblinas,Dentro, então, da bruma, essa música pareceUm coro ritual de monjas ursulinas!Sinos de minha Terra! Éreas flores de Lis!Imaculadas Flores de Maria!Quem pudera escutar-vos, noite e dia,Para ser mais feliz!(República – 14/12/1919)No exílio
Como é triste o Inverno nestes diasDe névoas lentas e sombrias!A luz é pardacenta,Fumarenta,E cheiaDa melancolia enervante, sonolenta,Que o dia monótono semeia!Imóveis, espetrais, as árvores vazias,Transidas de solidão,Dentro das neblinas frias,Erradias,Crescem, e assemelham-seA garatujas feitas a carvão.As cores esmaecem, se apagando,Nesses tons de camurças esgarçadasQue, descendo do céu e caminhando,Deixam manchas de sombras pelo chão.Como é triste o Inverno nestes diasDe névoas lentas e sombrias!Uma aragem gelada que trespassa,Como pontas finas de punhais,Condensa vapores nas vidraças,Gelando as gotas d'água nos beirais!E a paisagem friorenta,Cismarenta,Esbatida entre a gaze fumacenta,Quem a deforma, adelaça e a esfarela, PareceUns debuxos manchados em flanela.Uma estranha saudade me adormece,Ao calor amoroso do braseiro,Onde uma chama, trêmula, desmaia.E sonho a dança verde das ondas sob o sol,Que transforma as espumas num chuveiroDe aljôfares e rendas, pela praia!E revejo as manhãs de casto sol,Quando os montes no mar são mais azuis,E os cantos clarinantes, cristalinos,Das cigarras, dos pássaros, dos sinosParecem a vibração da própria luz!Como é triste o Inverno nas montanhas,Com esses céus de chumbo! e as talagarçasDas brumas lentas e estranhas!E as cordoveias d'água, como açoites,Batendo nas paredes, nas vidraças,E arfando,Latejando,Dentro da solidão negra das noites!E a neve a bailar como sombras em bando,E o minuano dolorosamente,Desesperadamente,Pelas frinchas, pelas árvores, guaiando!(O Estado" – 29/12/1957)As falas das areias
Oh! Alvos cômoros de areiasExilados na Lagoa, Qual a dor que vos anseiaPara andardes sempre à toa?Que tortura vos enleia,E dentro de vós reboa,E à luz do dia se alteiaEm giba que se amontoa?E os cômoros que me escutaram,Subindo à escada do vento,Vieram a mim e falaram: – Nós somos como a criatura,Mudamos todo o momentoEm busca a uma ventura.Marinha
Desce, lento, o crepúsculo do ar.Longe, impreciso, o vulto de uma velaÉ um risco de giz a se apagar.Há um crespo fulor de opala e turmalinas,Por sobre as águas trêmulas do mar!Ao fundo da baía, enorme, o Cambirela,Com atitudes plásticas e estranhas,Embrulha-se num manto de neblinas,Para dormir o sono das montanhas!Nenhum rumor esgarça o silêncio de plumas,Dentro da sombra azul em que mergulha a vida!Somente o borbulhar molhado das espumas,É que em manchas de rendas se desfaz;Tem uns anseios de água mal contidaRoçando as pedras ásperas do cais...........................................Mas, estranha, enervante, singular,A noite baixou!– Como a noite entristece a todos nós!A cidade repousa. Sobre o mar,Entre as luzes esparsas dos faróis,Veio a nódoa da lua espadanar.(1936)A lua e a ponte
Dorme a cidade junto ao mar tranquilo,Onde nadam reflexos em cardumesE ondeiam sombras efêmeras e estranhas.Em torno oscilam os longos fios de lumesComo os festões de um vago peristilo.É tarde. A noite busca o abrigo das montanhas;E o vento arisco espalha e amadureceAs maresias verdes do canal.Passa um grande barco de altas vergas em cruz.E enorme, redonda, a lua cheia parece,Entre as duas torres da Ponte Hercílio Luz,Um luminoso gongo de cristal.(O Estado – 09/07/1957)Elegia da neve
A Francisco FagundesA neve baila em passos de algodãoE paira, e treme, e adeja, e voluteia,E cai, depois, serena, sobre o chão!É cinza o céu, com laivos cor de areia,E as árvores, tranquilas,Com véus de tule branca sobre os braços,Guardam sonhos de verde nas pupilas,E glorificações de sol, pelos espaços!Não passa no silêncio um sopro de existência!Somente um solitário pássaro friorento,Tristonho e arrepiado,De vez em quando pia o seu lamento,Da beira de um telhado.É a saudade, talvez, da companheira,Que o punge e que o maltrata.Recordações de Amor, em manhã soalheira,Quando iam beber nos arroios de prata!Nas vidraças a luz empalidece.Tudo é branco e deserto! O dia emudeceu!E curvo, e frio, e triste se pareceA um grande mausoléu!Que tristeza me fere e me endolora,E anestesia o pobre coração!A neve, em flocos, cai lá fora,E paira, e treme, e adeja, e voluteia,Bailando uma ciranda de algodão!(Republica – 13/09/1923)Baladas do silêncio
A Haroldo CalladoTardes de Inverno!...Tristes e desertas!...De frangalhos de névoas mal cobertas!Ante a lenta expressão dos vossos passos,Tudo em torno parece meditar,Na postura de quem, cruzando os braços,Sente a vida esvair-se, devagar!...Tardes de Inverno!... Almas silenciosas,Que se ferem nas tramas dos espinhos,Derramando das chagas dolorosasTodo um sangue de névoas, nos caminhos...Eu vos sigo de olhar cheio de pranto,Estoicas e serenas!Como aluém que, sozinho, para um canto,Relembra as suas penas!.............................................Tardes de Inverno!... Lentas, enevoadas,E cheias de moleza!...Margaridas exuis, pelas estradas,Morrendo de tristeza!(Oásis – julho/1918)Velas
A Tito CarvalhoA vela que vem, côncava e brancaComo um túmido seio de mulher!Quanto alvoroço aos corações arranca!Quanta alegria viça em quem a quer!A vela que cai, imóvel na distância,Como um ponto sombrio de exclamação!Tristeza de quem fica, ressonânciaDa saudade que foi num coração!Velas que vêm! Velas que vão! SingelasComo folhas, estranhas como opalas!É o destino plácido das velasTrazer felicidades ou levá-las!Manchas
É a triste lagoa, a pobre água parada.
Só o vento consegue, passageiramente, enrugar-lhe a superfície lisa, balançar as manchas d'espumas verdes que fervem, imóveis, no seu dorso de polvo.
Quando a noite desce e os escaravelhos do campo se recolhem, alguns sapos emergem, a espiar as estrelas, sujos de lodo visguento.
E é só quando a água parada sente a sensação efêmera do movimento.
Sob o sol a lagoa adormece, entorpecida como polvo.
Apenas, de quando em quando, sobe do fundo paludoso uma bolha prateada, que rebenta na superfície morna e oleosa e fica imóvel, flutuando entre outras, aberta e úmida como a flor dos pântanos.
Tudo é deserto, infinitamente deserto, em torno da água parada!
E de tanta solidão, e de tanta tristeza, uma garça velha e suja, sobre um pé, escondendo a cabeça sob a asa, ficou tão indiferente e tão insensível que um pequeno caburé, sinistro e feio, posou-lhe no dorso para sentir, através dos seus olhos redondos e amarelos, a enervante melancolia das cousas.
(Republica – 02/03/1924)