LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Julieta dos Santos, de Cruz e Sousa, Virgílio Várzea e Santos Lostada
Texto-fonte:
J. da Cruz e Sousa, Virgílio dos R. Várzea e M. dos Santos Lostada, Julieta dos Santos,
Florianópolis: Editora da UFSC, 1990.
ÍNDICE
Cismático, sombrio, e calmo e pensativo
Pitágoras, Tycho Brahe e Galileu
Ao estrídulo solene dos bravos! das plateias
Dizem que a arte é a clâmide da ideia
O Himalaia, aquele monte enorme
Um dia Gutenberg com a alma aos céus suspensa
Depois que alou-se ao Panteon de Glória
Sentiu um choque o continente antigo
Imaginai um misto de alvoradas
Quando eu te vi surgir qual astro sublimado
Parece que nasceste, oh! pálida divina
Quando apareces,
fica-se impassível
Do Universo o Divino o Grande Obreiro
Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Tu triunfas na luta sobranceira...
Quando eu te vi pela primeira vez no palco
(Ideia solta)
Deus querendo se fazer
De arrojado poeta
E uma hipérbole escrever,
Pena fez de um cometa,
Molhou no sol abrasado,
Traçou no céu azulado
— E saíste tu, JULIETA!
S. Lostada
Desterro, 6 de janeiro de 1883.
Aí vão como uns peregrinos alados, estes pálidos e mesquinhos versos, que ao certo destoarão no quase universal concerto poético, em homenagem a simpática “bambina” do sul, a essa prodigiosa criança.
Mas não era possível calar as sensações íntimas e sublimes, profundas e verdadeiras que se apoderarão de nossas almas, não era possível emudecer, ficarmos de gelo, impassíveis como Napoleão ao ver tombar examines as falanges de bravos nessa exemplar Waterloo, quando a irradiação do GÊNIO, quando as fulgurações de seus olhinhos, meigamente buliçosos, adoravelmente límpidos, misteriosamente expressivos e encantadores, nos eletrizam, nos arrebatam, nos fulminam a pouco e pouco.
É preciso combater-se de frente, com a viva certeza de triunfar, o indiferentismo, essa como que letargia moral, que nos apoucanha e torna velhos.
Somos catarinenses, somos brasileiros, filhos desse belo país, rico de grandiosas aspirações, fértil em produzir talento de “elite”, vultos de tina têmpera, rijos como aço, bem como João Caetano — pelo teatro, Álvares de Azevedo — pelas letras, esse “enfant terrible”, uma frase do pensador homérico, do arquiteto incomparável da palavra — o sábio Victor Hugo, ou segundo Ferreira de Menezes: o moço poeta capaz de escrever a epopeia dos Girondinos brasileiros.
Somos catarinenses, somos brasileiros, filhos dessa parte da América, banhada pelas águas do Prata e do Amazonas, filhos desse Tiaraiu soberbo, fadado para representar o universo na eloquente e solene propaganda do progresso e civilização.
E esse progresso nos chama, mas um progresso bom, prometedor, um progresso que tende a refundir os povos no crisol de novas ideias, a modelar as crenças pela igualdade das nações!...
Nada de retrogradar.
Se não podemos marchar na vanguarda das outras nossas províncias, ao menos marchemos no flanco.
Provemos ao estrangeiro que caminhamos para a perceptibilidade.
Pensemos um tanto maduramente.
Burilemos o crânio, que lá por dentro haverá alguma coisa de belo, de grande, de edificante, no pensar de André Chenier.
Façamos agitar as fibras do corpo e as fibras do espírito.
Somos os obreiros do porvir.
Somos as aves das luz!...
Ensaiemos o voo, preparemos a cabeça para as lutas da razão.
Enquanto esta trabalha, trabalharão precisamente todos os órgãos do nosso corpo.
Julieta dos Santos é brasileira como nós, precisa como os filhos do pelicano, um seio para alimentar-se, um teto amigo e hospitaleiro para abrigar a sua mimosa compleição, a sua delicada feitura.
Mais que ninguém, é merecedora dos mais altos encômios, da mais calorosa aceitação.
A palmeira do deserto não chega a ser gigante, a distender suas franças por sobre a plácida superfície do lago diáfano que serpeja em ondulações, de quando em vez, sem os alfajores protetores e cristalinos da manhã, sem as lágrimas misteriosas da noite!
As garaúnas saltitantes não desatam suas melopeias agrestes, seus maviosíssimos ditirambos na copada ramagem do ingazeiro, a jaçanãs não esvoaça mais desembaraçada e alegre através das lianas e trapoeirabas, sem pressentirem o brando rosicler da alvorada, os arabescos sublimes do horizonte!
Fenômenos tais são raríssimos.
Não é facilmente que um mesmo século gera um Mauricio Dengremont, um Mozart, uma Gemma Cuniberti, uma menina Coulon!...
É o fato de dizer-se que a natureza reúne a força intelectual de dois anos ou mais seres que se desenvolverão em tempo dado, naturalmente, sem precocidade, para a colocar em um só ser.
Para as organizações frias, que têm por índole a ganância material da coisa, estas nossas humildes, porém justas asserções, se dissiparão como a nuvem ou... quem sabe, se não serão comentadas AD LIBITUM, “com uma verdade e precisão à toda a prova, com uma imparcialidade e sensatez” inabaláveis?!...
Quem sabe?!...
Parece já sentirmos a aguçada ponta do estilete da crítica e do sarcasmo nos trespassar a fronte.
Mas não a curvaremos.
Foi nossa ideia apenas, conduzir uma pedrinha, um grão de areia, um diminutivo auxiliar enfim, aos alicerces do Panteão de glória dessa distinta atrizinha.
Se por acaso cumprimos mal o nosso desideratum, ela que nos desculpe.
Enquanto ao mais, se os pobres versos que seguem não penetrarem em muitos desses espíritos levianos e mal intencionados que aí há, cremos que penetrarão no da nossa dileta festejada e isso já nos é bastante.
Estamos acostumados a não curvar a cerviz a ouropéis, a grandezas, a tronos, mas sabemos tirar o chapéu sempre que deparamos com um escopro, com um malho ou um pincel, emblemas da arte!...
Assim o fazemos – diante de Julieta dos Santos.
Nunca serão demasiadas honras que se tributarem aos gênios essencialmente reconhecidos.
Quem quiser que nos julgue.
3 de janeiro de 1883.
Cismático, sombrio, e calmo e pensativo
sobre a esfera azulada — o Deus dos desatinos
sentia o pensamento a jacular-se ativo
na feitura d’um ser — capricho dos destinos!!
E seu olhar sidéreo o vácuo perscrutava,
banhado d’essa luz das ânsias geniais,
enquanto no seu crânio a obra se formava
de pedaços d’assombro e coisas colossais!
Passado, d’essa luta, o esplendido litígio,
eis surge a maravilha — o tálmico prodígio:
— a jovem Cuniberti surge do profundo...
Mas não contente, não! Da obra que fizera
n’um esforço supremo, indômito, te gera
enchendo com teu crânio a órbita do mundo!
Moreira de Vasconcellos.
Desterro, janeiro de 1883.
À distinta e laureada atrizinha Julieta dos Santos
"...a fama de teu nome,
a inveja não consome, o tempo não destrói!...”
(Dr. Sinfrônio)
Era
uma coluna de artistas!...
Ao lado Tasso
Medindo as múltiplas conquistas
Co’as amplidões do espaço!...
Seguia-se João Caetano
Embuçado da glória no divinal arcano!...
Depois Joaquim Augusto
Altivo, sobranceiro, erguido o nobre busto.
Depois Rachel, Favart,
Fargueil, a espadanar
Nas crispações homéricas da arte,
Constelações azuis por toda a parte!
E em suave ondulação os astros
Iam de rastros
Roubar mais luz às rúbidas auroras!...
Quais precursoras
Do mais ingente e mago dos assombros,
Do orbe imenso nos calcários ombros,
Rola um dilúvio, um grande mar de estrelas
Que lançam chispas cambiantes, belas!...
Há um estranho amalgamar de cousas
Como os segredos funerais das lousas
ou o rebentar de artérias
— Ou o esgarçar de brumas,
negras, cinéreas
— Ou o referver de espumas,
nas longas praias
Alvinitentes, mádidas, sem raias.
Do brônzeo espaço,
Das fibras d'aço
Como que desloca-se um pedaço
Que vai ruir com trépido sarcasmo
Nas obumbradas regiões do pasmo...
— O Invisível
Geme uma música, lânguida, saudosa,
Que vai sumir-se na entranha silenciosa
do impassível!
— O Imutável
— O Insondável
Lá vão cair no seio do incriado.
E o bosque irado
A soletrar uns cânticos titânios
lança nos crânios
Aluvião de duras epopeias
tétricas ideias!...
E o pensamento embrenha-se nos mares
e vê colares
De níveas pérolas, límpidas, nitentes
e vê luzentes
Conchas e búzios e corais, — ondinas
que peregrinas
Aspásias são de lúcida beleza,
De moles formas, desnudadas, brancas
sendo a primeza
Dessas
paragens hiemais e francas!...
— Ou quais Frenesi
A quem aos
pés
O mundo em ânsias, reverente adora
E chora e chora!!...
*
* *
Mas a ideia o pensamento insano
Às
asas bate em busca de outro arcano,
E o manto rasga do horizonte eterno
vai ao superno
Ao Criador, ao Menestrel dos mundos!
E n'uns arroubos, rábidos, profundos
em luta infinda
— Oh! quer ainda
Quer escalar o templo do impossível,
Bem como um raio abrasador, terrível!...
Quer se fartar de maravilhas loucas,
quer ver as bocas
Dos colossais Anteus da eternidade!...
Quer se fartar de luz e divindade
e de saber,
depois jazer
Nas invisíveis dobras do insondável,
Bem como um verme, mísero, imprestável!...
— Ou quer ousado
Descortinar os crimes do passado
E apalpar as gerações dos Graxos
Dos Espartanos
E dos Troianos
E dos Romanos,
Dos Sarracenos
E dos Helenos,
E
esbarrar nesse montão de ossos
por esses fossos
Tredos, medonhos, sepulcrais e frios
onde sombrios
Andam espíritos de pavor, errantes
e vacilantes
Como a luzinha das argênteas lâmpadas,
Lentos e lentos através das campas!...
*
* *
Mas a ideia, o pensamento audaz
quer ainda mais!...
Quer do ribombo do trovão pujante
Já n’um esforço adamastório, tredo
embora a medo,
— O atroz segredo
Com que ele faz a terra palpitante!...
E quer dos ventos
dos elementos
Quer do mistério a solução! — Nas trevas
hórridas, sevas,
a gargalhada
Ríspida, negra irônica, pesada,
Estruge enfim, da morte legendária,
e a ideia vária
Ainda nisso ousando penetrar,
tenta sondar!...
E em vão, em vão
A mergulhar-se em tanta confusão
não mais compreende
— O que saber pretende!...
Assim, oh! gênio,
Na ofuscadora auréola do proscênio
Não sei se és astro, se és Esfinge ou mito,
se do infinito
Possuis o encanto, os esplendores grandes,
Ou se dos Andes
Águia tu és, ou és condor divino,
— Ou és cometa de cuja cauda enorme
e multiforme
só lágrimas de prata
ou mesmo se desata
Um vagalhão de palmas, diamantino!!...
Minh'alma oscila e até na fronte sinto
medonho labirinto,
estúpida babel,
e vou cair, revel
No pélago sem fim dos nadas materiais!...
E como os racionais
Eu fico a ruminar ainda umas ideias
de erguer-te, ó novo Talma
Um trono singular, mas feito de — Odisseias
de brancas alvoradas,
olímpicas, nevadas,
Dos êxtases magnéticos, nervosos de minh'alma!
J. Cruz e Souza
29 de dezembro de 1882.
Quem te vê delira, chora,
Se arrebata, treme, ri!...
(Cruz e Souza)
Pitágoras, Tycho Brahe e Galileu,
Aristarco, Hewehell e Filolau
Hiparco e Copérnico (Nicolau)
E o sábio, divinal, Ptolomeu!...
Newton, o descritor das leis do céu
E Jaques Lapier, que em sua nau
Deu volta a todo o globo, Ladislau
Tão grande imperador, qual Briareu!...
Todas essas cabeças tão dinâmicas
Onde giravam mil grandes pensamentos
Em ondas consteladas e titânicas!
Sumiram-se num mar de esquecimentos
As rubras chispações – fortes, dardânicas
Do mais agigantado dos portentos!...
Virgílio Várzea
Desterro, 28 de dezembro de 1882.
Há muito das brisas do Norte
Traziam a fama d’um GÊNIO,
Tão colossal de proscênio
Quanto pequena de porte.
Assemelhando um cometa
Em ascensão, radiante
Vertiginosa e ovante
Surgiu enfim – JULIETA.
Em prismas bem reluzentes
Como mágica lanterna,
Essa criança superna
Faz vistas bem diferentes.
A olhos nus, vista a parte
— E borboleta no lar!
E é um sol brilhar
Ao telescópio da arte.
Menina — tem quebrantos
Da sensitiva singela;
Artista — é lúcida estrela
Dos matutinos encantos!
Em casa — inocente filha
Em graciosa folgaça...
No palco — foi-se a criança
— Eleva-se a maravilha...
M. Santos Lostada
Soneto
A Julieta dos Santos
— Os Trópicos pulando as palmas batem...
Em pé nas ondas — O Equador dá vivas!...
Ao
estrídulo solene dos bravos! das plateias,
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!...
— O sol para o curso pra bem de admirar-te
— O sol, o grande sol, o misto das ideias!...
A
velha natureza escreve-te odisseias...
A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopeias!
Perpassam
vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
— Oh! Íbis magistral do mundo azul — sidéreo!
Então
da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!...
Cruz e Souza.
29 de dezembro de 1882.
Soneto
À Julieta dos Santos
Dizem
que a arte é a clâmide da ideia
A peregrina irradiação celeste,
E disso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabeia!...
Da
“Georgeta” feliz estreia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer plateia!...
Sinto
uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos com a expressão dos astros!...
E
as turbas mudas, impassíveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas...
Vão-te seguindo os luminosos rastros!...
5 de janeiro de 1883.
Cruz e Souza
(Homenagem ao Gênio)
Dá-me uma centelha do teu gênio
Se queres que eu mais diga.
(Do autor)
O Himalaia, aquele monte enorme,
Que n’Ásia impera — colossal, disforme,
De fronte tão ufana!...
A tua vista é nada; é qual poeira
Que n’asa do simoun — passa ligeira
Por sobre a caravana!...
O Etna bem furioso
No auge de erupção...
Não sofre tamanho abalo
Como sofre o coração,
D’aqueles que cheios de pasmo
Te ouvem com entusiasmo,
E bradam — tu és um Deus!...
Teu nome — é a maior glória
Que ocupa do mundo a História...
Oh! tu viste do céus!!...
JULIETA!... ente divino
Tu és um nome, um portento!...
Muito maior que o Amazonas
É o teu grão pensamento;
Ele tem força que arrasta
E alagando devasta
Miríades de corações!!...
Tu alucinas a gente
Quando a plateia contente
Dá-te bravos milhões!!...
Quem pode na cena ver-te,
Sem sentir bem dentro d’alma
O entusiasmo ferver-lhe
Oh! augusta irmã de Talma?!...
Só se quem for com o ferro
Ou como além o serro
Que é coisa inanimada!...
Mas quem um’alma tiver
Há de um trono a ti erguer
Com a ideia perturbada.
Tu és astro luzente, excelso Gênio!...
Faz d’Universo o teu gentil proscênio
E põe-te a trabalhar!
Os anjos te serão espectadores
E o sol indo perdendo seus fulgores
Não mais há de brilhar!
Salve, pois, atriz ingente,
Que lá no céu futuro
Tu terás fulgor bem puro
Oh! sol do nosso país!...
Caminha... diva, rainha,
Reinarás em toda a parte...
O teu trono — é arte,
Logo serás bem feliz!
Lá nos espaços te louvam
Racine de Molière,
Shakespeare e Voltaire,
Mars, Clairon e Rachel,
E todos juntos — sorrindo
Exclamam com arrogância:
“Ela há de ter por jactância
A coroa d’arte, o laurel!”
Tu és da arte dramática
O condor — forte, valente!
Larga um voo bem ardente,
Tira da Ristori o espectro!...
Quando apareces no palco
Arroubando sempre as almas...
Lá na campa bate palmas
De Keean o famoso espectro!...
Tu tens na mente inspirada
Mais luz do que o dia tem!
E de toda a parte vem
Mil mundos pra te aplaudir!...
Que espetáculo tão soberbo!...
Toda a natureza é festa!...
É alegre, não é mesta
Porque está a sorrir!...
Se a Europa exulta, ufana
Por ter dado maravilhas,
As brasileiras famílias
Exultam também, alegres!...
Porque saiu de seu seio
O grand’astro teatral
— JULIETA, a imortal —
Maior que Emilia das Neves!
Sim, que ela é superior
A Fargueil e a Agar,
E mais que Sarah Bernhardt
A menina — JULIETA!...
É um portento, um assombro,
É o Colombo da cena...
É maior que a fama helena...
É um divino planeta!...
O teu nome, ó grande deusa,
Este século há de tomar...
O tufão — louco, a gritar
Já te chama d’imortal!...
Lá no porvir tua estátua
Com ligeireza já molda-se
É inteiriça, não solda-se
O mundo é seu pedestal!...
*
* *
Assim como a noite foge pávida
Quando surge o claro e lindo dia,
Que espalha pela terra, só — magia
Quando o sol aparece lá no mar!
Assim também devem fugir bem rápidas
As sombras que povoam o proscênio,
Porque já é nascido o sol do gênio
Que ofusca — uma Lucinda, uma Favart!...
*
* *
Não ouves clangor imenso
Pelo espaço a rolar?...
É das cem tubas da Fama
Que se partem a te louvar!...
Não ouves contra o rochedo
O vagalhão rebentar?...
É ele que ao ver-te em cena
Vem a ti um bravo dar!...
A natureza te aplaude
Delirando — que fanático
Se levanta o pólo Ártico
E canta um Hino de glória!
Depois... fitando um instante
A grande extensão marinha,
Brada: — do palco é rainha,
Terá coroas de vitória!... —
Então, os Andes soberbos
Repercutiram o brado...
O pólo Antártico altanado
Sua voz também ergueu!
E levantando seus olhos
Para as grimpas do infinito
Soltou este forte grito
— Não é da terra, é do céu!...
O terrível Hecla — num jorro
Da enorme erupção,
Disse com voz de trovão
— Ela é divino portento!... —
O Vesúvio além dos mares
Com o infinito nos ombros
Incutindo mil assombros
Gritou: — É Deus, em talento!...—
*
* *
Tu passas rutilante em toda a parte
Oh! sol da nossa pátria! Oh! sol da arte!...
Por satélites tu tens
Victoria, Iris, Métis,
Mercúrio, Vênus e Tétis,
Que giram à roda de ti!
E tu dás luz para todos
Brilharem em harmonia
Derramando sã magia
Do firmamento até aqui.
Tu banhaste a fronte augusta
Lá nas águas do Jordão!
Então... teu ardente crânio
Transbordou d’inspiração!...
Para dizer-te o que és
Eu quisera ser Dantão!
Tu banhaste a fronte augusta
Lá nas águas do Jordão!
Tu és mais Gênio que Cristo,
Que foi sábio e poderoso!
Por isso eu te rendo um culto
E te adoro fervoroso;
Se eu pudesse te faria
Um poema mui mimoso...
Tu és mais Gênio que Cristo,
Que foi sábio e poderoso!...
*
* *
A palma da vitória, tu tens sempre na mão,
Da cega Georgeta tu és a encarnação
Divina JULIETA!
A meta do belo, do grande e do sublime
Tu nos arrasta, como o vício ao crime
Arrasta o viciado;
E eu arrebatado
Fiquei... Já sem razão
Quis atirar-te aos pés meu pobre coração!
Depois... subir ao firmamento,
Delirante, louco, entusiasta
E os astros roubar nesse momento
Pra te coroar a fronte — grande, vasta
Que referve um fogo divinal
Que nos eleva aos céus do ideal.
*
* *
Tu passas rutilante em toda a parte
Oh! sol da nossa pátria!... Oh! sol da arte!...
*
* *
Dilúvios de pensamento
De Camões o grão poeta!
Nada é para exprimir
O que tu és, JULIETA!
Quanto mais meus pobres versos
Que em palidez se acham imersos
Sem pensamentos mui grandes!...
Mas... que por minha vontade
Iriam à imensidade
Passariam além dos Andes!...
*
* *
Recebe, pois, bem alegre
Esta tosca saudação!
É filha do coração
Oh! atrizinha ideal!
Eu quisera pra cantar-te
Ser poeta qual Hugo...
Se felicitar-te vou
Fico estúpido, irracional!
Por isso... fiz-te estes versos
Que jamais terão valor,
Apenas é o penhor
Do culto que sei render-te!...
E num trono que se ergue,
Lá no mais íntimo dos céus
Perto do trono de Deus
Imperando eu hei de ver-te!...
Virgílio dos Reis Várzea
Desterro, 26 de dezembro de 1882
Soneto
À Julieta dos Santos
Um dia Gutenberg com a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua ideia imensa!
Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar...
Uniram-se num laço, o céu, a terra, o mar...
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!...
Ergueram-se mil povos ao som das melopeias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas ideias!...
Porém, quem lança luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopeias
Que sabe no tablado subir, endeusar-te...
Cruz e Souza
29 de dezembro de 1882.
Soneto
À Julieta dos Santos
É
delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura...
É linda e alva como a neve pura,
Débil, franzina, divinal, nervosa!...
E
dentre os lábios cetinais, de rosa
Libram-se pérolas de nitente alvura...
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!...
Quando
aparece no febril proscênio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helênio...
Sente-se
n'alma as atrações potentes
Que só se operam ao fulgor do gênio,
As rubras chispas ideais, ferventes!...
Cruz e Souza
29 de dezembro de 1882.
E que tu tens o dom magnético do gênio...
Para prender o mundo a rampa do proscênio!
(M. de Vasconcellos)
Depois que alou-se ao Panteon de Glória
O colosso da cena — o João Caetano,
Mais que luas quem viu no céu da arte
Do mundo de Cabral?!
Surge Joaquim Augusto
E surgem mais e mais. Eram cometas.
Fraco luar apenas se derrama.
Eis que de repente,
Surge no oriente
Um sol radiante
De luz febricitante
Que o mundo assombra e arrebata
À proporção que crescer e se dilata.
E esse astro de luz, de luz dileta
És tu oh! JULIETA!
Quando pisas o proscênio
De crânio-vulcão as lavas do teu gênio
Acendem na plateia o mágico entusiasmo,
Que o sábio velho queda e deixa pasmo
A derramar uma lágrima tão doce
Como se angélica harmonia ouvindo fosse.
Ao fluido magnético da fala
Às elétricas faíscas
Que relampejam de teus olhos fulgurantes
E vão cair na plateia palpitantes,
Que de arrebatada
Sem a vista afastar do sol que brilha
Não se tem em pé nem assentada,
Cada peito estrebucha na golinha
Das convulsões patéticas do belo!
De épicos aplausos
O espectador fanatizado então
Sente na garganta um aluvião
Que vem e se desfaz
Na boca ressequida.
A alma embevecida
Sobe e sobe mais.
O coração palpita, treme
Se biparte, geme
E cai alucinado e arquejante,
Sem poder modular n’aquele instante
Nem um bravo sequer!
Oh! magno poder,
Misterioso encanto!
Da santa comoção
Borbulha mudo pranto!
Mas, eis que retumbante
Ergue-se o mar agitado que te aplaude,
A tempestade de palmas que rebrama.
*
* *
Desdobrou-se o enredo. É findo o drama.
Então em furor descomunal,
No auge do delírio
O povo te coloca no empírio
Da arte divinal.
É que tu és deste século a maga filha,
D’um esforço de Deus a maravilha!...
M. Santos Lostada
Desterro, dezembro de 1882.
O Niágara vai contar aos mares,
O Chimboraso arremessa aos ares
A fama o teu nome!...
(Castro Alves)
Sentiu um choque o continente antigo
Ao ver pelos espaços um átomo de luz!
Partindo fulgurante do solo — Santa Cruz,
Levando estridulas ovações consigo!
O oceano lhe chamou — “amigo”
Vem, ilumina-me com clarões a flux!
Que eu te darei constelações azuis...
Vem... vem depressa conversar comigo!...
Mas qual, o louco não ouviu o grito,
Inda com a força do motor proscênio
Rápido sumiu-se além no infinito!...
Deixou na Europa todo o povo helênio
Idolatrando-o com fervor, contrito
Esse emissário do brasílio GÊNIO!
Virgílio Várzea
Desterro, 28 de dezembro de 1882.
Soneto
À Julieta dos Santos
Imaginai
um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
Com os magos prantos bons das madrugadas!...
Imaginai
mil cousas encantadas...
O tímido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas...
Que
encontrareis então em JULIETA
O tipo são, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!...
E
sentireis um fluido magnético
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues pisicatos!...
Cruz e Souza
4 de janeiro de 1883.
Quando eu te vi surgir qual astro sublimado
De fimbria do horizonte do límpido proscênio,
Senti que do teu gênio
A luz suave e pura
Causava-me no cérebro vertigens de loucura,
E frases sem sentido então balbuciei
Como criança insonte que mal ainda fala
Depois... fiquei calado...
E quis ir a teus pés
Com força e entusiasmo dizer o que tu és.
Mas quando procurei juntar umas ideias
Ouvi um som mui brando de doces melopeias
Passarem pelos ares!
E vi também os mares
Com as rochas entoando
Músicas mil — divinas!...
Os vendavais bradavam nos espaços:
“Nós vamos abraçá-la com nossos fortes braços,
Porque Ela é a cena o grande Briareu
Que veio lá do céu
Mostrar à humanidade
A grã sublimidade
Da arte de Caetano!
E com valor troiano
Se tem apresentado
Fazendo um novo mundo do mágico tablado”.
Assim, com essas vozes, de novo delirei
E abismado em mi’mesmo eu logo me quedei
Até descer o pano...
É que do gênio a luz tão de repente
Faz a gente ficar quase demente!
*
* *
Salve, pois, atrizinha — enorme, colossal
Que prendes a plateia ao mundo do ideal!!...
Virgílio Várzea
Desterro, 27 de dezembro de 1882.
Soneto
À Julieta dos Santos
Parece
que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!...
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!...
Parece
que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!...
E
quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!...
Então
sente-se n'alma o trêmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!...
Cruz e Souza
3 de janeiro de 1883.
Soneto
À Julieta dos Santos
Quando
apareces, fica-se impassível
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!...
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possível!...
Anda-se
com a alma n'um estado horrível
O coração completamente ervado!...
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n'uma explosão temível!...
Sobe-se
e desce-se ao país das fadas,
Vaga-se com as nuvens das mansões douradas
Sob um esforço colossal, titânio!...
E
as ideias galopando voam...
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!...
29 de dezembro de 1883.
Cruz e Souza
Do Universo o Divino o Grande Obreiro
Estava no repouso sem primeiro,
Quando ao cérebro gigante lhe ocorreu
Uma ideia maior que o próprio céu...
E foi: criar um Sol tão grande e colossal
Que mostrasse a todo o ser o mundo do ideal.
E trabalhou... seu trabalho foi diário...
E quando o concluiu... mandou um emissário
Dizer a todo o mundo
O Gênio tão profundo
Que tinha enviar-nos... E foi este um cometa
Que disse a toda a terra o nome — JULIETA!
É esse pois o nome do máximo dos portentos
Que, de luz em cada floco, milhões de pensamentos
Atira sobre nós,
Fazendo estremecer os ossos dos heróis
Que dormem há mil anos nas campas bem sepultos!
Com força magnética reergue os nobres vultos
Maiores que os titãs, imensos e tão grandes
Que vão ao infinito e passam além dos Andes!
Depois... abrem seus olhos cercados de montanhas
Que parecem mil lagos de orbitais tamanhas
Contemplando os céus!...
E vão Briareus
Unidos em corte
Saudá-lo, com presentes, do império lá da morte!
Então é toda a terra um grande Coliseu,
Onde se representam os dramas lá do Céu!...
Virgílio Várzea
Desterro, 30 de dezembro de 1882.
Soneto
À Julieta dos Santos
Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que
rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto aurissidéreo...
Raios de luz, fantásticos, divinos!...
Astros
diáfanos, brandos, opalinos,
Brancas cecéns do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!...
Brisas
suaves, virações amenas,
Lírios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!...
Vinde
do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse Prodígio singular e mago!!...
J. da Cruz e Souza
6 de janeiro de 1883.
Tu triunfas na luta sobranceira...
Quando pisas no palco, majestosa,
Do zoilo vil a boca venenosa
Solta um — bravo — atrizinha brasileira!
Oh! menina feliz! oh! feiticeira,
Que és amável, risonha, espirituosa,
Que nos fazes vida deleitosa
Quando mostras teu gênio — prazenteira!
Rainha do proscênio o céu te aclama
Com estridulo clangor, por todo o mundo
Corre teu nome nos anais da fama!!...
Dás glorias ao teu país — belo, fecundo,
Brasiléia Cuniberti!... assim te chama
O nosso Imperador — Pedro Segundo.
Virgílio dos Reis Várzea
Desterro, 7 de janeiro de 1883.
Tu
passas rutilante em toda a parte
Oh! sol de nossa pátria, oh! sol da arte!...
(Virgílio Várzea)
Quando eu te vi pela primeira vez no palco
avassalando as almas,
n'um referver de palmas,
Cheia de vida e cândido lirismo!
Senti na mente uns divinais tremores...
e louco e louco,
a pouco e pouco
Vi rebentar o inferno cataclismo!...
Mil pensamentos galoparam, céleres
por minha fronte
e do horizonte
Quis arrancar os astros diamantinos,
Para arrojá-los a teus pés mimosos
e arrebatado,
fanatizado
Por entre um mar de cintilantes hinos!...
Esse teu busto, a genial cabeça
tão bem talhada
e burilada
Com o escopro límpido da arte,
Tem umas puras fulgurações suaves
e a tu'alma
ardente ou calma
Os corações arrasta por toda a parte!...
A encarnação tu és das maravilhas,
a doce aurora,
branda e sonora
Das teatrais e lúcidas ideias!...
Tens no olhar o filtro que arrebata
e és profética
e magnética,
Possuis na voz o som das melopeias!...
És a escolhida pare as grandes lutas
esplendorosas
e majestosas!...
E sobre os débeis, delicados ombros,
Bem como Homero a sua lira d'ouro,
resplandecente,
trazes pendente
O Infinito enorme dos assombros!...
Quando apareces tudo ri e chora,
se endeusa, agita,
como que palpita
N'uma explosão de férvidos louvores!...
E o potentado mais febril da terra
gagueja um bravo,
e faz-se escravo
O mais severo e nobre dos senhores!...
A Dejaset, uma Favart, Rachel,
o João Caetano
como um arcano
Imperscrutável, hórrido, terrível!...
Quebram as lousas sepulcrais e frias
e te louvando
vão recuando
Dizem que é sonho, é mito, é impossível!
Oh! tu nasceste para suplantar, JULIETA
os grandes mundos,
os mais profundos
D'ess'arte bela, magistral, divina!...
E esse olhar tão expressivo e terno
já eletriza
e cauteriza...
É como um raio que a corações fulmina!...
Que sol é este, vão bradando os pólos,
Tão sobranceiro,
que o brasileiro
O vasto império confundindo está?!...
Venham teólogos, venham sábios... todos
venham troianos,
venham germanos,
Venham os vultos da Caldeia, lá!...
Oh! resolvei o mais atroz problema,
fundo mistério,
alto, sidéreo
Do gênio altivo na criança, ali!...
Vamos, natura, rasga o véu dos medos,
dizei ó mares,
falai luares,
Sombras dos bosques, respondei-me aqui!...
Astros da noite, tempestades, ventos
erguei as vozes,
falai velozes
N’um som estranho, n’um clangor audaz!...
E respondei-me e explicai ao orbe
se essa menina,
que nos fascina
É um fenômeno ou outro tanto mais!...
Tudo emudece na natura imensa
e desde os Andes,
dos cedros grandes
Ao verme, à pedra, às amplidões do mar!...
Tudo se oculta na invisível raia
no espaço a bruma,
no mar a espuma
Vão-se esgarçando também, a se ocultar!...
Tudo emudece na natura imensa
quando na cena
surges serena
Como a visão das noites infantis!
Dos olhos vivos dos que são-te adeptos
bem como prata
eis se desata
A aluvião de lágrimas febris!...
É que tu tens esse poder superno
real, sublime
que até ao crime
Faz arrastar o mísero mortal!
É que tu és a embrionária horrível,
mística, ingente
que de repente
Fazes de um ser estúpido animal!...
Tudo emudece na natura imensa
desde nos campos
os pirilampos
Até as grimpas colossais do céu!...
Tudo emudece e até eu JULIETA,
já delirante
vou vacilante
Cair-te aos pés como um servil, um réu!!...
Cruz e Souza
28 de dezembro de 1882.