LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Madrigais, de Juvêncio de Araújo
Texto-fonte:
Juvêncio de Araújo Figueredo, Madrigais,
Florianópolis: Tipografia do Conservador, 1888.
V (Guardo ainda aquela trança)
VII (Não sei que dúlcidas falas)
X (Priminha, se aqui passasse)
XI (Há muito mais de dois meses)
XIV (Por sobre as ondas do mar)
À MEMÓRIA DE MEUS PAIS
Giestas
Ao Dr. Joaquim R. Monteiro e a Cruz e Sousa
I
Ao Dr. Gama Rosa
Faz lua. – Nos caminhos
as moças e os rapazes
brandos como os lilases,
puros como os arminhos,
passam, vindo da casa das novenas,
de uma linda casita
muito alegre e bonita,
que fica assim num alto, entre verbenas.
Uma casita de janelas francas
de onde se avista o verde-escuro mar
rugindo, heroico, dentre espumas brancas.
O plácido luar
prateia as verdes searas
que vegetam nas longas esplanadas
onde as estradas claras,
vistas de bem de cima, nos parecem
enormes fitas que desaparecem
ao longe, nas quebradas...
Pelos ares a fora
vibra o metal das trêmulas risadas,
como por entre o despertar da aurora
o cantar dos canários amarelos.
Cheiram à rosa os úmidos cabelos
das morenas simpáticas
que os rapazes namoram
e doidamente adoram,
sentindo n'alma irradiações prismáticas.
Soam longe cantigas palpitantes,
cantigas feitas d'aço,
em peitos d'ouro, em almas de diamantes:
peitos tão puros e almas tão gloriosas
como a luz das estrelas silenciosas
nos parecendo lâmpadas suspensas
pelas paragens límpidas, imensas
do transparente côncavo do Espaço.
A serena alegria
tão casta como o dia
canta-lhes n'alma como um rouxinol,
umedecendo os corações abertos
onde há sonhos despertos,
desde a infância querida
que ri e canta pelo campo, ao sol
de um céu de madrepérola brunida.
.................................................
No entanto nos caminhos
sigo os batidos de moças e rapazes
brandos como os lilases,
puros como os arminhos,
mas um pouco nervoso e aborrecido
dos meus amores francos,
na casa das novenas,
entre jasmins e rosas e verbenas;
e vou-me embora e deixo a minha amada,
pelo simples respeito
daquela caminhada
me abrir no pé direito...
um calo... dos tamancos!
II
À Delminda Silveira
A luz clareia a límpida varanda
de onde nós dois sentados,
por uma janelinha aberta aos ares
magníficos da tarde,
passeamos os ávidos olhares
por sobre os verdes cromos delicados.
Ao sol das quatro que arde
por entre nuvens douro,
um rapazito de cabelo loiro
e chapeuzinho à banda,
passa cantando dúlcidas baladas,
as baladas de rimas cor de rosa,
frescas canções de amor e de esperanças,
tão virginais e cheias de ternuras
como os fluidos do olhar das aves mansas.
Há uma viva saúde nas verduras.
E do mar sobre as ondas sossegadas,
de espumação radiosa,
dos batéis mansamente vão-se abrindo
as velas, às rajadas,
como asas brancas, asas de gaivotas
de nós se despedindo
para longínquas regiões ignotas.
O vento burburinha no arvoredo
dum verde-bronze escuro,
como aos nossos ouvidos
uns lábios róseos, úmidos, queridos
murmurando a carícia de um segredo
divinamente puro
e terno e apaixonado...
Pelas bandas de além, no verde prado
vibra, por entre os flóreos espinheiros,
a cantoria alegre dos coleiros!
A Oscar Rosas
Muito bom dia, dona.
Venho de ver o mar tranquilo e doce
nas curvilíneas praias alvadias
se debruçando assim como se fosse
algum leão cansado.
Oriental madona
d'olhos pretos banhados de harmonias,
tu és o meu cuidado
mais forte e palpitante.
Eu por ti sinto o eflúvio da amizade,
o dulçoroso eflúvio
caindo-me no peito, inebriante,
como um vivo dilúvio
de luz de sol por toda a imensidade.
Quero-te um bem que tu nem julgas, filha!
Como és toda bonita,
principalmente quando,
numa graça infinita,
aos ombros nos arrumas a mantilha
e arrumas todo o teu cabelo loiro,
bem como quem arruma chuvas d'ouro...
E o teu olhar é um místico resumo
de encantos puros, sobrenaturais,
nos quais a vida de ilusões perfumo.
Olhar de um astro em noite azul de Agosto,
feito de beijos e de madrigais.
E é um céu o teu rosto!
A tua voz possui o mel das rosas
purpúreas, aromáticas e belas.
Ouvindo-te falar, eu sinto delas
emanações as mais deliciosas.
Como eu tenho ciúme ao ver-te ao lado
de um burguês desdentado,
um visconde que já não tem cabeça
e que ao jantar cochila...
Como eu quisera dar-te os meus segredos
no teu parque, através dos arvoredos...
Mas antes disso, ó minha viscondessa,
manda a razão que o bom do teu criado
amarre os cães de fila...
A Bernardino Varella
O féretro passava
carregado por velhos e rapazes
que tinham dentro d'alma a sombra de asas
do um desgosto fatal pelo defunto.
Nas janelas das casas
e dos engenhos e das vendas junto
via-se muita gente que chorava
pelas profundas ilusões falazes
deste mundo cruel – tendo no rosto
as expressões de um grande sentimento.
E eu perguntei pela família dele,
que assim ficava nesse atroz desgosto.
Senhor, é um pobre que deixou no mundo
cinco filhos, coitados, cinco filhos
dos quais nenhum sequer por um momento
poderá trabalhar.
A sua vida fora um mar profundo,
fora um mar de amarguras...
Ah! meu senhor, aquele
a quem pranteiam tantas criaturas,
tinha por bens apenas dois novilhos,
em vez de ter uma casinha ao menos
para aos filhos deixar,
os filhos, sim, tão pobres e pequenos.
Chora-lhe a morte a esposa estremecida
num doloroso pranto amargo e triste...
Naquele peito de mulher existe
uma alma forte mas por fim vencida.
Quantas crianças choram-no, coitadas!...
E o féretro seguia,
tão grave como um monge,
o caminho da velha Freguesia...
À beira das estradas,
ao meio das porteiras,
umas simples e rudes lavadeiras
com lenços brancos acenando ao longe,
também choravam docemente o morto,
lançado-lhe um olhar vago e lutuoso,
o vago olhar absorto
que vem do humilde coração saudoso.
Mas entretanto a tarde declinara.
Ouro fulvo do sol se dissipara.
E além e além... na vastidão dos campos
entre as matas sombrias,
caíam tristes as neblinas frias
e fuzilava a luz dos pirilampos...
A João Corcoraca
Arruma para trás os teus cabelos
e prende-os numa fita.
Vamos dar um passeio nas campinas
e ouvir cantar nos ramos
os lindos gaturamos
e os alegres canários amarelos,
nesta manhã bonita.
Traz aquelas meninas,
as tuas filhas de cabelo louro,
que, como as aves límpidas cantando,
farão um belo coro
de arrebatantes músicas divinas.
Quero ouvi-las cantar
e ver seus olhos pretos fascinando
a branca estrela d'Alva
que surgindo do mar
brilha no azul puríssimo do espaço.
Dá-me o teu róseo braço,
esse teu róseo braço de princesa
e anda fitar comigo a natureza.
Em teu seio que cheira à rosa e malva,
que é tão macio como
um delicado, um saboroso pomo
d'onde se escorre um vinho,
irá toda a minh'alma, agasalhada
como dentro de um ninho
de paina uma ave esplêndida, dourada.
Iremos por aí, de braço dado,
sob o renque dos verdes laranjais,
alegres e contentes
como dois namorados que se estimam.
Lembraremos um dia de noivado.
Nos frescos roseirais
há colibris que rimam
lindas canções joviais
quentes de amor e de alegria quentes.
Rica manhã de Abril!
Céu azul-claro, doce, reluzindo,
por onde a aurora surge, colorindo
tudo de um belo tom primaveril!
Nada melhor do que por estas horas
dar-se um largo passeio
entre as tenras verduras da floresta
e ver-se a terra, o céu e o mar em festa
e respirar-se o sândalo de um seio
rubro como as auroras.
E vós, meigas crianças,
cantarolai ao longo das estradas,
do vosso amor as rútilas baladas
feitas de luz e feitas de esperanças.
A Carlos de Paria
Chegaste enfim, chegaste
do teu belo passeio.
Mal sabes tu porém quanto receio
eu tive por cismar que o teu parente
talvez te acompanhasse...
Que ciúme então se tal se realizasse...
Não pude fazer nada,
nem mesmo ler os versos que mandaste,
aqueles sonoros versos radiantes
como raros diamantes.
Eu tinha a nostalgia de um doente.
Pensei de acompanhar-te pela estrada
onde, como uma olímpica princesa
oriental, passaste
a deslumbrar a toda a natureza.
Tive uns azedos laivos de ciúme...
Mas chegaste afinal, ó pomba amada.
E que leve perfume
do teu cabelo nas madeixas trazes
das roseiras em flor e dos lilases...
Vens contente e radiando
como uma ave encantada.
De certo ouviste dentre os laranjais,
dentre as frondes das árvores vibrando
os passarinhos cantos triunfais.
Viste do mar as ondas murmurosas,
as lindas ondas desse verde mar
que levantam espumas luminosas,
alvas, como que feitas de luar!
Tive um ciúme na verdade imenso
por cismar, por pensar que talvez fosses
acompanhada por alguém que eu penso.
Os teus sorrisos doces
dão-me um vivo conforto ao coração
e uma forte alegria...
Mas dissipou-se a dúvida sombria...
Acompanhou-te apenas o teu cão!
A Ernesto Viegas
Das límpidas alturas
a aurora vem rasgando
a túnica radiosa,
ternamente vibrando
as baladas do amor pelas verduras.
E toda a natureza
a seus pés se ajoelha, e reverente
lhe beija a mão gloriosa,
como pelos palácios do Oriente
se beija as ricas mãos de uma princesa.
Dos alegres canários
rompe os ares azuis, claros do Maio
fresco gorjeio matinal de vários
tons que recordam mil gargantas d'ouro
por um céu vasto onde o ideal espraio
à luz de um rosto loiro.
Pelos cercados de jasmins e rosas,
à beira dos caminhos,
onde no estio as aves luminosas
costumam fazer ninhos,
do orvalho os pingos puros e sagrados
têm a casta aparência
de umas benditas lágrimas de prata
na branca flor divina da inocência
dos corações magoados.
O sol como uma esplêndida cascata
d'ouro em pó, vai radiando e colorindo
o largo espaço azul, côncavo, infindo,
undiflavando as nuvens que parecem
asas de sonhos ideais, profundos,
que levam dentro em si mundos e mundos
desses amores que nos fortalecem.
Andam pelos quintais
as cândidas crianças
de rosto suave e lábios cor da aurora,
rimando os madrigais,
as verdes esperanças
da sua vida angélica e sonora!
E a minha namorada,
rosa de Abril nevada,
enquanto o pai no laranjal toma ares,
da janela que dá para o caminho
me estende a mão alvíssima e louçã,
a sua mão de arminho,
que tanto me seduz,
vibrando-me de cara os seus olhares
simpáticos, bonitos e faiscantes
como os raros diamantes
dos cabelos de luz
da Estrela da manhã!
VIII
Ao Dr. Luiz Delfino
A noite era de Julho.
Ouvíamos da porta o cadenciado
e plácido marulho
do mar lambendo as praias alvadias,
brandamente prateado
de um místico luar.
Que lindo estava o mar!
Das canoas dos velhos pescadores
os remos mansamente iam cortando
as vivas ardentias
que parecem diamantes rutilando.
Ternas canções de amores
subiam das canoas para o espaço,
canções vibrantes, de aço,
ternas canções felizes
lembrando à mocidade o mar dourado,
o mar das crenças e das utopias
onde sonhos de esplêndidos matizes,
tão joviais, alegres e tão puros
cantam como nos ninhos
nas ramagens seguros,
os tenros passarinhos,
as avezinhas de plumagem branca.
Vinha uma aragem franca,
vinha do norte e entrava na saleta
caiada a fresco, muito bem caiada,
com janelas abertas para a estrada.
A bela Julieta,
uma pequena de olhos alagados
de luz de céu e boca cor de rosa;
pequena de trazer apaixonados
dois centos de rapazes,
desses que eram capazes
de passar uma vida tormentosa
por lhe beijar as tranças dos cabelos,
as veludosas tranças,
confortava-me o peito
com vivas esperanças
e profundos desvelos...
Falava-me a respeito
dos namorados que tivera outrora,
aos quinze anos gentis, na primavera
de sorrisos castíssimos de aurora
de um fresco mês de Agosto.
Mas que tudo passou como a quimera...
Que hoje então me adorava
muito, do coração...
dizia-me ela sempre a me fitar
... e se não fosse para mim desgosto
me contaria ao certo
uma grande paixão que ainda a matava
por um rapaz que amara como irmão,
o pequeno Roberto,
esse meigo rapaz
que lá tinha ido se ordenar em Roma
e estava p'ra chegar.
Ele era um poeta, um ramo de lilás,
pois como tu também fazia versos
de suavíssimo aroma,
em luz de sol imersos...
Um ciúme fatal me envenenava.
Houve um grande silêncio torturante.
Trocamos um olhar – No mesmo instante
pôs-se ela logo a me beijar a mão
numa doce alegria indefinida,
frenética a dizer que m'estimava
muito, do coração...
E tinha a voz dolente e comovida
e nos olhos azuis o azul mais lindo...
Mas eu violento, incrédulo, nervoso
ergui-me despeitado e fui saindo.
Ela ansiosa me chama
com voz que afeto exprime
e o veemente desejo de quem ama.
Não lhe atendi mais um minuto a voz
e sai furioso...
É que eu lembrara bem naquele lance
a Amélia, do romance
naturista O Crime
do Padre Amaro, de Eça de Queiroz.
IX
Ao Dr. Araripe Júnior
Vai alta a madrugada!
Uma por uma as lâmpadas do Etéreo
vão-se a sumir na tinta purpureada
do clarão matinal, fresco e sidéreo
Pelas estradas brancas
de saia levantada, nos joelhos
torneados e vermelhos,
as expansões da luz vivas e francas,
das aves às cantigas
frenéticas, nervosas,
as belas raparigas
vão entre o amor o as cismas luminosas,
ardentes, virginais,
como as estrofes quentes e os matizes
dos ternos madrigais
dos corações ingênuos e felizes !
Uma harmonia doce
vibra, do vento, ao largo das campinas,
assim se fosse
um concerto de músicas divinas.
Do orvalho as gotas puras,
as lágrimas do Azul,
caídas sobre as cândidas verduras,
ao fresco vento sul,
e ao sol que surge agora
com sua luz que esplêndida colora
os pontos mais distantes,
assemelham-se aos límpidos diamantes
da loja de um francês
onde ela entrara palpitante, rindo,
a comprar, uma vez!
E enquanto a madrugada
vai já alta no céu – da passarada
vai na floresta então repercutindo
um canto festival – e as mudas flores
das borboletas aos subtis adejos,
abrem-se como beijos
da natureza em meio aos resplendores!
X
A memória do Arão Ramos
Ia findando o dia.
O sol faiscava pelo céu do Poente,
e descia, descia
as escadas purpúreas,
como um globo de vidro, transvasando
radiações sulfúreas...
A tarde vinha as pálpebras fechando.
Nas casas dos vizinhos
os rapazes brincavam pelas eiras,
rindo e cantando umas canções de amores,
lindas canções brejeiras
da infância cor da aurora,
que alegre nos irrora
o coração de vivos esplendores.
Trinavam febrilmente os passarinhos
agitando as plumagens,
na maciez tenuíssima dos ninhos
suspensos nas ramagens,
como ninhos de esperança,
nos corações ingênuos das crianças.
Vinham do morro os homens do trabalho,
os simples lavradores
fortes como o carvalho,
no tirano lutar das suas dores.
Traziam n'alma o oceano da alegria,
o oceano d'ouro e prata,
que entorna em nosso peito uma cascata
de puros sons, tão doces e nitentes
como fluidos de límpidos luares
meridionais, nevados, transparentes,
no espelho azul dos mares.
Das casas pelas portas
entrava o aroma olímpico das rosas,
dos jasmins, violetas e giestas
nos cercados das hortas.
Raparigas modestas
pelas curvas das praias passeavam
como em bandos as pombas virginais.
E do mar sobre as ondas murmurosas
as gaivotas alvíssimas ruflavam
as asinhas, gloriosas,
castas e leves como os madrigais!
XI
A Jansen Júnior
Em frente à minha casa
mora uma moça de cabelo loiro.
De manhã quando pelo céu transvasa
a fresca luz da aurora,
pela janela afora
ela vibra umas dúlcidas cantigas
quentes e palpitantes,
que bem valem diamantes
num rico cofre de ouro.
Chamam-na a flor das lindas raparigas
deste belo lugar,
por ter uns olhos pretos
(verdadeiros infernos)
tão puros, tão simpáticos, tão ternos
como o cristal de um místico luar.
Tenho-lhe feito inúmeros sonetos
nos quais pintei-lhe a vida esplendorosa
que eu no campo passava
a viva luz gloriosa
do sol que pelos páramos faiscava.
Tem um quintal de flores
puras como os amores
que no meu peito floresceram tanto,
irrorados de castas primaveras,
asas brancas ruflando
por céus azuis adentro – como um canto
de olímpicas quimeras.
E como uns fios d'ouro os seus cabelos
pelas róseas espáduas vão radiando
de tal maneira, que dá gosto vê-los.
E quando o sol desmaia,
ao entardecer, passeia pela fonte
que fica além do verde-escuro monte
d'onde, sentada, avista o mar na praia.
N'alma bate-lhe as asas a saudade
por um bem que se foi e que não veio
para beijar-lhe a rubra flor do seio,
a flor da virgindade.
E tantos anos que já são passados,
com tão tristes cuidados,
com tão sombria e pálida lembrança...
O seu magoado olhar
por sobre o mar se perde,
vibra no verde mar;
mas vem-lhe ao coração muita esperança
só porque o mar é verde!
A Cruz e Sousa
Tinha caído a tarde. – Nas campinas
a luz do sol morria
numa encantada e olímpica harmonia
de coloridos vagos.
Pelas fontes e lagos
nas águas cristalinas
o azul do céu brilhava brandamente.
Íamos de braço dado.
Os seus negros cabelos
caiam-lhe no seio perfumado
como algum pomo vindo do Oriente.
Acima dos rosados tornozelos,
o seu vestido azul
descobria uns pezinhos,
lindo casal êxul
de penugentos, nítidos pombinhos...
E o seu olhar então?!...
Nunca um olhar mais lindo
me derramara sobre o coração
tão imensas ternuras,
radiações tão límpidas, tão puras
de algum serene, infindo,
celestial clarão.
E cada risadinha que soltava
dos lábios castos, úmidos, rosados
como frutos da aurora,
parecia um canário que trinava
numa varanda de cristal, sonora.
Os cromos purpureados,
as bonitas paisagens,
faziam-lhe o mais doce bem estar.
E gostava de ver o largo mar
nas praias reluzentes
reproduzindo esplêndidas miragens
nas suas vagas mansas
onde bandos e bandos de crianças
travessas e ridentes
banham-se ao sol das tardes luminosas.
Os colibris voavam dentre as rosas
e zumbiam abelhas
nas cercas dos quintais
das casinhas vermelhas
onde à janela e costuravam moças
simples e virginais,
numa saúde, num vigor de roças
e tenros vegetais.
Falávamos na infância azul da vida.
Ao longe o sol morria
calmo, tranquilamente.
E sobre o triste coração da gente
e sobre aquelas casas
uma noite sem lua então descia,
como as profundas asas
de uma grande saudade indefinida...
XIII
A José Boiteux
Agora mesmo vim de ver o mar
como um espelho de cristal radiando
aos dormentes eflúvios do luar.
Está tranquilo e brando
como um grande lagar
de inefáveis doçuras
derramadas das límpidas alturas
de um céu aberto como um templo em festa.
Pelas praias em fora, pelas praias
vão-se as moças da aldeia, lindas moças
d'alma sincera e honesta,
trajando brancas e arrendadas saias
de frescura de linho ainda nas roças.
Todas alegres, todas galhofeiras,
entre expansivas, fervidas risadas,
levam no peito o coração contente
como as aves fagueiras
nas verdurosas, longas esplanadas
de um sítio agreste, cultural, saudável,
rufiando as asas venturosamente.
Entre elas vai a minha musa avante
toda risonha, lirial e amável,
meiga criatura que na trança ondeante
usa violetas e jasmins e rosas...
É mais modesta que elas todas. Vejo-a
de vestido de cassa
como se acaso visse das radiosas
plagas do Azul alguma estrela... e beijo-a
num sonho ideal que as ilusões quebranta.
Daquelas moças é a que mais me encanta,
é para mim a que possui mais graça.
A Marciano Soares
Era uma tarde límpida e formosa,
fresca, saudável, plácida, azulada,
caindo sobre os morros
em luminosos jorros
de luz imaculada
de leves tons de rosa.
O sol descia a escadaria de ouro,
afogando num rútilo clarão
o seu enorme crânio,
mas tão calmo e sereno
como quem desce a um fundo subterrâneo
com uma grande lâmpada na mão,
em busca de um tesouro sagrado e luminoso
como os olhos do terno Nazareno.
O canto melodioso
das aves entre as múrmuras ramagens
dos salgueirais, rompia
a gaze azul dos ares,
numa branda e simpática harmonia
de emolientes luares
derramados no verde das paisagens.
Eu tinha entrado em casa da pequena,
uma linda morena
de sorrisos ingênuos nos olhares...
Os agrestes perfumes das verduras
entram pelas janelas.
E as madressilvas perfumosas, puras,
com jasmins e com rosas
entrelaçadas, formam bambinelas
que descem do beirado
vermelho do telhado.
A casinha, metida entre o arvoredo,
parece um alvo ninho
de algum dourado e meigo passarinho
que de manhã bem cedo,
alegremente as asas vai ruflando,
a cantar, a cantar pelo caminho
como quem vai cantando
estrofes feitas de um purpúreo sonho
que as ilusões mais castas alvorece.
Tem o aspecto risonho
a casinha que um ninho me parece,
a casinha caiada,
cheia de luz ao vir da madrugada
sonora e fulgente:
porque d'onde ela está se vê o Oriente,
da porta ou do terreiro
onde as galinhas brancas e pedreses,
d'asas num ruflamento prazenteiro,
parecem conversar...
A pequena falara em se casar...
Na sua boca fresca e perfumosa
havia uma promessa deliciosa
de amor e beijos ideais – e havia
nessa boca divina de harmonia,
da virgindade os cândidos ressábios...
– Foi nesta tarde que eu beijei-lhe os lábios...
Há de fazer dois meses.
À Ibrantina de Oliveira
Ela tinha chegado de um passeio
nobre como o de alguma baronesa.
Ela Linha chegado
de ver o mar e toda a natureza.
Fresco como um jasmim
puríssimo, orvalhado,
lhe palpitava ansiosamente o seio
através do colete de cetim.
E sentou-se a meu lado.
Da sua fresca e juvenil cabeça
altiva como se de uma águia fosse,
o cabelo nos ombros lhe flutuava
em crespos, solto, límpido, e cheirava
a patchuli e a pétalas de rosa.
Toda alegre e travessa,
engraçada, simpática e bonita,
tinha nos lábios úmidos um doce,
celestial e encantador sorriso,
vedado paraíso
de inefáveis carinhos
e dulçorosos bálsamos d'esperanças.
Seus negros olhos sobre mim passeava,
seus negros olhos de uma luz bendita,
onde a etérea alegria
me parecia até que gorjeava
bem como as brandas avezinhas mansas
ao despontar do dia,
nos seus macios e plumosos ninhos.
Da nevada e gentil cor das espumas
o seu vestido relembrava algumas
laranjeiras em flor,
na primavera azul da mocidade
quando se sonha com jasmins e rosas,
e risonhos noivados
na catedral esplêndida do Amor,
a viva claridade
de uma porção de crenças virginais
que descem de paragens luminosas.
Os cantos dos coleiros
pelos verdes rosais
e pelos jasmineiros,
tinham – dizia a minha flor querida,
lhe enchido o peito de paixões secretas;
eles lhe pareciam
ternas canções de poetas
febris, alegres, joviais, dolentes,
d'almas flébeis e crentes,
cheias de um largo e místico sonhar!...
Na planura do mar
as céleres gaivotas que batiam
as asas delicadas,
lhe figuravam crenças em revoadas
pelos mares da vida
eterna, indefinida,
mares feitos de risos e amarguras,
mares profundos, insondáveis mares, –
abismos de pesares,
cavados de ilusão!
Todo o exalar suavíssimo das flores
se lhe infiltrava pelo coração,
como um licor de mágicas doçuras,
como um belo falerno
em gotas diamantinas
escorrendo nas taças cristalinas
do rico bródio de um Paxá moderno.
A Manoel Laureano
Vamos ver as fogueiras,
que hoje é dia do belo São João.
Vamos à casa da Maricas, vamos
nós dois que nos amamos.
No branco chão das eiras,
ao fúlgido clarão
das chamas coruscantes,
hão de estar muitos velhos e rapazes,
e muitas raparigas
novas, frementes, d'ímpetos audazes,
alegres, ternamente
conchegadas ao peito dos amantes,
ouvindo-lhes as lânguidas cantigas
e os contos engraçados
cujos protagonistas
são condes encantados,
em célebres conquistas...
Naturalmente hão de jogar-se as prendas,
dentro, na sala branca, iluminada,
onde logo na frente,
num bonito dossel, por entre rendas,
vê-se do santo a imagem venerada.
Veremos muitas canas
jogadas às fogueiras, ou dispersas
à mão ansiosa da rapaziada
que do prazer nas glórias mais insanas,
num murmúrio rude de conversas
salta, cambalhoteia pela estrada,
por milhares de vezes,
como cabras monteses...
Sobe o foguete ao ar, rápido estala,
num derramar de lágrimas de luz.
Que deslumbrante que há de estar a sala
d'onde o adorado primo de Jesus,
o discípulo amado,
junto ao dócil cordeiro imaculado,
nos lança o olhar profundamente mudo.
Como dá gosto à gente ir às novenas
assim, por noites claras e serenas!...
Agasalha a cabeça e vamos, vamos:
– tua mãe, teu filho e nós... que nos amamos...
Veste o róseo corpete de veludo
e põe nas tranças uma rosa aberta,
uma rosa que cheire a chá do Reno,
que te dê certa graça
a esse rosto moreno
que de meu peito as ilusões desperta...
O teu vestido azul-claro, de cassa,
aquele que te fica tão sentado
na cintura elegante,
hás de levar, e aquela linda manta
que levaste domingo à romaria...
Porém escuta, minha doce amante,
encantadora santa,
que não te zangues como no outro dia
com teus fúteis caprichos e ciúme...
Que boa noite alegre passaremos!...
oh ! que noite infinita...
Há de dançar-se, como é de costume;
e te previno já que dançaremos,
os dois, a Chama-Rita!...
A Virgílio Várzea
Toda a minha cabeça
estava cheia da visão de um sonho
pelos olhares de uma viscondessa
de rosto amável, límpido, risonho,
simpático, atraente,
que eu vira apenas uma vez somente.
Uma altiva madona d'olhos pretos,
d'olhos banhados de uma luz infinda,
tão rosada, tão linda,
inspiradora de ideais sonetos.
Seu cabelo bonito
fulgurava, cheirando
a sândalo esquisito,
longo, untuoso e flácido, rolando
acetinado e leve,
nas espáduas de neve,
entre as ondas alvíssimas das rendas.
Tinha no colo um rútilo adereço
das mais brilhantes e custosas prendas.
Na sua fresca boca perfumada,
um sorriso cantava-lhe, travesso,
numa graça infantil
de rósea madrugada
de um dia azul, meridional de Abril.
Todo aquele seu rosto
de uma epiderme cândida e cheirosa,
tinha a branda frescura imaculada
de uma rosa de Agosto,
de uma orvalhada rosa
que o sol infiltra de uma luz serena.
Da sua mão pequena
os dedinhos rosados,
tenros, franzinos, meigos, delicados,
batiam-me no rosto, petulantes,
numa terna carícia de quem sente
dentro de si o turbilhão fremente
das crenças palpitantes.
Nesse feliz momento
estávamos na sala
rica, dourada, aristocrata, nobre,
numa sala de góticas molduras,
onde os olhos do pobre
tremem de assombro e de deslumbramento,
simplesmente ao fitá-la.
Nas paredes pintadas
com esplendor oriental, radiosas
de tantas cinzeluras,
viam-se lindos quadros com paisagens
alegres, pitorescas, luminosas,
e cenas engraçadas
de príncipes e condes, em viagens
longínquas, demoradas...
Por sobre o branco mármore das mesas,
sobre o mármore branco de Carrara,
uma porção de fúlgidas miudezas
atraía as ideias:
vasos de fina porcelana rara,
níveas estatuetas
de célebres, amadas dulcineias,
galantes Julietas,
vários moluscos e cristais, ornatos,
flores, relíquias, álbuns com retratos...
Das janelas fitavam-se as parreiras
verdes, saudáveis, transbordantes de uva
e as altas laranjeiras
donde os pingos da chuva
das três da tarde, cintilando ao sol,
escorriam no chão.
Por essa ocasião,
do palacete no gentil pomar
ouvia-se cantar
maviosamente um terno rouxinol!
Numa azul otomana de veludo
esmaltada com flores d'ouro e prata,
eu estava a seu lado.
Casto olhar columbino me inundava
de uma viva cascata
de luz tão doce e que de tal maneira
dava-me aos nervos lânguida quebreira,
que eu me ficava inteiramente mudo.
Toda a minha cabeça
num conchego de ninho perfumado,
alegremente se acariciava
na mornura daqueles seios puros
como frutos maduros.
— E o róseo sonho ainda continuava.
A bela viscondessa
Beijocava-me a boca,
louca de amores, de desejos louca.
Prendi-a ébrio de paixão veemente,
Prendi-a pelo pulso,
mas logo, de repente,
sinto-lhe um grito trêmulo, convulso,
de quem quer desmaiar;
disperso e solto a viscondessa amada:
— Tinha prendido o pulso da criada
que me viera acordar.
Baladas
A Virgílio Várzea e Horácio de Carvalho
I
Bem sei que tens um peito aberto como um ninho,
como um ninho cheirando a rosas e a violetas,
onde minh'alma vai – errante passarinho,
se agasalhar batendo as asas irrequietas.
Bem sei que o teu olhar parece um céu de Maio,
tranquilamente azul, tranquilamente doce.
Céu por onde o ideal da minha vida espraio
como se esse ideal um grande oceano fosse.
Bem sei que em tua boca há palpitantes risos,
muitos risos febris, esplêndidos, vibrados
com ingênua expressão, puríssimos, precisos
aos peitos mais leais e aos corações magoados.
E sei que o teu cabelo – esse cabelo fino
caindo-te por sobre o seio palpitante,
tem o mesmo perfume olímpico o divino
do cabelo ideal das moças do Levante.
Pelas frescas manhãs, as flores delicadas,
as flores da campina, as perfumosas flores
enastram brandamente o branco das estradas
por onde passas tu cantando aos teus amores.
E teus mimosos pés de mágica escultura,
moldados como uns pés de pálida chinesa,
têm toda a graça e toda a mística brancura
de dois lindos jasmins de angélica pureza.
Quando passas, o sol, vitoriosamente,
cintila, ri e canta aos teus sonoros rastros.
E digo-te ainda mais e mais, pomba inocente,
que até gostam de ver-te, à noite, os outros astros.
Tens toda a compleição artística das virgens
que Sanzio desenhou com tintas primorosas.
E descendes talvez das orientais origens
das valquírias do norte altivas e formosas.
Praxíteles talvez, jamais esculturasse
um corpo mais gentil, brunido como a prata.
Beethoven não sonhou, talvez nunca ideasse
harmonia melhor do que essa voz desata.
E sente-se por sobre o coração dilúvios
de crenças virginais rufiando as brancas asas,
como do sol por entre os límpidos eflúvios
os pombos a voar pelos beirais das casas.
Como um lago de luz, num parque, – entre as ramagens
dos roseirais em flor, quando a lua aparece,
ao ver-se do teu corpo as cândidas roupagens
todo o puro cristal da ideia resplandece.
II
Loiras crianças, loiras e morenas,
crianças belas, cândidas, rosadas,
como vos quero e adoro, almas nevadas
vindas do azul das regiões serenas.
Quando eu escuto as ternas cantilenas
que dispersais, correndo nas estradas,
julgo-as canções febris e namoradas
de aves por entre arbustos de açucenas.
Gosto de amar-vos, virginais crianças,
vós que deixais nos corações magoados
tantos milhões de fúlgidas lembranças...
Vinde, vinde a meus braços fatigados.
A infância! a infância é um ninho de esperanças...
Cantarolai, ó pássaros dourados!
III
Acompanha-me à floresta,
nada receies, ó filha,
porque minh'alma, à modesta
luz de teus olhos, se humilha.
Vamos... Quero-te a meu lado,
claro sol dos meus amores.
Passeamos de braço dado,
entre o perfume das flores.
Pela natureza vibra
o teu carinhoso olhar
que é como terno luar
que no espaço se equilibra.
Dá-me o braço... de bem perto
veremos as pombas mansas,
e iremos de peito aberto
fazendo entrar esperanças.
Veremos como as paisagens,
pelas encostas dos morros,
produzem vivas miragens
da luz aos brilhantes jorros
sobre as ondas insondáveis,
as lindas ondas do mar
verde – esplêndido lagar
de doçuras inefáveis.
Vamos... Tu nem imaginas
quanto de teus olhos vivo;
flor das flores mais divinas,
meu branco lírio expressivo.
Às vezes quando num sonho
te sinto e vejo, criança,
como um cárcere risonho
prende-me a tua lembrança.
As minhas crianças mais belas
encharco ao vivo clarão
dela que em meu coração
passa derramando estrelas!...
Dentro era meu peito a alegria
bate as asas, canta e voa...
como uma ave, à luz do dia
nas margens de uma lagoa.
Gosto que vás aos passeios,
principalmente comigo
que adoro a flor de teus seios
e essa tu'alma investigo...
Com teu vestido azul-claro,
teu vestido de fustão
de pouco mais de tostão
ao metro (assim mesmo caro
p'ra ti que és pobre) me engraças,
me alegras e me entonteces...
– És um astro – quando passas
mil corações resplandeces.
Tu andas talvez mentindo!
Lá por cima é que tu moras,
filha, noutro mundo infindo,
de mais límpidas auroras.
Vendo-se os teus lindos olhos
de um misterioso fulgor,
crê-se em Deus, ó minha flor,
e a vida não tem abrolhos.
As rosas que as pétalas puras
molham no orvalho do céu,
quando lá pelas alturas
a aurora o místico véu
sacode do seio rubro,
lembram-me essa boca, ingrata,
que às vezes de beijos cubro
ouvindo-lhe a voz de prata.
As rosas lembram-me a tua
boca, porque, meu amor,
tem ela o mesmo frescor
em cada rir que flutua.
Como também me recorda
a cantoria das aves
esse teu falar que acorda
e desperta o sol, aos suaves
trinados dessa garganta
d'ouro e cristal, ó querida!...
– Tu és a estrela que encanta
a noite da minha vida.
O meu mais franco desejo
é ver-te, ó pomba infantil,
por um céu azul de Abril
revoando como um beijo.
As tuas mãos têm da malva
o fresco aroma e a pureza.
Mãos de uma pele tão alva!
Benditas mãos de princesa!
Acompanha-me à floresta,
nada receies, ó filha,
porque minh'alma, à modesta
luz de teus olhos, se humilha.
IV
O mar que vês nas praias tão bonitas
pelas rajadas tépidas batido,
esse mar, esse mar que tu, querido
e eterno amor, continuamente fitas,
é como o mar das lágrimas benditas
que temos cá no coração ferido,
ora por mil saudades invadido,
ora por esperanças infinitas.
As suas verdes e undiflavas águas
rugem bem como dentro em nós as mágoas,
e outras vezes, tão calmas se parecem
que eu mesmo julgo que esse mar é feito
das doçuras de algum sonho desfeito
e dessas crenças que do Azul nos descem!
Guardo ainda aquela trança,
a trança do teu cabelo,
recordo do uma esperança
que é o meu mais fundo desvelo.
E beijo sofregamente
essa relíquia adorada,
de mil perfumes do Oriente,
cheirando à rosa orvalhada.
Ninguém julga o quanto gosto
desse teu cabelo louro.
E mesmo ninguém, aposto,
tem tido maior tesouro.
Guardo-o bem numa caixinha
que me fez uma espanhola,
das plumas de uma avezinha
que eu tinha numa gaiola.
Numa caixinha graciosa
talhada por mãos de artista,
coisa rara e primorosa,
de abrir encantos na vista.
.......................................
Guardo ainda aquela trança,
a trança do teu cabelo,
recordo de uma esperança
que é o meu mais fundo desvelo...
VI
Manhã radiosa! Cai pelas verduras
o orvalho, em pingos, fresco e reluzente
como as gotas da lágrima inocente
feita licor nas almas das criaturas.
Dos canários as ternas partituras
rompem dos céus a névoa transparente
que o sol irrora de uma luz tão quente
como a dum sol de esperanças e ternuras.
Como um neorama o côncavo do espaço
dá-nos o brilho fulgurante do aço,
e pelos prados abrem-se os festões...
Como a seiva das dálias rosicleres,
das malvas, dos jasmins e malmequeres
palpita o amor em nossos corações.
VII
À Justina Touchaux
Não sei que dúlcidas falas
tu vibras nos meus ouvidos!
Eu só posso compará-las
a beijos indefinidos.
Se por acaso eu pudesse
voar, e após um instante,
duma estrela que floresce
no Azul, trazer-te um diamante,
da sua luz cristalina
que se entorna lá por cima,
faria uma doce rima
às tuas falas, Justina.
Pois há tanta suavidade
nelas e frescura tanta
que nem pode na verdade
imitá-las qualquer santa.
E esses teus olhos bonitos
relampejando quimeras,
dão-te luz as primaveras,
são dois astros infinitos.
Olhos feitos de alvoradas
de amor – e que são dois ninhos
de crenças imaculadas,
de ingenuidade e carinhos.
Olhos que a gente ao fitá-los,
numa linda caixa de ouro
tem desejos de guardá-los
como o mais rico tesouro.
Olhos desses... E rolando
também por sobre teus ombros
me causa grandes assombros
o teu cabelo, brilhando...
Nele há místicos aromas,
puros, finos e suaves
como das rosas nas comas,
como nos ninhos das aves.
E a palidez de teu rosto,
rosto de mármore vivo,
tem um profundo atrativo
quase a expressão de um desgosto.
Minh'alma gosta das flores,
e logo que se ajoelha
para te ver, como abelha,
bebe em teus lábios dulçores...
Ela compara-te as rosas
de um Abril feito de cismas
palpitantes e radiosas,
de mais que bonitos prismas.
Gosta de ver-te de perto,
de perto, quando os olhares
teus – celestes nenúfares –
brilham como um astro aberto.
Ama toda a primavera,
toda a música sonora
que esse teu sorriso gera
na tua boca de aurora.
Ouve-te as vozes e sente
os eflúvios que derramas
dess'alma que te arde em chamas
de um coração inocente.
De teu rosto na beleza,
nessa candidez serena
os pincéis da natureza
deram fluidos de açucena.
VIII
À Mimi
Deita, Mimi, neste ninho
de toalhas brancas bordadas.
Como um lindo passarinho
sonha coisas encantadas.
Tua mãe te beija e fita
o rosto, constantemente,
sentindo glória infinita,
gentil criança inocente.
Beija e afaga-te em delírio
essa boca tão vermelha,
como beija e afaga um lírio
um colibri ou uma abelha.
E se estás então dormindo
ela, com fundos desvelos,
junto a ti se ajoelha rindo
e beija-te os teus cabelos.
Aos teus ouvidos murmura
com voz dolente e sonora:
– dorme infantil criatura,
sonha com Nossa Senhora.
Beija-te as mãos pequeninas,
delicadas como as rosas,
tão puras e tão franzinas,
tão castas e tão formosas.
Se adoeces um instante,
dourada flor da alegria,
ela, tão zelosa e amante,
faz prece à Virgem Maria.
Promete velas aos santos,
definha, sofre, entristece,
derrama todos os prantos...
e... quanta vez desfalece...
Tu és todo o seu cuidado,
todo o seu sonho mais puro...
Ó dorme, lírio nevado,
até ao sol do futuro!
IX
E vás embora, e sabe Deus se um dia
voltarás, voltarás para me dares
outra vez teus dulcíssimos olhares
alagados de olímpica harmonia.
Partes (talvez cantando, cotovia!)
por esses verdes e distantes mares
tão inclementes para os meus pesares,
cheios de imensa dúvida sombria.
Vás... mas lírio do Azul, pomba celeste,
todas as crenças que ao meu peito deste
hão de seguir-me sempre em meu caminho.
E se um dia voltares, luz amada,
terás, do amor à fresca madrugada,
meu coração aberto como um ninho.
X
À Cecília
Priminha, se aqui passasse,
vindo lá dessas estradas,
um colibri que gorjeasse,
nas suas asas douradas
te mandaria, bonita,
uma carta de desvelos,
presa num laço de fita
da cor desses teus cabelos.
Nela verias o quanto
gosto das crianças loiras
que têm olhar terno e santo
como esse com que tu douras
toda a tua alegre vida,
essa vida cor dos mares;
– tão bela e tão colorida,
tão franca como os luares.
Crendo que vieste ao mundo
talvez dentro do um sorriso
da aurora de um céu profundo,
dar-te-ia então de improviso,
flor das claras primaveras,
ó filha do Azul, gloriosa
umas estrofes sinceras,
cheias do aroma da rosa.
Eu quando ponho-me a olhar-te
sinto uns íntimos desejos!
– Vivo só para adorar-te
e encher-te a boca de beijos.
Beijando-te os lindos lábios
da cor das auroras puras,
sinto os dúlcidos ressábios
do mel das frutas maduras.
O prazer que mais me eleva
aos ideais da Alegria,
é o de te ver – sendo eu treva
e tu – luz clara de um dia.
Pois vendo-te os frescos traços
do teu rosto de açucena,
abrem-se-me logo os braços
e tu vens-me a eles, pequena.
Mas quando passa um momento
que não te vejo esse rosto,
trago-te no pensamento
e sinto um grande desgosto.
Fico a cismar na amizade
que te tenho, ó flor querida,
que é a mim, na realidade,
a mais pura desta vida.
Penso até, princesinha,
quando te ouço a voz sonora
que no teu peito se aninha
toda a música da aurora.
Penso, julgando-te às vezes,
ó sonho azul, estrelado
uma ave que aqui a uns meses
me vem cantar no telhado.
Corno eu te quero! Aos joelhos
pondo-te aos beijos, sentada,
dou-te os melhores conselhos
a essa tu'alma adorada.
E então cismo, vou cismando
na infância azul das crianças,
que é a Felicidade sonhando
num berço feito de esperanças.
XI
Há muito mais de dois meses
(eu sempre os vivo contando)
que apenas te fito, às vezes,
por entre sonhos andando.
Dois meses sem ver-te o rosto,
não são dois dias, não!
Não julgas qual o desgosto
que trago no coração.
Dois meses de mim ausente
dás-me um profundo desvelo...
– Disseram que estás doente...
Que mágoas tive em sabê-lo.
Ontem de tarde, às três horas,
fui falar a um colibri,
que entre músicas sonoras
fosse visitar a ti.
E que te contasse as mágoas
da minha triste saudade
que é tão funda como as águas
do mar pela imensidade.
Um colibri de asas d'ouro,
que voa no meu quintal,
tão adorável, tão loiro
parece um madrigal.
Pedi-lhe que te contasse
a minha dor, pomba louca,
e que depois te sugasse
o mel da flor dessa boca.
Dessas tranças aloiradas
Contei-lhe o místico olor
como o das rosas douradas
ao sol de Abril, meu amor.
Dei-lhe ordem de visitar-te
as vezes que ele quisesse,
e nesse caso, ao falar-te
minhas saudades te desse.
Nas suas lindas asitas
que tão bem sabem voar,
mandei-te estrofes bonitas,
repletas do meu cismar.
Estrofes que tu ao lê-las
sentisses pela tu'alma
algum dilúvio de estrelas
caídas da noite calma.
À morna luz das esferas
Molhei-as, lírio gentil,
como em lagos de quimeras
se molha a crença infantil.
E das roseiras do prado
Inundei-as nos perfumes
e pus-lhe dentro um bocado
de desvelos e ciúmes...
XII
À D. Virgínia Natividade
Morreu a linda criança,
esse teu filho adorado.
Bateu asas a esperança
do teu coração magoado!
Senhora, eu só imagino
a dor que te vai no peito,
vendo esse pobre menino
morto... num caixão estreito.
Morto! aquele que adoravas
como se adora algum mito;
ele, o sonho que sonhavas,
ele, tão casto e bonito.
Fitas-lhe o pálido rosto
outrora rosado e belo.
Que mágoas e que desgosto
não sentes de certo ao vê-lo.
O seu rostinho parece
um lindo e cândido lírio
que tristemente emudece
à marmórea luz de um círio.
Fechou as suas pupilas
às ilusões e às quimeras
batendo as asas tranquilas
para outras largas esferas.
Está, que a gente até pensa
que dorme um sonho de rosas.
Que celeste paz imensa
nas suas faces mimosas.
Porém deves resignar-te
pois a mãe de Jesus Cristo,
que me ensina a consolar-te,
teve um pesar nunca visto,
que os séculos vai perpassando,
um pesar muito mais fundo
porque Jesus morreu quando
mais útil era no mundo.
XIII
Vês o mar... Que bonitas vagas estas,
mas mesmo que bonitas estas vagas
que tu, e a sol e a Estrela d'Alva, alagas
de doce luz de fúlgidas arestas...
Moras ali naquela casa. Em festas
vês sempre os lindos pássaros que afagas
com puro olhar azul, e te embriagas
nesses cantos que ecoam nas florestas...
Tens no quintal mil trepadeiras brancas
que nas janelas vão subindo francas,
e um roseiral na fonte, e uma parreira....
Pudesse eu vir passar aí um dia,
já que não posso, aurora da alegria,
unir à tua a minha vida inteira!
XIV
A Luiz de Araújo
Por sobre as ondas do mar,
nessa verde imensidade
boia o pálido luar
da tua grande saudade,
dessa saudade infinita
por um bem que se foi embora
como uma branca avezita
por entre os lírios da aurora.
Por um bem que era a doçura
do teu peito – desse ninho
sempre aberto à iluminura
do vivo sol de um carinho.
Ela era uma ave gentil,
linda ave talvez nascida
em rósea manhã de Abril,
em rósea manhã florida.
Ave que todos os dias
gorjeava canções de amores:
canções cheias de harmonias,
cheias do aroma das flores.
Cada vez que os seus olhares
olharam-te piedosamente,
entornavam-se luares...
e tu, vendo-os, ternamente,
metias o seu clarão,
toda essa luz palpitante
lá dentro do coração,
do teu coração amante.
Em seus lábios ruborados
bem como frutos maduros,
pairavam risos cantados
prendendo os beijos mais puros.
O seu cabelo, cheirando
a jasmim-do-cabo e à rosa,
pelas espáduas flutuando
tinha uma graça radiosa
do meu ideal palpitante,
onde uma crença se aninha,
se prende como um diamante
no colar de uma rainha.
Seus olhos de rola vinda
de um luar largo e profundo,
possui um fulgor como ainda
não vi maior neste mundo.
Com seu olhar infinito,
Vejo-a sempre pura e bela
porque da casa que habito
se avista a casinha dela.
XV
Há muito tempo, morena,
gostas de ler o que escrevo,
esses meus versos, pequena,
cheios do aroma do trevo...
Dizes, a respeito deles,
umas coisas bem graciosas,
principalmente daqueles
que te mandei entre umas rosas.
Escrevi-os à frescura
de uma tarde em que nós dois
tínhamos perto a ventura
e... beijamo-nos depois.
Ora, assim que tu me fitas
perguntas se trago versos:
umas baladas bonitas,
alguns madrigais dispersos...
Bem te conheço, a alegria
que em tu'alma bate as asas,
numa profunda harmonia
com que meu peito transvazas.
Quando dás-me o braço e vamos
através dessas campinas
por onde nos verdes ramos
cantam aves peregrinas;
Quando vamos pela praia,
por esse branco caminho;
tu muito simples, de saia
branda como a flor do linho;
Quando falamos às flores
e as flores n'alma nos falam
como quem fala de amores
que as nossas crenças embalam,
sei que toda a natureza
sorri ao ver-nos passeando:
– tu, como oriental princesa,
e eu como poeta cantando,
cantando as frescas baladas
dos nossos vagos desejos,
nestas estrofes rimadas
com a carícia dos beijos...