Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Música do Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira


Edição de referência:

Poesia Completa. Introd., org. e fixação de texto de Adma Muhana.

São Paulo: Martins, 2005.

MUSICA

DO

PARNASSO

DIVIDIDA EM QUATRO COROS

DE RIMAS

PORTUGUESAS, CASTELHA-.

nas, Italianas, & Latinas.

COM SEU DESCANTE COMICO REDUSI

do em duas comedias,

OFFERECIDA

AO EXCELLENTISSIMO SENHOR DOM NUNO

Alvares Pereyra de Mello, Duque do Cadaval, &tc.

E ENTOADA

PELO CAPITAM MOR MANOEL BOTELHO

de Oliveyra, Fidalgo da Caza de Sua

Magestade.

LISBOA.

Na Officina de MIGUEL MANESCAL, Impressor do

Santo Officio, Anno de 1705.

ÍNDICE

Dedicatória

Prólogo ao leitor

Licenças do Santo Ofício

Primeiro coro de rimas portuguesas em versos amorosos de Anarda

Sonetos

Madrigais

Décimas

Redondilhas

Romances

Versos vários que pertencem ao primeiro coro das rimas portuguesas escritos a vários assuntos

Sonetos

Oitavas

Canções várias

Silva à Ilha da Maré

Romances

Segundo coro das rimas castelhanas em versos amorosos da mesma Anarda

Sonetos

Canções

Madrigais

Décimas

Romances

Versos vários que pertencem ao segundo coro das rimas castelhanas, escritas a vários assuntos

Sonetos

Canções

Romances vários

Terceiro coro das rimas italianas

Sonetos

Madrigais

Quarto coro das rimas latinas

Heróicos

Epigramas

Apêndice

Lira sacra

Dedicatória

Prólogo ao leitor

Sonetos [a Nossa Senhora]

Sonetos da vida de Cristo até sua divina ascenção

Sonetos a vários santos

Sonetos aos doze apóstolos

Oitavas

Décimas

Romances

Romances castelhanos

 

Ao Excelentíssimo

Senhor D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Du­que do Cadaval, Marquês de Ferreira, Conde de Tentúgal, Alcaide-mor das Vilas e Castelos de Olivença, e Alvor. Senhor das Vilas de Tentúgal, Buarcos, Vila Nova Dansos, Rabaçal, Alvaiazere, Penacova, Mortágua, Ferreiradaves, Cadaval, Cer­cal, Peral, Vilaboa, Vilarruiva, Albergaria, Água de Peixes, Mujem, Noudar e Barrancos: Comenda­dor das Comendas de Grândola, Sardoal, Eixo, Morais, Marmeleira, Noudar e Barrancos. Dos Conselhos de Estado, e Guerra, e do despacho de mercês, e expediente. Mestre-de-campo, Gene­ral da Corte, e Província da Estremadura junto à pessoa de Sua Majestade, Capitão-general da Ca­valaria da mesma Corte, e Província da Estrema­dura junto à pessoa de Sua Majestade, Capitão-general da Cavalaria da mesma Corte, e Provín­cia, Presidente do Desembargo do Paço etc.

Célebre fez em Fócio ao Monte Parnasso o ter sido das musas domicílio, mas se nisto teve a fortuna de ser talvez o primeiro, não faltou quem lhe tirasse a de ser único. Essa queixa pode formar da famosa Grécia, para cujas interiores províncias se passaram as musas com tanto em­penho, como foi o que tiveram em fazer aque­le portento da sua Arte, o insigne Homero, cujo poema eternizou no Mundo as memórias da sua pena e do seu nome. Transformou-se Itália em uma nova Grécia, e assim, ou se passaram outra vez de Grécia, ou de novo renasceram as mu­sas em Itália, fazendo-se tão conaturais a seus engenhos, como entre outros o foram no do fa­moso Virgílio e elegante Ovídio, os quais, vulga­rizada depois, ou corrupta a língua latina, na mesma Itália se reproduziram no grande Tasso e delicioso Marino, poetas que entre muitos flo­resceram com singulares créditos e não meno­res estimações. Ultimamente se transferiram para Espanha onde foi e é tão fecunda a cópia de poetas, que entre as demais nações do Mundo parece que aos espanhóis adotaram as musas por seus filhos, entre os quais mereceu o culto Gôngora extravagante estimação, e o vastíssimo Lope aplauso universal; porém em Portugal, ilus­tre parte das Espanhas, se naturalizaram, de sor­te que parecem identificadas com os seus patrí­cios; assim o testemunham os celebrados poe­mas daquele lusitano Apoio, o insigne Camões, de Jorge Monte-Maior, de Gabriel Pereira de Cas­tro, e outros que nobilitaram a língua portugue­sa com a elegante consonância de seus metros.

Nesta América, inculta habitação antigamen­te de bárbaros índios, mal se podia esperar que as Musas se fizessem brasileiras; contudo quise­ram também passar-se a este empório, aonde como a doçura do açúcar é tão simpática com a suavidade do seu canto, acharam muitos enge­nhos, que imitando aos poetas de Itália, e Espa­nha, se aplicassem a tão discreto entretenimento, para que se não queixasse esta última parte do mundo que, assim como Apoio lhe comunica os raios para os dias, lhe negasse as luzes para os entendimentos. Ao meu, posto que inferior aos de que é tão fértil este país, ditaram as Mu­sas as presentes rimas, que me resolvi expor à publicidade de todos, para ao menos ser o pri­meiro filho do Brasil que faça pública a suavida­de do metro, já que o não sou em merecer ou­tros maiores créditos na Poesia.

Porém encolhido em minha desconfiança, e temeroso de minha insuficiência, me pareceu logo preciso valer-me de algum herói, que me atentasse em tão justo temor, e me segurasse em tão racionável receio, para que nem a obra fos­se alvo de calúnias, nem seu autor despojo de Zoilos, cuja malícia costuma tiranizar a ambos, mais por impulso da inveja, que por arbítrio da razão: para segurança, pois destes perigos soli­cito o amparo de Vossa Excelência, em quem venero relevantes prerrogativas para semelhan­te patrocínio; porque se é próprio de príncipes o amparar a quem os busca, Vossa Excelência o é não menos na generosidade de seu ânimo, que na regalia de seu sangue, com cuja tinta trasla­dou em Vossa Excelência a natureza o exemplar das heróicas prendas de seus ilustríssimos progenitores, de quem como águia legítima não de­generou a Sua Soberania: a Vossa Excelência ve­nera o estado do Reino por Conselheiro o mais político, pois assim sabe nele propor as dificul­dades, e investigar os meios. A Vossa Excelên­cia faz o nosso sereníssimo Monarca árbitro dos negócios mais árduos, e arquivo dos segredos mais íntimos, repartindo, ou descansando em generoso Atlante o grande peso de toda a esfera lusitana; nela re­conhecem a Vossa Excelência por luminar, ou astro mui benéfico, tantos quantos são os que participam das continuadas influências de sua grandeza, a qual como logra propriedades de Sol, a todos alcança com seus benignos influxos; assim o experimentam tantas viúvas, a quem Vossa Excelência socorre compassivo, tantas don­zelas a quem dota liberal, tantas mulheres que têm o título de visitadas, a quem se não visita sua pessoa, remedeia todos os meses sua muni­ficência, sendo esta em Vossa Excelência tão fe­cunda, como o mostram outras muitas esmolas, que por sua mão faz, além das que em trigo, e dinheiro, todo o ano reparte por seu esmoler e pároco, que são dois contínuos aquedutos, pe­los quais perenemente corre a fonte de sua li­beralidade; a esta dá Vossa Excelência muito maiores realces, quando tão pia e profusamen­te a exercita com o sagrado, ornando e enrique­cendo os templos, especialmente o em que foi batizado, a quem consignou todos os anos co­piosa côngrua para seu culto, favorecendo com toda a grandeza as comunidades, provendo com larga mão as Religiões do que necessitam, como o confessa a Seráfica Família do grande Patriar­ca São Francisco, e dando aos conventos pobres das religiosas vestiaria para todas, sendo a sua caridade como fogo, que nunca diz basta para dar, enquanto acha necessidades que socorrer; esta lhe conciliou a Vossa Excelência o renom­bre de Pai da Pobreza, título entre os muitos que logra o mais ilustre, pois tanto o assemelha ao mesmo Deus, que por ser o sumo Bem, sempre se está comunicando a todos.

Mas como nos astros não só há influxos, se­não também luzes, os brilhantes reflexos das de Vossa Excelência bem se viram em todos os tri­bunais deste Reino, que foram os iluminados zodíacos, onde giraram tanto tempo seus res­plandores: aqui luziu a sua justiça com raios sem­pre diretos, porque nunca houve coisa que pu­desse torcer, nem ainda inclinar a sua retidão: aqui brilhou o seu zelo com luzes tão vivas, que nada pode diminuir sua eficácia, nem res­friar o intenso de sua atividade, sendo em Vos­sa Excelência este zelo tão geral e pronto para todas as matérias tocantes ao bem do Reino, que por causa deste o levou no tempo presente dos tribunais aos exércitos, e da corte para a campa­nha, na qual se houvera mais, ou maiores oca­siões para a peleja, o admiráramos todos vivo retrato daquele famoso Marte lusitano, o Se­nhor Nuno Álvares Pereira, de quem Vossa Ex­celência herdou o valor com o nome, e com o sangue a generosidade, e ficara conhecendo o mundo como na paz e na guerra era Vossa Ex­celência sempre César.

Bem certificado estava de seu marcial âni­mo, e militar ciência o nosso Sereníssimo Mo­narca, pois em sábado 4 de outubro lhe encar­regou o governo da primeira linha do exército, para que dirigisse a marcha dele ao sítio que se pretendia, empresa tão difícil em si, como pelas circunstâncias para Vossa Excelência gloriosa, porque obedecendo com pronto rendimento à real vontade e encarregando-se com singular prudência desta ação, que Sua Majestade lhe fiara, fez marchar o exército com tão admirável ordem, que todos os cabos nacionais e estran­geiros concorreram a dar-lhe os parabéns do acerto com que Vossa Excelência desempenhou felizmente o bom sucesso, que nesta empresa se desejava: bem conheceram a Vossa Excelên­cia por herói capaz e digno de outras maiores as Majestades ambas, pois na bataria, que se fez no Porto de Águeda em sete de outubro, ven­do-o livre das balas do inimigo, especialmente de uma que lhe chamuscou a anca e cauda do cavalo, em que andava montado, não podendo dissimular o seu júbilo, davam também multi­plicados parabéns a Vossa Excelência de esca­par a tantos perigos, em que o meteu o seu va­lor, e de que o livrou a Providência Divina, fa­vor bem merecido da piedade com que Vossa Excelência socorria na campanha aos soldados com tão repetidas esmolas, escudos fortíssimos que o defendem nos maiores apertos da terra, ao mesmo tempo que lhe servem de poderosas armas, com que Vossa Excelência está conquis­tando o céu. Mais pudera dizer de outras mui­tas heróicas ações, relevantes prendas e singu­lares virtudes de Vossa Excelência, se este epi­logado papel fora capaz de tanto empenho; po­rém, como nele não cabe a multiplicidade de tantos títulos, quantos as acreditam, seria teme­ridade querer recopilar um mar imenso em tão limitada concha, e copiar figura tão agigantada em um quadro tão pequeno, guarde Deus a pes­soa de Vossa Excelência por dilatados e felicís­simos anos para glória de Portugal.

De Vossa Excelência,

Menor súdito,

MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA

 

PRÓLOGO AO LEITOR

Estas Rimas, que em quatro línguas estão compostas, ofereço neste lugar, para que se en­tenda que pode uma só Musa cantar com diver­sas vozes. No princípio celebra-se uma dama com o nome de Anarda, estilo antigo de alguns poetas, porque melhor se exprimem os afetos amorosos com experiências próprias: porém, por que não parecesse fastidioso o objeto, se agre­garam outras rimas a vários assuntos: e assim como a natureza se preza da variedade para for­mosura das coisas criadas, assim também o en­tendimento a deseja, para tirar o tédio da lição dos livros. Com o título de Música do Parnasso se quer publicar ao Mundo: porque a Poesia não é mais que um canto poético, ligando-se as vozes com certas medidas para consonância do metro.

Também se escreveram estas Rimas em qua­tro línguas, porque quis mostrar o seu autor com elas a notícia, que tinha de toda a Poesia, e se estimasse esta obra, quando não fosse pela ele­gância dos conceitos, ao menos pela multiplici­dade das línguas. O terceiro e quarto coro das Italianas e Latinas estão abreviados, porque além desta composição não ser vulgar para todos, bas­tava que se desse a conhecer em poucos versos. Também se acrescentaram duas Comédias, para que participasse este livro de toda a composição poética. Uma delas, Hay amigo para amigo, an­da impressa sem nome. A outra, Amor, Engaños, y Celos, sai novamente escrita: e juntas ambas fazem um breve descante aos quatro coros. Se te parecerem bem, terei o louvor por prêmio de meu trabalho; se te parecerem mal, ficarei com a censura por castigo de minha confiança.

 

LICENÇAS DO SANTO OFÍCIO

Vistas as informações, pode se imprimir o li­vro, de que esta petição trata, e impresso tornará para se conferir, e dar licença que corra, e sem ela não correrá. Lisboa, 19 de julho de 1703.

Carneiro. Moniz. Frei Gonçalo. Hasse. Mon­teiro. Ribeiro.

Pode-se imprimir o livro, de que esta peti­ção trata, e impresso tornará para se dar licença para correr. Lisboa, 14 de outubro de 1703.

Frei Pedro, Bispo de Bona.

LICENÇA DO PAÇO

Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Ofício, & Ordinário, e depois de impresso tornará à Mesa para se conferir, e taxar e sem isso não correrá. Lisboa, 20 de outubro de 1703.

Oliveira. Azevedo.

Taxam este livro em trezentos e cinqüenta réis. Lisboa, 27 de fevereiro de 1705.

 

PRIMEIRO CORO DE RIMAS PORTUGUESAS EM VERSOS AMOROSOS DE ANARDA

 

SONETOS

ANARDA INVOCADA

Soneto I

Invoco agora Anarda lastimado

Do venturoso, esquivo sentimento:

Que quem motiva as ânsias do tormento,

É bem que explique as queixas do cuidado.

Melhor Musa será no verso amado,

Dando para favor do sábio intento

Por Hipocrene o lagrimoso alento,

E por louro o cabelo venerado.

Se a gentil formosura em seus primores

Toda ornada de flores se avalia,

Se tem como harmonia seus candores;

Bem pode dar agora Anarda impia

A meu rude discurso cultas flores,

A meu plectro feliz doce harmonia.

PERSUADE A ANARDA QUE AME

Soneto II

Anarda vê na estrela, que em piedoso

Vital influxo move amor querido,

Adverte no jasmim, que embranquecido

Cândida fé publica de amoroso.

Considera no Sol, que luminoso

Ama o jardim de flores guarnecido;

Na rosa adverte, que em coral florido

De Vênus veste o nácar lastimoso.

Anarda pois, não queiras arrogante

Com desdém singular de rigorosa

As armas desprezar do Deus triunfante:

Como de amor te livras poderosa,

Se em teu gesto florido e rutilante

És estrela, és jasmim, és Sol, és rosa?

PONDERAÇÃO DAS LÁGRIMAS DE ANARDA

Soneto III

Suspende, Anarda, as ânsias do alvedrio,

Quando a fortuna cegamente ordena

Essa dor, que dilatas pena a pena,

Esse aljôfar, que vertes fio a fio.

Se és dura rocha no rigor impio,

Se és brilhadora luz na fronte amena;

A triste chuva de cristais serena,

Da sucessiva prata embarga o rio.

Mas ai, que não depões o sentimento,

Para que em ti padeça rigor tanto,

Se tens meu coração no peito isento.

De sorte, pois, que no amoroso encanto

Avivas em teu peito o meu tormento,

Derramas por teus olhos o meu pranto.

SOL, E ANARDA

Soneto IV

O Sol ostenta a graça luminosa,

Anarda por luzida se pondera;

O Sol é brilhador na quarta esfera,

Brilha Anarda na esfera de formosa.

Fomenta o sol a chama calorosa,

Anarda ao peito viva chama altera,

O jasmim, cravo, e rosa ao Sol se esmera,

Cria Anarda o jasmim, o cravo, e rosa.

O Sol à sombra dá belos desmaios,

Com os olhos de Anarda a sombra é clara,

Pinta Maios o Sol, Anarda Maios.

Mas (desiguais só nisto) se repara

O Sol liberal sempre de seus raios,

Anarda de seus raios sempre avara.

MOSTRA-SE QUE A FERMOSURA ESQUIVA

NÃO PODE SER AMADA

Soneto V

A pedra Ímã, que em qualidade oculta

Naturalmente atrai o ferro impuro,

Se não vê do diamante o lustre puro,

Prende do ferro a simpatia inculta.

Porém logo a virtude dificulta,

Quando se ajunta c'o diamante duro:

Que um ódio até nas pedras é seguro,

Que até nas pedras uma inveja avulta.

Prendendo pois com atração formosa

A formosura, qual Ímã se aviva,

É diamante a dureza rigorosa;

Aquela junta com a dureza esquiva,

Não logra a simpatia de amorosa,

Perde a virtude logo de atrativa.

IRAS DE ANARDA CASTIGADAS

Soneto VI

Do cego Deus, Anarda, compelido

Vejo teu rosto, e digo meu tormento;

Digo para favor do sentimento,

Vejo para recreio do sentido;

As rosas de teu rosto desabrido,

De teus olhos o esquivo luzimento;

Este fulmina logo o raio isento

Estas espinham logo ao Deus Cupido.

Porém para experiências amorosas,

Quando de amor as ânsias atropelas,

As perfeições se mudam deslustrosas:

Porque tomando amor vingança delas,

Nos rigores te afeia as lindas rosas,

Nas iras te escurece as luzes belas.

VENDO A ANARDA DEPÕE O SENTIMENTO

Soneto VII

A Serpe, que adornando várias cores,

Com passos mais oblíquos, que serenos,

Entre belos jardins, prados amenos,

É maio errante de torcidas flores;

Se quer matar da sede os desfavores,

Os cristais bebe co'a peçonha menos,

Porque não morra c'os mortais venenos,

Se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,

Na sede ardente do feliz cuidado

Bebe c'os olhos teu cristal fermoso;

Pois para não morrer no gosto amado,

Depõe logo o tormento venenoso,

Se acaso gosta o cristalino agrado.

CEGA DUAS VEZES, VENDO A ANARDA

Soneto VIII

Querendo ter Amor ardente ensaio,

Quando em teus olhos seu poder inflama,

Teus sóis me acendem logo chama a chama.

Teus sóis me cegam logo raio a raio.

Mas quando de teu rosto o belo Maio

Desdenha amores no rigor que aclama,

De meus olhos o pranto se derrama

Com viva queixa, com mortal desmaio,

De sorte, que padeço os resplandores,

Que em teus olhos luzentes sempre avivas,

E sinto de meu pranto os desfavores

Cego me fazem já com ânsias vivas

De teus olhos os sóis abrasadores,

De meus olhos as águas sucessivas.

RIGORES DE ANARDA NA OCASIÃO

DE UM TEMPORAL

Soneto IX

Agora o Céu com ventos duplicados,

E com setas de prata despedidas,

Se enfurece com nuvens denegridas,

E se irrita com golpes fulminados.

Quando Anarda em tormentos desprezados

Fulmina nas finezas padecidas

Os raios dos rigores contra as vidas,

As nuvens dos desdéns contra os cuidados.

Mas ũa, e outra tempestade encerra

Diverso mal nas amorosas calmas,

Ou quando forma da borrasca a guerra:

Porque perdendo Amor ilustres palmas,

Aquela é tempestade contra a terra,

Mas esta é tempestade contra as almas.

PONDERAÇÃO DO ROSTO,

E OLHOS DE ANARDA

Soneto X

Quando vejo de Anarda o rosto amado,

Vejo ao Céu, e ao jardim ser parecido;

Porque no assombro do primor luzido

Tem o Sol em seus olhos duplicado.

Nas faces considero equivocado

De açucenas, e rosas o vestido;

Porque se vê nas faces reduzido

Todo o Império de Flora venerado.

Nos olhos, e nas faces mais galharda

Ao Céu prefere quando inflama os raios,

E prefere ao jardim, se as flores guarda:

Enfim dando ao jardim, e ao Céu desmaios,

O Céu ostenta um Sol; dois sóis Anarda,

Um Maio o jardim logra; ela dois Maios.

NÃO PODENDO VER A ANARDA

PELO ESTORVO DE ŨA PLANTA

Soneto XI

Essa árvore, que em duro sentimento,

Quando não posso ver teu rosto amado,

Opõe grilhões amenos ao cuidado,

Verdes embargos forma ao pensamento;

Parece que em soberbo valimento,

Como a vara do próprio, que há logrado,

Dando essa glória a seu frondoso estado,

Nega essa glória a meu gentil tormento.

Porém para favor dos meus sentidos

Essas folhas castiguem rigorosas,

Os teus olhos, Anarda, os meus gemidos.

Pois caiam, sequem pois folhas ditosas,

Já de meus ais aos ventos repetidos,

Já de teus sóis às chamas luminosas.

PONDERAÇÃO DO TEJO COM ANARDA

Soneto XII

Tejo formoso, teu rigor condeno,

Quando despojas altamente impio

Das lindas plantas o frondoso brio,

Dos férteis campos o tributo ameno.

Nas amorosas lágrimas, que ordeno,

Porque cresças em claro senhorio,

Corres ingrato ao lagrimoso rio,

Vás fugitivo com desdém sereno.

Oh como representa o desdenhoso

Da bela Anarda teu cristal ativo,

Neste, e naquele efeito lastimoso!

Em ti já vejo a Anarda, ó Tejo esquivo,

Se teu cristal se ostenta rigoroso,

Se teu cristal se mostra fugitivo.

AO SONO

Soneto XIII

Quando em mágoas me vejo atribulado,

Vem, sono, a meu desvelo padecido,

Refrigera os incêndios do sentido,

Os rigores suspende do cuidado.

Se no monte Cimério retirado

Triste lugar ocupas, te convido

Que venhas a meu peito entristecido,

Porque triste lugar se tem formado.

Se querem noite escura teus intentos,

E se querem silêncio; nas tristezas

Noite, e silêncio têm meus sentimentos:

Porque triste, e secreto nas ternezas,

É meu peito ũa noite de tormentos,

É meu peito um silêncio de finezas.

ANEL DE ANARDA PONDERADO

Soneto XIV

Esse vínculo, Anarda, luminoso,

Do mínimo jasmim prisão dourada,

Logra na mão beleza duplicada,

Quando logra na mão candor formoso.

Se te aprisiona seu favor lustroso,

Te retrata os efeitos de adorada;

Porque quando te adorna a luz amada,

Me aprisionas o peito venturoso.

Agora podem teus desdéns esquivos,

Na breve roda de ouro ver seguros,

Se cuidados, se incêndios logro ativos;

Pois nela considero em males duros,

Que tenho a roda dos cuidados vivos,

Que tenho o ouro dos incêndios puros.

ANARDA ESCULPIDA NO CORAÇÃO

LAGRIMOSO

Soneto XV

Quer esculpir artífice engenhoso

Ũa estátua de bronze fabricada,

Da natureza forma equivocada,

Da natureza imitador famoso.

No rigor do elemento luminoso,

(Contra as idades sendo eternizada)

Para esculpir a estátua imaginada,

Logo derrete o bronze lagrimoso.

Assim também no doce ardor que avivo,

Sendo artífice o Amor, que me desvela,

Quando de Anarda faz retrato vivo;

Derrete o coração na imagem dela,

Derramando do peito o pranto esquivo,

Esculpindo de Anarda a estátua bela.

ANARDA TEMEROSA DE UM RAIO

Soneto XVI

Bramando o Céu, o Céu resplandecendo,

Belo a um tempo se via, e rigoroso,

Em fugitivo ardor o Céu lustroso,

Em condensada voz o Céu tremendo.

Gira de um raio o golpe, não sofrendo

O capricho de ũa árvore frondoso:

Que contra o brio de um subir glorioso

Nunca falta de um raio o golpe horrendo.

Anarda vendo o raio desabrido,

Por altiva temeu seu golpe errante,

Mas logo o desengano foi sabido.

Não temas (disse eu logo) o fulminante:

Que nunca ofende o raio ao Céu luzido,

Que nunca teme ao raio o Sol brilhante.

EFEITOS CONTRÁRIOS DO RIGOR DE ANARDA

Soneto XVI

Anarda bela no rigor sofrido

Deseja a morte ao lastimoso peito,

Sem ver que em seu perigo a morte aceito,

Pois sempre vive Anarda em meu sentido:

Mas como o mortal golpe desabrido

Nunca exprimenta um infeliz sujeito,

Morro somente de amoroso efeito,

Nunca morro do golpe pretendido.

Teme em meu coração a Parca forte

O divino retrato, que convida

A meu peito amoroso imortal sorte.

De sorte pois, que em glória padecida

Anarda própria me deseja a morte,

Anarda própria me defende a vida.

ESPERANÇAS SEM LOGRO

Soneto XVIII

Se contra minha sorte enfim pelejo,

Que quereis, esperança magoada?

Se não vejo de Anarda o bem que agrada,

Não procureis o bem do que não vejo.

Quando frustrar-se o logro vos prevejo,

Sempre a ventura espero dilatada;

Não vejo o bem, não vejo a glória amada,

Mas que muito, se é cego o meu desejo?

Enfermais do temor, e não se alcança

O que sem cura quer vossa loucura;

E morrereis de vossa confiança.

Esperança não sois, porém se apura,

Que só nisto sereis certa esperança:

Em ser falsa esperança da ventura.

ENCARECE A FINEZA DO SEU TORMENTO

Soneto XIX

Meu pensamento está favorecido,

Quando cuida de Anarda o logro amado;

Ele se vê nas glórias do cuidado,

Eu me vejo nas penas do sentido.

Ele alcança o fermoso, eu o sofrido,

Ele presente vive, eu retirado;

Eu no potro de um mal atormentado,

Ele no bem, que logra, presumido.

Do pensamento está muito ofendida

Minha alma, do tormento desejosa,

Porque em glória se vê, bem que fingida:

Tão fina pois, que está por amorosa,

De um leve pensamento arrependida,

De um vão contentamento escrupulosa.

ROSA, E ANARDA

Soneto XX

Rosa da fermosura, Anarda bela

Igualmente se ostenta como a rosa;

Anarda mais que as flores é fermosa,

Mais fermosa que as flores brilha aquela.

A rosa com espinhos se desvela,

Arma-se Anarda espinhos de impiedosa;

Na fronte Anarda tem púrpura airosa,

A rosa é dos jardins purpúrea estrela.

Brota o carmim da rosa doce alento,

Respira olor de Anarda o carmim breve,

Ambas dos olhos são contentamento:

Mas esta diferença Anarda teve:

Que a rosa deve ao Sol seu luzimento,

O Sol seu luzimento a Anarda deve.

 

MADRIGAIS

NAVEGAÇÃO AMOROSA

Madrigal I

É meu peito navio,

São teus olhos o Norte,

A quem segue o alvedrio,

Amor Piloto forte;

Sendo as lágrimas mar, vento os suspiros,

A venda velas são, remos seus tiros.

PESCA AMOROSA

Madrigal II

Foi no mar de um cuidado

Meu coração pescado;

Anzóis os olhos belos;

São linhas teus cabelos

Com solta gentileza,

Cupido pescador, isca a beleza.

NAUFRÁGIO AMOROSO

Madrigal III

Querendo meu cuidado

Navegar venturoso,

Foi logo soçobrado

Em naufrágio amoroso;

E foram teus desdéns contrário vento,

Sendo baixo o meu vil merecimento.

EFEITOS CONTRÁRIOS DE ANARDA

Madrigal IV

Se sai Anarda ao prado,

Campa todo de flores matizado;

Se sai à praia ondosa,

Brilha toda de raios luminosa;

Enfim, se está presente,

Tudo se vê contente;

Mas eu só nos desdéns, com que me assiste,

Quando presente está, me vejo triste.

PONDERAÇÃO DO ROSTO, E

SOBRANCELHAS DE ANARDA

Madrigal V

Se as sobrancelhas vejo,

Setas despedes contra o meu desejo;

Se do rosto os primores,

Em teu rosto se pintam várias cores;

Vejo, pois, para pena, e para gosto

As sobrancelhas arco, Íris o rosto.

ENCARECIMENTO DOS RIGORES DE ANARDA

Madrigal VI

Se meu peito padece,

O rochedo mais duro se enternece;

Se afino o sentimento,

O tronco se lastima do tormento;

Se acaso choro, e canto,

A fera se entristece do meu pranto;

Porém nunca estas dores

Abrandam, doce Anarda, teus rigores.

Oh condição de um peito!

Oh desigual efeito!

Que não possa abrandar ũa alma austera

O que abranda ao rochedo, ao tronco, à fera!

VER, E AMAR

Madrigal VII

Anarda vejo, e logo

A meu peito atormenta o brando fogo;

Enfim quando me inflama,

Procedendo da luz a bela chama,

Vejo por glórias, sinto por desmaios,

Relâmpagos de luz, de incêndios raios.

CABELO PRESO DE ANARDA

Madrigal VIII

Se esse vínculo belo

Prende, Divina ingrata, teu cabelo;

Justa prisão lhe ofende.

Quando em castigos prende a quem me prende;

Querendo a lei de Amor, quando o condena,

Que seja a própria culpa própria pena.

AO VÉU DE ANARDA

Madrigal IX

Negando um véu ditoso

Da bela Anarda o resplandor queixoso,

Beberam meus suspiros

De Amor as chamas, e do Amor os tiros;

De sorte que em motivos de meu gosto

Era venda do Amor o véu do rosto.

AO MESMO

Madrigal X

Se me encobres, tirana,

De teu rosto gentil a luz ufana,

Julga meu pensamento

Que hás de dar bem ao mal, gosto ao tormento;

Sendo esse linho, se padeço tanto,

Às chagas atadura, lenço ao pranto.

DESDÉM, E FERMOSURA

Madrigal XI

Querendo ver meu gosto

O Cândido e purpúreo de teu rosto,

Sinto o desdém tirano,

Que fulmina teu rosto soberano;

Mata-me o esquivo, o belo me convida,

Encontro a morte, quando busco a vida.

ANARDA ESCREVENDO

Madrigal XII

Quando escreves, ordena

Meu amor que te dite minha pena;

Para que decorada,

De ti seja lembrada:

Mas ai, que na lição da pena impia

Me botas os borrões da tirania.

NÃO PODE O AMOR PRENDER A ANARDA

Madrigal XIII

Amor, que a todos prendes

Naquele doce ardor que n'alma acendes,

Prende a Anarda, que dura

Isenta de teu fogo a fermosura;

Mas ai, que já não podes, pois primeiro

Em seus olhos ficaste prisioneiro.

SEPULCRO AMOROSO

Madrigal XIV

Já morro, doce ingrata,

Já teu rigor me mata:

Seja enterro o tormento,

Que inda morto alimento;

Por responsos as queixas,

Se tiras-me a vida e o amor me deixas;

E por sepulcro aceito,

Pois teu peito é de mármore, teu peito.

AMANTE PRESO

Madrigal XV

Anarda, fui primeiro

De teus valentes raios prisioneiro;

Prendeu-me agora o fado,

Às mãos de ũa desgraça castigado;

Tenho pois de prisões dobrado peso;

No corpo preso estou, n'alma estou preso.

SUSPIROS

Madrigal XVI

Quando o fogo se inflama,

Sobe ao Céu natural a nobre chama;

Verás o mesmo efeito,

Divina Anarda, no amoroso peito,

Que em brando desafogo

Sobe o suspiro ardente de meu fogo

A teu luzido rosto; e não me admiro,

Pois é teu rosto Céu, chama o suspiro.

ROSAS DE LISTÕES NO CABELO DE ANARDA

Madrigal XVII

Quando, Anarda, hás formado

As rosas de listões nesse toucado,

Julga meu pensamento

Que produz os listões teu luzimento;

Que para florescer jardim tão belo,

São rosas os listões, Sol o cabelo.

DOUTORAMENTO AMOROSO

Madrigal XVIII

Anarda, o Deus Cupido

Entre as leis de constante

Dá por prêmio luzido

O venturoso grau de sábio amante;

São propinas forçosas

As finezas custosas;

As orações prudentes,

Os rogos eloqüentes;

Sendo Padrinho o agrado;

Doutor o coração, Borla o cuidado.

CONVENIÊNCIAS DO ROSTO, E PEITO

DE ANARDA

Madrigal XIX

Teu rosto por florido

Com belo rosicler se vê luzido;

Teu peito a meus amores

Brota agudos rigores;

Uniste enfim por bens, e penas minhas

No rosto rosas, e no peito espinhas.

AO MESMO

Madrigal XX

Ostentando esplendores,

Teu rosto vivifica mil candores;

Desprezando finezas,

Teu coração congela mil tibezas;

Por frio, e branco enfim chamar se deve

Neve teu coração, teu rosto neve.

ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO

Madrigal XXI

Anarda, que se apura

Como espelho gentil da fermosura,

Num espelho se via,

Dando dobrada luz ao claro dia;

De sorte que com próvido conselho

Retrata-se um espelho noutro espelho.

ANARDA JOGANDO A ESPADILHA

Madrigal XXII

Joga, Anarda formosa,

Espadilha amorosa:

Os Parceiros atentos

Sejam meus pensamentos;

Serão os matadores

Teus, esquivos rigores;

E por maior triunfo

A fermosura o preço,

Amor o trunfo.

TEME QUE SEU AMOR NÃO POSSA

ENCOBRIR-SE

Madrigal XXIII

Não pode, bela ingrata,

Encobrir-se este fogo, que me mata;

Que quando calo as dores,

Teme meu coração que entre os ardores

Das chamas, que deseja,

Meu peito se abra, e minha fé se veja.

 

DÉCIMAS

ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO

Décima 1

De Anarda o rosto luzia

No vidro, que o retratava,

E tão belo se ostentava,

Que animado parecia:

Mas se em asseios do dia

No rosto o quarto farol

Vê seu lustroso arrebol;

Ali pondera meu gosto

O vidro espelho do rosto,

O rosto espelho do Sol.

2

É da piedade grandeza

Nesse espelho ver-se Anarda,

Pois ufano o espelho guarda

Duplicada a gentileza:

Considera-se fineza

Dobrando as belezas suas,

Pois contra as tristezas cruas

Dos amorosos enleios

Me repete dois recreios,

Me oferece Anardas duas.

3

De sorte que, sendo amante

Da beleza singular,

Posso outra beleza amar,

Sem tropeços de inconstante;

E sendo outra vez triunfante

Amor do peito, que adora

Ũa Anarda brilhadora,

Em dois rostos satisfeito,

Se em um fogo ardia o peito,

Em dois fogos arde agora.

4

Porém depois rigorosa,

Deixando o espelho lustroso,

Oh como fica queixoso,

Perdendo a cópia fermosa!

Creio pois que na amorosa

Lei o cego frechador,

Que decreta único ardor,

Não quis a imagem que inflama,

Por extinguir outra chama,

Por estorvar outro amor.

A UM CUPIDO DE OURO, QUE TRAZIA

PRESO ANARDA NOS CABELOS

Décima 1

Ao Cíprio rapaz, isento,

De Anarda prende o rigor;

E se prende ao mesmo Amor,

Que muito que a um pensamento?

Já no solto luzimento

Já nos olhos sempre amados,

Ali se vêem ponderados,

Vencedores, não vencidos,

Os seus olhos por Cupidos,

Os cabelos por dourados.

2

Se já não foi que o Deus cego

Quer à bela Anarda amar;

Que bem se pode invejar

De um Deus tão divino emprego.

Em feliz desassossego,

Sentindo amorosa brasa,

Parece n'ũa, e noutra asa,

Quando de amante se enleia,

Ouro não, com que se asseia,

Chama sim, com que se abrasa.

3

Creio já que disfarçado

Quer lograr Anarda bela,

E naquele ouro desvela

Luzimentos de um cuidado:

Pois qual Jove namorado

Daquele belo tesouro,

Um, e outro amante louro,

Ambos são no ardor querido,

Jove em ouro convertido,

Convertido Amor em ouro.

LACRE ATREVIDO A ŨA MÃO DE ANARDA

Décima 1

Quando a tanta neve pura

Liquida-se ardor luzente

Solicita o centro ardente

Nessa ardente fermosura;

Oh como nele se apura,

Para que explique meu rogo

De meu pranto o desafogo!

Pois quando o lacre se adverte,

Lágrimas de fogo verte,

Verto lágrimas de fogo.

2

Porém com vário rigor

Essa chama lagrimosa,

Ardendo na mão formosa,

Queima da neve o candor:

Mas em teu peito, que Amor

Nunca o transforma, sujeito,

Logra meu pranto outro efeito;

Pois quando padeço tanto,

Estilo o fogo do pranto,

Não queimo a neve do peito.

EXEMPLOS COM QUE SE CONSIDERA

AMANTE DE ANARDA

Décima 1

Qual Girassol por amante

Solicita o ingrato Sol

Tal meu peito Girassol

O Sol de Anarda brilhante;

E qual no Estio flamante,

Quer Zéfiro, e quer verdor

O prado: quer meu amor,

Abrasado na esquivança,

O verdor de ũa esperança,

O Zéfiro de um favor.

2

Qual o centro natural

Deseja o fogo nocivo,

Qual pretende o mar esquivo

Do rio ameno o cristal,

Tal busca em desejo igual

De Anarda no senhorio,

Que é centro de ardor impio,

Que é mar de cristais brilhante,

De meu peito o fogo amante,

De meu pranto o largo rio.

3

Qual o monte sublimado,

Qual a planta envelhecida;

Esta de folhas despida,

Aquele de cãs nevado;

Querem num, e noutro estado

De Abril o belo horizonte;

Tais querem de Anarda a fronte,

Como Abril de graça tanta,

De meu pensamento a planta,

De minha firmeza o monte.

SONO POUCO PERMANENTE

Décima

Quando, Anarda, o sono brando

Quer suspender meus tormentos,

Condenando os sentimentos,

Os desvelos embargando;

Dura pouco, porque quando

Cuido que em belo arrebol

Estou vendo teu farol,

Foge o sono à cova fria;

Porque lhe amanhece o dia,

Porque lhe aparece o Sol.

COMPARAÇÕES NO RIGOR DE ANARDA

Décima

Quando Anarda me desdenha

Afetos de um coração,

É diamante Anarda? não,

Não diamante, porque é penha;

Penha não, porque se empenha,

Qual Áspid' seu rigor forte;

Áspid' não, que tem por sorte

Ser qual tigre na crueza;

Tigre não, que na fereza

Tem todo o império da Morte.

ROSTO DE ANARDA

Décima

O Sol em belos ensaios,

Por representar-se belo

Com luminoso desvelo

De teu rosto aprende os raios;

De teu rosto os lindos

Maios Únicas luzes apura

Com qualquer beleza pura,

De sorte que no arrebol

É fermosura do Sol,

Brilha Sol da fermosura.

CRAVO NA BOCA DE ANARDA

Décima

Quando a púrpura fermosa

Desse cravo, Anarda bela,

Em teu céu se jacta estrela,

Senão luzente, olorosa;

Equivoca-se lustrosa,

(Por não receber o agravo

De ser nessa boca escravo)

Pois é, quando o cravo a toca,

O cravo, cravo da boca,

A boca, boca de cravo.

ROSA NA MÃO DE ANARDA ENVERGONHADA

Décima

Na bela Anarda ũa rosa,

Brilhando desvanecida,

Padeceu por atrevida

Menoscabos de fermosa:

Porém não, que vergonhosa

Com mais bela galhardia

Do que era d'antes, se via;

Pois quando se envergonhava,

Mais vermelha se jactava,

Mais fermosa se corria.

COMPARAÇÃO DO ROSTO DE MEDUSA

COM O DE ANARDA

Décima

Contra amorosas venturas

É de Medusa teu rosto,

E por castigo do gosto

São cobras as iras duras;

As transformações seguras

Acharás em meus amores;

Pois ficando nos ardores

Todo mudado em finezas,

Sou firme pedra às tristezas,

Sou dura pedra aos rigores.

COMPARAÇÃO DOS GIGANTES COM

OS PENSAMENTOS AMOROSOS

Décima

Ao Céu de Anarda lustroso

Com montes de vãos intentos

Subiram meus pensamentos

Gigantes, no ardor queixoso;

Fulminou logo o penoso

Castigo de desfavores

Apesar de altos primores;

Que em merecidos desmaios

Seus rigores foram raios

Etnas foram meus ardores.

ECO DE ANARDA

Décima

Entre males desvelados,

Entre desvelos constantes,

Entre constâncias amantes,

Entre amores castigados,

Entre castigos chorados,

E choros, que o peito guarda,

Chamo sempre a bela Anarda;

E logo a meu mal, fiel,

Eco de Anarda cruel

Só responde ao peito que Arda.

 

REDONDILHAS

ANARDA AMEAÇANDO-LHE A MORTE

Redondilhas

Ameaças o morrer:

Como morte podes dar,

Se estou morto de um penar,

Se estou morto de um querer?

Mas é tal essa fereza,

Que quer dar a um fino amor

Ũa morte com rigor,

Outra morte co'a beleza.

E com razão prevenida

Quis duplicar esta sorte,

Que a pena daquele é morte,

Que a glória daquela é vida.

Da morte já me contento,

Se por nojo de mal tanto

Derrames um belo pranto,

Formes um doce lamento.

Tornarás meu peito ativo

Com tão divino conforto,

Se ao rigor da Parca morto,

Por glória do pranto vivo.

De teu rigor aplaudidas

Serão piedosas grandezas;

Por que te armes mais ferezas,

Por que te entregue mais vidas.

Quando teu desdém se alista,

Impedes o golpe atroz;

Pois quando matas co'a voz,

Alentas então co'a vista.

Confunde pois a nociva

Impiedade, que te exorta,

A um tempo ũa vida morta,

A um tempo ũa morte viva.

De teu rigor os abrolhos

Se rompem da vida os laços,

Hei de morrer em teus braços,

Hei de enterrar-me em teus olhos.

QUE HÁ DE SER O AMOR UM SÓ

Redondilhas

Uma alma do abrasador

Frecheiro é gloriosa palma;

Quem pois sacrifica ũa alma,

Deve adorar um Amor.

Rende Amor por majestade

Do entender a excelência,

Da memória a persistência,

A inclinação da vontade.

Prendem belas sujeições

O coração nos ardores;

Quem pois cria dois amores,

Há mister dois corações.

Inconstante há de lograr

Dois fogos, por mais que anele:

Pois quando cuida naquele,

Neste já deixa de amar.

Inteiro amante não é,

Que no florido primor,

Partida a flor, não é flor,

Partida a fé, não é fé.

Amor é Sol no sujeito

Que belos incêndios cria;

E se brilha um Sol no dia,

Um amor brilhe no peito.

Veneno amor é julgado;

Mate pois, quando o condeno,

Se um veneno, outro veneno,

Um cuidado, outro cuidado.

Há de ser no coração

Um, ou outro emprego belo,

Agrado sim, não desvelo,

Faísca sim, chama não.

Venero enfim, se avalio

Entre muitos um desejo,

Muitas damas no cortejo,

Ũa Anarda no alvedrio.

QUE O AMOR HÁ DE SER DESCOBERTO

Redondilhas

Se brilha um fogo luzido,

(O mesmo no Amor é certo)

Arder não pode encoberto,

Luzir não pode escondido.

Se é raio Amor, rompa o medo,

Quando os sentidos inflama,

Patenteie a luz da chama,

Rasgue a nuvem do segredo.

Se quando a beleza adora,

Qual harmonia se estuda;

Nunca a harmonia foi muda,

Sempre a harmonia é sonora.

Atreva-se o Amor constante

A publicar o que sente;

Não desmaie, se é valente,

Não se encolha, se é gigante.

Se brilha qual perla, ou rosa,

Nunca estimações ordena,

No botão a rosa amena,

Na concha a perla fermosa.

Cupido n'afeição louca

Este intento há persuadido;

Os olhos cerra Cupido,

Não cerra Cupido a boca.

Se Amor de ave tem a empresa,

Quando o encerra algum desprezo

Por violência vive preso,

Porém não por natureza.

Quando Amor se mostra, é certo

Que, como se vê despido,

Não se encobre Amor vestido,

Mostra-se Amor descoberto.

Anarda pois, no Amor ledo,

Por mais que silêncios gozes,

Se o cala o medo das vozes,

Dizem-no as vozes do medo.

 

ROMANCES

ANARDA PASSANDO O TEJO EM UMA BARCA

Romance 1

O Cristal do Tejo Anarda

Em ditosa barca sulca;

Qual perla, Anarda se alinda,

Qual concha, a barca se encurva.

Se falta o vento, Cupido

Batendo as asas com fúria,

Zéfiro alenta amoroso,

Aura respira segura.

Aumenta o Tejo seus logros,

Que com tanta fermosura

Cristal em seu colo bebe,

Ouro em seu cabelo usurpa.

Se bem nas águas copiado,

Ali se viam confusas

Ondas de ouro no cabelo,

E do cristal ondas puras.

Já deixa o nome de rio,

Oceano se assegura,

Pois a branca Tétis logra,

Pois o claro Sol oculta.

Corta o aljofre escumoso,

Que como Vênus se julga,

Ufano se incha o aljofre,

Cândida se ri a escuma.

De seus olhos foge o rio,

Que pois nele a vista ocupa,

Evitar seus olhos trata,

Fugir às chamas procura.

Logrando o cabelo a barca,

(Se bem feliz, o não furta)

Um por véu de ouro se jacta,

Outra por Argo se inculca.

Ardem chamas n'água, e como

Vivem das chamas, que apura,

São ditosas Salamandras

As que são nadantes turbas.

Meu peito também, que chora

De Anarda ausências perjuras,

O pranto em rio transforma,

O suspiro em vento muda.

ANARDA DOENTE

Romance II

Anarda enferma flutua,

E quando flutua enferma,

Jaz doente a fermosura,

Está fermosa a doença.

Se nela a doença triste

Bela está, que será nela

De tanta graça o donaire!

De tanta luz a beleza!

Se o mal é sombra, ou eclipse,

É pensão das luzes certa,

Que ao Céu uma sombra aspire,

Que ao Sol um eclipse ofenda.

Cruéis prognósticos vejo,

Pois são ameaças feras,

O Sol entre eclipses pardos,

O Céu entre nuvens densas.

Quando as belas flores sentem

De Anarda a grave tristeza,

Digam-no as rosas na face,

Digam-no os jasmins na testa.

Faltam flores, faltam luzes,

Pois ensina Anarda bela

Lições de flores ao Maio,

E leis de luzes à Esfera.

As almas se admiram todas

Em repugnâncias austeras,

Vendo enferma a mesma vida,

Vendo triste a glória mesma.

Desdenhado Amor se vinga,

Se n'ânsia a febre a condena;

Pois qual ânsia amor se forja,

Pois qual febre amor se gera.

Basta já, Frecheiro alado,

Bate as asas, solta a venda;

Do rosto o suor lhe alimpa,

Do peito o ardor refresca.

Vem depressa, Amor piedoso

Que te importa, pois sem ela

Em vão excitas as chamas,

Em vão despedes as setas.

Mas não teme a morte Anarda,

Que se ũa morte a cometa,

Com mil almas se defende,

Com mil corações se alenta.

De mais sim que nunca a Parca

Contra Anarda se atrevera,

Que contra as frechas da Morte

Fulmina de Amor as frechas.

ANARDA SANGRADA

Romance III

É bem que desate Anarda

De tanto sangue os embargos;

Sendo o sangue rio alegre,

Sendo Anarda Abril galhardo.

Ensina no braço, e sangue

Com branco, e purpúreo ensaio,

A ser neve à mesma neve,

A ser cravo ao mesmo cravo.

Se bem num, e noutro efeito,

Faz Amor milagre raro;

Pois a neves une rosas,

Pois Dezembros une a Maios.

Se Anarda é vida de todos,

E o sangue à vida comparo:

Tantas vidas vai perdendo,

Quantos corais vai brotando.

Pára um pouco, e como teme

De haver dado morte a tantos,

Ficava presa à corrente,

Ficava sem sangue o braço.

E não mata a sangue frio,

Se com sangue está matando;

Pois aviva mil ardores,

Pois abrasa mil cuidados.

A sangue, e fogo publica

Guerra a meu peito abrasado;

A sangue em corais vertidos,

A fogo em olhos tiranos.

Corre o sangue, porque dizem

Que está corrido, admirando

Do rosto o carmim confuso,

Da boca o nácar rasgado.

ANARDA CHORANDO

Romance IV

Se o mar da beleza temes,

Alerta, amoroso peito,

Alije-se uma esperança,

Amaine-se um pensamento.

Tempestades lagrimosas

Te provocam os receios;

Pois vejo o dia nublado,

Pois não vejo o Céu sereno.

Porém não temas, covarde,

Que na cor do rosto belo

Navego em maré de rosas,

Em um mar leite navego.

Mas inda naqueles olhos

Fatal prodígio me temo;

Quem viu água em brasas duas?

Quem viu chuva em dois luzeiros?

Não são piedade os suspiros,

Nem seu pranto, pois é certo

Brotar chamas ũa pedra,

Abrir fontes um rochedo.

Se são Astros, que me influem,

Amor, com razão receio

Impiedades nos cuidados,

Infortúnios nos desejos.

Vai a meu peito, e seus olhos

Pelo amor, pelo tormento

Da vida os fios cortando,

Do pranto os fios vertendo.

Naquelas águas Cupido,

Por avaro, e por severo,

Das chamas excita a sede,

Das setas amola o ferro.

E quando as lágrimas param

Nas gentis faces, pondero

Que se faz rubi, parando,

O que era aljofre correndo.

ANARDA COLHENDO NEVE

Romance V

Colhe a neve a bela Anarda,

E nos peitos incendidos

Contra delitos de fogo

Arma de neve castigos.

Na brancura, na tibieza

Tem dois triunfos unidos;

Vence a neve à mesma neve,

Vence o frio ao mesmo frio.

Congela-se, e se derrete

De sorte, que em branco estilo

A um desdém se há congelado

A dois sóis se há derretido.

Se não é que os candores

Daquela neve vencidos,

Liquidam-se pranto a pranto,

Lastimam-se fio a fio.

As mãos escurecem tanto

A neve, que em pasmos lindos

O que era prata chuvosa,

Ficava azeviche tíbio.

A seu Sol suspiros voam,

E tornam por atrevidos,

Como exalações do peito,

Em nevados desperdiços.

Da neve tiros me vibra,

E felizmente imagino

Que não são tiros de neve,

Que são mãos de Anarda os tiros.

Frustra a neve seus efeitos,

Que me tinham defendido,

De Anarda o Sol luminoso,

De Amor o fogo nocivo.

ANARDA CINGINDO UMA ESPADA

Romance VI

Varonilmente arrogante

Anarda se considera,

Já na fereza da espada,

Já na espada da fereza.

Em dois assombros unidas,

Duas Deusas se vêem nela;

Fermosa Vênus se aclama,

Armada Palas se ostenta.

Não é muito que valente

Se preze, pois sempre altera,

Valentias no donaire,

Valentias na beleza.

Quis aumentar os rigores;

Por que matasse soberba,

Já da beleza nas luzes,

Já do ferro nas violências.

Porém parece frustrado,

Se o mortal ferro se empenha;

Porque quando esgrime o ferro,

Já deu morte à gentileza.

Porém quando mata os peitos,

Que ressuscitam de vê-la,

Noutra morte os ameaça,

Noutra vida os atropela.

Se já não é, que cingindo

Dura espada, representa

Da beleza a guerra dura,

Que a beleza é dura guerra.

Armada do agrado, e ferro,

Um, e outro brio aumenta,

Sendo mais que armada amada,

Mais que belicosa bela.

Desigual c'o Deus menino

Se arma, ela a luz, ele a venda,

Ela ornada, ele despido,

Ela a espada, Amor a frecha.

Volta

Deixa as armas, lhe disse,

Cruel, atenta

Que nas luzes fulminas

Armas mais feras.

Se é para render vidas,

As armas deixa;

Todo o peito a teus olhos

A vida entrega.

De ponto em branco armada

Sempre te asseias,

De ponto a boca em branco

A fronte amena.

ANARDA VISTA DE NOITE

Romance VII

Contra os impérios da noite

Anarda bela se vê,

Que ta noite mal podia

A tantos sóis ofender.

Oh como a noite se queixa

Contra a brilhadora lei!

Pois rompem seu privilégio,

Pois revogam seu poder.

Só nisto noite parece,

Que em seu rosto, olhos cruéis,

Cândida Lua descobre,

Luzidas estrelas tem.

Se no inferno condenada

Habita a noite infiel;

Como pode a noite infausta

A glória de Anarda ver?

Se conduz a noite o sono,

Não pode permanecer,

Que Anarda embarga o repouso,

Que Anarda desvela a fé.

Se a noite afeta silêncios,

Não pode silêncios ter;

Porque em queixa lastimosa

Clama o suspiro fiel.

Se borrifa águas de Letes,

Não pode o Letes verter;

Pois dela se acordam todos,

Dela se esquece ninguém.

Deixa Anarda tantas luzes,

Que inda a noite em seu temer

Oculta Anarda, se encolhe,

Ausente o Sol, se detém.

ANARDA SAINDO FORA

Romance VIII

Alerta peitos, alerta,

Que sai a gentil Anarda,

Aquele acinte das rosas,

Aquele arrufo das graças.

Desafia a todo o peito,

Ilustremente alentada,

Tendo a graça valentona,

Tendo a beleza fidalga.

Ostenta com dois motivos,

Mui soberba, mui bizarra,

O seu brio à Portuguesa,

O seu pico à Castelhana.

Com seus olhos de azeviche,

Com sua flórida cara

Aos astros dá belas figas,

Aos jasmins faz muitas raivas.

Mostrando-se mui senhora,

Aos escravos peitos dava

De um menosprezo as injúrias,

De um rigor as bofetadas.

Ao mesmo tempo se juntam

Na fermosura adorada

Os rigores de Quaresma

Entre alegrias de Páscoa.

Estocadas dá de penas,

De amores fulmina balas,

Se as graças desembainha,

Se os resplandores dispara.

Nas mangas de holanda bela

Contra Amor rebelde se arma;

Por Holanda a holanda vejo,

Por mangas receio as mangas.

Castigando-a por traidora

O Rei menino, formava

O cadafalso do colo,

O degolado da gala.

É Céu a beleza sua,

Quando o manto se adornava,

Servindo o manto de glória,

Servindo a garça de graça.

 

VERSOS VÁRIOS QUE PERTENCEM AO PRIMEIRO CORO DAS RIMAS PORTUGUESAS ESCRITOS A VÁRIOS ASSUNTOS

 

À MORTE FELICÍSSIMA DE UM JAVALI

PELO TIRO, QUE NELE FEZ ŨA INFANTA

DE PORTUGAL

Soneto I

Não sei se diga (oh bruto) que viveste,

Ou se alcançaste morte venturosa;

Pois morrendo da destra valorosa,

Melhor vida na morte mereceste.

Esse tiro fatal, de que morreste,

Em ti fez ũa ação generosa,

Que entre o fogo da pólvora ditosa

Da nobre glória o fogo recebeste.

Deves agradecer essa ferida,

Quando esse tiro o coração te inflama,

Pois a maior grandeza te convida:

De sorte, que te abriu do golpe a chama

Uma porta perpétua para a vida,

Ũa boca sonora para a fama.

A UM GRANDE SUJEITO INVEJADO,

E APLAUDIDO

Soneto II

Temerária, soberba, confiada,

Por altiva, por densa, por lustrosa,

A exalação, a Névoa, a Mariposa,

Sobe ao Sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita, malograda,

Por ousada, por débil, por briosa,

Ao raio, ao resplandor, à luz fermosa,

Cai triste, fica vã, morre abrasada.

Contra vós solicita, empenha, altera,

Vil afeto, ira cega, ação perjura,

Forte ódio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este não dura,

Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,

Claro Sol, dia cândido, luz pura.

A FREI JOSÉ, RELIGIOSO DESCALÇO,

PREGANDO NA FESTA DE SÃO JOSÉ

Soneto III

Hoje, José, vosso discurso aclama

Do Divino José sacros primores;

E vós ganhando aplauso em seus louvores,

Por um José outro José se afama:

Um, e outro José maior se chama,

Ele dos Santos, vós dos Pregadores;

E o nome de José obra melhores

Nele aumentos de graça, em vós de fama.

Com tanta discrição, assombro tanto

Vosso discurso seu louvor provoca,

Que vossa boca infunde doce encanto:

E para ser perfeita no que toca,

Se fala vossa boca em José Santo,

Fala o Santo José por vossa boca.

A AFONSO FURTADO RIOS E MENDONÇA

SAINDO DO PORTO DE LISBOA A GOVERNAR

O ESTADO DO BRASIL, EM OCASIÃO

TEMPESTUOSA, HAVENDO DEPOIS

BONANÇA NOS MARES

Soneto IV

Entre horrores cruéis do crespo vento

Cortais, Afonso, o pélago arrogante,

Vós constante no brio, ele inconstante,

Ele em frio cristal, vós no ardimento.

Se nos conflitos do Mavórcio intento

Marte vos respeitou sempre triunfante,

Venceis no mar de um Deus o Reino errante,

E na terra de um Deus o forte alento.

Perde Netuno as iras obediente,

Ou entrega seus cerúleos senhorios,

Afonso invicto, a vosso braço ardente,

E por glória maior de vossos brios

Prostra ao vosso Bastão o seu Tridente,

Obedece seu mar a vossos Rios.

AO MESMO SENHOR, ENTRANDO

NO PORTO DA BAHIA NA MESMA OCASIÃO

TEMPESTUOSA, HAVENDO ANTES

BONANÇA NOS MARES

Soneto V

Nos marítimos reinos imperioso

Éreis do Rei Netuno obedecido,

Com vosso ilustre jugo enobrecido,

Inchado o mar se viu por venturoso.

Tétis já vos queria para esposo,

Anfitrite vos tem favorecido;

Prendia amor ao Bóreas atrevido,

E desatava ao Zéfiro amoroso.

Mas sabendo Netuno o vosso cargo,

Vossa ausência previu, e no Hemisfério

Borrascas move com tormento amargo:

Pois sente que com fácil vitupério

Deixeis de seu cristal o império largo,

E da terra busqueis o novo Império.

À MORTE DO DESEMBARGADOR JERÔNIMO

DE SÁ E CUNHA

Soneto VI

Ministro douto, afável, comedido,

Discreto, pio, reto, e respeitado,

Foste de todos igualmente amado,

Como foste de todos bem sentido.

Morreste; porém cuido persuadido

Que não morreste não, porque lembrado

Vives nos corações tão retratado,

Como se nunca foras fenecido.

Inda que contra nós a Parca corte

Os teus fios vitais por despedidas,

Não temas de que acabes dessa sorte;

Antes entre memórias repetidas,

Se ũa vida perdeste em ũa morte,

Nos corações cobraste muitas vidas.

AO ASTROLÁBIO INVENTADO, E FABRICADO

PELO ENGENHO DO REVERENDO PADRE

MESTRE JACOBO ESTANCEL, RELIGIOSO

DA COMPANHIA

Soneto VII

Artífice engenhoso da escultura,

Famoso Mestre da cerúlea via,

Que quanto discorreis na Astrologia,

Tudo fácil fazeis na Arquitetura;

Neste Astrolábio a fama vos segura,

Que pouco se há mister ver meio o dia,

Que no Zênite está da mor valia,

Quando a ciência luz na mor Altura.

Tomais o Sol com pensamento leve;

Dédalo sábio o Mundo vos aclama,

Quando invento tão raro se vos deve.

E quando vosso nome mais se afama,

Sendo a terra a seus vôos orbe breve,

Tomais o Sol por orbe à vossa fama.

AO GENERAL JOÃO CORREIA DE SÁ

VINDO DA ÍNDIA

Soneto VIII

Quem vos vê sem tropeços de inconstante,

Quem vos trata sem notas de invejoso,

Vos rende o coração por amoroso,

Vos tributa a vontade por amante.

Na Plaga Oriental será constante

A fama em vosso nome generoso;

Que são vossas empresas, Sá famoso,

Melhores asas a seu vôo errante.

Entre o laço de afável senhorio

Correia sois enfim, que a quem vos ama,

A vontade lhe atais, sem ter desvio.

Sá sois: e quando o Mundo vos aclama,

Preservais com o sal de vosso brio

Da corrupção dos tempos vossa fama.

À VIDA SOLITÁRIA

Soneto IX

Que doce vida, que gentil ventura,

Que bem suave, que descanso eterno,

Da paz armado, livre do governo,

Se logra alegre, firme se assegura!

Mal não molesta, foge a desventura,

Na Primavera alegre, ou duro Inverno,

Muito perto do Céu, longe do Inferno,

O tempo passa, o passatempo atura.

A riqueza não quer, de honra não trata,

Quieta a vida, firme o pensamento,

Sem temer da fortuna a fúria ingrata:

Porém atento ao rio, ao bosque atento,

Tem por riqueza igual do rio a prata,

Por aura honrosa tem do bosque o vento.

AO CRAVO

Soneto X

Quando rei dos floridos esplendores,

Te reconhece Abril, te aclama o prado,

Em sólio de esmeralda entronizado,

Da púrpura tivestes os primores.

Luzes qual Sol entre Astros brilhadores,

Se bem Rei mais propício, e mais amado;

Que ele estrelas desterra em régio estado,

Em régio estado não desterras flores.

Porém deixa a soberba, que te anela

Essa fragrância, essa beleza culta,

Pois somente em queimar-te se desvela:

Que se teu luzimento mais se avulta,

Esse alento, que exala, é morte bela,

Essa grã, que se veste, é chama oculta.

À AÇUCENA

Soneto XI

Quando alentas por glória do sentido

O fermoso candor, que Abril enflora;

Não te aplaude, Açucena, a linda Flora,

Nevada estrela sim no Céu florido.

Entre aplausos do adorno embranquecido,

Quando ao prado amanhece a bela Aurora,

No luminos'Oriente ũa Alva chora,

Outra Alva nasce no jardim luzido.

Teme o fim, flor ufana, que a temê-lo

A própria fermosura te convida,

Que há de abrasar-se no solar desvelo:

Porque aos raios do sol pouco advertida,

Neve te julgo já no candor belo,

Neve te julgo já na frágil vida.

CONTRA OS JULGADORES

Soneto XII

Que julgas, ó Ministro de Justiça?

Por que fazes das leis arbítrio errado?

Cuidas que dás sentença sem pecado?

Sendo que algum respeito mais te atiça.

Para obrar os enganos da injustiça,

Bem que teu peito vive confiado,

O entendimento tens todo arrastado

Por amor, ou por ódio, ou por cobiça.

Se tens amor, julgaste o que te manda;

Se tens ódio, no inferno tens o pleito,

Se tens cobiça, é bárbara, execranda.

Oh miséria fatal de todo o peito!

Que não basta o direito da demanda,

Se o Julgador te nega esse direito.

A UM CLARIM TOCADO NO SILÊNCIO

DA NOITE

Soneto XIII

Quando em acentos plácidos respiras,

Por modo estranho docemente entoas,

Que estando imóvel, pelos ares voas,

E inanimado, com vigor suspiras.

Da saudade cruel a dor me inspiras,

Despertas meu desejo, quando soas,

E se ao silêncio mudo não perdoas,

De minha pena o mesmo exemplo tiras.

Sentindo o mal de um padecido rogo,

Com que Nise se opõe a meu lamento,

Pretendes respirar-me o desafogo:

Mas contigo é diverso o meu tormento;

Que eu sinto de meu peito o ardente fogo,

Tu gozas de teu canto o doce vento.

À MORTE DO REVERENDO PADRE

ANTÔNIO VIEIRA

Soneto XIV

Fostes, Vieira, engenho tão subido,

Tão singular, e tão avantajado,

Que nunca sereis mais de outro imitado,

Bem que sejais de todos aplaudido.

Nas sacras Escrituras embebido,

Qual Agostinho, fostes celebrado;

Ele de África assombro venerado,

Vós de Europa portento esclarecido.

Morrestes; porém não; que ao

Mundo atroa Vossa pena, que aplausos multiplica,

Com que de eterna vida vos coroa;

E quando imortalmente se publica,

Em cada rasgo seu a fama voa,

Em cada escrito seu ũa alma fica.

À MORTE DE BERNARDO VIEIRA RAVASCO,

SECRETÁRIO DO ESTADO DO BRASIL

Soneto XV

Idéia ilustre do melhor desenho

Fostes entre o trabalho sucessivo,

E nas ordens do Estado sempre ativo

Era o zelo da Pátria o vosso empenho.

Ostentastes no oficio o desempenho

Com pronta execução, discurso vivo,

E formando da pena o vôo altivo,

Águia se viu de Apolo o vosso engenho.

Despede a morte, cegamente irada,

Contra vós ia seta rigorosa,

Mas não vos tira a vida dilatada:

Que na fama imortal, e gloriosa,

Se morrestes como Aguia sublimada,

Renasceis como Fênix generosa.

PONDERAÇÃO DA MORTE DO PADRE

ANTÔNIO VIEIRA, E SEU IRMÃO BERNARDO

VIEIRA AO MESMO TEMPO SUCEDIDAS

Soneto XVI

Criou Deus na celeste Arquitetura

Dois luzeiros com giro cuidadoso,

Um que presida ao dia luminoso,

Outro que presidisse à noite escura.

Dois luzeiros também de igual ventura

Criou na terra o Artífice piedoso;

Um, que foi da Escritura Sol famoso,

Outro, Planeta da ignorância impura.

Brilhando juntos um e outro luzeiro,

Com sábia discrição, siso profundo,

Não podia um viver sem companheiro.

Sucedeu justamente neste Mundo,

Que fenecendo aquele por primeiro,

Este também feneça por segundo.

A UM ILUSTRE EDIFÍCIO DE COLUNAS, E ARCOS

Soneto XVII

Essa de ilustre máquina beleza,

Que o tempo goza, e contra o tempo atura;

É soberbo primor da arquitetura,

É pródigo milagre da grandeza.

Fadiga da arte foi, que a Natureza

Inveja de seus brios mal segura;

E cada pedra, que nos Arcos dura,

É língua muda da fatal empresa.

Não teme da fortuna os vários cortes,

Nem do tempo os discursos por errantes,

Arma-se firme contra as leis das sortes.

Que nas colunas, e Arcos elegantes,

Contra a fortuna tem colunas fortes,

Contra o tempo fabrica Arcos triunfantes.

A DOM JOÃO DE LANCASTRO, NA OCASIÃO

DO INCÊNDIO DO MOSTEIRO, E IGREJA DE

SÃO BENTO EM LISBOA, FAZENDO-SE

MENÇÃO DE SE LIVRAR DO NAUFRÁGIO

DA BARRA DA BAHIA

Soneto XVIII

Arde o templo com fogo furibundo,

É tudo confusão, e teme a gente;

E todo o inferno se conjura ardente,

Para abrasar o templo no profundo.

Contra Lusbel, e seu poder imundo

Vos arrojais Católico e valente.

E abraçado co'a Virgem felizmente,

Livrastes de um eclipse ao Sol do Mundo.

Pagando a Virgem vossa fé ditosa,

Vendo-vos perigar no mar irado,

Vos livra agradecida, e generosa.

Em ambos fica o empenho executado;

Ela vos livra da água procelosa,

Vós a livrais do fogo conjurado.

AO MESMO SENHOR, TRAZENDO A IMAGEM

DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA, DESDE O

SEU TEMPLO ATÉ O MOSTEIRO DE SÃO

BENTO, SEM A LARGAR DE SEUS OMBROS

Soneto XIX

Com generoso brio o forte Atlante

(Sem recear do Céu o peso urgente)

Toma sobre seus ombros firmemente

Do céu superno o peso rutilante.

Vós também com primor da Fé constante

Tomais em vossos ombros reverente

O Céu claro da Virgem preminente:

Que tem muito valor um peito amante.

Porém sois mais que Atlante esclarecido,

Que ele de Alcides pede a fortaleza

Para largar-lhe o Céu, como oprimido:

Diga a Fama que em ũa, e outra empresa

Ele largou o Céu, enfraquecido,

Vós sustentais o Céu, sem ter fraqueza.

AO MESMO SENHOR, MANDANDO A SEU

FILHO DOM RODRIGO DE LANCASTRO

PARA A ÍNDIA

Soneto XX

Mandastes vosso filho desejado

Aos perigos do pélago espantoso,

Porém Tétis, amando o gesto airoso,

Fará que nunca o mar seja alterado.

Nesta ausência cruel, avantajado

No serviço Real, por generoso,

Abalo vos não faz o amor queixoso,

Nem vos perturba o sangue magoado.

Vosso peito fiel ao Rei descobre

Que sois varão de ilustre fortaleza,

Para que com valor virtudes obre.

Pois em vós com plausível inteireza

É mais forte que o filho a Pátria nobre,

Mais o afeto leal, que a natureza.

AO NASCIMENTO DO PRÍNCIPE

NOSSO SENHOR

Soneto XXI

De um Régio tronco, de uma Régia rama,

Qual ramo nasces, e qual flor respiras;

E porque a todos singular prefiras,

Áustria te alenta, Portugal te inflama.

O Monstro alado no seu templo aclama

Futuras obras, a que tanto aspiras;

Que inda, quando entre lágrimas suspiras,

Geme o mar, treme a terra, voa a fama.

De Lísia tomarás o cetro honroso

E te verás na sacrossanta guerra

Absoluto Monarca glorioso.

A teu valor, que a tenra idade encerra,

Prometem para Império poderoso,

Marte o esforço, o mar Tétis, Jove a terra.

À MORTE DA SENHORA RAINHA DONA MARIA

SOFIA ISABEL, ALIVIADA COM A VIDA DOS

SENHORES PRÍNCIPES, E INFANTES

Soneto XXII

Sai o Sol dos crepúsculos do Oriente,

E começando em lúcidos ensaios,

Representa depois ardentes raios

No teatro do Pólo refulgente.

Chega depois ao Ocaso, e quando sente

(Bem que a seu resplandor floresçam Maios)

Na vida, que ostentou, mortais desmaios,

Os Astros ficam pelo Sol ausente.

Assim também alívios semelhantes

Deixa este Sol aos olhos nunca enxutos

Dos corações dos Lusos sempre amantes:

Porque nos deixa, sendo noite os lutos,

Nas Régias prendas Astros rutilantes,

Que sejam de seus raios substitutos.

 

OITAVAS

PANEGÍRICO

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR

MARQUÊS DE MARIALVA,

CONDE DE CANTANHEDE,

NO TEMPO QUE GOVERNAVA

AS ARMAS DE PORTUGAL

Oitavas

Agora, Aquiles Lusitano, agora,

Se tanto concedeis, se aspiro a tanto,

Deponde um pouco a lança vencedora,

Inclinai vossa fronte ao rude canto:

Se minha veia vossa fama adora,

Corra em Mavórcio, corra em sábio espanto,

Cheia de glória, de Hipocrene cheia,

No Mundo a fama, no discurso a veia.

II

Vós, Ramo ilustre de ũa excelsa planta,

Sua genealogia     Que em fecunda virtude enobrecida,

Entre os Troncos mais altos se levanta,

Donde               Grande na estirpe, no valor crescida:

descendem          Tão nobre sempre, que em nobreza tanta,

os Meneses         Com água não, com sangue foi nascida,

Da Infanta heróica; dando em tempos muitos

De espadas folhas, de vitórias fruitos.

III

Escassamente quinze Maios eram,

Que abrem do tenro buço os resplandores,

começou a          Quando logo no peito vos alteram

ensaiar-se na       Guerreira propensão vossos Maiores:

guerra com         Venatório exercício pretenderam

o exercício da       Vossos brios, se verdes superiores,

caça                 Vendo em desejos de tratar escudos

De Cíntia agrados não, de Marte estudos.

IV

Quantas vezes o bruto generoso,

Que em virtude do impulso soberano

Alterna as plantas gravemente airoso,

Correndo            Move a carreira loucamente ufano;

a cavalo             Seguia ao cervo, que de vós medroso,

Asas lhe dava aos pés o próprio dano,

De sorte que seguiu no mesmo alento,

Não bruto ao bruto, porém vento ao vento.

V

Entre os ócios da paz já valoroso

Ostentáveis, Senhor, ao mesmo instante

No peito denodado, e gesto airoso,

Alentado valor, belo semblante;

De sorte pois, que em gênio belicoso,

De sorte pois, que em gentileza amante,

Unindo as prensas de ũa, e outra sorte,

Éreis galhardo Heitor, Narciso forte.

VI

Na manhã tenra da florida idade,

Onde se ofusca a luz do entendimento,

Com névoas de apetites a vontade,

Com nuvens de loucura o pensamento:

Sua mocidade,      Na manhã tenra enfim a claridade

e prudência         Da prudência mostráveis sempre atento,

                       Qual dia belo, que em manhã celeste

Não se orna nuvens, não; raios se veste.

VII

Quando vosso primor alimentava

Os doutos partos do sutil juízo,

Lusitânia feliz vos aclamava,

                       Entre verde saber maduro siso:

Sua ciência na      Lusitania feliz vos admirava,

Mesma idade          Quando entre ostentações de sábio aviso

Frutificava em prevenido abono

Na verde Primavera o rico Outono.

VIII

Quando a Pátria sujeita se rendia

Do Castelhano Império à força crua,

                       Oh como infelizmente se afligia,

Restauração de     Fúnebre, triste, desmaiada, nua!

Portugal, em        Depois isenta da violência impia,

que teve grandes   Despindo as dores da tristeza sua

parte o Senhor      amou-se no ardor de vossa espada

Marquês             Festiva, alegre, valorosa, ornada.

IX

Descingindo da fronte belicosa

As verdes folhas da Arvore funesta,

Dourando a nuvem d'ânsia lastimosa,

O pranto serenou da mágoa infesta:

Ao mesmo          Adornada escarlata generosa,

Entre a voz popular da heróica festa

Juntou, prevendo o forte, e fausto agouro,

Na mão a espada, na cabeça o louro.

X

Roma já não se jacte por ufana

De Cúrcio o arrojo, na lealdade pio,

Não solenize já por soberana

De Fábio a testa, de Marcelo o brio:

Ao mesmo             Pois logra em vós a gente Lusitana,

Pois em vós com mais crédito avalio,

(Unindo três Heróis neste desvelo)

Outro Cúrcio, outro Fábio, outro Marcelo.

XI

Vendo o frecheiro Deus que valoroso

Vosso peito se opunha ao fogo ativo,

Himeneu vos prendeu por amoroso,

Cupido vos frechou por vingativo:

Seu casamento     Sendo vós igualmente amante airoso,

Vós logrando igualmente esforço altivo,

Se ornou no forte ardor, na doce chama

Mavorte o Mirto, Citeréia a grama.

XII

Diga este Amor aquela Aurora, aquela

Descendente do Herói, que em brio tanto

À Senhora           Brilhando em seu valor invicta estrela,

Marquesa de        De Lisia glória foi, d'Africa espanto:

Marialva com       Oh como agora se publica nela,

que casou o         Se a honestidade, se a beleza canto,

Senhor Marquês    Marialva por ilustre simpatia

É de virtudes mar, e Alva do dia!

XIII

Quando vos elegeu supremo Aluno

(Elvas opressa) a Pátria vacilante,

Entre Soldado Capitão, vos uno,

General das         O bastão nobre, a espada fulminante:

armas contra o     Quando rios de sangue vê Netuno,

sítio de Elvas        Pareceu um purpúreo, outro arrogante,

De Lísia o Reino, do Oceano o espelho

Por Arábia Feliz, por Mar Vermelho.

XIV

Campou de Lísia a Flor por renascida,

Murchou a Flor de Ibéria por cortada;

Aquela está no campo esclarecida,

Esta fica no campo desmaiada,

Ao mesmo          A campanha parece florescida,

Sendo no duro Inverno maltratada:

Porque tinta em correntes sanguinosas

De cravos se vestiu, se ornou de rosas.

XV

Ostentando no sítio heroicamente,

Excessos de valor Cipião famoso,

Ulisséia ficou Roma potente,

O Tejo pareceu Tibre glorioso;

E com tantos aplausos excelente

Mostrastes por assombro generoso

Na sorte alegre, no valor impio

Modesto o coração, prudente o brio.

XVI

Marquês vos honra o generoso Atlante,

Se do Céu não, da Lusitana terra,

Sexto Afonso, que em armas fulminante

El-rei D. Afonso     Fez invicto o valor na justa guerra:

VI lhe dá o títilo    Não foi por desempenho, porque amante

de Marquês         Pagara o esforço, que esse braço encerra,

Se Afonso fora no valor profundo

Não Rei de um Reino, não; Senhor de um Mundo.

XVII

Passando ao        Depois seguramente conduzindo

Alantejo com        Contra o Príncipe Austríaco insolente

segundo             Exército segundo, persuadindo

exército, no         Com muda discrição, voz eloqüente:

tempo em que      Com a Deidade Estrimônia competindo,

era governador     Do Tejo abristes o cristal corrente;

das armas           Jacta-se já, pois logra em seu festejo

D. Sancho                Se Netuno o Oceano, Marte o Tejo.

Manuel

                      

XVIII

Na campanha do Ibero mal segura

Vosso nome altamente publicado,

Vitória do            Ambos vencestes a batalha dura,

Cano, que hoje     Sancho guerreiro então, vós respeitado:

se chama de        Com vosso nome a palma se assegura

Ameixal             Somente pelas vozes de afamado,

Quando Lísia aclamou glórias ufanas,

Sendo Sancho Aníbal, o Cano Canas.

XIX

Outra vez com esforço verdadeiro

Governador         No Transtagano império obedecido,  

das armas do       Mostrastes na Província ânimo inteiro,

Partido do           Quando dela tivestes o Partido:

Alantejo. Vitória    Valente o peito foi, no ardor guerreiro,

da praça de         Alcançando a vitória esclarecido,

Valença              (Valença o sabe) que em igual conceito

Valença a Praça foi, valente o peito.

XX

Diga Lísia também a Palma nobre,

Última empresa, da Mavórcia História

Da fama devedora aplausos cobre

Vitória última        Quando a fama por vós alcança a glória;

de Montes           O nome venturoso o sítio dobre

Claros               De Montes Claros na feliz vitória,

Que são da Parca, e Marte os golpes raros

Nos corpos Montes, nas façanhas Claros.

XXI

Cedendo o peito à força sucessiva,

Princípio da         Sendo opresso do Ibero o Lusitano,

batalha, em que    Retrocede, que a sorte compassiva

os Castelhanos     Quis dar um troféu breve ao Castelhano:

se imaginaram      Nos bronzes logo o fero ardor se aviva,

vencedores         E nos ferros se esgrime o brio ufano,

Armam-se os Lusos mais que duros cerros

Com bronzes bronzes, e com ferros ferros.

XXII

Qual Deidade da Esfera luminosa

Entre vapores pérfidos, consente

Que um pouco ofusque a névoa tenebrosa

Alenta-se a          As lisonjas gentis da luz ardente:

batalha por          Porém depois, os golpes da lustrosa

parte dos            Vingança a névoa desmaiada sente,

Portugueses         Vibrando o Sol em férvido desmaio

Luz a luz, chama a chama, raio a raio.

XXIII

Tal o luso valor, que Sol se apura,

Consente entre escondidos ardimentos

Que do Ibero conflito a névoa impura

Ofusque de seu brio os luzimentos:

Alcança-se a        Porém depois na bélica ventura

vitória               Castigando nublados pensamentos

Com luzidas façanhas, vibram logo

Bala a bala, aço a aço, fogo a fogo.

XXIV

Vós posto na eminência agigantada,

Que rouba os raios do medroso Etonte,

Não já de louro vossa fronte ornada,

Posto no monte     Ornada sim de estrelas vossa fronte:

O Senhor            Subis ao Céu na glória celebrada,

Marquês             Sois assombro guerreiro do Horizonte,

Com que o monte por ũa, e outra parte

Fica Atlante do Céu, templo de Marte.

XXV

Quando na Aula celeste visitava

O louro amante do Peneu Louro

Ao Troiano gentil, que a Jove dava

Sua estância        Do Néctar o licor em mesas d'ouro:

no campo em       Entre o nevado horror, que o Céu vibrava

tempo de            Pronto no campo, intrépido ao pelouro,

Inverno              Repousáveis porém com braço feito,

Sendo a neve colchões, as armas leito.

XXVI

Quando entre obstinações do ardor nocivo

Latindo nesse Pólo o Cão luzente,

Vomita em grave horror o fogo esquivo,

Sua estância        Abre na boca adusta o círio ardente:

no campo em       Vosso peito também no esforço vivo

tempo do Estio      Fomentava os ardores de valente,

Ambos ardendo, um de outro satisfeito,

Na calma o círio, no valor o peito.

XXVII

Qual Águia ilustre, que do Sol os raios,

Sendo de altivas plumas adornada,

Sem maltratar-se à luz, sem ter desmaios,

Comparação        Bebe constante, opõe-se remontada:

com a Águia        Vós remontado em bélicos ensaios

mais                 Vendo raios de Marte na estacada,

avantajado          Águia sois, e subis com mais instinto,

Ela ao Planeta quarto, vós ao quinto.

XXVIII

Se fulminais ousado, forte, e ledo

Contra Iberos Gigantes a pujança,

Comparação        Oh que estrago! Oh que lástima! Oh que medo!

de Júpiter           Quando a espada tratais, brandis a lança:

contra os            Mui cedo pelejais venceis mais cedo

Castelhanos         O Transtagano ardor Flegra se alcança,

Vendo Iberos Gigantes, senão erro,

Por Júpiter a vós, por raio o ferro.

XXIX

Qual firme escolho, que no mar resiste

Ao cristalino impulso, que discorre,

Ou quando o mar com crespa fúria insiste,

Sua constância      Ou quando o mar com terso aljôfar corre:

no bom, ou          Assim também quando a borrasca assiste,

mal sucesso         Assim também quando a bonança ocorre,

Já do bem, já do mal; ao mesmo instante

Constante sois no bem, no mal constante.

XXX

Se espedaçando escudo, arnês, e malha

Chovem globos em pólvora incendidos,

Alusão de seu       E se arvoram bandeiras na Batalha,

valor no tremor     Os Castelhanos fortes já vencidos;

da terra, e das      Não fazem globos, que Vulcano espalha, terra, e das

bandeiras           Não fazem ventos nos troféus movidos,

Faz somente o valor, que em vós se encerra,

As bandeiras tremer, tremer a terra.

XXXI

Qual Órion de estrelas matizado,

Para que com cristais ao Mundo ofenda,

Da procelosa espada nasce armado,

Luminosa no Céu, no mar tremenda:

Comparação de         Tal vós com vossa espada denodado

sua espada          Fazeis de estragos tempestade horrenda,

Se bem com mais terror, que em glória nossa

Água esperdiça aquela, e sangue a vossa.

XXXII

Em vosso peito habitam finalmente

Todas as prendas do primor glorioso,

Se não sois mil Heróis, Conde excelente,

Breve elogio de     Sereis por vezes mil Herói famoso:

suas virtudes       Lograis bélico ardil, voz eloqüente,

Prudente discrição, valor ditoso,

Severo agrado, sangue esclarecido,

Amado no temor, no amor temido.

XXXIII

Sendo vós exemplar da humana glória,

Sendo do Luso Império forte amparo,

Para eterno papel de vessa história

Suas ações          Bronzes Corinto dê, mármores Paro:

eternizadas, e      Vós esculpido na fatal vitória,

seu retrato          Vós retratado no conflito raro;

temido por elas     Metam medo aos remotos, aos vizinhos,

Lenhos na imagem, no retrato linhos.

XXXIV

Cesse a Musa, senhor, retumbe a fama,

Destempere-se a Lira, entoe a Trompa,

Que quando o Plectro humilde vos aclama,

Sua fama do        É bem que a tuba o Plectro me interrompa:

Oriente até o        Se vosso esforço como Sol se afama,

Poente               Dos Gigantes a filha os ares rompa,

Donde se veste esse Planeta louro

Mantilhas de rubi, mortalhas de ouro.

À ROSA

Oitavas

Inundações floridas de Amaltéia

Prodigamente Clóri derramava

E líquida em rocio a sombra feia

No fraudulento Bruto, o Sol brilhava:

Quando entre tanta flor, que Abril semeia,

Fidalgamente a rosa se adornava,

Ostentando por garbo repetido

De ouro o toucado, de âmbar o vestido.

II

Esta gala, que veste generosa,

Deve aos cândidos pés da Deusa amante,

E ficando no orvalho mais lustrosa,

Deve estimar da Aurora o mal constante:

De sorte que no prado fica a Rosa

Com desditas alheias arrogante,

Pois quando se entroniza brilhadora,

Sangue de Vênus tem, pranto de Aurora.

III

Quando esse Deus de raios aparece,

Agrado dando à vista, luz ao prado,

A Deidade das flores amanhece,

Ao prado dando luz, à vista agrado:

E quando a Primavera resplandece

Com gala verde, e brilhador toucado,

Fica sendo no adorno de verdores

Jóia esta flor, e gargantilha as flores.

IV

Em galharda altivez tanto se afina,

Que vestida de púrpura fermosa

Adulação se arroga de divina,

Desprezando o primor de majestosa:

Por Deidade do campo peregrina

Não lhe faltam perfumes de olorosa,

E quando Deusa dos jardins e aclamo,

Faz templo do rosal, altar do ramo.

V

Ave purpúrea no jardim lustroso

Soberbamente a considera o dia,

As verdes ervas são ninho frondoso,

Donde a fragrante adulação se cria:

Se respira do alento o deleitoso,

Se desprega da pompa a bizarria,

Forma em tanta beleza, em olor tanto

As folhas asas, a fragrância canto.

VI

Com plácidos requebros assistida

Do Zéfiro fecundo a Rosa amada,

Lhe dá lascivos beijos por querida,

E vermelha se faz de envergonhada:

Já se encalma com chama padecida,

Já respira com ânsia suspirada,

Oh como no jardim, quando se adora

Sente Zéfiro amor, ciúmes Flora!

VII

Como Lua no Céu entre as estrelas,

Campa fermosamente em resplandores

Entre as flores a Rosa, é Lua entre elas,

Brilhando o prado, Céu; astros, as flores:

Por vantagens se jacta horas mais belas,

Nem se escondem c'o sol os seus primores,

Se brilha a Lua; a Rosa vencer trata

Com raios de rubi raios de prata.

VIII

Mas ai, quão brevemente se assegura

A flor purpúrea no primor luzido!

Que não logre isenções a fermosura!

Que a morte de ũa flor rompa o vestido!

Oh da Rosa gentil mortal ventura!

Que logo morta está, quando há nascido,

Sendo o toucado do infeliz tesouro

Em berço de coral sepulcro de ouro.

IX

Se vivifica a grã, se olor expira,

Dando lisonja ao prado, ornato à fonte,

No doce alento, e bela grã se admira

De Sido inveja, emulação de Oronte:

Mas se vento aromático respira,

Mas se lhe pinta o luminoso Etonte

Da cor a sombra, passa num momento

Qual sombra a sombra, como vento, o vento.

X

Se abre a Rosa pomposo nascimento,

Se bebe a Rosa nacarada morte,

Se foi Sol no purpúreo luzimento,

Também se iguala Sol na breve sorte:

Se o Sol nasce, e padece o fim violento;

Nasce a Rosa, e padece o golpe forte,

De sorte que por morta, e por luzente

No Ocaso ocaso tem, no Oriente oriente.

XI

Se, Anarda, vibras na beleza ingrata

Raios de esquiva, de fermosa raios,

Adverte, adverte, que um rigor maltrata

Adulação de Abris, primor de Maios:

Ouve na flor, que desenganos trata,

As mudas vozes dos gentis desmaios;

Atente enfim teu néscio desvario,

Que a fermosura é flor, o tempo Estio.

XII

Não queiras, não, perder com cego engano

Dessas flores, que logras, a riqueza,

Vê pois que cada idade por teu dano

É sucessivo Inverno da beleza:

Aprende cedo, Anarda, o desengano

Desta ufana, já morta, gentileza,

Não queiras, não, perder em teu desgosto

Do Dezembro da idade o Abril do rosto.

 

CANÇÕES VÁRIAS

À MORTE DA SENHORA RAINHA

DE PORTUGAL

DONA MARIA SOFIA ISABEL

Canção primeira

Que pavor, que crueza?

Que pena, que desdita a Lísia enluta!

Já do pranto a tristeza,

Como mar lagrimoso, ao mar tributa;

Vendo Netuno, para novo espanto,

Que tem dois mares, quando corre o pranto.

II

Espanha lastimada

Pelas razões do sangue generoso,

Toda se mostra irada,

E brama contra o golpe rigoroso,

E para ser no Mundo mais temido,

Por boca do Leão faz o bramido.

III

Mostra Alemanha o fino

Excesso quando sente o seu tormento,

Porque do Palatino

A pátria faz ser próprio o sentimento;

E o Danúbio, que é rio arrebatado,

Parece que na dor se vê parado.

IV

França, que nobremente

A Lusitânia ostenta amor seleto,

De luto reverente

A seus Francos vestiu com franco afeto;

E tendo nesta mágoa altas raízes,

Em roxos lírios troca as brancas Lises.

V

Itália a dor publica

Em Florença, que rica se nomeia,

Mas de mágoas é rica;

Nápoles bela em dor se torna feia:

Porém Roma, que santa se conhece,

Com Princesa tão santa se engrandece.

VI

América sentida

Faz tanta estimação da dor, que ordena,

Que desejara a vida

Eterna, para ser eterna a pena;

E quando no tormento mais se alarga,

O doce açúcar troca em pena amarga.

VII

A belíssima Aurora,

Que chora de Mémnon a morte escura,

Também padece, e chora

Desta perda cruel a desventura;

E com dobrada dor da infausta sorte

Se uma morte chorou, chora outra morte.

VIII

O Sol, que luminoso

Tem o império das luzes no Hemisfério,

Já não quer ser lustroso,

E quisera largar o claro império,

Pois de uma Águia Real na morte triste

O majestoso vôo não lhe assiste.

IX

Também padece a Lua

Desta mágoa infeliz o desalento,

E quando mais flutua,

No inconstante noturno luzimento

Minguante, e cheia está, se a dor se estréia

Minguante em glórias, de desditas cheia.

X

As estrelas luzentes,

Que ao Sol no claro Pólo substituem,

Parecendo inclementes,

Se presságios cruéis ao Mundo influem,

Com tal rigor desta influência usaram,

Que em cometas infaustos se trocaram.

XI

Os Planetas errantes,

Triste a Saturno tem no Céu rotundo;

Vênus para os amantes

Tem da sorte feliz o bem jucundo;

Porém para Isabel, que é Vênus pura,

Não quis Vênus ser astro da ventura.

XII

O Cipreste funesto,

Que se levanta ao Céu triste, e frondoso,

Neste tormento infesto

Prepara os ramos seus por lastimoso,

E tendo o ser, que é só vegetativo,

Em corpo se transforma sensitivo.

XIII

A pacífica Oliva,

Que no Dilúvio foi da paz consorte,

Quando sente a nociva

Tirania infeliz da Parca forte,

Já não serve de paz, antes ostenta

O dilúvio das lágrimas, que alenta.

XIV

A palma celebrada,

Que contra o peso fica mais gloriosa,

Agora desmaiada

Se vê menos robusta, e vigorosa:

Porque ao peso da pena padecida

Toda humilde se vê, toda oprimida.

XV

O jardim, que florido

Era com Flora, e Zéfiro formoso,

Hoje se vê despido,

Feio, fúnebre, inculto, deslustroso,

Porque por esta morte inopinada

Zéfiro triste está, Flora anojada.

XVI

A Rosa, que ostentava

A beleza da púrpura olorosa,

E sempre se jactava

Ser Rainha das flores imperiosa,

Como vê desenganos de Rainhas,

Não quer mais que nas dores as espinhas.

XVII

O Cravo que exalante

Do belo olor se veste de escarlata,

Já não brilha flamante,

Quando sente da Morte a fúria ingrata,

Antes mostra na cor, sangue vestido,

Que do golpe da dor ficou ferido.

XVIII

O jasmim, que a beleza

Tem na neve animada, que a sustenta,

Perdeu a gentileza;

Já no frágil candor se desalenta;

E tendo a Parca a seta despedido,

Alvo ficou da seta amortecido.

XIX

Sente pois Pedro Augusto

Perder o Sol, a flor, o dia claro,

Pois tendo sempre adusto

Entre chamas de amor o peito caro;

Agora vê nas faltas da alegria

Posto o Sol, seca a flor, escuro o dia.

XX

Sente o culto sagrado

De ũa Rainha Santa o afeto pio,

Pois com devoto agrado

Fazia da humildade o senhorio,

Como quem altamente conhecia

Que a Púrpura também carcomas cria.

XXI

Sente o Palácio ilustre

A saudade da altíssima Princesa,

A quem deve seu lustre,

E da melhor Política a grandeza,

Que sendo Palatina, no amor fino

Fez do régio Palácio Palatino.

XXII

Sentem todas as Damas

A falta desta Aurora, que assistiam,

E como ilustres ramas

Do seu favor o orvalho mereciam,

E perderam, faltando seus fulgores,

De tantas esperanças os verdores.

XXIII

Sente a casta Donzela

A falta de Isabel, que tanto amava

Quando na idade bela

O tálamo ditoso lhe buscava,

E se Cupido armava seus enganos,

Himeneu casto lhe impedia os danos.

XXIV

Sente a caterva pobre

Da liberal senhora a perda rara,

Quando por mão tão nobre

Tantas vidas da morte restaurara,

Vencendo contra as Parcas desabridas

O poder, que intentavam sobre as vidas.

XXV

Sente o Preso os clamores,

Que lhe faz padecer a morte brava,

Que Isabel com favores

Da Justiça os rigores temperava

Conhecendo na espada da justiça,

Que era o sumo rigor suma injustiça.

XXVI

Sente enfim todo o povo

Esta tristeza atroz, e desumana:

Que não é caso novo

Sentirem todos o que a todos dana;

Pois perdeu, quando fica ao desamparo,

Todo o bem, toda a glória, todo amparo.

Canção, suspende o metro,

Que de tanta desdita o triste pranto

Me desafina a voz, faz rouco o canto.

A LUÍS DE SOUSA FREIRE

ENTRANDO DE CAPITÃO DE INFANTARIA

NESTA PRAÇA NO TEMPO EM QUE ERA

GOVERNADOR DO ESTADO DO BRASIL

ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE

Canção II

I

Alegre o dia em pompas festejadas

Nos estrondos das armas repetidos,

Entre aplausos de afetos bem nascidos,

Entre mágoas de invejas malcriadas:

Das militares turbas ordenadas

Feito esquadrão na Praça belicoso,

Brilha Apolo invejoso,

E quer formar por competências belas

Praça de luzes, esquadrão de estrelas.

II

Nas várias galas, que a Milícia airosa

Com bom gosto traçou, vestiu com graça,

Entre as cores do adorno a mesma Praça

Parece Primavera belicosa:

De sorte que por glória misteriosa

Flora, e Belona alegremente unidas,

Em armas aplaudidas,

Entre os caprichos da Milícia ornada,

Florida está Belona, Flora armada.

III

Sendo triste o valor por iracundo,

E sendo a guerra feia por esquiva,

Quando mortais ações aquele aviva,

Quando esta ostenta a Marte furibundo;

Hoje se veste com primor jucundo

Do que teceu Itália, Holanda, e França

A Militar pujança;

Hoje na pompa, que esta, e aquele encerra,

Fica alegre o valor, fermosa a guerra.

IV

No militar concurso o Deus vendado

Deseja acompanhar-vos, Freire belo,

E para retratar Márcio desvelo

De aljava, e frechas se oferece armado:

Hoje ser vosso Alferes alentado

Quisera Amor; e em fácil simpatia

Da bélica alegria

Ensaiando-se em uma, e outra prenda,

Venáb'lo a seta faz, bandeira a venda.

V

Vomitado o sulfúreo mantimento

Do fogoso arcabuz entre os sentidos,

Perdem-se nos estrondos os ouvidos,

E nos ares feridos geme o vento:

Parece tempestade, e no ardimento

Da pólvora se forja o raio errante,

Nuvens o militante

Esquadrão condensado, quando em giros

É relâmpago o ardor, trovões os tiros.

VI

Quantas bandeiras vedes despregadas

Por lisonja de bélicos empenhos,

Vos hão de ser felices desempenhos,

Inda hão de ser por vossa destra honradas:

Que sendo as inimigas castigadas,

Cingida a fronte de Apolíneo louro,

Com venturoso agouro

Tereis, logrando sempre igual vitória,

Não glória de troféus, troféus de glória.

VII

Quando a lança brandis heroicamente

No flórido verdor da gentileza,

Vos prognosticam todos na destreza

De general o cargo preminente:

Para apoio fatal da Lísia gente

Sereis na guerra Aquiles Lusitano

Contra o Império Otomano,

E mudareis por que ele se submeta,

Em bastão grave a desigual gineta.

VIII

Do veneno gostoso, bem que ardente.

Gloriosamente Vênus abrasada

Com dois motivos, tanto amor lhe agrada,

Se vos vê belo, se vos vê valente:

Renovando as memórias igualmente

De Adônis, e de Marte já queridos,

Ressuscita os sentidos,

E a vós só rende, quanto aos dois reparte,

Pois novo Adônis sois, e novo Marte.

IX

Cioso o Trácio Deus se convertera

Em nova Fera, que seu mal vingara,

Se em vosso peito o ardor não respeitara,

Se em vosso rosto o gesto não temera:

Com causas duas maior queixa altera

De dois agravos, pois de amor cioso,

Do valor receoso,

Vosso primor a Marte desabona,

Pois vos quer Vênus, pois vos quer Belona.

X

Na forja Lilibéia fatigado

Vulcano está, que Citeréia amante

Lhe pede um forte escudo rutilante

Para cobrir-vos, Freire, o peito amado:

Nas férreas oficinas ocupado,

Lhe falta o braço já, já nos suores

Correm rios de ardores,

E quando gota a gota estila a fronte,

Queima o ar, coze o ferro, abala o monte.

XI

Com sutil traça, com engenho agudo,

Competindo a fadiga, e sutileza,

Grava Vulcano por maior empresa

O brasão nobre no brilhante escudo:

Dos vossos ascendentes bem que mudo

As grandezas publica generosas,

Quando em ações famosas

Os vossos Sousas têm por Armas suas

As Régias Quinas, as partidas Luas.

XII

O semblante da guerra temeroso

Nos poucos lustros não vos mete horrores,

Bem que logreis nos anos os verdores,

Primeiro que varão sois valoroso:

Antecipais à idade o brio honroso,

Qual Águia, qual Leão sois parecido

No vôo, e no bramido,

Porque as feras despreza, e ao Sol se aprova,

Bem que novo Leão, bem que Águia nova.

XIII

Não obra em vosso peito o esforço tarde,

Já da guerra o rigor tendes bebido,

Que do exemplo de Avós já persuadido,

Vos ferve o sangue, o coração vos arde:

Em tão floridos anos vos aguarde

Feliz a sorte; e chegareis ditoso

A ser Herói famoso:

Que quando brilha o Sol no roxo Oriente,

Chega a luz clara ao pálido Ocidente.

XIV

Sabendo as artes do Mavórcio ofício,

A roda não temais da Deusa cega,

Que quando vosso ardor nele se entrega,

Já Mercúrio vos dita esse exercício:

Com sábio esforço, sem grosseiro vício

Vosso gênio será sempre afamado,

Das artes ajudado,

Dando Mercúrio contra a sorte avara

A firme base, a poderosa vara.

XV

De vosso tio Sousa esclarecido

Que as ações imiteis agora espero,

Que inda sente Marrocos horror fero,

Com que dos Africanos foi temido:

E em paga do valor sempre aplaudido

América governa venturosa

Na presença gloriosa,

Que a parte de dois mares satisfeita

África o teme, América o respeita.

XVI

Vede de vosso tio a clara história.

Com que valente, e sábio já se aclama,

Dando-lhe ilustremente a mesma fama

O templo altivo da imortal memória:

Sendo dele a virtude tão notória,

Emudece a calúnia de admirada,

E para avantajada

Glória sua, que o mérito lhe veja,

Vença o Mundo, honre a Fama, prostre a inveja.

XVII

Lenços lhe pinte Apeles excelente,

Estátuas lhe consagre Fidias raro,

Retrate Apeles seu esforço claro,

Esculpa Fídias seu saber prudente:

Porém não, que no Céu gloriosamente

Altas ações se escrevam de seu brio:

Que na fama confio,

Se hão de formar para memória delas

Tábua o Céu, pena o Sol, tinta as estrelas.

Canção, suspende o canto,

Que prometo afinar, se Febo inspira,

O Plectro humilde, a temerária Lira.

DESCRIÇÃO DO INVERNO

Canção III

I

Ira-se horrendo, e se orna tenebroso

Renovado na sombra o Inverno esquivo,

Aos afagos do Zéfiro nocivo,

Às carícias de Flora rigoroso:

Com vestido de nuvens impiedoso

Melancólica a fronte carregada,

Por velho desagrada,

E tendo a chuva sempre em seus rigores,

Enfermo está de lânguidos humores.

II

Aumenta seu rigor o triste Inverno,

Encarcerando no queixoso Pólo

A luz propícia do gentil Apolo,

E mais que Inverno, fica escuro inferno:

Apolo pois com sentimento externo

Entra na casa atroz do Deus lunado,

Que de luas armado

Dois chuveiros vibrando, arma inclementes

Em minguantes de Lua, de água enchentes.

III

Vomita o Bóreas no furor ingrato

O nevado rigor, bem que luzido,

Adornando aos jardins branco vestido,

Despindo dos jardins o verde ornado:

Sendo ao prado nocivo, aos olhos grato,

Da neve esperdiçada o candor frio,

Nos disfarces de impio

Parece a neve em presunção fermosa

Emplumado candor, ou lã chuvosa.

IV

Prisioneiros se vêem arroios claros,

Quiçá, porque murmuram lisonjeiros,

Dando às almas avisos verdadeiros,

Dando a perfeitos Reis exemplos raros;

Da prata fugitiva sendo avaros,

O frio caramelo os prende duro:

Que pois o cristal puro

Corre louco, castigam com desvelo

Loucuras de cristal, pedras de gelo.

V

A planta mais galharda, que serena

Era verde primor, lisonja ornada,

Padece nus agravos de prostrada,

Perde subornos plácidos de amena;

E quando tanta lástima lhe ordena

Do vento, bem que leve, a grave injúria,

Ao brio iguala a fúria,

Pois no exame dos golpes inimigo

Folha a soberba foi, vento o castigo.

VI

Pede o Céu contra o vale, contra o monte

O socorro cruel da horrenda prata,

Quando bombardas de granizos trata,

Escurecendo a luz na irada fronte;

Vertendo bravo sucessiva fonte,

Formando condensado guerra escura,

Contra a terra conjura

Quando não por assombros, por vinganças

De sombras esquadrões, de aljôfar lanças.

VII

Mas logo o mar soberbo ao mesmo instante

Por vingar generoso a terra impura,

Levanta de cristais soberba pura,

Sacrilégios argenta de arrogante:

Pois opõe contra Jove, qual gigante

Em montes de cristal de cristal montes,

E em densos horizontes

Jove quiçá, por fulminar desmaios,

De nuvens se murou, se armou de raios.

VIII

O lenho pelas ondas navegante

Sendo de vários ventos combatido.

Teme o profundo mal de submergido,

Padece o triste horror de flutuante:

A marítima turba naufragante

Alarido levanta lastimoso

Contra o Céu rigoroso,

Vendo que a escura, e súbita procela

Quebra o leme, abre a tábua, rompe a vela.

Canção, na bela Fílis

Outro Inverno repetem mais escuro

A tristeza que sinto, a dor, que aturo.

DESCRIÇÃO DA PRIMAVERA

Canção IV

I

Campa no campo agora

A mãe das flores belas,

Brilham de Febo os raios nas estrelas,

Que em lindos resplandores

Alternam, como irmãos, ledos candores.

Ledo o candor se adora:

Que se a luz não se ignora,

Porque o candor, e o ledo se conceda,

Do Cisne filhos são, filhos de Leda.

II

Pintor Maio luzido

Em diversos primores

Tantas tintas mistura, quantas cores;

Sendo do lindo Maio

Pincel valente o matutino raio;

E em quadros repartida

A pintura florida,

Maio pintor alegre, em cópias tantas

De flores quadros faz, sombra das plantas.

III

O campo reverdece,

Os cravos purpureiam,

As açucenas de candor se asseiam,

As violetas fermosas

Vestem diversas cores por lustrosas:

A Vênus reconhece,

Quando a rosa amanhece

Com tanta ostentação, que é nos verdores

Mais que de Vênus flor, Vênus das flores.

IV

O tronco florescente

Forma com duros laços

Vegetativos de seus ramos braços,

E seus verdes cabelos

Lascivamente se penteiam belos:

Que o vento reverente

O serve cortesmente,

E para ser galã na mocidade

Buço nas flores tem, verdor na idade.

V

Celebra alegremente

O volátil concento

Da Primavera o verde nascimento,

(Sendo os rios sonoros

Instrumentos gentis a vários coros)

Cantando brandamente,

Saltando airosamente,

Nas doces vozes, desiguais mudanças,

Cantos se entoam, e se alternam danças.

VI

O Sol Rei luminoso

Entre o estrelado Império

Entroniza esplendores no Hemisfério,

Vendo com luz amada

A província do giro dilatada;

Despendendo piedoso

Favores de lustroso,

Ficando por rebelde, e por querida

A sombra desterrada, a luz valida.

VII

Oh como alegre Flora

De flores adornada

Jaz no leito das ervas recostada!

Oh que beijo amoroso

Favônio lhe repete deleitoso.

Se o prado ri, se chora

Vitais perlas Aurora,

(Dando de vário estado mudo aviso)

Da Aurora o pranto vê, do prado o riso.

Canção, na bela Nise

Quando em seus Maios seu verdor se esmera,

Podes ver retratada a Primavera.

AO OURO

Canção V

I

Este que em todo o mundo obedecido,

Este que respeitado

Nos subornos mortais de pretendido,

Agravo esquivo, mais que lindo agrado,

Morte se aclama, pois da mesma sorte

É pálido o metal, pálida a Morte.

II

Os Monarcas sustentam poderosos

Neste metal prezado

Impérios, se violentos, generosos;

Porém tendo nos Reis império amado,

(Executando fáceis vitupérios)

Tem império nos Reis, é Rei de Impérios.

III

A justiça corrompe verdadeira;

No Ministro imprudente

Quebra as regras de justa, as leis de inteira;

Pois este forma no interesse ardente

(Não com fiel, mas infiel desprezo)

Da cobiça a balança, do ouro o peso.

IV

Inferno se padece lastimoso,

Não se logra Ouro claro

Nas graves pretensões de cobiçoso,

Nos obséquios solícitos de avaro;

Um o procura, outro não goza dele,

Este Tântalo está, Sísifo aquele.

V

Quando faltava d'ouro a gentileza,

A gente pobre, e rica

Lograva idade de ouro na pobreza.

Mas quando nesta idade se publica

Em contrários motivos de impiedade,

De ferro idade fez, não de ouro idade.

VI

Qual Áspid', que entre flores escondido

Na florida beleza

Brota ao peito o veneno mal sentido,

Assim pois na luzida gentileza

Mata o metal, matando brilhadores

Nos luzimentos um, outro nas flores.

VII

Profanando de Dânae a vã pureza

Em chuvosos amores,

Apesar de engenhosa fortaleza,

Apesar dos cuidados guardadores,

Murchou na chuva de ouro rigorosa

O modesto jasmim, a virgem Rosa.

VIII

Entre o logro da paz solicitada

A guerra determina

Bem que ouro brilha, enjeita a paz dourada;

E quando Márcias confusões afina

A paz compra de sorte, que na terra

Guerra se vê da paz, é paz da guerra.

IX

A Natureza em veias escondidas

Cria o metal oculto,

Quiçá piedosa das mortais feridas:

Mas quando o desentranha humano insulto,

Da mesma veia, donde nasce belo,

Corre logo a ambição, mana o desvelo.

X

O rigor se arma, a guerra se refina,

A cobiça se apura,

A morte contra o peito se fulmina,

O engano contra o peito se conjura

De sorte, que acumula ao peito humano

Rigor, guerra, cobiça, morte, engano.

Canção, suspende já de Euterpe o metro,

Que em Fílis tens para cantar no Pindo

De seu cabelo de ouro, ouro mais lindo.

SAUDADES DE UM ESPOSO AMANTE PELA

PERDA DE SUA AMADA ESPOSA

Canção VI

I

Agora que altamente

Me lastima o rigor, me assalta a pena,

Agora que eloqüente

Fala o silêncio quando a voz condena,

Agora pois quando meu Bem me deixa,

Corra o pranto, obre a mágoa, suba a queixa.

II

Qual flor em flor cortada

Te murchaste meu Bem (ah morte feia!)

Oh como desmaiada

A florida república se afeia,

Pois perdeu toda a flor na morte dura,

O âmbar leve, a grã bela, a neve pura!

III

O sol já retirado

Menos formoso, menos claro o vejo,

Pois eras seu cuidado;

Eras do lindo Sol seu vão desejo,

Sendo sim seus ardentes resplandores

Não ardores de luz, de amor ardores.

IV

Oh como pede à sombra

Que o resplandor lhe embargue, a luz lhe furte!

E se na dor se assombra,

Pede à noite também que o dia encurte,

Pois perdeu tristemente na alegria

Melhor luz, melhor Alva, e melhor Dia.

V

Belíssima senhora,

Que choro ausente, que venero amante,

Na Pátria vencedora

De ũa morte cruel te vês triunfante;

E por que venças tudo, em igual sorte

Venceste os corações, venceste a morte.

VI

Entre mil saudades

Morta te estimo, e te desejo viva:

Mas ah que em mil idades

Se frustra o rogo, a lástima se aviva,

Tendo em dobrado mal, que ao peito corta.

Vivo o desejo, a esperança morta!

VII

Quando te considero

Algum tempo em meus braços (ai que mágoa!)

Logo este golpe fero

O que logro em ardor, me solta em água,

Competindo entre si por desafogo

Nos olhos a água, e no peito o fogo.

VIII

Se vives retratada

Neste meu coração, que te ama ausente,

Fica a dor mitigada

Neste enganoso bem, por aparente;

Mas ai que fica, quando a dor me aperta,

Falsa a consolação, a mágoa certa!

IX

Lá no Empíreo gloriosa

Lembra-te deste amor, que tanto apuro:

Que esta pena amorosa

Solicito constante, fino aturo;

E impressa na alma minha pena interna,

Fica imortal o amor, a mágoa eterna.

X

Deixaste-me uma prenda

Para alívio feliz da mágoa crua,

Que, quando te eu pretenda,

Lograsse meu desejo cópia tua:

Mas ai que é maior mal, pois nas memórias

Saudades sinto, quando finjo glórias!

Canção, depõe o plectro,

Que já me impede o pranto

Que altere a voz, e que prossiga o canto.

 

À ILHA DE MARÉ

TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA

Silva

Jaz em oblíqua forma e prolongada

A terra de Maré toda cercada

De Netuno, que tendo o amor constante,

Lhe dá muitos abraços por amante,

E botando-lhe os braços dentro dela

A pretende gozar, por ser mui bela.

Nesta assistência tanto a senhoreia,

E tanto a galanteia,

Que do mar de Maré tem o apelido,

Como quem preza o amor de seu querido:

E por gosto das prendas amorosas

Fica maré de rosas,

E vivendo nas ânsias sucessivas,

São do amor marés vivas;

E se nas mortas menos a conhece,

Maré de saudades lhe parece.

Vista por fora é pouco apetecida,

Porque aos olhos por feia é parecida;

Porém dentro habitada

É muito bela, muito desejada,

É como a concha tosca, e deslustrosa,

Que dentro cria a pérola fermosa.

Erguem-se nela outeiros

Com soberbas de montes altaneiros,

Que os vales por humildes desprezando,

As presunções do Mundo estão mostrando,

E querendo ser príncipes subidos,

Ficam os vales a seus pés rendidos.

Por um, e outro lado

Vários lenhos se vêem no mar salgado;

Uns vão buscando da Cidade a via,

Outros dela se vão com alegria;

E na desigual ordem

Consiste a fermosura na desordem.

Os pobres pescadores em saveiros,

Em canoas ligeiros,

Fazem com tanto abalo

Do trabalho marítimo regalo;

Uns as redes estendem,

E vários peixes por pequenos prendem;

Que até nos peixes com verdade pura

Ser pequeno no Mundo é desventura:

Outros no anzol fiados

Têm aos míseros peixes enganados,

Que sempre da vil isca cobiçosos

Perdem a própria vida por gulosos.

Aqui se cria o peixe regalado

Com tal sustância, e gosto preparado,

Que sem tempero algum para apetite

Faz gostoso convite,

E se pode dizer em graça rara

Que a mesma natureza os temperara.

Não falta aqui marisco saboroso,

Para tirar fastio ao melindroso;

Os Polvos radiantes,

Os lagostins flamantes,

Camarões excelentes,

Que são dos lagostins pobres parentes;

Retrógrados c'ranguejos,

Que formam pés das bocas com festejos,

Ostras, que alimentadas

Estão nas pedras, onde são geradas;

Enfim tanto marisco, em que não falo,

Que é vário perrexil para o regalo.

As plantas sempre nela reverdecem,

E nas folhas parecem,

Desterrando do Inverno os desfavores,

Esmeraldas de Abril em seus verdores,

E delas por adorno apetecido

Faz a divina Flora seu vestido.

As fruitas se produzem copiosas,

E são tão deleitosas,

Que como junto ao mar o sítio é posto,

Lhes dá salgado o mar o sal do gosto.

As canas fertilmente se produzem,

E a tão breve discurso se reduzem,

Que, porque crescem muito,

Em doze meses lhe sazona o fruito.

E não quer, quando o fruto se deseja,

Que sendo velha a cana, fértil seja.

As laranjas da terra

Poucas azedas são, antes se encerra

Tal doce nestes pomos,

Que o tem clarificado nos seus gomos;

Mas as de Portugal entre alamedas

São primas dos limões, todas azedas.

Nas que chamam da China

Grande sabor se afina,

Mais que as da Europa doces, e melhores,

E têm sempre a vantagem de maiores,

E nesta maioria,

Como maiores são, têm mais valia.

Os limões não se prezam,

Antes por serem muitos se desprezam.

Ah se Holanda os gozara!

Por nenhũa província se trocara.

As cidras amarelas

Caindo estão de belas,

E como são inchadas, presumidas,

É bem que estejam pelo chão caídas.

As uvas moscatéis são tão gostosas,

Tão raras, tão mimosas,

Que se Lisboa as vira, imaginara

Que alguém dos seus pomares as furtara;

Delas a produção por copiosa

Parece milagrosa,

Porque dando em um ano duas vezes,

Geram dois partos, sempre, em doze meses.

Os Melões celebrados

Aqui tão docemente são gerados,

Que cada qual tanto sabor alenta,

Que são feitos de açúcar, e pimenta,

E como sabem bem com mil agrados,

Bem se pode dizer que são letrados;

Não falo em Valariça, nem Chamusca:

Porque todos ofusca

O gosto destes, que esta terra abona

Como próprias delícias de Pomona.

As melancias com igual bondade

São de tal qualidade,

Que quando docemente nos recreia,

É cada melancia ũa colmeia,

E às que tem Portugal lhe dão de rosto

Por insulsas abóboras no gosto.

Aqui não faltam figos,

E os solicitam pássaros amigos,

Apetitosos de sua doce usura,

Porque cria apetites a doçura;

E quando acaso os matam

Porque os figos maltratam,

Parecem mariposas, que embebidas

Na chama alegre, vão perdendo as vidas.

As Romãs rubicundas quando abertas

A vista agrados são, à língua ofertas,

São tesouro das fruitas entre afagos,

Pois são rubis suaves os seus bagos.

As fruitas quase todas nomeadas

São ao Brasil de Europa trasladadas,

Porque tenha o Brasil por mais façanhas

Além das próprias fruitas, as estranhas.

E tratando das próprias, os coqueiros,

Galhardos, e frondosos

Criam cocos gostosos;

E andou tão liberal a natureza

Que lhes deu por grandeza,

Não só para bebida, mas sustento,

O néctar doce, o cândido alimento.

De várias cores são os cajus belos,

Uns são vermelhos, outros amarelos,

E como vários são nas várias cores,

Também se mostram vários nos sabores;

E criam a castanha,

Que é melhor que a de França, Itália, Espanha.

As pitangas fecundas

São na cor rubicundas

E no gosto picante comparadas

São de América ginjas disfarçadas.

As pitombas douradas, se as desejas,

São no gosto melhor do que as cerejas.

E para terem o primor inteiro,

A vantagem lhes levam pelo cheiro.

Os Araçases grandes, ou pequenos,

Que na terra se criam mais, ou menos

Como as peras de Europa engrandecidas,

Com elas variamente parecidas,

Também se fazem delas

De várias castas marmeladas belas.

As bananas no Mundo conhecidas

Por fruto, e mantimento apetecidas,

Que o Céu para regalo, e passatempo

Liberal as concede em todo o tempo,

Competem com maçãs, ou baonesas,

Com peros verdeais ou camoesas.

Também servem de pão aos moradores,

Se da farinha faltam os favores;

É conduto também que dá sustento,

Como se fosse próprio mantimento;

De sorte que por graça, ou por tributo,

É fruto, é como pão, serve em conduto.

A pimenta élegante

É tanta, tão diversa, e tão picante,

Para todo o tempero acomodada,

Que é muito avantajada

Por fresca, e por sadia

À que na Ásia se gera, Europa cria.

O mamão por freqüente

Se cria vulgarmente,

E não o preza o Mundo,

Porque é muito vulgar em ser fecundo.

O mar'cujá também gostoso, e frio

Entre as fruitas merece nome, e brio;

Tem nas pevides mais gostoso agrado,

Do que açúcar rosado;

É belo, cordial, e como é mole,

Qual suave manjar todo se engole.

Vereis os Ananases,

Que para Rei das fruitas são capazes;

Vestem-se de escarlata

Com majestade grata,

Que para ter do Império a gravidade

Logram da c'roa verde a majestade;

Mas quando têm a c'roa levantada

De picantes espinhos adornada,

Nos mostram que entre Reis, entre Rainhas

Não há c'roa no Mundo sem espinhas.

Este pomo celebra toda a gente,

É muito mais que o pêssego excelente,

Pois lhe leva avantagem gracioso

Por maior, por mais doce, e mais cheiroso.

Além das fruitas, que esta terra cria,

Também não faltam outras na Bahia;

A mangava mimosa

Salpicada de tintas por formosa,

Tem o cheiro famoso,

Como se fora almíscar oloroso;

Produze-se no mato

Sem querer da cultura o duro trato,

Que como em si toda a bondade apura,

Não quer dever aos homens a cultura.

Oh que galharda fruta, e soberana

Sem ter indústria humana,

E se Jove as tirara dos pomares,

Por ambrosia as pusera entre os manjares!

Com a mangava bela a semelhança

Do Macujé se alcança;

Que também se produz no mato inculto

Por soberano indulto:

E sem fazer ao mel injusto agravo,

Na boca se desfaz qual doce favo.

Outras fruitas dissera, porém basta

Das que tenho descrito a vária casta;

E vamos aos legumes, que plantados

São do Brasil sustentos duplicados:

Os Mangarás que brancos, ou vermelhos,

São da abundância espelhos;

Os cândidos inhames, se não minto,

Podem tirar a fome ao mais faminto.

As batatas, que assadas, ou cozidas

São muito apetecidas;

Delas se faz a rica batatada

Das Bélgicas nações solicitada.

Os carás, que de roxo estão vestidos,

São Lóios dos legumes parecidos,

Dentro são alvos, cuja cor honesta

Se quis cobrir de roxo por modesta.

A Mandioca, que Tomé sagrado

Deu ao gentio amado,

Tem nas raízes a farinha oculta:

Que sempre o que é feliz, se dificulta.

E parece que a terra de amorosa

Se abraça com seu fruto deleitosa;

Dela se faz com tanta atividade

A farinha, que em fácil brevidade

No mesmo dia sem trabalho muito

Se arranca, se desfaz, se coze o fruito;

Dela se faz também com mais cuidado

O beiju regalado,

Que feito tenro por curioso amigo

Grande vantagem leva ao pão de trigo.

Os Aipins se aparentam

Co'a mandioca, e tal favor alentam,

Que têm qualquer, cozido, ou seja assado,

Das castanhas da Europa o mesmo agrado.

O milho, que se planta sem fadigas,

Todo o ano nos dá fáceis espigas,

E é tão fecundo em um, e em outro filho,

Que são mãos liberais as mãos de milho.

O arroz semeado

Fertilmente se vê multiplicado;

Cale-se de Valença, por estranha

O que tributa a Espanha,

Cale-se do Oriente

O que come o gentio, e a Lísia gente;

Que o do Brasil quando se vê cozido

Como tem mais substância, é mais crescido.

Tenho explicado as fruitas, e legumes,

Que dão a Portugal muitos ciúmes;

Tenho recopilado

O que o Brasil contém para invejado,

E para preferir a toda a terra,

Em si perfeitos quatro AA encerra.

Tem o primeiro A, nos arvoredos

Sempre verdes aos olhos, sempre ledos;

Tem o segundo A, nos ares puros

Na tempérie agradáveis, e seguros;

Tem o terceiro A, nas águas frias,

Que refrescam o peito, e são sadias;

O quarto A, no açúcar deleitoso,

Que é do Mundo o regalo mais mimoso.

São pois os quatro AA por singulares

Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.

Nesta Ilha está mui ledo, e mui vistoso

Um Engenho famoso,

Que quando quis o fado antiguamente

Era Rei dos engenhos preminente,

E quando Holanda pérfida, e nociva

O queimou, renasceu qual Fênix viva.

Aqui se fabricaram três Capelas

Ditosamente belas,

Ũa se esmera em fortaleza tanta,

Que de abóbada forte se levanta;

Da Senhora das Neves se apelida,

Renovando a piedade esclarecida,

Quando em devoto sonho se viu posto

O nevado candor no mês de Agosto.

Outra Capela vemos fabricada.

A Xavier ilustre dedicada,

Que o Maldonado Pároco entendido

Esse edifício fez agradecido

A Xavier, que foi em sacro alento

Glória da Igreja, do Japão portento.

Outra Capela aqui se reconhece,

Cujo nome a engrandece,

Pois se dedica à Conceição sagrada

Da Virgem pura sempre imaculada,

Que foi por singular e mais formosa

Sem manchas Lua, sem espinhos Rosa.

Esta Ilha de Maré, ou de alegria

Que é termo da Bahia,

Tem quase tudo quanto o Brasil todo,

Que de todo o Brasil é breve apodo;

E se algum tempo Citeréia a achara,

Por esta sua Chipre desprezara,

Porém tem com Maria verdadeira

Outra Vênus melhor por padroeira.

 

ROMANCES

AO GOVERNADOR

ANTÔNIO LUÍS GONÇALVES DA CÂMARA

COUTINHO EM AGRADECIMENTO DA

CARTA QUE ESCREVEU A SUA MAJESTADE

PELA FALTA DA MOEDA DO BRASIL

Romance I

Em esdrúxulos

Escreveis ao Rei Monárquico

O mal do Estado Brasílico,

Que perdendo o vigor flórido,

Se vê quase paralítico,

Porém vós, como Católico,

Imitando a Deus boníssimo,

Lhe dais a Piscina plácida

Para seu remédio líquido.

De todo o corpo Repúblico

O dinheiro é nervo vívido,

E sem ele fica lânguido,

Fica todo debilíssimo.

Em vossos arbítrios ótimos

Sois três vezes científico,

Ditando o governo de

Ético, Econômico, e Político.

Aos Engenhos dais anélitos,

Que estando de empenhos tísicos,

Tornam em amargo vômito

O mesmo açúcar dulcíssimo.

Também da pobreza mísera

Atendeis ao estado humílimo,

Assim como o raio Délfico

Não despreza o lugar ínfimo.

Aos Mercadores da América

Infundis de ouro os espíritos.

Quando propondes o próvido

Com pena de ouro finíssimo.

Pasma em Portugal atônito

Todo o estadista satírico,

E as mesmas censuras hórridas

Vos dão fáceis Panegíricos.

Se falais verdade ao Príncipe,

Não temais o Zoilo rígido,

Que ao Sol da verdade lúcida

Não faz mal o vapor crítico.

O Brasil a vossos méritos,

Como se fora Fatídico,

Vos anuncia o cetro máximo

Sobre o Ganges, e mar Índico.

Sois em vossas obras único

Para maiores, ou mínimos,

Sois na justiça integérrimo,

Sois na limpeza claríssimo.

Sois descendente do Câmara,

Aquele Gonçalves ínclito,

Que com discurso Astronômico

Sujeitou golfos marítimos.

Sois também Coutinho impávido,

Mas vosso couto justíssimo

Não val a homicidas réprobos,

Nem a delinqüentes ríspidos.

Vosso filho primogênito

Aprende de vós solícito

As virtudes para Bélico,

As ações para Magnífico.

Em seus anos inda lúbricos

Tem verdores prudentíssimos,

É com gravidade lépido,

É sem soberba ilustríssimo.

Vivei Senhor muitos séculos

Entre aplausos felicíssimos

Onde nasce Apolo férvido,

Onde morre Apolo frígido.

A ŨA DAMA, QUE TROPEÇANDO DE NOITE

EM ŨA LADEIRA, PERDEU UMA

MEMÓRIA DO DEDO

Romance II

Bela turca de meus olhos,

Corsária de minha vida,

Galé de meus pensamentos,

Argel de esperanças minhas;

Quem te fez tão rigorosa,

Dize, cruel rapariga?

Deixa os triunfos de ingrata,

Busca os troféus de bonita.

Não te queiras pôr da parte

De minha desdita esquiva:

Que a beleza é muito alegre,

Que é muito triste a desdita.

Se ostentas tanto donaire

Com fermosura tão linda,

Segunda beleza formas

Quando a primeira fulminas.

E se cair na ladeira

Manhosamente fingias,

Tudo era queda do garbo,

Tudo em graça te caía.

Não tinha culpa o sapato,

Que o pezinho não podia,

Como era coisa tão pouca,

Com beleza tão altiva.

Botando o cabelo atrás,

(Oh que gala, oh que delícia!)

A bizarria acrescentas,

Desprezando a bizarria.

Toda de vermelho ornada,

Toda de guerra vestida

Fazes do rigor adorno,

Fazes da guerra alegria.

A tantas chamas dos olhos

Teu manto glorioso ardia;

Por sinal que tinha a glória,

Por sinal que o fumo tinha.

Liberalmente o soltaste:

Que era o teu manto, menina,

Pouca sombra a tanto Sol,

Pouca noite a tanto dia.

Se de teu dedo a memória

Perdeste, é bem que o sintas;

Que de meu largo tormento

Tens a memória perdida.

Dar-te-ei por melhores prendas,

Que minha fé te dedica,

Dois anéis de água em meus olhos,

Que de chuveiros te sirvam.

Agradece meus cuidados,

E recebe as prendas minhas;

Se tens da beleza a jóia,

Os brincos de amor estima.

Se cordão de ouro pretendes

Por jactância mais subida,

Aceita a prisão de uma alma,

Que é cordão de mais valia.

A todos estes requebros

Não quis atender Belisa,

Que se é diamante em dureza,

Só de diamantes se alinda.

PINTURA DE UMA DAMA CONSERVEIRA

Romance III

No doce ofício Amarilis

Doce amor causando em mim,

Seja a pintura de doces;

Doce aveia corra aqui.

Capela de ovos se adverte

A cabeça em seu matiz,

Fios de ovos os seus fios,

Capela a cabeça vi.

A testa, que docemente

Ostenta brancuras mil,

Sendo manjar de Cupido,

Manjar branco a presumi.

Os olhos, que são de luzes

Primogênitos gentis,

São dois morgados de amor,

Donde alimentos pedi.

Fermosamente aguilenho

(Ai que nele me perdi!)

Bem feita lasca de alcorça

Parece o branco nariz.

Maçapão rosado vejo

Em seu rosto de carmim,

Nas maçãs o maçapão,

No rosto o rosado diz.

Entre os séculos da boca,

(Purpúrea inveja de Abril)

Em conserva de mil gostos

Partidas ginjas comi.

Os brancos dentes, que exalam

Melhor cheiro que âmbar-gris,

Parecem brancas pastilhas

Em bolsinhas carmesins.

Com torneados candores

(Deixemos velhos marfins)

Toda feita diagargante

Vejo a garganta gentil.

Os sempre cândidos peitos,

Que escondem leite nutriz,

Se não são bolas de neve,

São bolos de leite, sim.

As mãos em palmas, e dedos,

Se em bolos falo, adverti.

Entre dois bolos de açúcar

Dez pedaços de alfenim.

Perdoai, Fábio, dizia,

Que no retrato, que fiz,

Fui Poeta de água doce

Quando no Pindo bebi.

PINTURA DOS OLHOS DE UMA DAMA

Romance IV

Os olhos dois de Belisa,

Em seu rosto amor compara,

Seu rosto flores-de-lis,

Seus olhos Pares de França.

Com mui soberbos rigores,

Com mui feras ameaças

São dois valentões de luzes,

Dois espadachins de graças.

Línguas de fogo parecem,

Em que meu peito se abrasa.

Línguas são, pois falam mudas,

De fogo, pois vibram chamas.

Dizem que o Céu competindo

Lhe deu, chegando-lhe à cara,

De luzes dois beliscões,

De estrelas duas punhadas.

E desta briga formosa

Bem que as luzes da Muchacha

Não ficaram desairosas,

Ficaram dali rasgadas.

Outros dizem que a menina

Foi contra Amor tanto irada,

Que arrancara a Amor os olhos,

Que os olhos de Amor roubara.

Mas se por força os não dera,

Sempre sentira a desgraça;

Pois quando a Muchacha vira,

Logo de amante cegara.

De sorte que desta perda

Como envergonhado estava,

Quis adornar-se ũa venda

Por disfarçar ũa mágoa.

E daqui vem que seus olhos,

Que ao cego arqueiro tomara,

Frechas despedem de amores,

Prisões solicitam de almas.

Não se queixe o deus Cupido,

Pois o império lhe dilata,

Esgrimindo aqueles furtos,

Fulminando aquelas armas.

PINTURA DE UMA DAMA NAMORADA

DE UM LETRADO

Romance V

Quando agora mais amante

Vos vejo estar estudando

Cuidados da Deusa Astréia

Nos ócios do Deus vendado;

Pois amais um Serafim,

Donde achais como letrado,

Que se aclama Peregrino

Quanto sois Feliciano.

O cabelo, que por negro,

E por lustroso comparo,

É muito Nigro nas cores,

É muito Febo nos raios.

Traz nos olhos, e na testa

Alvoroto, pois alcanço

Que Alva se ostenta por branca,

Que o Roto tem por rasgados.

Com Júlio Claro parecem,

Se estão peitos abrasando;

Cada qual no ardor é Júlio,

Cada qual na luz é Claro.

Se o gracioso rosto advirto,

Se o belo nariz retrato,

É seu nariz Fermosino,

É seu rosto Graciano.

Na boquinha faladora,

Que mui rosada a declaro,

É nas vozes Parladoro,

É nas cores Rosentálio.

A Mascardo, e Lambertino

Na língua, e nos dentes acho;

É na língua Lambertino,

É nos seus dentes Mascardo.

Tomásio, e Nata pondero,

Se os peitos, e mãos comparo;

Nos peitos de leite a Nata,

Nas mãos de avara a Tomásio.

Leotardo o coração julgo

Com rigores igualados;

É nos rigores mui Leo,

É nos favores mui Tardo.

Espino, e Salgado, amigo,

Quero nela ponderar-vos;

É seu desdém todo Espino,

Todo seu dito é Salgado.

Enfim se quereis de Clóri

Os favores soberanos,

Dai-lhe lições de Moneta,

Tereis estudos de Amato.

À FONTE DAS LÁGRIMAS, QUE ESTÁ

NA CIDADE DE COIMBRA

Romance VI

Verte pródiga ũa penha

Das durezas apesar

Serenidades de aljôfar,

Esperdiços de cristal.

Esta penha carregada

Em triste sombra se faz,

Por perder de Inês a luz,

Por sentir de Inês o mal.

Dos dois amantes é pranto,

Que em ser duro o Amor fatal

Entre durezas o guarda,

Entre durezas o dá.

Doce, e liberal a prata

Fonte de amor se diz já.

Que Amor se alimenta doce,

Que Amor se induz liberal.

Sua a penha; mas que muito,

Se no adusto cabedal

Quis pranto de ardor verter,

Quis fogo de amor suar.

O Deus Frecheiro se admira

De ver que com pranto tal

Verde lisonjeia o prado,

Ameno respira o ar.

De sua fé retratava

A bela Inês singular

A constância no penhasco,

A pureza no cristal.

Quando voa a turba alada,

O vendado Deus rapaz,

Faz Cupidilhos das aves,

Forma Chipre do lugar.

Os limos no largo tanque

Ali se vêm pentear,

Que a seus úmidos cabelos

Pentes de prata lhes dá.

Ali Vênus celebrada

Das cristalinas Irmãs,

Estima as Ninfas do tanque,

Despreza as Ninfas do mar.

Ali muitos choupos crescem

Verdes, que verdes os faz

Aquela firme esperança

Daquele amor imortal.

A um tempo do vento, e d'água

Sobe, e campa cada qual

Tifeu do vento frondoso,

Narciso d'água galã.

Esta das lágrimas fonte

Na douta Coimbra está,

Que se é do saber escola,

Diz que Pedro soube amar.

 

SEGUNDO CORO DAS RIMAS CASTELHANAS EM VERSOS AMOROSOS DA MESMA ANARDA

PROÊMIO

 

Soneto I

No canto hazañas de Mavorte impío,

Canto victorias de Cupido airado,

Cuando en la guerra atroz de mi cuidado

Cautivó dulcemente mi albedrío.

A pesar de envidioso desvarío

Pretende ser mi amor eternizado

Por divina virtud de un bello agrado,

Que reverente adora el pecho mío.

Si en ansia ardiente al corazón encalma

El fuego amante de un gentil sujeto,

Corone el canto de mi amor a la palma.

Mi fuego pues con uno y otro efecto,

Si da con vivo mal ardor al alma,

Dé con sabio favor Luz al concepto.

ENCARECIMENTO DA FERMOSURA DE ANARDA

Soneto II

Bello el clavel ostenta sus colores,

Bella la rosa en el jardín se admira,

Bello el lirio fragante olor respira,

Bello el jasmín se viste de candores.

Bello el Abril produce alegre flores,

Bello el Sol en la cuarta esfera gira,

Bella la Fénix nace de su pira,

Bella la Luna esparce resplandores.

Mas con Anarda dulcemente hermosa

No puede hallarse en todo el suelo alguna

Hermosura, que brille luminosa.

Con su belleza singular ninguna

Belleza tener pueden clavel, Rosa,

Lirio, Jazmín, Abril, Sol, Fénix, Luna.

DIFERENTES EFEITOS DE UM PEITO

AMANTE, E ROSTO AMADO

Soneto III

Hermoso siempre, siempre atormentado,

Tu rostro agrada, vive el pecho mío,

Roba tu rostro el fácil albedrío,

Siente mi pecho el infeliz cuidado.

Tu rostro alegre de mi pecho amado,

Mi pecho amante de tu rostro impío,

Luce tu rostro en bello señorío,

Arde mi pecho en fuego suspirado.

Sufre penas mi pecho lastimoso,

Ostenta resplandor tu rostro tierno,

Con luz tu rostro, el pecho sin reposo.

Viendo tu gracia pues mi mal eterno,

Veo en tu rostro el paraíso hermoso,

Veo en mi pecho el miserable infierno.

NÃO PODE AMAR OUTRA DAMA

Soneto IV

Del ave ilustre, que en primor lozano

De las otras se vio Reina volante,

Bebiendo rayo a rayo el sol brillante,

Peinando vuelo a vuelo el aire vano.

Sus alas, si las junta alguna mano,

Consumen cualquier ala en lo arrogante:

Que aun el odio en las aves es constante,

Que aun aprenden el mal del ser humano.

Así pues en mi amor, que en bellas galas

Es águila mejor de lucimientos,

Si, Anarda, con tus ojos le regalas,

Consumen, si las juntan mis intentos,

Como reales alas otras alas,

Mis pensamientos otros pensamientos.

ENCARECIMENTO DO RIGOR DE ANARDA

Soneto V

No es tan contrario el ocio del cuidado,

Del vicio descortés el caballero,

Del vasallo fiel el lisonjero,

Del discreto saber el rico estado,

Del Monarca perfecto el rostro airado,

Del noble corazón el odio fiero,

Del engañoso vil el verdadero,

La dicha alegre del hermoso agrado:

No es tan contraria, no, la hipocresía

De la virtud desnuda, y del sosiego

Con sangriento rigor la guerra impía;

No es tan contrario, no, del agua el fuego,

El bien del mal, y de la noche el día,

Como se opone Anarda al niño ciego.

QUE O AMOR HÁ DE SER POUCO

FAVORECIDO

Soneto VI

Cuando acaso se enciende el fuego ardiente,

Las cóleras de llamas vomitando,

Si aura poca respira un soplo blando,

Le fomenta las llamas blandamente.

De suerte que se aviva más luciente

En sus llamas hermosas; pero cuando

Aura mucha está soplos respirando,

Mata sus llamas, y su ardor desmiente.

Pues así, si el Amor con fuerza impía

Aviva llamas, cuando a un pecho trata,

Con la misma ocasión su ardor se enfría;

De suerte que a su llama, oh dulce Ingrata,

El aura poca de favor le cría,

El aura mucha de favor le mata.

ESTUDO AMOROSO

Soneto VII

Dichosamente soy docto estudiante

En la universidad de tu belleza;

Aprendiendo preceptos de tristeza,

Aprendiendo también leyes de amante.

La justicia, es amar tu Sol brillante

Con infalibles reglas de fineza,

Defendiendo altamente la firmeza,

Negando sabiamente lo inconstante.

Es Aula el corazón en mis pasiones,

Do se explican del llanto los despojos,

Son los olvidos falsas opiniones:

Y decorando fácil tus enojos,

Lecciones de morir son las lecciones,

El Maestro el Amor, libros tus ojos.

QUE SEU AMOR SE VÊ PERDIDO NOS

OLHOS, E CORAÇÃO DE ANARDA

Soneto VIII

La vista de tus ojos brilladores

El alma, Anarda esquiva, considera

Del fuego abrasador mejor esfera,

Dos hermosos epítomes de ardores.

Tu corazón, Anarda, en los rigores,

Que a un pecho amante esquivamente altera,

Todo hielo en desdenes se pondera,

Todo nieve se copia en disfavores.

En graves penas, en tristezas sumas

Ningún sosiego de mi amor aclamas,

Porque con dos motivos le consumas;

Pues volando mi amor cuando le inflamas,

Tu vista abrasa sus incautas plumas,

Hiela tu corazón sus dulces llamas.

QUE NÃO PODE O AMOR ABRASAR

A ANARDA

Soneto XII

El diamante que en fondo luminoso

Entre piedras de precios excelentes,

Si las otras se ven Astros lucientes,

Él brilla de las otras Sol hermoso.

Si le asiste el veneno riguroso,

Vibra el diamante fuerzas tan vehementes

Que impide las ponzoñas más valientes,

Que resiste al rigor más venenoso.

Así pues la belleza esquiva, y pura

De Anarda hermosa el mismo efecto aclama,

Cuando con ella Amor su llama apura.

Pierde su fuerza pues, y no la inflama,

Siendo diamante, la belleza dura,

Siendo veneno, la amorosa llama.

QUE ATÉ QUANDO DORME

NÃO DEIXA DE CHORAR

Soneto XIII

Cuando amorosas penas atesoro

En hermoso de incendios dulce encanto,

Con mil endechas lloro lo que canto,

Con mil lágrimas canto lo que lloro.

Prende el sueño mis penas, y no ignoro

Que me embarga las ansias de mi llanto,

Quizá porque en mi fe no llore tanto,

Que pueda faltar llanto en lo que adoro.

Mas cuando al sueño llama dulcemente

No tiene Amor las lágrimas en calma,

Porque dentro del alma las consiente:

Que en ella viendo Amor su dulce palma,

Si deja de llorar hacia la frente,

Quiere llorar entonces hacia el alma.

LÁGRIMAS DE ANARDA POR OCASIÃO

DE SEUS DESDÉNS

Soneto XIV

Cuando fulmina borrascoso el Cielo

Lluviosas armas del Diciembre impío,

Flechando al pecho con agudo frío,

Cerrando el día con nublado velo;

Cuando embarga con cándido desvelo

El hielo prisionero en pobre río,

Como la perla del gentil rocío

Nace el cristal del embargado hielo.

Así también, Anarda, cuando tienes

El pecho esquivo al amoroso encanto,

Es fuerza que el cristal del llanto ordenes;

Pues con la misma acción, que imitas tanto,

Si tu pecho es un hielo de desdenes,

Del hielo del desdén nace tu llanto.

VERIFICA ALGUMAS FÁBULAS EM SEU AMOR

Soneto XV

No es fabulosa, no, la angustia viva,

Que padece ligado el Prometeo,

Pues el águila ilustre de un deseo

Roe mi pecho en la prisión altiva;

No es fabuloso, no, que en la nociva

Sombra infernal cantase el sacro Orfeo,

Pues en infierno de amoroso empleo

Canto con rudo plectro pena esquiva.

No es fabuloso de Faetón osado

El intento del Sol mal conseguido,

Ni de Isis el desvelo enamorado:

Que está mi pensamiento, y mi sentido

Al rayo de un rigor precipitado,

Al lazo de un afecto suspendido.

AMOR NAMORADO DE ANARDA

Soneto XVI

Cansado el ciego Dios de herir flechero

Las nobles almas con incendio hermoso,

Quiso buscar sosiegos de gustoso

Quien motiva cuidados de severo.

Viendo de Anarda el rostro lisonjero,

Pensó que Venus era, y delicioso

Gustando en ella halagos de un reposo,

Provó lo dulce, reprovó lo fiero.

Pero después sabiendo (en lo arrogante)

Que Anarda no era Venus, inflamado

Amó de Anarda la beldad triunfante;

De suerte que en asombros del cuidado

El propio Amor se vio de Anarda amante,

El propio Amor se vio de amor flechado.

 

CANÇÕES

SOLICITA A ANARDA PARA UM CAMPO

Canção I

Ven, Anarda brillante,

Darás luces al día,

Quitarás la tiniebla al alma mía;

Darás al mismo instante

Con tus plantas, y rayos

Alientos al vergel, al Sol desmayos.

II

Ven al prado, y si alcanza

Piedades el morirme,

Mira el verde laurel, el roble firme;

Pues dirá mi esperanza,

Pues dirá mi amor noble,

Mi esperanza es laurel, mi amor es roble.

III

Verás que el Tajo apura

Oro, y plata canora,

El jazmín, y el clavel, que alienta Flora

Porque de tu hermosura

Retraten el tesoro

El clavel, el jazmín, la plata, el oro.

IV

Si fiera te pregona,

Como hermosa, mi vida,

Este jardín, y bosque te convida.

Pues para tu corona,

Y para el mal, que alteras,

Flores brota el jardín, el bosque fieras.

V

Ven en fin, que si vienes,

En acentos suaves

Esos floridos coros de las aves

Te darán parabienes,

Pues si vienes ahora,

Verán tus ojos Sol, tu rostro Aurora.

VI

Ven pues al bosque, y cuando

Vinieres fatigada,

Aquí te ofrecen, oh Ponzoña amada,

El río cristal blando,

El viento auras gustosas,

Los olmos pabellón, lecho las rosas.

VII

Ven en fin, que la fuente

(Si callo lo que lloro,

Si me encubro la fe, con que te adoro)

Por cándida, y corriente

Te dirá con su canto

La fe de un pecho, de un amor el llanto.

Canción, nunca de Anarda

Hablando la hermosura,

Que no soy dulce Orfeo de Anarda dura.

ANARDA FINGINDO CIUMES

Canção II

I

Anarda, si otros ojos

Me dan desasosiego,

Para causarte enojos

Vibren tus ojos luego,

No rayos de esplendor, rayos de fuego.

II

Si otro rostro me alienta

Amorosos dolores;

En tu rostro, que aumenta

Como Áspid, los rigores,

Coja venenos yo, buscando flores.

III

Si otra boca me apura Ostentaciones finas;

Por que castigues dura

Lo propio, que imaginas,

De tu boca en las rosas halle espinas.

IV

Si por mi corta suerte

Otro cabello adoro;

Rompa la Parca fuerte

Cuando el tuyo enamoro

Los hilos de mi vida en hilos de oro.

V

Si otra mano venero

Con amor soberano,

Cuando tu mano quiero;

Sea a mi ardor ufano

Como nieve en candor nieve tu mano.

VI

En fin si a lo penoso

De otro amor me condeno;

Tu Cielo luminoso

Con nubes de iras lleno

Turbio lo vea yo, nunca sereno.

Canción, si Anarda tiene

El alma, que amor cría,

Sépalo su rigor del alma mía.

 

MADRIGAIS

DESENGANO DA FERMOSURA DE ANARDA

Madrigal I

Anarda, tus engaños

No dejen marchitar tan verdes años,

Adviertan tus locuras

Que el tiempo es fiero Estío de hermosuras.

Y a ti misma en ti misma irás a buscarte,

Y a ti misma en ti misma no has de hallarte.

ANARDA NEGANDO CERTO FAVOR

Madrigal II

Culpóme por agravios

(Por querer ser Abeja de sus labios):

Anarda esquiva, y luego

Hurtándole un clavel mi dulce fuego,

Le dije: Dueño hermoso,

Aunque no quieras tú, seré dichoso,

Besando del clavel porción tan poca,

Pues si beso el clavel, beso tu boca.

ANARDA VISTA, E AMADA

Madrigal III

Cuando las luces de tus ojos veo,

Se enciende mi deseo,

El corazón se inflama

De suerte pues, que en la amorosa llama,

Las que en tus ojos son luces vivientes,

Son en mi corazón llamas ardientes.

AMANTE SECRETO

Madrigal IV

Corazón, arde, y vea

El amor los silencios, satisfecho

De tus cenizas sea

(En cenizas deshecho)

Sepulcro interno tu callado pecho.

MÚSICA, E CRUEL

Madrigal V

Con lisonjera voz mi Bien cantaba,

Ya las piedras quitaba

De su naturaleza

(Quedando a su voz tiernas) la dureza;

Pero cuando se muestra tan impía,

Lo que a piedras quitaba, en sí ponía.

AMOR DECLARADO PELOS OLHOS

Madrigal VI

Cuando inflama escondido

El fuego en sus ardores repetido,

Sube la llama, y luego

Por los balcones se publica el fuego;

Si mi fuego me inflama,

Sube a los ojos la amorosa llama,

Y si a los ojos, cual balcón, se aplica,

Mi fuego muestra, y mi pasión publica.

ANARDA BORRIFANDO OUTRAS DAMAS

COM ÁGUAS CHEIROSAS

Madrigal VII

Vierte la blanca Aurora

Cuando en los campos dulcemente llora

Sobre las flores bellas

El rocío, que sudan las estrellas:

Así pues rocía Anarda con olores,

Siendo Anarda la Aurora, ellas las flores.

RIGOR, E FERMOSURA

Madrigal VIII

Sintiendo tus rigores

Al corazón maltratan mil dolores;

Viendo tus luces puras,

A los ojos recrean mil dulzuras;

Causa pues tu belleza en los enojos

Tormento al corazón, gloria a los ojos.

AMOR MEDROSO

Madrigal IX

Quiero explicar mi daño

En lo amargo dolor de un dulce engaño:

Mas, cuando Anarda veo,

Porque ve tanta luz, tiembla el deseo;

De suerte que variando el dulce fuego,

Temblores hallo, cuando al Sol me llego.

ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO

Madrigal X

Un espejo a mi Dueña retrataba,

Y ella se enamoraba

De su propia belleza;

De suerte que en asombros de fineza

Extraños celos a mi amor apura

Con su propia hermosura su hermosura.

AO MESMO

Madrigal XI

Si el espejo retrata

De tu rara hermosura la altiveza,

Desengañarte trata,

Queriendo allí que mire tu esquiveza

Que es sombra tu belleza.

ETNA AMOROSO

Madrigal XII

Si Cupido me inflama,

Si desdeñas mi empleo;

En amorosa llama,

En nieve desdeñosa el Etna veo,

Con amor, y tibieza

Tenemos su firmeza,

Y en disonancia breve

Suspiro fuego yo, tu brotas nieve.

AIS REPETIDOS

Madrigal XIII

Si suspiros aliento,

No son blandos alivios del tormento,

Vientos sí, que en dolores

Blandamente respiran mis amores,

Porque aviven al pecho, que se inflama

Del fuego amante, la perpetua llama.

DOENÇA AMOROSA

Madrigal XIV

En un penoso lecho

Enfermo vive el pecho;

Los pulsos alterados

Son los varios cuidados,

La cura es la beldad, que amante veo,

La dolencia el Amor, fiebre el deseo.

JARDIM AMOROSO

Madrigal XV

Es mi llama dichosa

Como purpúrea rosa;

Es planta la firmeza

De amorosa terneza;

Por dulce, no por grave

Es el suspiro Céfiro suave;

Y cuando más se adora,

Es mi amor jardinero, Anarda Flora.

GUERRA AMOROSA

Madrigal XVI

Si mi pecho arrogante

Quiere el Reino feliz de la hermosura,

La valentía apura

De una firmeza amante;

Arma fuertes dolores por soldados,

Son los finos cuidados

Las armas, con que cierra,

Enemigo el desdén, Amor la guerra.

ANARDA VESTIDA DE AZUL

Madrigal XVII

Lo azul mi bien vestía,

Como quien a los ojos publicaba

Que quien Cielo se veía;

Como Cielo se ornaba;

Pero dando lo azul celosa pena,

Al infierno de celos me condena,

De suerte que lo azul a mi amor tierno

En ella fue de Cielo, en mí de infierno.

RETRATO AMOROSO

Madrigal XVIII

Amoroso retrato

Quiero ofrecer de Anarda al rostro ingrato;

Sombras son mis tormentos,

Varios colores son mis pensamientos.

Es pintor amoroso

El amor ingenioso,

Y en gloria satisfecha

Es lienzo el corazón, pincel la flecha.

 

DÉCIMAS

ANARDA CRUEL, E FERMOSA

Décima I

Cuando el desdén luminoso

De Anarda bella pondero,

Enamora con lo fiero,

Y maltrata con lo hermoso:

De suerte que en lo amoroso

De mal pagada firmeza,

Porque logre mi tristeza

Entre gloriosa ventura,

Hizo fiera la hermosura,

Hizo hermosa la fiereza.

II

Blanca la frente se aviva,

El pecho duro se estrena;

Este motiva la pena,

Aquella gloria motiva:

Y en esta congoja viva,

En esta gloria alcanzada

Nevada sierra es llamada,

Si lo blanco, y duro encierra,

Siendo por lo duro fiereza,

Y por lo blanco nevada.

III

Ya su corazón embebe,

Ya dibujan sus verdores,

Estos pinturas de flores,

Aquel tibiezas de nieve:

Cuando pues mi amor se atreve

De su hermosura a lo tierno,

De su rigor a lo eterno,

Al mismo tiempo pondera

Que es su rostro Primavera,

Que es su corazón Invierno.

CORAIS DE ANARDA

Décima I

Ese coral venturoso,

Que para aseos de un lazo

Pudo llegar a tu brazo,

Siendo por necio dichoso;

¡Oh cómo brilla glorioso,

Abonando su fineza,

Con tu divina belleza!

Pues ya debe su valor

A tu boca la color,

A tu pecho la dureza.

ANEL DE OURO DE ANARDA

Décima I

Adorno de oro lozano

Mano esquiva aprisionó,

Y no es pozo, pues se vio

Prisionera aquella mano:

Pero en lustre soberano

El oro en la mano ingrata

Tan bellamente la trata,

Que le juzgo aquel tesoro

Breve Zodíaco de oro

En breve ciclo de plata.

SONO INVOCADO

Décima I

Vuela, sueño delicioso,

A darme un ocio furtivo,

Si algún descanso en lo esquivo,

Puede admitir lo amoroso;

Prende los ojos piadoso,

Que si los prendes, se advierte

Por justiciera tu suerte,

Que (Amor teniendo la palma)

Traición hicieron al alma,

Causa dieron a mi muerte.

CÉU NO ROSTO DE ANARDA CONSIDERADO

Décima I

Un Cielo a su rostro veo

Entre esplendores amados.

Dos breves negros nublados

Son de sus cejas aseo;

Es en parecido empleo

Alba la cándida frente,

Ojos Astros, Sol luciente

El cabello se confía,

Es la nariz láctea vía,

La boca puertas de Oriente.

Mote

Muriendo estoy de una ausencia,

Ysi bien muriendo estoy,

No me mata lo que paso,

Mátame lo que pasó.

Glosa

Décima I

Cuando Anarda, en lo arrogante

De una ausencia me apercibo,

A un tiempo me muero, y vivo

De lo ausente, y de lo amante.

Vida del alma constante

Es de un amor la vehemencia,

Que es su propia inteligencia;

De suerte que en mi dolor

Viviendo estoy de un amor,

Muriendo estoy de una ausencia.

II

En esta ausencia que veo,

Afino mi pensamiento,

Lo que es gloria, es mi tormento,

Lo que es pena, es mi deseo;

Vivo con penoso empleo,

Y en la gloria muerto soy,

Si algún bien al alma doy:

De suerte, que en lo que emprendo,

Si estoy mal, estoy viviendo,

Y si bien, muriendo estoy.

III

Solo mi amor ha sentido

De esta ausencia lo tirano,

Que se junta como hermano

Con una ausencia un olvido;

Y se mide mi sentido

De mi pensamiento a mi plazo

El olvido, al mismo paso,

Aunque sufro un mal intenso,

Mátame, sí, lo que pienso,

No me mata lo que paso.

IV

Si muchas veces pondero

Lo que en tu vista he logrado,

Es verdugo del cuidado,

Si antes fue blando, es ya fiero;

De suerte que considero

Que cuando el bien se logró,

Vida, y muerte ocasionó,

Pues en queja padecida

Lo que pasó me dio vida,

Mátame lo que pasó.

 

ROMANCES

RIGORES DE ANARDA REPREENDIDOS

COM SEMELHANÇAS PRÓPRIAS

Romance I

¡Anarda en agrado esquivo!

Anarda en bella exención

Eres Diosa, siendo fiera,

Eres Áspid, siendo flor.

Si eres jardín de hermosura,

Ve del jardín la sazón,

Que es ya florida lisonja,

Si era desnudo rigor.

Si eres fuente en tus cristales,

Ve la fuente, que al favor

Es ya corriente de plata,

Si era de nieve prisión.

Si eres rosa, ve la rosa,

Que en liberal presunción

Comunica rojo agrado,

Presta oloroso vapor.

Si eres Cielo, imita al Cielo,

Que en cuaderno brillador

Es ya de luces papel,

Si fue de nieblas borrón.

Si eres estrella, a lo menos

Las brota oscura ocasión,

Siendo al campo de Zafir

Azucenas de esplendor.

Si eres Aurora, la Aurora

Mostró siempre y siempre dio

Al Orbe purpúrea frente,

Al vergel cándido humor.

Si eres Sol, al Sol advierte,

Que no siempre lo encubrió

Rigurosa densidad,

Descortés exhalación.

Si eres Deidad, las Deidades

Ostentan piadosa acción,

No forman un Dios las aras,

Los ruegos hacen un Dios.

En fin, si eres bella, Anarda,

Ve que parece mejor

Con aura blanda un jardín,

Con sereno día el Sol.

BOCA DE ANARDA

Romance II

Abrevia, Anarda, tu boca

En el callar, y reír,

Toda Fenicia a su grana,

A su plata el Potosí.

Cuando veo en dulces voces

Tu rojo clavel abrir,

En los aires todo es ámbar,

Todo en sus labios carmín.

Prodigiosamente juntos

En ella quieren vivir,

Mucho Enero en poca nieve,

En poca flor mucho Abril.

Las perlas cría la boca,

Y no es mucho presumir

Que ellos son granos de perlas,

Que ella concha de rubí.

Cuando tus labios se abrochan,

Atento los advertí

Dos cortinas de escarlata

Para un lecho de marfil.

Juzgo en fin que el Cielo mismo

Te dio por envidias mil

Una herida de clavel Con un golpe de alhelí.

ANARDA BANHANDO-SE

Romance III

Por la tarde calurosa

Anarda vino a bañarse,

Que esto de echarse a las aguas

Es muy del Sol por la tarde.

Desnudóse, y vióse ornada,

Porque es en mejor alarde

Rico adorno una hermosura,

Hermosa gala un donaire.

A un tiempo humilde, y soberbio,

Queda el cristal del estanque,

Humilde, por excederse,

Soberbio, por ocuparse;

De suerte, que al mismo punto

Se notaba al blanco examen

Cristal con cristal vencerse,

Plata con plata lavarse.

Las aguas pues, y los ojos,

Parecieron al juntarse,

Las aguas blancas vidrieras,

Los ojos Soles brillantes.

Cuando las aguas se mueven,

Parece allí que se aplauden,

Formando líquidas voces,

Haciendo cándidos bailes.

Entre el agua, y entre espuma

Por competencias iguales

Ángel del agua parece,

Venus de la espuma nace.

Amor confuso se admira

De ver que no se desaten

En cenizas las espumas,

En incendios los cristales.

Cual Cintia no me dio muerte,

Porque con más pena acabe

A las manos de un deseo,

A los golpes de un ultraje.

¿Qué pecho librarse puede

De amor, si las aguas se hacen,

Siendo a las llamas opuestas,

De los incendios capaces?

ANARDA COLHENDO FLORES

Romance IV

De un jardín despoja Anarda,

Bien que robado, feliz,

Las caricias de la Aurora,

Las alhajas del Abril.

Aunque las coge, no menguan,

Pues con donaire gentil

Cuantas coge allí la mano,

Tantas el pie cría allí.

Las que coge, y las que deja

En el florido pensil,

Unas morir de corridas,

Otras de envidiosas vi.

Mil flores rinde a sus manos,

Y entonces vieras rendir,

Más que a sus manos mil flores,

A sus ojos almas mil.

Con su roja, y blanca frente

Dichosamente advertí

Que no era la rosa rosa,

Que no era el jazmín jazmín.

Todo a su mano quisiera

Morir, si pudiese así

En ella resucitar,

Y segunda vez morir.

Yo que veía estar cogiendo

El animado marfil

Las flores ya venturosas,

Esto le pude decir:

Anarda, a tus luces

Es acción civil,

Que lo que le diste,

Quites al jardín.

Desengaños oye

A tu presumir

De olorosa nieve,

De ámbar carmesí.

ANARDA DISCRETA, E FERMOSA

Romance V

Cual es más, el Orbe duda

(Anarda entendida, y bella),

Si tu gallarda hermosura,

Si tu discreción perfecta.

¡Oh cómo con dos asombros

Animas dos gentilezas!

Una, que a tu ingenio adorna,

Otra, que a tu rostro asea.

En tu copia de milagros

Se engañó naturaleza,

Pues, cuando te hizo entendida,

Quizá pensó que eras fea.

Pero no, porque era justo

Que en simpatía de prendas,

Haciendo hermosa la concha,

Hiciese hermosa la perla.

Cuando en ti solo abrazadas

Estas venturas se muestran,

Es amistad lo que es odio,

Paz se logra lo que es guerra.

Con mucha razón se casa,

Cuando igualdades ostentan,

Tan hidalgo entendimiento

Con tan hidalga belleza.

Tu discreción, y hermosura,

Si el alma advierte, pondera

Ser la discreción hermosa,

Ser la hermosura discreta.

En tu voz dulces panales

Labrando estás como abeja,

Ya con partido clavel,

Ya con menuda azucena.

Estos peligros no evita

La voluntad más exenta

Porque si de aquel escapa,

Después en este tropieza.

ANARDA PENTEANDO-SE

Romance VI

Surcando Anarda sus luces,

La mano entonces parece

En brillantes ondas de oro

Pequeño bajel de nieve.

Peine de marfil aplica,

Mas dudará quien la viere,

Si se peina los cabellos

Con la mano, o con el peine.

¿Quién puede temer borrascas?

En ondas de oro, ¿quién puede?

Pues turbias se temen nunca,

Lucidas se logran siempre.

Si entre las flores hermosas

Se hallan sierpes, bien se infiere

Que es su rostro hermosas flores

Sus cabellos rubias sierpes.

El Sol, y el Alba aquel día

Sin ser mañana aparecen,

Sol el cabello se esparce,

Alba la mano se ofrece.

Es tan luciente en sus rayos

El cabello, que bien puede,

Si faltare el Sol al día,

Ser sustituto luciente.

Desatado por el cuello

Contrarios efectos tiene,

Pues cuando más suelto al aire,

Entonces más almas prende.

Dije en fin que Amor echaba,

Para que las almas pesque,

En dulce mar de jazmines

Dorados hilos de redes.

ANARDA FUGINDO

Romance VII

Anarda, corres en vano,

Que cuando el alma me llevas,

Aunque vueles, no te apartas,

Aunque corras no me dejas.

Mis males, y quejas oye;

Mas no, que si oyes mis penas,

Ya dejarán de ser males,

Ya dejarán de ser quejas.

Y si solo por matarme,

Dulce enemiga, te alejas,

Espera, no te apresures,

Que me matarás, si esperas.

Oye la peña mis voces,

Párase el Tigre con ellas;

Para, Anarda, si eres tigre,

Oye Anarda, si eres peña.

Mira estas blandas corrientes

De llanto, que Amor las echa

Para aprisionar tu planta,

Para estorbar tu carrera.

Oh si la Diosa de Chipre

Dorados pomos me diera,

Para ver si pies de plata

Con pomos de oro se enfrenan.

No por mí quiero que escuches,

Sino por ver que en las hierbas

Fatigas tu cuerpo hermoso,

Ofendes tus plantas tiernas.

Si ahora te convirtieses

Sacro laurel, ya tuviera

El verdor en mi esperanza,

La corona en mi firmeza.

Lo tierno de estas razones

No escuchas, Anarda bella,

Que Áspid eres, cuando sorda,

Que Áspid eres, cuando fiera.

PENSAMENTO ALTIVO EM

O AMOR DE ANARDA

Romance VIII

Temerario pensamiento,

Vuelve acá, no vueles no,

Ve que son cera tus alas,

Mira que vuelas al Sol.

Si cual Ícaro despliegas

Tu vuelo, temiendo estoy

En el río de mi llanto

El sepulcro de tu error.

Si al Cielo subes, el Roble

Te desengaña el valor,

Que si era Tifeo de ramos,

Es ya del rayo Faetón.

Si un mar de belleza surcas,

La nave, que el mar surcó,

Es ya náufrago escarmiento,

Si era leño volador.

Si al Sol te ofreces, advierte

De un clavel la desazón,

Que es ya despojo de llamas,

Si era púrpura de olor.

Si un duro castillo asaltas,

Mira que ahora se armó

Los cañones de impiedad

Contra las flechas de Amor.

Si buscas el Vellocino

Del cabello brillador,

Ve que le guardan fierezas,

Mira que no eres Jasón.

Abate en fin la osadía,

No quieras dos muertes hoy,

Una muerte al desengaño,

Otra muerte al disfavor.

ANARDA SAINDO A UM JARDIM

Romance IX

Al prado muy de mañana

Anarda sale a un jardín,

Que es estilo del Aurora

Muy de mañana salir.

Ya por Reina de las flores

(Perdone la Rosa aquí)

La aclama el vulgo frondoso,

La jura el noble pensil.

Si bien cuando purpurea

De tanta rosa el rubí,

Más gentil color recibe

De esta Venus más gentil.

Viéndola el rojo clavel,

Viéndola el blanco alhelí,

Era desmayo el candor,

Era vergüenza el carmín.

Nacen mil flores, y cuando

Vieron tanta nieve allí.

Recelaron por Diciembre

Lo que logran por Abril.

Doblan sus ramos las plantas,

Y en lisonjero servir

No es natural fuerza, no,

Es cortés respeto, sí.

Cuando parlaba un arroyo,

Eran lenguas de agua al fin,

Que le celebran lo hermoso,

Que le aplauden lo feliz.

Ausentóse Anarda, y como

El Sol se ausenta, advertí

El jardín sin florecer,

La mañana sin lucir.

ANARDA CANTANDO À VIOLA

Romance X

Pulsa Anarda a un tiempo, y forma

Con una, y con otra acción

Leño armonioso su mano,

Canoro néctar su voz.

Era la música entonces

Dulcísima igual prisión

De las almas, que condujo,

De los vientos que enfrenó.

Todo el corazón se rinde

A tan suave favor,

Que contra su voz Sirena

No hay Ulises corazón.

Parece allí que escondido

Canta en ella un ruiseñor

A la Aurora de su frente,

De sus cabellos al Sol.

Llama al oído, y la vista

Con dobles glorias, que unió,

El oído a su concento,

Y la vista a su esplendor.

Con dos agrados del alma

Dos veces Cielo se vio,

Cielo en plácida armonía,

Cielo en bella ostentación.

En dos claveles parleros

Su música pareció

Corriente de mil dulzuras

Por senda de flores dos.

Hiere en fin los corazones,

Pues para la herida son

Flechas de Amor los acentos,

La Lira aljaba de Amor.

ANARDA FERINDO LUME

Romance XI

En un pedernal Anarda

El fuego solicitó,

¿Cómo pide al pedernal

Lo que pudiera a mi amor?

De la piedra saca el fuego:

Que es costumbre del ardor

Sacar fuego una belleza

Cuando es piedra un corazón.

La piedra hiriendo, y las almas,

Las heridas confundió,

Pues ambas de Anarda viven,

Pues ambas de fuego son.

Cuando mueren las centellas,

Estrellas las juzgo yo,

Que allí caduca su luz,

Porque allí brillaba el Sol.

Si no es ya, que en tanta nieve

De su florido candor

Desmayó cada centella

Cuando tanta nieve vio.

Cada centella una dicha

De Amor juzga mi pasión,

Cuando hermosa se produjo

Cuando breve se extinguió.

Sale el fuego, y cuando sale

El vómito abrasador,

No es de la piedra virtud,

Es de sus ojos acción.

Hizo en fin la lumbre, y luego

La compara el niño Dios

Con la lumbre en su lucir,

Con la piedra en su rigor.

MORRE QUEIXOSO

Romance XII

En acentos lastimosos

Mi corazón se acredite,

Si en dulce amor salamandra,

En muerte quejosa Cisne.

De Anarda se queje el alma,

Que en bello rigor admite

Las espinas en sus rosas,

Las sierpes en sus jazmines.

Dueño ingrato, advierte ahora

Que cuando a mi pecho asistes,

Que te ofendes, si le ofendes

Que te afliges, si le afliges.

Con los ojos, con el alma

Te transformas, te apercibes,

Por basilisco, por áspid,

Cuando matas, cuando finges.

Con los robles, con los olmos

Competimos, fiera Circe,

Tu con estos, por mudable,

Yo con aquellos, por firme.

Ya las fuentes, ya los prados

Sin tus plantas no se visten,

Ni cristal en los Diciembres,

Ni esmeralda en los Abriles.

Ya los campos por venganza

De que ahora no los pises

Abren hierbas venenosas,

Brotan espinas sutiles.

Dos muertes ya tiene el pecho,

Si su muerte pretendiste;

Muere en agua, cuando llora,

Muere en fuego, cuando gime.

Muerto estoy, demos al Mundo

Cuatro prodigios, que admiren,

Tu de tirana, y de hermosa,

Yo de amante, y de infelice.

MORTE CELEBRADA EM ENDECHAS

AMOROSAS

Romance XIII

Ya que conozco ahora

Difunta el alma, sean

Mis llamas los blandones,

Mis voces las exequias.

Las fuentes, y los campos,

Mi amor digan, y vean,

Pues dan voces las aguas,

Pues dan ojos las hierbas.

Hermosíssima Anarda,

Que en rigor, y belleza,

Eres tigre de luces,

Eres Sol de fierezas.

En esta muerte el alma

Porque te lisonjean,

Tus rigores estima,

Mis tormentos festeja.

Pero mi amor se aflige,

Si los gusta, que tenga

Aún contento en los males,

Aún gusto en las tristezas.

Padecer por sus ojos

No puedo, aunque padezca,

Pues son gustos los males,

Pues son glorias las penas.

Ya los males no temo,

Que es una cosa misma,

Mi vida, y mi tormento,

Mis días, y mis quejas.

Tanto el alma los quiere,

Que aun escrúpulo altera

Cuando en placeres habla,

Cuando en contentos piensa.

En la gloria me aflijo,

Mira pues mis finezas,

Que porque no es congoja,

La gloria me atormenta.

Tenga en fin, dulce Anarda, cuando muera

Vivo el amor, y la esperanza muerta.

 

VERSOS VÁRIOS QUE PERTENCEM AO SEGUNDO CORO DAS RIMAS CASTELHANAS, ESCRITOS A VÁRIOS ASSUNTOS

 

À MORTE DA SENHORA RAINHA

DONA MARIA SOFIA ISABEL

COMPARADA COM ECLIPSE DO SOL

Soneto I

Opónese la Luna al Sol flamante,

Y aunque le debe todo el lucimiento,

No le faltó villano atrevimiento,

Para oponerse ingrata al Sol radiante:

Siente la oposición la tierra amante,

Porque ve del eclipse el sentimiento,

Mas aunque el Sol parezca sin aliento,

Para el Cielo se queda Sol brillante.

Así la Reina pues, cual Sol lustroso,

El eclipse padece entristecido

A la tierra, que siente el fin penoso:

Pero volviendo al Cielo es tan lucido,

Que si a la tierra queda tenebroso,

Para el Cielo se ofrece esclarecido.

A UM JASMIM

Soneto II

Tu lozano candor de adorno vivo

Las estrellas del Cielo desafía,

Y si es gloria nevada al claro día,

Es lastimoso ardor al Sol nocivo.

¡Oh cómo en los jardines te apercibo

Hermoso Cisne en blanca lozanía!

Que respiras de olor dulce armonía,

Sintiendo de la muerte el golpe esquivo.

Tu cándida hermosura ves perdida

Entre halagos gentiles de tu suerte,

Siendo lo mismo muerta, que nacida;

Pues cuando tu fortuna más se advierte,

Con muerte dio principios a tu vida,

Con vida dio principios a tu muerte.

ADÔNIS CONVERTIDO EM FLOR

Soneto III

Llorando el bello Adonis Citerea

Entre el muerto coral, que llora tanto,

El prado reverdece con el llanto,

El prado con la sangre purpurea.

Admira en su dolor la luz Febea,

Si no la encubre el tenebroso manto,

Pues vino al día con funesto espanto

De la muerte infeliz la noche fea.

Mas un remedio su tormento quiere,

Que es convertirlo en flor por su fineza,

Y para que otra vez amarlo espere:

Que como es bella flor la gentileza,

Cuando en el golpe su belleza muere,

En la flor resucita su belleza.

NARCISO CONVERTIDO EM FLOR

Soneto IV

Del Silvestre ejercicio fatigado

Buscar quiere Narciso diligente

Los húmedos alivios de una fuente

En los ardientes gustos de un cuidado.

Halla la fuente en fin, y retratado

Galán de su belleza se consiente,

Y con engaños su hermosura siente

En el frío cristal el fuego amado.

En flor después el joven se convierte

Por piedad de los dioses merecida,

La piedad remediando el rigor fuerte:

Pues cuando en el jardín flor se convida,

Si las aguas le dieron triste muerte,

Ya las aguas le dan alegre vida.

À SEPULTURA DE UMA FERMOSÍSSIMA DAMA

Soneto V

Cortó dorado estambre Átropos dura

Con el cuchillo, si violento, ufano,

Al milagro divino de lo humano,

Al compendio feliz de la hermosura.

¡Oh de la Parca mano más impura!

¡Oh de la Parca golpe más tirano!

Impura, pues manchó candor lozano,

Tirano, pues truncó belleza pura.

Cuando tanta hermosura se destierra,

Si por llorar (¡oh peregrino!) el caso,

Quieres saber lo que esa losa encierra;

Advierte, mira que un mortal fracaso

Muchas flores esconde en poca tierra,

Muchos soles sepulta en breve ocaso.

 

CANÇÕES

DESCRIÇÃO DA MANHÃ

Canção I

I

Aurora vengativa

De nublados enojos,

Con que al día agravió noche estrellada,

Lucidamente airada,

Castigando a la noche fugitiva

Sus oscuros despojos,

El manto le rompió, cegó sus ojos.

II

De flores coronada

Derrama dulcemente

El néctar matutino al Sol infante,

Que se mece brillante,

Siendo el rocío leche destilada,

Que en niñez de viviente

Leche el Alba le da, cuna el Oriente.

III

De suerte que luciendo

Con aplauso canoro,

Del Rey del Cielo es Nuncia brilladora,

Y de la roja Aurora,

Como de roja flor, el Sol naciendo,

Brota en bello tesoro

La flor de rosicler, el fruto de oro.

IV

Sale el farol radiante,

Alma hermosa de Mayos

Pestañeando al día luz dudosa,

Y si es en gracia hermosa

Del Hemisferio claro ojo flamante

Forma en rojos ensayos

Por frente el Cielo, por pestañas rayos.

V

Tirando al coche, luego

Calor ardiente ahúman

Los caballos en calles de esplendores,

Y en lucidos ardores

Estrellas pisan, y relinchan fuego,

Y porque más presuman,

Púrpura ruedan, resplandor espuman.

VI

El Cielo venerado

Con plácida armonía,

Que alterna al aire volador desvelo,

Con reverente celo

Al Cielo le festejan lo sagrado

En cultos de alegría

Siendo lámpara el Sol, y templo el día.

VII

El Oriente vestido

De purpúreos candores

Jazmines viste, rosas purpurea,

Y si de luz se asea,

Luminoso se ve, se ve florido

De suerte, que en primores

Jardín de rayos es, Cielo de flores.

Canción, si quieres ser eternizada,

Di que en calladas tintas

Cuando pintas el Sol, Anarda pintas.

DESCRIÇÃO DO OCASO

Canção II

I

Del camino luciente fatigados

Corriendo el cuarto giro todo el día

Buscan a Tetis fria

Los cuatro brutos de Faetón alados;

Frágiles ya con últimos alientos,

Ya con ardor sedientos

Cuando a Neptuno el hospedaje deben,

Corales pacen, y cristales beben.

II

Bella Anfitrite en cristalinos brazos

Recibe alegremente al Sol brillante,

Que en gala de flamante

Le da de incendio amor, y de oro abrazos;

Y cuando mar de fuego el Sol parece,

Con las llamas, que ofrece,

Anfitrite en el último sosiego

Recoge en un mar de agua un mar de fuego.

III

Brillando cual antorcha el Sol lustroso,

(Contra las nieblas del oscuro coche,

Que conduce la noche)

Siendo el Cielo aposento luminoso,

Siendo pálida cera el oro ardiente,

Al último occidente

(Porque nuestro Zodíaco no alumbre)

Gastóse el oro, y se extinguió la lumbre.

IV

Apolo bello bellas ansias siente

Cuando forma crepúsculo dorado

  En el cristal salado

Ya con achaques de esplendor doliente,

Y agonizante con la hermosa vida

Frágilmente lucida

Fluctúa, cuando cierra su tesoro

En urna de cristal el cuerpo de oro.

V

Muere el Sol, y las sombras del abismo

Empiezan a salir en vuelo oscuro,

Si bien esplendor puro

De estrellas sustituye al parosismo,

Que en el mar sepultado el noble Apolo,

Sirve de templo el polo,

Y al túmulo mortal, porque lo aliñen,

Sombras enlutan, y blandones ciñen.

VI

En favor de la noche resplandece

Al Héspero luciente Citerea,

Que entre la sombra fea

Cuando se esconde el Sol, ella amanece,

Cuando amanece el Sol, escóndese ella,

Siendo a su gracia bella

El Oriente gentil Ocaso ardiente,

El Ocaso mortal hermoso Oriente.

Canción, también me esconde

Entre tinieblas de congoja tarda

La noche de la ausencia el Sol de Anarda.

 

ROMANCES VÁRIOS

CAÇADORA ESQUIVA

Romance I

Sigue los tigres huyendo

Del fiero vendado Dios

Sin ver que en igual fiereza

Lo mismo es tigre, que Amor.

Una Zagala del Duero,

Que al mismo tiempo se vio

Para las almas serpiente,

Para los jardines flor;

Y para ser Cielo en todo,

El mismo Cielo le dio

En su pecho la mudanza,

En sus ojos la color.

Por feroz, y hermosa siempre,

Todo en el campo rindió,

A las almas, por hermosa,

A los brutos, por feroz.

Cuando fatiga las selvas,

¡Oh, cómo paga mejor!

Si al campo fieras le quita,

Al campo flores le dio.

Con razón la sigue entonces

Un amante cazador,

Pues cuando siguió la Ninfa

La fiera entonces siguió.

Hermosa Muerte, le dice,

Espera, no corras, no,

No merezca un fiero bruto

Más que un discreto amador.

¡Oh, cómo por estos bosques

Sol te advierto en doble acción!

Eres Sol en ligereza,

Eres Sol en esplendor.

Aunque te ausentes, te veo,

Pues copian a mi pasión

Estas flores tu hermosura,

Estas fieras tu rigor.

Tu suelto cabello, a un tiempo

Agrado, y ofensa, es hoy

Lascivo agrado del aire,

Dorada ofensa del Sol.

Ni quiso más escucharle,

Y en competencias corrió

Del amante el llanto ondoso,

De la Ninfa el pie veloz.

AMANTE DESFAVORECIDO

Romance II

En las orillas del Tajo,

Donde un jardín se compone,

Siendo espejo los cristales,

Siendo vestido las flores;

Desdenes padece Tirse

Tirse, que es en glorias dobles,

Bello agravio de Narciso,

Galán desprecio de Adonis.

Siempre escollo en sus durezas

Nise le fulmina amores;

Áspid hermoso del prado,

Divino Tigre del bosque.

Nise aquella, cuyos ojos,

Por verdes, y brilladores,

Son dos fuegos de esmeralda

Son dos Abriles de soles.

Por su Tetis, por su Aurora

Le aclaman por mar, por montes

Del agua escamosas turbas,

Del aire emplumadas voces.

Ya de Tirse los cuidados,

Y males parecen robles,

Los cuidados por altivos,

Los males por vividores.

De Nise ausente aun le presta

Su pensamiento colores:

Que cuando el Sol se retira,

Nunca faltan arreboles.

Dos firmezas desiguales

Igualan ambas pasiones,

En ella de ingratas iras,

En él de finos ardores.

MORAL QUEIXA

Romance III

Sin firmeza en los contentos,

Sin mudanza en las congojas,

Al son de su llanto canta,

Al son de su canto llora;

Tirse en las playas, que el Tajo

En presunciones ondosas

Ciñe con brazos de plata,

Besa con rubias lisonjas.

Al dulce son apacible

De una cítara, que toca,

¡Oh cuán mal su bien repite!

¡Oh cuán bien su mal pregona!

Estas que pronuncian quejas,

Las selvas, las aves todas,

Atienden calladas unas,

Murmuran parleras otras.

  Los males, y los bienes me acongojan,

Unos con penas, y otros con memorias.

Los males plantas se ofrecen,

Que en altivezas frondosas

Van subiendo ramo a ramo,

Creciendo van hoja a hoja.

¡Oh cómo son desiguales

Cuando males apasionan!

Que al salir plomos se calzan,

Que al entrar plumas se adornan.

Hasta los bienes afligen,

Que en píldoras venturosas

Por inconstantes amargan

Cuando por lindos se doran.

Son preceptos, y anuncios

Para las venturas cortas

Una escuela cada instante,

Un cometa cada rosa,

Los males, y los bienes me acongojan,

Unos con penas, y otros con memorias.

DESPEDIDA AMOROSA

Romance IV

En el tiempo, en que la noche

Oscuro pavón despliega

Para sus alas las sombras,

Por sus ojos las estrellas;

Un Portugués Africano,

Que en valor, y gentileza

Asombro fuera de Marte,

Envidia de Adonis fuera;

A un tiempo prende, y desata

Con una Africana bella,

Prende sus brazos dudosos,

Desata sus voces tiernas.

En la ausencias, le dice,

Las dichas luego se abrevian,

Que a relámpagos de dichas

Suceden rayos de ausencias.

El alma te dejo: pero

Se ofende Amor; pues sin ella

No puedo alentar cuidados,

No puedo sentir tristezas.

Si en darte el alma se ofende,

Mira lo que escrupulea,

Pues siente lo que es ternura

Pues culpa lo que es fineza.

A Dios en fin ella entonces

Bella, y llorosa, se muestra,

Ya como Aurora en sus luces,

Ya como Aurora en sus perlas.

Estas palabras le dice

Bien sentidas, mal discretas,

Entre contentos dormidos,

Entre congojas despiertas.

No te ausentes, que en mi pecho

Si el alma tuya me entregas,

A pesar de tus traiciones

Has de padecer más quejas.

Mas ¡ay! que eres tan esquivo,

Que solo porque padezca,

Te solicitas los males.

Y te prohijas las penas.

Si por sus flechas, y fuego,

Ingrato el Amor desprecias,

Sabe que hay fuego en batallas,

Ve que entre Moros hay flechas.

Bien conozco que las balas

No temes, pues te confiesas

Como acero en los rigores,

Como bronce en las durezas.

Pero, si adviertes, te engañas,

Que cuando el alma me llevas,

Has de ablandarte a los golpes,

Has de aprender las ternezas.

Si a la guerra te aventuras,

Espera, tirano, espera,

Ve que tus ojos son armas,

Mira que el Amor es guerra.

Como siempre en los amores

Ambas las almas se truecan,

Tienes el alma Africana,

Tengo el alma Portuguesa.

Busca, traidor, otra Dama;

No te ausentes, y te sienta

A mis llamas duro mármol,

A sus soles blanda cera.

Mira, ingrato, lo que estimo

Tu vista, que por quererla

Me festejo la desdicha,

Me solicito la ofensa.

Del África en los Desiertos

Viviré, para que vea

Mis llamas en los ardores,

Tus crueldades en las fieras.

Esto dijo, y con desmayos

Se esconden, se desalientan

Ya sus luces en ocasos,

Ya sus rosas en violetas.

Huye el Portugués, y a un tiempo

Le llaman, cuando se aleja,

A sus oídos la trompa,

A sus ojos la belleza.

A UM ROUXINOL

Romance V

Ruiseñor te considero

Por músico, y por veloz,

Como Anfión emplumado,

Como Orfeo volador.

Requiebras siempre al Aurora,

Que también en su pasión

El ave sabe un requiebro,

Corteja al ave un amor.

Si no es, que como el Sol nace,

Que es Príncipe brillador,

Canoramente festejas

El nacimiento del Sol.

Cuando vuelas, cuando cantas,

No distingue mi atención

Si eres ave en leve vuelo,

Si eres Musa en dulce voz.

Como Abeja entre las flores

Me pareces (Ruiseñor)

Que haciendo miel del concento,

La melodía formó.

Esa armonía que formas

En fiera transformación,

¿Cómo es suave, si es queja?

¿Cómo es blanda, si es rigor?

Con ese jardín compites:

Tú, plumas; él hojas dio.

Tú, matices; flores, él.

Tú, suavidad; él, olor.

En la dulce intercadencia

De tus quiebros pienso yo

Que te acuerdas del agravio,

Que te suspende el dolor.

Cuando el viento no respira

A tu canto superior,

No es serenidad del día,

Es de tu canto prisión.

AO AMOR

Romance VI

Quien dice que Amor es niño,

Neciamente quiere errar,

Que para niño es muy fuerte,

Muy sabio para rapaz.

Quien dice que Amor es ciego,

No sabe lo que es cegar:

Que Amor es lince del alma,

Y es Argos de la amistad.

Quien dice que es flechador,

No sabe lo que es flechar,

Que Amor no fulmina flechas,

Solamente incendios da.

Quien dice que es volador,

No sabe lo que es volar:

Que Amor es muy tardo al ruego,

Y es muy pesado en su mal.

Quien dice que Amor es Dios,

No lo sabe declarar:

Que nunca un Dios es tirano,

Ni es ingrata una Deidad.

Quien dice que Amor del agua

Desciende, engañado está,

Que quien tan fuego se enciende,

No desciende de la mar.

Quien dice que es cautiverio,

Sin razón quiere llamar

Violencia lo que es agrado,

Prisión lo que es voluntad.

Y quien dice que es desnudo,

No entiende su calidad:

Que lo bizarro es amable,

Y es querido lo galán.

Volta

Diga el alma, diga,

Diga el alma ya:

Amor es tormento,

Querer es penar.

Amad, amad,

Porque amando se sabe

Lo que es amar.

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MARQUÊS DE

MARIALVA, DANDO-LHE OS PARABÉNS À

VITÓRIA DE MONTES CLAROS

Romance VII

Venid en hora felice,

Valiente ilustre Marqués,

Nuevo Aquiles más invicto,

Nuevo Curcio más fiel.

Parabién a vuestras palmas

Era escusado, porque

Lo que teje una costumbre

No le adorna un parabién.

Cuando vos surcáis el Tajo,

Vasallo feliz se cree,

No ya de un Neptuno antiguo,

Pero de un Marte novel.

Todo en gustos derramado

Gloria a gloria, bien a bien,

Si no muriera del mar,

Muriera sí de placer.

Las Dríades en sus campos

Empiezan luego a ofrecer

A vuestra mano la palma,

A vuestra frente el laurel.

Libertada, y defendida

Lisia, imitáis a Dios; pues

Siempre su poder conserva

Lo que cría su poder.

Vuestro escuadrón mal formado

¿Qué importa en el Marcio arder,

Si el orgullo ve dispuesto,

Si el pecho formado ve?

Valeroso el Caracena,

Valido el Haro vencéis,

En aquel de un Rey el brazo,

En este el pecho de un Rey.

A vuestro valor extraño

(Cuando acaba de vencer)

Una batalla es cariño,

Una victoria es desdén.

Portugués fuerte, aplaudido

Sois, vestís, enriquecéis

A Lisia, Iberia, a la fama

De honra, de horror de interés.

A DOM JOÃO DE LANCASTRO, DANDO-LHE

AS GRAÇAS A CIDADE DA BAHIA POR

TRAZER A ORDEM DE SUA MAJESTADE

PARA A CASA DA MOEDA, QUE DE ANTES

TINHA PROMETIDO

Romance VIII

En hora felice venga

A regir esta Ciudad

El fuerte, el justo, el discreto,

El siempre ilustre Don Juan.

Parabién os dan los nobles,

Parabién la plebe os da:

Que como sois para todos,

Todos os deben amar.

Las luces, y las campanas

En tanta festividad

Hablan con lenguas de fuego,

Y por voces de metal.

Prometísteisle el remedio

De su dolencia mortal,

Que de Político Apolo

No os falta la actividad.

Cumpliste vuestra promesa

Con tanta facilidad,

Que aun visto el bien a los ojos,

Los ojos dudando están.

Lo difícil emprendisteis,

Y lo quisisteis buscar,

Que a un corazón generoso

Brinda la dificultad.

Al mar entregáis la vida,

Y para mayor piedad

La vida ponéis a riesgo,

Para la cura aplicar.

Llegasteis mandando luego

El remedio ejecutar,

Que es útil la medicina,

Cuando se apresura al mal.

Con la moneda, que esperan,

Ya se empiezan a alentar

De los ricos la codicia,

De los pobres el afán.

Si el dinero de los hombres

Sangre se suele llamar,

También les dais nueva vida

Cuando la sangre les dais.

Al Mercader que en su trato

Peligra más su caudal,

Le dais cambios más seguros

Contra los riesgos del mar.

Los Molinos del azúcar

Con tanta ventaja, ya

No serán vasos de miel,

Que vasos de oro serán.

Portugal, y nuestro Estado

No sé cuál os debe más,

Aquel os debe la gloria,

Este, la felicidad.

Nuestras memorias ofrecen,

Con que os quieren venerar,

Holocausto a vuestra imagen,

Y templo a la eternidad.

Sois Príncipe de la sangre,

De cuya estirpe real

Se esmalta vuestra nobleza

Con lumbres de Majestad.

Vivid, Señor, como Fénix,

Porque en la posteridad

Vida de Fénix merece

Quien Fénix es singular.

AO SENHOR DOM RODRIGO DA COSTA,

VINDO A GOVERNAR O ESTADO DO BRASIL*

Romance IX

Quisisteis surcar los mares

Sin temer las ondas bravas

Porque el fuego de la gloria

Quita el horror de las aguas.

En vuestro leño imperioso

Sin peligro en las borrascas

Neptuno os obedecía,

Y Tetis os respetaba.

Quejosa de vuestra ausencia,

Dejáis a Lisia enojada,

Pero si Lisia se enoja,

Nuestra América se exalta.

Esta Ciudad os recibe

(Si sois Costa) con jactancia

Que tiene en vos mejor Costa,

Cuando su puerto os prepara.

Dejasteis para regirla

El descanso de la patria:

Que un corazón valeroso

Solo en fatigas descansa.

De vuestra feliz venida

Nuestros deseos dudaban:

Que cuando el bien se desea,

Titubea la esperanza.

Los Isleños gobernasteis

Con tanto amor, y alabanza,

Que la población Isleña

Por Chipre de amor se alaba.

Hoy tomando otro gobierno,

Del Sol imitáis la causa,

Que cuando gira en un polo,

Después al otro se pasa.

Sois descendiente del Conde,

A quien el León de España

Daba infelices bramidos,

Porque le quebró sus garras.

Consiguió tantas victorias,

Que al mismo tiempo juntaba

En la frente los laureles,

Cuando en la mano las palmas.

Cuyo valor heredado

(Que llamas de honor levanta)

Renace en vuestras acciones

Como Fénix de las llamas.

Sois valiente, y justiciero;

Y aunque Marte en vos se aclama,

Desprecia la Diosa Venus,

Y la Diosa Astrea abraza.

Si vuestro pecho es fiel

A la Justicia, que os ama,

Lo fiel de vuestro pecho

Da fiel a sus balanzas.

Unís en vuestro gobierno

Por idea más preciada

El rigor con el cariño,

La austeridad con la gracia.

Obráis justicia sin ojos,

Que de vos siendo observada,

No miráis de las personas

El poder, o la privanza.

Al soborno estáis sin manos,

Que vuestra entereza ufana

Lo vence tan fácilmente,

Que sin ellas lo despedaza.

Mas las manos a los pobres

Prestáis, que enjugan, y sanan

El llanto de su miseria,

De su penuria las llagas.

Suene, y vuele en todo el

Mundo Vuestro nombre, a quien la fama

Para el brado da sus bocas,

Y para el vuelo sus alas.

Vivid pues eterna vida,

Si bien en virtudes tantas

Con muchos siglos de aciertos

Eterna vida os aclama.

 

TERCEIRO CORO DAS RIMAS ITALIANAS

 

ANARDA QUERIDA NA OCASIÃO

DE SUAS LÁGRIMAS

Soneto I

La conca, che nel mar nasce, cocente,

E del suo bel tesoro s’innamora,

Se’l lucente cristal del mar’onora,

È più superba, perch’è più lucente.

Quando la bianca Aurora umor cadente

Della mattina sparge, appare fuora,

E con quella rugiada dell’Aurora

Nutre la chiara perla in seno algente.

L’istesso effetto dell’istesso vanto

Quando mia Aurora piange, gode il Core,

E tanto l’ama, quando piange tanto.

Tu poi, Conca più facile all’umore,

Rugiada essendo il tuo vezzoso pianto,

Essendo perla il mio pregiato amore.

ATREVIMENTO, E LÁGRIMAS

Soneto II

Vola il vapor, che dalla terra nacque

Umilmente, in virtù del Sole, al Sole;

E opponendo alla sfera oscura mole,

Quel che nacque vapor, nube rinacque

Me quanto l’alta densità le piacque

Precipitato dalla luce suole

(Come chi colle lagrime si duole)

Tutto piovoso distillarsi in acque.

Al Sol d’Anarda da umile sentiero

Il pensier ha volato col desio

Per virtù de’suoi raggi al Emisfero.

Dipoi si muta in pianto, onde vegg’io

Qual audace vapor il mio pensiero,

Qual abbondante pioggia il pianto mio.

LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS

Soneto III

Leandro amante con notturno giorno

Del Sole, che le appare per costume,

Prega nel mare di Cupido il Nume,

Per che il mar di Cupido è bel soggiorno.

Al Nocchiere d’Amor colle acque intorno,

Il fanale fù spento di alta lume,

Co’i fischi ‘I vento, il mare colle spume,

Forman preda di lui, d’amor fan scorno.

Non fu il vento la causa a suoi lamenti,

Non il Dio Tridentato delle sponde;

Egli solo è cagione a suoi lamenti:

Perchè fra l’aure lieve, acque profonde,

Co’i sospiri, che sparge, doppia i venti,

Co’i pianti, che distilla accresce l’onde.

ENDIMIÃO AMADO DA LUA

Soneto IV

Il bello Endimion del bello maggio

Cultore fortunato in rozza cura,

Però di fiamma dolcemente pura,

(Dicalo il sacro Ciel) cultore saggio:

Senza la pena d’amoroso oltraggio

La Luna adora con felice arsura;

Ella in candida fede più se apura

Che nel candore di notturno raggio.

La Luna col Pastor ha grato ardore,

La Luna col Pastor ferma s’infiamma,

Tramandando dal Cielo ‘l suo splendore.

Raro amore più nutre, quando l’ama,

Benchè ruote incostante ha fisso il core,

Benchè s’imbianchi fredda, ha dolce fiamma.

A DOM FRANCISCO DE SOUSA, CAPITÃO

DA GUARDA DE SUA MAJESTADE NO TEMPO,

EM QUE O CHAMOU PARA A CORTE*

Soneto V

Già ti veggio, Francesco, un gran Mavorte!

(L’altre doti d’ingegno adesso io taccio)

            Sei in fatale sforzo, in dolce laccio,

  Amor per bello, per invitto Morte.

  I Re chiamòti alla fedele Corte

Per la cruda virtù del forte braccio,

Per che non entra di timore il ghiaccio,

Quando ha foco di gloria, al petto forte.

Difendendo al Re nostro, che ti crede

Colla tua fedeltà, col tuo valore,

La difesa fedel, al zelo cede.

Fia poi al nostro Re guardia migliore,

Via più, che il Reggio onor, la viva fede,

Via più che il duro ferro, il duro Core.

A DOM LUÍS DE SOUSA, DOUTOR EM

TEOLOGIA, ALUDINDO ÀS LUAS

DE SUAS ARMAS

Soneto VI

Illustre Lodovico, coronato

Nel glorioso saper di bianco fregio,

Col giudizio, di scienza eterna, fregio,

Col ingegno, del Sol Divino, amato.

Serve ancora al tuo petto, essendo armato,

Per Insegna miglior, lo scudo Regio,

E di Lune doppiate il chiaro pregio

Per doppiarsi l’Onor, ti ha ricercato.

Lo scudo t’arma allo nemico crudo,

Il freggio ti dimostra saggio amore

Di vanità superba, sempre ignudo.

Convenne poi con questo, e quell’onore,

A chiara Nobiltà, di Lune scudo,

A Celeste saper, d’Alba splendore.

 

MADRIGAIS

IMPOSSIBILITA-SE A VISTA DE ANARDA

Madrigal I

Se il core n’ti vede

In giusta gloria di tua vista chiede,

Poi si egli è condannato

Allo infernale stato

Delle ardore che celo,

Come (Anarda) potrà veder tuo Cielo?

JASMIM MORTO, E RESSUSCITADO

NA MÃO DE ANARDA

Madrigal II

Un giglio la mia Dea

In bella mano avea,

Che vinto del candor di quella mano

Perdea il candor vano,

Ma in virtù del bel viso

(Che è qual Alva) con fiso

Con dolcezza fiorita

Il candor ricovrò, risorse in vita.

COMPARA-SE ANARDA COM A PEDRA

Madrigal III

I Pianti che il mio cor ha distillato

Non mitiga d’Anarda il volto irato,

I lamenti, che il cor ardente guarda,

Non odi la mia Anarda,

E pietra poi quando da me discorda,

Dura a miei pianti, a miei lamenti sorda

SOL COM ANARDA

Madrigal IV

Del tuo Viso lucente

Beve il raggio cocente

Il Sole, che esser vole,

Del Sol Aquila il sole.

PONDERAÇÃO DO ÍCARO MORTO

COM SEU AMOR

Madrigal V

Volando Icaro alato

Del Sol precipitato

Muore; del Sol che adoro

Precipitato muoro:

Ma con maggior rigor il dolor mio.

Egli nell’acqua è morto, nel fuoco io.

ANARDA FUGINDO

Madrigal VI

Ferma Anarda il tuo passo alla mia sorte,

Se pur vuoi la mia morte,

Col rigor che t’incita

L’occhi tuoi versa a me, togli la vita:

Ma (ai lasso) che si fuggi,

Tutto il mio core struggi,

Che si altri uccidon quando van seguendo

Tu sola uccidi, quando vai fuggendo.

ANARDA REPREENDIDA POR QUERER

MERECIMENTOS NO AMANTE

Madrigal VII

Se per meriti solo del´amanti

Anarda vuoi udir dolori tanti,

Come nuño ha merito d´amarti,

Nuño laccio d´amor potrà ligarte;

Se poi solo da te merito fai

Te sola amar potrai.

 

QUARTO CORO DAS RIMAS LATINAS

 

DESCREVE-SE O LEÃO

Heróicos

Cernis ut in campis hirsutos arcuat ungues

Impavidus sine lege fremens, sine lege vagantes

Concutiens per terga jubas, per inania pandens

Ora (Leo) sonitu; sonitu cadit undique sylva,

Undique terra tremit, late stat montibus horror.

Explicat inflexa cauda ludibria, ventos

Spernit, nec ventis ignoscit torva Leonis

Ira, sed innocuas cauda diverberat auras;

Se Rex esse videns, optat quod turba ferarum

Obsequiosa colat, regale insigne, coronam,

Amphitryonidem (vastum qui morte Leonem

Perdidit, ostentans induta pelle triumphum)

Provocat, ac mortem qua mortem vindicet, ipse

Praevenit, et secum ad pugnam praeludere gestit.

Non venit Alcides, iratos ebibit ignes,

Offensus rabie, frondosa per aequora gliscit,

Et Robur quatiens acuit sub Robore robur.

Horrendas horrenda vocans ad praelia tigres.

Jam Pugnas miscet, jam votis praecipit hostem,

Infremit, insultat, laetatur, devorat, urget.

Caerulea mi catarce Lèo, flagrat iste per agros

Impiger, ille Poli sidus, Sol iste Ferarum

Dicitur; in faustos Leo sydus devomit aestus

Ignifer, igniferas Leo Terreus aestuat iras.

Emicat intrepidus, turget splendore comarum,

Dum credit jubar esse jubas. Non Phaebus arenas

Exurit Libyae, Libyam Leo fervidus urit.

Cum fera procumbit pedibus prostrata, libenter

Imperium recolens, ungues obfraenat acutos

Regali pietate gravis, Leo nescius hosti

Subjecto maculare manus; sat vincere credit

Qui parcit, cum fulmen ovat non ima repellit.

 

EPIGRAMAS

ADÔNIS MORTO EM OS BRAÇOS DE VÊNUS

Epigrama I

Infelix Cytherea necem dum plorat Adonis,

Flent oculi moesti, prataque laeta virent.

Jungitur os ori, languescit corpore corpus:

Dum vulnus cernir, pectore vulnus alit.

Parca videns mortis spectacula tristia, nescit

Cui tribuit vitam, cui dedit illa necem.

DAFNE CONVERTIDA EM ÁRVORE

Epigrama II

Insequitur Daphnem Phaebus stimulatus amore,

Hunc sua vota cient, illa timore volat.

Mox celeres cursus imitatur virgo paternos,

Sed Phaebo plumas aemulus addit Amor.

lila vocat superos, viridis mox redditur arbor;

Arbore conspecta, talia Phaebus ait;

Non equidem miror; velut arbos pulchra virebas;

Ac tua durities truncus, amore fuit.

ARGOS EM GUARDA DE IO

Epigrama III

Cum Jovis insano vaccae flagraret amore,

Sidereus custos virginis Argus erat.

Crediderat Juno quod centum Pastor ocellis

Clauderet ardentis turpia vota Jovis.

Non vidit Jovis ille dolos; nam solus amoris,

Qui plus est caecus, plus videt ille dolos.

ACTÉON VENDO A DIANA

Epigrama IV

Cum nuda Actaeon spectaret membra Dianae,

Haec se mergit aquis, ebibit ille faces.

Supplicium dedit ipsa oculis, Actaeona plexit,

Perditus ut forma, perderet ipse focum.

Occidit Actaeon, canibus non mortuus; olli

Eripuit vitam virginis ante rigor.

LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS

Epigrama V

Aequora Leander sulcat sub lumine fixus,

Brachia dant remos, est Palinurus Amor.

Tempestas horrenda furit, furit Aeolus undis,

Ipse vocat Venerem, mergitur ipse mari.

Morte perit duplici Leander, captus amore,

Mortuus est lympha, mortuus igne fuit.

À MORTE DA SENHORA RAINHA

DONA MARIA SOFIA ISABEL

Epigrama

Quid facis atro luctu Lusitania? Ploro;

Quid ploras? Gemitus ultima fata mei,

Tantane te planctus tenuit tristitia? Tanta;

Perdita sunt Luso gaudia cuncta loco;

Quid perdis? Regnum: Quare? Jam credo cadentem?

Lusiadum statum, Sole cadente suo.

Tu ne gravem poteris cordis relevare dobrem!

Oh minam possem capta dolore mori!

Solve corde metum; mortem ration reposco;

Nam Regina mihi provida vita fuit.

Religio, Pietas ubi sunt? Ad sidera tendunt;

Quaeque Dei fuerant, sustulit ipse sibi.

TAGI, ET MONDAE

PRO OBITU DD. ANTONI TELLES DE SYLVA

Colloquium elegiacum

TAGUS

Heu mihi! Jam morior tanto conjunctus amore;

Vivere me solum non sinit altus amor.

MONDA

Me miserum planctus crudeliter occupat horror!

Sum Monda, et Mundo nuntia moesta dabo.

TAGUS

Aurifer, antiquitus jactabar: sed mihi luctus

Ferreus in paenis aurea dona vetat.

MONDA

Urbs haec dicta fuit multis Colimbria ridens;

Sed jam non ridens, sed lacrymosa manet.

TAGUS

Plorat Ulyssipo saevo concussa dolore;

Oceanus lacrymis, non Tagus ipse vocor.

MONDA

  Laetabundus aqua, placidis spatiabar arenis;

  Sed celerem cursum paena timore gelat.

TAGUS

Oh lux Lusiadum, spes oh fidissima Regni!

Quam cito tam viridem pallida Parca tulit!

MONDA

Semper Athenaeum tanto pollebat Alumno,

Sed, pereunte viro, tota Minerva perit.

TAGUS

Te vivente, tuo laetabar nomine, Telles,

Nomen erat sacrum, nam mini numen erat.

MONDA

Mens tua praecurrit paucis velocior annis,

Illico, quae veniunt, illico fata ferunt.

TAGUS

Me clypeo aurato tua Regia vita tegebat;

Sed tua mors, Telles, impia tela vibrat.

MONDA

Eloquii flores credo marcescere; namque

Irruit in flores horrida mortis hyems.

TAGUS

Silva, meus fueras regali sanguine cretus;

Sed mortali ictu caedua Silva fuit.

MONDA

Maximus Ingenio Logicae argumenta probabas;

Sed mors concludens arguit atra dies.

TAGUS

Ad superos remeas, cum sis peregrinus in Orbe;

Stare humili nescit gloria tanta solo.

MONDA

In te Caesarei Juris decus omne vigebat,

Teque vocant Leges, sed sine lege vacant.

TAGUS

Nobilitas, comutas, gravitas, sapientia, virtus

Deliquio lugubri, te moriente, cadunt.

MONDA

Pontificale gravi cunctos Jus mente docebas;

Quanto, te perdens, Roma dolore gemit!

TAGUS

Tagides eximio indulgentes corde dolori,

Nolunt plorantes pignora chara, chorus.

MONDA

Mondaides lymphis nequeunt agitare choreas,

Immotos ânimos magna ruína facit.

TAGUS

Cinxit Apollineo cantu tua tempora Laurus,

Sed nunc pro lauro nigra cupressus adest.

MONDA

Carmina facundo metro tua Musa solebat

Pagere, nunc optat plangere Musa mea.

TAGUS

Te pater illustris perdit, sed pectore servat,

Mors, quae sunt animae, tollere saeva nequit.

MONDA

Caelesti Ingenio fulgens ut stella micabas,

Nunc tibi dant proprium sidera clara locum.

TAGUS

Mortuus es? Minime, credo plus vivere, quippe

Dilectus lucis plurima corda tenes.

MONDA

Solis lúmen alit Phaenicem, ut vivat in aevum,

Vitam alit aeternam lúcida fama tuam.

 

APÊNDICE

Tradução do quarto coro das rimas latinas

DESCREVE-SE O LEÃO

Heróicos

Percebes como nos campos hirtas garras arqueia

O impávido, sem lei fremente, sem lei vagantes

A agitar pelo dorso as jubas, pelo vazio a abrir

A boca (o Leão) com rugido; com rugido cai em torno a selva,

Em tomo a terra treme, firma-se amplo nos montes o terror.

Desenreda, com torcida cauda, os dolos, ventos

Desdenha, nem aos ventos perdoa do Leão a torva

Ira, mas, inofensivos, com a cauda açoita os ares;

Vendo-se Rei, deseja que a turba de feras

Obsequiosa honre, insígnia real, a coroa.

Ao Anfitriônio (que com morte o imenso Leão

Arruinou, ostentando, vestida a pele, o triunfo)

Provoca, e a morte com que morte vingue, ele mesmo

Antecipa, e exulta em preparar-se para a luta.

Não vem Alcides, irados bebe os fogos,

Picado de raiva, pelo frondoso plaino irrompe

E o Roble acometendo, sob Roble robusteza aguça.

Horrendos a horrendos prélios chamando os tigres.

Já lutas trama, já surpreende em votos o inimigo,

Freme, salta, alegra-se, devora, acossa.

No cerúleo cimo brilha o Leão, arde este pelos campos

Incansável; àquele, astro do Céu, Sol das Feras a este

Chamam; em faustos estos o sidéreo Leão vomita

Ignífero, igníferas iras estua o Térreo Leão.

Fulge intrépido, infla-se do esplendor das comas,

Ao crer que júbar são jubas. Febo não incende as areias

da Líbia, a Líbia o Leão, férvido, acende.

Quando a fera abatida prostra-se a seus pés, o Leão,

De bom grado o mando reavendo, refreia, grave,

Acerbas garras com real piedade: não sabe macular as mãos

com subjugado inimigo. Crê bastar a vitória

quem se contém: o raio, ao triunfar, baixos não abala.

EPIGRAMAS

ADÔNIS MORTO EM OS BRAÇOS DE VÊNUS

            Epigrama I

Enquanto infeliz Citeréia lamenta a morte de Adônis,

Choram mestos olhos, e ledos prados verdejam.

Une-se a face à face, enlanguesce no corpo o corpo:

Enquanto a chaga vê, no peito a chaga nutre.

A Parca, vendo da morte os tristes espetáculos, ignora

A quem coube a vida, a quem ela deu morte.

DAFNE CONVERTIDA EM ÁRVORE

Epigrama II

Febo persegue Dafne pungido de amor,

Seus votos o movem, ela de temor voa.

Logo velozes a virgem imita as corridas paternas,

Mas, a Febo, êmulo Amor confere plumas.

Ela invoca os deuses, árvore frondosa logo se torna

Vista a árvore, Febo assim diz:

Não decerto me admiro; como árvore, bela verdejavas;

E por amor foi um tronco tua dureza.

ARGOS EM GUARDA DE IO

Epigrama III

Como Jove ardesse de amor insano pela vaca

Sidério guardião da virgem era Argos.

Acreditava Juno que o Pastor de cem olhos

Impediria os torpes desejos do ardente Jove.

Não viu ele os dolos de Jove, pois só de amor

Mais vê os dolos quem mais cego está.

ACTÉON VENDO A DIANA

Epigrama IV

Como Actéon olhasse os membros nus de Diana,

Ela esconde-se nas águas, ele o facho bebe.

O suplício deu ela mesma aos olhos, a Actéon puniu

Por que, perdida a forma, o lar ele perdesse.

Feneceu Actéon, não o mataram os cães; antes,

Arrebatou-lhe a vida o rigor da virgem.

LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS

Epigrama V

Leandro sulca a planície do mar, fixo na luz,

Os braços são remos, Amor é Palinuro.

Tempestade horrenda esbraveja, esbraveja Éolo nas ondas,

Ele invoca Vênus, ele afunda no mar.

De dupla morte pereceu Leandro, cativo de amor,

Morreu na água, foi morto pelo fogo.

À MORTE DA SENHORA RAINHA

DONA MARIA SOFIA ISABEL

Epigrama

O que fazes de atro luto, Lusitânia? Lamento;

O que lamentas? Os últimos fados de meu gemido.

Tamanha tristeza em prantos te mantém? Tamanha;

Perderam-se todas as alegrias em lusa terra;

O que perdes? O reino. Por quê? Já creio em declínio

A estabilidade lusíada, declinado seu Sol.

Tu não poderias do coração mitigar a grave dor!

Oh, quiçá eu pudesse, sofrida a dor, morrer

Dissipa do coração o medo; a morte com razão reclamo;

Pois foi-me vida próvida a Rainha.

Religião, Piedade, onde estão? Tendem aos astros.

Cada um fora de Deus, ele para si os elevou.

TEJO, E MONDA

PELO ÓBITO DE D. ANTÔNIO TELES DA SILVA

Colóquio elegíaco

TEJO

Ai de mim! Já morro, unido por tão grande amor:

Viver sozinho não me permite alto amor.

MONDA

Pobre de mim, o horror ocupa cruelmente os lamentos!

Sou Monda, e ao Mundo darei notícias tristes.

TEJO

De aurífero, antigamente, gabava-me: mas o luto,

Férreo, nas penas áureos presentes me proíbe.

MONDA

Esta cidade foi chamada por muitos Coimbra sorridente;

Mas já não sorri, e permanece lacrimosa.

TEJO

Chora Lisboa, abalada por desumana dor;

Oceano de lágrimas, Tejo eu não me chamo.

MONDA

Alegre com a água, passeava por plácidas areias;

Mas a pena gela de temor o célere curso.

TEJO

Ô luz lusíada, ó mais fiel esperança do Reino!

Quão fácil, tão tenro pálida Parca o levou!

MONDA

Sempre o Ateneu sobressaía-se com tão grande Aluno,

Mas, ao perecer o varão, perece toda Minerva.

TEJO

Tu, vivo, alegrava-me com teu nome, Teles,

Nome sagrado, pois para mim era um nume.

MUNDA

Tua mente ultrapassa, mais veloz, os poucos anos,

No lugar, os fados que vêm, nesse lugar levam.

TEJO

Com dourado escudo, tua Régia vida protegia-me;

Mas tua morte, Teles, ímpias lanças vibra.

MONDA

Creio murcharem as flores da eloqüência; pois

Da morte hórrido inverno acomete as flores.

TEJO

Silva, para mim foras de real estirpe;

Mas com mortal golpe foste Selva de corte.

MONDA

Magnífico engenho, provavas os argumentos da Lógica;

Mas funesta morte argüiu concluindo os dias.

TEJO

Retornas aos súperos, pois que no Orbe és peregrino;

Manter-se em solo baixo glória tamanha não sabe.

MONDA

Em ti vigia todo o decoro da justiça cesárea,

E invocam-te as Leis, mas sem lei ficam vacantes.

TEJO

Nobreza, bondade, gravidade, sapiência, virtude

Ao morreres, lúgubre ausência, acabam.

MONDA

A Pontifical Justiça a todos ensinavas com seriedade;

Roma, perdendo-te, de quanta dor geme!

TEJO

As tágides, entregues â dor por exímio coração,

Não querem, chorando os penhores caros, os coros.

MONDA

As mondaides não conseguem agitar as águas corais,

Paralisa os ânimos a grande ruína.

TEJO

O Louro cingiu tua fronte de Apolíneo canto,

Mas agora, em vez de louro, ali está negro cipreste.

MONDA

Tua Musa costumava compor, em facundo metro,

Cantos; agora, prefere prantos minha Musa.

TEJO

Perde-te o pai ilustre, mas no peito te conserva,

Cruel, não pode a morte destruir o que é da alma.

MONDA

Como estrela fulgente de celeste engenho brilhavas,

Agora os claros astros dão-te um lugar apropriado.

TEJO

Morreste? De modo algum, creio antes que vives, pois,

Dileto da Luz, numerosos corações ocupas.

MONDA

A luz do sol nutre Fênix, por que viva para sempre,

A fama luminosa nutre tua vida eterna.

 

LIRA SACRA

EM VÁRIOS ASSUNTOS

DEDICADA

AO ILUSTRÍSSIMO SENHOR MARQUÊS DE

ALEGRETE, DO CONSELHO DE ESTADO

DE SUA MAJESTADE E SEU VEADOR

DA FAZENDA ETC.

ESCRITA

POR MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA

BAHIA, 12 DE SETEMBRO DE 1703.

 

Excelentíssimo senhor

Bem quisera eu dedicar a V. Exa. em idioma latino estas rimas sacras, porém como a língua portuguesa se tem levantado com a poesia, podemos dizer que as Musas são da nação portuguesa: e ainda em tempo de menos elegância Poética, chegou o nosso Camões a tanto aplauso com suas Lusíadas, que se traduziu em várias línguas o seu Poema, querendo todas as nações criar aquele parto português, quiçá como enjeitado de sua fortuna. Depois foram crescendo em nosso Portugal poetas insignes assim no estilo heróico como no Lírico, que deram novo crédito à nossa língua, que se acomoda muito com pouca corrupção com a Latina, donde se deduzem as frases mais elegantes, e os conceitos mais profundos. Pelo que imitando a tão grandes engenhos, escrevi estas rimas em língua portuguesa, enquanto não saem à luz outras que tenho feito em quatro línguas, Portuguesa, Castelhana, Latina, Italiana, como quatro ramalhetes compostos das flores do Parnasso. Por onde abstraindo-se V. Exa. de algumas breves horas de suas ocupações, ponha os olhos neste Livrinho, ou pelo agradável das Musas que na discrição de V. Exa. não é pequeno suborno; ou pelo pio dos assuntos que no seu coração católico não é prato fastidioso. Neste lugar não faço os elogios que merece V. Exa. porque os prometo fazer em outro lugar com pena mais dilatada, e somente direi: se o Reino de Portugal teve muitos Heróis, que defenderam com a espada, tem hoje em V. Exa. um Herói que o sustenta com o entendimento. Deus guarde a V. Excelência como desejo.

Bahia, em setembro, 12 de 1703.

Humilde súdito

de Vossa Excelência

MANOEL BOTELHO DE OLIVEIRA

 

PRÓLOGO AO LEITOR

Este parto poético, que nas horas de minha ociosidade, ou para melhor dizer, da mais útil ocupação, produziu meu discurso, sai à luz do berço do Brasil, para os olhos de Europa. Com o nome de Lira Sacra se quer assentar no Livro da Memória, para crescer na estimação do mundo. Creio que será bem recebido assim dos corações devotos, como dos entendimentos doutos, porque com a doçura do metro se fica suavizando o mantimento espiritual; que está tão depravada a natureza humana, que para lhe tirar o fastio das viandas celestiais, lhe é necessário o tempero da elegância poética. Se bem tem a poesia muita conexão com as influências do Céu, assim porque os antigos a chamaram Divina, como também porque nas escrituras sagradas se valeram os Profetas, e principalmente o Rei Davi, de vários cânticos para celebrar os Divinos encômios; e imitando a Igreja católica o mesmo exemplo, se compuseram devotos Hinos para as mais solenes festividades.

Porém para te parecerem bem estas rimas, deves ter conhecimento da escritura sagrada, e da história da vida dos Santos, porque sem estas notícias não poderás entender o conceito, porque os mais deles são deduzidos da escritura sagrada: e para não parecer impertinente não pus à margem os lugares dela, donde levanto o pensamento, para cair o conceito. Fiz o livro, para que fosse menos fastidiosa a leitura, e mais suave o entretenimento. Também misturei entre os versos sérios alguns jocosos, porque assim como a variedade das viandas esperta melhor o apetite, assim também a diversidade do estilo te provocasse melhor o gosto: porém fiz esta mistura com tal temperamento que não estraga o sério das rimas. Finalmente se te parecerem bem, venho a lograr o desempenho de meu trabalho, e se parecerem mal, venho a conseguir o fruito de meu sofrimento. Vale. Bahia, 12 de setembro de 1703.

 

PROÊMIO

A NOSSA SENHORA ALUDINDO AO

CÂNTICO DA MAGNIFICAT

Soneto 1º

Celeste Musa, virgem sublimada

ensinai melhor metro à minha veia;

e se Febo entre as Nove se nomeia,

Vós sois de nove coros venerada.

A Deus magnificais toda enlevada

no Mistério do Céu que em vós se estreia;

e se humildes louvais de graça cheia,

meu verso por humilde vos agrada.

Se em rimas sacras meu discurso afino,

concedei vosso auspício sacrossanto,

para que seja o plectro doce e fino:

Com vosso exemplo, com desejo tanto,

se entoastes o Cântico Divino,

inspirai que ao Divino entoe o canto.

À CONCEIÇÃO DA SENHORA

Soneto 2°

Tendo a Virgem da Graça a preminência

foi no primeiro instante preservada;

que duvidar ser nele imaculada

é limitar de Deus a onipotência.

De nada criou Deus toda a existência

da máquina do mundo dilatada,

e se Deus tudo faz quanto lhe agrada,

quis a Maria dar esta excelência.

Maria mereceu por graciosa

ser mãe do Verbo eterno esclarecida

sendo do Amor Divino ilustre esposa:

Esta pureza, pois, deve ser crida:

que mais é ser de Deus mãe generosa,

que sem mácula algũa, concebida.

AO NASCIMENTO DA SENHORA

Soneto III

Mais que Sara, feliz nasce Maria,

e que Rebeca, nasce mais prudente:

mais bela que Raquel a chama a gente,

e por virgem, fecunda mais que Lia.

Mais que Débora sábia se avalia,

e que Judite se ostenta mais valente,

mais que Ester satisfaz graciosamente,

mais que Suzana casta se confia.

Esta flor, esta planta, nunca seca

no Jardim das virtudes sobre-humana,

que nem nascida, ou concebida peca.

Nũa e outra vantagem Soberana

nascem nela, Raquel, Sara, Rebeca,

Débora, Lia, Ester, Judite, Suzana.

AO MESMO

ALUDINDO ÀS ÚLTIMAS PALAVRAS DO

EVANGELHO DE SEU DIA: “VIRUM MARIAE,

EXQUA NATUS ESTJESUS” MATEUS, 1, 16.

Soneto IV

Nasceis bela Maria imaculada

mas de quem filha sois, cala a Escritura

que como vosso ser e fermosura

todo é do céu, não tem co’a terra nada.

Nasceis e logo mãe sois publicada

do Salvador do mundo, que o procura,

com tal pasmo, que a um tempo em vós se apura

Virgem menina, e Mãe antecipada.

Agradecido o Povo Sitibundo

já vos venera o fruito inexistente

do Divino Paraclito fecundo.

Porém sois aplaudida justamente,

que quando nasce Aurora para o mundo

logo o raio se vê do Sol Luzente.

AO MESMO NASCIMENTO

Soneto V

Eva primeira mãe da gente humana

Adão primeiro pai da humana gente,

pecaram contra Deus onipotente,

e perderam a graça soberana.

Entrou logo no mundo a desumana

perdição do pecado, erradamente;

entrou também da morte o dano urgente

por castigo infeliz da culpa insana.

Hoje vemos o mal em bem trocado

por Maria, e Jesus melhor consorte

que em ambos Deus renova o antigo agrado:

Por outra Eva, outro Adão da mesma sorte

entrou a Redenção contra o pecado,

entrou a vida eterna contra a morte.

À PRESENTAÇÃO

Soneto VI

Maria com afeto de amor fino

a Deus se ofereceu com tal vontade,

que sendo em anos três na tenra idade

quis mostrar que era esposa de Deus trino.

Castigado em Lusbel o desatino

se presenta com plácida humildade

com tanto amor, com tanta atividade

que era incêndio o fervor, milagre o tino.

Sem tropeços nenhuns, sem desarranjos

logo a escada subiu, que o templo tinha

com que admirou a Serafins e Arcanjos:

A escada de Jacó mais lhe convinha,

porém na de Jacó sobem os Anjos,

nesta sobe dos Anjos a Rainha.

AOS DESPOSÓRIOS DA SENHORA

COM SÃO JOSÉ

Soneto VII

Tendo Maria idade competente

manda que se despose o Sacerdote:

e bem que a Deus o celibato vote

estimou mais a Lei por obediente.

Com José se desposa finalmente

pobre e casto varão, por que se note,

que para o desposório o melhor dote

é da virtude o dote preminente.

Saem do Templo com bela compostura

e se entrega ao varão com doce encanto

para guardar-lhe a casta fermosura:

Porque tem com Divino e novo espanto

na guarda de José, melhor clausura,

no peito de José, Templo mais Santo.

À ANUNCIAÇÃO, ALUDINDO AO ‘FIAT” DO EVANGELHO

Soneto VIII

Em Nazaré a virgem recolhida

no Mistério Hipostático enlevada

lhe manda Deus do empíreo ũa embaixada

porque quer ter co’o mundo a paz querida.

Declara Gabriel a esclarecida

Encarnação do verbo desejada

Que com divino ardor sendo aceitada

O Verbo se fez carne enobrecida.

Magnificado pois da terra o lodo

Com celeste fervor, saber profundo

É Maria de Deus igual apodo:

Por que então poderoso, hoje jucundo,

De Deus um fiat cria o mundo todo,

Um fiat de Maria salva o mundo.

À VISITAÇÃO

Soneto IX

Vencendo da Judéia as terras frias

vai visitar Maria a casa pobre

da ditosa Isabel, na qual descobre

as enchentes da graça em muitos dias.

Fez Profeta a Isabel, entre alegrias

santifica a João com graça nobre,

e para que o favor em tudo sobre,

a Língua muda solta a Zacarias.

Isabel, e João ambos publicam

os benefícios grandes que não calam

porque da graça agradecidos ficam.

Todos pois com Maria se regalam,

pecadores também se santificam,

mulheres profetizam, mudos falam.

À EXPECTAÇÃO

Soneto X

Quer Maria que o Verbo venerado

saia já de seu Ventre esclarecido

com clamores do peito enternecido

com repetidos “oh!” de seu cuidado.

Aquele Bem das gentes desejado

por remédio do mundo destruído,

não quer que se dilate pretendido,

que Amor não sofre o tempo dilatado.

Qual Arca no seu Ventre mais seguro

guarda o Maná do Céu que o mundo encanta

e guarda a Lei contra o Demônio impuro.

Deseja pois Maria em graça tanta

que chova aos homens o Maná mais puro,

que aos homens se publique a Lei mais Santa.

À PURIFICAÇÃO E PRESENTAÇÃO

Soneto XI

Sendo da Escrita Lei Maria isenta

obedeceu à Lei que a desobriga,

e levando seu filho sem fadiga

a Simeão nos braços o presenta.

Com dom pequeno, liberal ostenta

as grandezas do obséquio a que se obriga;

e Deus (como de Abel na oferta antiga)

do magnânimo afeto se contenta.

Na Purificação pode entender-se

e com grande Juízo reparar-se,

vendo em si mesmo o bem contradizer-se.

Pois neste dia vê para admirar-se

o mesmo claro Sol, esclarecer-se,

o mesmo puro Ser, purificar-se.

AO MESMO

Soneto XII

Vê Simeão ao Salvador, contente,

porque era prometido em profecias

e vendo com seus olhos o Messias

morre do próprio gosto alegremente.

Oferece Maria reverente

para remir do mundo as tiranias,

com melhor sacrifício, ações mais pias,

melhor cordeiro ao Padre Onipotente.

Cinco Siclos de Cristo foram pagas

com que rime a si mesmo, parecido

ao pecador, que tu Demônio estragas:

Neste Mistério pois desconhecido,

com cinco siclos, como cinco chagas

o próprio Redentor se vê remido.

À SENHORA ESTANDO AO PÉ DA CRUZ

Soneto XIII

Ao pé da Cruz estava dolorosa

a Mãe com sentimento duplicado

vendo a seu filho nela atormentado

vendo-se a si sem filho lastimosa.

A dor foi tão cabal, tão lagrimosa

que tem de espada o nome derivado,

e seu peito não só tem traspassado

que até n’alma se imprime rigorosa.

Quis ter da dor a espada em seu tormento

porque na pena em ambos igualada

crucificada está no mesmo intento:

Que se a espada tem cruz representada

para ter cruz também no sentimento

uniu à cruz de Cristo, a cruz da espada.

À SOLEDADE, ALUDINDO ÀQUELAS PALAVRAS:

ANIMAM PER TRANSI VIT GLADIUS” Lucas, 2, 35

Soneto XIV

Padece a mãe com tanta atrocidade,

que perdendo do filho a companhia,

perdeu todo o seu bem, toda alegria,

e lhe ficou somente a soledade.

E só da dolorosa atividade

acompanhada está por todo o dia:

que se da pena é grande a tirania,

tem por fineza a falta da piedade.

Não se pode dizer que neste estado

vive Maria, estando a vida em calma,

inda que pelo amor logre o cuidado:

E se ganhando a morte a triste palma

n’alma a espada da dor há penetrado,

ficou sem vida, pois ficou sem alma.

ASSUNÇÃO

Soneto XV

Do deserto do mundo vil e avaro

sobe ao Céu recostada em seu querido

tendo os dotes seu corpo esclarecido

de impassível, sutil, ágil, e claro.

Inda que fique a terra ao desamparo

sobe (à sua Alma o corpo reunido)

não só para gozar do Céu luzido

senão para outorgar preciso amparo.

Bem é de crer que o verbo glorioso,

se a carne de Maria o Verbo encerra,

que a corrupção lhe evita poderoso:

E quando deste mundo se desterra

sendo a carne, do Verbo Céu ditoso,

não podia ficar o Céu na terra.

À COROAÇÃO

Soneto XVI

Coroada Maria qual portento

do Sacro Empíreo, todos se suspendem:

os Santos como súditos se rendem

que é Maria da Glória o complemento.

A seu amor, a seu devoto alento

os Serafins atônitos atendem,

os Querubins de seu saber aprendem,

os Tronos lhe ministram sacro assento.

Tem nas Dominações do Império o culto

mais que as Virtudes milagrosa alteza,

nas Potestades, poderoso indulto.

Os Principados dizem que é Princesa

mais que os Arcanjos sabe o mais oculto

mais que os Anjos contém maior pureza.

AO MESMO

Soneto XVII

Com júbilo geral todos alerta

vêem no Empíreo a Maria coroada,

que sendo do pecado preservada,

da serpente venceu a morte certa.

Do Céu a casa nobre se concerta,

para os homens, que estava então fechada,

e Maria que a vê já preparada

como é porta do Céu, é porta aberta.

Longa dor padeceu em tempo breve

junto à Cruz; e Deus julga por memória

que assentar-se a seu lado se lhe deve:

Porque era justo em ũha, e outra história,

se na cruz a seu lado em pena esteve,

no Céu, junto a seu lado, esteja em Glória.

À NOSSA SENHORA DA GRAÇA, REPETINDO

EM TODOS OS VERSOS “MARIA”, E “GRAÇA”

Soneto XVIII

Na Graça é grande nome o de Maria,

melhor Eva Maria, Ave de Graça

Maria alumiou co’a luz da Graça,

é Senhora da Graça por Maria.

Pela Graça exaltada foi Maria

Maria como mar, é mar de Graça

Maria deu o Mundo toda a Graça

nem se amaria a Graça sem Maria.

Concebida se vê Maria em Graça

na Graça é Numa, o nome de Maria

Maria sempre está cheia de Graça:

Todos a Graça alcançam por Maria,

que a Graça por maria está de Graça,

e não tem graça a Graça sem Maria.

A NOSSA SENHORA DAS NEVES

Soneto XIX

Entre sonhos, Maria imaculada

revelou o Patrício duvidoso

o Mistério do templo suntuoso,

porque espera ser nele venerada.

Mostra o lugar do templo que lhe agrada

entre a insólita Neve, milagroso,

com que merece o monte venturoso

do Carmelo a grandeza celebrada.

Deve-se ponderar nesta estranheza

se a Maria por sol todos repetem

e o sol derrete a neve com presteza:

Também quando a seus raios se submetem

os corações mais frios na pureza,

em lagrimoso obséquio se derretem.

A NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, ALUDINDO

ÀQUELAS PALAVRAS: “TERRIBILIS VOLA [...]

TURRIS DAVIDICA’

Soneto XX

Vencido o turco foi, só por auspício

da Virgem Soberana aquele dia

quando a Deus humanado oferecia

do Rosário o suave sacrifício.

Este triunfo tendo a Deus propício

não se deve ao poder, nem valentia:

ao Rosário se deve de Maria

que tais extremos faz no benefício.

Mas não é muito (6 Virgem), quando encerra

vosso valor a força mais notória,

para os turcos vencer por mar e terra:

Que para conseguir tão justa glória

sois esquadrão terrível para a guerra

sois Torre de Davi para a vitória.

 

SONETOS DA VIDA DE CRISTO ATÉ SUA DIVINA ASCENSÃO

AO NASCIMENTO DE CRISTO

Soneto XXI

Nasce o Verbo em Belém, pobre, humilhado,

sendo Supremo Rei de toda a terra,

e no corpo pequeno e breve encerra

do seu Divino Ser, o imenso estado.

Naquela idade se prepara armado

contra o inferno imortal que almas enterra;

e ao soberbo Lusbel movendo guerra

por humilde se vê mais alentado.

Os Demônios cruéis todos se espantam,

chora, treme de frio o Verbo eterno,

os Anjos com voz doce nos encantam:

De sorte que o menino e Deus superno

chora, porém de gosto os Anjos cantam,

treme, porém de medo treme o inferno.

À CIRCUNCISÃO

Soneto XXII

Passados oito dias permitistes,

que fôsseis circunciso sem pecado,

se bem que para ser circuncidado

de pecador a forma consentistes.

Na tenra idade logo conseguistes

de Redentor o nome desejado:

bem que do ferro duro estais cortado,

só por golpe de amor, o sangue abristes.

Então pequenos anos dais oculto

da Redenção com forte atividade

sem esperar as mãos do cego insulto:

Mas como o vosso amor na eternidade

sempre se conheceu, sem tempo, adulto

já varonil se vê na tenra idade.

AO NOME DE JESUS REPETIDO

EM TODOS OS VERSOS

Soneto XXIII

Doce nome de Jesus, doce esperança

Jesus está dizendo que é doçura

em Jesus todo o acerto se assegura

logra-se, com Jesus, toda a bonança.

Quem em Jesus seu coração descansa

ricos afetos em Jesus apura,

e fora de Jesus nada procura

que em Jesus tudo espera, e tudo alcança.

Jesus por Redentor se vos convida,

Jesus é Salvador na sacra história,

e nossa culpa tem Jesus remida:

E tendo de Jesus sempre a memória

Jesus é tábua, em que se salva a vida,

Jesus é porto, em que se chega à Glória.

À EPIFANIA

Soneto XXIV

Guiados de a Estrela refulgente

vão os Magos buscar ao Rei nascido,

e chegando ao Presépio pretendido

adoram os três Reis, a um Rei potente.

Um lhe oferece incenso reverente,

como a Deus; outro ouro esclarecido

como a Rei. Outro a mirra enternecido,

pelo ser que tomou da humana gente.

Nestes três dons pondero com verdade

das três potências d’alma o sábio intento

buscando a Deus, fugindo de maldade.

N’ouro a Memória logra o luzimento

na Mirra mortifica-se a vontade

no incenso sobe a Deus o entendimento.

À MORTE DOS INOCENTES, ALUDINDO

ÀS PALAVRAS: “REGNUM MEUM NON EST

EX HOCMUNDO” João, 18, 36.

Soneto XXV

Por que persegues pérfido homicida

tanto sangue de tantos inocentes?

porém fazes com cravos excelentes

a Terra de Belém ser mais florida.

Que pretendes de Cristo em tanta lida,

Herodes com rigores indecentes?

pois traz a paz aos homens reverentes,

e por manso Cordeiro se convida.

Se teu receio a tirania emprende

porque temes, do Império sitibundo,

que dele te despoje; adverte, aprende.

Que o Deus menino com amor jucundo

o Reino deste mundo não pretende

porque não é seu Reino deste mundo.

ÀS TENTAÇÕES DO DESERTO

Soneto XXVI

Entra em campanha Cristo valoroso

contra o Demônio astuto e vigilante

que propondo-lhe a gula, Cristo amante

contra a gula faz gala de animoso.

Excitando a vanglória de famoso

propõe-lhe o precipício de arrogante:

mas Cristo humilde com valor constante

faz da humildade a glória de brioso.

Tenta terceira vez com modo ficto

pela ambição do mundo transitória

mas Cristo sempre se coroa invicto:

Sendo só de um contrário esta vitória,

três triunfos ganhou neste conflito da gula,

da ambição, e da vanglória.

À TRANSFIGURAÇÃO

Soneto XXVII

Cristo neste portento esclarecido

quis unir Sol, e Neve juntamente,

seu rosto ficou feito Sol Luzente

e qual cândida Neve seu vestido.

E quando sobe no Tabor Luzido

a glória oculta, mostra ali patente;

qual caudaloso Rio que a corrente

das águas solta estando reprimido.

Na transfiguração o portentoso

assombro, por milagre não se expressa,

que é mui próprio de Deus ser glorioso

Antes mostrando o mesmo que professa

bem que nisto pareça milagroso,

nestes milagres, o milagre cessa.

DOMINGO DE RAMOS

Soneto XXVIII

Entra Cristo com palmas festejado

e com ramos de oliva juntamente

toda Jerusalém por reverente

nos Júbilos esmera o seu cuidado.

Qual lhe estende o vestido mais prezado

qual a roupa lhe dá mais excelente

mas ai; que o vejo morto desta gente!

mas ai; que o vejo em ha cruz cravado!

Porém podemos crer com fé notória

que vencido o demônio furibundo

nos deu a paz segura para a glória:

De sorte que ensaiou no amor profundo,

entre os ramos das palmas, a vitória

entre os ramos da oliva, a paz do mundo.

À CEIA DE CRISTO

Soneto XXIX

Quer Cristo por exemplo, ou por ofício

a ceia do Cordeiro desejada

por que, à sombra da lei solenizada,

se acabasse em si mesmo o sacrifício.

Apesar do futuro malefício

solicita ver já sacrificada,

a sacra humanidade figurada,

que é maior, quando é pronto o benefício.

Prevendo o fim da vida derradeiro

no Cordeiro que vê, grande conforto

recebe em seu desejo verdadeiro:

Hoje vê, ver-se-á (no amor absorto)

assado e morto em brasas o cordeiro,

Cristo em brasas de amor assado e morto.

À INSTITUIÇÃO DO SANTÍSSIMO

SACRAMENTO, ALUDINDO ÀQUELAS

PALAVRAS: “FUI URRE GLORIAE NOBIS,

PIGNUS DATUR” ETC.

Soneto XXX

À vista do tormento imaginado

que o mundo lhe prepara enfurecido

faz Cristo tanto empenho de ofendido,

que ofendido se vê mais obrigado.

O convite institui regalado

no mistério Eucarístico escondido

e se um bocado, ao mundo fez perdido

quer o mundo ganhar por um bocado.

Como no amor dos homens mais se excita

lhe segura a certíssima bonança

da glória eterna, como Lei que imita:

Ficando devedor desta esperança

faz a convença com seu sangue escrita

e lhes deixa o penhor por segurança.

AO LAVATÓRIO DOS PÉS, ALUDINDO

ÀQUELAS PALAVRAS: “OMNIA DEDITIN

MANUS EIUS” João 13, 3.

Soneto XXXI

Cristo neste Mistério portentoso

depôs a Majestade preminente:

o Rei, feito vassalo reverente

feito Senhor, o servo venturoso.

Lava os imundos pés obsequioso

aos Discípulos seus humildemente,

e n’água se traslada o fogo ardente

que do peito lhe sai por amoroso.

Se o pai tudo lhe deu na eternidade

em suas mãos; e agora pobre e mudo

fez de humilde a estupenda novidade:

Posso dizer com advertido estudo

que tendo em suas mãos tanta humildade

mostrou que na humildade tinha tudo.

AO LAVATÓRIO DE JUDAS

Soneto XXXII

Entre as três tentações, com que atrevido

o Demônio se opôs a Cristo amante,

foi pretender com glória de arrogante

que a seus infames pés fosse caído.

Não conseguiu o intento pretendido

porém tornando agora mais constante

pretende ser de Cristo triunfante

e ganhar o Triunfo já perdido.

Entra o Demônio em Judas nesta guerra

e nele astutamente colocado

ganha a vitória que em seu peito encerra:

Pois lavando ao discípulo malvado

se de Judas aos pés está por terra

Cristo aos pés do Demônio está prostrado.

ÀS AGONIAS DO HORTO, ALUDINDO

ÀQUELAS PALAVRAS:

”MALEDICTA TERRA” Gênesis, 3, 17.

Soneto XXXIII

Orando Cristo ao pai que dilatava

o despacho amoroso que pedia

entra Cristo com férvida agonia

e verte o sangue já que desejava.

Pela terra feliz se derramava

regando a terra estéril, à porfia,

e porque dela o fruto pretendia

de tão Divino orvalho a fecundava.

Se já não é que a terra desditosa

a maldição de Deus na culpa encerra

com que perdeu de Deus a paz ditosa:

Mas hoje por tirar em tanta guerra

a maldição da terra lastimosa,

quis com seu sangue consagrar a terra.

À PRISÃO, E TRAIÇÃO DE JUDAS

Soneto XXXIV

Com simulada paz, porfia certa

vem Judas com soldados insolente

a prender a seu Mestre astutamente,

que a traição, outra traição desperta.

A Cristo prendem pois, todos alerta,

como se fora algum Ladrão patente

  porém das almas é ladrão somente

  que neste roubo todo amor acerta.

Preso e rendido o levam com cuidado

entre o estrondo das armas repetido

a quem só da inocência estava armado:

Neste assombro igualmente é parecido,

como cordeiro ao Sacrificio atado,

como José pela traição vendido.

À PRESENTAÇÃO DE CRISTO AO

PONTÍFICE ANÁS

Soneto XXXV

Os passos apressando sem preguiça

a Cristo leva preso a cega gente

e usando do rigor por inclemente

faz do mau trato zelo da justiça.

Com vingança cruel que o peito atiça

presenta ao Salvador tiranamente

ao Pontífice Anás que irreverente

encobre com pretextos a injustiça.

Propõe de culpas tia ação famosa,

como se fosse Réu mais infamado,

contra o Sol da justiça poderosa.

De maneira que bem considerado

fica a mesma justiça criminosa,

o mesmo Sol das trevas acusado.

À BOFETADA, ALUDINDO ÀQUELAS

PALAVRAS: “IN QUAE DESIDERANT ANGELI

PROSPICERE” I Pedro, 1, 12.

Soneto XXXVI

Contra Cristo se atreve enfurecida

ũa mão dos cruéis acusadores,

que imprimindo na face os desprimores

bem se pode dizer, foi mão perdida.

Esta afronta tão pouco merecida

não teve no juízo defensores

porque intenta o Senhor que nos rigores

se mostre a mansidão mais conhecida.

Seus Anjos (apesar da humana fúria)

desejam ver-se nesta face imensa

por ser espelho seu na excelsa cúria:

Venho a entender que nesta dor intensa

chegou ao Céu o golpe desta injúria,

em os Anjos se fez a mesma ofensa.

À IDA PARA CASA DE CAIFÁS

Soneto XXXVII

É levado depois com mão ligeira

Cristo a Caifás Pontífice subido,

sendo que era o Pontífice pedido

o mesmo Cristo pela Lei primeira.

O qual com voz humilde e verdadeira

diz que é de Deus o filho prometido

e o Pontífice então na Luz perdido

teve com tanta Luz maior cegueira.

Rompendo as vestiduras indignado

no seu concelho infausto se publica

que Cristo blasfemou de Deus sagrado:

Porém se Cristo é Deus, bem significa,

que se ele diz que Cristo há blasfemado

o Pontífice então blasfemo fica.

À IDA PARA PILATOS

Soneto XXXVIII

Leva a Cristo outra vez aquela gente

como se fosse Réu facinoroso

e o relaxa o Pontífice ardiloso

ao braço secular do Presidente.

A Pilatos está Cristo presente

e querendo julgá-lo poderoso

não lhe acha indício algum de criminoso

mas não absolve ao Réu, sendo inocente.

Perseguem os Hebreus com ódio forte

a Cristo que a tais penas se convida:

os Gentios também da mesma sorte.

Oh cega ingratidão desconhecida,

que todos concorressem para a morte

de quem morre por dar a todos vida!

À REMESSA QUE FEZ PILATOS A HERODES

Soneto XXXIX

Pilatos neste tempo tendo aviso

que Cristo é Galileu o manda preso

a Herodes, por saber que lhe é defeso

a nula incompetência do juízo.

Herodes o admitiu com gosto e riso

mas nas perguntas em desgosto aceso

por louco o tem, e acha com desprezo

na mesma inteligência pouco siso.

A Pilatos o torna, e não lhe implica

que em seu juízo a causa se conteste,

e a vestidura branca a Cristo aplica:

Nela se mostra que no amor celeste

quando veio a nascer, a paz publica,

quando vai a morrer, da paz se veste.

AOS AÇOITES DA COLUNA

Soneto XL

Sendo Cristo a Pilatos remetido

teve sentença injusta de açoitado;

e para ser da afronta mais ornado,

das sacras vestiduras foi despido.

À coluna do Pátio foi trazido

para ser nela gravemente atado,

e tem, com tanto sangue derramado

cinco mil sacrilégios padecido.

Destes, Senhor, a vosso Povo caro

a coluna por pio ministério

da noite tenebrosa, e dia claro:

Mas trocado em afronta vosso Império

se a coluna lhe destes para amparo,

a coluna vos dão por vitupério.

À COROAÇÃO

Soneto XLI

De uma púrpura rota está vestido

pela malícia vil da turba insana

e sendo Rei da Glória Soberana,

declaram que é da terra Rei fingido.

E lhe põem com rigor mais desabrido

a Coroa de espinhos desumana:

e na mão Sacra ũa silvestre cana

como rústico cetro escarnecido.

Nestes atos a pérfida fereza

bem que tanto disfarce em Cristo ponha,

melhor descobre a bárbara estranheza:

O ódio nos espinhos se suponha,

na cana brava mostra-se a braveza,

na rota grã se vê, rota a vergonha.

AO ECCE HOMO

Soneto XLII

Eis aqui (diz Pilatos compassivo)

o Homem que persegues; Povo errado!

eis aqui como está desfigurado!

que parece de horror cadáver vivo.

Eis aqui tanto escândalo excessivo!

eis aqui tanto espinho preparado!

eis aqui tanto golpe duplicado!

eis aqui tanto sangue sucessivo!

Que rigor! que loucura! que porfia!

excitas contra um homem desta sorte

em quem já se conhece a morte impia!

Porém direi que tens ódio tão forte

que do seu sangue tens hidropisia,

que ũa morte pretendes n’outra morte.

À CRUZ ÀS COSTAS

Soneto XLIII

Pilatos ajudando ao malefício

julgou que morra Cristo em Cruz cravado,

e quando lava as mãos deste pecado,

peito limpo não tem, naquele ofício.

Sai Cristo como Isac por benefício

que tinha Deus aos homens decretado,

e para ser na Cruz sacrificado

leva a Cruz como lenha, ao sacrifício.

Com esta ação, àquela comparada

para o calvário vai com desafogo

rogando ao pai que cumpra o que lhe agrada.

E por que nada falte a tanto rogo,

na justiça Divina, leva a espada;

e no amor infinito, leva o fogo.

SENDO CRUCIFICADO

Soneto XLIV

Com tanta mansidão, com paciência

foi Cristo despojado do vestido:

e quando nu se vê todo despido,

nessa mesma nudez, mostra a inocência.

Padece tanta dor por excelência

afeado seu rosto, e desluzido,

e tendo tantas dores padecido

que ao mesmo Inferno fazem competência.

Se no monte Tabor foi glorioso

de dois Profetas foi acompanhado

hoje com dois ladrões se vê penoso:

Em um e outro Monte ponderado

no Tabor se mostrou Sol Luminoso,

no Calvário se vê Sol eclipsado.

À PRIMEIRA PALAVRA NA CRUZ:

”PATER DIMITTE ILLIS” Lucas, 23, 34.

Soneto XLV

Cristo na cruz com dores se afligia

mas do pecado a dor muito mais sente,

e se o feria atroz aquela gente

pede ao pai pela gente que o feria.

Sabendo muito bem a culpa impia

faz tanta estimação de ser clemente

que lhe desculpa os erros docemente

como quem por seu gosto padecia.

Elias não perdoa aos inimigos,

pelo zelo da lei pede os rigores:

e Cristo tem a todos por amigos:

Ambos pedem a Deus, nos ofensores

ele, o fogo do Céu para os castigos,

Cristo, as auras do Céu para os favores.

À SEGUNDA PALAVRA:

”AMEN DICO TIBI” ETC.*

Soneto XLVI

Da culpa venturosa triunfante

o ladrão que com Cristo padecia

tanto primor, e tanta fé sentia

que foi ladrão feliz do Céu brilhante.

Pecou na vida, agora mais amante

publicamente a Cristo repetia,

e do Povo os rigores não temia

que tira todo o medo a fé constante.

Pede a Cristo somente tia esperança

quando for ao seu Reino preminente

por um Memento mei, mas logo alcança.

De sorte que pedindo reverente

um alvará somente de lembrança,

a mercê do alvará lhe dá presente.

À TERCEIRA PALAVRA: “MULIER, ECCEFILIUS

TUUS [. ..J ECCE MATER TUA” Lucas, 23, 43; João 19, 26.

Soneto XLVII

Quer Cristo que João seja adotado

de sua mãe a quem por filho dava,

mas ah! que justamente a magoava

a troca desigual do filho amado.

Deu Cristo ao mundo o corpo venerado,

o sangue também deu que derramava

deu finalmente a vida que expirava

e nada tem que não tivesse dado.

Porém por ser maior o sacrifício

representa em João absorto e mudo

todo o mundo a quem faz o benefício:

Nesta dádiva fez tão alto estudo,

que para ser ao mundo mais propício,

a própria mãe lhe deu para dar tudo.

À QUARTA PALAVRA: “DEUS MEUS, DEUS

MEUS UT QUID DERELIQUISTI ME?” Mateus, 27, 46

Soneto XLVIII

Vendo-se Cristo tanto perseguido

não acha alívio algum naquele estado;

na cabeça de espinhos coroado,

juntamente nas mãos, e pés ferido.

Exclama a Deus eterno por que há sido

a causa de o deixar desamparado

como se fosse réprobo malvado,

sendo filho de Deus esclarecido.

Com desejo imortal e forte alento

padecendo o tormento pretendia

padecer por amor sem outro intento:

De maneira que a causa conhecia,

e faz que ignora a causa do tormento,

como quem das ofensas se esquecia.

À QUINTA PALAVRA: “SITIO” João 19, 28

Soneto XLIX

Vendo Cristo que a morte lhe tirava

o martírio cruel em que se via

com seu próprio desejo se afligia

com seu próprio tormento porfiava.

Declara que tem sede: e bem mostrava

que quando atrozes penas padecia

não era refrigério que pedia

era sede das penas que estimava.

Do muito amor dos homens obrigado

a sede que declara no seu rogo

é que lhe aumentem seu penoso estado:

Tem no peito de amor tão grande fogo

que para padecer todo abrasado,

deseja o padecer por desafogo.

À SEXTA PALAVRA: “CONSUMMATUM

EST” João 19, 30

Soneto L

Quis o Supremo Rei por benefício

do mundo pela culpa cativado

que fosse redentor seu filho amado

e na cruz exercesse aquele ofício.

Já fica livre o mundo do suplício

que no Inferno lhe estava decretado

e pela eterna pena do pecado

se deu o Verbo Eterno em Sacrifício.

Na Sacra Redenção qualquer que suma

da Criação do mundo a Simpatia

quando a consuma Deus em breve suma,

De sorte que por esta, e aquela via,

se ao Sexto dia a criação consuma,

consuma a Redenção ao Sexto dia.À

SÉTIMA PALAVRA: “INMANUS TUAS,

DOMINE, COMMENDO SPIRITUM MEUM” Lucas, 23, 46

Soneto LI

Ao rigor do tormento sucessivo

nos parocismos do vital alento

fez brevemente Cristo um testamento

com sonorosa voz nuncupativo.

Não deixou nada, bem que Rei altivo

porque fez da pobreza valimento

nasce pobre em Belém sem luzimento

e na Cruz se viu nu do povo esquivo.

Duas verbas deixou com voz sagrada

para que seu amor melhor se entenda

que duas coisas são de que se agrada:

Enfim dispondo de ũa e outra prenda

a João sua mãe encomendada

a seu Pai seu espírito encomenda.

AO DESCIMENTO DA CRUZ

Soneto LII

José e Nicodemo neste dia

tiram da Cruz a Cristo atormentado

e no colo da mãe todo abraçado

se imprimiram as chagas em Maria.

No Sangue Sacrossanto que corria

o pranto de Maria misturado,

parece Sacramento renovado

n’água e sangue que de ambos se vertia.

Da paixão soberana tais rigores

na mãe se trasladaram, que com isto

igualmente parecem redentores.

Visto o tormento de um, e de outra, visto,

crucificada a mãe nas próprias dores

outro Cristo se vê junto de Cristo.

AO MESMO

Soneto LIII

Acaba Cristo a vida dolorosa

e dois varões o descem com ventura

para dar tia honrada sepultura

a quem teve a morte escandalosa.

Põem nos braços da Virgem lagrimosa

o filho que em seus braços ter procura

e quando a mãe suspira com ternura

cuidam todos que expira lastimosa.

Tão afeado está que a mãe não crera

que era seu filho o próprio, que pedia,

se o amor no coração lho não dissera:

Tão morta está da dor: que se não via

se era Cristo Maria que morrera,

se era Maria Cristo que morria.

À SEPULTURA DE CRISTO

Soneto LIV

Vendo José que a mãe se traspassava

do cutelo da dor, roga prudente

que deixe dar sepulcro reverente

a quem no peito seu eternizava.

A sepultura idônea preparava

a pia devoção daquela gente:

põem a Cristo em um Horto, que excelente

da melhor flor do campo se jactava.

Em um Horto buscaram prevenidos

os Pérfidos Hebreus com seu cuidado

onde o prenderam cegos e atrevidos;

Ultimamente, neste sepultado,

sendo o fim e princípio parecidos,

naquele preso foi; neste enterrado.

AO DESCIMENTO DO LIMBO

Soneto LV

Baixa Cristo aos Infernos poderoso

para dar cumprimento às esperanças,

que nunca falta Deus às seguranças

quando um peito confia obsequioso.

Os Santos Padres vendo o sol lustroso

têm de seu prêmio certas confianças

e logrando dos gostos as bonanças

já não sentem da pena o proceloso.

Já não há queixa, não, já tudo é riso

já do passado mal não há memória,

ver a Divina essência é já preciso:

E vencido Lusbel nesta vitória

muda-se o mesmo inferno em paraíso,

está no mesmo inferno a eterna glória.

À RESSURREIÇÃO, ALUDINDO ÀQUELAS

PALAVRAS: “DICEBANT EXCESSUM EIUS” Lucas, 9, 31

Soneto LVI

Ressurge Cristo todo acompanhado

de um exército Angélico luzido,

que se Anjos teve, quando foi nascido,

também os deve ter ressuscitado.

Neste monte se vê glorificado,

onde havia as afrontas padecido:

e pois nele se viu escarnecido,

é bem que seja nele sublimado.

Se Cristo no Tabor transfigurava

seu corpo glorioso, neste dia

em outro Monte glorioso estava:

Mas nos dois Montes diferença havia,

nele, o excesso das penas esperava,

neste, o excesso das glórias conseguia.

À APARIÇÃO DE CRISTO RESSUSCITADO

A SUA MÃE SANTÍSSIMA

Soneto LVII

Cristo aparece belo e glorioso

à mãe que este Mistério não ignora,

e se vestia o pranto como Aurora

qual Sol lhe enxuga o pranto lastimoso.

Antes viu a seu filho poderoso

entre ladrões metido, mas agora

vê que o acompanha, vê também que o adora

o concurso dos Anjos numeroso.

A mãe como Oriente figurado

recebe em braços a seu Sol querido

entre ósculos de amor multiplicado.

De sorte que este sol esclarecido

no Ocidente da Cruz foi sepultado,

no Oriente da mãe foi renascido.

À APARIÇÃO DA MADALENA

Soneto LVIII

O Corpo vai buscar de seu querido

Madalena nas ânsias de amorosa,

porém quando o não acha lagrimosa

estila o coração no seu sentido.

Cristo lhe apareceu desconhecido,

e quando o não conhece cuidadosa,

tendo o bem, que procura venturosa,

imagina que o bem tem já perdido.

Cristo vendo de amor excesso tanto

em virtude do pranto que sentia

se descobria ao golpe deste encanto.

Que como Cristo é pedra, bem se via

que sendo pedra em que batia o pranto,

Madalena no pranto o descobria.

À APARIÇÃO DOS APÓSTOLOS

Soneto LIX

No Sacro consistório congregado

os Apóstolos temem os rigores

porém Cristo aparece a seus temores

e com ardente Sol rompe o nublado.

A paz do Céu propõe a seu cuidado

que não teme da terra os vãos furores:

se nascendo da paz traz os favores,

a mesma paz lhes dá ressuscitado.

E quando Cristo ali lhes aparece

as mãos e lado mostra: e lhes publica

a mesma Lei, que neles permanece:

Com ũa e outra dádiva se explica,

que nas mãos, o poder lhes oferece,

e que no Lado, o amor lhes significa.

À ASCENSÃO DO SENHOR

Soneto LX

Sobe Cristo com júbilo aplaudido

formando os Anjos métricos concertos

não ao monte calvário dos tormentos

mas ao monte Sião do Céu subido.

Em Sacro amor das almas suspendido

(bem que deixa da ausência os sentimentos)

vai preparar magníficos assentos

que os Demônios cruéis tinham perdido.

Por elas interpõem ardente rogo

por lograr o triunfo avantajado

ou para conseguir seu desafogo.

Cristo pois com Elias comparado,

Elias sobe arrebatado em fogo,

Cristo em fogo de amor arrebatado.

À VINDA DO ESPÍRITO SANTO

Soneto LXI

Vem dos Céus o Paraclito Divino

onde estão os Apóstolos sentados,

que para ser da graça iluminados

deve de assento estar o amor mais fino.

Receberam de Deus sagrado ensino

ficando tão absortos, e enlevados,

que no melhor saber mais atinados,

o tino parecia desatino.

Em tanta maravilha, em tanta festa

divulga Deus o bem que comunica

em várias línguas de pureza honesta;

Que para mostrar mais o amor que explica

não só por a língua o manifesta,

porém por muitas línguas o publica.

À SANTÍSSIMA TRINDADE

Soneto LXII

Venera-se Deus Trino na unidade

e na Trindade um Deus é venerado,

e na mesma Substância inseparado

são distintas pessoas na verdade.

Igual a glória, igual a imensidade,

sábio igualmente, igual o potentado,

o pai, o filho, o Espírito, incriado,

em todos três igual a eternidade.

Não são três Deuses, não: que o Sol Luzente

tem luz, raio, e calor, que nele insiste

e n’alma três potências juntamente:

Porém quando esta informa, e aquele assiste

não são três Sóis, que um Sol brilha somente;

não são três almas, que a só subsiste.

À FESTA DO CORPO DE DEUS

Soneto LXIII

Celebra-se o Mistério com grandeza

da Católica fé para os louvores

se é no Céu pão dos Anjos superiores,

na terra é pão da humana natureza.

É Sacramento da maior Alteza

é Maná de riquíssimos sabores,

memorial seguro de favores,

de graças Eucarística fineza.

Este mistério, nesta oculta forma

é mais que a encarnação, se bem se adverte,

quando um se come, e outra a Deus informa.

Porque (para que o amor mais nos desperte)

naquela, um Deus em homem se transforma,

e neste, em Deus um homem se converte.

 

SONETOS A VÁRIOS SANTOS

A SÃO JOAQUIM

Soneto LXIV

Por ter a esposa estéril, magoado

vos via o mundo em tanta desventura,

que sentindo das mágoas a ternura,

era estéril de gosto vosso estado.

Porém Deus para ver-vos estimado

trocando vossas penas em ventura,

vos deu por fruto vosso a Virgem pura

para mãe de outro fruto desejado.

De Joaquim o nome generoso

significa (apesar do triste Inferno)

preparação de Deus por timbre honroso:

Se Maria é de Deus Templo Superno,

na filha que gerastes venturoso,

fostes preparação de Deus eterno.

A SANTA ANA

Soneto LXV

Quem com silêncio ou com louvor discreto

pode louvar-vos Ana generosa

que se a Virgem de Deus é mãe ditosa

vindes a ter ao mesmo Deus por neto.

Por virtude do Espírito secreto

ela é fonte de graças amorosa

e unida nesta fonte graciosa

toda a graça bebeis do Paracleto.

Do Sol vestida para aplauso nosso

sois a mulher no Céu aparecida

porque com ela comparar-vos posso.

Igualmente vos vejo parecida

que se Maria é Sol, e ventre vosso,

podeis dizer que estais do Sol vestida.

A SÃO JOSÉ

Soneto LXVI

Insigne Patriarca que alcançastes

ser de Maria Virgem, casto esposo,

guardando em vosso peito generoso

o tesouro de Deus, que venerastes.

Prenhe vistes a esposa que adorastes

e sendo humilde a tanto excesso honroso

vendo que é mãe de Deus, todo medroso

de tanta glória indigno vos achastes.

Inda que em vossos olhos vos assista

o ventre de Maria; na inteireza

de casta esposa vossa fé se alista.

Tendo neste prodígio tal pureza

que crestes mais à fé que à própria vista,

crestes à graça mais, que à natureza.

A SÃO JOÃO BATISTA ALUDINDO ÀQUELAS

PALAVRAS: “ILLUM OPOR TET CRESCERE

MEAUTEM MINUI” João, 3, 30

Soneto LXVII

Divino precursor que penitente

a Lei pregaste no deserto inculto,

porém tendo de Cristo o mesmo vulto,

por Messias do céu vos cria a gente.

Se do potente Rei fostes prudente

embaixador para o piedoso indulto,

todos vos tratam com Divino culto,

não por embaixador, por Rei potente.

Pelo que para ser acrescentado

o Verbo no respeito de aplaudido,

diminuir quisestes vosso estado.

Oh prodígio do Mundo esclarecido

que para o mesmo Deus ser venerado

foi necessário serdes abatido!

 

SONETOS AOS DOZE APÓSTOLOS

A SÃO PEDRO

Soneto LXVIII

Confessastes a Cristo poderoso

por verdadeiro Deus, com fé constante:

e por isso da Igreja militante

funda em vós o edifício glorioso.

Barjona vos chamou quando animoso

credes na fé sem peito vacilante;

e Barjona se entende o filho amante

de Pomba que imitastes amoroso.

Bem se pode dizer sem desacerto

que se o Divino Espírito é chamado

pomba; tendes com Cristo igual acerto:

Porque vós escolhido, ele gerado

Ele do Eterno Pai é filho certo,

vós do Espírito eterno, filho amado.

A SANTO ANDRÉ APÓSTOLO

Soneto LXIX

Sendo núncio feliz na bruta Acaia

da católica Lei e zelo pio

iluminastes um e outro gentio

caminhando por ũa e outra praia.

O Demônio cruel que já desmaia

faz ao Procônsul contra vós impio

porque lhe despojais o Senhorio,

por que seu trono pérfido não caia.

Morte de Cruz vos julga, e neste intento

a Cruz vida vos dá, mas por vitória

da luz do Céu se cobre o vosso alento:

Fostes pois singular nesta memória

que outros morrem na Cruz pelo tormento,

mas a morte vos deu da Cruz a glória.

A SÃO TIAGO MAIOR, APÓSTOLO

Soneto LXX

Quando em Jerusalém todo animoso

pregais a Lei de Cristo a toda a gente

sois filho do trovão, e tão veemente

que dais no mundo um brado sonoroso.

Contra vós foi Josias orgulhoso

e vos prendeu na praça astutamente,

mas por vós convertido de repente,

preso ficou de vós, mais venturoso.

Derramastes o sangue nos encantos

de amor; entre os Apóstolos mais finos

primeiro mártir para assombros tantos.

E se foi por católicos ensinos

Estêvão Protomártir, dos mais santos,

vós o sois dos Apóstolos Divinos.

A SÃO JOÃO APÓSTOLO

Soneto LXXI

Anjo sois em puríssimo portento

que sois da virgem guarda generosa,

sois mártir que na tina milagrosa

padeceis o martírio sem tormento.

Sois Apóstolo tal que o valimento

de Cristo mereceis por graça honrosa,

sois Profeta, que à Igreja gloriosa

revelais os mistérios mais atento.

Sois Patriarca em Prole mais completa,

Evangelista que Águia o Sol conquista,

Doutor da Teologia mais secreta:

Sois enfim porque tudo em vós se alista

Anjo, Mártir, Apóstolo, Profeta,

Patriarca, Doutor, Evangelista.

A SÃO FELIPE APÓSTOLO

Soneto LXXII

Contra os Impérios da Serpente impia

que em Frígia se adorava cegamente,

saís Felipe, pela fé, valente,

que não falta no amor forte ousadia.

Aquele Ídolo cai na terra fria,

por mistério de Deus morre a Serpente;

e logo todo o povo reverente,

segue o Evangelho, e deixa a Idolatria.

Porém pede Lusbel ao Magistrado

que morrêsseis na Cruz, seu mal previsto,

e logo treme a terra nesse estado:

De sorte que na Cruz o assombro visto,

como a Cristo imitais crucificado,

honrar-vos quis a terra como a Cristo.

A SÃO BARTOLOMEU APÓSTOLO

Soneto LXXIII

Apesar de Astaroth que astutamente

na Capadócia fabricava os danos

apesar de Berit, que os desenganos

explicou de vós mesmo à bruta gente.

Entrastes com virtude preminente

contra o bárbaro error de muitos anos

e Astaroth soltou logo seus enganos

porque preso se viu do fogo ardente.

Alcançastes no Inferno a palma bela

sem armas, e sem outra companhia

mas que de Cristo a fé que vos desvela.

Porém posso dizer nesta porfia

que como é pedra Cristo só com

ela toda a estátua prostrais da Idolatria.

A SÃO MATEUS APÓSTOLO

Soneto LXXIV

Evangelista Apóstolo afamado,

que escrevendo a Evangélica verdade

destes com felicíssima piedade

da Sagrada lição primeiro brado.

Na feliz Etiópia venerado

louvastes de Ifigênia a castidade;

porém ao Rei lascivo na maldade

fogo de ira lhe acende o fogo amado.

Celebrando o eucarístico portento

a vida vos tirou por malefício,

ficando o mesmo altar sanguinolento:

Por imitar de Cristo o mesmo ofício

sacrificando a Deus no sacramento,

fizestes de vós mesmo o sacrifício.

A SÃO TOMÉ APÓSTOLO

Soneto LXXV

Duvidastes Tomé porém ditoso

lograstes os seguros do receio,

que à trévoa vil de um enganoso enleio

não falta a luz de um desengano honroso.

Vistes a Cristo ressurgir glorioso

e a mão metendo no divino seio

foi o toque das chagas justo meio

para o toque da graça venturoso.

Vossa incredulidade não fez dano

à vossa fé, que nela estais mais fino

quando a Cristo chamais Deus soberano:

Fazeis um Sacramento peregrino

pois só tocais em Cristo o corpo humano,

e confessais em Cristo o Ser Divino.

A SÃO TIAGO MENOR, APÓSTOLO

Soneto LXXVI

Por vosso nome Santo esclarecido

justo sois, e nas obras excelente

tanto que parecestes entre a gente

ser por irmão de Cristo conhecido.

De vossa mãe, no ventre enobrecido

santificado sois Divinamente,

e sendo santo, antes de ser vivente

sentis o amor, antes de ter sentido.

Na vida, nem na morte vos excede

o mesmo Cristo, que antes repetistes

igual ação, que em ambos vos sucede:

Pois quando os inimigos conseguistes,

Cristo na Cruz, perdão por eles pede,

vós por eles perdão, na Cruz pedistes.

A SÃO SIMÃO E JUDAS TADEU

Soneto LXXVII

Contra os Magos que os Ídolos quiseram

vos opusestes ambos tão constantes

que nos incêndios férvidos de amantes

vossos peitos valentes se acenderam.

Os Idólatras cegos compuseram

da lua e sol os Ídolos brilhantes,

mas se eles se perderam de arrogantes

os Ídolos desfeitos se perderam.

A lua e sol estão com desalentos

em um, e outro Ídolo fingido

tudo foi confusão, fogo violento:

O Juízo final foi parecido

pois a lua ficou sem luzimento,

pois o sol ficou todo escurecido.

A SÃO MATIAS APÓSTOLO

Soneto LXXVIII

Fostes eleito ao Sacro Apostolado

(pela pérfida ação Judas perdido)

e a José que por justo era aplaudido

vós por mais justo fostes aprovado.

Nas doze estrelas antes figurado

de Apostolado o número sabido,

sois estrela do mundo convertido

fixa no amor, errante no cuidado.

A vossa Santidade sobre-humana

com todos os Apóstolos se afina

quando Deus nesta escolha a desengana.

Nela maior vantagem vos ensina

porque aos mais escolheu com voz humana

mas a vós escolheu com Luz Divina.

A SÃO PAULO APÓSTOLO

Soneto LXXIX

Apóstolo das gentes celebrado

sois vaso de eleição, por Cristo eleito,

que destes ao Gentio satisfeito

da lei da Graça, o óleo consagrado.

Padecestes por Cristo degolado

e quando tendes o martírio aceito,

derramastes o leite, que no peito

tinha vossa pureza congelado.

Cortam-vos a cabeça esclarecida

e saltais de prazer ao golpe forte

como João na graça conseguida:

Mas nesta ação mostrais mais alta sorte

que ele de prazer salta, tendo a vida

vós saltais de prazer, logrando a morte.

A SANTO ESTÊVÃO

Soneto LXXX

Insigne Protomártir que mostrastes

na defensa da fé valor inteiro,

e sendo Alferes-mor por ser primeiro

a bandeira de Cristo sublimastes:

No triunfo ditoso que alcançastes

(feito da fé constante pregoeiro)

não só do vosso nome verdadeiro

mas do martírio atroz vos coroastes.

Verteis na terra o Sangue derramado,

e Cristo vos conforta nos Céus visto,

entre agonias do tormento amado:

Maior vantagem vos concede nisto

que Cristo foi de um Anjo confortado,

vós confortado sois do mesmo Cristo.

A SÃO LOURENÇO

Soneto LXXXI

Valoroso Espanhol, Sacro Levita

se ao Pontífice sumo obedecestes,

os Tesouros da Igreja despendestes

que o tesouro do Céu mais vos incita.

Pronto ao Martírio, que o Tirano excita,

tão pouco medo, e pouco horror tivestes,

que se no duro ferro padecestes,

ao duro ferro vosso peito imita.

Não recebeis do fogo sentimento

(em cravo transformando o branco Lírio)

porque Amor vos abrasa em mais aumento:

E fazendo da dor sábio delírio

abrasado de amor, e do tormento

padeceis de dois fogos o martírio.

A SÃO SEBASTIÃO

Soneto LXXXII

Valoroso ao martírio se mostrava

vosso peito que as setas não temia:

se vosso peito cândido vivia

alvo das setas vosso peito estava.

Por muda vossa língua se admirava

na dor com que o tormento padecia

porém não era muda na alegria

com que diséretamente a fé pregava.

A Tirania do gentio ufano

que não quer admitir o sacro ensino

vos frechava no tronco desumano.

Porém vós no patíbulo mais fino,

se o peito vos fechava, ódio tirano,

o peito vos frechava, Amor Divino.

A SÃO JERÔNIMO

Soneto LXXXIII

Com grande estudo e penitência dura

ao mesmo tempo sábio e virtuoso

fostes esmalte da virtude honroso,

fostes Luzeiro da ciência pura.

Reformastes enfim com fé segura

a divina escritura obsequioso;

intentando o demônio poderoso

que a lição se perdesse da escritura.

Por ela se conhece a fé sincera

que Cristo a todo o mundo publicara

e sem ela a virtude se não crera.

Mas, se não fora vossa indústria rara

no mundo a fé de Cristo se perdera,

do mundo a redenção se não lograra.

A SANTO AMBRÓSIO, ALUDINDO ÀQUELAS

PALAVRAS: “EX ORE INFANTIUM ET

LA CTA NTIUM PERFECIS TI LAUDEM” Mateus, 21, 16

Soneto LXXXIV

Prelado de Milão que vos mostrastes

em ambos os governos tão prudente

que pela via da virtude urgente

do temporal ao eterno caminhastes.

Se as fúrias Arrianas aplacastes

sobre a eleição de um Bispo preminente

por Bispo vos aclama toda a gente,

bem que por toda a gente o reclamastes.

Deus revela ao Menino o Sacro ensino

(porque neles tem Deus louvor perfeito)

que Bispo vos chamou como Divino.

Enfim deste prodigio satisfeito,

se a boca vos nomeia de um menino,

pela boca de Deus fostes eleito.

A SANTO AGOSTINHO

Soneto LXXXV

Bispo de Bona, de África portento,

que nos erros do mundo pervertido,

se tivestes a Igreja perseguido

destes depois à Igreja valimento.

Paulo teve também o mesmo intento,

e perseguiu a Igreja enfurecido,   

mas caindo no chão por convertido,

se levantou na fé com mais alento.

A vossa conversão com reverentes

obséquios louva a Igreja por que veja

com Paulo os mesmos ritos preminentes:

Em ambos pois o assombro igual se veja,

que se Paulo ficou Doutor das gentes,

vós ficastes também Doutor da Igreja.

A SÃO GREGÓRIO MAGNO

Soneto LXXXVI

Obsequioso o povo em vosso abrigo

vos elege Pontífice eminente

pois tirais do contágio pestilento

das Angélicas mãos todo o castigo.

Fugistes destas honras inimigo

mas o Céu na coluna refulgente

ao Povo vos descobre,

e faz patente que sois forte coluna no perigo.

Buscam a Cristo os Magos com primores

mas o Céu por dar fim a seus intentos

ũa estrela criou a seus fervores.

De sorte que descobre em dois portentos

a Cristo de ũa estrela os resplandores,

a vós, de a coluna os luzimentos.

A SÃO BENTO

Soneto LXXXVII

De um pensamento torpe arrebatado

contra vós o Inferno se conjura

e pretende no horror da forma escura

escurecer-vos o candor do estado.

Mas logo revolveis santificado

entre os espinhos vossa carne pura

com que o lascivo ardor da fermosura

apagastes com sangue derramado.

Do mesmo Cristo em vós, vejo a pessoa

quando seguis devoto seus caminhos

e da vitória vossa a fama voa:

Porque vencendo os torpes descaminhos

Cristo teve de Espinhos a coroa

vós fizestes Coroa dos espinhos.

A SÃO BERNARDO

Soneto LXXXVIII

Ilustre Borgonhês, que desprezastes

as honras vãs do mundo fementido

que o melhor grau, e posto mais subido

no trono das virtudes colocastes.

Recolhido em Cister mortificastes

de tal maneira o corpo reduzido

que o manjar para o gosto era perdido

que os objetos que vistes, ignorastes:

Altamente vossa alma em Deus se unia,

e neste sumo bem se transportava

e mais que em si, somente em Deus se via.

De sorte que milagre se mostrava

vossa alma estar no corpo em que vivia

e viver sem o corpo, que informava.

A SÃO DOMINGOS

Soneto LXXXIX

Divino Patriarca, que os primores

de vossa luz mostrastes tão fecundo

que tendo sempre em Deus o amor jucundo,

sois sacrossanto pai dos Pregadores.

Nascestes (contra Heréticos furores

que forjou o Demônio furibundo)

como discreta luz de todo o mundo,

como perro leal, em seus clamores:

Quando a e outra ação prognosticada,

em vossas excelências mais se afina,

fica a casa da Igreja preparada;

Pois qual perro leal, e luz mais fina

contra o Demônio lhe guardais a entrada,

e nela a luz lhe dais pela doutrina.

A SÃO FRANCISCO

Soneto XC

Excelso Patriarca que ordenastes

melhor Arca no mundo em graças certas

se esta foi ordenada em três cobertas

a vossa com três ordens fabricastes.

Como a paixão de Cristo tanto amastes

vos deu no Corpo as chagas descobertas,

e estando vivas nele, estando abertas

no mesmo Cristo em Cruz vos transformastes:

Tivestes melhor Cruz, que Cristo amado

nesta impressão das chagas, porque nisto

a Cristo pareceis avantajado:

  Visto pois o favor, o empenho visto,

Cristo em um lenho foi crucificado,

Francisco foi crucificado em Cristo.

A SÃO ROMUALDO

Soneto XCI

Ilustre Romualdo perseguido,

de Bento a Santa Regra reformastes

e depois a Camândula criastes

para ser Patriarca conhecido.

Apesar da fraqueza do sentido

a maior penitência procurastes

e no trabalho duro vos mostrastes

como se fôsseis bronze endurecido.

Desprezando da vida transitória

todo o gosto ou favor que o mundo

encerra tivestes do Demônio igual vitória:

E tal amor, do mundo vos desterra,

que vivendo na terra, e não na glória,

vivestes mais na glória, que na terra.

A SANTO INÁCIO DE LOYOLA, ALUDINDO

ÀQUELAS PALAVRAS: “AD MAIOREM

DEI GLORIAM”

Soneto XCII

Deixando as armas de ũa guerra impia

outra guerra buscastes mais constante

e fazeis para a Igreja militante

com vossos filhos nova companhia.

Soa o tambor, na bélica alegria,

o nome de Jesus por triunfante

leva à bandeira Xavier amante,

cabo de esquadra o Borja se avalia:

Vós capitão famoso com notória

virtude, dais batalha ao mesmo Inferno

e ganhais com os filhos a vitória:

Pondes em vosso escudo o timbre externo

(como quem faz Brasão da maior glória)

para glória maior de Deus eterno.

A SANTO ANTÔNIO

Soneto XCIII

Insigne pregador, que em doce encanto

dos Homens cativais a liberdade,

e mostrando no mundo a Santidade

sois por Antonomásia, Antônio Santo.

Na vossa língua se transforma tanto

do Espírito Divino a potestade,

que para horror da Herética maldade

a Brutos, Peixes, Aves, dais espanto.

Se o Espírito Divino em Soberana

forma de línguas arde no amor fino

da vossa língua o mesmo afeto mana:

Incorrupta, em assombro peregrino

não era língua, não, de carne humana,

era língua do Espírito Divino.

A SÃO PEDRO MÁRTIR

Soneto XCIV

Supremo Inquisidor, Pedro excelente

do Sacro Pedro imitador famoso,

ele primeiro Apóstolo amoroso,

e vós primeiro Inquisidor prudente.

Com forte coração, com zelo ardente

de todo Herege sois vitorioso

e se sente o milagre portentoso

maior milagre em vossa vida sente:

Morrendo aos golpes da traição malvada

molhais no sangue o dedo,

e vos convida deixar escrita a fé que vos agrada.

Se é vida o sangue, e nele é conhecida,

quando escreveis com sangue a fé sagrada,

mostrais, que vossa fé, foi vossa vida.

A SÃO TOMÁS DE AQUINO

Soneto XCV

Angélico Doutor que esclarecido

fostes do mundo pasmo milagroso,

e tendo do saber o grau famoso

fostes no sacro amor mais entendido.

As questões que escrevestes aplaudido

o mesmo Cristo aprova portentoso,

e se louva ao Batista, generoso

também vos louva a vós aparecido.

De boca de Anjo tendes a excelência,

Quinto Doutor vos louva a Igreja amada,

Deus vos aprova a singular ciência.

E foi de Deus ação justificada,

se boca de Anjo sois na inteligência,

que por boca de Deus seja aprovada.

A SÃO BOAVENTURA

Soneto XCVI

Boa Ventura sois, que acreditado

unistes a bondade co’a ventura,

e na vossa ciência mais se apura

o saber na virtude vinculado.

Com seráfico ardor, com doce agrado

quando vosso fervor mais se assegura,

de Francisco imitastes a luz pura,

como se fora em vós ressuscitado.

Junta geral fizestes de tal sorte

que a regra de Francisco mais se alenta

contra o Demônio, contra as Leis da morte:

Em ambos o fervor, igual se atenta

que um a regra criou com zelo forte,

outro com forte espírito a sustenta.

A SANTA MARIA MADALENA

AOS PÉS DE CRISTO

Soneto XCVII

Solicita, procura, reconhece,

com desvelo, com ânsia, com ventura,

sem temor, sem soberba, sem loucura,

a quem ama, a quem crê, por quem padece.

Ajoelha-se, chora, se enternece,

com pranto, com afeto, com ternura,

e se foi indiscreta, falsa, impura,

despe o mal, veste a graça, o bem conhece.

A seu Mestre, a seu Deus, a seu querido,

rega os pés, ais derrama, geme logo,

sem melindre, sem medo, sem sentido.

Por assombro, por fé, por desafogo,

nos seus olhos, na boca, no gemido,

água brota, ar respira, exala fogo.

A SANTA CATARINA DO MONTE SINAI

Soneto XCVIII

Catarina animosa na disputa

com cinqüenta Filósofos vencidos

triunfando dos ídolos fingidos

cinqüenta palmas teve nesta luta.

Padeceu o martírio resoluta

menosprezando ardores dos sentidos,

com que a fé se esclarece nos rendidos

com que o templo dos ídolos se enluta.

Em Sinai foi seu corpo colocado

onde Deus ostentou na Sacra História,

da Glória sua o portentoso estado.

Com ela renovou tanta memória

por que a glória do corpo venerado

substitua de Deus a mesma glória.

A SANTA LUZIA

Soneto XCIX

Vossa casta pureza resplandece

e sois da sacra fé muralha dura,

esta contra o Tirano mais se apura,

aquela contra o amante permanece.

Vossos olhos gentis, que ele apetece

tirais de vosso rosto tão segura

que quando cega estais na fermosura

melhor vista de Deus vos engrandece.

Se o Amor Divino nas esposas suas

olhos de pomba tem: a Deus mostrastes

melhor oferta com verdades nuas:

Porque na oferta antiga que imitastes

se a Deus não ofertastes pombas duas

dois olhos de a pomba lhe ofertastes.

A SANTA ÚRSULA, E ONZE MIL VIRGENS

Soneto C

Obedecendo ao Máximo orgulhoso

que afetava a Romana Monarquia,

levastes por ilustre companhia

das virgens belas o esquadrão famoso.

Mas encontrando a Melga poderoso

e resistindo à bárbara porfia

ganhastes dois troféus naquele dia

da castidade, e fé do sacro esposo.

Foi José de onze estrelas adorado

mas quando as castas virgens se namoram de Cristo,

fica o culto avantajado:

Porque no eterno bem, que a Deus imploram

onze estrelas não são de Cristo amado

que estrelas onze mil a Cristo adoram.

A SANTA CLARA

Soneto CI

Clara virgem, que claro amor mostrava

a Francisco, a quem tanto obedecia,

e do mundo as mais santas excedia

que de tal pai, tal filha se esperava:

No Sacramento tanto se alentava,

que do exército atroz a fúria impia,

pela Custódia Sacra não temia

que era também Custódia, que guardava.

Nas filhas castas, belas, e medrosas

dos peitos lhes tirou o medo triste

e ficam do inimigo vitoriosas.

Que se no Sacramento Deus subsiste,

vestido de armas brancas poderosas

o Senhor dos exércitos lhes assiste.

A SANTA CATARINA DE SENA

Soneto CII

Sois esposa de Deus crucificado,

e na fineza ilustre, que vos doa,

elegeis dos espinhos a coroa,

e lhe bebeis o sangue de seu lado.

O Coração de Cristo está trocado

em vosso coração, que a Cristo voa,

e fica na entidade da pessoa

o coração que tendes, endeusado.

Entendendo o favor, o pasmo visto

Cristo de vós está tão satisfeito,

que mistério da fé consagra nisto.

Se o Coração da vida é logro aceito

unindo a Cristo em vós, e a vós em Cristo

Sacramentou-se Cristo em vosso peito.

A SANTA TERESA

Soneto CIII

Com generoso amor, com fé notória

Teresa em Cristo amante transportada,

vivia já na sétima Morada,

que já do mundo vil, tinha a vitória.

Contra os gostos da vida transitória

foi da Lança, do fogo traspassada,

que em Seráfico amor toda abrasada

seu coração se viu posto na glória.

Em Cristo dos tormentos satisfeito

ũa lança de ferro se imprimia

mas Teresa não teve o ferro aceito.

Antes maior fineza se avalia

porque o ferro, de Cristo abria o peito

mas o Amor, de Teresa o peito abria.

A SANTA ROSA

Soneto CIV

Ilustre Rosa, quem vos presta alentos?

que penitência rara vos convida?

como em tanto Mistério atura a vida?

e não fenece já com desalentos?

Não vos dão essas penas sentimentos?

tendes de bronze a carne perseguida?

ou é que a morte, já, tendes bebida,

ou que estais endeusada nos tormentos.

Obstinado Lusbel foi no pecado,

e vós também com soberana traça

sois obstinada no penoso estado.

Mas vós por dita, e ele por desgraça

ele perde a Graça de obstinado,

vós de obstinada conservais a graça.

A SANTA MARIA MADALENA DE PAllI

Soneto CV

Nos divinos tormentos enlevada

se as chagas recebeis feliz esposa,

toda unida com Deus por amorosa

a Cristo adoro em vós por transformada.

É bem que as chagas da paixão sagrada

vos imprimisse na alma venturosa,

que se ela é centro da afeição piedosa,

seja arquivo também da dor amada.

Se as chagas que vos dota foram pagas

com que o mundo remiu; hoje dissera

(tanto impossível sacro amor estragas)

Que se o remis mais almas não tivera

só por vossa alma pretendera as chagas

só por remir vossa alma padecera.

À MESMA SANTA ESTANDO EM SUA MÃO

SEMPRE VERDES AS FLORES QUE SE LHE

PÕEM EM DIA DE SUA FESTA

Soneto CVI

Feito dossel de plantas superiores

reinava com Favônio mais sereno

tendo por corte o campo Damasceno

tendo por cetro os cravos brilhadores.

A primavera isenta dos rigores

com que o tempo dos maios é pequeno,

sendo imortal o paraíso ameno,

sendo Perpétuas as perpétuas flores.

Em vós as flores por divina traça

conservam sempre seu fermoso riso

nem receiam do inverno a vil desgraça:

Publique o mundo pois com douto aviso

que Santa sois na primitiva Graça,

que em vós renova Deus o Paraíso.

À CAPELA DA TRANSFIGURAÇÃO QUE FEZ

O AUTOR NO SEU ENGENHO DE TARARIPE

Soneto CVII

Dediquei-vos Senhor esta capela

da Transfiguração que se apelida

em oitavada forma tão luzida,

que parece do campo breve Estrela.

Pedro que nos afetos se desvela

com três moradas fácil vos convida

pelo engano da glória apetecida

porque sem padecer a glória anela.

Porém se nas ações transfiguradas

vejo a Trindade, em vosso ser Divino

à voz do Céu, e à nuvem comparadas:

Direis na devoção com que me afino

se não fiz como Pedro três moradas

a morada fiz para Deus Trino.

À CAPELA QUE FEZ O AUTOR DA

INVOCAÇÃO NOSSA SENHORA DAS BROTAS

NO SEU ENGENHO DE JACUMIRIM

Soneto CVIII

Esta Igreja Senhora obsequioso

da invocação das Brotas vos dedico,

e se da graça sois Tesouro rico

vos servirá de cofre venturoso.

O favor que fizestes milagroso

ao lavrador humilde significo,

que ‘sentindo da vaca o dano inico

pela desdita veio a ser ditoso.

Mostrais neste prodígio celebrado

que qual bruto animal com vil caída

o pecador se vê morto, e prostrado;

Mas quando a vosso amparo se convida

o livrais das barrocas do pecado,

e lhe dais pela graça nova vida.

À EXALTAÇÃO DA CRUZ

Soneto CIX

Tomando o Persa o sacrossanto lenho,

da Cidade infeliz vitorioso

o colocou no Trono majestoso

fazendo do poder soberbo empenho.

Recorre Heraclio com devoto engenho

vendo seu Povo aflito e lastimoso

ao Senhor das vitórias poderoso

para ter da vitória o desempenho.

Dá-se a batalha, e quando o dano aplico

fica a gente do Persa destroçada,

por roubarem cruéis o lenho rico:

Fica pois (sendo a cruz recuperada)

qual cego Filisteu o Persa inico,

qual Arca esclarecida, a Cruz sagrada.

QUARTA-FEIRA DE CINZA

Soneto CX

Lembra-te homem que és pó, e em pó tornado

serás, que o mesmo ser já tens perdido

porque na brevidade de haver sido,

somente o nada tens, de que és formado.

Considera-te morto e sepultado

antes que em pó te vejas destruído,

veste a mortalha a teu mortal sentido,

abre a cova a teu ser mortificado.

Olha a terra, olha a cinza, por que imites

as memórias dos santos penitentes

e o mesmo exemplo da virtude excites:

Se em ti sentes a terra, e a cinza sentes,

põe por terra teus cegos apetites

faze em cinza teus brios insolentes.

À SEXTA-FEIRA DE PASSOS

Soneto CXI

Olha os passos, que dás Homem perdido

que corre os passos, Deus, por teu pecado,

 esses passos que dás todo enganado

são passos da vaidade, que hás seguido:

Toma a Cruz, e nos passos advertido

não dês os passos no caminho errado,

que para dar os passos acertado,

não desmaies nos passos de sofrido.

Nos passos desta vida transitória

segue os passos de Cristo, se te agrada,

alcançar pelos passos a vitória:

Seja nos passos da virtude amada

dos passos a baliza, a eterna glória,

dos passos do bordão, a Cruz sagrada.

EXORTAÇÕES VIRTUOSAS

Soneto CXII

Veste o escudo da fé na humana sorte,

vence, lida, padece, chora, e sente

que o triunfo será mais excelente,

quando a batalha for, mais dura, e forte.

Olha que está sujeita ao breve corte

inda que a flor da vida mais se alente

e merecendo o Inferno torpemente,

outra morte terás, depois da morte.

Vive só confiado em Deus eterno

inda que Inferno seja a transitória

tribulação que tens no peito interno:

Adverte pois, na troca tão notória

que na glória do mundo tens o Inferno,

que no Inferno do mundo tens a glória.

A ŨA CAVEIRA

Soneto CXIII

Esta, que vês Caveira pavorosa!

este, que vês assombro denegrido!

este que vês retrato carcomido!

esta que vês pintura dolorosa!

Esta que vês batalha temerosa!

este que vês triunfo repetido!

este que vês Castelo destruído!

esta que vês Tragédia lastimosa!

Esta enfim te apregoa a desventura

com o mudo pregão de teus enganos

para buscar a vida mais segura:

Se olhos não tem, nem língua em breves anos,

nesta cegueira vês tanta loucura,

ouves neste silêncio os desenganos.

ÀS LÁGRIMAS DEVOTAS

Soneto CXIV

Lágrimas se derramem, que o pecado

sabem lavar com sentimento puro

que não há nódoa negra, ou rasto

impuro que não seja das lágrimas lavado.

Chorou Davi, e foi santificado

chorou Pedro, e ficou no amor, seguro,

Madalena chorou, e o fogo impuro

em puríssimo fogo foi mudado.

Ficam no amor as almas mais absortas

quando as lágrimas correm sucessivas

sendo portas do Céu, do pranto as portas.

Cresce a graça nas lágrimas ativas

que se as culpas mortais, são águas mortas,

as lágrimas da dor, são águas vivas.

PONDERAÇÃO DA VIDA HUMANA

Soneto CXV

Homem que queres? vida regalada:

vida que solicitas? larga idade:

idade que procuras? liberdade:

liberdade que logras? prenda amada:

prenda que conta fazes? conta errada:

conta que somas já? pouca verdade:

 verdade que descobres? a vaidade:

vaidade que pretendes? tudo e nada:

tudo que ganhos dá? perda notória:

perda que vem a ser? de Deus eterno:

Deus que vida nos presta? transitória:

transitória que aspira? ao Céu superno:

Céu que nos oferece? a eterna glória:

glória que nos evita? o triste inferno

AO CONTÁGIO DAS DOENÇAS

Soneto CXVI

Senhor, se nos castigos fulminados

intentais a vingança merecida

terá seu fim Senhor a humana vida

mas não terão seu fim nossos pecados.

Bem conheceis os ânimos errados,

a inclinação dos homens distraída

onde mora da carne a torpe lida,

onde nascem do mundo os vãos cuidados.

Bem que seja Senhor a culpa nossa

nem por isso negueis vossos favores

e mais que vós, a culpa vil não possa.

Não derrubeis aos homens com furores

que derrubais Senhor a imagem vossa

e contra vós mostrais esses rigores.

AFETOS JACULATÓRIOS

Soneto CXVII

Quem pudera Senhor sempre atender-vos!

quem pudera Senhor sempre agradar-vos!

quem pudera Senhor sempre buscar-vos!

quem pudera Senhor sempre querer-vos!

Quem me dera meu Deus nunca ofender-vos!

quem me dera meu Deus nunca agravar-vos!

quem me dera meu Deus nunca deixar-vos!

quem me dera meu Deus nunca perder-vos!

Oh quem pudera nunca resistir-vos

da terra desprezando a doce guerra

para em meu peito sempre possuir-vos:

Mas ai! que tal miséria em mim se encerra

que se largá-la quero por seguir-vos,

a terra pega em mim, por ser da terra.

RESPOSTAS

Soneto CXVIII

De terra sou, porém no entendimento

tenho de Anjo a Celeste Jerarquia

e se da carne o ardor me desafia,

da Caridade o ardor me causa alento.

Se além da carne o mundo por violento

seus favores políticos me envia,

proponho da esperança a eterna via

que é dos caducos bens esquecimento

Se me atiça o Demônio furibundo,

da fé me valho; e o venço com pujança

e desta sorte busco a Deus jucundo.

Pelo que com segura confiança

me livro do Demônio, carne e mundo,

na Fé, na Caridade, na Esperança.

CONTRA OS PECADOS DE TODO O MUNDO

Soneto CXIX

Meu Jesus, meu Jesus, meu Deus querido!

contra vós todo o mundo levantado;

o Gentio, o Hebreu, o Mouro errado,

falso o Herege, o Católico perdido.

Não podeis evitar sendo ofendido

tanto vício mortal! tanto pecado!

ou é, que na piedade estais atado,

ou é, que vos prezais de ser sofrido.

Mas se no sofrimento, ou na piedade,

detendes o castigo da injustiça,

não vos pode culpar nossa impiedade.

Antes se por sofrer-nos, mais se atiça,

condenando no fim nossa maldade

glorificais melhor vossa justiça.

DEPRECAÇÃO ALEGÓRICA, OU ANAGÓGICA

Soneto CXX

Se morto estou no estado de Babel

ressuscitai-me já como em Naim,

já não quero adorar a Baalim

que em vosso culto sou Zorobabel;

Dai-me Senhor a casa de Betel

sobre o monte celeste de Abarim,

não me deis os castigos de Eufraim,

que a glória espero ver de Ezequiel.

Pretende despojar-me Leviatã

da vinha mais feliz que a de Naboth,

e que tenha o suplício de Datã.

Pequei pequei (Senhor de Sabaoth),

mas obedeço às vozes de Natã,

e já deixo os enganos de Astaroth.

CONTRA O PECADO DA SOBERBA

Soneto Esdrúxulo CXXI

Despreza o temporal, busca o Monástico

seja honra tua, objeto Teológico,

que se argumentas nelas como lógico

fazes do lodo vil, primor fantástico.

Ou Leigo sejas, ou Eclesiástico

com todos és igual, és Analógico,

busca pois o sentido Tropológico,

se queres ser do Céu Douto Escolástico

Teu corpo pode ser um Paralítico,

bem que na Presunção queiras ser Célico,

e do mundo enganoso atroz político.

Antes sendo pacífico e não bélico,

na soberba te vês Demônio crítico,

e na humildade tens estado Angélico.

CONTRA OS HEBREUS

Soneto CXXIV

Povo ingrato, infeliz por que abraçaste

de tantos anos mil, a esperança?

sendo que, de Moisés pela tardança

de breve tempo, ao mesmo Deus deixaste.

Do cetro de Judá nota o contraste

sendo que por divina confiança

não podia acabar tanta pujança,

até unir o Messias que esperaste:

Deixa pois da perfídia o desacerto

crê logo no Messias encarnado:

que Cristo o seja, é da verdade acerto:

Que um homem pobre, humilde, em cruz cravado,

a não ser de Deus vivo, filho certo,

não podia por Deus ser adorado.

CONTRA OS HEREGES

Soneto CXXV

Que Lei segues soberbo Calvinista?

que Igreja formas cego Luterano?

que Deus adoras pérfido Arriano?

que fé procuras vário Donatista?

Não sabes tu que na imortal conquista

quem é Cristão submete o ser humano:

e se um Deus reconhece soberano,

na unidade da fé também se alista.

Não queiras obstinado que se veja

tua fé, tua lei, sem forma algũa

com que o Juízo teu em vão peleja.

Olha que a fé, e a Igreja há de ser a

mas se tens outra Lei, tens outra Igreja,

e se tens vária fé, não tens nenhũa.

MANIFESTA-SE A VINDA DE CRISTO PELA

MESMA INSENSIBILIDADE DAS CRIATURAS

Soneto CXXVI

Todo o mundo insensível reconhece

que é já vindo o Messias prometido

o Céu, tendo a estrela produzido

entre os Magos Gentios o conhece.

O Mar bravo tranqüilo se oferece

quando Pedro se viu no mar metido:

o vento sibilante, emudecido,

a seus sacros preceitos obedece.

Morrendo: fica a terra estremecida,

o sol eclipsa os raios tenebroso,

toda a pedra de dor fica partida:

E finalmente o Inferno temeroso

os mortos restitui à melhor vida

e teme ao Autor da vida poderoso.

 

OITAVAS

À CONCEIÇÃO DA SENHORA

1

Soberana Senhora imaculada

do tributo de Adão fostes isenta,

pois por boca do Céu sois nomeada,

cheia de graça, entre as mulheres benta:

se outra coisa não pode ter entrada

no lugar que por cheio se contenta

sendo cheia de graça em vosso Estado,

não cabia lugar para o pecado.

2

Nasce a lua no Pólo refulgente,

porém descobre manchas na beleza;

nasce a rosa no campo gentilmente

porém produz de espinhas a vileza:

mas vós nasceis mais bela, e mais luzente

no céu, ou campo de maior grandeza,

que fostes preservada em Mãe fermosa

sem manchas Lua, sem espinhas Rosa.

3

Qual Aurora que em tenra fermosura

pintando as Nuvens de purpúreas cores

desterra o descortês da sombra escura

aos golpes de recentes resplandores:

vós também concebida em graça pura

como Aurora em puríssimos candores

desterrastes co’a luz, que vos assiste,

da culpa original a sombra triste.

4

No zenith celestial da Quarta esfera

brilhando o sol com brio reluzente

não há sombra, vapor, nuvem severa,

que ofusque os raios do Planeta ardente:

sendo vós sol também em quem se esmera

alto Zenith da graça preminente,

não se podia opor a tanta altura

vapor vil, nuvem torpe, sombra impura.

5

Qual a sarça que obrou seus luzimentos

no monte Horeb em fúlgidos ardores,

onde o fogo cresceu sem nutrimentos,

e respeitou devoto seus verdores:

tal vós (quando do Inferno os ardiment

os quiseram desluzir vossos primores)

brilhastes pura, tendo na inteireza ela,

intacto o verdor; vós, a pureza.

6

Em carroça de fogo rutilante

sobe Elias aos céus arrebatado,

e quebrando da morte a Lei constante

ficou da Lei da morte preservado:

da mesma sorte, vós, ficais triunfante

da culpa original (em fogo amado

da Graça celestial que vos desculpa)

livre Elias da morte, vós, da culpa.

7

Tomando corpo humano Deus eterno

de vossa carne se vestiu piedoso;

e com dobrado horror do mesmo inferno

fostes Virgem no parto milagroso:

não é muito também que o céu superno

vos livrasse do feudo lastimoso

que não é menos na igualdade bela

imaculada mãe, que mãe donzela.

8

Sois da Trindade templo generoso

em que não pode haver mancha mais leve,

sois mãe santa de Cristo poderoso

a quem candor puríssimo se deve:

sois esposa do Espírito amoroso

a quem profana trévoa não se atreve

com que vindes a ter pureza honrosa

ou por templo, ou por mãe, ou por esposa.

9

Sacramentado Cristo em corpo humano

que de vós recebeu Virgem sagrada,

naquele sacrifício soberano

fica hóstia pura, e hóstia imaculada:

logo não pode haver vício profano

que a mesma carne sois sacramentada

assim que celebramos com ventura

que é pura a conceição, e a hóstia pura.

A SÃO FRANCISCO

Oitavas

Quem tivera ũa Musa sublimada

quem levantara os versos mais sonoros

para louvar-vos a virtude amada

com doce canto dos celestes coros:

mas se ser pobre, e humilde vos agrada,

terá meu verso de aplaudido os foros

porque haveis de estimar Francisco santo

se a veia, pobre for; se humilde, o canto.

2

Buscastes o presépio desabrido

porque só nele achais o nascimento,

que antes de ter os logros do sentido

fizestes para Deus merecimento:

neste assombro de pobre esclarecido

imitastes de Cristo o mesmo intento

e nesta ação fizestes amorosa

da Cidade de Assis, Belém ditosa.

3

A primeira virtude que estimastes

da Caridade foi, o afeto vivo,

dos vestidos mais rotos vos ornastes

e vestistes os pobres compassivo:

dos galhardos adornos desprezastes

a gala que deseja o mundo esquivo

porque se torna por mortal tributo

gala de vício, da virtude luto.

4

Vosso pai combatido da avareza

não quer que useis da franca atividade

que o vento popular da vã riqueza

apaga a nobre Luz da Caridade:

até que lhe largastes com grandeza

da herança natural a faculdade,

e tomando outro pai com melhor sorte

rompeis da natureza o laço forte.

5

Na visão dos armígeros soldados

vos excita o valor para outra guerra

porque com vossos filhos alistados

sois terror do Demônio em toda a terra:

e para ter os vícios superados,

que o peito humano como fraco encerra

nas três ordens devotas que formastes

três esquadrões armados ordenastes.

6

Quando se via a Igreja generosa

nos contrastes de Hereges perseguida

e sendo por si mesmo poderosa

estava em seu temor quase caída:

vós alentais com força milagrosa

a pôr os ombros nela em toda a vida

e sendo céu a Igreja militante,

fizestes deste céu, melhor Atlante.

7

Desprezando os encantos da riqueza

seguistes do Evangelho a lei Divina

fazendo tal estado da pobreza

que parece difícil a doutrina:

e vendo que o Evangelho na pureza

ou se esquece no mundo, ou não se afina

instituindo novo Apostolado,

renovais o Evangelho sepultado.

8

Do lascivo apetite combatido

vos propõe o Demônio essa maldade,

e vai buscar no Inferno escurecido

o fogo, para arder a castidade:

porém contra o Demônio enfurecido

vos armastes da mesma santidade

e lhe opusestes quando mais se atreve

contra os tiros de ardor, balas de neve.

9

Saístes a campanha no deserto

com rico adorno de uma capa pobre,

e levantando a voz com douto acerto

clamava vossa voz ao Rei mais nobre:

os rústicos cruéis com desacerto

golpes vos dão que vosso peito encobre,

e se o Deserto vossa voz conquista

fostes da lei da graça outro Batista.

10

Compassivo da pena lastimada

que o Pobre de Espoleto padecia

lhe beijastes a boca encancerada,

como se fosse flor de Alexandria.

Se com ósculo vosso foi livrado

daquela chaga atroz que apodrecia

um ósculo que destes amoroso,

ósculo pareceu do sacro Esposo.

11

Qual Elias em carro luminoso

aparecestes sol resplandecente

e inflamastes o espírito amoroso

de vossos filhos com fervor ardente:

se Elias se mostrou da lei zeloso

vós zeloso da lei sois igualmente

se bem zelo melhor em vós se excita

da lei da graça, em vós; nele, da escrita.

12

Tomando a penitência por empresa

o povo à vossa voz se convertia,

entre todos seguiu esta aspereza

de clara santa a nobre companhia:

aquela que do nome, e da pureza

fez no mundo fermosa simpatia

que foi por graça e profecia rara

no ventre Luz, no nascimento Clara.

13

Pregando doutamente a lei sagrada

com tanta perfeição, com tanto exemplo,

deixa o Poeta a Musa celebrada

e busca o canto do celeste templo:

se ele vos vê com uma e outra espada

Apóstolo de Cristo vos contemplo,

pois mostrastes seguindo as vozes suas

no vosso Apostolado, espadas duas.

14

Do Soberano Espírito movido

para escrever a regra mais amada

subistes fervoroso ao monte erguido

como Moisés na lei por Deus ditada:

porém depois havendo-se perdido

outra vez a escreveis avantajada

e neste exemplo igual, Deus nos ensina

que vossa regra santa, é Lei Divina.

15

A vosso aceno peixes se comovem,

ao vosso obséquio Brutos se oferecem,

às vossas vozes pássaros se movem,

os ardores do fogo em vós se esquecem:

os homens de seus erros se removem,

a vosso império todos obedecem;

Deus enfim no sensível e insensível

pôs em vós todo o império do possível.

16

De vossos filhos junta a turba ingente

não havia sustento para tantos

mas para dar sustento a tanta gente

bastavam para vós desejos santos:

com Cristo parecestes igualmente

(tendo de graças mil, doces encantos)

pois ministrando o pão, que se acrescenta,

a multidão dos filhos, se sustenta.

17

Em lugar ermo sendo convocados,

o vinho vos faltou para o convite,

mas demitistes logo esses cuidados

que a vós o mais difícil se permite;

e por que nada falte aos convidados

d’água o vinho fazeis, por que se imite

o milagre de Cristo; e nesta empresa

mudastes do elemento a natureza.

18

Aquela escada de Jacó famosa

em que subiam Anjos, e baixavam

mostrando nesta lida generosa

que diligentes no serviço estavam:

em Francisco se iguala misteriosa

que na escada do amor passos formavam

pois qual Anjo, no amor a Deus subia,

e neste amor, ao Próximo descia.

19

Chama os filhos assim com forte alento

que são de seu amor mais alta prenda,

e fazendo solene testamento

a Regra que lhes deu, lhes encomenda:

no chão se prostra na pobreza atento

fazendo da nudez rica fazenda

e deixou a seus filhos vinculada,

por Morgado, a pobreza mais prezada.

20

Foi Patriarca os filhos procriando,

foi Divino Profeta do futuro,

foi do Evangelho Apóstolo admirando

foi forte Mártir no desejo puro:

foi Doutor preclaríssimo ensinando

o caminho da glória mais seguro,

foi confessor insigne na aspereza e

foi perpétuo Virgem na pureza.

21

Porém já me confundo suspendido

levanta, Sacra Musa, o pensamento

para louvar o pasmo nunca ouvido

em que Cristo ostentou maior portento:

que Criatura? que Anjo esclarecido?

tivera tão feliz merecimento,

que recebendo as chagas neste mundo

ficasse no favor, Cristo segundo?

22

No monte Alverne todo transportado,

na sagrada paixão todo embebido,

Francisco a Cristo viu crucificado

em Seráfica forma aparecido:

as chagas lhe imprimiu com tanto

agrado que naquela impressão ficou ferido,

e padecendo a dor no sofrimento

foi verdadeiro mártir no tormento.

23

Porém neste Mistério soberano

a Cristo se avantaja milagroso

que inda que tem Francisco o ser humano

neste martírio o excede venturoso:

em Cristo se sentiu o desumano

instrumento do ferro, e lenho honroso,

porém o mesmo Cristo mais atento

de seu martírio, foi, vivo instrumento.

24

Na cruz recebe Cristo as chagas puras

e nelas padeceu rigor inteiro,

que foram para o pai pagas seguras

com que remiu do mundo o cativeiro:

estas Francisco as toma com doçura,

e nelas verte sangue verdadeiro,

e se pode dizer com fé sincera,

que redentor do mundo se venera.

25

Luta Jacó com Deus, e valeroso

e não quis demitir do braço forte,

até que o não fizesse generoso

da divina benção feliz consorte:

mas com Deus tem Francisco poderoso

de outra luta melhor mais alta sorte

que ele só de Israel teve os louvores

mas Francisco das chagas os primores.

26

Fez o Divino pai a escritura

na Cruz de Cristo com piedoso intento,

sendo do sangue seu, a tinta pura,

escrito o amor, com pena do tormento:

mas como para a pátria mais segura

o Verbo se partiu sanguinolento

quis deixar em Francisco Autenticado

em falta de escritura, seu traslado.

27

Representa Francisco glorioso

a Cristo, tendo as chagas recebido,

e neste desempenho portentoso

fica do eterno pai filho querido:

se a Cristo representa, o misterioso

sacramento do Altar, sempre aplaudido;

e se em Francisco está representado

em Francisco se vê sacramentado.

28

Das chagas de seu Mestre duvidoso

se mostrava Tomé, mas sendo visto

da maior fé mostrou o timbre honroso

pois confessou por Deus ao mesmo Cristo:

mas se em Francisco vira venturoso

de Cristo as chagas com favor revisto

a Francisco dissera, equivocado,

Meu Deus, e meu Senhor ressuscitado.

29

Paulo que foi da fé vaso escolhido

todo enlevado em Cristo, parecia,

que o tinha no seu peito renascido

e sem o ver, no mesmo peito o via:

teve as chagas também favorecido

porém foi com diversa simpatia

que Paulo as teve só na sacra mente

mas Francisco as logrou corporalmente.

30

Mas que digo, Francisco, se no intento

de louvar-vos me vejo decaído;

amaino as velas já do entendimento

que temo em vosso mar ser submergido

se merecestes o Celeste assento

de Serafim, por outro o ter perdido,

cantem somente para encômios tantos

do Santo Serafim, Serafins Santos.

À ANUNCIAÇÃO DA SENHORA

Canção

1

Neste amoroso extremo,

que soube unir em vós um Deus Supremo

Gabriel verdadeiro

é forte mensageiro

se é Gabriel de Deus a fortaleza

mostra que é de um Deus forte, esta fineza.

2

E tendo-vos roubado

de Deus o coração de namorado

era justo que amante

se unisse em vós constante

e viesse buscar quando o roubastes

o mesmo coração que lhe tomastes.

3

Nesta embaixada agora

escrava quereis ser sendo Senhora,

e para gosto nosso

deste um fiat vosso,

e com esta palavra sobre-humana

concebeis a Palavra soberana.

4

Oh que estranha verdade!

Se fazeis a grandeza da humildade:

sois bem-aventurada

pela humildade amada;

cheia de graça sois sem culpa feia

se lua pareceis, sois lua cheia.

5

Sendo mãe e donzela

fostes intacta sempre, e sempre bela

na vossa fermosura

vos inteirastes pura

que o Sol divino entrando com presteza

fez Cristal transparente da pureza.

6

Singular sem exemplo

Propiciatório sois do eterno templo

e para ilustre abono

servis a Deus de trono

e sois neste Mistério venerado

Arca do testamento, Horto cerrado.

7

Aquele anunciado

aquele dos profetas desejado,

veio dos céus à terra

e em vós virgem se encerra,

de maneira que os céus que já se movem,

estilam o rocio, ao justo chovem.

8

Do sacrossanto Esposo

tálamo casto sois bem que oloroso,

sois terra enobrecida

que aos homens produziu fruto de vida,

sois incorrupto cedro em corpo e alma,

oliva verde sois, fecunda palma.

9

Sois Núncia brilhadora

sois do Sol da justiça tenra Aurora:

sois da pérola fina

ũa concha divina:

e na carne de Cristo concebida

Nuvem cândida sois, vara florida.

10

Que língua copiosa

explicar poderá Virgem ditosa

aquele doce efeito

que entrou em vosso peito

que inflamação vossa alma sentiria!

que resplandor! que pasmo! que alegria!

À QUINTA-FEIRA MAIOR

Canção

1

Meu Senhor soberano

humano em vosso ser, conosco humano,

antes de vossa morte

nos dais ditosa sorte

pois nos logros da Ceia prevenida

buscais a morte, e nos deixais a vida.

2

Qual Pelicano amante

no amor valente, no valor, constante,

verte o sangue copioso por dar pasto amoroso

a seus filhos: tal vós no sacramento

o sangue derramais, dais o sustento.

3

Em tão feliz ventura

mais que Maná do Céu, mana a doçura;

e no pão venerado

pão dos Anjos Sagrado

unistes três contrários verdadeiro

pois sois Pastor, sois Pão, e sois Cordeiro.

4

Sabendo neste extremo

o trânsito preciso ao Céu supremo

dais da glória futura

a prenda mais segura

e quereis quando ausente, que se entenda

que como amante nos deixais a prenda.

5

Querendo humildemente

lavar os pés de Pedro reverente

em favor tão notório recusa o lavatório:

porém depois em vossas mãos aceito

teve o poder dos Céus, aos pés sujeito.

6

E com afeto grato

ao discípulo, falso, cego, ingrato,

os pés lhe estais lavando

e nesta ação mostrando

(que é coisa que no mundo não se admira)

a verdade prostrada da mentira.

7

Nos retiros do Horto

pronto o espírito, a carne sem conforto

gota a gota estilando

o sangue estais suando,

e fica nestas ânsias amorosas

o Monte de Olivete, horto de rosas.

8

O Peito atraiçoado

disfarçando o discípulo malvado,

vos beija falsamente

mas vós como inocente

correspondeis, e a um tempo unido vejo

ao beijo da traição, da paz o beijo.

9

Quando Judas emprende

a vil infâmia, aos Fariseus vos vende

mas considero agora

que nesta ação traidora,

por ver escravo ao mundo distraído,

quisestes como escravo ser vendido.

10

Em tanto malefício

preso quisestes ser para o suplício,

mas vendo o mundo errado

solto em tanto pecado

quisestes por nos dar melhor ventura

aceitar a prisão, pela soltura.

11

Com vosso amor Divino

até morrer por nós vos vejo fino:

vossa afeição antiga a tal fim vos obriga

que por teres amado, nos amastes

e em vosso amor, o amor multiplicastes.

À ASSUNÇÃO DA SENHORA

Silva

Subindo Cristo aos céus deixou na terra

a Virgem soberana em que se encerra

que na ausência do Sol, que o mundo enluta

ficou como Planeta, substituta:

Se já não é que na pequena Igreja

a seus peitos deseja

dando-lhe o leite da virtude pura

a seus peitos criá-la com doçura.

Vendo-se pois Maria em longa idade

sentindo a saudade

de seu filho, em que está mais satisfeita

ânsias sente, ais respira, a vida enjeita.

Recosta-se na cama alegremente

por conhecer da morte o fim presente,

onde logra com fácil aspereza

o rico travesseiro da pobreza:

o cobertor de seda da humildade,

o cândido lençol da castidade.

No monte de Sião por vários modos

acodem logo todos

na casa em que fez Deus para portento

aquele incompreensível Sacramento,

que para ser três vezes nosso amigo

fez em si, fez por si, e fez consigo.

Esperando a seu filho no aposento

põem logo o luzimento

de limpíssimas velas

que ensaiar-se podiam para estrelas;

porém junto do Sol que respeitavam

como estrelas as Luzes ocultavam.

Trazem logo os fiéis mais verdadeiros

aromáticos cheiros,

compõem Hinos devotos

para cumprir o afeto de seus votos

e quando pela Virgem choram tanto

festa o nojo se vê, música o pranto.

Deseja que os Apóstolos sagrados

que estavam pelo mundo derramados

assistissem com ela; e de repente apareceram todos juntamente,

sendo só por si mesmos convocados,

que o amor sabe chamar com mudos brados:

ali lhes agradece o doce afeto

olhando a todos com divino aspecto;

e lhes brota a bênção tão regalada e tão santificada

que somente por ela em logros tantos

puderam (se o não foram) ficar santos.

Neste tempo aparece o filho amado

oh que amor! oh que empenho! oh que cuidado!

e transportada em plácidos desvelos

desata de seu corpo os laços belos,

e sustentando o amor em que se esmera

entrega a alma, a quem a carne dera.

Morre Maria, e foi, morte ajustada,

que se da morte fora preservada

segundo nas virtudes se pondera

fora tida por Deus, se não morrera.

Os Anjos na alegria

levantam logo música harmonia,

dizendo em voz canora

quem é esta que sobe como Aurora?

fermosa como a Lua?

eleita como Sol, que a luz é sua?

terrível ao Demônio sempre armado,

como esquadrão nas praças ordenado?

Todos ali presentes

beijam os pés à Virgem reverentes

e naquele jardim de mais primores

lhe restituem flores;

com cheirosos ungüentos

ungindo de seu corpo os desalentos,

mas do corpo a fragrância parecia

que em cheiro todo o céu se derretia.

Sepultam logo o corpo com ternura

que inda que lhes pareça a sepultura

daquele Sol tristíssimo ocidente

é de um Sol que se põe novo oriente.

Três dias os Apóstolos sagrados

junto ao Sepulcro estavam transportados,

e embebidos em tantas alegrias

lhes parecem três horas, os três dias.

Chegou depois Tomé que estava ausente

e aos Apóstolos pede instantemente

que o sepulcro se abrisse que queria

ver o sagrado corpo de Maria,

que também de seus olhos foram pagas

para a fé de Tomé de Cristo as chagas.

Aberta a sepultura com cuidado

nela se não achou o corpo amado

e somente se acharam lenços finos

que cobriram os membros cristalinos

e finalmente com dobrada palma

a Virgem ressurgiu em corpo e alma;

e sendo aquele corpo

a nosso alento Arca do testamento

não era justo fosse corrompida

e da grosseira terra carcomida.

Assim como os Leões não maltrataram

o corpo do profeta que admiraram,

assim também os bichos nesta empresa

no corpo sacro não fizeram presa;

e se a carne de Cristo ressurgida

é de Maria carne produzida,

desigualdade tal se não encerra

ũa nos céus estar, outra na terra.

Entra pois de seu filho acompanhada

na Celeste morada

onde se adora com fiéis agrados

pelos Anjos, Arcanjos, Principados,

onde a louvam com fáceis humildades

Dominações, Virtudes, Potestades

Onde a respeitam para mais abonos

os Serafins, os Querubins, os Tronos.

AO NASCIMENTO DE CRISTO

Redondilhas

Meu Jesus, meu Pequenino

quero-vos falar de chança,

como brinco de criança,

como jogo de menino.

Este favor conhecendo

estou vossa carne olhando,

tão própria que está gritando,

tão bela que está nascendo.

Com vossa mãe Virgem bela

igualmente estais ornado,

vós vos vestis de encarnado,

ela carne de donzela.

Sempre teve o mundo falhas

e por esse desprimor

como é tão mau pagador

vos pagou o mundo em palha.

Sois cordeiro e por melhores

companheiros não se estranhem

que os brutos vos acompanhem

e que vos busquem pastores.

Vosso amor verdades lavra

no que foi profetizado,

porque sois verbo humanado

e sois homem de palavra.

Teme nosso desvario,

que estais conosco enfadado,

porque estais mui retirado,

porque vos vejo mui frio.

Com felicíssimo agouro

(Bem que Dezembro o não sente)

entre o boi que está presente

vejo ao Sol estar no Touro.

Entre o Sidéreo farol

os Anjos com muita fé

entoam do Rei o Ré,

e cantam do Sol, o Sol.

Quando como aos mais humanos,

estais de panos coberto,

vos pôs o mundo em aperto

e vos deu o mundo uns panos.

Neste retiro previsto

de Belém considerei,

que sendo filho de um Rei,

vos vejo um pobre de Cristo.

À RESSURREIÇÃO DE CRISTO

Redondilhas

Sai do sepulcro vil

tendo o corpo imperceptível,

por claro, por impassível

por ágil, e por sutil:

Do cárcere do profundo

sai José singular

não para o Egito salvar,

mas para salvar o mundo.

Sai Mardoqueu sagrado

que o cruel Amã vencestes,

e no madeiro o pusestes

que vos teve aparelhado.

Sai Jonas venturoso

do longo mar de agonias:

ele glorioso aos três dias,

vós aos três dias, glorioso.

Tivestes nesse conflito

de Daniel as ações,

ele invicto dos Leões,

vós dos Demônios invicto.

Sai Moisés porque só

com vida podeis sair

para depois destruir

o poder de Faraó.

Visitais a mãe sagrada

que em volta com triste

véu parece nublado Céu,

parece Lua eclipsada.

Sinais das chagas deixais

como Capitão valente,

porque as chagas igualmente

são da peleja sinais.

Muito se alegra minha alma

pois vos vejo meu Jesus,

não entre os ladrões em cruz,

mas entre os Anjos com Palma.

Se ela assim vos vê, se excita,

que aprendendo esse favor,

se crucifica na dor,

e na graça ressuscita.

Tendes do prêmio os alentos

que é coisa justa e notória,

que mereça tanta glória

quem sofreu tantos tormentos.

Desceis ao limbo: a meu ver

nos quisestes ensinar

que para vos exaltar,

quereis primeiro descer.

Se na terra entrais, se encerra

que vosso trabalho é muito,

pois para colher o fruito,

quisestes entrar na terra.

À ASCENSÃO

Outras

Meu Deus, desejara ter-vos,

e tanta ausência estorvar-vos,

vede, que morro de amar-vos,

olhai, que vivo de ver-vos.

Vós ausentai-vos? mas não:

que era para mim desdouro:

porque se sois meu tesouro

em vós tenho o coração.

Mas se vosso amor me deixa

ouvi-me, Senhor, atento,

que as vozes do sentimento

são desafogos da queixa.

Se vos quereis apartar

meu coração saudoso

bate as asas de amoroso,

e quer convosco voar.

Se em ũa pedra deixais,

vossos sinais por fineza

sou também pedra em dureza

ponde em mim vossos sinais.

Ide-vos, meu doce empenho!

fico pobre, cego e mudo,

se vos logro, tenho tudo,

se me faltais, nada tenho.

Essa nuvem que a meus tiros

se opõe rigorosamente,

abrasem-na o fogo ardente,

que vos lançam meus suspiros.

O coração me feris

com esse nublado véu,

 e se partis para o Céu

o coração me partis.

E partido significa

que comigo sempre estais,

que a parte me levais

comigo outra parte fica.

Mas parece cruel erro

e não piedade amorosa,

ir para a pátria ditosa,

e deixar-me no desterro!

Porém acertado é,

que vos ausenteis, Senhor,

por que afine meu amor,

e só vos ame por fé.

E se somos verdadeiros

herdeiros dessa esperança,

tomais posse dessa herança

em nome dos mais herdeiros.

Cesse a penosa memória

subi já, nesse horizonte,

não para o Calvário Monte

mas para o Monte da Glória.

Suba, Senhor compassivo,

que do Inferno tendo as palmas

levais entre tantas almas

o Cativeiro cativo.

E pois vencestes a guerra

entrai no Reino brilhante,

como Capitão triunfante

do Demônio, Carne, e terra.

Na porta dos céus entrai

sem dificuldade alga;

para vos abrirem ũa

cinco portas lhes mostrai.

PECADOR ARREPENDIDO A CRISTO

CRUCIFICADO

Outras

Meu Deus, meu Rei, meu Senhor,

quando estais crucificado,

docemente estais cravado,

mais que de cravos, de amor.

Esses cravos que instrumentos

são da vossa paixão pia,

fazem suave harmonia

na música dos tormentos.

Com beleza e sem alinhos coroastes,

sempre belas à Igreja,

de doze estrelas a vós,

de muitos espinhos.

Na Cruz liberal estais

porque quando me quereis,

vossos braços estendeis

rotas vossas mãos mostrais.

Se vejo o sangue preciso

das mãos, e pés venerados

são quatro rios sagrados

desse melhor Paraíso.

Quando os pecados altero

a mim mesmo me persigo

pois temo agora o castigo

de quem o remédio espero.

Se a morte temo por forte

mais me deve dar cuidado

a morte atroz do pecado

qual da frágil vida a morte.

Eu vivia, e recebia

do pecado a vil oferta?

se o pecado é morte certa

como pecando vivia?

Se de padecer me esqueço

para meus vícios vencer,

quem me dera padecer

tudo quando não padeço.

Ah Senhor para gozar-vos

quem de tudo se esquecera?

oh quem de amar-vos vivera!

oh quem morrera de amar-vos!

Quando trato de ofender-vos

com agravo repetido sinto

ver-vos ofendido,

e mais sentirei não ver-vos.

Se sois luz esclarecida

se sois vida, meu Jesus,

como cego, busco a luz

como morto, busco a vida.

Meu Deus, nada dar-vos posso

e se vos venho a faltar

sinto não ter que vos dar,

porque quanto tenho, é vosso.

Porém para meu intento

por querer lisonjear-vos,

para algũa coisa dar-vos

vos dou este sentimento.

Quando a minha alma, Senhor,

hoje em querer-vos se ordena

não é por amor da Pena

é somente por amor.

Tanto na minha memória

vos amo, que antes me alento

convosco estar em tormento

que sem vós estar na glória.

Oh se vos amara tanto

que vertera equivalentes

se vós do sangue as correntes

eu as correntes do pranto.

E quando as vejo vertidas

lavais, para amparo nosso

nos rios do sangue vosso,

as manchas de nossas vidas.

E nesse ocidente estais

qual sol posto entre fulgores

ele de purpúreas cores

vós de purpúreos sinais.

Cinco portas excelentes

abris nas chagas ditosas

para as almas gloriosas

das cinco virgens prudentes.

Se estais nessa cruz cravado,

exaltado; eu me convido,

que hei de ser a vós trazido,

pois já vos vejo exaltado.

Em levantado horizonte

como cidade eminente

vos puseram justamente

patente a todos, no Monte.

Sois jardim de adorações

pois tendes obsequiosos

entre cravos amorosos

Angélicas submissões.

Todo nu, todo querido

quereis ter com todos trato;

mais que despido de ornato,

de todo o rigor, despido.

Essa árvore, que no amparo

de nossas almas se afina,

se outra foi nossa ruína

esta foi nosso reparo.

Oh que diferente há sido

de ambos o fruto gerado,

que naquela foi vedado

mas nesta foi concedido.

O Peito tendes aberto

porque em vosso amor constante,

quereis mostrar como amante

o coração descoberto.

Que sois com maior fineza

sacerdote e sacrifício

Já meu receio sofrega

já dos céus pretendo a luz,

se Amor vos prega na Cruz

dos céus a porta desprega.

A SÃO JOÃO EVANGELISTA

Outras

João buscastes um meio

para ser de Cristo amado,

pois no peito reclinado

fostes homem de seu seio.

Sois um Divino ladrão

meu santo, pois satisfeito

pela janela do peito,

lhe roubaste o coração.

Mas se este roubo se afina

com vossa fé sublimada,

como sois Águia sagrada

fostes Ave de Rapina.

Fostes da verdade espelho

para nos dar claridade,

e sempre falais verdade

pelo sagrado Evangelho.

Um inimigo de Cristo

virá contra vós, que o temo

tão infame, como o Demo,

tão mau, como um Anti-Cristo.

Por vós a coisa prevista

por força há de suceder,

que além de Profeta ser,

dais em ser Evangelista.

A vós com vôos divinos

sinal grande apareceu,

como Astrólogo do Céu

também entendeis de signos.

Ceia Cristo, e quando estréia

com vós o amor singular,

não sei quem vos quis

culpar lá pela bula da Ceia.

Porém sem embargo disto

com que ali vos invejaram,

inda que vos não mataram

fostes a cear com Cristo.

A SANTO ANTÔNIO

Outras

Com desvelo sobre-hùmano

dobrais dos céus o caminho,

que além de ser Agostinho,

quisestes ser Franciscano.

Com mais altas esperanças

o contraponto mais fino,

na solfa do amor Divino

quisestes fazer mudanças.

Entoastes as verdades

por compassos da afeição

com Máxima discrição

e com Mínima humildade.

Pretendeu o mundo em vão

vencer-vos, e na porfia

pondo-vos em cerco um dia

vos botou logo um cordão.

Quando o burel estimastes

na carreira do cuidado

com Francisco emparelhado

dizem lá, que encordoastes.

Todos veneram absortos

vossos milagres, porém

sem dizer mal de ninguém

desenterráveis os mortos.

Até convosco não falha

ũa Besta em seu abrigo

porque vendo o melhor trigo

desprezou a Besta a palha.

Contra Hereges inflamado

vosso amoroso desvelo,

se sois de Hereges Martelo

sois de Amor amartelado.

Inda que ao Demo lhe pese

aos treze dias vos dão

obséquios; por ser varão

que sempre está nos seus treze.

Qual ouro fino sem fez

sendo de todos tratado

nunca fostes enjeitado,

que sois alfim Português.

Tendes a língua incorrupta

e com graça celestial,

língua, que tem tanto

sal não podia ser corrupta.

Se me vejo em meus sentidos

perdido, quero buscar-vos

e não podeis admirar-vos

que sois santo dos perdidos.

A SÃO JOÃO DA CRUZ, CARMELITA

DESCALÇO

Outras

Meu João, sois muito amado,

sois afável com o extremo,

porém, quando orais,

vos temo que sois muito arrebatado.

E para mais estranhar

os vôos, que pretendeis,

dizem todos, que fazeis

as vossas coisas no ar.

E dirão, que estando assim

vosso espírito enlevado,

que não é mui reportado

e que está fora de si.

Com partes da perfeição

estudando com fervor dava

as partes vosso amor,

por fazer certa a oração.

Não sei que briga ou desvelo

com vós teve o mundo errado,

pois creio que de enfadado

vos deu o mundo um Capelo.

Na Religião sagrada

fazendo da Cruz bordão,

fostes por caminho chão,

e deixastes a calçada.

Mas se vossa ação realço

e nela bem considero temo,

que o Demônio fero,

vos há de apanhar descalço.

Qual Filósofo extremado buscais na Religião

o estado da solidão

por ser o primeiro estado.

Nos conventos nunca vário

o Calvário vos conduz;

como sois João da Cruz,

amastes muito o Calvário.

 

DÉCIMAS

Mote

Hallo tanto, que querer

y estoy tan tierno por vos,

que si pudiera ser Dios

os diera todo mi Ser.

Glosa

Quien pudiera convertir

el pecho en tanta afición

que fuera en mi corazón

lo mismo amar, que vivir:

mas si quisiste sufrir

siendo Dios en el poder

tan amargo padecer

digo, que en vuestro penar,

cuanto veo que admirar,

hallo tanto, que querer.

2

Mi cautiverio ganado

hijo soy de Dios eterno,

si antes era del Infierno

por el feudo del pecado:

pero ahora siendo amado

somos como amigos dos

y quisiera más veloz

morir por vos desde aquí

pues tan fino estáis por mí,

y estoy tan tierno por vos.

3

Señor no tengo que daros

que todo, Señor, es vuestro,

pero mi amor como diestro,

hace que os dá, por amaros:

y si yo, para igualaros

teniendo igualdades dos

me viera Dios como vos,

soy en amaros tan fino,

que os diera mi ser Divino;

¿qué? si pudiera ser Dios.

4

De vuestras manos criado

tengo mi ser dependiente,

y si fuera independiente

me quitara lo increado:

antes quiero enamorado

de vos, Señor, depender,

que el ser Divino tener,

y en amorosa ternura

por ser todo vuestra hechura,

os diera todo mi ser.

Mote

Sin Cruz no hay gloria ninguna

ni con Cruz eterno llanto,

santidad, y cruz es una,

no hay cruz, que no tenga santo

ni santo sin cruz alguna.

Glosa

Quien quiere a Cristo venir

a Cristo deve imitar,

su cruz procure llevar,

sus pasos ha de seguir:

el trabajoso sufrir

por cruz en el pecho se una,

para lograr más fortuna

y en una, y otra victoria,

con cruz es cierta la gloria,

sin cruz no hay gloria ninguna.

2

No hay dolor, que en su porfía

pueda durar lastimoso,

quien siembra llanto penoso,

ha de coger alegría:

en la cruz de Dios confía,

que es tan cierto el logro,

y tanto su bien para nuestro

canto que no hay para el buen Jesús

ni con llanto eterna cruz,

ni con cruz eterno llanto.

3

El Bautista con desvelo

pregonó la penitencia,

que del sufrir la paciencia

es la escala para el cielo.

De la santidad al celo

la cruz no es cosa importuna

y con ella no repugna

antes con amor unido

es uno santo, y sufrido,

santidad y cruz es una.

4

Al santo por más ventura

le persigue el fementido,

porque siendo perseguido

en la santidad se apura:

la persecución procura

con tanta constancia, y tanto

ardor, que parece encanto,

y porque más le convenga

no hay santo, que cruz no tenga,

no hay cruz, que no tenga santo.

5

Con Cristo tanto se unía

el Serafín penitente

que Francisco juntamente

crucificado se veía:

en si la cruz imprimía

sin resistencia ninguna

mostrando desde la cuna

que en nuestra vida terrena

¡no hay bien sin alguna pena

ni santo sin cruz alguna!

 

ROMANCES

AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Romance 1°

Para que tanto rebuço

para que tanto disfarce?

que se a pão sabe essa mesa

que sois meu Deus, já se sabe.

Entre acidentes, que vejo

na pequena quantidade

tendes esses acidentes

sentindo a febre de amante.

Bem que sois Juiz mui reto

creio que o rigor se abrande,

que para seres piedoso

sois também de carne, e sangue.

Se sois Deus por pão dos homens,

como pobre e miserável

pão por Deus quero pedir-vos

para poder sustentar-me.

Que regalada iguaria,

tão esquisita e suave!

ou se chame manjar branco

ou papo de Anjos se chame.

Os que vos querem deveras

vos amam com muito exame,

bem que a bocados vos comem,

bem que em fatias vos fazem.

Contra o Demônio inimigo

nesta Igreja militante,

se nos guarda o vosso Corpo

Corpo da guarda o formastes.

Se estais partido, conosco

quis vosso amor concertar-se,

e por isso, a bom concerto,

esse partido aceitastes.

Bem que sois de essência trina,

nos dais, porque nos amastes

de um remédio a quinta essência

para curar nossos males.

Sois nesse Círculo breve

Pontífice mais amante

que muitas graças a todos

só por um Breve outorgastes.

Coberto estais, e conheço

que nesta punição notável

justamente vos cobristes

porque sois Senhor mui grande.

Inda que estejais exposto

sempre oculto vos mostrastes,

e quereis estar oculto,

porque o culto vos não falte.

Dizei-me aqui, que fizestes?

que coisa malfeita obrastes?

porque estar preso em custódia

sem ter culpa, é caso grave.

Vosso corpo está presente

nesta oferta inestimável

que como é mimo das almas

quis por presente ofertar-se.

E se ele é memória vossa

quisestes para lembrar-me

que desse Divino dedo

ũa memória ficasse.

Nesta bebida gostosa

que para todos pregastes,

apregoastes bom vinho,

bem que vos deram vinagre.

No Sacramento dissestes ũas

palavras notáveis

e falastes do mistério,

se no mistério falastes.

Fazeis novo testamento

e o primeiro revogastes,

e sendo nuncupativo

sei, que cerrado o deixastes.

À ASCENSÃO

Romance 2°

Que vos ides vida minha?

ouvi-me Senhor um pouco,

seja corrente meu pranto,

para prender vossos vôos:

Se sois neste mundo triste

minha luz, e meu esposo,

sem vós já não logro o dia,

sem vós fico já de nojo.

Deixais-me com tanta pena

para subires glorioso?

não queirais ter tanta glória

à custa de meu desgosto.

Parai, não vos vades, não,

de vós mesmo, sois estorvo,

porque dizem, que sois pedra

para subir pressuroso.

Levais-me a vida roubada

e me fugis rigoroso?

olhai que posso queixar-me

que me fizestes um roubo.

Se sois tesouro das almas

sinto um roubo tão notório

que roubada vossa vista

me roubastes um tesouro.

Façamos pois um concerto

se vos ides desse modo,

mandai-me ver nesta ausência

pelo Espírito amoroso.

Assim o creio, também

por vosso interesse próprio,

porque são delícias vossas

habitar sempre conosco.

Ide pois para esse Empíreo

para que eu reine convosco

que não é menos que um Reino,

o que prometeis a todos.

Mas já vejo a cruel nuvem

que vos tira de meus olhos,

como cortina que cerra

de tanto Monarca o trono.

A Deus, a Deus, vida minha

que já falar-vos não posso

porque se a vida me falta,

faltar-me a voz é forçoso.

 VINDA DO ESPÍRITO SANTO

Romance 3°

Vinde, Espírito Divino,

respiração soberana

por que voem nossos rogos

e respirem nossas ânsias.

Como trovão do Céu puro

entoastes vossa entrada

que a tempestades de glórias

da graça o trovão não falta.

Partido em línguas ardentes

sobre as cabeças sagradas,

vos sentais, porque de assento

quereis gozar nossas almas.

Hoje trocais docemente

de Babel as arrogâncias,

que se este fez várias línguas

hoje fazeis línguas várias.

E com grande diferença

que naquelas por jactância

ficou a fala confusa

nestas entendida a fala.

Oh que Amor! oh que doçura!

oh que fonte de abundâncias!

oh que enchente de favores,

que o campo do peito alaga!

Se no princípio do mundo

nas águas tínheis morada,

sobre os mares de Maria

achastes melhores águas.

Aos Apóstolos fizestes

para a empresa sacrossanta,

de pescadores de redes

da Nau da Igreja Argonautas.

Entre ditosos incêndios

o Cenáculo se abrasa,

como Sinai portentoso

para a melhor lei da graça.

A SÃO JOSÉ

Romance 4°

Meu José tambem sentistes

com vossa esposa Divina

por entre rosas de amores

dos ciúmes as espinhas.

Com primorosa fineza

não dando crédito à vista

o que entrava pelos olhos

o coração despedia.

Até que estando entre sonhos

tivestes em tanta lida

alegria verdadeira

bem que sonhada alegria.

Um Anjo vos aparece

que dos ciúmes vos livra

que se sois Anjo em pureza

tendes entre Anjos valia.

Sendo pobre, vos fizeram

da Arca da bela Maria,

depositário abonado

que em vós a pobreza é rica.

Sois pai de Cristo, logrando

do eterno pai simpatias,

ele no Céu, vós na terra,

ele por si, vós por dita.

Oh que privilégio honroso!

oh que graça tão subida!

que a quem todos obedecem

a vós próprio obedecia.

Se fugis do fero Herodes

não é medrosa fugida

que quem foge de um Tirano,

mostra maior valentia.

Mas levando a Deus convosco

o caminho se prossiga,

pois tendes a via certa,

pois levais o Pão da vida.

Melhor que José primeiro

o guardais com grande estima:

Vós o guardais para todos ele,

para a gente Egípcia.

A SÃO LOURENÇO

Romance 5°

Meu Santo, escutai-me um pouco

jocosa há de ser a fala,

que se vos zombais das penas

também vos falo de chança.

Paciência, foi, a mãe vossa,

e com razão igualada fostes

filho da Paciência quando

sofrestes as brasas.

Pelos tesouros da Igreja

vos prende a cega canalha,

e se em ferros vos prendia

cadeias de ouro buscava.

E quando o tesouro rico

o mau juiz esperava

viu muitos mancos à porta

bem que vossa fé não manca.

Vós então carga fizestes

de pobres, e nesta traça

para rica Nau da Igreja

não pode haver melhor cargo.

Entre açoites cento a cento

convosco o juiz jogava;

era de centos o jogo,

e neste jogo não pára.

Continua diligente

o juiz com muita raiva ele

com paixão vos julga,

mas compaixão não mostrava.

E quando em grelhas ardentes

que nelas vos botem, manda,

vos serve o fogo, de afago,

chama vosso amor a chama.

Encruece-se o tirano,

e quando vos vê, se agasta,

se ele, tem o peito cru,

vós tendes a carne assada.

Vós constante no martírio

ele convosco se enfada,

vós lhe queimáveis o sangue

ele o corpo vos queimava.

Vós entre o fogo, entre o ferro,

alcançando ilustre palma,

a ferro e fogo pusestes

todo o campo da batalha.

A gentilidade cega

que neste tirano acaba,

foi justo tocar o fogo

pois vê que toda se abrasa.

Porém por maior triunfo

ela mesmo vos aclama

porque ela vos faz a festa,

e vos põe as luminárias.

À CONSIDERAÇÃO DA MORTE

Romance 6°

Entre soluços pausados

entre mortais parocismos,

entre mal distintas vozes,

entre horrores bem distintos.

Espero cada momento

que se rompa o laço vivo,

que para a vida foi laço,

e soltura nos delitos.

Oh quanto me assombra!

oh quanto de perder o ser que animo!

e se de não ser me assombro,

mais me assombro de haver sido!

Oh quanto melhor me fora

ao tempo de haver nascido

que fosse mortal sepulcro

o mesmo berço nativo.

Saí como flor ao mundo

mas em tantos precipícios

que importa ser flor galharda

se a murcha da morte o estio?

Não me deu o ser que tenho

(bem que em soberbas me irrito)

nem a água por transparente

nem o fogo por altivo.

Como mais vil elemento

a terra me deu princípio

para conhecer-me baixo,

para humilhar-me abatido.

Grande vantagem me levam

os corpos vegetativos,

pois criam frutos mimosos

pois exalam cheiros ricos.

Mas eu animal grosseiro

cegamente presumido

broto imundícias infames

sórdidos humores crio.

Que importa ser Rei supremo

das leis do mundo eximido,

se à lei da morte é sujeito

a paga o feudo preciso?

Se para guarda o cercavam

tantas lanças, tantos tiros

o cercam dores da morte,

e são lanças os gemidos.

Que aproveitam bens do mundo

se exprimenta agora o rico

mais a mágoa de deixá-los,

que o gosto de possuí-los!

Da riqueza todo o peso

lhe dá pesar dolorido,

todo o fausto da grandeza

se torna infausto consigo.

Até na morte funesta

se mostra desvanecido,

sem ver que a fúnebre pompa

é roupa de seu ludibrio.

Que aproveita à Fermosura

tanto asseio, tanto alinho,

se é seu castigo uma campa

quando campa em seus delírios?

É todo o garbo fermoso

é todo o belo capricho,

cristal aos longes da morte,

aos pertos da morte, vidro.

Se cada dia se morre,

como estranho em meu sentido

que esteja comigo a morte,

se a trago sempre comigo?

Oh quem na vida pudera

morrer, muitas vezes, digo!

para não usar dos olhos,

para cerrar os ouvidos.

Oh que grande diferença

há na morte, Deus benigno!

a dos santos, preciosa,

e péssima a dos precitos.

Já chega esta barca ao Porto

da vida tempo prefixo,

por sinal que a terra toma

quando da terra há partido.

Se nos olhos pondo a terra

curais ao cego mendigo,

ponde-a também em meus olhos

não serei cego em meus vícios.

De ũa mortalha adornado

será meu corpo maligno:

oh se fora puro, e casto,

como o mostra no vestido!

Lições funerais se entoam

para que aprendam os vivos

a questão dificultosa

do desengano entendido.

Já não sou nobre da terra

porque na terra metido,

sou da podridão parente,

sou da geração dos bichos.

Animais foram sustento

de meu corpo, e vingativos

verão, que será meu corpo

de animais sustento digno.

Finalmente a vida acaba

e acabando este perigo

outro perigo me assombra

que vem a ser o Juízo.

À CONSIDERAÇÃO DO JUÍZO

Romance 7°

Oh que juízo terrível

depois da morte contemplo!

onde a piedade não obra,

onde o Juiz é severo.

Se aos mortos as obras seguem,

nas péssimas obras levo

para execução da pena algozes

contra mim mesmo.

Se o justo apenas se salva,

que espera em tantos extremos

um pecador obstinado!

um delinqüente perverso!

Neste tremendo juízo

se viram para escarmento

Jerônimo castigado!

e Bernardo estremecendo!

Se as estrelas não são limpas

diante de Deus; que espero

sendo podridão de culpas!

sendo imundícia de excessos!

Não basta para salvar-me

crer somente; antes sou nécio,

que a fé sem obras é morta,

porque dão alma, ao que creio.

Se ouço somente a palavra,

e não obro; então mais peco

porque quando prevarico,

 escandalizo o preceito.

Sentenciam-se os delitos

brevemente, e sem processos;

o dia da eternidade

se decide em um momento.

Uns condena, outros absolve

sejam grandes, ou pequenos,

e quando igualmente julga

desiguais sentenças temo.

Pelo poder, bem que grande

não se salva o Rei soberbo,

que pelo Reino da terra

se perde dos Céus o Reino

Oh que juízo se espera

ao julgador avarento!

porque com pós do suborno

ficarão seus olhos cegos.

E que será dos Prelados

exteriormente perfeitos

que dizimaram os fruitos

sem dar fruitos seu exemplo.

Que esperam os pregadores

que pregando os Evangelhos,

sendo Mestres das virtudes

são discípulos dos erros.

Oh como será julgado

o rico, que sempre austero

ao nu não vestiu piedoso

e fez gala de avarento.

O sol, com tantos castigos

perderá seu luzimento,

que até quem não fez a culpa

mostra nos castigos medo.

A lua nega seus raios

que nos vícios manifestos,

retira os puros candores

por não ver imundos peitos.

Caem as estrelas do Pólo

e logo no mesmo tempo

as estrelas caem no Abismo

e caem as almas no Inferno.

Ali somente se julgam

sem subornos, nem terceiros,

da virtude certa as provas,

da causa, os merecimentos.

Poderás ser condenado

à morte, com perdimento

de bens, não de bens caducos,

porém, sim, de bens eternos.

Oh quem sempre na memória

trouxera contra si mesmo!

deste Momento terrível

o repetido Memento.

E toda a circunferência

da eternidade pondero

reduzir-se a um breve ponto,

como indivisível centro.

Pelos cabelos que amava

Absalão morre suspenso,

assim tens a eterna morte

pelos teus próprios desejos.

E de teus erros a conta

se toma certa, sem erro,

mas quando no fim se ajusta

vens a dever grande resto.

Como não tens com que pagues

com razão te levam preso

ao cárcere dos Precitos

à cadeia dos perversos.

À CONSIDERAÇÃO DO INFERNO

Romance 8°

Oh que cativeiro horrível

onde não é poderoso

do Sangue Divino o preço

para o remir do Demônio.

Ali com perpétuas penas

bem que contrários notórios

se vêem juntas trévoa, e luz,

se vêem juntos frio, e fogo.

Se agora o corpo não pode

sofrer um fogo, por pouco,

como crescidos incêndios

poderá sofrer um corpo?

Oh como é grave um pecado,

pois sendo Deus tão piedoso

dá sempiterno castigo

por um momentâneo gosto!

Ali não serve de alívio

como serve nos desgostos

ter assistentes na mágoa

ter companheiros no choro.

Ali todos os sentidos

terão seu castigo pronto

que como todos pecaram

é bem se castiguem todos.

Se agradavam nesta vida

torpes objetos, aos olhos

verão sórdidas figuras,

verão torpíssimos monstros.

Os ouvidos, que eram surdos

aos bons conselhos devotos

ouvirão fúnebres prantos

e gemidos lastimosos.

O doce olfato, que tinha

todo o cheiro por suborno,

terá de sulfúreo cheiro

desagrado pavoroso.

O gosto que nas viandas

se mostrava apetitoso,

terá de amargosos pratos

intolerável desgosto.

O tato que as mãos buscavam

em lascivos desaforos

terão de brasas ardentes

o tato mais rigoroso.

Mas ah! que em tanto tormento

causará maior assombro

mais do próprio dano a pena,

que da pena o dano próprio.

Que desesperada vida

sempre estar no mesmo opróbrio!

e da mais longa esperança

não ter um leve conforto.

Perde a Deus, e a glória perde

sendo o degredo que noto

não só da Pátria Celeste

como do pai generoso.

Se foi contra um Deus eterno

a culpa, do mesmo modo

é bem que seja o castigo

eternamente penoso.

Nesta Babilônia triste

o povo se vê queixoso

porém desta Babilônia

não há quem resgate o povo.

Ah se do Inferno viesse

um condenado obsequioso!

que exprimentado na pena

te desenganara douto!

Porém é muito escusado

este remédio, que imploro

pois ouves a Cristo eterno

que é voz mais certa, que todos.

Mas como me tenho feito

Senhor, contra vós oposto,

e sendo a vós semelhante

fui sempre contrário vosso?

Se bastou um pensamento

de Angélico ilustre coro,

para sepultar no Abismo

espíritos tão fermosos!

Que será, tremo de sustos!

que será, de horror me assombro!

por voz, obra, e pensamento,

ter sido pecaminoso?

Se o fim é conforme às obras

com justo receio choro

que sendo as obras perversas

será meu fim desditoso.

À CONSIDERAÇÃO DO PARAÍSO

Romance 9°

Oh Reino de eterna glória!

onde a mocidade é sempre,

nem envelhece na idade

nem na doença entorpece.

Onde o temor não assusta,

onde o gosto se repete,

onde fenece o trabalho,

onde a vida não fenece.

Ali não se atreve a Morte

porque neste Reino alegre

já não vês terra de mortos

porque é terra de viventes.

Aquele Palácio ilustre

de Cortesãos assistentes

sem invejas no que logram

sem lisonjas no que servem.

Aquela Mesa de gostos

que o pão Divino oferece

não por sacramento oculto

senão por corpo evidente.

Aquele Templo, em que os

coros Angélicos, reverentes

dando a Deus Mistério Trino

entoam santo três vezes.

Aquela bela Cidade

em que os Moradores vestem

a gala, que custou muito,

se bem de graça a recebem.

Oh que bem inestimável!

que para gozar-se dele

padeceu Deus morte de Homem,

por ter vida de Deus, este.

Aqui pois glorificados

Alma, e corpo permanecem

e sendo vil barro o corpo,

se vê cristal transparente.

Todos os cinco sentidos

gozarão de seus prazeres,

como companheiros d’alma

participam seus deleites.

Por um trabalho caduco

prêmio imortal reconheces,

e sempiterno triunfo

por uma batalha breve.

E sendo três as virtudes

a fé já se desconhece,

a caridade só fica,

a esperança se despede.

Se pelas honras mundanas

a fome sofres, e a sede,

e talvez sem elas morres

talvez com elas padeces.

Como soldado de Cristo

trabalha, peleja, e vence,

por honras, que são seguras,

e se gozam permanentes.

Se a tentação te permite,

obra Deus, como clemente

porque sofrendo o combate

dele o proveito te segue.

Adverte que nesta vida

se por um Homem terrestre

veio a todos o suplício,

por Outro, o prêmio consegues.

Fomos dos Céus deserdados,

como de herança celeste;

mas agora como a filhos

a mesma herança promete.

Óleo tem da Caridade

se entrar nestas bodas queres

não já como Virgem louca

mas como Virgem prudente.

Tem Deus Anjos que lhe assistem

na Glória, porém pretende,

que os Homens entrem na glória

como se Anjos não tivesse.

Aquela rica abundância

aquele rio corrente

que nunca está de águas mortas

que é de águas vivas, perene.

Aquele vinho suave

que se dele muito bebes,

não podes perder o siso,

porque antes melhor entendes.

Aquele Divino lume

verás claro o refulgente,

que só no lume da glória

pode aquele lume ver-se.

Ressuscitado teu corpo

vem a ser como a semente,

que para vivificar-se

primeiro há de corromper-se.

Oh que belo Paraíso

que se das maçãs comeres

não temes ali da morte

nem serás expulso dele.

Verás a Deus Alfa, e Omega

porque só de si depende,

e sendo fim ultimado

é princípio independente.

Verás a essência Divina

que una, e Trina se obedece,

e adorando três Pessoas

um Deus adoras somente

Verás nos Céus outro Céu

vendo a Virgem preminente,

pois veste o Sol, calça a Lua,

e as estrelas compreende.

Se Deus nos Céus se não visse

bastava ditosamente

a glória só de Maria

para o Céu glória fazer-se.

Na primeira Jerarquia

verás Serafins ardentes,

que as asas batem voando

para o amor mais encender-se.

Nesta mesma Jerarquia

verás Querubins cientes

em que está de Deus a glória

com que assim só se conhece.

Nessa Jerarquia mesma

verás os Tronos potentes

que sendo Deus Rei do mundo

é bem, que em tronos se assente.

Na segunda sempre ilustres

Dominações aparecem,

as Virtudes poderosas,

as Potestades moventes.

Na terceira os Principados

por Príncipes se engrandecem,

Arcanjos, Grandes da Corte,

Anjos, Núncios diligentes.

Nos Apóstolos Divinos

doze em números se adverte

que o muro desta Cidade

se estriba em doze alicerces.

As virgens cuja pureza

tanta estimação merece

que o céu se compara às Virgens

porque este às Virgens se deve.

Música se ouve, e se chama

canto novo, justamente,

que da nova Lei da Graça

sacros louvores profere.

Nesta eterna Pátria gozas

o bem Sumo, e finalmente

nela gozas os bens todos

que os bens todos estão nele.

E não pode dar-se mais,

sendo Deus Onipotente,

porque te dá quanto pode,

e tu logras quanto queres.

 

ROMANCES CASTELHANOS

AO NASCIMENTO DE CRISTO

Romance 1°

En los brazos de María

nace el niño, y con razón,

que en los brazos de la Aurora

ha nacido siempre el Sol.

Un Paraíso en la tierra

se ofrece de más valor,

cuanto va de Eva a María

cuanto va de Adán a Dios.

La flor del campo más bella

en el Diciembre nació,

que sazonar el invierno

saben finezas de amor.

Entre armonías parece

que baja el cielo,

pues hoy el Cielo a la tierra vino,

la tierra al cielo se unió.

Nacer quiso entre los brutos,

y fue precisa ocasión,

que lo bruto de una culpa

aquel lugar le buscó.

Entre humildes paños nace

que por vencer con primor

las sobervias de Lusbel

de humildades se adornó.

No quiso del mundo telas,

que en rara contradicción

para enriquecer el mundo

la pobreza siempre amó.

Lágrimas vierte el Infante

y cuando allí las virtió,

el Cielo se ríe alegre

y llora el Infierno atroz.

Perlas desperdicia el niño,

y si nuestra redención,

ahora perlas le cuesta,

después rubíes costó!

Al frío cruel expuesto

no siente la desazón

que la tibieza del hombre

es el frio, que sintió.

La paz ofrece a los hombres

y para la ejecución,

los Ángeles la publican

con que la guerra cesó.

Los primeros, que la escuchan

simplices pastores son,

que para dichas del cielo

el simple obsequio es mejor.

Van buscar al niño tierno

que en diligencia veloz,

como es de Pastor su trato

van buscar otro Pastor.

Hallan al niño, y la Madre

tan unidos ambos dos,

como la perla, y la concha

como la rama, y la flor.

Humildes, y reverentes

le dan pronta adoración

que más vale una humildad

que el sacrificio mayor.

Volta

Vamos al Pesebre

con alto favor,

que en la noche oscura

ha nacido el Sol.

Canten pues las aves

con suave voz,

y el Ruiseñor cante

a tan buen Señor.

Entre pajas pobres

el niño se vio,

que el trigo entre pajas

siempre está mejor.

À MORTE DOS INOCENTES

Romance 2°

Infame Herodes, ¿qué es esto?

¿el cuchillo ha de cortar

lo puro de una inocencia?

¿y lo frágil de una edad?

Aquel primer homicidio

renuevas con más crueldad,

que en cada niño inocente,

un Abel mandas matar.

Y haciendo injustas heridas

en sus cuerpos les verás

multiplicadas las bocas

que publican tu impiedad.

Si no es, que en esta inocencia

ya quieres representar,

de la Inocencia mayor

la tragedia funeral.

Estos Corderos que fueron

de la visión celestial,

son primicias del Cordero

que se ha de sacrificar.

La Iglesia de estrellas doce

tuvo corona inmortal,

hoy catorce mil estrellas

mayor corona le harán.

Entre los nevados cuerpos

con sangrienta iniquidad

de unas grutas de marfil

corren ríos de coral.

Junto a la sangre, que corre

llora la Madre, y dirás,

que llanto de agua no vierten,

que llanto de sangre dan.

Y como es suya la sangre

para haber martirio igual,

las heridas son los ojos

por donde llorando están.

Entre la sangre, y el suspiro

a un tiempo con igualdad,

la sangre corre a la tierra

el suspiro al Cielo va.

Si eres pedernal, Herodes,

muévate el llanto a piedad

que a la impresión de un

arroyo obedece el pedernal.

Pero vendrá tu castigo

y con varia enfermedad,

si quitaste muchas vidas,

muchas veces morirás.

À CIRCUNCISÃO

Romance 3°

Consumados ocho días

padece el niño inocente,

¿qué espera la edad mayor,

si la niñez ya padece?

Teniendo fiebre amorosa

de que se angustia doliente,

manda el Amor, que se sangre

para alivio de la fiebre.

Antes del final martirio

vertir la sangre se atreve,

porque las ansias del gusto

anticipan lo que quiere.

Por dar pronto cumplimiento

a la Ley, no la disuelve

que siendo Rey, bien pudiera

ser absuelto de las Leyes.

Quiere quedar circunciso

sintiendo esta herida fuerte,

y más que el golpe del hierro,

el yerro del hombre siente.

Vierte sangre desde niño,

y cuando la sangre vierte

sale en senda de jazmines

un arroyo de claveles.

Con el nombre de Jesús

salvar los hombres pretende

que hace blasón de su nombre

la misma piedad, que tiene.

Vence al Infierno alevoso,

y cuando al Infierno vence,

como es la primera victoria

es bien que sangre le cueste.

Para el teatro se ensaya

de una batalla más fuerte,

que como ha de ser tragedia

con ensayos se previene.

Por desposarse amoroso

con su Iglesia, ya le ofrece

una joya de rubíes

para adorno de sus sienes.

Volta

Circúndese el alma

yerros aleves,

que cortar las pasiones

los sabios suelen.

El ejemplo le ha dado

tan buen maestre

que con letras de sangre

lo mismo advierte.

A SANTO ESTÊVÃO

Romance 4°

Si está de piedras herido

vuestro invencible valor,

para corona de Mártir

preciosas piedras formó.

Vuestro pecho endurecido

en sufrimiento mayor,

la dureza de las piedras

en sí mismo transformó.

Cuando por el aire vuelan

al mismo tiempo se vio,

las piedras volar al aire

pero al Cielo, vuestra voz.

Viste los Cielos abiertos

y estáis con igual acción:

vos, con heridas abiertas,

con Cielos abiertos, Dios.

La Turba, que locamente

vuestra fe menospreció,

con razón las piedras tiran

que locos de piedras son.

Si sobre una piedra solo

la Iglesia se edificó,

ahora con muchas piedras

recibe más duración.

En el camino del Cielo

vuestra fe fortaleció

de piedras hermosa

calle para ir al Cielo mejor.

Vos orando, y padeciendo

sois de Cristo imitador,

con sangre esparcido,

Cristo con sangre esparcido, vos.

Pedís por los enemigos

que en igual imitación,

el soplo excita la llama

el odio enciende el amor.

Pero de más eficacia

parece vuestra oración,

que Cristo un ladrón grangea,

vos, un Pablo superior.

Cual pedernal a los golpes

vuestro pecho herido echó

centellas de amor ardiente

que es fuego más brillador.

Vos al Bautista imitaste

y sois también Precursor,

el Precursor fue de Cristo,

vos de los Mártires sois.

Descansando en el martirio

vuestra vida adormeció,

porque la muerte del justo

es un sueño vividor.

Entrad Estevão Triunfante

en la Celeste Sión,

pues tuviste dos coronas

en el nombre, en el valor.

A SÃO JOÃO DA CRUZ, RELIGIOSO

DESCALÇO, QUE SE CANTOU NA SUA FESTA

Romance 5º

Oigan, caballeros, oigan

Y atentos han de escuchar,

Que es para nuevas de gusto

La atención comodidad.

Estaba una Dama hermosa

Retirada años atrás,

Que la prenda del retiro

Es joya de la beldad.

Dicen, que el Monte Carmelo

Era su proprio lugar

Que a la altivez de una gloria

Solo un monte le hace igual.

No se adornaba de galas

Y las quiso despreciar,

Que la virtud es desnuda

Y estima la honestidad.

Descalza los pies se veía

Que para el Cielo llegar,

Lo calzado se embaraza,

Lo descalzo corre más.

Tenía muchos galanes

Pero la trataram mal

Sin ver, que el trato amoroso

Es capricho del galán.

Volviese pues al Carmelo

Por no gemir, y llorar

Que a los ojos las ofensas

Mayor sentimiento dan.

Conociendo, Juan, sus quejas

la quiso solicitar

que a los golpes de porfías

no hay difícil pedernal.

Reducida finalmente

vino con ella a casar

que si es unión el amor

el desposorio la da.

Volta

Haced grandes fiestas

celébrese ya

la boda Divina

del Beato Juan.

Los otros galanes

no lo han de estorbar

que fue la Madrina

Teresa inmortal.

En buena hora cueste

uno, y otro afán,

lo que cuesta mucho

también vale más.

De este desposorio

se han de procrear

muchos hijos fuertes

contra Leviatán.

AO MESMO NA MESMA FESTA DE SUA

BEATIFICAÇÃO

Romance 6°

¿Quién es aquel Capitán

que con devoto escuadrón

es Defensor del Carmelo

es General del amor?

¿Quién es aquel fuerte Alcides

que siendo niño venció sino

en brazos, en la Cruz,

sino a la sierpe, al Dragón?

Quién es aquel grande Atlante

que de María amador todo

el peso de su Cielo sobre

sus ombros tomó.

¿Quién es aquel Astro bello

que con una y otra acción

para Lusbel es Cometa,

y para Teresa es Sol?

¿Quién es aquel nuevo Elías

Que en su celo renovó

del Religioso sayal

el primitivo candor?

¿Quién es aquella ave ilustre

que cual Águila voló

en su espíritu emplumada,

remontada en la oración?

Quién es aquel Penitente

que en el Diciembre sembró

los lirios de la pureza,

y las rosas del ardor.

Volta

Si queréis saberlo

os lo diré yo

San Juan de la Cruz

es este varón.

Su Cruz es su nombre

que en igual primor

como en la Cruz vivía

de la Cruz se honró.