Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Indeléveis, de Delminda Silveira


Edição de base:

Delminda Silveira de Sousa, Obra Completa, Org. de Lauro Junkes,

Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2009.

 

  

ÍNDICE

Indeléveis

Saudades

Sagrada missão

Sobre o lago

Na praia

O caçador

Confidência

O bosque

Folha de trevo

Carinhos

Esperança

No campo

Arroubos

Num dia de chuva

À Tarde

Sonho de amor

Naufrágio

Lamentos

Meditando

Ao mar

Mãe

Longevos

Fluxo bendito

Mãe preta

Meditando ao luar

Borboletas

O viajor da vida

À Cruz

Minha mãe

Saudades

Plenilúnio

Ave Maris Stella!

A consciência

Caridade

Glórias

Ao luar

Branca de neve

Deus-Menino

 

Indeléveis

Da juventude minha, fortes, vivos,

Indeléveis, fiéis, profundos traços,

Ecos dos sonhos meus, nos brandos laços

De simples versos tímidos, cativos;

Convosco, gratos sonhos redivivos

Da Poesia aos mágicos abraços,

Quero este Livro abrir, e dos regaços

D'alma soltar meus cantos expansivos.

Corações que sofrestes sem conforto,

Almas que um Ideal chorastes morto,

Como, perdido o meu, chorando o vi,

Eis o livro querido da minh'alma:

Buscai consolação, conforto, calma,

Nos Indeléveis que vos deixo aqui!

 

Saudades

(excerto)

"Tudo de ti me fala: este silêncio,

Este raio de sol que vem beijar-me,

Aquele azul do céu, a meiga hora

Que docemente soa como as notas

Dum canto de saudades...

Tudo de ti me fala! E, eu, só,

Eu, triste, pergunto ao sol, às brisas, ao silêncio

Onde és tu, onde és tu, amor dest'alma!

E a brisa passa, e o silêncio é mudo,

E o raio de sol que vem beijar-me

Langue arrefece, esmorecido morre!..

......................................................

Onde vaga o teu doce pensamento

Que o não sinto junto a mim pousar-se?

Embalde à linda estrela vespertina

Eu pergunto, se, além, nos Céus, acaso,

Errante o não encontra, entre essas nuvens

Que choram orvalhos sobre os brancos lírios,

Embalde!... A estrela volve à madrugada:

Se a interrogo, cândida, desmaia,

E os arrebóis em lágrimas se esfumam!..."

 

Sagrada missão

I

Morria a tarde, as auras suspiravam,

do nosso amor relendo as frases caras,

eu vi que minhas lágrimas amaras

da tua letra os traços apagavam.

Desses despojos tristes que restavam

das flores que em tua alma cultivaras,

juntei as pet'las delicadas, raras,

que as chamas logo em cinza transformavam.

E desci ao jardim; mais que outras flores,

saudades vi sem fim junto de amores,

por entre espinhos dum rosal sem rosas.

Aí, da terra nas entranhas frias

eu misturei o pó das alegrias

aos germens das saudades carinhosas.

II

Passou-se o tempo; brando sol morria,

eu voltei ao jardim dos meus amores;

mais que de rosas, mais que doutras flores,

meu jardim de saudades vestia.

Brancas e roxas da melancolia

estas mostravam os fundos amargores;

aquelas outras de mais leves cores

eram os sorrisos mortos de alegria.

Do nosso amor a cinza abençoada,

por meu amargo pranto fecundada

naquele instante de tristezas fora

E, ali, no meu canteiro predileto,

a memorar o nosso terno afeto,

— só de Saudades vê-se um horto agora.

 

Sobre o lago

— Vamos? Descamba o sol; vozes trementes

morrem à flor do prateado lago;

da mansa viração no brando afago

dobram nas margens os juncões viventes.

As verdes tramas dos cipós pendentes

Como cortinas no palácio mago,

num tom de sombras, merencório, vago,

descem até as ribas florescentes.

Vamos; meu terno coração deleita

Ver, na moldura de esmeraldas feita

que rodeia este espelho de cristal,

Aquelas garças brancas namoradas,

— almas de noivos junto a Deus pousadas,

— almas de poetas num retiro ideal.

 

Na praia

Por esta praia de alva e fina areia

onde o soberbo, túrbido oceano

pródigo entorna, a cada maré cheia,

tesouros de opulento soberano,

Essas conchinhas que ele aí semeia

como pétalas de rosas, altivo, ufano,

Vamos colhê-las; vamos que se alteia

da vaga o dorso do vento sul insano.

A noite cai... desmaia o ocaso lindo...

como este sol que vai do céu fugindo

lá nas profundas águas se esconder,

É esse amor da alma do poeta:

— sonho que vai dum coração de asceta

no fundo mar das lágrimas morrer!

 

O caçador

"— Não mates, não, a rósea colhereira

do velho tronco na raiz pousada;

ela tem coração... talvez amada,

viva no encanto da ilusão primeira,

Do carcomido tronco, alvissareira,

é ela a flor gentil abençoada:

ele vergou aos golpes da lestada,

ela ameiga-lhe a hora derradeira.

Oh! não a mates, não!... pensa que é crime

assim ferir um coração que exprime

tanto amor, tal meiguice e piedade!

Desvia o tiro o caçador, pensando

que ele, de amor, também vive sonhando,

numa doce ilusão de felicidade."

 

Confidência

Vem, tu, comigo pelo campo, e, vamos,

antes que o sol, doirando aquele outeiro,

venha, com setas d'ouro, prazenteiro,

novas flores abrir nos verdes ramos.

De amor toda delícia que sonhamos

neste inefável sonho feiticeiro

da Natureza ao despertar fagueiro

hemos de achá-la aqui onde a buscamos.

São corações plenos de mágoa e afetos

Essas boninas onde dormem insetos

de onde orvalhos caem e fogem aromas...

E da manhã a sussurrante calma

ouvirás o segredo da minh'alma

gemer, da mata no rumor das Comas!

 

O bosque

Vê como é linda a copa esmeraldina

daquele bosque de árvores frondosas.

Corimbos d'ouro de lilás e rosas

pendem da velha arcada bizantina.

A parasita agreste ali se inclina

revestida das flores perfumosas;

balançam trepadeiras graciosas

ao perpassar da brisa matutina.

Rompe a manhã; a Natureza esplende!

penetra a balsa, numa faixa d'ouro

a luz mimosa que o levante acende.

Lá, no trigal suavemente louro,

pássaros cantam, sob o véu que estende

o sol abrindo virginal tesouro.

 

Folha de trevo

Dos anos meus em vão te procurei

Pelo vergel em flor, folha mimosa;

Folha de trevo mística, preciosa,

Cruz de esmeraldas que a sonhar beijei.

Laboradoras mãos, alfim, cansei;

Triste, cansei meus olhos, ansiosa.

Perdi meus passos, sem te achar, formosa,

Entre o trifólio verde que encontrei!

Formam-te corações: por isso és bela;

Da cruz a forma tens que nos encanta,

És grato talismã, folha singela.

Oh! feliz quem, da mágoa que o quebranta,

Vê-te brilhar na túrbida procela

— Folha de trevo milagrosa e santa!

 

Carinhos

Eu te dizia assim: toda de branco,

Junto de ti, oh! meu artista amado,

Olhando o Céu azul e o mar lourado

Quando o sol doura da montanha o flanco,

Num jardim, entre rosas, tosco banco

que nos desse o repouso desejado,

E tu, pintor da Natureza, ao lado,

Enchendo a tela desse quadro franco:

O que mais desejas? Mas tu, sorrindo

Me respondeste: — E crês que ao teu artista

Prendesse o olhar aquele quadro lindo,

Quando junto de ti, contigo à vista,

Nos teus olhos teu doce amor fruindo,

Dum beijo só pensasse na conquista?...

 

Esperança

Desce do Céu e vem sempre que o pranto

Inunde corações na dor pungente;

Bem como a estrela da manhã nascente

Das trevas vem romper o negro manto.

Desce do Céu e vem trazer-me o encanto

Do teu sorriso ideal, beneficente;

Oh! vem dizer-me que esse Deus clemente

A cada dor tem um remédio santo.

Doce Esperança, vem! Contigo o mundo

Embora seja um caos, um mar profundo,

Um val'de pranto e dor, e desconforto,

Sempre terá, em meio dos horrores,

Risonho oásis de mimosas flores,

Um fanal, uma luz, um guia, um porto!

 

No campo

  

         

Ar perfumado por silvestres flores,

Sombras amenas de virentes franças,

Mil trepadeiras em viçosas tranças

De onde corimbos pendem, multicores;

Frutas e ninhos, ledos beija-flores

E borboletas, cantos de aves mansas,

Murmúrios d'água, tenras esperanças

No solo arado pelos lavradores:

Como tudo isto é grato e benfazejo!

Que instantes eu teria, deleitosos,

Nesse Éden onde vaga o meu desejo!

Onde eu quisera, em sonhos venturosos,

Feliz gozar quanto nos sonhos vejo,

E morrer a sonhar mais puros gozos!

 

Arroubos

O laranjal de flores branqueado

Delicioso abrigo me oferece;

Nessa gentil capela de noivado

Esqueço o mundo que de mim se esquece,

Escuto a voz de carinhosa prece...

Refrigerante ar passa aromado,

Num brilho d' ouro a mata resplandece,

São canções de amor, o sol é nado.

Na paz da solidão, à hora amiga,

Nesse mistério que meu ser abriga

Da fantasia nos doirados véus,

Minh'alma ascende ao plácido Infinito,

E no enlevo dum sonhar bendito,

Perto, mais perto sinto-me de Deus.

 

Num dia de chuva

Vem contemplar comigo a Natureza

Sob este véu de lágrimas espesso:

— Onde das rosas a gentil beleza?

— Onde o amor do beija-flor travesso?

A chuva cai em túrbido arremesso...

Do céu não vejo a ideal turquesa,

Terras e mar envoltos na tristeza...

Meu coração de mágoa e dor opresso...

Ninhos desfeitos, flores desfolhadas,

Aves fugindo, e o vento nas quebradas

A perpassar, nas frondes a gemer...

E tu, ó sol, não vens, meigo, piedoso

A ave, a flor, o ninho melindroso

Com teus afagos, tépido aquecer!

 

À Tarde

Ó bela Tarde, ó meiga inspiradora

dos versos meus do meu cismar saudoso,

vem reviver o sonho vaporoso

das minhas doces ilusões de outrora.

Bendita sejas tu, solene hora

de prece e amor, de lágrimas e gozo,

que da saudade o bálsamo piedoso

ao coração me vens trazer agora!

Vendo este Céu de rosa semeado,

de brancos crisântemos cheio o mar

e na terra os encantos dum noivado

Voa minh'alma em mágico sonhar

a um País ignoto, perfumado

onde se deve o meu Ideal achar.

 

Sonho de amor

Eu reclinando a fronte no teu peito,

dizia, na minh'alma embevecida:

"— Este é o homem que eu amo, o meu eleito,

deixa, deixa que assim se passe a vida!"

Se por teu coração compreendida

fora essa voz do meu amor perfeito,

ah! desse-mo esse longo abraço estreito

em que à tu'alma foi minh'alma unida!

Mas... ilusão!... esse inefável gozo

do Paraíso, no viver ditoso

dum ideal e místico transporte,

Um dia, cruelmente arrebatado

foi pelo sopro ríspido, gelado

da implacável, despiedada Morte!

 

Naufrágio

— Vamos, o Coração disse-me um dia,

de flores é o mar das Esperanças,

solta-me, irei por essas águas mansas

à região dos Sonhos, da Poesia.

Soltei-o: e bem feliz o conduzia

sem cogitar de súbitas mudanças;

sem ter saudades, sem levar lembranças

de melhor tempo, nem doutra alegria.

— Vagar! Vagar! — as ondas murmuravam;

lindas alcíones pelo ar passavam;

E todo Céu de rosas se enflorou.

Mas, súbito, escurece... ruge a vaga...

E bem distante da risonha plaga

O meu barquinho frágil naufragou!

 

Lamentos

Quase ruínas... triste, silencioso

Templo que glória foste doutros dias!

Flores, incenso, brilhos, harmonias,

O sonho foi dum porvir ditoso.

E quanta paz, e que sereno gozo

Naquelas puras, simples alegrias!...

Quanta esperança e fé nas romarias

dos peregrinos do Ideal formoso!...

Oh! como é triste!... Coração fechado,

Templo de amor agora abandonado,

no silêncio das grandes solenidades,

— Romeiro do passado, à tua porta,

venho chorar minha esperança morta,

venho depor um ramo de saudades!

 

Meditando

Vejo este mar profundo e majestoso,

Ora, sereno, ora, embravecido,

Ora lambendo a praia, carinhoso,

Ora a cuspir-lhe a espuma enraivecido;

Ouço-lhe as vagas em feroz bramido,

Ouço-lhe as ondas em rumor queixoso,

E nele vejo o Céu de azul vestido

Ou da procela o manto lutuoso;

E, vendo-o, cismo, e recolhida penso:

— Oh! como se assemelha ao mar imenso

Esse outro mar a que chamamos vida!...

E parece-me ver a Mão divina

Que nos sustenta, nos aponta e ensina

O porto onde a Esperança tem guarida.

 

Ao mar

Bem sei, ó mar, bem sei porque suspiras,

Assim, às vezes, tão saudoso e brando,

E porque, vezes outras, rebramando,

Em nívea espuma teu furor atiras.

— Louco! — louco infeliz aceso em iras,

Tântalo és à dura Terra amando,

Que a fria areia, em vão, sempre beijando,

Ora de raiva, ora de Amor deliras!

Não sabes tu que um dia, quando Deus

A Luz criou, o vasto Mundo e os Céus,

Quis, da porção terráquea, separar-te?

E o sol fecundo a Terra desposou

Numa efusão que o Eterno abençoou

— A esposa doutro rei não pode amar-te!

 

Mãe

No próprio lar a vi, meiga, singela,

pelos filhinhos tenros rodeada,

lembrava a Virgem Mãe Imaculada

no Santuário de gentil capela.

Oh! nunca eu vira da Madona bela

cópia mais pura e fiel esculturada,

nem, jamais, sobre altar emoldurada

de diamantes, em preciosa tela...!

Loiros anjinhos de rosadas faces,

— Celestes querubins lindos vivazes,

lhe davam beijos, lhe atiravam flores;

E ela sorria, o Céu azul fitando,

nesse sorriso que a divinizando,

faz, da mulher, o anjo dos amores.

 

Longevos

De muito longe vêm, colhendo amores,

a Primavera os viu por verdes prados;

depois, de doces frutos carregados

tinham os braços que trouxeram flores.

Agora o sol se põe; os esplendores

vão-se apagando em flóculos nevados;

mas os seus corações bem conchegados

não sentem os hibérnicos rigores,

Gratas recordações de almo passado

abrem o cofre pelo amor selado,

onde rebrilha mágico tesouro;

E dum gozo ideal, então, repletos,

entre os filhos, netos e bisnetos

— eles celebram suas Bodas de Ouro.

 

Fluxo bendito

Um dia, quando as lises da inocência

Cingiam ainda minha fronte pura,

Nesse conchego doce da ternura

dum anjo bom, meu guia na existência:

— "Minha mãe!" eu lhe disse na cadência

dessa frase tão cheia de doçura;

"eu sonhei que a uma pobre criatura

dera o meu pão, pensara-lhe a indigência..."

Então ela beijando-me e sorrindo,

como cercado dum reflexo lindo,

exclama: "oh! filha cara, eis a verdade:

Diz-me o teu sonho que a tu' alma é bela,

e que bem cedo desabrocha nela

uma flor que eu plantei: a Caridade!"

 

Mãe preta

— Mãe preta! imagem fiel de afetos e respeito;

Grata recordação de ternura e saudade!

Também a conheci... também na tenra idade

Senti do seu carinho o salutar efeito.

Junto ao meu berço a vi... junto ao virgíneo leito

Onde os sonhos frui da leda mocidade,

Essa alma nobre e meiga, esse anjo de bondade

Velava o sono meu, de mãe com terno jeito.

Um dia extinta a vi... chorei amargamente..

Meu coração partido àquela dor pungente,

Em duas partes foi, quase uma à outra igual:

Numa, viva ficou-me, eternamente bela,

A mais doce lembrança... era a imagem dela,

Tão santa qual na outra o santo Amor filial!

 

Meditando ao luar

Há quantos séculos já, plácida, airosa,

esta lua, esta mesma, peregrina,

por esses bosques, prados e colinas

estender vem seu véu de luz mimosa!

E ainda, quantas vezes, tão saudosa

a vagar pela abóbada azulina,

a serra, o vale, a fonte cristalina

hão de assim vê-la, pálida e formosa!

Passam as gerações, passam-se as eras,

Nascem, morrem, revivem primaveras

Vêm e vão-se o estio, outono, inverno,

E prossegue em seu curso a Natureza

atentando em prodígios de beleza

o grão poder de um Ser divino, eterno!

 

Borboletas

Entre botões de rosas desbrochantes

Elas vão-se, elas vêm desocupadas,

De aromas e doçura embriagadas,

ao sol abrindo as asas palpitantes.

Sobre a relva cintilam diamantes,

Rubis, topázios, verdes esmeraldas;

E as borboletas voam fascinadas,

De flor em flor, ligeiras inconstantes.

Assim, no peito, a rubra flor humana

Abre, da esperança que a engana,

Aos sonhos de dulcíssima ilusão.

Mas como as borboletas irisadas

Vão-se também as ilusões douradas,

Espinhos só restando ao coração.

 

O viajor da vida

Turbado e triste o olhar, pendida enuviada

a fronte, incerta o passo, a caminhar sem Norte,

seguia o viajor da vida pela estrada

abrupta e fatal, que lhe traçara a sorte.

Que imensa solidão sem nada que o conforte!

Parar... mas, para o quê?... prossegue a caminhada:

impele-o o turbilhão (é força que o suporte)

ao mundo sem piedade, à vida amargurada!

Mas... súbito, parou!... Consoladora e pura,

avista no sarçal, mostrando-lhe a ventura,

os risos, a esperança — uma singela flor.

Sorriu-se o viageiro ... e a alma sequiosa

no seio virginal da terna flor mimosa

encontra alfim o mel do mais perfeito amor!

 

À Cruz

Ó Cruz piedosa! — Símbolo bendito

— das mágoas todas, Símbolo que adora,

tu que nos campos te ergues dos que choro

e a cuja sombra tímida medito,

Deixa do meu coração saudoso e aflito

pelas lembranças ternas que deploro,

verter o pranto com que a dor minoro

desta saudade vinda do Infinito!

Recebe, nos teus braços estendidos

onde os orvalhos lá do Céu descidos

Vêm pousar, ao cair da noite calma,

Recebe nessas horas carinhosas,

as doloridas lágrimas saudosas

que tristes vêm dos seios da minh'alma!

 

Minha mãe

(saudades)

Lembro teu santo amor, lembro a doçura

dos teus carinhos, dos desvelos teus;

meu prazer, meu sorriso, encantos meus,

flores da minha primavera pura.

Lembro-me, após os dias de amargura

sem ti — oh! que penar atroz, meu Deus!...

Bela vejo-te sempre lá nos Céus

Mas me falta no lar tua ternura...

— Minha mãe! Minha mãe!... Que imenso afeto

do coração te guardo no sacrário

de saudades e lágrimas repleto!

Oh! minha mãe!... e nesse santuário

geme a minh'alma o salmo predileto

de muito amor num mundo solitário!...

 

Saudades

À saudosa memória de Julieta de Mello Monteiro,

para sua extremosa irmã querida Revocada de Mello.

Ó pungitiva, intérmina saudade

das minhas tristes horas companheira,

voz do passado, desde a dor primeira

a ecoar na minha soledade!

Vem trazer-me o conforto à ansiedade

em que me deixou a morte traiçoeira

Meu coração, a minha vida inteira

a última flor ceifando d'Amizade!

Bendito sejas tu, consoladora,

terna saudade! Pungitiva, embora,

nos sonhos, vens, acalentar-me a dor!

Entre as flores, tu és a Flor do poeta:

Saudades, vinde o túmulo de Julieta

Cobrir nos sonhos do fraterno Amor!

 

Plenilúnio

Do ocaso arrebol pouco a pouco desmaia

A natureza dorme; é do silêncio a hora.

Marinha viração o mar sereno enflora

De espúmeas ondas que lhe vão morrer à praia.

Um véu de argêntea luz por Céus e terra espraia

O plenilúnio qual mimoso alvor de aurora;

De um penedo à sombra alva barquinha ancora,

E de saudade um canto o marinheiro ensaia.

Lá na amplidão azul a lua confidente

Dos noivados de Amor, pela noite silente

Derrama em doce luz os filtros da Poesia.

A alma sonhadora em cismas adormece

E da saudade a dor que os sonhos entristece

Repassa o coração de intensa nostalgia.

 

Ave Maris Stella!

Alta noite, no mar, das brumas o sudário

Lento, lento a cair, estende-se gelado,

E dum navio audaz o negro vulto ousado

Envolve no lençol espesso, mortuário.

O vento a sibilar no campo solitário,

Do chão undoso vem, e sobe arrebatado

Aos mastros, a uivar indômito, enraivado

Como leão feroz, temível, sanguinário.

Para a intrépida nau, sem rumo, sem lanterna...

Voz de comando soa, e, meiga, doce, terna,

Brada, cheia de fé uma voz de criança:

— "Valei-nos, Mãe do Céu!" — O dia nasce agora,

E a estrela da manhã no leve azul d'aurora

Brilha, — imagem fiel da Virgem da bonança.

 

A consciência

Da noite no silêncio, em fundo meditar,

Do seio do culpado uma voz se levanta

E acusadora diz: — "Fizeste mal; a santa,

Pura Lei do Senhor ousaste postergar."

Que voz é essa, assim, tão grave a exprobrar

Aquela dura ação que causa pena tanta?...

— Voz de Juiz que ao réu o ânimo quebranta,

E na mudez da noite a alma faz chorar!

Aquele Deus que disse à ingrata humanidade,

— "Amai-vos ―; praticai a doce caridade,

Velai por vosso irmão na dor e na indigência,"

— Espírito de Amor, — penetra o coração,

A mente acende a luz bendita da razão,

E faz vibrar no peito a voz da Consciência.

Janeiro de 1925

 

Caridade

Tu, do divino Amor, raio de luz descido

Ao humano coração para o encher de graças,

Aura celeste que por toda terra passas

Levando para o Céu das dores o gemido;

Flagrante, branco lírio aos pés da Cruz nascido,

Não temes da tormenta horrendas ameaças,

Ao sagrado Madeiro a branda haste enlaças

Da dolorosa Mãe nas lágrimas ungido.

Amável Caridade! excelsa companheira

Da Fé e da Esperança! — à hora derradeira,

Feliz de quem no mundo o teu conforto achou!

Jesus, ao expirar no cimo do Calvário,

Dos brandos corações fez pios santuários

Aonde a Caridade — Hóstia de Amor — guardou!

 

Glórias

Glórias... glória de heróis que suplantaram

Inimigas falanges aguerridas;

São teus troféus os louros que murcharam,

O pó e cinza de milhões de vidas.

Glória do rico a pompa esvaecida

Da dor nas tristes horas que chegaram,

Ai! de tanto esplendor só lhe restaram

A cinza, o pó das ilusões perdidas!

Uma glória, porém, há que perdura:

É do talento a luz serena e pura;

Nem da morte a desfaz o sopro rude.

Mas a mais bela glória, a mais brilhante

É aquela que a alma triunfante

Vai receber em prêmio da Virtude!

Outubro de 1925

 

Ao luar

Era já noite; plácida surgia,

detrás do serro, a lua majestosa;

uma voz meiga e triste, carinhosa,

das flores nos perfumes se expandia.

Sons de viola a viração trazia

Juntos às notas da canção maviosa;

e a Natureza quieta, preguiçosa,

da paz nos braços, grata adormecia.

E como bênção divinal, serena,

plena de graças, de doçuras plena

ia o luar suavíssimo descendo,

no seu manto de luz maravilhosa

uma casinha rústica, ditosa,

do sonho nos mistérios envolvendo.

 

Branca de neve

És a mais linda flor — rosa Branca de neve

Noiva pálida assim só minha irmã querida,

Eu vi, num leito azul, extinta para a vida,

Extinta para o amor que aqui na terra teve.

Rosa branca gentil, tua existência breve

Qual a da virgem foi a campo recolhida;

Ela do beijo letal da Morte adormecida,

E tu, da viração desfeita ao sopro leve.

Rosa branca de Amor, mas esse teu perfume,

Essa alma de flor que, em si, toda resume

Do amante coração a fé que não morreu,

Como a essência imortal, divina da nossa alma

Do eterno sono após, também na doce calma

Numa espiral de luz terá subido ao Céu?

 

Deus-menino

Tão pequenino, imbele e delicado

Tão grande e forte, excelso e poderoso!

Ele! — o Menino Deus! — Oh! portentoso

Mistério divinal: — Deus humanado!...

Ali humilde e pobre —, o Desejado,

Entre os humildes foi buscar repouso;

Mas qu'esplendor o cerca majestoso...

É meia noite, e o sol parece nado!

A terra era um altar, um sólio ingente

De onde d'Universo o Rei potente

Do Eterno a Glória desdobrava em Luz!

Era a Bênção Divina do Criador

Que ao mundo ingrato dava um Redentor,

Dando-lhe a vida, dando-nos Jesus!