LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Música do Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira
Edição de referência:
Poesia Completa. Introd., org. e fixação de texto de Adma Muhana.
São Paulo: Martins, 2005.
MUSICA
DO
PARNASSO
DIVIDIDA EM QUATRO COROS
DE RIMAS
PORTUGUESAS, CASTELHA-.
nas, Italianas, & Latinas.
COM SEU DESCANTE COMICO REDUSI
do em duas comedias,
OFFERECIDA
AO EXCELLENTISSIMO SENHOR DOM NUNO
Alvares Pereyra de Mello, Duque do Cadaval, &tc.
E ENTOADA
PELO CAPITAM MOR MANOEL BOTELHO
de Oliveyra, Fidalgo da Caza de Sua
Magestade.
LISBOA.
Na Officina de MIGUEL MANESCAL, Impressor do
Santo Officio, Anno de 1705.
ÍNDICE
Primeiro coro de rimas portuguesas em versos amorosos de Anarda
Versos vários que pertencem ao primeiro coro das rimas portuguesas escritos a vários assuntos
Segundo coro das rimas castelhanas em versos amorosos da mesma Anarda
Versos vários que pertencem ao segundo coro das rimas castelhanas, escritas a vários assuntos
Terceiro coro das rimas italianas
Sonetos da vida de Cristo até sua divina ascenção
Ao Excelentíssimo
Senhor D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque do Cadaval, Marquês de Ferreira, Conde de Tentúgal, Alcaide-mor das Vilas e Castelos de Olivença, e Alvor. Senhor das Vilas de Tentúgal, Buarcos, Vila Nova Dansos, Rabaçal, Alvaiazere, Penacova, Mortágua, Ferreiradaves, Cadaval, Cercal, Peral, Vilaboa, Vilarruiva, Albergaria, Água de Peixes, Mujem, Noudar e Barrancos: Comendador das Comendas de Grândola, Sardoal, Eixo, Morais, Marmeleira, Noudar e Barrancos. Dos Conselhos de Estado, e Guerra, e do despacho de mercês, e expediente. Mestre-de-campo, General da Corte, e Província da Estremadura junto à pessoa de Sua Majestade, Capitão-general da Cavalaria da mesma Corte, e Província da Estremadura junto à pessoa de Sua Majestade, Capitão-general da Cavalaria da mesma Corte, e Província, Presidente do Desembargo do Paço etc.
Célebre fez em Fócio ao Monte Parnasso o ter sido das musas domicílio, mas se nisto teve a fortuna de ser talvez o primeiro, não faltou quem lhe tirasse a de ser único. Essa queixa pode formar da famosa Grécia, para cujas interiores províncias se passaram as musas com tanto empenho, como foi o que tiveram em fazer aquele portento da sua Arte, o insigne Homero, cujo poema eternizou no Mundo as memórias da sua pena e do seu nome. Transformou-se Itália em uma nova Grécia, e assim, ou se passaram outra vez de Grécia, ou de novo renasceram as musas em Itália, fazendo-se tão conaturais a seus engenhos, como entre outros o foram no do famoso Virgílio e elegante Ovídio, os quais, vulgarizada depois, ou corrupta a língua latina, na mesma Itália se reproduziram no grande Tasso e delicioso Marino, poetas que entre muitos floresceram com singulares créditos e não menores estimações. Ultimamente se transferiram para Espanha onde foi e é tão fecunda a cópia de poetas, que entre as demais nações do Mundo parece que aos espanhóis adotaram as musas por seus filhos, entre os quais mereceu o culto Gôngora extravagante estimação, e o vastíssimo Lope aplauso universal; porém em Portugal, ilustre parte das Espanhas, se naturalizaram, de sorte que parecem identificadas com os seus patrícios; assim o testemunham os celebrados poemas daquele lusitano Apoio, o insigne Camões, de Jorge Monte-Maior, de Gabriel Pereira de Castro, e outros que nobilitaram a língua portuguesa com a elegante consonância de seus metros.
Nesta América, inculta habitação antigamente de bárbaros índios, mal se podia esperar que as Musas se fizessem brasileiras; contudo quiseram também passar-se a este empório, aonde como a doçura do açúcar é tão simpática com a suavidade do seu canto, acharam muitos engenhos, que imitando aos poetas de Itália, e Espanha, se aplicassem a tão discreto entretenimento, para que se não queixasse esta última parte do mundo que, assim como Apoio lhe comunica os raios para os dias, lhe negasse as luzes para os entendimentos. Ao meu, posto que inferior aos de que é tão fértil este país, ditaram as Musas as presentes rimas, que me resolvi expor à publicidade de todos, para ao menos ser o primeiro filho do Brasil que faça pública a suavidade do metro, já que o não sou em merecer outros maiores créditos na Poesia.
Porém encolhido em minha desconfiança, e temeroso de minha insuficiência, me pareceu logo preciso valer-me de algum herói, que me atentasse em tão justo temor, e me segurasse em tão racionável receio, para que nem a obra fosse alvo de calúnias, nem seu autor despojo de Zoilos, cuja malícia costuma tiranizar a ambos, mais por impulso da inveja, que por arbítrio da razão: para segurança, pois destes perigos solicito o amparo de Vossa Excelência, em quem venero relevantes prerrogativas para semelhante patrocínio; porque se é próprio de príncipes o amparar a quem os busca, Vossa Excelência o é não menos na generosidade de seu ânimo, que na regalia de seu sangue, com cuja tinta trasladou em Vossa Excelência a natureza o exemplar das heróicas prendas de seus ilustríssimos progenitores, de quem como águia legítima não degenerou a Sua Soberania: a Vossa Excelência venera o estado do Reino por Conselheiro o mais político, pois assim sabe nele propor as dificuldades, e investigar os meios. A Vossa Excelência faz o nosso sereníssimo Monarca árbitro dos negócios mais árduos, e arquivo dos segredos mais íntimos, repartindo, ou descansando em generoso Atlante o grande peso de toda a esfera lusitana; nela reconhecem a Vossa Excelência por luminar, ou astro mui benéfico, tantos quantos são os que participam das continuadas influências de sua grandeza, a qual como logra propriedades de Sol, a todos alcança com seus benignos influxos; assim o experimentam tantas viúvas, a quem Vossa Excelência socorre compassivo, tantas donzelas a quem dota liberal, tantas mulheres que têm o título de visitadas, a quem se não visita sua pessoa, remedeia todos os meses sua munificência, sendo esta em Vossa Excelência tão fecunda, como o mostram outras muitas esmolas, que por sua mão faz, além das que em trigo, e dinheiro, todo o ano reparte por seu esmoler e pároco, que são dois contínuos aquedutos, pelos quais perenemente corre a fonte de sua liberalidade; a esta dá Vossa Excelência muito maiores realces, quando tão pia e profusamente a exercita com o sagrado, ornando e enriquecendo os templos, especialmente o em que foi batizado, a quem consignou todos os anos copiosa côngrua para seu culto, favorecendo com toda a grandeza as comunidades, provendo com larga mão as Religiões do que necessitam, como o confessa a Seráfica Família do grande Patriarca São Francisco, e dando aos conventos pobres das religiosas vestiaria para todas, sendo a sua caridade como fogo, que nunca diz basta para dar, enquanto acha necessidades que socorrer; esta lhe conciliou a Vossa Excelência o renombre de Pai da Pobreza, título entre os muitos que logra o mais ilustre, pois tanto o assemelha ao mesmo Deus, que por ser o sumo Bem, sempre se está comunicando a todos.
Mas como nos astros não só há influxos, senão também luzes, os brilhantes reflexos das de Vossa Excelência bem se viram em todos os tribunais deste Reino, que foram os iluminados zodíacos, onde giraram tanto tempo seus resplandores: aqui luziu a sua justiça com raios sempre diretos, porque nunca houve coisa que pudesse torcer, nem ainda inclinar a sua retidão: aqui brilhou o seu zelo com luzes tão vivas, que nada pode diminuir sua eficácia, nem resfriar o intenso de sua atividade, sendo em Vossa Excelência este zelo tão geral e pronto para todas as matérias tocantes ao bem do Reino, que por causa deste o levou no tempo presente dos tribunais aos exércitos, e da corte para a campanha, na qual se houvera mais, ou maiores ocasiões para a peleja, o admiráramos todos vivo retrato daquele famoso Marte lusitano, o Senhor Nuno Álvares Pereira, de quem Vossa Excelência herdou o valor com o nome, e com o sangue a generosidade, e ficara conhecendo o mundo como na paz e na guerra era Vossa Excelência sempre César.
Bem certificado estava de seu marcial ânimo, e militar ciência o nosso Sereníssimo Monarca, pois em sábado 4 de outubro lhe encarregou o governo da primeira linha do exército, para que dirigisse a marcha dele ao sítio que se pretendia, empresa tão difícil em si, como pelas circunstâncias para Vossa Excelência gloriosa, porque obedecendo com pronto rendimento à real vontade e encarregando-se com singular prudência desta ação, que Sua Majestade lhe fiara, fez marchar o exército com tão admirável ordem, que todos os cabos nacionais e estrangeiros concorreram a dar-lhe os parabéns do acerto com que Vossa Excelência desempenhou felizmente o bom sucesso, que nesta empresa se desejava: bem conheceram a Vossa Excelência por herói capaz e digno de outras maiores as Majestades ambas, pois na bataria, que se fez no Porto de Águeda em sete de outubro, vendo-o livre das balas do inimigo, especialmente de uma que lhe chamuscou a anca e cauda do cavalo, em que andava montado, não podendo dissimular o seu júbilo, davam também multiplicados parabéns a Vossa Excelência de escapar a tantos perigos, em que o meteu o seu valor, e de que o livrou a Providência Divina, favor bem merecido da piedade com que Vossa Excelência socorria na campanha aos soldados com tão repetidas esmolas, escudos fortíssimos que o defendem nos maiores apertos da terra, ao mesmo tempo que lhe servem de poderosas armas, com que Vossa Excelência está conquistando o céu. Mais pudera dizer de outras muitas heróicas ações, relevantes prendas e singulares virtudes de Vossa Excelência, se este epilogado papel fora capaz de tanto empenho; porém, como nele não cabe a multiplicidade de tantos títulos, quantos as acreditam, seria temeridade querer recopilar um mar imenso em tão limitada concha, e copiar figura tão agigantada em um quadro tão pequeno, guarde Deus a pessoa de Vossa Excelência por dilatados e felicíssimos anos para glória de Portugal.
De Vossa Excelência,
Menor súdito,
MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA
PRÓLOGO AO LEITOR
Estas Rimas, que em quatro línguas estão compostas, ofereço neste lugar, para que se entenda que pode uma só Musa cantar com diversas vozes. No princípio celebra-se uma dama com o nome de Anarda, estilo antigo de alguns poetas, porque melhor se exprimem os afetos amorosos com experiências próprias: porém, por que não parecesse fastidioso o objeto, se agregaram outras rimas a vários assuntos: e assim como a natureza se preza da variedade para formosura das coisas criadas, assim também o entendimento a deseja, para tirar o tédio da lição dos livros. Com o título de Música do Parnasso se quer publicar ao Mundo: porque a Poesia não é mais que um canto poético, ligando-se as vozes com certas medidas para consonância do metro.
Também se escreveram estas Rimas em quatro línguas, porque quis mostrar o seu autor com elas a notícia, que tinha de toda a Poesia, e se estimasse esta obra, quando não fosse pela elegância dos conceitos, ao menos pela multiplicidade das línguas. O terceiro e quarto coro das Italianas e Latinas estão abreviados, porque além desta composição não ser vulgar para todos, bastava que se desse a conhecer em poucos versos. Também se acrescentaram duas Comédias, para que participasse este livro de toda a composição poética. Uma delas, Hay amigo para amigo, anda impressa sem nome. A outra, Amor, Engaños, y Celos, sai novamente escrita: e juntas ambas fazem um breve descante aos quatro coros. Se te parecerem bem, terei o louvor por prêmio de meu trabalho; se te parecerem mal, ficarei com a censura por castigo de minha confiança.
LICENÇAS DO SANTO OFÍCIO
Vistas as informações, pode se imprimir o livro, de que esta petição trata, e impresso tornará para se conferir, e dar licença que corra, e sem ela não correrá. Lisboa, 19 de julho de 1703.
Carneiro. Moniz. Frei Gonçalo. Hasse. Monteiro. Ribeiro.
Pode-se imprimir o livro, de que esta petição trata, e impresso tornará para se dar licença para correr. Lisboa, 14 de outubro de 1703.
Frei Pedro, Bispo de Bona.
LICENÇA DO PAÇO
Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Ofício, & Ordinário, e depois de impresso tornará à Mesa para se conferir, e taxar e sem isso não correrá. Lisboa, 20 de outubro de 1703.
Oliveira. Azevedo.
Taxam este livro em trezentos e cinqüenta réis. Lisboa, 27 de fevereiro de 1705.
PRIMEIRO CORO DE RIMAS PORTUGUESAS EM VERSOS AMOROSOS DE ANARDA
SONETOS
ANARDA INVOCADA
Soneto I
Invoco agora Anarda lastimado
Do venturoso, esquivo sentimento:
Que quem motiva as ânsias do tormento,
É bem que explique as queixas do cuidado.
Melhor Musa será no verso amado,
Dando para favor do sábio intento
Por Hipocrene o lagrimoso alento,
E por louro o cabelo venerado.
Se a gentil formosura em seus primores
Toda ornada de flores se avalia,
Se tem como harmonia seus candores;
Bem pode dar agora Anarda impia
A meu rude discurso cultas flores,
A meu plectro feliz doce harmonia.
PERSUADE A ANARDA QUE AME
Soneto II
Anarda vê na estrela, que em piedoso
Vital influxo move amor querido,
Adverte no jasmim, que embranquecido
Cândida fé publica de amoroso.
Considera no Sol, que luminoso
Ama o jardim de flores guarnecido;
Na rosa adverte, que em coral florido
De Vênus veste o nácar lastimoso.
Anarda pois, não queiras arrogante
Com desdém singular de rigorosa
As armas desprezar do Deus triunfante:
Como de amor te livras poderosa,
Se em teu gesto florido e rutilante
És estrela, és jasmim, és Sol, és rosa?
PONDERAÇÃO DAS LÁGRIMAS DE ANARDA
Soneto III
Suspende, Anarda, as ânsias do alvedrio,
Quando a fortuna cegamente ordena
Essa dor, que dilatas pena a pena,
Esse aljôfar, que vertes fio a fio.
Se és dura rocha no rigor impio,
Se és brilhadora luz na fronte amena;
A triste chuva de cristais serena,
Da sucessiva prata embarga o rio.
Mas ai, que não depões o sentimento,
Para que em ti padeça rigor tanto,
Se tens meu coração no peito isento.
De sorte, pois, que no amoroso encanto
Avivas em teu peito o meu tormento,
Derramas por teus olhos o meu pranto.
SOL, E ANARDA
Soneto IV
O Sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
O Sol é brilhador na quarta esfera,
Brilha Anarda na esfera de formosa.
Fomenta o sol a chama calorosa,
Anarda ao peito viva chama altera,
O jasmim, cravo, e rosa ao Sol se esmera,
Cria Anarda o jasmim, o cravo, e rosa.
O Sol à sombra dá belos desmaios,
Com os olhos de Anarda a sombra é clara,
Pinta Maios o Sol, Anarda Maios.
Mas (desiguais só nisto) se repara
O Sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara.
MOSTRA-SE QUE A FERMOSURA ESQUIVA
NÃO PODE SER AMADA
Soneto V
A pedra Ímã, que em qualidade oculta
Naturalmente atrai o ferro impuro,
Se não vê do diamante o lustre puro,
Prende do ferro a simpatia inculta.
Porém logo a virtude dificulta,
Quando se ajunta c'o diamante duro:
Que um ódio até nas pedras é seguro,
Que até nas pedras uma inveja avulta.
Prendendo pois com atração formosa
A formosura, qual Ímã se aviva,
É diamante a dureza rigorosa;
Aquela junta com a dureza esquiva,
Não logra a simpatia de amorosa,
Perde a virtude logo de atrativa.
IRAS DE ANARDA CASTIGADAS
Soneto VI
Do cego Deus, Anarda, compelido
Vejo teu rosto, e digo meu tormento;
Digo para favor do sentimento,
Vejo para recreio do sentido;
As rosas de teu rosto desabrido,
De teus olhos o esquivo luzimento;
Este fulmina logo o raio isento
Estas espinham logo ao Deus Cupido.
Porém para experiências amorosas,
Quando de amor as ânsias atropelas,
As perfeições se mudam deslustrosas:
Porque tomando amor vingança delas,
Nos rigores te afeia as lindas rosas,
Nas iras te escurece as luzes belas.
VENDO A ANARDA DEPÕE O SENTIMENTO
Soneto VII
A Serpe, que adornando várias cores,
Com passos mais oblíquos, que serenos,
Entre belos jardins, prados amenos,
É maio errante de torcidas flores;
Se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe co'a peçonha menos,
Porque não morra c'os mortais venenos,
Se acaso gosta dos vitais licores.
Assim também meu coração queixoso,
Na sede ardente do feliz cuidado
Bebe c'os olhos teu cristal fermoso;
Pois para não morrer no gosto amado,
Depõe logo o tormento venenoso,
Se acaso gosta o cristalino agrado.
CEGA DUAS VEZES, VENDO A ANARDA
Soneto VIII
Querendo ter Amor ardente ensaio,
Quando em teus olhos seu poder inflama,
Teus sóis me acendem logo chama a chama.
Teus sóis me cegam logo raio a raio.
Mas quando de teu rosto o belo Maio
Desdenha amores no rigor que aclama,
De meus olhos o pranto se derrama
Com viva queixa, com mortal desmaio,
De sorte, que padeço os resplandores,
Que em teus olhos luzentes sempre avivas,
E sinto de meu pranto os desfavores
Cego me fazem já com ânsias vivas
De teus olhos os sóis abrasadores,
De meus olhos as águas sucessivas.
RIGORES DE ANARDA NA OCASIÃO
DE UM TEMPORAL
Soneto IX
Agora o Céu com ventos duplicados,
E com setas de prata despedidas,
Se enfurece com nuvens denegridas,
E se irrita com golpes fulminados.
Quando Anarda em tormentos desprezados
Fulmina nas finezas padecidas
Os raios dos rigores contra as vidas,
As nuvens dos desdéns contra os cuidados.
Mas ũa, e outra tempestade encerra
Diverso mal nas amorosas calmas,
Ou quando forma da borrasca a guerra:
Porque perdendo Amor ilustres palmas,
Aquela é tempestade contra a terra,
Mas esta é tempestade contra as almas.
PONDERAÇÃO DO ROSTO,
E OLHOS DE ANARDA
Soneto X
Quando vejo de Anarda o rosto amado,
Vejo ao Céu, e ao jardim ser parecido;
Porque no assombro do primor luzido
Tem o Sol em seus olhos duplicado.
Nas faces considero equivocado
De açucenas, e rosas o vestido;
Porque se vê nas faces reduzido
Todo o Império de Flora venerado.
Nos olhos, e nas faces mais galharda
Ao Céu prefere quando inflama os raios,
E prefere ao jardim, se as flores guarda:
Enfim dando ao jardim, e ao Céu desmaios,
O Céu ostenta um Sol; dois sóis Anarda,
Um Maio o jardim logra; ela dois Maios.
NÃO PODENDO VER A ANARDA
PELO ESTORVO DE ŨA PLANTA
Soneto XI
Essa árvore, que em duro sentimento,
Quando não posso ver teu rosto amado,
Opõe grilhões amenos ao cuidado,
Verdes embargos forma ao pensamento;
Parece que em soberbo valimento,
Como a vara do próprio, que há logrado,
Dando essa glória a seu frondoso estado,
Nega essa glória a meu gentil tormento.
Porém para favor dos meus sentidos
Essas folhas castiguem rigorosas,
Os teus olhos, Anarda, os meus gemidos.
Pois caiam, sequem pois folhas ditosas,
Já de meus ais aos ventos repetidos,
Já de teus sóis às chamas luminosas.
PONDERAÇÃO DO TEJO COM ANARDA
Soneto XII
Tejo formoso, teu rigor condeno,
Quando despojas altamente impio
Das lindas plantas o frondoso brio,
Dos férteis campos o tributo ameno.
Nas amorosas lágrimas, que ordeno,
Porque cresças em claro senhorio,
Corres ingrato ao lagrimoso rio,
Vás fugitivo com desdém sereno.
Oh como representa o desdenhoso
Da bela Anarda teu cristal ativo,
Neste, e naquele efeito lastimoso!
Em ti já vejo a Anarda, ó Tejo esquivo,
Se teu cristal se ostenta rigoroso,
Se teu cristal se mostra fugitivo.
AO SONO
Soneto XIII
Quando em mágoas me vejo atribulado,
Vem, sono, a meu desvelo padecido,
Refrigera os incêndios do sentido,
Os rigores suspende do cuidado.
Se no monte Cimério retirado
Triste lugar ocupas, te convido
Que venhas a meu peito entristecido,
Porque triste lugar se tem formado.
Se querem noite escura teus intentos,
E se querem silêncio; nas tristezas
Noite, e silêncio têm meus sentimentos:
Porque triste, e secreto nas ternezas,
É meu peito ũa noite de tormentos,
É meu peito um silêncio de finezas.
ANEL DE ANARDA PONDERADO
Soneto XIV
Esse vínculo, Anarda, luminoso,
Do mínimo jasmim prisão dourada,
Logra na mão beleza duplicada,
Quando logra na mão candor formoso.
Se te aprisiona seu favor lustroso,
Te retrata os efeitos de adorada;
Porque quando te adorna a luz amada,
Me aprisionas o peito venturoso.
Agora podem teus desdéns esquivos,
Na breve roda de ouro ver seguros,
Se cuidados, se incêndios logro ativos;
Pois nela considero em males duros,
Que tenho a roda dos cuidados vivos,
Que tenho o ouro dos incêndios puros.
ANARDA ESCULPIDA NO CORAÇÃO
LAGRIMOSO
Soneto XV
Quer esculpir artífice engenhoso
Ũa estátua de bronze fabricada,
Da natureza forma equivocada,
Da natureza imitador famoso.
No rigor do elemento luminoso,
(Contra as idades sendo eternizada)
Para esculpir a estátua imaginada,
Logo derrete o bronze lagrimoso.
Assim também no doce ardor que avivo,
Sendo artífice o Amor, que me desvela,
Quando de Anarda faz retrato vivo;
Derrete o coração na imagem dela,
Derramando do peito o pranto esquivo,
Esculpindo de Anarda a estátua bela.
ANARDA TEMEROSA DE UM RAIO
Soneto XVI
Bramando o Céu, o Céu resplandecendo,
Belo a um tempo se via, e rigoroso,
Em fugitivo ardor o Céu lustroso,
Em condensada voz o Céu tremendo.
Gira de um raio o golpe, não sofrendo
O capricho de ũa árvore frondoso:
Que contra o brio de um subir glorioso
Nunca falta de um raio o golpe horrendo.
Anarda vendo o raio desabrido,
Por altiva temeu seu golpe errante,
Mas logo o desengano foi sabido.
Não temas (disse eu logo) o fulminante:
Que nunca ofende o raio ao Céu luzido,
Que nunca teme ao raio o Sol brilhante.
EFEITOS CONTRÁRIOS DO RIGOR DE ANARDA
Soneto XVI
Anarda bela no rigor sofrido
Deseja a morte ao lastimoso peito,
Sem ver que em seu perigo a morte aceito,
Pois sempre vive Anarda em meu sentido:
Mas como o mortal golpe desabrido
Nunca exprimenta um infeliz sujeito,
Morro somente de amoroso efeito,
Nunca morro do golpe pretendido.
Teme em meu coração a Parca forte
O divino retrato, que convida
A meu peito amoroso imortal sorte.
De sorte pois, que em glória padecida
Anarda própria me deseja a morte,
Anarda própria me defende a vida.
ESPERANÇAS SEM LOGRO
Soneto XVIII
Se contra minha sorte enfim pelejo,
Que quereis, esperança magoada?
Se não vejo de Anarda o bem que agrada,
Não procureis o bem do que não vejo.
Quando frustrar-se o logro vos prevejo,
Sempre a ventura espero dilatada;
Não vejo o bem, não vejo a glória amada,
Mas que muito, se é cego o meu desejo?
Enfermais do temor, e não se alcança
O que sem cura quer vossa loucura;
E morrereis de vossa confiança.
Esperança não sois, porém se apura,
Que só nisto sereis certa esperança:
Em ser falsa esperança da ventura.
ENCARECE A FINEZA DO SEU TORMENTO
Soneto XIX
Meu pensamento está favorecido,
Quando cuida de Anarda o logro amado;
Ele se vê nas glórias do cuidado,
Eu me vejo nas penas do sentido.
Ele alcança o fermoso, eu o sofrido,
Ele presente vive, eu retirado;
Eu no potro de um mal atormentado,
Ele no bem, que logra, presumido.
Do pensamento está muito ofendida
Minha alma, do tormento desejosa,
Porque em glória se vê, bem que fingida:
Tão fina pois, que está por amorosa,
De um leve pensamento arrependida,
De um vão contentamento escrupulosa.
ROSA, E ANARDA
Soneto XX
Rosa da fermosura, Anarda bela
Igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores é fermosa,
Mais fermosa que as flores brilha aquela.
A rosa com espinhos se desvela,
Arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
Na fronte Anarda tem púrpura airosa,
A rosa é dos jardins purpúrea estrela.
Brota o carmim da rosa doce alento,
Respira olor de Anarda o carmim breve,
Ambas dos olhos são contentamento:
Mas esta diferença Anarda teve:
Que a rosa deve ao Sol seu luzimento,
O Sol seu luzimento a Anarda deve.
MADRIGAIS
NAVEGAÇÃO AMOROSA
Madrigal I
É meu peito navio,
São teus olhos o Norte,
A quem segue o alvedrio,
Amor Piloto forte;
Sendo as lágrimas mar, vento os suspiros,
A venda velas são, remos seus tiros.
PESCA AMOROSA
Madrigal II
Foi no mar de um cuidado
Meu coração pescado;
Anzóis os olhos belos;
São linhas teus cabelos
Com solta gentileza,
Cupido pescador, isca a beleza.
NAUFRÁGIO AMOROSO
Madrigal III
Querendo meu cuidado
Navegar venturoso,
Foi logo soçobrado
Em naufrágio amoroso;
E foram teus desdéns contrário vento,
Sendo baixo o meu vil merecimento.
EFEITOS CONTRÁRIOS DE ANARDA
Madrigal IV
Se sai Anarda ao prado,
Campa todo de flores matizado;
Se sai à praia ondosa,
Brilha toda de raios luminosa;
Enfim, se está presente,
Tudo se vê contente;
Mas eu só nos desdéns, com que me assiste,
Quando presente está, me vejo triste.
PONDERAÇÃO DO ROSTO, E
SOBRANCELHAS DE ANARDA
Madrigal V
Se as sobrancelhas vejo,
Setas despedes contra o meu desejo;
Se do rosto os primores,
Em teu rosto se pintam várias cores;
Vejo, pois, para pena, e para gosto
As sobrancelhas arco, Íris o rosto.
ENCARECIMENTO DOS RIGORES DE ANARDA
Madrigal VI
Se meu peito padece,
O rochedo mais duro se enternece;
Se afino o sentimento,
O tronco se lastima do tormento;
Se acaso choro, e canto,
A fera se entristece do meu pranto;
Porém nunca estas dores
Abrandam, doce Anarda, teus rigores.
Oh condição de um peito!
Oh desigual efeito!
Que não possa abrandar ũa alma austera
O que abranda ao rochedo, ao tronco, à fera!
VER, E AMAR
Madrigal VII
Anarda vejo, e logo
A meu peito atormenta o brando fogo;
Enfim quando me inflama,
Procedendo da luz a bela chama,
Vejo por glórias, sinto por desmaios,
Relâmpagos de luz, de incêndios raios.
CABELO PRESO DE ANARDA
Madrigal VIII
Se esse vínculo belo
Prende, Divina ingrata, teu cabelo;
Justa prisão lhe ofende.
Quando em castigos prende a quem me prende;
Querendo a lei de Amor, quando o condena,
Que seja a própria culpa própria pena.
AO VÉU DE ANARDA
Madrigal IX
Negando um véu ditoso
Da bela Anarda o resplandor queixoso,
Beberam meus suspiros
De Amor as chamas, e do Amor os tiros;
De sorte que em motivos de meu gosto
Era venda do Amor o véu do rosto.
AO MESMO
Madrigal X
Se me encobres, tirana,
De teu rosto gentil a luz ufana,
Julga meu pensamento
Que hás de dar bem ao mal, gosto ao tormento;
Sendo esse linho, se padeço tanto,
Às chagas atadura, lenço ao pranto.
DESDÉM, E FERMOSURA
Madrigal XI
Querendo ver meu gosto
O Cândido e purpúreo de teu rosto,
Sinto o desdém tirano,
Que fulmina teu rosto soberano;
Mata-me o esquivo, o belo me convida,
Encontro a morte, quando busco a vida.
ANARDA ESCREVENDO
Madrigal XII
Quando escreves, ordena
Meu amor que te dite minha pena;
Para que decorada,
De ti seja lembrada:
Mas ai, que na lição da pena impia
Me botas os borrões da tirania.
NÃO PODE O AMOR PRENDER A ANARDA
Madrigal XIII
Amor, que a todos prendes
Naquele doce ardor que n'alma acendes,
Prende a Anarda, que dura
Isenta de teu fogo a fermosura;
Mas ai, que já não podes, pois primeiro
Em seus olhos ficaste prisioneiro.
SEPULCRO AMOROSO
Madrigal XIV
Já morro, doce ingrata,
Já teu rigor me mata:
Seja enterro o tormento,
Que inda morto alimento;
Por responsos as queixas,
Se tiras-me a vida e o amor me deixas;
E por sepulcro aceito,
Pois teu peito é de mármore, teu peito.
AMANTE PRESO
Madrigal XV
Anarda, fui primeiro
De teus valentes raios prisioneiro;
Prendeu-me agora o fado,
Às mãos de ũa desgraça castigado;
Tenho pois de prisões dobrado peso;
No corpo preso estou, n'alma estou preso.
SUSPIROS
Madrigal XVI
Quando o fogo se inflama,
Sobe ao Céu natural a nobre chama;
Verás o mesmo efeito,
Divina Anarda, no amoroso peito,
Que em brando desafogo
Sobe o suspiro ardente de meu fogo
A teu luzido rosto; e não me admiro,
Pois é teu rosto Céu, chama o suspiro.
ROSAS DE LISTÕES NO CABELO DE ANARDA
Madrigal XVII
Quando, Anarda, hás formado
As rosas de listões nesse toucado,
Julga meu pensamento
Que produz os listões teu luzimento;
Que para florescer jardim tão belo,
São rosas os listões, Sol o cabelo.
DOUTORAMENTO AMOROSO
Madrigal XVIII
Anarda, o Deus Cupido
Entre as leis de constante
Dá por prêmio luzido
O venturoso grau de sábio amante;
São propinas forçosas
As finezas custosas;
As orações prudentes,
Os rogos eloqüentes;
Sendo Padrinho o agrado;
Doutor o coração, Borla o cuidado.
CONVENIÊNCIAS DO ROSTO, E PEITO
DE ANARDA
Madrigal XIX
Teu rosto por florido
Com belo rosicler se vê luzido;
Teu peito a meus amores
Brota agudos rigores;
Uniste enfim por bens, e penas minhas
No rosto rosas, e no peito espinhas.
AO MESMO
Madrigal XX
Ostentando esplendores,
Teu rosto vivifica mil candores;
Desprezando finezas,
Teu coração congela mil tibezas;
Por frio, e branco enfim chamar se deve
Neve teu coração, teu rosto neve.
ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO
Madrigal XXI
Anarda, que se apura
Como espelho gentil da fermosura,
Num espelho se via,
Dando dobrada luz ao claro dia;
De sorte que com próvido conselho
Retrata-se um espelho noutro espelho.
ANARDA JOGANDO A ESPADILHA
Madrigal XXII
Joga, Anarda formosa,
Espadilha amorosa:
Os Parceiros atentos
Sejam meus pensamentos;
Serão os matadores
Teus, esquivos rigores;
E por maior triunfo
A fermosura o preço,
Amor o trunfo.
TEME QUE SEU AMOR NÃO POSSA
ENCOBRIR-SE
Madrigal XXIII
Não pode, bela ingrata,
Encobrir-se este fogo, que me mata;
Que quando calo as dores,
Teme meu coração que entre os ardores
Das chamas, que deseja,
Meu peito se abra, e minha fé se veja.
DÉCIMAS
ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO
Décima 1
De Anarda o rosto luzia
No vidro, que o retratava,
E tão belo se ostentava,
Que animado parecia:
Mas se em asseios do dia
No rosto o quarto farol
Vê seu lustroso arrebol;
Ali pondera meu gosto
O vidro espelho do rosto,
O rosto espelho do Sol.
2
É da piedade grandeza
Nesse espelho ver-se Anarda,
Pois ufano o espelho guarda
Duplicada a gentileza:
Considera-se fineza
Dobrando as belezas suas,
Pois contra as tristezas cruas
Dos amorosos enleios
Me repete dois recreios,
Me oferece Anardas duas.
3
De sorte que, sendo amante
Da beleza singular,
Posso outra beleza amar,
Sem tropeços de inconstante;
E sendo outra vez triunfante
Amor do peito, que adora
Ũa Anarda brilhadora,
Em dois rostos satisfeito,
Se em um fogo ardia o peito,
Em dois fogos arde agora.
4
Porém depois rigorosa,
Deixando o espelho lustroso,
Oh como fica queixoso,
Perdendo a cópia fermosa!
Creio pois que na amorosa
Lei o cego frechador,
Que decreta único ardor,
Não quis a imagem que inflama,
Por extinguir outra chama,
Por estorvar outro amor.
A UM CUPIDO DE OURO, QUE TRAZIA
PRESO ANARDA NOS CABELOS
Décima 1
Ao Cíprio rapaz, isento,
De Anarda prende o rigor;
E se prende ao mesmo Amor,
Que muito que a um pensamento?
Já no solto luzimento
Já nos olhos sempre amados,
Ali se vêem ponderados,
Vencedores, não vencidos,
Os seus olhos por Cupidos,
Os cabelos por dourados.
2
Se já não foi que o Deus cego
Quer à bela Anarda amar;
Que bem se pode invejar
De um Deus tão divino emprego.
Em feliz desassossego,
Sentindo amorosa brasa,
Parece n'ũa, e noutra asa,
Quando de amante se enleia,
Ouro não, com que se asseia,
Chama sim, com que se abrasa.
3
Creio já que disfarçado
Quer lograr Anarda bela,
E naquele ouro desvela
Luzimentos de um cuidado:
Pois qual Jove namorado
Daquele belo tesouro,
Um, e outro amante louro,
Ambos são no ardor querido,
Jove em ouro convertido,
Convertido Amor em ouro.
LACRE ATREVIDO A ŨA MÃO DE ANARDA
Décima 1
Quando a tanta neve pura
Liquida-se ardor luzente
Solicita o centro ardente
Nessa ardente fermosura;
Oh como nele se apura,
Para que explique meu rogo
De meu pranto o desafogo!
Pois quando o lacre se adverte,
Lágrimas de fogo verte,
Verto lágrimas de fogo.
2
Porém com vário rigor
Essa chama lagrimosa,
Ardendo na mão formosa,
Queima da neve o candor:
Mas em teu peito, que Amor
Nunca o transforma, sujeito,
Logra meu pranto outro efeito;
Pois quando padeço tanto,
Estilo o fogo do pranto,
Não queimo a neve do peito.
EXEMPLOS COM QUE SE CONSIDERA
AMANTE DE ANARDA
Décima 1
Qual Girassol por amante
Solicita o ingrato Sol
Tal meu peito Girassol
O Sol de Anarda brilhante;
E qual no Estio flamante,
Quer Zéfiro, e quer verdor
O prado: quer meu amor,
Abrasado na esquivança,
O verdor de ũa esperança,
O Zéfiro de um favor.
2
Qual o centro natural
Deseja o fogo nocivo,
Qual pretende o mar esquivo
Do rio ameno o cristal,
Tal busca em desejo igual
De Anarda no senhorio,
Que é centro de ardor impio,
Que é mar de cristais brilhante,
De meu peito o fogo amante,
De meu pranto o largo rio.
3
Qual o monte sublimado,
Qual a planta envelhecida;
Esta de folhas despida,
Aquele de cãs nevado;
Querem num, e noutro estado
De Abril o belo horizonte;
Tais querem de Anarda a fronte,
Como Abril de graça tanta,
De meu pensamento a planta,
De minha firmeza o monte.
SONO POUCO PERMANENTE
Décima
Quando, Anarda, o sono brando
Quer suspender meus tormentos,
Condenando os sentimentos,
Os desvelos embargando;
Dura pouco, porque quando
Cuido que em belo arrebol
Estou vendo teu farol,
Foge o sono à cova fria;
Porque lhe amanhece o dia,
Porque lhe aparece o Sol.
COMPARAÇÕES NO RIGOR DE ANARDA
Décima
Quando Anarda me desdenha
Afetos de um coração,
É diamante Anarda? não,
Não diamante, porque é penha;
Penha não, porque se empenha,
Qual Áspid' seu rigor forte;
Áspid' não, que tem por sorte
Ser qual tigre na crueza;
Tigre não, que na fereza
Tem todo o império da Morte.
ROSTO DE ANARDA
Décima
O Sol em belos ensaios,
Por representar-se belo
Com luminoso desvelo
De teu rosto aprende os raios;
De teu rosto os lindos
Maios Únicas luzes apura
Com qualquer beleza pura,
De sorte que no arrebol
É fermosura do Sol,
Brilha Sol da fermosura.
CRAVO NA BOCA DE ANARDA
Décima
Quando a púrpura fermosa
Desse cravo, Anarda bela,
Em teu céu se jacta estrela,
Senão luzente, olorosa;
Equivoca-se lustrosa,
(Por não receber o agravo
De ser nessa boca escravo)
Pois é, quando o cravo a toca,
O cravo, cravo da boca,
A boca, boca de cravo.
ROSA NA MÃO DE ANARDA ENVERGONHADA
Décima
Na bela Anarda ũa rosa,
Brilhando desvanecida,
Padeceu por atrevida
Menoscabos de fermosa:
Porém não, que vergonhosa
Com mais bela galhardia
Do que era d'antes, se via;
Pois quando se envergonhava,
Mais vermelha se jactava,
Mais fermosa se corria.
COMPARAÇÃO DO ROSTO DE MEDUSA
COM O DE ANARDA
Décima
Contra amorosas venturas
É de Medusa teu rosto,
E por castigo do gosto
São cobras as iras duras;
As transformações seguras
Acharás em meus amores;
Pois ficando nos ardores
Todo mudado em finezas,
Sou firme pedra às tristezas,
Sou dura pedra aos rigores.
COMPARAÇÃO DOS GIGANTES COM
OS PENSAMENTOS AMOROSOS
Décima
Ao Céu de Anarda lustroso
Com montes de vãos intentos
Subiram meus pensamentos
Gigantes, no ardor queixoso;
Fulminou logo o penoso
Castigo de desfavores
Apesar de altos primores;
Que em merecidos desmaios
Seus rigores foram raios
Etnas foram meus ardores.
ECO DE ANARDA
Décima
Entre males desvelados,
Entre desvelos constantes,
Entre constâncias amantes,
Entre amores castigados,
Entre castigos chorados,
E choros, que o peito guarda,
Chamo sempre a bela Anarda;
E logo a meu mal, fiel,
Eco de Anarda cruel
Só responde ao peito que Arda.
REDONDILHAS
ANARDA AMEAÇANDO-LHE A MORTE
Redondilhas
Ameaças o morrer:
Como morte podes dar,
Se estou morto de um penar,
Se estou morto de um querer?
Mas é tal essa fereza,
Que quer dar a um fino amor
Ũa morte com rigor,
Outra morte co'a beleza.
E com razão prevenida
Quis duplicar esta sorte,
Que a pena daquele é morte,
Que a glória daquela é vida.
Da morte já me contento,
Se por nojo de mal tanto
Derrames um belo pranto,
Formes um doce lamento.
Tornarás meu peito ativo
Com tão divino conforto,
Se ao rigor da Parca morto,
Por glória do pranto vivo.
De teu rigor aplaudidas
Serão piedosas grandezas;
Por que te armes mais ferezas,
Por que te entregue mais vidas.
Quando teu desdém se alista,
Impedes o golpe atroz;
Pois quando matas co'a voz,
Alentas então co'a vista.
Confunde pois a nociva
Impiedade, que te exorta,
A um tempo ũa vida morta,
A um tempo ũa morte viva.
De teu rigor os abrolhos
Se rompem da vida os laços,
Hei de morrer em teus braços,
Hei de enterrar-me em teus olhos.
QUE HÁ DE SER O AMOR UM SÓ
Redondilhas
Uma alma do abrasador
Frecheiro é gloriosa palma;
Quem pois sacrifica ũa alma,
Deve adorar um Amor.
Rende Amor por majestade
Do entender a excelência,
Da memória a persistência,
A inclinação da vontade.
Prendem belas sujeições
O coração nos ardores;
Quem pois cria dois amores,
Há mister dois corações.
Inconstante há de lograr
Dois fogos, por mais que anele:
Pois quando cuida naquele,
Neste já deixa de amar.
Inteiro amante não é,
Que no florido primor,
Partida a flor, não é flor,
Partida a fé, não é fé.
Amor é Sol no sujeito
Que belos incêndios cria;
E se brilha um Sol no dia,
Um amor brilhe no peito.
Veneno amor é julgado;
Mate pois, quando o condeno,
Se um veneno, outro veneno,
Um cuidado, outro cuidado.
Há de ser no coração
Um, ou outro emprego belo,
Agrado sim, não desvelo,
Faísca sim, chama não.
Venero enfim, se avalio
Entre muitos um desejo,
Muitas damas no cortejo,
Ũa Anarda no alvedrio.
QUE O AMOR HÁ DE SER DESCOBERTO
Redondilhas
Se brilha um fogo luzido,
(O mesmo no Amor é certo)
Arder não pode encoberto,
Luzir não pode escondido.
Se é raio Amor, rompa o medo,
Quando os sentidos inflama,
Patenteie a luz da chama,
Rasgue a nuvem do segredo.
Se quando a beleza adora,
Qual harmonia se estuda;
Nunca a harmonia foi muda,
Sempre a harmonia é sonora.
Atreva-se o Amor constante
A publicar o que sente;
Não desmaie, se é valente,
Não se encolha, se é gigante.
Se brilha qual perla, ou rosa,
Nunca estimações ordena,
No botão a rosa amena,
Na concha a perla fermosa.
Cupido n'afeição louca
Este intento há persuadido;
Os olhos cerra Cupido,
Não cerra Cupido a boca.
Se Amor de ave tem a empresa,
Quando o encerra algum desprezo
Por violência vive preso,
Porém não por natureza.
Quando Amor se mostra, é certo
Que, como se vê despido,
Não se encobre Amor vestido,
Mostra-se Amor descoberto.
Anarda pois, no Amor ledo,
Por mais que silêncios gozes,
Se o cala o medo das vozes,
Dizem-no as vozes do medo.
ROMANCES
ANARDA PASSANDO O TEJO EM UMA BARCA
Romance 1
O Cristal do Tejo Anarda
Em ditosa barca sulca;
Qual perla, Anarda se alinda,
Qual concha, a barca se encurva.
Se falta o vento, Cupido
Batendo as asas com fúria,
Zéfiro alenta amoroso,
Aura respira segura.
Aumenta o Tejo seus logros,
Que com tanta fermosura
Cristal em seu colo bebe,
Ouro em seu cabelo usurpa.
Se bem nas águas copiado,
Ali se viam confusas
Ondas de ouro no cabelo,
E do cristal ondas puras.
Já deixa o nome de rio,
Oceano se assegura,
Pois a branca Tétis logra,
Pois o claro Sol oculta.
Corta o aljofre escumoso,
Que como Vênus se julga,
Ufano se incha o aljofre,
Cândida se ri a escuma.
De seus olhos foge o rio,
Que pois nele a vista ocupa,
Evitar seus olhos trata,
Fugir às chamas procura.
Logrando o cabelo a barca,
(Se bem feliz, o não furta)
Um por véu de ouro se jacta,
Outra por Argo se inculca.
Ardem chamas n'água, e como
Vivem das chamas, que apura,
São ditosas Salamandras
As que são nadantes turbas.
Meu peito também, que chora
De Anarda ausências perjuras,
O pranto em rio transforma,
O suspiro em vento muda.
ANARDA DOENTE
Romance II
Anarda enferma flutua,
E quando flutua enferma,
Jaz doente a fermosura,
Está fermosa a doença.
Se nela a doença triste
Bela está, que será nela
De tanta graça o donaire!
De tanta luz a beleza!
Se o mal é sombra, ou eclipse,
É pensão das luzes certa,
Que ao Céu uma sombra aspire,
Que ao Sol um eclipse ofenda.
Cruéis prognósticos vejo,
Pois são ameaças feras,
O Sol entre eclipses pardos,
O Céu entre nuvens densas.
Quando as belas flores sentem
De Anarda a grave tristeza,
Digam-no as rosas na face,
Digam-no os jasmins na testa.
Faltam flores, faltam luzes,
Pois ensina Anarda bela
Lições de flores ao Maio,
E leis de luzes à Esfera.
As almas se admiram todas
Em repugnâncias austeras,
Vendo enferma a mesma vida,
Vendo triste a glória mesma.
Desdenhado Amor se vinga,
Se n'ânsia a febre a condena;
Pois qual ânsia amor se forja,
Pois qual febre amor se gera.
Basta já, Frecheiro alado,
Bate as asas, solta a venda;
Do rosto o suor lhe alimpa,
Do peito o ardor refresca.
Vem depressa, Amor piedoso
Que te importa, pois sem ela
Em vão excitas as chamas,
Em vão despedes as setas.
Mas não teme a morte Anarda,
Que se ũa morte a cometa,
Com mil almas se defende,
Com mil corações se alenta.
De mais sim que nunca a Parca
Contra Anarda se atrevera,
Que contra as frechas da Morte
Fulmina de Amor as frechas.
ANARDA SANGRADA
Romance III
É bem que desate Anarda
De tanto sangue os embargos;
Sendo o sangue rio alegre,
Sendo Anarda Abril galhardo.
Ensina no braço, e sangue
Com branco, e purpúreo ensaio,
A ser neve à mesma neve,
A ser cravo ao mesmo cravo.
Se bem num, e noutro efeito,
Faz Amor milagre raro;
Pois a neves une rosas,
Pois Dezembros une a Maios.
Se Anarda é vida de todos,
E o sangue à vida comparo:
Tantas vidas vai perdendo,
Quantos corais vai brotando.
Pára um pouco, e como teme
De haver dado morte a tantos,
Ficava presa à corrente,
Ficava sem sangue o braço.
E não mata a sangue frio,
Se com sangue está matando;
Pois aviva mil ardores,
Pois abrasa mil cuidados.
A sangue, e fogo publica
Guerra a meu peito abrasado;
A sangue em corais vertidos,
A fogo em olhos tiranos.
Corre o sangue, porque dizem
Que está corrido, admirando
Do rosto o carmim confuso,
Da boca o nácar rasgado.
ANARDA CHORANDO
Romance IV
Se o mar da beleza temes,
Alerta, amoroso peito,
Alije-se uma esperança,
Amaine-se um pensamento.
Tempestades lagrimosas
Te provocam os receios;
Pois vejo o dia nublado,
Pois não vejo o Céu sereno.
Porém não temas, covarde,
Que na cor do rosto belo
Navego em maré de rosas,
Em um mar leite navego.
Mas inda naqueles olhos
Fatal prodígio me temo;
Quem viu água em brasas duas?
Quem viu chuva em dois luzeiros?
Não são piedade os suspiros,
Nem seu pranto, pois é certo
Brotar chamas ũa pedra,
Abrir fontes um rochedo.
Se são Astros, que me influem,
Amor, com razão receio
Impiedades nos cuidados,
Infortúnios nos desejos.
Vai a meu peito, e seus olhos
Pelo amor, pelo tormento
Da vida os fios cortando,
Do pranto os fios vertendo.
Naquelas águas Cupido,
Por avaro, e por severo,
Das chamas excita a sede,
Das setas amola o ferro.
E quando as lágrimas param
Nas gentis faces, pondero
Que se faz rubi, parando,
O que era aljofre correndo.
ANARDA COLHENDO NEVE
Romance V
Colhe a neve a bela Anarda,
E nos peitos incendidos
Contra delitos de fogo
Arma de neve castigos.
Na brancura, na tibieza
Tem dois triunfos unidos;
Vence a neve à mesma neve,
Vence o frio ao mesmo frio.
Congela-se, e se derrete
De sorte, que em branco estilo
A um desdém se há congelado
A dois sóis se há derretido.
Se não é que os candores
Daquela neve vencidos,
Liquidam-se pranto a pranto,
Lastimam-se fio a fio.
As mãos escurecem tanto
A neve, que em pasmos lindos
O que era prata chuvosa,
Ficava azeviche tíbio.
A seu Sol suspiros voam,
E tornam por atrevidos,
Como exalações do peito,
Em nevados desperdiços.
Da neve tiros me vibra,
E felizmente imagino
Que não são tiros de neve,
Que são mãos de Anarda os tiros.
Frustra a neve seus efeitos,
Que me tinham defendido,
De Anarda o Sol luminoso,
De Amor o fogo nocivo.
ANARDA CINGINDO UMA ESPADA
Romance VI
Varonilmente arrogante
Anarda se considera,
Já na fereza da espada,
Já na espada da fereza.
Em dois assombros unidas,
Duas Deusas se vêem nela;
Fermosa Vênus se aclama,
Armada Palas se ostenta.
Não é muito que valente
Se preze, pois sempre altera,
Valentias no donaire,
Valentias na beleza.
Quis aumentar os rigores;
Por que matasse soberba,
Já da beleza nas luzes,
Já do ferro nas violências.
Porém parece frustrado,
Se o mortal ferro se empenha;
Porque quando esgrime o ferro,
Já deu morte à gentileza.
Porém quando mata os peitos,
Que ressuscitam de vê-la,
Noutra morte os ameaça,
Noutra vida os atropela.
Se já não é, que cingindo
Dura espada, representa
Da beleza a guerra dura,
Que a beleza é dura guerra.
Armada do agrado, e ferro,
Um, e outro brio aumenta,
Sendo mais que armada amada,
Mais que belicosa bela.
Desigual c'o Deus menino
Se arma, ela a luz, ele a venda,
Ela ornada, ele despido,
Ela a espada, Amor a frecha.
Volta
Deixa as armas, lhe disse,
Cruel, atenta
Que nas luzes fulminas
Armas mais feras.
Se é para render vidas,
As armas deixa;
Todo o peito a teus olhos
A vida entrega.
De ponto em branco armada
Sempre te asseias,
De ponto a boca em branco
A fronte amena.
ANARDA VISTA DE NOITE
Romance VII
Contra os impérios da noite
Anarda bela se vê,
Que ta noite mal podia
A tantos sóis ofender.
Oh como a noite se queixa
Contra a brilhadora lei!
Pois rompem seu privilégio,
Pois revogam seu poder.
Só nisto noite parece,
Que em seu rosto, olhos cruéis,
Cândida Lua descobre,
Luzidas estrelas tem.
Se no inferno condenada
Habita a noite infiel;
Como pode a noite infausta
A glória de Anarda ver?
Se conduz a noite o sono,
Não pode permanecer,
Que Anarda embarga o repouso,
Que Anarda desvela a fé.
Se a noite afeta silêncios,
Não pode silêncios ter;
Porque em queixa lastimosa
Clama o suspiro fiel.
Se borrifa águas de Letes,
Não pode o Letes verter;
Pois dela se acordam todos,
Dela se esquece ninguém.
Deixa Anarda tantas luzes,
Que inda a noite em seu temer
Oculta Anarda, se encolhe,
Ausente o Sol, se detém.
ANARDA SAINDO FORA
Romance VIII
Alerta peitos, alerta,
Que sai a gentil Anarda,
Aquele acinte das rosas,
Aquele arrufo das graças.
Desafia a todo o peito,
Ilustremente alentada,
Tendo a graça valentona,
Tendo a beleza fidalga.
Ostenta com dois motivos,
Mui soberba, mui bizarra,
O seu brio à Portuguesa,
O seu pico à Castelhana.
Com seus olhos de azeviche,
Com sua flórida cara
Aos astros dá belas figas,
Aos jasmins faz muitas raivas.
Mostrando-se mui senhora,
Aos escravos peitos dava
De um menosprezo as injúrias,
De um rigor as bofetadas.
Ao mesmo tempo se juntam
Na fermosura adorada
Os rigores de Quaresma
Entre alegrias de Páscoa.
Estocadas dá de penas,
De amores fulmina balas,
Se as graças desembainha,
Se os resplandores dispara.
Nas mangas de holanda bela
Contra Amor rebelde se arma;
Por Holanda a holanda vejo,
Por mangas receio as mangas.
Castigando-a por traidora
O Rei menino, formava
O cadafalso do colo,
O degolado da gala.
É Céu a beleza sua,
Quando o manto se adornava,
Servindo o manto de glória,
Servindo a garça de graça.
VERSOS VÁRIOS QUE PERTENCEM AO PRIMEIRO CORO DAS RIMAS PORTUGUESAS ESCRITOS A VÁRIOS ASSUNTOS
À MORTE FELICÍSSIMA DE UM JAVALI
PELO TIRO, QUE NELE FEZ ŨA INFANTA
DE PORTUGAL
Soneto I
Não sei se diga (oh bruto) que viveste,
Ou se alcançaste morte venturosa;
Pois morrendo da destra valorosa,
Melhor vida na morte mereceste.
Esse tiro fatal, de que morreste,
Em ti fez ũa ação generosa,
Que entre o fogo da pólvora ditosa
Da nobre glória o fogo recebeste.
Deves agradecer essa ferida,
Quando esse tiro o coração te inflama,
Pois a maior grandeza te convida:
De sorte, que te abriu do golpe a chama
Uma porta perpétua para a vida,
Ũa boca sonora para a fama.
A UM GRANDE SUJEITO INVEJADO,
E APLAUDIDO
Soneto II
Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a Névoa, a Mariposa,
Sobe ao Sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.
Castigada, desfeita, malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplandor, à luz fermosa,
Cai triste, fica vã, morre abrasada.
Contra vós solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte ódio, rumor falso, inveja fera.
Esta cai, morre aquele, este não dura,
Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
Claro Sol, dia cândido, luz pura.
A FREI JOSÉ, RELIGIOSO DESCALÇO,
PREGANDO NA FESTA DE SÃO JOSÉ
Soneto III
Hoje, José, vosso discurso aclama
Do Divino José sacros primores;
E vós ganhando aplauso em seus louvores,
Por um José outro José se afama:
Um, e outro José maior se chama,
Ele dos Santos, vós dos Pregadores;
E o nome de José obra melhores
Nele aumentos de graça, em vós de fama.
Com tanta discrição, assombro tanto
Vosso discurso seu louvor provoca,
Que vossa boca infunde doce encanto:
E para ser perfeita no que toca,
Se fala vossa boca em José Santo,
Fala o Santo José por vossa boca.
A AFONSO FURTADO RIOS E MENDONÇA
SAINDO DO PORTO DE LISBOA A GOVERNAR
O ESTADO DO BRASIL, EM OCASIÃO
TEMPESTUOSA, HAVENDO DEPOIS
BONANÇA NOS MARES
Soneto IV
Entre horrores cruéis do crespo vento
Cortais, Afonso, o pélago arrogante,
Vós constante no brio, ele inconstante,
Ele em frio cristal, vós no ardimento.
Se nos conflitos do Mavórcio intento
Marte vos respeitou sempre triunfante,
Venceis no mar de um Deus o Reino errante,
E na terra de um Deus o forte alento.
Perde Netuno as iras obediente,
Ou entrega seus cerúleos senhorios,
Afonso invicto, a vosso braço ardente,
E por glória maior de vossos brios
Prostra ao vosso Bastão o seu Tridente,
Obedece seu mar a vossos Rios.
AO MESMO SENHOR, ENTRANDO
NO PORTO DA BAHIA NA MESMA OCASIÃO
TEMPESTUOSA, HAVENDO ANTES
BONANÇA NOS MARES
Soneto V
Nos marítimos reinos imperioso
Éreis do Rei Netuno obedecido,
Com vosso ilustre jugo enobrecido,
Inchado o mar se viu por venturoso.
Tétis já vos queria para esposo,
Anfitrite vos tem favorecido;
Prendia amor ao Bóreas atrevido,
E desatava ao Zéfiro amoroso.
Mas sabendo Netuno o vosso cargo,
Vossa ausência previu, e no Hemisfério
Borrascas move com tormento amargo:
Pois sente que com fácil vitupério
Deixeis de seu cristal o império largo,
E da terra busqueis o novo Império.
À MORTE DO DESEMBARGADOR JERÔNIMO
DE SÁ E CUNHA
Soneto VI
Ministro douto, afável, comedido,
Discreto, pio, reto, e respeitado,
Foste de todos igualmente amado,
Como foste de todos bem sentido.
Morreste; porém cuido persuadido
Que não morreste não, porque lembrado
Vives nos corações tão retratado,
Como se nunca foras fenecido.
Inda que contra nós a Parca corte
Os teus fios vitais por despedidas,
Não temas de que acabes dessa sorte;
Antes entre memórias repetidas,
Se ũa vida perdeste em ũa morte,
Nos corações cobraste muitas vidas.
AO ASTROLÁBIO INVENTADO, E FABRICADO
PELO ENGENHO DO REVERENDO PADRE
MESTRE JACOBO ESTANCEL, RELIGIOSO
DA COMPANHIA
Soneto VII
Artífice engenhoso da escultura,
Famoso Mestre da cerúlea via,
Que quanto discorreis na Astrologia,
Tudo fácil fazeis na Arquitetura;
Neste Astrolábio a fama vos segura,
Que pouco se há mister ver meio o dia,
Que no Zênite está da mor valia,
Quando a ciência luz na mor Altura.
Tomais o Sol com pensamento leve;
Dédalo sábio o Mundo vos aclama,
Quando invento tão raro se vos deve.
E quando vosso nome mais se afama,
Sendo a terra a seus vôos orbe breve,
Tomais o Sol por orbe à vossa fama.
AO GENERAL JOÃO CORREIA DE SÁ
VINDO DA ÍNDIA
Soneto VIII
Quem vos vê sem tropeços de inconstante,
Quem vos trata sem notas de invejoso,
Vos rende o coração por amoroso,
Vos tributa a vontade por amante.
Na Plaga Oriental será constante
A fama em vosso nome generoso;
Que são vossas empresas, Sá famoso,
Melhores asas a seu vôo errante.
Entre o laço de afável senhorio
Correia sois enfim, que a quem vos ama,
A vontade lhe atais, sem ter desvio.
Sá sois: e quando o Mundo vos aclama,
Preservais com o sal de vosso brio
Da corrupção dos tempos vossa fama.
À VIDA SOLITÁRIA
Soneto IX
Que doce vida, que gentil ventura,
Que bem suave, que descanso eterno,
Da paz armado, livre do governo,
Se logra alegre, firme se assegura!
Mal não molesta, foge a desventura,
Na Primavera alegre, ou duro Inverno,
Muito perto do Céu, longe do Inferno,
O tempo passa, o passatempo atura.
A riqueza não quer, de honra não trata,
Quieta a vida, firme o pensamento,
Sem temer da fortuna a fúria ingrata:
Porém atento ao rio, ao bosque atento,
Tem por riqueza igual do rio a prata,
Por aura honrosa tem do bosque o vento.
AO CRAVO
Soneto X
Quando rei dos floridos esplendores,
Te reconhece Abril, te aclama o prado,
Em sólio de esmeralda entronizado,
Da púrpura tivestes os primores.
Luzes qual Sol entre Astros brilhadores,
Se bem Rei mais propício, e mais amado;
Que ele estrelas desterra em régio estado,
Em régio estado não desterras flores.
Porém deixa a soberba, que te anela
Essa fragrância, essa beleza culta,
Pois somente em queimar-te se desvela:
Que se teu luzimento mais se avulta,
Esse alento, que exala, é morte bela,
Essa grã, que se veste, é chama oculta.
À AÇUCENA
Soneto XI
Quando alentas por glória do sentido
O fermoso candor, que Abril enflora;
Não te aplaude, Açucena, a linda Flora,
Nevada estrela sim no Céu florido.
Entre aplausos do adorno embranquecido,
Quando ao prado amanhece a bela Aurora,
No luminos'Oriente ũa Alva chora,
Outra Alva nasce no jardim luzido.
Teme o fim, flor ufana, que a temê-lo
A própria fermosura te convida,
Que há de abrasar-se no solar desvelo:
Porque aos raios do sol pouco advertida,
Neve te julgo já no candor belo,
Neve te julgo já na frágil vida.
CONTRA OS JULGADORES
Soneto XII
Que julgas, ó Ministro de Justiça?
Por que fazes das leis arbítrio errado?
Cuidas que dás sentença sem pecado?
Sendo que algum respeito mais te atiça.
Para obrar os enganos da injustiça,
Bem que teu peito vive confiado,
O entendimento tens todo arrastado
Por amor, ou por ódio, ou por cobiça.
Se tens amor, julgaste o que te manda;
Se tens ódio, no inferno tens o pleito,
Se tens cobiça, é bárbara, execranda.
Oh miséria fatal de todo o peito!
Que não basta o direito da demanda,
Se o Julgador te nega esse direito.
A UM CLARIM TOCADO NO SILÊNCIO
DA NOITE
Soneto XIII
Quando em acentos plácidos respiras,
Por modo estranho docemente entoas,
Que estando imóvel, pelos ares voas,
E inanimado, com vigor suspiras.
Da saudade cruel a dor me inspiras,
Despertas meu desejo, quando soas,
E se ao silêncio mudo não perdoas,
De minha pena o mesmo exemplo tiras.
Sentindo o mal de um padecido rogo,
Com que Nise se opõe a meu lamento,
Pretendes respirar-me o desafogo:
Mas contigo é diverso o meu tormento;
Que eu sinto de meu peito o ardente fogo,
Tu gozas de teu canto o doce vento.
À MORTE DO REVERENDO PADRE
ANTÔNIO VIEIRA
Soneto XIV
Fostes, Vieira, engenho tão subido,
Tão singular, e tão avantajado,
Que nunca sereis mais de outro imitado,
Bem que sejais de todos aplaudido.
Nas sacras Escrituras embebido,
Qual Agostinho, fostes celebrado;
Ele de África assombro venerado,
Vós de Europa portento esclarecido.
Morrestes; porém não; que ao
Mundo atroa Vossa pena, que aplausos multiplica,
Com que de eterna vida vos coroa;
E quando imortalmente se publica,
Em cada rasgo seu a fama voa,
Em cada escrito seu ũa alma fica.
À MORTE DE BERNARDO VIEIRA RAVASCO,
SECRETÁRIO DO ESTADO DO BRASIL
Soneto XV
Idéia ilustre do melhor desenho
Fostes entre o trabalho sucessivo,
E nas ordens do Estado sempre ativo
Era o zelo da Pátria o vosso empenho.
Ostentastes no oficio o desempenho
Com pronta execução, discurso vivo,
E formando da pena o vôo altivo,
Águia se viu de Apolo o vosso engenho.
Despede a morte, cegamente irada,
Contra vós ia seta rigorosa,
Mas não vos tira a vida dilatada:
Que na fama imortal, e gloriosa,
Se morrestes como Aguia sublimada,
Renasceis como Fênix generosa.
PONDERAÇÃO DA MORTE DO PADRE
ANTÔNIO VIEIRA, E SEU IRMÃO BERNARDO
VIEIRA AO MESMO TEMPO SUCEDIDAS
Soneto XVI
Criou Deus na celeste Arquitetura
Dois luzeiros com giro cuidadoso,
Um que presida ao dia luminoso,
Outro que presidisse à noite escura.
Dois luzeiros também de igual ventura
Criou na terra o Artífice piedoso;
Um, que foi da Escritura Sol famoso,
Outro, Planeta da ignorância impura.
Brilhando juntos um e outro luzeiro,
Com sábia discrição, siso profundo,
Não podia um viver sem companheiro.
Sucedeu justamente neste Mundo,
Que fenecendo aquele por primeiro,
Este também feneça por segundo.
A UM ILUSTRE EDIFÍCIO DE COLUNAS, E ARCOS
Soneto XVII
Essa de ilustre máquina beleza,
Que o tempo goza, e contra o tempo atura;
É soberbo primor da arquitetura,
É pródigo milagre da grandeza.
Fadiga da arte foi, que a Natureza
Inveja de seus brios mal segura;
E cada pedra, que nos Arcos dura,
É língua muda da fatal empresa.
Não teme da fortuna os vários cortes,
Nem do tempo os discursos por errantes,
Arma-se firme contra as leis das sortes.
Que nas colunas, e Arcos elegantes,
Contra a fortuna tem colunas fortes,
Contra o tempo fabrica Arcos triunfantes.
A DOM JOÃO DE LANCASTRO, NA OCASIÃO
DO INCÊNDIO DO MOSTEIRO, E IGREJA DE
SÃO BENTO EM LISBOA, FAZENDO-SE
MENÇÃO DE SE LIVRAR DO NAUFRÁGIO
DA BARRA DA BAHIA
Soneto XVIII
Arde o templo com fogo furibundo,
É tudo confusão, e teme a gente;
E todo o inferno se conjura ardente,
Para abrasar o templo no profundo.
Contra Lusbel, e seu poder imundo
Vos arrojais Católico e valente.
E abraçado co'a Virgem felizmente,
Livrastes de um eclipse ao Sol do Mundo.
Pagando a Virgem vossa fé ditosa,
Vendo-vos perigar no mar irado,
Vos livra agradecida, e generosa.
Em ambos fica o empenho executado;
Ela vos livra da água procelosa,
Vós a livrais do fogo conjurado.
AO MESMO SENHOR, TRAZENDO A IMAGEM
DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA, DESDE O
SEU TEMPLO ATÉ O MOSTEIRO DE SÃO
BENTO, SEM A LARGAR DE SEUS OMBROS
Soneto XIX
Com generoso brio o forte Atlante
(Sem recear do Céu o peso urgente)
Toma sobre seus ombros firmemente
Do céu superno o peso rutilante.
Vós também com primor da Fé constante
Tomais em vossos ombros reverente
O Céu claro da Virgem preminente:
Que tem muito valor um peito amante.
Porém sois mais que Atlante esclarecido,
Que ele de Alcides pede a fortaleza
Para largar-lhe o Céu, como oprimido:
Diga a Fama que em ũa, e outra empresa
Ele largou o Céu, enfraquecido,
Vós sustentais o Céu, sem ter fraqueza.
AO MESMO SENHOR, MANDANDO A SEU
FILHO DOM RODRIGO DE LANCASTRO
PARA A ÍNDIA
Soneto XX
Mandastes vosso filho desejado
Aos perigos do pélago espantoso,
Porém Tétis, amando o gesto airoso,
Fará que nunca o mar seja alterado.
Nesta ausência cruel, avantajado
No serviço Real, por generoso,
Abalo vos não faz o amor queixoso,
Nem vos perturba o sangue magoado.
Vosso peito fiel ao Rei descobre
Que sois varão de ilustre fortaleza,
Para que com valor virtudes obre.
Pois em vós com plausível inteireza
É mais forte que o filho a Pátria nobre,
Mais o afeto leal, que a natureza.
AO NASCIMENTO DO PRÍNCIPE
NOSSO SENHOR
Soneto XXI
De um Régio tronco, de uma Régia rama,
Qual ramo nasces, e qual flor respiras;
E porque a todos singular prefiras,
Áustria te alenta, Portugal te inflama.
O Monstro alado no seu templo aclama
Futuras obras, a que tanto aspiras;
Que inda, quando entre lágrimas suspiras,
Geme o mar, treme a terra, voa a fama.
De Lísia tomarás o cetro honroso
E te verás na sacrossanta guerra
Absoluto Monarca glorioso.
A teu valor, que a tenra idade encerra,
Prometem para Império poderoso,
Marte o esforço, o mar Tétis, Jove a terra.
À MORTE DA SENHORA RAINHA DONA MARIA
SOFIA ISABEL, ALIVIADA COM A VIDA DOS
SENHORES PRÍNCIPES, E INFANTES
Soneto XXII
Sai o Sol dos crepúsculos do Oriente,
E começando em lúcidos ensaios,
Representa depois ardentes raios
No teatro do Pólo refulgente.
Chega depois ao Ocaso, e quando sente
(Bem que a seu resplandor floresçam Maios)
Na vida, que ostentou, mortais desmaios,
Os Astros ficam pelo Sol ausente.
Assim também alívios semelhantes
Deixa este Sol aos olhos nunca enxutos
Dos corações dos Lusos sempre amantes:
Porque nos deixa, sendo noite os lutos,
Nas Régias prendas Astros rutilantes,
Que sejam de seus raios substitutos.
OITAVAS
PANEGÍRICO
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
MARQUÊS DE MARIALVA,
CONDE DE CANTANHEDE,
NO TEMPO QUE GOVERNAVA
AS ARMAS DE PORTUGAL
Oitavas
Agora, Aquiles Lusitano, agora,
Se tanto concedeis, se aspiro a tanto,
Deponde um pouco a lança vencedora,
Inclinai vossa fronte ao rude canto:
Se minha veia vossa fama adora,
Corra em Mavórcio, corra em sábio espanto,
Cheia de glória, de Hipocrene cheia,
No Mundo a fama, no discurso a veia.
II
Vós, Ramo ilustre de ũa excelsa planta,
Sua genealogia Que em fecunda virtude enobrecida,
Entre os Troncos mais altos se levanta,
Donde Grande na estirpe, no valor crescida:
descendem Tão nobre sempre, que em nobreza tanta,
os Meneses Com água não, com sangue foi nascida,
Da Infanta heróica; dando em tempos muitos
De espadas folhas, de vitórias fruitos.
III
Escassamente quinze Maios eram,
Que abrem do tenro buço os resplandores,
começou a Quando logo no peito vos alteram
ensaiar-se na Guerreira propensão vossos Maiores:
guerra com Venatório exercício pretenderam
o exercício da Vossos brios, se verdes superiores,
caça Vendo em desejos de tratar escudos
De Cíntia agrados não, de Marte estudos.
IV
Quantas vezes o bruto generoso,
Que em virtude do impulso soberano
Alterna as plantas gravemente airoso,
Correndo Move a carreira loucamente ufano;
a cavalo Seguia ao cervo, que de vós medroso,
Asas lhe dava aos pés o próprio dano,
De sorte que seguiu no mesmo alento,
Não bruto ao bruto, porém vento ao vento.
V
Entre os ócios da paz já valoroso
Ostentáveis, Senhor, ao mesmo instante
No peito denodado, e gesto airoso,
Alentado valor, belo semblante;
De sorte pois, que em gênio belicoso,
De sorte pois, que em gentileza amante,
Unindo as prensas de ũa, e outra sorte,
Éreis galhardo Heitor, Narciso forte.
VI
Na manhã tenra da florida idade,
Onde se ofusca a luz do entendimento,
Com névoas de apetites a vontade,
Com nuvens de loucura o pensamento:
Sua mocidade, Na manhã tenra enfim a claridade
e prudência Da prudência mostráveis sempre atento,
Qual dia belo, que em manhã celeste
Não se orna nuvens, não; raios se veste.
VII
Quando vosso primor alimentava
Os doutos partos do sutil juízo,
Lusitânia feliz vos aclamava,
Entre verde saber maduro siso:
Sua ciência na Lusitania feliz vos admirava,
Mesma idade Quando entre ostentações de sábio aviso
Frutificava em prevenido abono
Na verde Primavera o rico Outono.
VIII
Quando a Pátria sujeita se rendia
Do Castelhano Império à força crua,
Oh como infelizmente se afligia,
Restauração de Fúnebre, triste, desmaiada, nua!
Portugal, em Depois isenta da violência impia,
que teve grandes Despindo as dores da tristeza sua
parte o Senhor amou-se no ardor de vossa espada
Marquês Festiva, alegre, valorosa, ornada.
IX
Descingindo da fronte belicosa
As verdes folhas da Arvore funesta,
Dourando a nuvem d'ânsia lastimosa,
O pranto serenou da mágoa infesta:
Ao mesmo Adornada escarlata generosa,
Entre a voz popular da heróica festa
Juntou, prevendo o forte, e fausto agouro,
Na mão a espada, na cabeça o louro.
X
Roma já não se jacte por ufana
De Cúrcio o arrojo, na lealdade pio,
Não solenize já por soberana
De Fábio a testa, de Marcelo o brio:
Ao mesmo Pois logra em vós a gente Lusitana,
Pois em vós com mais crédito avalio,
(Unindo três Heróis neste desvelo)
Outro Cúrcio, outro Fábio, outro Marcelo.
XI
Vendo o frecheiro Deus que valoroso
Vosso peito se opunha ao fogo ativo,
Himeneu vos prendeu por amoroso,
Cupido vos frechou por vingativo:
Seu casamento Sendo vós igualmente amante airoso,
Vós logrando igualmente esforço altivo,
Se ornou no forte ardor, na doce chama
Mavorte o Mirto, Citeréia a grama.
XII
Diga este Amor aquela Aurora, aquela
Descendente do Herói, que em brio tanto
À Senhora Brilhando em seu valor invicta estrela,
Marquesa de De Lisia glória foi, d'Africa espanto:
Marialva com Oh como agora se publica nela,
que casou o Se a honestidade, se a beleza canto,
Senhor Marquês Marialva por ilustre simpatia
É de virtudes mar, e Alva do dia!
XIII
Quando vos elegeu supremo Aluno
(Elvas opressa) a Pátria vacilante,
Entre Soldado Capitão, vos uno,
General das O bastão nobre, a espada fulminante:
armas contra o Quando rios de sangue vê Netuno,
sítio de Elvas Pareceu um purpúreo, outro arrogante,
De Lísia o Reino, do Oceano o espelho
Por Arábia Feliz, por Mar Vermelho.
XIV
Campou de Lísia a Flor por renascida,
Murchou a Flor de Ibéria por cortada;
Aquela está no campo esclarecida,
Esta fica no campo desmaiada,
Ao mesmo A campanha parece florescida,
Sendo no duro Inverno maltratada:
Porque tinta em correntes sanguinosas
De cravos se vestiu, se ornou de rosas.
XV
Ostentando no sítio heroicamente,
Excessos de valor Cipião famoso,
Ulisséia ficou Roma potente,
O Tejo pareceu Tibre glorioso;
E com tantos aplausos excelente
Mostrastes por assombro generoso
Na sorte alegre, no valor impio
Modesto o coração, prudente o brio.
XVI
Marquês vos honra o generoso Atlante,
Se do Céu não, da Lusitana terra,
Sexto Afonso, que em armas fulminante
El-rei D. Afonso Fez invicto o valor na justa guerra:
VI lhe dá o títilo Não foi por desempenho, porque amante
de Marquês Pagara o esforço, que esse braço encerra,
Se Afonso fora no valor profundo
Não Rei de um Reino, não; Senhor de um Mundo.
XVII
Passando ao Depois seguramente conduzindo
Alantejo com Contra o Príncipe Austríaco insolente
segundo Exército segundo, persuadindo
exército, no Com muda discrição, voz eloqüente:
tempo em que Com a Deidade Estrimônia competindo,
era governador Do Tejo abristes o cristal corrente;
das armas Jacta-se já, pois logra em seu festejo
D. Sancho Se Netuno o Oceano, Marte o Tejo.
Manuel
XVIII
Na campanha do Ibero mal segura
Vosso nome altamente publicado,
Vitória do Ambos vencestes a batalha dura,
Cano, que hoje Sancho guerreiro então, vós respeitado:
se chama de Com vosso nome a palma se assegura
Ameixal Somente pelas vozes de afamado,
Quando Lísia aclamou glórias ufanas,
Sendo Sancho Aníbal, o Cano Canas.
XIX
Outra vez com esforço verdadeiro
Governador No Transtagano império obedecido,
das armas do Mostrastes na Província ânimo inteiro,
Partido do Quando dela tivestes o Partido:
Alantejo. Vitória Valente o peito foi, no ardor guerreiro,
da praça de Alcançando a vitória esclarecido,
Valença (Valença o sabe) que em igual conceito
Valença a Praça foi, valente o peito.
XX
Diga Lísia também a Palma nobre,
Última empresa, da Mavórcia História
Da fama devedora aplausos cobre
Vitória última Quando a fama por vós alcança a glória;
de Montes O nome venturoso o sítio dobre
Claros De Montes Claros na feliz vitória,
Que são da Parca, e Marte os golpes raros
Nos corpos Montes, nas façanhas Claros.
XXI
Cedendo o peito à força sucessiva,
Princípio da Sendo opresso do Ibero o Lusitano,
batalha, em que Retrocede, que a sorte compassiva
os Castelhanos Quis dar um troféu breve ao Castelhano:
se imaginaram Nos bronzes logo o fero ardor se aviva,
vencedores E nos ferros se esgrime o brio ufano,
Armam-se os Lusos mais que duros cerros
Com bronzes bronzes, e com ferros ferros.
XXII
Qual Deidade da Esfera luminosa
Entre vapores pérfidos, consente
Que um pouco ofusque a névoa tenebrosa
Alenta-se a As lisonjas gentis da luz ardente:
batalha por Porém depois, os golpes da lustrosa
parte dos Vingança a névoa desmaiada sente,
Portugueses Vibrando o Sol em férvido desmaio
Luz a luz, chama a chama, raio a raio.
XXIII
Tal o luso valor, que Sol se apura,
Consente entre escondidos ardimentos
Que do Ibero conflito a névoa impura
Ofusque de seu brio os luzimentos:
Alcança-se a Porém depois na bélica ventura
vitória Castigando nublados pensamentos
Com luzidas façanhas, vibram logo
Bala a bala, aço a aço, fogo a fogo.
XXIV
Vós posto na eminência agigantada,
Que rouba os raios do medroso Etonte,
Não já de louro vossa fronte ornada,
Posto no monte Ornada sim de estrelas vossa fronte:
O Senhor Subis ao Céu na glória celebrada,
Marquês Sois assombro guerreiro do Horizonte,
Com que o monte por ũa, e outra parte
Fica Atlante do Céu, templo de Marte.
XXV
Quando na Aula celeste visitava
O louro amante do Peneu Louro
Ao Troiano gentil, que a Jove dava
Sua estância Do Néctar o licor em mesas d'ouro:
no campo em Entre o nevado horror, que o Céu vibrava
tempo de Pronto no campo, intrépido ao pelouro,
Inverno Repousáveis porém com braço feito,
Sendo a neve colchões, as armas leito.
XXVI
Quando entre obstinações do ardor nocivo
Latindo nesse Pólo o Cão luzente,
Vomita em grave horror o fogo esquivo,
Sua estância Abre na boca adusta o círio ardente:
no campo em Vosso peito também no esforço vivo
tempo do Estio Fomentava os ardores de valente,
Ambos ardendo, um de outro satisfeito,
Na calma o círio, no valor o peito.
XXVII
Qual Águia ilustre, que do Sol os raios,
Sendo de altivas plumas adornada,
Sem maltratar-se à luz, sem ter desmaios,
Comparação Bebe constante, opõe-se remontada:
com a Águia Vós remontado em bélicos ensaios
mais Vendo raios de Marte na estacada,
avantajado Águia sois, e subis com mais instinto,
Ela ao Planeta quarto, vós ao quinto.
XXVIII
Se fulminais ousado, forte, e ledo
Contra Iberos Gigantes a pujança,
Comparação Oh que estrago! Oh que lástima! Oh que medo!
de Júpiter Quando a espada tratais, brandis a lança:
contra os Mui cedo pelejais venceis mais cedo
Castelhanos O Transtagano ardor Flegra se alcança,
Vendo Iberos Gigantes, senão erro,
Por Júpiter a vós, por raio o ferro.
XXIX
Qual firme escolho, que no mar resiste
Ao cristalino impulso, que discorre,
Ou quando o mar com crespa fúria insiste,
Sua constância Ou quando o mar com terso aljôfar corre:
no bom, ou Assim também quando a borrasca assiste,
mal sucesso Assim também quando a bonança ocorre,
Já do bem, já do mal; ao mesmo instante
Constante sois no bem, no mal constante.
XXX
Se espedaçando escudo, arnês, e malha
Chovem globos em pólvora incendidos,
Alusão de seu E se arvoram bandeiras na Batalha,
valor no tremor Os Castelhanos fortes já vencidos;
da terra, e das Não fazem globos, que Vulcano espalha, terra, e das
bandeiras Não fazem ventos nos troféus movidos,
Faz somente o valor, que em vós se encerra,
As bandeiras tremer, tremer a terra.
XXXI
Qual Órion de estrelas matizado,
Para que com cristais ao Mundo ofenda,
Da procelosa espada nasce armado,
Luminosa no Céu, no mar tremenda:
Comparação de Tal vós com vossa espada denodado
sua espada Fazeis de estragos tempestade horrenda,
Se bem com mais terror, que em glória nossa
Água esperdiça aquela, e sangue a vossa.
XXXII
Em vosso peito habitam finalmente
Todas as prendas do primor glorioso,
Se não sois mil Heróis, Conde excelente,
Breve elogio de Sereis por vezes mil Herói famoso:
suas virtudes Lograis bélico ardil, voz eloqüente,
Prudente discrição, valor ditoso,
Severo agrado, sangue esclarecido,
Amado no temor, no amor temido.
XXXIII
Sendo vós exemplar da humana glória,
Sendo do Luso Império forte amparo,
Para eterno papel de vessa história
Suas ações Bronzes Corinto dê, mármores Paro:
eternizadas, e Vós esculpido na fatal vitória,
seu retrato Vós retratado no conflito raro;
temido por elas Metam medo aos remotos, aos vizinhos,
Lenhos na imagem, no retrato linhos.
XXXIV
Cesse a Musa, senhor, retumbe a fama,
Destempere-se a Lira, entoe a Trompa,
Que quando o Plectro humilde vos aclama,
Sua fama do É bem que a tuba o Plectro me interrompa:
Oriente até o Se vosso esforço como Sol se afama,
Poente Dos Gigantes a filha os ares rompa,
Donde se veste esse Planeta louro
Mantilhas de rubi, mortalhas de ouro.
À ROSA
Oitavas
Inundações floridas de Amaltéia
Prodigamente Clóri derramava
E líquida em rocio a sombra feia
No fraudulento Bruto, o Sol brilhava:
Quando entre tanta flor, que Abril semeia,
Fidalgamente a rosa se adornava,
Ostentando por garbo repetido
De ouro o toucado, de âmbar o vestido.
II
Esta gala, que veste generosa,
Deve aos cândidos pés da Deusa amante,
E ficando no orvalho mais lustrosa,
Deve estimar da Aurora o mal constante:
De sorte que no prado fica a Rosa
Com desditas alheias arrogante,
Pois quando se entroniza brilhadora,
Sangue de Vênus tem, pranto de Aurora.
III
Quando esse Deus de raios aparece,
Agrado dando à vista, luz ao prado,
A Deidade das flores amanhece,
Ao prado dando luz, à vista agrado:
E quando a Primavera resplandece
Com gala verde, e brilhador toucado,
Fica sendo no adorno de verdores
Jóia esta flor, e gargantilha as flores.
IV
Em galharda altivez tanto se afina,
Que vestida de púrpura fermosa
Adulação se arroga de divina,
Desprezando o primor de majestosa:
Por Deidade do campo peregrina
Não lhe faltam perfumes de olorosa,
E quando Deusa dos jardins e aclamo,
Faz templo do rosal, altar do ramo.
V
Ave purpúrea no jardim lustroso
Soberbamente a considera o dia,
As verdes ervas são ninho frondoso,
Donde a fragrante adulação se cria:
Se respira do alento o deleitoso,
Se desprega da pompa a bizarria,
Forma em tanta beleza, em olor tanto
As folhas asas, a fragrância canto.
VI
Com plácidos requebros assistida
Do Zéfiro fecundo a Rosa amada,
Lhe dá lascivos beijos por querida,
E vermelha se faz de envergonhada:
Já se encalma com chama padecida,
Já respira com ânsia suspirada,
Oh como no jardim, quando se adora
Sente Zéfiro amor, ciúmes Flora!
VII
Como Lua no Céu entre as estrelas,
Campa fermosamente em resplandores
Entre as flores a Rosa, é Lua entre elas,
Brilhando o prado, Céu; astros, as flores:
Por vantagens se jacta horas mais belas,
Nem se escondem c'o sol os seus primores,
Se brilha a Lua; a Rosa vencer trata
Com raios de rubi raios de prata.
VIII
Mas ai, quão brevemente se assegura
A flor purpúrea no primor luzido!
Que não logre isenções a fermosura!
Que a morte de ũa flor rompa o vestido!
Oh da Rosa gentil mortal ventura!
Que logo morta está, quando há nascido,
Sendo o toucado do infeliz tesouro
Em berço de coral sepulcro de ouro.
IX
Se vivifica a grã, se olor expira,
Dando lisonja ao prado, ornato à fonte,
No doce alento, e bela grã se admira
De Sido inveja, emulação de Oronte:
Mas se vento aromático respira,
Mas se lhe pinta o luminoso Etonte
Da cor a sombra, passa num momento
Qual sombra a sombra, como vento, o vento.
X
Se abre a Rosa pomposo nascimento,
Se bebe a Rosa nacarada morte,
Se foi Sol no purpúreo luzimento,
Também se iguala Sol na breve sorte:
Se o Sol nasce, e padece o fim violento;
Nasce a Rosa, e padece o golpe forte,
De sorte que por morta, e por luzente
No Ocaso ocaso tem, no Oriente oriente.
XI
Se, Anarda, vibras na beleza ingrata
Raios de esquiva, de fermosa raios,
Adverte, adverte, que um rigor maltrata
Adulação de Abris, primor de Maios:
Ouve na flor, que desenganos trata,
As mudas vozes dos gentis desmaios;
Atente enfim teu néscio desvario,
Que a fermosura é flor, o tempo Estio.
XII
Não queiras, não, perder com cego engano
Dessas flores, que logras, a riqueza,
Vê pois que cada idade por teu dano
É sucessivo Inverno da beleza:
Aprende cedo, Anarda, o desengano
Desta ufana, já morta, gentileza,
Não queiras, não, perder em teu desgosto
Do Dezembro da idade o Abril do rosto.
CANÇÕES VÁRIAS
À MORTE DA SENHORA RAINHA
DE PORTUGAL
DONA MARIA SOFIA ISABEL
Canção primeira
Que pavor, que crueza?
Que pena, que desdita a Lísia enluta!
Já do pranto a tristeza,
Como mar lagrimoso, ao mar tributa;
Vendo Netuno, para novo espanto,
Que tem dois mares, quando corre o pranto.
II
Espanha lastimada
Pelas razões do sangue generoso,
Toda se mostra irada,
E brama contra o golpe rigoroso,
E para ser no Mundo mais temido,
Por boca do Leão faz o bramido.
III
Mostra Alemanha o fino
Excesso quando sente o seu tormento,
Porque do Palatino
A pátria faz ser próprio o sentimento;
E o Danúbio, que é rio arrebatado,
Parece que na dor se vê parado.
IV
França, que nobremente
A Lusitânia ostenta amor seleto,
De luto reverente
A seus Francos vestiu com franco afeto;
E tendo nesta mágoa altas raízes,
Em roxos lírios troca as brancas Lises.
V
Itália a dor publica
Em Florença, que rica se nomeia,
Mas de mágoas é rica;
Nápoles bela em dor se torna feia:
Porém Roma, que santa se conhece,
Com Princesa tão santa se engrandece.
VI
América sentida
Faz tanta estimação da dor, que ordena,
Que desejara a vida
Eterna, para ser eterna a pena;
E quando no tormento mais se alarga,
O doce açúcar troca em pena amarga.
VII
A belíssima Aurora,
Que chora de Mémnon a morte escura,
Também padece, e chora
Desta perda cruel a desventura;
E com dobrada dor da infausta sorte
Se uma morte chorou, chora outra morte.
VIII
O Sol, que luminoso
Tem o império das luzes no Hemisfério,
Já não quer ser lustroso,
E quisera largar o claro império,
Pois de uma Águia Real na morte triste
O majestoso vôo não lhe assiste.
IX
Também padece a Lua
Desta mágoa infeliz o desalento,
E quando mais flutua,
No inconstante noturno luzimento
Minguante, e cheia está, se a dor se estréia
Minguante em glórias, de desditas cheia.
X
As estrelas luzentes,
Que ao Sol no claro Pólo substituem,
Parecendo inclementes,
Se presságios cruéis ao Mundo influem,
Com tal rigor desta influência usaram,
Que em cometas infaustos se trocaram.
XI
Os Planetas errantes,
Triste a Saturno tem no Céu rotundo;
Vênus para os amantes
Tem da sorte feliz o bem jucundo;
Porém para Isabel, que é Vênus pura,
Não quis Vênus ser astro da ventura.
XII
O Cipreste funesto,
Que se levanta ao Céu triste, e frondoso,
Neste tormento infesto
Prepara os ramos seus por lastimoso,
E tendo o ser, que é só vegetativo,
Em corpo se transforma sensitivo.
XIII
A pacífica Oliva,
Que no Dilúvio foi da paz consorte,
Quando sente a nociva
Tirania infeliz da Parca forte,
Já não serve de paz, antes ostenta
O dilúvio das lágrimas, que alenta.
XIV
A palma celebrada,
Que contra o peso fica mais gloriosa,
Agora desmaiada
Se vê menos robusta, e vigorosa:
Porque ao peso da pena padecida
Toda humilde se vê, toda oprimida.
XV
O jardim, que florido
Era com Flora, e Zéfiro formoso,
Hoje se vê despido,
Feio, fúnebre, inculto, deslustroso,
Porque por esta morte inopinada
Zéfiro triste está, Flora anojada.
XVI
A Rosa, que ostentava
A beleza da púrpura olorosa,
E sempre se jactava
Ser Rainha das flores imperiosa,
Como vê desenganos de Rainhas,
Não quer mais que nas dores as espinhas.
XVII
O Cravo que exalante
Do belo olor se veste de escarlata,
Já não brilha flamante,
Quando sente da Morte a fúria ingrata,
Antes mostra na cor, sangue vestido,
Que do golpe da dor ficou ferido.
XVIII
O jasmim, que a beleza
Tem na neve animada, que a sustenta,
Perdeu a gentileza;
Já no frágil candor se desalenta;
E tendo a Parca a seta despedido,
Alvo ficou da seta amortecido.
XIX
Sente pois Pedro Augusto
Perder o Sol, a flor, o dia claro,
Pois tendo sempre adusto
Entre chamas de amor o peito caro;
Agora vê nas faltas da alegria
Posto o Sol, seca a flor, escuro o dia.
XX
Sente o culto sagrado
De ũa Rainha Santa o afeto pio,
Pois com devoto agrado
Fazia da humildade o senhorio,
Como quem altamente conhecia
Que a Púrpura também carcomas cria.
XXI
Sente o Palácio ilustre
A saudade da altíssima Princesa,
A quem deve seu lustre,
E da melhor Política a grandeza,
Que sendo Palatina, no amor fino
Fez do régio Palácio Palatino.
XXII
Sentem todas as Damas
A falta desta Aurora, que assistiam,
E como ilustres ramas
Do seu favor o orvalho mereciam,
E perderam, faltando seus fulgores,
De tantas esperanças os verdores.
XXIII
Sente a casta Donzela
A falta de Isabel, que tanto amava
Quando na idade bela
O tálamo ditoso lhe buscava,
E se Cupido armava seus enganos,
Himeneu casto lhe impedia os danos.
XXIV
Sente a caterva pobre
Da liberal senhora a perda rara,
Quando por mão tão nobre
Tantas vidas da morte restaurara,
Vencendo contra as Parcas desabridas
O poder, que intentavam sobre as vidas.
XXV
Sente o Preso os clamores,
Que lhe faz padecer a morte brava,
Que Isabel com favores
Da Justiça os rigores temperava
Conhecendo na espada da justiça,
Que era o sumo rigor suma injustiça.
XXVI
Sente enfim todo o povo
Esta tristeza atroz, e desumana:
Que não é caso novo
Sentirem todos o que a todos dana;
Pois perdeu, quando fica ao desamparo,
Todo o bem, toda a glória, todo amparo.
Canção, suspende o metro,
Que de tanta desdita o triste pranto
Me desafina a voz, faz rouco o canto.
A LUÍS DE SOUSA FREIRE
ENTRANDO DE CAPITÃO DE INFANTARIA
NESTA PRAÇA NO TEMPO EM QUE ERA
GOVERNADOR DO ESTADO DO BRASIL
ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE
Canção II
I
Alegre o dia em pompas festejadas
Nos estrondos das armas repetidos,
Entre aplausos de afetos bem nascidos,
Entre mágoas de invejas malcriadas:
Das militares turbas ordenadas
Feito esquadrão na Praça belicoso,
Brilha Apolo invejoso,
E quer formar por competências belas
Praça de luzes, esquadrão de estrelas.
II
Nas várias galas, que a Milícia airosa
Com bom gosto traçou, vestiu com graça,
Entre as cores do adorno a mesma Praça
Parece Primavera belicosa:
De sorte que por glória misteriosa
Flora, e Belona alegremente unidas,
Em armas aplaudidas,
Entre os caprichos da Milícia ornada,
Florida está Belona, Flora armada.
III
Sendo triste o valor por iracundo,
E sendo a guerra feia por esquiva,
Quando mortais ações aquele aviva,
Quando esta ostenta a Marte furibundo;
Hoje se veste com primor jucundo
Do que teceu Itália, Holanda, e França
A Militar pujança;
Hoje na pompa, que esta, e aquele encerra,
Fica alegre o valor, fermosa a guerra.
IV
No militar concurso o Deus vendado
Deseja acompanhar-vos, Freire belo,
E para retratar Márcio desvelo
De aljava, e frechas se oferece armado:
Hoje ser vosso Alferes alentado
Quisera Amor; e em fácil simpatia
Da bélica alegria
Ensaiando-se em uma, e outra prenda,
Venáb'lo a seta faz, bandeira a venda.
V
Vomitado o sulfúreo mantimento
Do fogoso arcabuz entre os sentidos,
Perdem-se nos estrondos os ouvidos,
E nos ares feridos geme o vento:
Parece tempestade, e no ardimento
Da pólvora se forja o raio errante,
Nuvens o militante
Esquadrão condensado, quando em giros
É relâmpago o ardor, trovões os tiros.
VI
Quantas bandeiras vedes despregadas
Por lisonja de bélicos empenhos,
Vos hão de ser felices desempenhos,
Inda hão de ser por vossa destra honradas:
Que sendo as inimigas castigadas,
Cingida a fronte de Apolíneo louro,
Com venturoso agouro
Tereis, logrando sempre igual vitória,
Não glória de troféus, troféus de glória.
VII
Quando a lança brandis heroicamente
No flórido verdor da gentileza,
Vos prognosticam todos na destreza
De general o cargo preminente:
Para apoio fatal da Lísia gente
Sereis na guerra Aquiles Lusitano
Contra o Império Otomano,
E mudareis por que ele se submeta,
Em bastão grave a desigual gineta.
VIII
Do veneno gostoso, bem que ardente.
Gloriosamente Vênus abrasada
Com dois motivos, tanto amor lhe agrada,
Se vos vê belo, se vos vê valente:
Renovando as memórias igualmente
De Adônis, e de Marte já queridos,
Ressuscita os sentidos,
E a vós só rende, quanto aos dois reparte,
Pois novo Adônis sois, e novo Marte.
IX
Cioso o Trácio Deus se convertera
Em nova Fera, que seu mal vingara,
Se em vosso peito o ardor não respeitara,
Se em vosso rosto o gesto não temera:
Com causas duas maior queixa altera
De dois agravos, pois de amor cioso,
Do valor receoso,
Vosso primor a Marte desabona,
Pois vos quer Vênus, pois vos quer Belona.
X
Na forja Lilibéia fatigado
Vulcano está, que Citeréia amante
Lhe pede um forte escudo rutilante
Para cobrir-vos, Freire, o peito amado:
Nas férreas oficinas ocupado,
Lhe falta o braço já, já nos suores
Correm rios de ardores,
E quando gota a gota estila a fronte,
Queima o ar, coze o ferro, abala o monte.
XI
Com sutil traça, com engenho agudo,
Competindo a fadiga, e sutileza,
Grava Vulcano por maior empresa
O brasão nobre no brilhante escudo:
Dos vossos ascendentes bem que mudo
As grandezas publica generosas,
Quando em ações famosas
Os vossos Sousas têm por Armas suas
As Régias Quinas, as partidas Luas.
XII
O semblante da guerra temeroso
Nos poucos lustros não vos mete horrores,
Bem que logreis nos anos os verdores,
Primeiro que varão sois valoroso:
Antecipais à idade o brio honroso,
Qual Águia, qual Leão sois parecido
No vôo, e no bramido,
Porque as feras despreza, e ao Sol se aprova,
Bem que novo Leão, bem que Águia nova.
XIII
Não obra em vosso peito o esforço tarde,
Já da guerra o rigor tendes bebido,
Que do exemplo de Avós já persuadido,
Vos ferve o sangue, o coração vos arde:
Em tão floridos anos vos aguarde
Feliz a sorte; e chegareis ditoso
A ser Herói famoso:
Que quando brilha o Sol no roxo Oriente,
Chega a luz clara ao pálido Ocidente.
XIV
Sabendo as artes do Mavórcio ofício,
A roda não temais da Deusa cega,
Que quando vosso ardor nele se entrega,
Já Mercúrio vos dita esse exercício:
Com sábio esforço, sem grosseiro vício
Vosso gênio será sempre afamado,
Das artes ajudado,
Dando Mercúrio contra a sorte avara
A firme base, a poderosa vara.
XV
De vosso tio Sousa esclarecido
Que as ações imiteis agora espero,
Que inda sente Marrocos horror fero,
Com que dos Africanos foi temido:
E em paga do valor sempre aplaudido
América governa venturosa
Na presença gloriosa,
Que a parte de dois mares satisfeita
África o teme, América o respeita.
XVI
Vede de vosso tio a clara história.
Com que valente, e sábio já se aclama,
Dando-lhe ilustremente a mesma fama
O templo altivo da imortal memória:
Sendo dele a virtude tão notória,
Emudece a calúnia de admirada,
E para avantajada
Glória sua, que o mérito lhe veja,
Vença o Mundo, honre a Fama, prostre a inveja.
XVII
Lenços lhe pinte Apeles excelente,
Estátuas lhe consagre Fidias raro,
Retrate Apeles seu esforço claro,
Esculpa Fídias seu saber prudente:
Porém não, que no Céu gloriosamente
Altas ações se escrevam de seu brio:
Que na fama confio,
Se hão de formar para memória delas
Tábua o Céu, pena o Sol, tinta as estrelas.
Canção, suspende o canto,
Que prometo afinar, se Febo inspira,
O Plectro humilde, a temerária Lira.
DESCRIÇÃO DO INVERNO
Canção III
I
Ira-se horrendo, e se orna tenebroso
Renovado na sombra o Inverno esquivo,
Aos afagos do Zéfiro nocivo,
Às carícias de Flora rigoroso:
Com vestido de nuvens impiedoso
Melancólica a fronte carregada,
Por velho desagrada,
E tendo a chuva sempre em seus rigores,
Enfermo está de lânguidos humores.
II
Aumenta seu rigor o triste Inverno,
Encarcerando no queixoso Pólo
A luz propícia do gentil Apolo,
E mais que Inverno, fica escuro inferno:
Apolo pois com sentimento externo
Entra na casa atroz do Deus lunado,
Que de luas armado
Dois chuveiros vibrando, arma inclementes
Em minguantes de Lua, de água enchentes.
III
Vomita o Bóreas no furor ingrato
O nevado rigor, bem que luzido,
Adornando aos jardins branco vestido,
Despindo dos jardins o verde ornado:
Sendo ao prado nocivo, aos olhos grato,
Da neve esperdiçada o candor frio,
Nos disfarces de impio
Parece a neve em presunção fermosa
Emplumado candor, ou lã chuvosa.
IV
Prisioneiros se vêem arroios claros,
Quiçá, porque murmuram lisonjeiros,
Dando às almas avisos verdadeiros,
Dando a perfeitos Reis exemplos raros;
Da prata fugitiva sendo avaros,
O frio caramelo os prende duro:
Que pois o cristal puro
Corre louco, castigam com desvelo
Loucuras de cristal, pedras de gelo.
V
A planta mais galharda, que serena
Era verde primor, lisonja ornada,
Padece nus agravos de prostrada,
Perde subornos plácidos de amena;
E quando tanta lástima lhe ordena
Do vento, bem que leve, a grave injúria,
Ao brio iguala a fúria,
Pois no exame dos golpes inimigo
Folha a soberba foi, vento o castigo.
VI
Pede o Céu contra o vale, contra o monte
O socorro cruel da horrenda prata,
Quando bombardas de granizos trata,
Escurecendo a luz na irada fronte;
Vertendo bravo sucessiva fonte,
Formando condensado guerra escura,
Contra a terra conjura
Quando não por assombros, por vinganças
De sombras esquadrões, de aljôfar lanças.
VII
Mas logo o mar soberbo ao mesmo instante
Por vingar generoso a terra impura,
Levanta de cristais soberba pura,
Sacrilégios argenta de arrogante:
Pois opõe contra Jove, qual gigante
Em montes de cristal de cristal montes,
E em densos horizontes
Jove quiçá, por fulminar desmaios,
De nuvens se murou, se armou de raios.
VIII
O lenho pelas ondas navegante
Sendo de vários ventos combatido.
Teme o profundo mal de submergido,
Padece o triste horror de flutuante:
A marítima turba naufragante
Alarido levanta lastimoso
Contra o Céu rigoroso,
Vendo que a escura, e súbita procela
Quebra o leme, abre a tábua, rompe a vela.
Canção, na bela Fílis
Outro Inverno repetem mais escuro
A tristeza que sinto, a dor, que aturo.
DESCRIÇÃO DA PRIMAVERA
Canção IV
I
Campa no campo agora
A mãe das flores belas,
Brilham de Febo os raios nas estrelas,
Que em lindos resplandores
Alternam, como irmãos, ledos candores.
Ledo o candor se adora:
Que se a luz não se ignora,
Porque o candor, e o ledo se conceda,
Do Cisne filhos são, filhos de Leda.
II
Pintor Maio luzido
Em diversos primores
Tantas tintas mistura, quantas cores;
Sendo do lindo Maio
Pincel valente o matutino raio;
E em quadros repartida
A pintura florida,
Maio pintor alegre, em cópias tantas
De flores quadros faz, sombra das plantas.
III
O campo reverdece,
Os cravos purpureiam,
As açucenas de candor se asseiam,
As violetas fermosas
Vestem diversas cores por lustrosas:
A Vênus reconhece,
Quando a rosa amanhece
Com tanta ostentação, que é nos verdores
Mais que de Vênus flor, Vênus das flores.
IV
O tronco florescente
Forma com duros laços
Vegetativos de seus ramos braços,
E seus verdes cabelos
Lascivamente se penteiam belos:
Que o vento reverente
O serve cortesmente,
E para ser galã na mocidade
Buço nas flores tem, verdor na idade.
V
Celebra alegremente
O volátil concento
Da Primavera o verde nascimento,
(Sendo os rios sonoros
Instrumentos gentis a vários coros)
Cantando brandamente,
Saltando airosamente,
Nas doces vozes, desiguais mudanças,
Cantos se entoam, e se alternam danças.
VI
O Sol Rei luminoso
Entre o estrelado Império
Entroniza esplendores no Hemisfério,
Vendo com luz amada
A província do giro dilatada;
Despendendo piedoso
Favores de lustroso,
Ficando por rebelde, e por querida
A sombra desterrada, a luz valida.
VII
Oh como alegre Flora
De flores adornada
Jaz no leito das ervas recostada!
Oh que beijo amoroso
Favônio lhe repete deleitoso.
Se o prado ri, se chora
Vitais perlas Aurora,
(Dando de vário estado mudo aviso)
Da Aurora o pranto vê, do prado o riso.
Canção, na bela Nise
Quando em seus Maios seu verdor se esmera,
Podes ver retratada a Primavera.
AO OURO
Canção V
I
Este que em todo o mundo obedecido,
Este que respeitado
Nos subornos mortais de pretendido,
Agravo esquivo, mais que lindo agrado,
Morte se aclama, pois da mesma sorte
É pálido o metal, pálida a Morte.
II
Os Monarcas sustentam poderosos
Neste metal prezado
Impérios, se violentos, generosos;
Porém tendo nos Reis império amado,
(Executando fáceis vitupérios)
Tem império nos Reis, é Rei de Impérios.
III
A justiça corrompe verdadeira;
No Ministro imprudente
Quebra as regras de justa, as leis de inteira;
Pois este forma no interesse ardente
(Não com fiel, mas infiel desprezo)
Da cobiça a balança, do ouro o peso.
IV
Inferno se padece lastimoso,
Não se logra Ouro claro
Nas graves pretensões de cobiçoso,
Nos obséquios solícitos de avaro;
Um o procura, outro não goza dele,
Este Tântalo está, Sísifo aquele.
V
Quando faltava d'ouro a gentileza,
A gente pobre, e rica
Lograva idade de ouro na pobreza.
Mas quando nesta idade se publica
Em contrários motivos de impiedade,
De ferro idade fez, não de ouro idade.
VI
Qual Áspid', que entre flores escondido
Na florida beleza
Brota ao peito o veneno mal sentido,
Assim pois na luzida gentileza
Mata o metal, matando brilhadores
Nos luzimentos um, outro nas flores.
VII
Profanando de Dânae a vã pureza
Em chuvosos amores,
Apesar de engenhosa fortaleza,
Apesar dos cuidados guardadores,
Murchou na chuva de ouro rigorosa
O modesto jasmim, a virgem Rosa.
VIII
Entre o logro da paz solicitada
A guerra determina
Bem que ouro brilha, enjeita a paz dourada;
E quando Márcias confusões afina
A paz compra de sorte, que na terra
Guerra se vê da paz, é paz da guerra.
IX
A Natureza em veias escondidas
Cria o metal oculto,
Quiçá piedosa das mortais feridas:
Mas quando o desentranha humano insulto,
Da mesma veia, donde nasce belo,
Corre logo a ambição, mana o desvelo.
X
O rigor se arma, a guerra se refina,
A cobiça se apura,
A morte contra o peito se fulmina,
O engano contra o peito se conjura
De sorte, que acumula ao peito humano
Rigor, guerra, cobiça, morte, engano.
Canção, suspende já de Euterpe o metro,
Que em Fílis tens para cantar no Pindo
De seu cabelo de ouro, ouro mais lindo.
SAUDADES DE UM ESPOSO AMANTE PELA
PERDA DE SUA AMADA ESPOSA
Canção VI
I
Agora que altamente
Me lastima o rigor, me assalta a pena,
Agora que eloqüente
Fala o silêncio quando a voz condena,
Agora pois quando meu Bem me deixa,
Corra o pranto, obre a mágoa, suba a queixa.
II
Qual flor em flor cortada
Te murchaste meu Bem (ah morte feia!)
Oh como desmaiada
A florida república se afeia,
Pois perdeu toda a flor na morte dura,
O âmbar leve, a grã bela, a neve pura!
III
O sol já retirado
Menos formoso, menos claro o vejo,
Pois eras seu cuidado;
Eras do lindo Sol seu vão desejo,
Sendo sim seus ardentes resplandores
Não ardores de luz, de amor ardores.
IV
Oh como pede à sombra
Que o resplandor lhe embargue, a luz lhe furte!
E se na dor se assombra,
Pede à noite também que o dia encurte,
Pois perdeu tristemente na alegria
Melhor luz, melhor Alva, e melhor Dia.
V
Belíssima senhora,
Que choro ausente, que venero amante,
Na Pátria vencedora
De ũa morte cruel te vês triunfante;
E por que venças tudo, em igual sorte
Venceste os corações, venceste a morte.
VI
Entre mil saudades
Morta te estimo, e te desejo viva:
Mas ah que em mil idades
Se frustra o rogo, a lástima se aviva,
Tendo em dobrado mal, que ao peito corta.
Vivo o desejo, a esperança morta!
VII
Quando te considero
Algum tempo em meus braços (ai que mágoa!)
Logo este golpe fero
O que logro em ardor, me solta em água,
Competindo entre si por desafogo
Nos olhos a água, e no peito o fogo.
VIII
Se vives retratada
Neste meu coração, que te ama ausente,
Fica a dor mitigada
Neste enganoso bem, por aparente;
Mas ai que fica, quando a dor me aperta,
Falsa a consolação, a mágoa certa!
IX
Lá no Empíreo gloriosa
Lembra-te deste amor, que tanto apuro:
Que esta pena amorosa
Solicito constante, fino aturo;
E impressa na alma minha pena interna,
Fica imortal o amor, a mágoa eterna.
X
Deixaste-me uma prenda
Para alívio feliz da mágoa crua,
Que, quando te eu pretenda,
Lograsse meu desejo cópia tua:
Mas ai que é maior mal, pois nas memórias
Saudades sinto, quando finjo glórias!
Canção, depõe o plectro,
Que já me impede o pranto
Que altere a voz, e que prossiga o canto.
À ILHA DE MARÉ
TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA
Silva
Jaz em oblíqua forma e prolongada
A terra de Maré toda cercada
De Netuno, que tendo o amor constante,
Lhe dá muitos abraços por amante,
E botando-lhe os braços dentro dela
A pretende gozar, por ser mui bela.
Nesta assistência tanto a senhoreia,
E tanto a galanteia,
Que do mar de Maré tem o apelido,
Como quem preza o amor de seu querido:
E por gosto das prendas amorosas
Fica maré de rosas,
E vivendo nas ânsias sucessivas,
São do amor marés vivas;
E se nas mortas menos a conhece,
Maré de saudades lhe parece.
Vista por fora é pouco apetecida,
Porque aos olhos por feia é parecida;
Porém dentro habitada
É muito bela, muito desejada,
É como a concha tosca, e deslustrosa,
Que dentro cria a pérola fermosa.
Erguem-se nela outeiros
Com soberbas de montes altaneiros,
Que os vales por humildes desprezando,
As presunções do Mundo estão mostrando,
E querendo ser príncipes subidos,
Ficam os vales a seus pés rendidos.
Por um, e outro lado
Vários lenhos se vêem no mar salgado;
Uns vão buscando da Cidade a via,
Outros dela se vão com alegria;
E na desigual ordem
Consiste a fermosura na desordem.
Os pobres pescadores em saveiros,
Em canoas ligeiros,
Fazem com tanto abalo
Do trabalho marítimo regalo;
Uns as redes estendem,
E vários peixes por pequenos prendem;
Que até nos peixes com verdade pura
Ser pequeno no Mundo é desventura:
Outros no anzol fiados
Têm aos míseros peixes enganados,
Que sempre da vil isca cobiçosos
Perdem a própria vida por gulosos.
Aqui se cria o peixe regalado
Com tal sustância, e gosto preparado,
Que sem tempero algum para apetite
Faz gostoso convite,
E se pode dizer em graça rara
Que a mesma natureza os temperara.
Não falta aqui marisco saboroso,
Para tirar fastio ao melindroso;
Os Polvos radiantes,
Os lagostins flamantes,
Camarões excelentes,
Que são dos lagostins pobres parentes;
Retrógrados c'ranguejos,
Que formam pés das bocas com festejos,
Ostras, que alimentadas
Estão nas pedras, onde são geradas;
Enfim tanto marisco, em que não falo,
Que é vário perrexil para o regalo.
As plantas sempre nela reverdecem,
E nas folhas parecem,
Desterrando do Inverno os desfavores,
Esmeraldas de Abril em seus verdores,
E delas por adorno apetecido
Faz a divina Flora seu vestido.
As fruitas se produzem copiosas,
E são tão deleitosas,
Que como junto ao mar o sítio é posto,
Lhes dá salgado o mar o sal do gosto.
As canas fertilmente se produzem,
E a tão breve discurso se reduzem,
Que, porque crescem muito,
Em doze meses lhe sazona o fruito.
E não quer, quando o fruto se deseja,
Que sendo velha a cana, fértil seja.
As laranjas da terra
Poucas azedas são, antes se encerra
Tal doce nestes pomos,
Que o tem clarificado nos seus gomos;
Mas as de Portugal entre alamedas
São primas dos limões, todas azedas.
Nas que chamam da China
Grande sabor se afina,
Mais que as da Europa doces, e melhores,
E têm sempre a vantagem de maiores,
E nesta maioria,
Como maiores são, têm mais valia.
Os limões não se prezam,
Antes por serem muitos se desprezam.
Ah se Holanda os gozara!
Por nenhũa província se trocara.
As cidras amarelas
Caindo estão de belas,
E como são inchadas, presumidas,
É bem que estejam pelo chão caídas.
As uvas moscatéis são tão gostosas,
Tão raras, tão mimosas,
Que se Lisboa as vira, imaginara
Que alguém dos seus pomares as furtara;
Delas a produção por copiosa
Parece milagrosa,
Porque dando em um ano duas vezes,
Geram dois partos, sempre, em doze meses.
Os Melões celebrados
Aqui tão docemente são gerados,
Que cada qual tanto sabor alenta,
Que são feitos de açúcar, e pimenta,
E como sabem bem com mil agrados,
Bem se pode dizer que são letrados;
Não falo em Valariça, nem Chamusca:
Porque todos ofusca
O gosto destes, que esta terra abona
Como próprias delícias de Pomona.
As melancias com igual bondade
São de tal qualidade,
Que quando docemente nos recreia,
É cada melancia ũa colmeia,
E às que tem Portugal lhe dão de rosto
Por insulsas abóboras no gosto.
Aqui não faltam figos,
E os solicitam pássaros amigos,
Apetitosos de sua doce usura,
Porque cria apetites a doçura;
E quando acaso os matam
Porque os figos maltratam,
Parecem mariposas, que embebidas
Na chama alegre, vão perdendo as vidas.
As Romãs rubicundas quando abertas
A vista agrados são, à língua ofertas,
São tesouro das fruitas entre afagos,
Pois são rubis suaves os seus bagos.
As fruitas quase todas nomeadas
São ao Brasil de Europa trasladadas,
Porque tenha o Brasil por mais façanhas
Além das próprias fruitas, as estranhas.
E tratando das próprias, os coqueiros,
Galhardos, e frondosos
Criam cocos gostosos;
E andou tão liberal a natureza
Que lhes deu por grandeza,
Não só para bebida, mas sustento,
O néctar doce, o cândido alimento.
De várias cores são os cajus belos,
Uns são vermelhos, outros amarelos,
E como vários são nas várias cores,
Também se mostram vários nos sabores;
E criam a castanha,
Que é melhor que a de França, Itália, Espanha.
As pitangas fecundas
São na cor rubicundas
E no gosto picante comparadas
São de América ginjas disfarçadas.
As pitombas douradas, se as desejas,
São no gosto melhor do que as cerejas.
E para terem o primor inteiro,
A vantagem lhes levam pelo cheiro.
Os Araçases grandes, ou pequenos,
Que na terra se criam mais, ou menos
Como as peras de Europa engrandecidas,
Com elas variamente parecidas,
Também se fazem delas
De várias castas marmeladas belas.
As bananas no Mundo conhecidas
Por fruto, e mantimento apetecidas,
Que o Céu para regalo, e passatempo
Liberal as concede em todo o tempo,
Competem com maçãs, ou baonesas,
Com peros verdeais ou camoesas.
Também servem de pão aos moradores,
Se da farinha faltam os favores;
É conduto também que dá sustento,
Como se fosse próprio mantimento;
De sorte que por graça, ou por tributo,
É fruto, é como pão, serve em conduto.
A pimenta élegante
É tanta, tão diversa, e tão picante,
Para todo o tempero acomodada,
Que é muito avantajada
Por fresca, e por sadia
À que na Ásia se gera, Europa cria.
O mamão por freqüente
Se cria vulgarmente,
E não o preza o Mundo,
Porque é muito vulgar em ser fecundo.
O mar'cujá também gostoso, e frio
Entre as fruitas merece nome, e brio;
Tem nas pevides mais gostoso agrado,
Do que açúcar rosado;
É belo, cordial, e como é mole,
Qual suave manjar todo se engole.
Vereis os Ananases,
Que para Rei das fruitas são capazes;
Vestem-se de escarlata
Com majestade grata,
Que para ter do Império a gravidade
Logram da c'roa verde a majestade;
Mas quando têm a c'roa levantada
De picantes espinhos adornada,
Nos mostram que entre Reis, entre Rainhas
Não há c'roa no Mundo sem espinhas.
Este pomo celebra toda a gente,
É muito mais que o pêssego excelente,
Pois lhe leva avantagem gracioso
Por maior, por mais doce, e mais cheiroso.
Além das fruitas, que esta terra cria,
Também não faltam outras na Bahia;
A mangava mimosa
Salpicada de tintas por formosa,
Tem o cheiro famoso,
Como se fora almíscar oloroso;
Produze-se no mato
Sem querer da cultura o duro trato,
Que como em si toda a bondade apura,
Não quer dever aos homens a cultura.
Oh que galharda fruta, e soberana
Sem ter indústria humana,
E se Jove as tirara dos pomares,
Por ambrosia as pusera entre os manjares!
Com a mangava bela a semelhança
Do Macujé se alcança;
Que também se produz no mato inculto
Por soberano indulto:
E sem fazer ao mel injusto agravo,
Na boca se desfaz qual doce favo.
Outras fruitas dissera, porém basta
Das que tenho descrito a vária casta;
E vamos aos legumes, que plantados
São do Brasil sustentos duplicados:
Os Mangarás que brancos, ou vermelhos,
São da abundância espelhos;
Os cândidos inhames, se não minto,
Podem tirar a fome ao mais faminto.
As batatas, que assadas, ou cozidas
São muito apetecidas;
Delas se faz a rica batatada
Das Bélgicas nações solicitada.
Os carás, que de roxo estão vestidos,
São Lóios dos legumes parecidos,
Dentro são alvos, cuja cor honesta
Se quis cobrir de roxo por modesta.
A Mandioca, que Tomé sagrado
Deu ao gentio amado,
Tem nas raízes a farinha oculta:
Que sempre o que é feliz, se dificulta.
E parece que a terra de amorosa
Se abraça com seu fruto deleitosa;
Dela se faz com tanta atividade
A farinha, que em fácil brevidade
No mesmo dia sem trabalho muito
Se arranca, se desfaz, se coze o fruito;
Dela se faz também com mais cuidado
O beiju regalado,
Que feito tenro por curioso amigo
Grande vantagem leva ao pão de trigo.
Os Aipins se aparentam
Co'a mandioca, e tal favor alentam,
Que têm qualquer, cozido, ou seja assado,
Das castanhas da Europa o mesmo agrado.
O milho, que se planta sem fadigas,
Todo o ano nos dá fáceis espigas,
E é tão fecundo em um, e em outro filho,
Que são mãos liberais as mãos de milho.
O arroz semeado
Fertilmente se vê multiplicado;
Cale-se de Valença, por estranha
O que tributa a Espanha,
Cale-se do Oriente
O que come o gentio, e a Lísia gente;
Que o do Brasil quando se vê cozido
Como tem mais substância, é mais crescido.
Tenho explicado as fruitas, e legumes,
Que dão a Portugal muitos ciúmes;
Tenho recopilado
O que o Brasil contém para invejado,
E para preferir a toda a terra,
Em si perfeitos quatro AA encerra.
Tem o primeiro A, nos arvoredos
Sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
Tem o segundo A, nos ares puros
Na tempérie agradáveis, e seguros;
Tem o terceiro A, nas águas frias,
Que refrescam o peito, e são sadias;
O quarto A, no açúcar deleitoso,
Que é do Mundo o regalo mais mimoso.
São pois os quatro AA por singulares
Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.
Nesta Ilha está mui ledo, e mui vistoso
Um Engenho famoso,
Que quando quis o fado antiguamente
Era Rei dos engenhos preminente,
E quando Holanda pérfida, e nociva
O queimou, renasceu qual Fênix viva.
Aqui se fabricaram três Capelas
Ditosamente belas,
Ũa se esmera em fortaleza tanta,
Que de abóbada forte se levanta;
Da Senhora das Neves se apelida,
Renovando a piedade esclarecida,
Quando em devoto sonho se viu posto
O nevado candor no mês de Agosto.
Outra Capela vemos fabricada.
A Xavier ilustre dedicada,
Que o Maldonado Pároco entendido
Esse edifício fez agradecido
A Xavier, que foi em sacro alento
Glória da Igreja, do Japão portento.
Outra Capela aqui se reconhece,
Cujo nome a engrandece,
Pois se dedica à Conceição sagrada
Da Virgem pura sempre imaculada,
Que foi por singular e mais formosa
Sem manchas Lua, sem espinhos Rosa.
Esta Ilha de Maré, ou de alegria
Que é termo da Bahia,
Tem quase tudo quanto o Brasil todo,
Que de todo o Brasil é breve apodo;
E se algum tempo Citeréia a achara,
Por esta sua Chipre desprezara,
Porém tem com Maria verdadeira
Outra Vênus melhor por padroeira.
ROMANCES
AO GOVERNADOR
ANTÔNIO LUÍS GONÇALVES DA CÂMARA
COUTINHO EM AGRADECIMENTO DA
CARTA QUE ESCREVEU A SUA MAJESTADE
PELA FALTA DA MOEDA DO BRASIL
Romance I
Em esdrúxulos
Escreveis ao Rei Monárquico
O mal do Estado Brasílico,
Que perdendo o vigor flórido,
Se vê quase paralítico,
Porém vós, como Católico,
Imitando a Deus boníssimo,
Lhe dais a Piscina plácida
Para seu remédio líquido.
De todo o corpo Repúblico
O dinheiro é nervo vívido,
E sem ele fica lânguido,
Fica todo debilíssimo.
Em vossos arbítrios ótimos
Sois três vezes científico,
Ditando o governo de
Ético, Econômico, e Político.
Aos Engenhos dais anélitos,
Que estando de empenhos tísicos,
Tornam em amargo vômito
O mesmo açúcar dulcíssimo.
Também da pobreza mísera
Atendeis ao estado humílimo,
Assim como o raio Délfico
Não despreza o lugar ínfimo.
Aos Mercadores da América
Infundis de ouro os espíritos.
Quando propondes o próvido
Com pena de ouro finíssimo.
Pasma em Portugal atônito
Todo o estadista satírico,
E as mesmas censuras hórridas
Vos dão fáceis Panegíricos.
Se falais verdade ao Príncipe,
Não temais o Zoilo rígido,
Que ao Sol da verdade lúcida
Não faz mal o vapor crítico.
O Brasil a vossos méritos,
Como se fora Fatídico,
Vos anuncia o cetro máximo
Sobre o Ganges, e mar Índico.
Sois em vossas obras único
Para maiores, ou mínimos,
Sois na justiça integérrimo,
Sois na limpeza claríssimo.
Sois descendente do Câmara,
Aquele Gonçalves ínclito,
Que com discurso Astronômico
Sujeitou golfos marítimos.
Sois também Coutinho impávido,
Mas vosso couto justíssimo
Não val a homicidas réprobos,
Nem a delinqüentes ríspidos.
Vosso filho primogênito
Aprende de vós solícito
As virtudes para Bélico,
As ações para Magnífico.
Em seus anos inda lúbricos
Tem verdores prudentíssimos,
É com gravidade lépido,
É sem soberba ilustríssimo.
Vivei Senhor muitos séculos
Entre aplausos felicíssimos
Onde nasce Apolo férvido,
Onde morre Apolo frígido.
A ŨA DAMA, QUE TROPEÇANDO DE NOITE
EM ŨA LADEIRA, PERDEU UMA
MEMÓRIA DO DEDO
Romance II
Bela turca de meus olhos,
Corsária de minha vida,
Galé de meus pensamentos,
Argel de esperanças minhas;
Quem te fez tão rigorosa,
Dize, cruel rapariga?
Deixa os triunfos de ingrata,
Busca os troféus de bonita.
Não te queiras pôr da parte
De minha desdita esquiva:
Que a beleza é muito alegre,
Que é muito triste a desdita.
Se ostentas tanto donaire
Com fermosura tão linda,
Segunda beleza formas
Quando a primeira fulminas.
E se cair na ladeira
Manhosamente fingias,
Tudo era queda do garbo,
Tudo em graça te caía.
Não tinha culpa o sapato,
Que o pezinho não podia,
Como era coisa tão pouca,
Com beleza tão altiva.
Botando o cabelo atrás,
(Oh que gala, oh que delícia!)
A bizarria acrescentas,
Desprezando a bizarria.
Toda de vermelho ornada,
Toda de guerra vestida
Fazes do rigor adorno,
Fazes da guerra alegria.
A tantas chamas dos olhos
Teu manto glorioso ardia;
Por sinal que tinha a glória,
Por sinal que o fumo tinha.
Liberalmente o soltaste:
Que era o teu manto, menina,
Pouca sombra a tanto Sol,
Pouca noite a tanto dia.
Se de teu dedo a memória
Perdeste, é bem que o sintas;
Que de meu largo tormento
Tens a memória perdida.
Dar-te-ei por melhores prendas,
Que minha fé te dedica,
Dois anéis de água em meus olhos,
Que de chuveiros te sirvam.
Agradece meus cuidados,
E recebe as prendas minhas;
Se tens da beleza a jóia,
Os brincos de amor estima.
Se cordão de ouro pretendes
Por jactância mais subida,
Aceita a prisão de uma alma,
Que é cordão de mais valia.
A todos estes requebros
Não quis atender Belisa,
Que se é diamante em dureza,
Só de diamantes se alinda.
PINTURA DE UMA DAMA CONSERVEIRA
Romance III
No doce ofício Amarilis
Doce amor causando em mim,
Seja a pintura de doces;
Doce aveia corra aqui.
Capela de ovos se adverte
A cabeça em seu matiz,
Fios de ovos os seus fios,
Capela a cabeça vi.
A testa, que docemente
Ostenta brancuras mil,
Sendo manjar de Cupido,
Manjar branco a presumi.
Os olhos, que são de luzes
Primogênitos gentis,
São dois morgados de amor,
Donde alimentos pedi.
Fermosamente aguilenho
(Ai que nele me perdi!)
Bem feita lasca de alcorça
Parece o branco nariz.
Maçapão rosado vejo
Em seu rosto de carmim,
Nas maçãs o maçapão,
No rosto o rosado diz.
Entre os séculos da boca,
(Purpúrea inveja de Abril)
Em conserva de mil gostos
Partidas ginjas comi.
Os brancos dentes, que exalam
Melhor cheiro que âmbar-gris,
Parecem brancas pastilhas
Em bolsinhas carmesins.
Com torneados candores
(Deixemos velhos marfins)
Toda feita diagargante
Vejo a garganta gentil.
Os sempre cândidos peitos,
Que escondem leite nutriz,
Se não são bolas de neve,
São bolos de leite, sim.
As mãos em palmas, e dedos,
Se em bolos falo, adverti.
Entre dois bolos de açúcar
Dez pedaços de alfenim.
Perdoai, Fábio, dizia,
Que no retrato, que fiz,
Fui Poeta de água doce
Quando no Pindo bebi.
PINTURA DOS OLHOS DE UMA DAMA
Romance IV
Os olhos dois de Belisa,
Em seu rosto amor compara,
Seu rosto flores-de-lis,
Seus olhos Pares de França.
Com mui soberbos rigores,
Com mui feras ameaças
São dois valentões de luzes,
Dois espadachins de graças.
Línguas de fogo parecem,
Em que meu peito se abrasa.
Línguas são, pois falam mudas,
De fogo, pois vibram chamas.
Dizem que o Céu competindo
Lhe deu, chegando-lhe à cara,
De luzes dois beliscões,
De estrelas duas punhadas.
E desta briga formosa
Bem que as luzes da Muchacha
Não ficaram desairosas,
Ficaram dali rasgadas.
Outros dizem que a menina
Foi contra Amor tanto irada,
Que arrancara a Amor os olhos,
Que os olhos de Amor roubara.
Mas se por força os não dera,
Sempre sentira a desgraça;
Pois quando a Muchacha vira,
Logo de amante cegara.
De sorte que desta perda
Como envergonhado estava,
Quis adornar-se ũa venda
Por disfarçar ũa mágoa.
E daqui vem que seus olhos,
Que ao cego arqueiro tomara,
Frechas despedem de amores,
Prisões solicitam de almas.
Não se queixe o deus Cupido,
Pois o império lhe dilata,
Esgrimindo aqueles furtos,
Fulminando aquelas armas.
PINTURA DE UMA DAMA NAMORADA
DE UM LETRADO
Romance V
Quando agora mais amante
Vos vejo estar estudando
Cuidados da Deusa Astréia
Nos ócios do Deus vendado;
Pois amais um Serafim,
Donde achais como letrado,
Que se aclama Peregrino
Quanto sois Feliciano.
O cabelo, que por negro,
E por lustroso comparo,
É muito Nigro nas cores,
É muito Febo nos raios.
Traz nos olhos, e na testa
Alvoroto, pois alcanço
Que Alva se ostenta por branca,
Que o Roto tem por rasgados.
Com Júlio Claro parecem,
Se estão peitos abrasando;
Cada qual no ardor é Júlio,
Cada qual na luz é Claro.
Se o gracioso rosto advirto,
Se o belo nariz retrato,
É seu nariz Fermosino,
É seu rosto Graciano.
Na boquinha faladora,
Que mui rosada a declaro,
É nas vozes Parladoro,
É nas cores Rosentálio.
A Mascardo, e Lambertino
Na língua, e nos dentes acho;
É na língua Lambertino,
É nos seus dentes Mascardo.
Tomásio, e Nata pondero,
Se os peitos, e mãos comparo;
Nos peitos de leite a Nata,
Nas mãos de avara a Tomásio.
Leotardo o coração julgo
Com rigores igualados;
É nos rigores mui Leo,
É nos favores mui Tardo.
Espino, e Salgado, amigo,
Quero nela ponderar-vos;
É seu desdém todo Espino,
Todo seu dito é Salgado.
Enfim se quereis de Clóri
Os favores soberanos,
Dai-lhe lições de Moneta,
Tereis estudos de Amato.
À FONTE DAS LÁGRIMAS, QUE ESTÁ
NA CIDADE DE COIMBRA
Romance VI
Verte pródiga ũa penha
Das durezas apesar
Serenidades de aljôfar,
Esperdiços de cristal.
Esta penha carregada
Em triste sombra se faz,
Por perder de Inês a luz,
Por sentir de Inês o mal.
Dos dois amantes é pranto,
Que em ser duro o Amor fatal
Entre durezas o guarda,
Entre durezas o dá.
Doce, e liberal a prata
Fonte de amor se diz já.
Que Amor se alimenta doce,
Que Amor se induz liberal.
Sua a penha; mas que muito,
Se no adusto cabedal
Quis pranto de ardor verter,
Quis fogo de amor suar.
O Deus Frecheiro se admira
De ver que com pranto tal
Verde lisonjeia o prado,
Ameno respira o ar.
De sua fé retratava
A bela Inês singular
A constância no penhasco,
A pureza no cristal.
Quando voa a turba alada,
O vendado Deus rapaz,
Faz Cupidilhos das aves,
Forma Chipre do lugar.
Os limos no largo tanque
Ali se vêm pentear,
Que a seus úmidos cabelos
Pentes de prata lhes dá.
Ali Vênus celebrada
Das cristalinas Irmãs,
Estima as Ninfas do tanque,
Despreza as Ninfas do mar.
Ali muitos choupos crescem
Verdes, que verdes os faz
Aquela firme esperança
Daquele amor imortal.
A um tempo do vento, e d'água
Sobe, e campa cada qual
Tifeu do vento frondoso,
Narciso d'água galã.
Esta das lágrimas fonte
Na douta Coimbra está,
Que se é do saber escola,
Diz que Pedro soube amar.
SEGUNDO CORO DAS RIMAS CASTELHANAS EM VERSOS AMOROSOS DA MESMA ANARDA
PROÊMIO
Soneto I
No canto hazañas de Mavorte impío,
Canto victorias de Cupido airado,
Cuando en la guerra atroz de mi cuidado
Cautivó dulcemente mi albedrío.
A pesar de envidioso desvarío
Pretende ser mi amor eternizado
Por divina virtud de un bello agrado,
Que reverente adora el pecho mío.
Si en ansia ardiente al corazón encalma
El fuego amante de un gentil sujeto,
Corone el canto de mi amor a la palma.
Mi fuego pues con uno y otro efecto,
Si da con vivo mal ardor al alma,
Dé con sabio favor Luz al concepto.
ENCARECIMENTO DA FERMOSURA DE ANARDA
Soneto II
Bello el clavel ostenta sus colores,
Bella la rosa en el jardín se admira,
Bello el lirio fragante olor respira,
Bello el jasmín se viste de candores.
Bello el Abril produce alegre flores,
Bello el Sol en la cuarta esfera gira,
Bella la Fénix nace de su pira,
Bella la Luna esparce resplandores.
Mas con Anarda dulcemente hermosa
No puede hallarse en todo el suelo alguna
Hermosura, que brille luminosa.
Con su belleza singular ninguna
Belleza tener pueden clavel, Rosa,
Lirio, Jazmín, Abril, Sol, Fénix, Luna.
DIFERENTES EFEITOS DE UM PEITO
AMANTE, E ROSTO AMADO
Soneto III
Hermoso siempre, siempre atormentado,
Tu rostro agrada, vive el pecho mío,
Roba tu rostro el fácil albedrío,
Siente mi pecho el infeliz cuidado.
Tu rostro alegre de mi pecho amado,
Mi pecho amante de tu rostro impío,
Luce tu rostro en bello señorío,
Arde mi pecho en fuego suspirado.
Sufre penas mi pecho lastimoso,
Ostenta resplandor tu rostro tierno,
Con luz tu rostro, el pecho sin reposo.
Viendo tu gracia pues mi mal eterno,
Veo en tu rostro el paraíso hermoso,
Veo en mi pecho el miserable infierno.
NÃO PODE AMAR OUTRA DAMA
Soneto IV
Del ave ilustre, que en primor lozano
De las otras se vio Reina volante,
Bebiendo rayo a rayo el sol brillante,
Peinando vuelo a vuelo el aire vano.
Sus alas, si las junta alguna mano,
Consumen cualquier ala en lo arrogante:
Que aun el odio en las aves es constante,
Que aun aprenden el mal del ser humano.
Así pues en mi amor, que en bellas galas
Es águila mejor de lucimientos,
Si, Anarda, con tus ojos le regalas,
Consumen, si las juntan mis intentos,
Como reales alas otras alas,
Mis pensamientos otros pensamientos.
ENCARECIMENTO DO RIGOR DE ANARDA
Soneto V
No es tan contrario el ocio del cuidado,
Del vicio descortés el caballero,
Del vasallo fiel el lisonjero,
Del discreto saber el rico estado,
Del Monarca perfecto el rostro airado,
Del noble corazón el odio fiero,
Del engañoso vil el verdadero,
La dicha alegre del hermoso agrado:
No es tan contraria, no, la hipocresía
De la virtud desnuda, y del sosiego
Con sangriento rigor la guerra impía;
No es tan contrario, no, del agua el fuego,
El bien del mal, y de la noche el día,
Como se opone Anarda al niño ciego.
QUE O AMOR HÁ DE SER POUCO
FAVORECIDO
Soneto VI
Cuando acaso se enciende el fuego ardiente,
Las cóleras de llamas vomitando,
Si aura poca respira un soplo blando,
Le fomenta las llamas blandamente.
De suerte que se aviva más luciente
En sus llamas hermosas; pero cuando
Aura mucha está soplos respirando,
Mata sus llamas, y su ardor desmiente.
Pues así, si el Amor con fuerza impía
Aviva llamas, cuando a un pecho trata,
Con la misma ocasión su ardor se enfría;
De suerte que a su llama, oh dulce Ingrata,
El aura poca de favor le cría,
El aura mucha de favor le mata.
ESTUDO AMOROSO
Soneto VII
Dichosamente soy docto estudiante
En la universidad de tu belleza;
Aprendiendo preceptos de tristeza,
Aprendiendo también leyes de amante.
La justicia, es amar tu Sol brillante
Con infalibles reglas de fineza,
Defendiendo altamente la firmeza,
Negando sabiamente lo inconstante.
Es Aula el corazón en mis pasiones,
Do se explican del llanto los despojos,
Son los olvidos falsas opiniones:
Y decorando fácil tus enojos,
Lecciones de morir son las lecciones,
El Maestro el Amor, libros tus ojos.
QUE SEU AMOR SE VÊ PERDIDO NOS
OLHOS, E CORAÇÃO DE ANARDA
Soneto VIII
La vista de tus ojos brilladores
El alma, Anarda esquiva, considera
Del fuego abrasador mejor esfera,
Dos hermosos epítomes de ardores.
Tu corazón, Anarda, en los rigores,
Que a un pecho amante esquivamente altera,
Todo hielo en desdenes se pondera,
Todo nieve se copia en disfavores.
En graves penas, en tristezas sumas
Ningún sosiego de mi amor aclamas,
Porque con dos motivos le consumas;
Pues volando mi amor cuando le inflamas,
Tu vista abrasa sus incautas plumas,
Hiela tu corazón sus dulces llamas.
QUE NÃO PODE O AMOR ABRASAR
A ANARDA
Soneto XII
El diamante que en fondo luminoso
Entre piedras de precios excelentes,
Si las otras se ven Astros lucientes,
Él brilla de las otras Sol hermoso.
Si le asiste el veneno riguroso,
Vibra el diamante fuerzas tan vehementes
Que impide las ponzoñas más valientes,
Que resiste al rigor más venenoso.
Así pues la belleza esquiva, y pura
De Anarda hermosa el mismo efecto aclama,
Cuando con ella Amor su llama apura.
Pierde su fuerza pues, y no la inflama,
Siendo diamante, la belleza dura,
Siendo veneno, la amorosa llama.
QUE ATÉ QUANDO DORME
NÃO DEIXA DE CHORAR
Soneto XIII
Cuando amorosas penas atesoro
En hermoso de incendios dulce encanto,
Con mil endechas lloro lo que canto,
Con mil lágrimas canto lo que lloro.
Prende el sueño mis penas, y no ignoro
Que me embarga las ansias de mi llanto,
Quizá porque en mi fe no llore tanto,
Que pueda faltar llanto en lo que adoro.
Mas cuando al sueño llama dulcemente
No tiene Amor las lágrimas en calma,
Porque dentro del alma las consiente:
Que en ella viendo Amor su dulce palma,
Si deja de llorar hacia la frente,
Quiere llorar entonces hacia el alma.
LÁGRIMAS DE ANARDA POR OCASIÃO
DE SEUS DESDÉNS
Soneto XIV
Cuando fulmina borrascoso el Cielo
Lluviosas armas del Diciembre impío,
Flechando al pecho con agudo frío,
Cerrando el día con nublado velo;
Cuando embarga con cándido desvelo
El hielo prisionero en pobre río,
Como la perla del gentil rocío
Nace el cristal del embargado hielo.
Así también, Anarda, cuando tienes
El pecho esquivo al amoroso encanto,
Es fuerza que el cristal del llanto ordenes;
Pues con la misma acción, que imitas tanto,
Si tu pecho es un hielo de desdenes,
Del hielo del desdén nace tu llanto.
VERIFICA ALGUMAS FÁBULAS EM SEU AMOR
Soneto XV
No es fabulosa, no, la angustia viva,
Que padece ligado el Prometeo,
Pues el águila ilustre de un deseo
Roe mi pecho en la prisión altiva;
No es fabuloso, no, que en la nociva
Sombra infernal cantase el sacro Orfeo,
Pues en infierno de amoroso empleo
Canto con rudo plectro pena esquiva.
No es fabuloso de Faetón osado
El intento del Sol mal conseguido,
Ni de Isis el desvelo enamorado:
Que está mi pensamiento, y mi sentido
Al rayo de un rigor precipitado,
Al lazo de un afecto suspendido.
AMOR NAMORADO DE ANARDA
Soneto XVI
Cansado el ciego Dios de herir flechero
Las nobles almas con incendio hermoso,
Quiso buscar sosiegos de gustoso
Quien motiva cuidados de severo.
Viendo de Anarda el rostro lisonjero,
Pensó que Venus era, y delicioso
Gustando en ella halagos de un reposo,
Provó lo dulce, reprovó lo fiero.
Pero después sabiendo (en lo arrogante)
Que Anarda no era Venus, inflamado
Amó de Anarda la beldad triunfante;
De suerte que en asombros del cuidado
El propio Amor se vio de Anarda amante,
El propio Amor se vio de amor flechado.
CANÇÕES
SOLICITA A ANARDA PARA UM CAMPO
Canção I
Ven, Anarda brillante,
Darás luces al día,
Quitarás la tiniebla al alma mía;
Darás al mismo instante
Con tus plantas, y rayos
Alientos al vergel, al Sol desmayos.
II
Ven al prado, y si alcanza
Piedades el morirme,
Mira el verde laurel, el roble firme;
Pues dirá mi esperanza,
Pues dirá mi amor noble,
Mi esperanza es laurel, mi amor es roble.
III
Verás que el Tajo apura
Oro, y plata canora,
El jazmín, y el clavel, que alienta Flora
Porque de tu hermosura
Retraten el tesoro
El clavel, el jazmín, la plata, el oro.
IV
Si fiera te pregona,
Como hermosa, mi vida,
Este jardín, y bosque te convida.
Pues para tu corona,
Y para el mal, que alteras,
Flores brota el jardín, el bosque fieras.
V
Ven en fin, que si vienes,
En acentos suaves
Esos floridos coros de las aves
Te darán parabienes,
Pues si vienes ahora,
Verán tus ojos Sol, tu rostro Aurora.
VI
Ven pues al bosque, y cuando
Vinieres fatigada,
Aquí te ofrecen, oh Ponzoña amada,
El río cristal blando,
El viento auras gustosas,
Los olmos pabellón, lecho las rosas.
VII
Ven en fin, que la fuente
(Si callo lo que lloro,
Si me encubro la fe, con que te adoro)
Por cándida, y corriente
Te dirá con su canto
La fe de un pecho, de un amor el llanto.
Canción, nunca de Anarda
Hablando la hermosura,
Que no soy dulce Orfeo de Anarda dura.
ANARDA FINGINDO CIUMES
Canção II
I
Anarda, si otros ojos
Me dan desasosiego,
Para causarte enojos
Vibren tus ojos luego,
No rayos de esplendor, rayos de fuego.
II
Si otro rostro me alienta
Amorosos dolores;
En tu rostro, que aumenta
Como Áspid, los rigores,
Coja venenos yo, buscando flores.
III
Si otra boca me apura Ostentaciones finas;
Por que castigues dura
Lo propio, que imaginas,
De tu boca en las rosas halle espinas.
IV
Si por mi corta suerte
Otro cabello adoro;
Rompa la Parca fuerte
Cuando el tuyo enamoro
Los hilos de mi vida en hilos de oro.
V
Si otra mano venero
Con amor soberano,
Cuando tu mano quiero;
Sea a mi ardor ufano
Como nieve en candor nieve tu mano.
VI
En fin si a lo penoso
De otro amor me condeno;
Tu Cielo luminoso
Con nubes de iras lleno
Turbio lo vea yo, nunca sereno.
Canción, si Anarda tiene
El alma, que amor cría,
Sépalo su rigor del alma mía.
MADRIGAIS
DESENGANO DA FERMOSURA DE ANARDA
Madrigal I
Anarda, tus engaños
No dejen marchitar tan verdes años,
Adviertan tus locuras
Que el tiempo es fiero Estío de hermosuras.
Y a ti misma en ti misma irás a buscarte,
Y a ti misma en ti misma no has de hallarte.
ANARDA NEGANDO CERTO FAVOR
Madrigal II
Culpóme por agravios
(Por querer ser Abeja de sus labios):
Anarda esquiva, y luego
Hurtándole un clavel mi dulce fuego,
Le dije: Dueño hermoso,
Aunque no quieras tú, seré dichoso,
Besando del clavel porción tan poca,
Pues si beso el clavel, beso tu boca.
ANARDA VISTA, E AMADA
Madrigal III
Cuando las luces de tus ojos veo,
Se enciende mi deseo,
El corazón se inflama
De suerte pues, que en la amorosa llama,
Las que en tus ojos son luces vivientes,
Son en mi corazón llamas ardientes.
AMANTE SECRETO
Madrigal IV
Corazón, arde, y vea
El amor los silencios, satisfecho
De tus cenizas sea
(En cenizas deshecho)
Sepulcro interno tu callado pecho.
MÚSICA, E CRUEL
Madrigal V
Con lisonjera voz mi Bien cantaba,
Ya las piedras quitaba
De su naturaleza
(Quedando a su voz tiernas) la dureza;
Pero cuando se muestra tan impía,
Lo que a piedras quitaba, en sí ponía.
AMOR DECLARADO PELOS OLHOS
Madrigal VI
Cuando inflama escondido
El fuego en sus ardores repetido,
Sube la llama, y luego
Por los balcones se publica el fuego;
Si mi fuego me inflama,
Sube a los ojos la amorosa llama,
Y si a los ojos, cual balcón, se aplica,
Mi fuego muestra, y mi pasión publica.
ANARDA BORRIFANDO OUTRAS DAMAS
COM ÁGUAS CHEIROSAS
Madrigal VII
Vierte la blanca Aurora
Cuando en los campos dulcemente llora
Sobre las flores bellas
El rocío, que sudan las estrellas:
Así pues rocía Anarda con olores,
Siendo Anarda la Aurora, ellas las flores.
RIGOR, E FERMOSURA
Madrigal VIII
Sintiendo tus rigores
Al corazón maltratan mil dolores;
Viendo tus luces puras,
A los ojos recrean mil dulzuras;
Causa pues tu belleza en los enojos
Tormento al corazón, gloria a los ojos.
AMOR MEDROSO
Madrigal IX
Quiero explicar mi daño
En lo amargo dolor de un dulce engaño:
Mas, cuando Anarda veo,
Porque ve tanta luz, tiembla el deseo;
De suerte que variando el dulce fuego,
Temblores hallo, cuando al Sol me llego.
ANARDA VENDO-SE A UM ESPELHO
Madrigal X
Un espejo a mi Dueña retrataba,
Y ella se enamoraba
De su propia belleza;
De suerte que en asombros de fineza
Extraños celos a mi amor apura
Con su propia hermosura su hermosura.
AO MESMO
Madrigal XI
Si el espejo retrata
De tu rara hermosura la altiveza,
Desengañarte trata,
Queriendo allí que mire tu esquiveza
Que es sombra tu belleza.
ETNA AMOROSO
Madrigal XII
Si Cupido me inflama,
Si desdeñas mi empleo;
En amorosa llama,
En nieve desdeñosa el Etna veo,
Con amor, y tibieza
Tenemos su firmeza,
Y en disonancia breve
Suspiro fuego yo, tu brotas nieve.
AIS REPETIDOS
Madrigal XIII
Si suspiros aliento,
No son blandos alivios del tormento,
Vientos sí, que en dolores
Blandamente respiran mis amores,
Porque aviven al pecho, que se inflama
Del fuego amante, la perpetua llama.
DOENÇA AMOROSA
Madrigal XIV
En un penoso lecho
Enfermo vive el pecho;
Los pulsos alterados
Son los varios cuidados,
La cura es la beldad, que amante veo,
La dolencia el Amor, fiebre el deseo.
JARDIM AMOROSO
Madrigal XV
Es mi llama dichosa
Como purpúrea rosa;
Es planta la firmeza
De amorosa terneza;
Por dulce, no por grave
Es el suspiro Céfiro suave;
Y cuando más se adora,
Es mi amor jardinero, Anarda Flora.
GUERRA AMOROSA
Madrigal XVI
Si mi pecho arrogante
Quiere el Reino feliz de la hermosura,
La valentía apura
De una firmeza amante;
Arma fuertes dolores por soldados,
Son los finos cuidados
Las armas, con que cierra,
Enemigo el desdén, Amor la guerra.
ANARDA VESTIDA DE AZUL
Madrigal XVII
Lo azul mi bien vestía,
Como quien a los ojos publicaba
Que quien Cielo se veía;
Como Cielo se ornaba;
Pero dando lo azul celosa pena,
Al infierno de celos me condena,
De suerte que lo azul a mi amor tierno
En ella fue de Cielo, en mí de infierno.
RETRATO AMOROSO
Madrigal XVIII
Amoroso retrato
Quiero ofrecer de Anarda al rostro ingrato;
Sombras son mis tormentos,
Varios colores son mis pensamientos.
Es pintor amoroso
El amor ingenioso,
Y en gloria satisfecha
Es lienzo el corazón, pincel la flecha.
DÉCIMAS
ANARDA CRUEL, E FERMOSA
Décima I
Cuando el desdén luminoso
De Anarda bella pondero,
Enamora con lo fiero,
Y maltrata con lo hermoso:
De suerte que en lo amoroso
De mal pagada firmeza,
Porque logre mi tristeza
Entre gloriosa ventura,
Hizo fiera la hermosura,
Hizo hermosa la fiereza.
II
Blanca la frente se aviva,
El pecho duro se estrena;
Este motiva la pena,
Aquella gloria motiva:
Y en esta congoja viva,
En esta gloria alcanzada
Nevada sierra es llamada,
Si lo blanco, y duro encierra,
Siendo por lo duro fiereza,
Y por lo blanco nevada.
III
Ya su corazón embebe,
Ya dibujan sus verdores,
Estos pinturas de flores,
Aquel tibiezas de nieve:
Cuando pues mi amor se atreve
De su hermosura a lo tierno,
De su rigor a lo eterno,
Al mismo tiempo pondera
Que es su rostro Primavera,
Que es su corazón Invierno.
CORAIS DE ANARDA
Décima I
Ese coral venturoso,
Que para aseos de un lazo
Pudo llegar a tu brazo,
Siendo por necio dichoso;
¡Oh cómo brilla glorioso,
Abonando su fineza,
Con tu divina belleza!
Pues ya debe su valor
A tu boca la color,
A tu pecho la dureza.
ANEL DE OURO DE ANARDA
Décima I
Adorno de oro lozano
Mano esquiva aprisionó,
Y no es pozo, pues se vio
Prisionera aquella mano:
Pero en lustre soberano
El oro en la mano ingrata
Tan bellamente la trata,
Que le juzgo aquel tesoro
Breve Zodíaco de oro
En breve ciclo de plata.
SONO INVOCADO
Décima I
Vuela, sueño delicioso,
A darme un ocio furtivo,
Si algún descanso en lo esquivo,
Puede admitir lo amoroso;
Prende los ojos piadoso,
Que si los prendes, se advierte
Por justiciera tu suerte,
Que (Amor teniendo la palma)
Traición hicieron al alma,
Causa dieron a mi muerte.
CÉU NO ROSTO DE ANARDA CONSIDERADO
Décima I
Un Cielo a su rostro veo
Entre esplendores amados.
Dos breves negros nublados
Son de sus cejas aseo;
Es en parecido empleo
Alba la cándida frente,
Ojos Astros, Sol luciente
El cabello se confía,
Es la nariz láctea vía,
La boca puertas de Oriente.
Mote
Muriendo estoy de una ausencia,
Ysi bien muriendo estoy,
No me mata lo que paso,
Mátame lo que pasó.
Glosa
Décima I
Cuando Anarda, en lo arrogante
De una ausencia me apercibo,
A un tiempo me muero, y vivo
De lo ausente, y de lo amante.
Vida del alma constante
Es de un amor la vehemencia,
Que es su propia inteligencia;
De suerte que en mi dolor
Viviendo estoy de un amor,
Muriendo estoy de una ausencia.
II
En esta ausencia que veo,
Afino mi pensamiento,
Lo que es gloria, es mi tormento,
Lo que es pena, es mi deseo;
Vivo con penoso empleo,
Y en la gloria muerto soy,
Si algún bien al alma doy:
De suerte, que en lo que emprendo,
Si estoy mal, estoy viviendo,
Y si bien, muriendo estoy.
III
Solo mi amor ha sentido
De esta ausencia lo tirano,
Que se junta como hermano
Con una ausencia un olvido;
Y se mide mi sentido
De mi pensamiento a mi plazo
El olvido, al mismo paso,
Aunque sufro un mal intenso,
Mátame, sí, lo que pienso,
No me mata lo que paso.
IV
Si muchas veces pondero
Lo que en tu vista he logrado,
Es verdugo del cuidado,
Si antes fue blando, es ya fiero;
De suerte que considero
Que cuando el bien se logró,
Vida, y muerte ocasionó,
Pues en queja padecida
Lo que pasó me dio vida,
Mátame lo que pasó.
ROMANCES
RIGORES DE ANARDA REPREENDIDOS
COM SEMELHANÇAS PRÓPRIAS
Romance I
¡Anarda en agrado esquivo!
Anarda en bella exención
Eres Diosa, siendo fiera,
Eres Áspid, siendo flor.
Si eres jardín de hermosura,
Ve del jardín la sazón,
Que es ya florida lisonja,
Si era desnudo rigor.
Si eres fuente en tus cristales,
Ve la fuente, que al favor
Es ya corriente de plata,
Si era de nieve prisión.
Si eres rosa, ve la rosa,
Que en liberal presunción
Comunica rojo agrado,
Presta oloroso vapor.
Si eres Cielo, imita al Cielo,
Que en cuaderno brillador
Es ya de luces papel,
Si fue de nieblas borrón.
Si eres estrella, a lo menos
Las brota oscura ocasión,
Siendo al campo de Zafir
Azucenas de esplendor.
Si eres Aurora, la Aurora
Mostró siempre y siempre dio
Al Orbe purpúrea frente,
Al vergel cándido humor.
Si eres Sol, al Sol advierte,
Que no siempre lo encubrió
Rigurosa densidad,
Descortés exhalación.
Si eres Deidad, las Deidades
Ostentan piadosa acción,
No forman un Dios las aras,
Los ruegos hacen un Dios.
En fin, si eres bella, Anarda,
Ve que parece mejor
Con aura blanda un jardín,
Con sereno día el Sol.
BOCA DE ANARDA
Romance II
Abrevia, Anarda, tu boca
En el callar, y reír,
Toda Fenicia a su grana,
A su plata el Potosí.
Cuando veo en dulces voces
Tu rojo clavel abrir,
En los aires todo es ámbar,
Todo en sus labios carmín.
Prodigiosamente juntos
En ella quieren vivir,
Mucho Enero en poca nieve,
En poca flor mucho Abril.
Las perlas cría la boca,
Y no es mucho presumir
Que ellos son granos de perlas,
Que ella concha de rubí.
Cuando tus labios se abrochan,
Atento los advertí
Dos cortinas de escarlata
Para un lecho de marfil.
Juzgo en fin que el Cielo mismo
Te dio por envidias mil
Una herida de clavel Con un golpe de alhelí.
ANARDA BANHANDO-SE
Romance III
Por la tarde calurosa
Anarda vino a bañarse,
Que esto de echarse a las aguas
Es muy del Sol por la tarde.
Desnudóse, y vióse ornada,
Porque es en mejor alarde
Rico adorno una hermosura,
Hermosa gala un donaire.
A un tiempo humilde, y soberbio,
Queda el cristal del estanque,
Humilde, por excederse,
Soberbio, por ocuparse;
De suerte, que al mismo punto
Se notaba al blanco examen
Cristal con cristal vencerse,
Plata con plata lavarse.
Las aguas pues, y los ojos,
Parecieron al juntarse,
Las aguas blancas vidrieras,
Los ojos Soles brillantes.
Cuando las aguas se mueven,
Parece allí que se aplauden,
Formando líquidas voces,
Haciendo cándidos bailes.
Entre el agua, y entre espuma
Por competencias iguales
Ángel del agua parece,
Venus de la espuma nace.
Amor confuso se admira
De ver que no se desaten
En cenizas las espumas,
En incendios los cristales.
Cual Cintia no me dio muerte,
Porque con más pena acabe
A las manos de un deseo,
A los golpes de un ultraje.
¿Qué pecho librarse puede
De amor, si las aguas se hacen,
Siendo a las llamas opuestas,
De los incendios capaces?
ANARDA COLHENDO FLORES
Romance IV
De un jardín despoja Anarda,
Bien que robado, feliz,
Las caricias de la Aurora,
Las alhajas del Abril.
Aunque las coge, no menguan,
Pues con donaire gentil
Cuantas coge allí la mano,
Tantas el pie cría allí.
Las que coge, y las que deja
En el florido pensil,
Unas morir de corridas,
Otras de envidiosas vi.
Mil flores rinde a sus manos,
Y entonces vieras rendir,
Más que a sus manos mil flores,
A sus ojos almas mil.
Con su roja, y blanca frente
Dichosamente advertí
Que no era la rosa rosa,
Que no era el jazmín jazmín.
Todo a su mano quisiera
Morir, si pudiese así
En ella resucitar,
Y segunda vez morir.
Yo que veía estar cogiendo
El animado marfil
Las flores ya venturosas,
Esto le pude decir:
Anarda, a tus luces
Es acción civil,
Que lo que le diste,
Quites al jardín.
Desengaños oye
A tu presumir
De olorosa nieve,
De ámbar carmesí.
ANARDA DISCRETA, E FERMOSA
Romance V
Cual es más, el Orbe duda
(Anarda entendida, y bella),
Si tu gallarda hermosura,
Si tu discreción perfecta.
¡Oh cómo con dos asombros
Animas dos gentilezas!
Una, que a tu ingenio adorna,
Otra, que a tu rostro asea.
En tu copia de milagros
Se engañó naturaleza,
Pues, cuando te hizo entendida,
Quizá pensó que eras fea.
Pero no, porque era justo
Que en simpatía de prendas,
Haciendo hermosa la concha,
Hiciese hermosa la perla.
Cuando en ti solo abrazadas
Estas venturas se muestran,
Es amistad lo que es odio,
Paz se logra lo que es guerra.
Con mucha razón se casa,
Cuando igualdades ostentan,
Tan hidalgo entendimiento
Con tan hidalga belleza.
Tu discreción, y hermosura,
Si el alma advierte, pondera
Ser la discreción hermosa,
Ser la hermosura discreta.
En tu voz dulces panales
Labrando estás como abeja,
Ya con partido clavel,
Ya con menuda azucena.
Estos peligros no evita
La voluntad más exenta
Porque si de aquel escapa,
Después en este tropieza.
ANARDA PENTEANDO-SE
Romance VI
Surcando Anarda sus luces,
La mano entonces parece
En brillantes ondas de oro
Pequeño bajel de nieve.
Peine de marfil aplica,
Mas dudará quien la viere,
Si se peina los cabellos
Con la mano, o con el peine.
¿Quién puede temer borrascas?
En ondas de oro, ¿quién puede?
Pues turbias se temen nunca,
Lucidas se logran siempre.
Si entre las flores hermosas
Se hallan sierpes, bien se infiere
Que es su rostro hermosas flores
Sus cabellos rubias sierpes.
El Sol, y el Alba aquel día
Sin ser mañana aparecen,
Sol el cabello se esparce,
Alba la mano se ofrece.
Es tan luciente en sus rayos
El cabello, que bien puede,
Si faltare el Sol al día,
Ser sustituto luciente.
Desatado por el cuello
Contrarios efectos tiene,
Pues cuando más suelto al aire,
Entonces más almas prende.
Dije en fin que Amor echaba,
Para que las almas pesque,
En dulce mar de jazmines
Dorados hilos de redes.
ANARDA FUGINDO
Romance VII
Anarda, corres en vano,
Que cuando el alma me llevas,
Aunque vueles, no te apartas,
Aunque corras no me dejas.
Mis males, y quejas oye;
Mas no, que si oyes mis penas,
Ya dejarán de ser males,
Ya dejarán de ser quejas.
Y si solo por matarme,
Dulce enemiga, te alejas,
Espera, no te apresures,
Que me matarás, si esperas.
Oye la peña mis voces,
Párase el Tigre con ellas;
Para, Anarda, si eres tigre,
Oye Anarda, si eres peña.
Mira estas blandas corrientes
De llanto, que Amor las echa
Para aprisionar tu planta,
Para estorbar tu carrera.
Oh si la Diosa de Chipre
Dorados pomos me diera,
Para ver si pies de plata
Con pomos de oro se enfrenan.
No por mí quiero que escuches,
Sino por ver que en las hierbas
Fatigas tu cuerpo hermoso,
Ofendes tus plantas tiernas.
Si ahora te convirtieses
Sacro laurel, ya tuviera
El verdor en mi esperanza,
La corona en mi firmeza.
Lo tierno de estas razones
No escuchas, Anarda bella,
Que Áspid eres, cuando sorda,
Que Áspid eres, cuando fiera.
PENSAMENTO ALTIVO EM
O AMOR DE ANARDA
Romance VIII
Temerario pensamiento,
Vuelve acá, no vueles no,
Ve que son cera tus alas,
Mira que vuelas al Sol.
Si cual Ícaro despliegas
Tu vuelo, temiendo estoy
En el río de mi llanto
El sepulcro de tu error.
Si al Cielo subes, el Roble
Te desengaña el valor,
Que si era Tifeo de ramos,
Es ya del rayo Faetón.
Si un mar de belleza surcas,
La nave, que el mar surcó,
Es ya náufrago escarmiento,
Si era leño volador.
Si al Sol te ofreces, advierte
De un clavel la desazón,
Que es ya despojo de llamas,
Si era púrpura de olor.
Si un duro castillo asaltas,
Mira que ahora se armó
Los cañones de impiedad
Contra las flechas de Amor.
Si buscas el Vellocino
Del cabello brillador,
Ve que le guardan fierezas,
Mira que no eres Jasón.
Abate en fin la osadía,
No quieras dos muertes hoy,
Una muerte al desengaño,
Otra muerte al disfavor.
ANARDA SAINDO A UM JARDIM
Romance IX
Al prado muy de mañana
Anarda sale a un jardín,
Que es estilo del Aurora
Muy de mañana salir.
Ya por Reina de las flores
(Perdone la Rosa aquí)
La aclama el vulgo frondoso,
La jura el noble pensil.
Si bien cuando purpurea
De tanta rosa el rubí,
Más gentil color recibe
De esta Venus más gentil.
Viéndola el rojo clavel,
Viéndola el blanco alhelí,
Era desmayo el candor,
Era vergüenza el carmín.
Nacen mil flores, y cuando
Vieron tanta nieve allí.
Recelaron por Diciembre
Lo que logran por Abril.
Doblan sus ramos las plantas,
Y en lisonjero servir
No es natural fuerza, no,
Es cortés respeto, sí.
Cuando parlaba un arroyo,
Eran lenguas de agua al fin,
Que le celebran lo hermoso,
Que le aplauden lo feliz.
Ausentóse Anarda, y como
El Sol se ausenta, advertí
El jardín sin florecer,
La mañana sin lucir.
ANARDA CANTANDO À VIOLA
Romance X
Pulsa Anarda a un tiempo, y forma
Con una, y con otra acción
Leño armonioso su mano,
Canoro néctar su voz.
Era la música entonces
Dulcísima igual prisión
De las almas, que condujo,
De los vientos que enfrenó.
Todo el corazón se rinde
A tan suave favor,
Que contra su voz Sirena
No hay Ulises corazón.
Parece allí que escondido
Canta en ella un ruiseñor
A la Aurora de su frente,
De sus cabellos al Sol.
Llama al oído, y la vista
Con dobles glorias, que unió,
El oído a su concento,
Y la vista a su esplendor.
Con dos agrados del alma
Dos veces Cielo se vio,
Cielo en plácida armonía,
Cielo en bella ostentación.
En dos claveles parleros
Su música pareció
Corriente de mil dulzuras
Por senda de flores dos.
Hiere en fin los corazones,
Pues para la herida son
Flechas de Amor los acentos,
La Lira aljaba de Amor.
ANARDA FERINDO LUME
Romance XI
En un pedernal Anarda
El fuego solicitó,
¿Cómo pide al pedernal
Lo que pudiera a mi amor?
De la piedra saca el fuego:
Que es costumbre del ardor
Sacar fuego una belleza
Cuando es piedra un corazón.
La piedra hiriendo, y las almas,
Las heridas confundió,
Pues ambas de Anarda viven,
Pues ambas de fuego son.
Cuando mueren las centellas,
Estrellas las juzgo yo,
Que allí caduca su luz,
Porque allí brillaba el Sol.
Si no es ya, que en tanta nieve
De su florido candor
Desmayó cada centella
Cuando tanta nieve vio.
Cada centella una dicha
De Amor juzga mi pasión,
Cuando hermosa se produjo
Cuando breve se extinguió.
Sale el fuego, y cuando sale
El vómito abrasador,
No es de la piedra virtud,
Es de sus ojos acción.
Hizo en fin la lumbre, y luego
La compara el niño Dios
Con la lumbre en su lucir,
Con la piedra en su rigor.
MORRE QUEIXOSO
Romance XII
En acentos lastimosos
Mi corazón se acredite,
Si en dulce amor salamandra,
En muerte quejosa Cisne.
De Anarda se queje el alma,
Que en bello rigor admite
Las espinas en sus rosas,
Las sierpes en sus jazmines.
Dueño ingrato, advierte ahora
Que cuando a mi pecho asistes,
Que te ofendes, si le ofendes
Que te afliges, si le afliges.
Con los ojos, con el alma
Te transformas, te apercibes,
Por basilisco, por áspid,
Cuando matas, cuando finges.
Con los robles, con los olmos
Competimos, fiera Circe,
Tu con estos, por mudable,
Yo con aquellos, por firme.
Ya las fuentes, ya los prados
Sin tus plantas no se visten,
Ni cristal en los Diciembres,
Ni esmeralda en los Abriles.
Ya los campos por venganza
De que ahora no los pises
Abren hierbas venenosas,
Brotan espinas sutiles.
Dos muertes ya tiene el pecho,
Si su muerte pretendiste;
Muere en agua, cuando llora,
Muere en fuego, cuando gime.
Muerto estoy, demos al Mundo
Cuatro prodigios, que admiren,
Tu de tirana, y de hermosa,
Yo de amante, y de infelice.
MORTE CELEBRADA EM ENDECHAS
AMOROSAS
Romance XIII
Ya que conozco ahora
Difunta el alma, sean
Mis llamas los blandones,
Mis voces las exequias.
Las fuentes, y los campos,
Mi amor digan, y vean,
Pues dan voces las aguas,
Pues dan ojos las hierbas.
Hermosíssima Anarda,
Que en rigor, y belleza,
Eres tigre de luces,
Eres Sol de fierezas.
En esta muerte el alma
Porque te lisonjean,
Tus rigores estima,
Mis tormentos festeja.
Pero mi amor se aflige,
Si los gusta, que tenga
Aún contento en los males,
Aún gusto en las tristezas.
Padecer por sus ojos
No puedo, aunque padezca,
Pues son gustos los males,
Pues son glorias las penas.
Ya los males no temo,
Que es una cosa misma,
Mi vida, y mi tormento,
Mis días, y mis quejas.
Tanto el alma los quiere,
Que aun escrúpulo altera
Cuando en placeres habla,
Cuando en contentos piensa.
En la gloria me aflijo,
Mira pues mis finezas,
Que porque no es congoja,
La gloria me atormenta.
Tenga en fin, dulce Anarda, cuando muera
Vivo el amor, y la esperanza muerta.
VERSOS VÁRIOS QUE PERTENCEM AO SEGUNDO CORO DAS RIMAS CASTELHANAS, ESCRITOS A VÁRIOS ASSUNTOS
À MORTE DA SENHORA RAINHA
DONA MARIA SOFIA ISABEL
COMPARADA COM ECLIPSE DO SOL
Soneto I
Opónese la Luna al Sol flamante,
Y aunque le debe todo el lucimiento,
No le faltó villano atrevimiento,
Para oponerse ingrata al Sol radiante:
Siente la oposición la tierra amante,
Porque ve del eclipse el sentimiento,
Mas aunque el Sol parezca sin aliento,
Para el Cielo se queda Sol brillante.
Así la Reina pues, cual Sol lustroso,
El eclipse padece entristecido
A la tierra, que siente el fin penoso:
Pero volviendo al Cielo es tan lucido,
Que si a la tierra queda tenebroso,
Para el Cielo se ofrece esclarecido.
A UM JASMIM
Soneto II
Tu lozano candor de adorno vivo
Las estrellas del Cielo desafía,
Y si es gloria nevada al claro día,
Es lastimoso ardor al Sol nocivo.
¡Oh cómo en los jardines te apercibo
Hermoso Cisne en blanca lozanía!
Que respiras de olor dulce armonía,
Sintiendo de la muerte el golpe esquivo.
Tu cándida hermosura ves perdida
Entre halagos gentiles de tu suerte,
Siendo lo mismo muerta, que nacida;
Pues cuando tu fortuna más se advierte,
Con muerte dio principios a tu vida,
Con vida dio principios a tu muerte.
ADÔNIS CONVERTIDO EM FLOR
Soneto III
Llorando el bello Adonis Citerea
Entre el muerto coral, que llora tanto,
El prado reverdece con el llanto,
El prado con la sangre purpurea.
Admira en su dolor la luz Febea,
Si no la encubre el tenebroso manto,
Pues vino al día con funesto espanto
De la muerte infeliz la noche fea.
Mas un remedio su tormento quiere,
Que es convertirlo en flor por su fineza,
Y para que otra vez amarlo espere:
Que como es bella flor la gentileza,
Cuando en el golpe su belleza muere,
En la flor resucita su belleza.
NARCISO CONVERTIDO EM FLOR
Soneto IV
Del Silvestre ejercicio fatigado
Buscar quiere Narciso diligente
Los húmedos alivios de una fuente
En los ardientes gustos de un cuidado.
Halla la fuente en fin, y retratado
Galán de su belleza se consiente,
Y con engaños su hermosura siente
En el frío cristal el fuego amado.
En flor después el joven se convierte
Por piedad de los dioses merecida,
La piedad remediando el rigor fuerte:
Pues cuando en el jardín flor se convida,
Si las aguas le dieron triste muerte,
Ya las aguas le dan alegre vida.
À SEPULTURA DE UMA FERMOSÍSSIMA DAMA
Soneto V
Cortó dorado estambre Átropos dura
Con el cuchillo, si violento, ufano,
Al milagro divino de lo humano,
Al compendio feliz de la hermosura.
¡Oh de la Parca mano más impura!
¡Oh de la Parca golpe más tirano!
Impura, pues manchó candor lozano,
Tirano, pues truncó belleza pura.
Cuando tanta hermosura se destierra,
Si por llorar (¡oh peregrino!) el caso,
Quieres saber lo que esa losa encierra;
Advierte, mira que un mortal fracaso
Muchas flores esconde en poca tierra,
Muchos soles sepulta en breve ocaso.
CANÇÕES
DESCRIÇÃO DA MANHÃ
Canção I
I
Aurora vengativa
De nublados enojos,
Con que al día agravió noche estrellada,
Lucidamente airada,
Castigando a la noche fugitiva
Sus oscuros despojos,
El manto le rompió, cegó sus ojos.
II
De flores coronada
Derrama dulcemente
El néctar matutino al Sol infante,
Que se mece brillante,
Siendo el rocío leche destilada,
Que en niñez de viviente
Leche el Alba le da, cuna el Oriente.
III
De suerte que luciendo
Con aplauso canoro,
Del Rey del Cielo es Nuncia brilladora,
Y de la roja Aurora,
Como de roja flor, el Sol naciendo,
Brota en bello tesoro
La flor de rosicler, el fruto de oro.
IV
Sale el farol radiante,
Alma hermosa de Mayos
Pestañeando al día luz dudosa,
Y si es en gracia hermosa
Del Hemisferio claro ojo flamante
Forma en rojos ensayos
Por frente el Cielo, por pestañas rayos.
V
Tirando al coche, luego
Calor ardiente ahúman
Los caballos en calles de esplendores,
Y en lucidos ardores
Estrellas pisan, y relinchan fuego,
Y porque más presuman,
Púrpura ruedan, resplandor espuman.
VI
El Cielo venerado
Con plácida armonía,
Que alterna al aire volador desvelo,
Con reverente celo
Al Cielo le festejan lo sagrado
En cultos de alegría
Siendo lámpara el Sol, y templo el día.
VII
El Oriente vestido
De purpúreos candores
Jazmines viste, rosas purpurea,
Y si de luz se asea,
Luminoso se ve, se ve florido
De suerte, que en primores
Jardín de rayos es, Cielo de flores.
Canción, si quieres ser eternizada,
Di que en calladas tintas
Cuando pintas el Sol, Anarda pintas.
DESCRIÇÃO DO OCASO
Canção II
I
Del camino luciente fatigados
Corriendo el cuarto giro todo el día
Buscan a Tetis fria
Los cuatro brutos de Faetón alados;
Frágiles ya con últimos alientos,
Ya con ardor sedientos
Cuando a Neptuno el hospedaje deben,
Corales pacen, y cristales beben.
II
Bella Anfitrite en cristalinos brazos
Recibe alegremente al Sol brillante,
Que en gala de flamante
Le da de incendio amor, y de oro abrazos;
Y cuando mar de fuego el Sol parece,
Con las llamas, que ofrece,
Anfitrite en el último sosiego
Recoge en un mar de agua un mar de fuego.
III
Brillando cual antorcha el Sol lustroso,
(Contra las nieblas del oscuro coche,
Que conduce la noche)
Siendo el Cielo aposento luminoso,
Siendo pálida cera el oro ardiente,
Al último occidente
(Porque nuestro Zodíaco no alumbre)
Gastóse el oro, y se extinguió la lumbre.
IV
Apolo bello bellas ansias siente
Cuando forma crepúsculo dorado
En el cristal salado
Ya con achaques de esplendor doliente,
Y agonizante con la hermosa vida
Frágilmente lucida
Fluctúa, cuando cierra su tesoro
En urna de cristal el cuerpo de oro.
V
Muere el Sol, y las sombras del abismo
Empiezan a salir en vuelo oscuro,
Si bien esplendor puro
De estrellas sustituye al parosismo,
Que en el mar sepultado el noble Apolo,
Sirve de templo el polo,
Y al túmulo mortal, porque lo aliñen,
Sombras enlutan, y blandones ciñen.
VI
En favor de la noche resplandece
Al Héspero luciente Citerea,
Que entre la sombra fea
Cuando se esconde el Sol, ella amanece,
Cuando amanece el Sol, escóndese ella,
Siendo a su gracia bella
El Oriente gentil Ocaso ardiente,
El Ocaso mortal hermoso Oriente.
Canción, también me esconde
Entre tinieblas de congoja tarda
La noche de la ausencia el Sol de Anarda.
ROMANCES VÁRIOS
CAÇADORA ESQUIVA
Romance I
Sigue los tigres huyendo
Del fiero vendado Dios
Sin ver que en igual fiereza
Lo mismo es tigre, que Amor.
Una Zagala del Duero,
Que al mismo tiempo se vio
Para las almas serpiente,
Para los jardines flor;
Y para ser Cielo en todo,
El mismo Cielo le dio
En su pecho la mudanza,
En sus ojos la color.
Por feroz, y hermosa siempre,
Todo en el campo rindió,
A las almas, por hermosa,
A los brutos, por feroz.
Cuando fatiga las selvas,
¡Oh, cómo paga mejor!
Si al campo fieras le quita,
Al campo flores le dio.
Con razón la sigue entonces
Un amante cazador,
Pues cuando siguió la Ninfa
La fiera entonces siguió.
Hermosa Muerte, le dice,
Espera, no corras, no,
No merezca un fiero bruto
Más que un discreto amador.
¡Oh, cómo por estos bosques
Sol te advierto en doble acción!
Eres Sol en ligereza,
Eres Sol en esplendor.
Aunque te ausentes, te veo,
Pues copian a mi pasión
Estas flores tu hermosura,
Estas fieras tu rigor.
Tu suelto cabello, a un tiempo
Agrado, y ofensa, es hoy
Lascivo agrado del aire,
Dorada ofensa del Sol.
Ni quiso más escucharle,
Y en competencias corrió
Del amante el llanto ondoso,
De la Ninfa el pie veloz.
AMANTE DESFAVORECIDO
Romance II
En las orillas del Tajo,
Donde un jardín se compone,
Siendo espejo los cristales,
Siendo vestido las flores;
Desdenes padece Tirse
Tirse, que es en glorias dobles,
Bello agravio de Narciso,
Galán desprecio de Adonis.
Siempre escollo en sus durezas
Nise le fulmina amores;
Áspid hermoso del prado,
Divino Tigre del bosque.
Nise aquella, cuyos ojos,
Por verdes, y brilladores,
Son dos fuegos de esmeralda
Son dos Abriles de soles.
Por su Tetis, por su Aurora
Le aclaman por mar, por montes
Del agua escamosas turbas,
Del aire emplumadas voces.
Ya de Tirse los cuidados,
Y males parecen robles,
Los cuidados por altivos,
Los males por vividores.
De Nise ausente aun le presta
Su pensamiento colores:
Que cuando el Sol se retira,
Nunca faltan arreboles.
Dos firmezas desiguales
Igualan ambas pasiones,
En ella de ingratas iras,
En él de finos ardores.
MORAL QUEIXA
Romance III
Sin firmeza en los contentos,
Sin mudanza en las congojas,
Al son de su llanto canta,
Al son de su canto llora;
Tirse en las playas, que el Tajo
En presunciones ondosas
Ciñe con brazos de plata,
Besa con rubias lisonjas.
Al dulce son apacible
De una cítara, que toca,
¡Oh cuán mal su bien repite!
¡Oh cuán bien su mal pregona!
Estas que pronuncian quejas,
Las selvas, las aves todas,
Atienden calladas unas,
Murmuran parleras otras.
Los males, y los bienes me acongojan,
Unos con penas, y otros con memorias.
Los males plantas se ofrecen,
Que en altivezas frondosas
Van subiendo ramo a ramo,
Creciendo van hoja a hoja.
¡Oh cómo son desiguales
Cuando males apasionan!
Que al salir plomos se calzan,
Que al entrar plumas se adornan.
Hasta los bienes afligen,
Que en píldoras venturosas
Por inconstantes amargan
Cuando por lindos se doran.
Son preceptos, y anuncios
Para las venturas cortas
Una escuela cada instante,
Un cometa cada rosa,
Los males, y los bienes me acongojan,
Unos con penas, y otros con memorias.
DESPEDIDA AMOROSA
Romance IV
En el tiempo, en que la noche
Oscuro pavón despliega
Para sus alas las sombras,
Por sus ojos las estrellas;
Un Portugués Africano,
Que en valor, y gentileza
Asombro fuera de Marte,
Envidia de Adonis fuera;
A un tiempo prende, y desata
Con una Africana bella,
Prende sus brazos dudosos,
Desata sus voces tiernas.
En la ausencias, le dice,
Las dichas luego se abrevian,
Que a relámpagos de dichas
Suceden rayos de ausencias.
El alma te dejo: pero
Se ofende Amor; pues sin ella
No puedo alentar cuidados,
No puedo sentir tristezas.
Si en darte el alma se ofende,
Mira lo que escrupulea,
Pues siente lo que es ternura
Pues culpa lo que es fineza.
A Dios en fin ella entonces
Bella, y llorosa, se muestra,
Ya como Aurora en sus luces,
Ya como Aurora en sus perlas.
Estas palabras le dice
Bien sentidas, mal discretas,
Entre contentos dormidos,
Entre congojas despiertas.
No te ausentes, que en mi pecho
Si el alma tuya me entregas,
A pesar de tus traiciones
Has de padecer más quejas.
Mas ¡ay! que eres tan esquivo,
Que solo porque padezca,
Te solicitas los males.
Y te prohijas las penas.
Si por sus flechas, y fuego,
Ingrato el Amor desprecias,
Sabe que hay fuego en batallas,
Ve que entre Moros hay flechas.
Bien conozco que las balas
No temes, pues te confiesas
Como acero en los rigores,
Como bronce en las durezas.
Pero, si adviertes, te engañas,
Que cuando el alma me llevas,
Has de ablandarte a los golpes,
Has de aprender las ternezas.
Si a la guerra te aventuras,
Espera, tirano, espera,
Ve que tus ojos son armas,
Mira que el Amor es guerra.
Como siempre en los amores
Ambas las almas se truecan,
Tienes el alma Africana,
Tengo el alma Portuguesa.
Busca, traidor, otra Dama;
No te ausentes, y te sienta
A mis llamas duro mármol,
A sus soles blanda cera.
Mira, ingrato, lo que estimo
Tu vista, que por quererla
Me festejo la desdicha,
Me solicito la ofensa.
Del África en los Desiertos
Viviré, para que vea
Mis llamas en los ardores,
Tus crueldades en las fieras.
Esto dijo, y con desmayos
Se esconden, se desalientan
Ya sus luces en ocasos,
Ya sus rosas en violetas.
Huye el Portugués, y a un tiempo
Le llaman, cuando se aleja,
A sus oídos la trompa,
A sus ojos la belleza.
A UM ROUXINOL
Romance V
Ruiseñor te considero
Por músico, y por veloz,
Como Anfión emplumado,
Como Orfeo volador.
Requiebras siempre al Aurora,
Que también en su pasión
El ave sabe un requiebro,
Corteja al ave un amor.
Si no es, que como el Sol nace,
Que es Príncipe brillador,
Canoramente festejas
El nacimiento del Sol.
Cuando vuelas, cuando cantas,
No distingue mi atención
Si eres ave en leve vuelo,
Si eres Musa en dulce voz.
Como Abeja entre las flores
Me pareces (Ruiseñor)
Que haciendo miel del concento,
La melodía formó.
Esa armonía que formas
En fiera transformación,
¿Cómo es suave, si es queja?
¿Cómo es blanda, si es rigor?
Con ese jardín compites:
Tú, plumas; él hojas dio.
Tú, matices; flores, él.
Tú, suavidad; él, olor.
En la dulce intercadencia
De tus quiebros pienso yo
Que te acuerdas del agravio,
Que te suspende el dolor.
Cuando el viento no respira
A tu canto superior,
No es serenidad del día,
Es de tu canto prisión.
AO AMOR
Romance VI
Quien dice que Amor es niño,
Neciamente quiere errar,
Que para niño es muy fuerte,
Muy sabio para rapaz.
Quien dice que Amor es ciego,
No sabe lo que es cegar:
Que Amor es lince del alma,
Y es Argos de la amistad.
Quien dice que es flechador,
No sabe lo que es flechar,
Que Amor no fulmina flechas,
Solamente incendios da.
Quien dice que es volador,
No sabe lo que es volar:
Que Amor es muy tardo al ruego,
Y es muy pesado en su mal.
Quien dice que Amor es Dios,
No lo sabe declarar:
Que nunca un Dios es tirano,
Ni es ingrata una Deidad.
Quien dice que Amor del agua
Desciende, engañado está,
Que quien tan fuego se enciende,
No desciende de la mar.
Quien dice que es cautiverio,
Sin razón quiere llamar
Violencia lo que es agrado,
Prisión lo que es voluntad.
Y quien dice que es desnudo,
No entiende su calidad:
Que lo bizarro es amable,
Y es querido lo galán.
Volta
Diga el alma, diga,
Diga el alma ya:
Amor es tormento,
Querer es penar.
Amad, amad,
Porque amando se sabe
Lo que es amar.
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MARQUÊS DE
MARIALVA, DANDO-LHE OS PARABÉNS À
VITÓRIA DE MONTES CLAROS
Romance VII
Venid en hora felice,
Valiente ilustre Marqués,
Nuevo Aquiles más invicto,
Nuevo Curcio más fiel.
Parabién a vuestras palmas
Era escusado, porque
Lo que teje una costumbre
No le adorna un parabién.
Cuando vos surcáis el Tajo,
Vasallo feliz se cree,
No ya de un Neptuno antiguo,
Pero de un Marte novel.
Todo en gustos derramado
Gloria a gloria, bien a bien,
Si no muriera del mar,
Muriera sí de placer.
Las Dríades en sus campos
Empiezan luego a ofrecer
A vuestra mano la palma,
A vuestra frente el laurel.
Libertada, y defendida
Lisia, imitáis a Dios; pues
Siempre su poder conserva
Lo que cría su poder.
Vuestro escuadrón mal formado
¿Qué importa en el Marcio arder,
Si el orgullo ve dispuesto,
Si el pecho formado ve?
Valeroso el Caracena,
Valido el Haro vencéis,
En aquel de un Rey el brazo,
En este el pecho de un Rey.
A vuestro valor extraño
(Cuando acaba de vencer)
Una batalla es cariño,
Una victoria es desdén.
Portugués fuerte, aplaudido
Sois, vestís, enriquecéis
A Lisia, Iberia, a la fama
De honra, de horror de interés.
A DOM JOÃO DE LANCASTRO, DANDO-LHE
AS GRAÇAS A CIDADE DA BAHIA POR
TRAZER A ORDEM DE SUA MAJESTADE
PARA A CASA DA MOEDA, QUE DE ANTES
TINHA PROMETIDO
Romance VIII
En hora felice venga
A regir esta Ciudad
El fuerte, el justo, el discreto,
El siempre ilustre Don Juan.
Parabién os dan los nobles,
Parabién la plebe os da:
Que como sois para todos,
Todos os deben amar.
Las luces, y las campanas
En tanta festividad
Hablan con lenguas de fuego,
Y por voces de metal.
Prometísteisle el remedio
De su dolencia mortal,
Que de Político Apolo
No os falta la actividad.
Cumpliste vuestra promesa
Con tanta facilidad,
Que aun visto el bien a los ojos,
Los ojos dudando están.
Lo difícil emprendisteis,
Y lo quisisteis buscar,
Que a un corazón generoso
Brinda la dificultad.
Al mar entregáis la vida,
Y para mayor piedad
La vida ponéis a riesgo,
Para la cura aplicar.
Llegasteis mandando luego
El remedio ejecutar,
Que es útil la medicina,
Cuando se apresura al mal.
Con la moneda, que esperan,
Ya se empiezan a alentar
De los ricos la codicia,
De los pobres el afán.
Si el dinero de los hombres
Sangre se suele llamar,
También les dais nueva vida
Cuando la sangre les dais.
Al Mercader que en su trato
Peligra más su caudal,
Le dais cambios más seguros
Contra los riesgos del mar.
Los Molinos del azúcar
Con tanta ventaja, ya
No serán vasos de miel,
Que vasos de oro serán.
Portugal, y nuestro Estado
No sé cuál os debe más,
Aquel os debe la gloria,
Este, la felicidad.
Nuestras memorias ofrecen,
Con que os quieren venerar,
Holocausto a vuestra imagen,
Y templo a la eternidad.
Sois Príncipe de la sangre,
De cuya estirpe real
Se esmalta vuestra nobleza
Con lumbres de Majestad.
Vivid, Señor, como Fénix,
Porque en la posteridad
Vida de Fénix merece
Quien Fénix es singular.
AO SENHOR DOM RODRIGO DA COSTA,
VINDO A GOVERNAR O ESTADO DO BRASIL*
Romance IX
Quisisteis surcar los mares
Sin temer las ondas bravas
Porque el fuego de la gloria
Quita el horror de las aguas.
En vuestro leño imperioso
Sin peligro en las borrascas
Neptuno os obedecía,
Y Tetis os respetaba.
Quejosa de vuestra ausencia,
Dejáis a Lisia enojada,
Pero si Lisia se enoja,
Nuestra América se exalta.
Esta Ciudad os recibe
(Si sois Costa) con jactancia
Que tiene en vos mejor Costa,
Cuando su puerto os prepara.
Dejasteis para regirla
El descanso de la patria:
Que un corazón valeroso
Solo en fatigas descansa.
De vuestra feliz venida
Nuestros deseos dudaban:
Que cuando el bien se desea,
Titubea la esperanza.
Los Isleños gobernasteis
Con tanto amor, y alabanza,
Que la población Isleña
Por Chipre de amor se alaba.
Hoy tomando otro gobierno,
Del Sol imitáis la causa,
Que cuando gira en un polo,
Después al otro se pasa.
Sois descendiente del Conde,
A quien el León de España
Daba infelices bramidos,
Porque le quebró sus garras.
Consiguió tantas victorias,
Que al mismo tiempo juntaba
En la frente los laureles,
Cuando en la mano las palmas.
Cuyo valor heredado
(Que llamas de honor levanta)
Renace en vuestras acciones
Como Fénix de las llamas.
Sois valiente, y justiciero;
Y aunque Marte en vos se aclama,
Desprecia la Diosa Venus,
Y la Diosa Astrea abraza.
Si vuestro pecho es fiel
A la Justicia, que os ama,
Lo fiel de vuestro pecho
Da fiel a sus balanzas.
Unís en vuestro gobierno
Por idea más preciada
El rigor con el cariño,
La austeridad con la gracia.
Obráis justicia sin ojos,
Que de vos siendo observada,
No miráis de las personas
El poder, o la privanza.
Al soborno estáis sin manos,
Que vuestra entereza ufana
Lo vence tan fácilmente,
Que sin ellas lo despedaza.
Mas las manos a los pobres
Prestáis, que enjugan, y sanan
El llanto de su miseria,
De su penuria las llagas.
Suene, y vuele en todo el
Mundo Vuestro nombre, a quien la fama
Para el brado da sus bocas,
Y para el vuelo sus alas.
Vivid pues eterna vida,
Si bien en virtudes tantas
Con muchos siglos de aciertos
Eterna vida os aclama.
TERCEIRO CORO DAS RIMAS ITALIANAS
ANARDA QUERIDA NA OCASIÃO
DE SUAS LÁGRIMAS
Soneto I
La conca, che nel mar nasce, cocente,
E del suo bel tesoro s’innamora,
Se’l lucente cristal del mar’onora,
È più superba, perch’è più lucente.
Quando la bianca Aurora umor cadente
Della mattina sparge, appare fuora,
E con quella rugiada dell’Aurora
Nutre la chiara perla in seno algente.
L’istesso effetto dell’istesso vanto
Quando mia Aurora piange, gode il Core,
E tanto l’ama, quando piange tanto.
Tu poi, Conca più facile all’umore,
Rugiada essendo il tuo vezzoso pianto,
Essendo perla il mio pregiato amore.
ATREVIMENTO, E LÁGRIMAS
Soneto II
Vola il vapor, che dalla terra nacque
Umilmente, in virtù del Sole, al Sole;
E opponendo alla sfera oscura mole,
Quel che nacque vapor, nube rinacque
Me quanto l’alta densità le piacque
Precipitato dalla luce suole
(Come chi colle lagrime si duole)
Tutto piovoso distillarsi in acque.
Al Sol d’Anarda da umile sentiero
Il pensier ha volato col desio
Per virtù de’suoi raggi al Emisfero.
Dipoi si muta in pianto, onde vegg’io
Qual audace vapor il mio pensiero,
Qual abbondante pioggia il pianto mio.
LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS
Soneto III
Leandro amante con notturno giorno
Del Sole, che le appare per costume,
Prega nel mare di Cupido il Nume,
Per che il mar di Cupido è bel soggiorno.
Al Nocchiere d’Amor colle acque intorno,
Il fanale fù spento di alta lume,
Co’i fischi ‘I vento, il mare colle spume,
Forman preda di lui, d’amor fan scorno.
Non fu il vento la causa a suoi lamenti,
Non il Dio Tridentato delle sponde;
Egli solo è cagione a suoi lamenti:
Perchè fra l’aure lieve, acque profonde,
Co’i sospiri, che sparge, doppia i venti,
Co’i pianti, che distilla accresce l’onde.
ENDIMIÃO AMADO DA LUA
Soneto IV
Il bello Endimion del bello maggio
Cultore fortunato in rozza cura,
Però di fiamma dolcemente pura,
(Dicalo il sacro Ciel) cultore saggio:
Senza la pena d’amoroso oltraggio
La Luna adora con felice arsura;
Ella in candida fede più se apura
Che nel candore di notturno raggio.
La Luna col Pastor ha grato ardore,
La Luna col Pastor ferma s’infiamma,
Tramandando dal Cielo ‘l suo splendore.
Raro amore più nutre, quando l’ama,
Benchè ruote incostante ha fisso il core,
Benchè s’imbianchi fredda, ha dolce fiamma.
A DOM FRANCISCO DE SOUSA, CAPITÃO
DA GUARDA DE SUA MAJESTADE NO TEMPO,
EM QUE O CHAMOU PARA A CORTE*
Soneto V
Già ti veggio, Francesco, un gran Mavorte!
(L’altre doti d’ingegno adesso io taccio)
Sei in fatale sforzo, in dolce laccio,
Amor per bello, per invitto Morte.
I Re chiamòti alla fedele Corte
Per la cruda virtù del forte braccio,
Per che non entra di timore il ghiaccio,
Quando ha foco di gloria, al petto forte.
Difendendo al Re nostro, che ti crede
Colla tua fedeltà, col tuo valore,
La difesa fedel, al zelo cede.
Fia poi al nostro Re guardia migliore,
Via più, che il Reggio onor, la viva fede,
Via più che il duro ferro, il duro Core.
A DOM LUÍS DE SOUSA, DOUTOR EM
TEOLOGIA, ALUDINDO ÀS LUAS
DE SUAS ARMAS
Soneto VI
Illustre Lodovico, coronato
Nel glorioso saper di bianco fregio,
Col giudizio, di scienza eterna, fregio,
Col ingegno, del Sol Divino, amato.
Serve ancora al tuo petto, essendo armato,
Per Insegna miglior, lo scudo Regio,
E di Lune doppiate il chiaro pregio
Per doppiarsi l’Onor, ti ha ricercato.
Lo scudo t’arma allo nemico crudo,
Il freggio ti dimostra saggio amore
Di vanità superba, sempre ignudo.
Convenne poi con questo, e quell’onore,
A chiara Nobiltà, di Lune scudo,
A Celeste saper, d’Alba splendore.
MADRIGAIS
IMPOSSIBILITA-SE A VISTA DE ANARDA
Madrigal I
Se il core n’ti vede
In giusta gloria di tua vista chiede,
Poi si egli è condannato
Allo infernale stato
Delle ardore che celo,
Come (Anarda) potrà veder tuo Cielo?
JASMIM MORTO, E RESSUSCITADO
NA MÃO DE ANARDA
Madrigal II
Un giglio la mia Dea
In bella mano avea,
Che vinto del candor di quella mano
Perdea il candor vano,
Ma in virtù del bel viso
(Che è qual Alva) con fiso
Con dolcezza fiorita
Il candor ricovrò, risorse in vita.
COMPARA-SE ANARDA COM A PEDRA
Madrigal III
I Pianti che il mio cor ha distillato
Non mitiga d’Anarda il volto irato,
I lamenti, che il cor ardente guarda,
Non odi la mia Anarda,
E pietra poi quando da me discorda,
Dura a miei pianti, a miei lamenti sorda
SOL COM ANARDA
Madrigal IV
Del tuo Viso lucente
Beve il raggio cocente
Il Sole, che esser vole,
Del Sol Aquila il sole.
PONDERAÇÃO DO ÍCARO MORTO
COM SEU AMOR
Madrigal V
Volando Icaro alato
Del Sol precipitato
Muore; del Sol che adoro
Precipitato muoro:
Ma con maggior rigor il dolor mio.
Egli nell’acqua è morto, nel fuoco io.
ANARDA FUGINDO
Madrigal VI
Ferma Anarda il tuo passo alla mia sorte,
Se pur vuoi la mia morte,
Col rigor che t’incita
L’occhi tuoi versa a me, togli la vita:
Ma (ai lasso) che si fuggi,
Tutto il mio core struggi,
Che si altri uccidon quando van seguendo
Tu sola uccidi, quando vai fuggendo.
ANARDA REPREENDIDA POR QUERER
MERECIMENTOS NO AMANTE
Madrigal VII
Se per meriti solo del´amanti
Anarda vuoi udir dolori tanti,
Come nuño ha merito d´amarti,
Nuño laccio d´amor potrà ligarte;
Se poi solo da te merito fai
Te sola amar potrai.
QUARTO CORO DAS RIMAS LATINAS
DESCREVE-SE O LEÃO
Heróicos
Cernis ut in campis hirsutos arcuat ungues
Impavidus sine lege fremens, sine lege vagantes
Concutiens per terga jubas, per inania pandens
Ora (Leo) sonitu; sonitu cadit undique sylva,
Undique terra tremit, late stat montibus horror.
Explicat inflexa cauda ludibria, ventos
Spernit, nec ventis ignoscit torva Leonis
Ira, sed innocuas cauda diverberat auras;
Se Rex esse videns, optat quod turba ferarum
Obsequiosa colat, regale insigne, coronam,
Amphitryonidem (vastum qui morte Leonem
Perdidit, ostentans induta pelle triumphum)
Provocat, ac mortem qua mortem vindicet, ipse
Praevenit, et secum ad pugnam praeludere gestit.
Non venit Alcides, iratos ebibit ignes,
Offensus rabie, frondosa per aequora gliscit,
Et Robur quatiens acuit sub Robore robur.
Horrendas horrenda vocans ad praelia tigres.
Jam Pugnas miscet, jam votis praecipit hostem,
Infremit, insultat, laetatur, devorat, urget.
Caerulea mi catarce Lèo, flagrat iste per agros
Impiger, ille Poli sidus, Sol iste Ferarum
Dicitur; in faustos Leo sydus devomit aestus
Ignifer, igniferas Leo Terreus aestuat iras.
Emicat intrepidus, turget splendore comarum,
Dum credit jubar esse jubas. Non Phaebus arenas
Exurit Libyae, Libyam Leo fervidus urit.
Cum fera procumbit pedibus prostrata, libenter
Imperium recolens, ungues obfraenat acutos
Regali pietate gravis, Leo nescius hosti
Subjecto maculare manus; sat vincere credit
Qui parcit, cum fulmen ovat non ima repellit.
EPIGRAMAS
ADÔNIS MORTO EM OS BRAÇOS DE VÊNUS
Epigrama I
Infelix Cytherea necem dum plorat Adonis,
Flent oculi moesti, prataque laeta virent.
Jungitur os ori, languescit corpore corpus:
Dum vulnus cernir, pectore vulnus alit.
Parca videns mortis spectacula tristia, nescit
Cui tribuit vitam, cui dedit illa necem.
DAFNE CONVERTIDA EM ÁRVORE
Epigrama II
Insequitur Daphnem Phaebus stimulatus amore,
Hunc sua vota cient, illa timore volat.
Mox celeres cursus imitatur virgo paternos,
Sed Phaebo plumas aemulus addit Amor.
lila vocat superos, viridis mox redditur arbor;
Arbore conspecta, talia Phaebus ait;
Non equidem miror; velut arbos pulchra virebas;
Ac tua durities truncus, amore fuit.
ARGOS EM GUARDA DE IO
Epigrama III
Cum Jovis insano vaccae flagraret amore,
Sidereus custos virginis Argus erat.
Crediderat Juno quod centum Pastor ocellis
Clauderet ardentis turpia vota Jovis.
Non vidit Jovis ille dolos; nam solus amoris,
Qui plus est caecus, plus videt ille dolos.
ACTÉON VENDO A DIANA
Epigrama IV
Cum nuda Actaeon spectaret membra Dianae,
Haec se mergit aquis, ebibit ille faces.
Supplicium dedit ipsa oculis, Actaeona plexit,
Perditus ut forma, perderet ipse focum.
Occidit Actaeon, canibus non mortuus; olli
Eripuit vitam virginis ante rigor.
LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS
Epigrama V
Aequora Leander sulcat sub lumine fixus,
Brachia dant remos, est Palinurus Amor.
Tempestas horrenda furit, furit Aeolus undis,
Ipse vocat Venerem, mergitur ipse mari.
Morte perit duplici Leander, captus amore,
Mortuus est lympha, mortuus igne fuit.
À MORTE DA SENHORA RAINHA
DONA MARIA SOFIA ISABEL
Epigrama
Quid facis atro luctu Lusitania? Ploro;
Quid ploras? Gemitus ultima fata mei,
Tantane te planctus tenuit tristitia? Tanta;
Perdita sunt Luso gaudia cuncta loco;
Quid perdis? Regnum: Quare? Jam credo cadentem?
Lusiadum statum, Sole cadente suo.
Tu ne gravem poteris cordis relevare dobrem!
Oh minam possem capta dolore mori!
Solve corde metum; mortem ration reposco;
Nam Regina mihi provida vita fuit.
Religio, Pietas ubi sunt? Ad sidera tendunt;
Quaeque Dei fuerant, sustulit ipse sibi.
TAGI, ET MONDAE
PRO OBITU DD. ANTONI TELLES DE SYLVA
Colloquium elegiacum
TAGUS
Heu mihi! Jam morior tanto conjunctus amore;
Vivere me solum non sinit altus amor.
MONDA
Me miserum planctus crudeliter occupat horror!
Sum Monda, et Mundo nuntia moesta dabo.
TAGUS
Aurifer, antiquitus jactabar: sed mihi luctus
Ferreus in paenis aurea dona vetat.
MONDA
Urbs haec dicta fuit multis Colimbria ridens;
Sed jam non ridens, sed lacrymosa manet.
TAGUS
Plorat Ulyssipo saevo concussa dolore;
Oceanus lacrymis, non Tagus ipse vocor.
MONDA
Laetabundus aqua, placidis spatiabar arenis;
Sed celerem cursum paena timore gelat.
TAGUS
Oh lux Lusiadum, spes oh fidissima Regni!
Quam cito tam viridem pallida Parca tulit!
MONDA
Semper Athenaeum tanto pollebat Alumno,
Sed, pereunte viro, tota Minerva perit.
TAGUS
Te vivente, tuo laetabar nomine, Telles,
Nomen erat sacrum, nam mini numen erat.
MONDA
Mens tua praecurrit paucis velocior annis,
Illico, quae veniunt, illico fata ferunt.
TAGUS
Me clypeo aurato tua Regia vita tegebat;
Sed tua mors, Telles, impia tela vibrat.
MONDA
Eloquii flores credo marcescere; namque
Irruit in flores horrida mortis hyems.
TAGUS
Silva, meus fueras regali sanguine cretus;
Sed mortali ictu caedua Silva fuit.
MONDA
Maximus Ingenio Logicae argumenta probabas;
Sed mors concludens arguit atra dies.
TAGUS
Ad superos remeas, cum sis peregrinus in Orbe;
Stare humili nescit gloria tanta solo.
MONDA
In te Caesarei Juris decus omne vigebat,
Teque vocant Leges, sed sine lege vacant.
TAGUS
Nobilitas, comutas, gravitas, sapientia, virtus
Deliquio lugubri, te moriente, cadunt.
MONDA
Pontificale gravi cunctos Jus mente docebas;
Quanto, te perdens, Roma dolore gemit!
TAGUS
Tagides eximio indulgentes corde dolori,
Nolunt plorantes pignora chara, chorus.
MONDA
Mondaides lymphis nequeunt agitare choreas,
Immotos ânimos magna ruína facit.
TAGUS
Cinxit Apollineo cantu tua tempora Laurus,
Sed nunc pro lauro nigra cupressus adest.
MONDA
Carmina facundo metro tua Musa solebat
Pagere, nunc optat plangere Musa mea.
TAGUS
Te pater illustris perdit, sed pectore servat,
Mors, quae sunt animae, tollere saeva nequit.
MONDA
Caelesti Ingenio fulgens ut stella micabas,
Nunc tibi dant proprium sidera clara locum.
TAGUS
Mortuus es? Minime, credo plus vivere, quippe
Dilectus lucis plurima corda tenes.
MONDA
Solis lúmen alit Phaenicem, ut vivat in aevum,
Vitam alit aeternam lúcida fama tuam.
APÊNDICE
Tradução do quarto coro das rimas latinas
DESCREVE-SE O LEÃO
Heróicos
Percebes como nos campos hirtas garras arqueia
O impávido, sem lei fremente, sem lei vagantes
A agitar pelo dorso as jubas, pelo vazio a abrir
A boca (o Leão) com rugido; com rugido cai em torno a selva,
Em tomo a terra treme, firma-se amplo nos montes o terror.
Desenreda, com torcida cauda, os dolos, ventos
Desdenha, nem aos ventos perdoa do Leão a torva
Ira, mas, inofensivos, com a cauda açoita os ares;
Vendo-se Rei, deseja que a turba de feras
Obsequiosa honre, insígnia real, a coroa.
Ao Anfitriônio (que com morte o imenso Leão
Arruinou, ostentando, vestida a pele, o triunfo)
Provoca, e a morte com que morte vingue, ele mesmo
Antecipa, e exulta em preparar-se para a luta.
Não vem Alcides, irados bebe os fogos,
Picado de raiva, pelo frondoso plaino irrompe
E o Roble acometendo, sob Roble robusteza aguça.
Horrendos a horrendos prélios chamando os tigres.
Já lutas trama, já surpreende em votos o inimigo,
Freme, salta, alegra-se, devora, acossa.
No cerúleo cimo brilha o Leão, arde este pelos campos
Incansável; àquele, astro do Céu, Sol das Feras a este
Chamam; em faustos estos o sidéreo Leão vomita
Ignífero, igníferas iras estua o Térreo Leão.
Fulge intrépido, infla-se do esplendor das comas,
Ao crer que júbar são jubas. Febo não incende as areias
da Líbia, a Líbia o Leão, férvido, acende.
Quando a fera abatida prostra-se a seus pés, o Leão,
De bom grado o mando reavendo, refreia, grave,
Acerbas garras com real piedade: não sabe macular as mãos
com subjugado inimigo. Crê bastar a vitória
quem se contém: o raio, ao triunfar, baixos não abala.
EPIGRAMAS
ADÔNIS MORTO EM OS BRAÇOS DE VÊNUS
Epigrama I
Enquanto infeliz Citeréia lamenta a morte de Adônis,
Choram mestos olhos, e ledos prados verdejam.
Une-se a face à face, enlanguesce no corpo o corpo:
Enquanto a chaga vê, no peito a chaga nutre.
A Parca, vendo da morte os tristes espetáculos, ignora
A quem coube a vida, a quem ela deu morte.
DAFNE CONVERTIDA EM ÁRVORE
Epigrama II
Febo persegue Dafne pungido de amor,
Seus votos o movem, ela de temor voa.
Logo velozes a virgem imita as corridas paternas,
Mas, a Febo, êmulo Amor confere plumas.
Ela invoca os deuses, árvore frondosa logo se torna
Vista a árvore, Febo assim diz:
Não decerto me admiro; como árvore, bela verdejavas;
E por amor foi um tronco tua dureza.
ARGOS EM GUARDA DE IO
Epigrama III
Como Jove ardesse de amor insano pela vaca
Sidério guardião da virgem era Argos.
Acreditava Juno que o Pastor de cem olhos
Impediria os torpes desejos do ardente Jove.
Não viu ele os dolos de Jove, pois só de amor
Mais vê os dolos quem mais cego está.
ACTÉON VENDO A DIANA
Epigrama IV
Como Actéon olhasse os membros nus de Diana,
Ela esconde-se nas águas, ele o facho bebe.
O suplício deu ela mesma aos olhos, a Actéon puniu
Por que, perdida a forma, o lar ele perdesse.
Feneceu Actéon, não o mataram os cães; antes,
Arrebatou-lhe a vida o rigor da virgem.
LEANDRO MORTO NAS ÁGUAS
Epigrama V
Leandro sulca a planície do mar, fixo na luz,
Os braços são remos, Amor é Palinuro.
Tempestade horrenda esbraveja, esbraveja Éolo nas ondas,
Ele invoca Vênus, ele afunda no mar.
De dupla morte pereceu Leandro, cativo de amor,
Morreu na água, foi morto pelo fogo.
À MORTE DA SENHORA RAINHA
DONA MARIA SOFIA ISABEL
Epigrama
O que fazes de atro luto, Lusitânia? Lamento;
O que lamentas? Os últimos fados de meu gemido.
Tamanha tristeza em prantos te mantém? Tamanha;
Perderam-se todas as alegrias em lusa terra;
O que perdes? O reino. Por quê? Já creio em declínio
A estabilidade lusíada, declinado seu Sol.
Tu não poderias do coração mitigar a grave dor!
Oh, quiçá eu pudesse, sofrida a dor, morrer
Dissipa do coração o medo; a morte com razão reclamo;
Pois foi-me vida próvida a Rainha.
Religião, Piedade, onde estão? Tendem aos astros.
Cada um fora de Deus, ele para si os elevou.
TEJO, E MONDA
PELO ÓBITO DE D. ANTÔNIO TELES DA SILVA
Colóquio elegíaco
TEJO
Ai de mim! Já morro, unido por tão grande amor:
Viver sozinho não me permite alto amor.
MONDA
Pobre de mim, o horror ocupa cruelmente os lamentos!
Sou Monda, e ao Mundo darei notícias tristes.
TEJO
De aurífero, antigamente, gabava-me: mas o luto,
Férreo, nas penas áureos presentes me proíbe.
MONDA
Esta cidade foi chamada por muitos Coimbra sorridente;
Mas já não sorri, e permanece lacrimosa.
TEJO
Chora Lisboa, abalada por desumana dor;
Oceano de lágrimas, Tejo eu não me chamo.
MONDA
Alegre com a água, passeava por plácidas areias;
Mas a pena gela de temor o célere curso.
TEJO
Ô luz lusíada, ó mais fiel esperança do Reino!
Quão fácil, tão tenro pálida Parca o levou!
MONDA
Sempre o Ateneu sobressaía-se com tão grande Aluno,
Mas, ao perecer o varão, perece toda Minerva.
TEJO
Tu, vivo, alegrava-me com teu nome, Teles,
Nome sagrado, pois para mim era um nume.
MUNDA
Tua mente ultrapassa, mais veloz, os poucos anos,
No lugar, os fados que vêm, nesse lugar levam.
TEJO
Com dourado escudo, tua Régia vida protegia-me;
Mas tua morte, Teles, ímpias lanças vibra.
MONDA
Creio murcharem as flores da eloqüência; pois
Da morte hórrido inverno acomete as flores.
TEJO
Silva, para mim foras de real estirpe;
Mas com mortal golpe foste Selva de corte.
MONDA
Magnífico engenho, provavas os argumentos da Lógica;
Mas funesta morte argüiu concluindo os dias.
TEJO
Retornas aos súperos, pois que no Orbe és peregrino;
Manter-se em solo baixo glória tamanha não sabe.
MONDA
Em ti vigia todo o decoro da justiça cesárea,
E invocam-te as Leis, mas sem lei ficam vacantes.
TEJO
Nobreza, bondade, gravidade, sapiência, virtude
Ao morreres, lúgubre ausência, acabam.
MONDA
A Pontifical Justiça a todos ensinavas com seriedade;
Roma, perdendo-te, de quanta dor geme!
TEJO
As tágides, entregues â dor por exímio coração,
Não querem, chorando os penhores caros, os coros.
MONDA
As mondaides não conseguem agitar as águas corais,
Paralisa os ânimos a grande ruína.
TEJO
O Louro cingiu tua fronte de Apolíneo canto,
Mas agora, em vez de louro, ali está negro cipreste.
MONDA
Tua Musa costumava compor, em facundo metro,
Cantos; agora, prefere prantos minha Musa.
TEJO
Perde-te o pai ilustre, mas no peito te conserva,
Cruel, não pode a morte destruir o que é da alma.
MONDA
Como estrela fulgente de celeste engenho brilhavas,
Agora os claros astros dão-te um lugar apropriado.
TEJO
Morreste? De modo algum, creio antes que vives, pois,
Dileto da Luz, numerosos corações ocupas.
MONDA
A luz do sol nutre Fênix, por que viva para sempre,
A fama luminosa nutre tua vida eterna.
LIRA SACRA
EM VÁRIOS ASSUNTOS
DEDICADA
AO ILUSTRÍSSIMO SENHOR MARQUÊS DE
ALEGRETE, DO CONSELHO DE ESTADO
DE SUA MAJESTADE E SEU VEADOR
DA FAZENDA ETC.
ESCRITA
POR MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA
BAHIA, 12 DE SETEMBRO DE 1703.
Excelentíssimo senhor
Bem quisera eu dedicar a V. Exa. em idioma latino estas rimas sacras, porém como a língua portuguesa se tem levantado com a poesia, podemos dizer que as Musas são da nação portuguesa: e ainda em tempo de menos elegância Poética, chegou o nosso Camões a tanto aplauso com suas Lusíadas, que se traduziu em várias línguas o seu Poema, querendo todas as nações criar aquele parto português, quiçá como enjeitado de sua fortuna. Depois foram crescendo em nosso Portugal poetas insignes assim no estilo heróico como no Lírico, que deram novo crédito à nossa língua, que se acomoda muito com pouca corrupção com a Latina, donde se deduzem as frases mais elegantes, e os conceitos mais profundos. Pelo que imitando a tão grandes engenhos, escrevi estas rimas em língua portuguesa, enquanto não saem à luz outras que tenho feito em quatro línguas, Portuguesa, Castelhana, Latina, Italiana, como quatro ramalhetes compostos das flores do Parnasso. Por onde abstraindo-se V. Exa. de algumas breves horas de suas ocupações, ponha os olhos neste Livrinho, ou pelo agradável das Musas que na discrição de V. Exa. não é pequeno suborno; ou pelo pio dos assuntos que no seu coração católico não é prato fastidioso. Neste lugar não faço os elogios que merece V. Exa. porque os prometo fazer em outro lugar com pena mais dilatada, e somente direi: se o Reino de Portugal teve muitos Heróis, que defenderam com a espada, tem hoje em V. Exa. um Herói que o sustenta com o entendimento. Deus guarde a V. Excelência como desejo.
Bahia, em setembro, 12 de 1703.
Humilde súdito
de Vossa Excelência
MANOEL BOTELHO DE OLIVEIRA
PRÓLOGO AO LEITOR
Este parto poético, que nas horas de minha ociosidade, ou para melhor dizer, da mais útil ocupação, produziu meu discurso, sai à luz do berço do Brasil, para os olhos de Europa. Com o nome de Lira Sacra se quer assentar no Livro da Memória, para crescer na estimação do mundo. Creio que será bem recebido assim dos corações devotos, como dos entendimentos doutos, porque com a doçura do metro se fica suavizando o mantimento espiritual; que está tão depravada a natureza humana, que para lhe tirar o fastio das viandas celestiais, lhe é necessário o tempero da elegância poética. Se bem tem a poesia muita conexão com as influências do Céu, assim porque os antigos a chamaram Divina, como também porque nas escrituras sagradas se valeram os Profetas, e principalmente o Rei Davi, de vários cânticos para celebrar os Divinos encômios; e imitando a Igreja católica o mesmo exemplo, se compuseram devotos Hinos para as mais solenes festividades.
Porém para te parecerem bem estas rimas, deves ter conhecimento da escritura sagrada, e da história da vida dos Santos, porque sem estas notícias não poderás entender o conceito, porque os mais deles são deduzidos da escritura sagrada: e para não parecer impertinente não pus à margem os lugares dela, donde levanto o pensamento, para cair o conceito. Fiz o livro, para que fosse menos fastidiosa a leitura, e mais suave o entretenimento. Também misturei entre os versos sérios alguns jocosos, porque assim como a variedade das viandas esperta melhor o apetite, assim também a diversidade do estilo te provocasse melhor o gosto: porém fiz esta mistura com tal temperamento que não estraga o sério das rimas. Finalmente se te parecerem bem, venho a lograr o desempenho de meu trabalho, e se parecerem mal, venho a conseguir o fruito de meu sofrimento. Vale. Bahia, 12 de setembro de 1703.
PROÊMIO
A NOSSA SENHORA ALUDINDO AO
CÂNTICO DA MAGNIFICAT
Soneto 1º
Celeste Musa, virgem sublimada
ensinai melhor metro à minha veia;
e se Febo entre as Nove se nomeia,
Vós sois de nove coros venerada.
A Deus magnificais toda enlevada
no Mistério do Céu que em vós se estreia;
e se humildes louvais de graça cheia,
meu verso por humilde vos agrada.
Se em rimas sacras meu discurso afino,
concedei vosso auspício sacrossanto,
para que seja o plectro doce e fino:
Com vosso exemplo, com desejo tanto,
se entoastes o Cântico Divino,
inspirai que ao Divino entoe o canto.
À CONCEIÇÃO DA SENHORA
Soneto 2°
Tendo a Virgem da Graça a preminência
foi no primeiro instante preservada;
que duvidar ser nele imaculada
é limitar de Deus a onipotência.
De nada criou Deus toda a existência
da máquina do mundo dilatada,
e se Deus tudo faz quanto lhe agrada,
quis a Maria dar esta excelência.
Maria mereceu por graciosa
ser mãe do Verbo eterno esclarecida
sendo do Amor Divino ilustre esposa:
Esta pureza, pois, deve ser crida:
que mais é ser de Deus mãe generosa,
que sem mácula algũa, concebida.
AO NASCIMENTO DA SENHORA
Soneto III
Mais que Sara, feliz nasce Maria,
e que Rebeca, nasce mais prudente:
mais bela que Raquel a chama a gente,
e por virgem, fecunda mais que Lia.
Mais que Débora sábia se avalia,
e que Judite se ostenta mais valente,
mais que Ester satisfaz graciosamente,
mais que Suzana casta se confia.
Esta flor, esta planta, nunca seca
no Jardim das virtudes sobre-humana,
que nem nascida, ou concebida peca.
Nũa e outra vantagem Soberana
nascem nela, Raquel, Sara, Rebeca,
Débora, Lia, Ester, Judite, Suzana.
AO MESMO
ALUDINDO ÀS ÚLTIMAS PALAVRAS DO
EVANGELHO DE SEU DIA: “VIRUM MARIAE,
EXQUA NATUS ESTJESUS” MATEUS, 1, 16.
Soneto IV
Nasceis bela Maria imaculada
mas de quem filha sois, cala a Escritura
que como vosso ser e fermosura
todo é do céu, não tem co’a terra nada.
Nasceis e logo mãe sois publicada
do Salvador do mundo, que o procura,
com tal pasmo, que a um tempo em vós se apura
Virgem menina, e Mãe antecipada.
Agradecido o Povo Sitibundo
já vos venera o fruito inexistente
do Divino Paraclito fecundo.
Porém sois aplaudida justamente,
que quando nasce Aurora para o mundo
logo o raio se vê do Sol Luzente.
AO MESMO NASCIMENTO
Soneto V
Eva primeira mãe da gente humana
Adão primeiro pai da humana gente,
pecaram contra Deus onipotente,
e perderam a graça soberana.
Entrou logo no mundo a desumana
perdição do pecado, erradamente;
entrou também da morte o dano urgente
por castigo infeliz da culpa insana.
Hoje vemos o mal em bem trocado
por Maria, e Jesus melhor consorte
que em ambos Deus renova o antigo agrado:
Por outra Eva, outro Adão da mesma sorte
entrou a Redenção contra o pecado,
entrou a vida eterna contra a morte.
À PRESENTAÇÃO
Soneto VI
Maria com afeto de amor fino
a Deus se ofereceu com tal vontade,
que sendo em anos três na tenra idade
quis mostrar que era esposa de Deus trino.
Castigado em Lusbel o desatino
se presenta com plácida humildade
com tanto amor, com tanta atividade
que era incêndio o fervor, milagre o tino.
Sem tropeços nenhuns, sem desarranjos
logo a escada subiu, que o templo tinha
com que admirou a Serafins e Arcanjos:
A escada de Jacó mais lhe convinha,
porém na de Jacó sobem os Anjos,
nesta sobe dos Anjos a Rainha.
AOS DESPOSÓRIOS DA SENHORA
COM SÃO JOSÉ
Soneto VII
Tendo Maria idade competente
manda que se despose o Sacerdote:
e bem que a Deus o celibato vote
estimou mais a Lei por obediente.
Com José se desposa finalmente
pobre e casto varão, por que se note,
que para o desposório o melhor dote
é da virtude o dote preminente.
Saem do Templo com bela compostura
e se entrega ao varão com doce encanto
para guardar-lhe a casta fermosura:
Porque tem com Divino e novo espanto
na guarda de José, melhor clausura,
no peito de José, Templo mais Santo.
À ANUNCIAÇÃO, ALUDINDO AO ‘FIAT” DO EVANGELHO
Soneto VIII
Em Nazaré a virgem recolhida
no Mistério Hipostático enlevada
lhe manda Deus do empíreo ũa embaixada
porque quer ter co’o mundo a paz querida.
Declara Gabriel a esclarecida
Encarnação do verbo desejada
Que com divino ardor sendo aceitada
O Verbo se fez carne enobrecida.
Magnificado pois da terra o lodo
Com celeste fervor, saber profundo
É Maria de Deus igual apodo:
Por que então poderoso, hoje jucundo,
De Deus um fiat cria o mundo todo,
Um fiat de Maria salva o mundo.
À VISITAÇÃO
Soneto IX
Vencendo da Judéia as terras frias
vai visitar Maria a casa pobre
da ditosa Isabel, na qual descobre
as enchentes da graça em muitos dias.
Fez Profeta a Isabel, entre alegrias
santifica a João com graça nobre,
e para que o favor em tudo sobre,
a Língua muda solta a Zacarias.
Isabel, e João ambos publicam
os benefícios grandes que não calam
porque da graça agradecidos ficam.
Todos pois com Maria se regalam,
pecadores também se santificam,
mulheres profetizam, mudos falam.
À EXPECTAÇÃO
Soneto X
Quer Maria que o Verbo venerado
saia já de seu Ventre esclarecido
com clamores do peito enternecido
com repetidos “oh!” de seu cuidado.
Aquele Bem das gentes desejado
por remédio do mundo destruído,
não quer que se dilate pretendido,
que Amor não sofre o tempo dilatado.
Qual Arca no seu Ventre mais seguro
guarda o Maná do Céu que o mundo encanta
e guarda a Lei contra o Demônio impuro.
Deseja pois Maria em graça tanta
que chova aos homens o Maná mais puro,
que aos homens se publique a Lei mais Santa.
À PURIFICAÇÃO E PRESENTAÇÃO
Soneto XI
Sendo da Escrita Lei Maria isenta
obedeceu à Lei que a desobriga,
e levando seu filho sem fadiga
a Simeão nos braços o presenta.
Com dom pequeno, liberal ostenta
as grandezas do obséquio a que se obriga;
e Deus (como de Abel na oferta antiga)
do magnânimo afeto se contenta.
Na Purificação pode entender-se
e com grande Juízo reparar-se,
vendo em si mesmo o bem contradizer-se.
Pois neste dia vê para admirar-se
o mesmo claro Sol, esclarecer-se,
o mesmo puro Ser, purificar-se.
AO MESMO
Soneto XII
Vê Simeão ao Salvador, contente,
porque era prometido em profecias
e vendo com seus olhos o Messias
morre do próprio gosto alegremente.
Oferece Maria reverente
para remir do mundo as tiranias,
com melhor sacrifício, ações mais pias,
melhor cordeiro ao Padre Onipotente.
Cinco Siclos de Cristo foram pagas
com que rime a si mesmo, parecido
ao pecador, que tu Demônio estragas:
Neste Mistério pois desconhecido,
com cinco siclos, como cinco chagas
o próprio Redentor se vê remido.
À SENHORA ESTANDO AO PÉ DA CRUZ
Soneto XIII
Ao pé da Cruz estava dolorosa
a Mãe com sentimento duplicado
vendo a seu filho nela atormentado
vendo-se a si sem filho lastimosa.
A dor foi tão cabal, tão lagrimosa
que tem de espada o nome derivado,
e seu peito não só tem traspassado
que até n’alma se imprime rigorosa.
Quis ter da dor a espada em seu tormento
porque na pena em ambos igualada
crucificada está no mesmo intento:
Que se a espada tem cruz representada
para ter cruz também no sentimento
uniu à cruz de Cristo, a cruz da espada.
À SOLEDADE, ALUDINDO ÀQUELAS PALAVRAS:
”ANIMAM PER TRANSI VIT GLADIUS” Lucas, 2, 35
Soneto XIV
Padece a mãe com tanta atrocidade,
que perdendo do filho a companhia,
perdeu todo o seu bem, toda alegria,
e lhe ficou somente a soledade.
E só da dolorosa atividade
acompanhada está por todo o dia:
que se da pena é grande a tirania,
tem por fineza a falta da piedade.
Não se pode dizer que neste estado
vive Maria, estando a vida em calma,
inda que pelo amor logre o cuidado:
E se ganhando a morte a triste palma
n’alma a espada da dor há penetrado,
ficou sem vida, pois ficou sem alma.
ASSUNÇÃO
Soneto XV
Do deserto do mundo vil e avaro
sobe ao Céu recostada em seu querido
tendo os dotes seu corpo esclarecido
de impassível, sutil, ágil, e claro.
Inda que fique a terra ao desamparo
sobe (à sua Alma o corpo reunido)
não só para gozar do Céu luzido
senão para outorgar preciso amparo.
Bem é de crer que o verbo glorioso,
se a carne de Maria o Verbo encerra,
que a corrupção lhe evita poderoso:
E quando deste mundo se desterra
sendo a carne, do Verbo Céu ditoso,
não podia ficar o Céu na terra.
À COROAÇÃO
Soneto XVI
Coroada Maria qual portento
do Sacro Empíreo, todos se suspendem:
os Santos como súditos se rendem
que é Maria da Glória o complemento.
A seu amor, a seu devoto alento
os Serafins atônitos atendem,
os Querubins de seu saber aprendem,
os Tronos lhe ministram sacro assento.
Tem nas Dominações do Império o culto
mais que as Virtudes milagrosa alteza,
nas Potestades, poderoso indulto.
Os Principados dizem que é Princesa
mais que os Arcanjos sabe o mais oculto
mais que os Anjos contém maior pureza.
AO MESMO
Soneto XVII
Com júbilo geral todos alerta
vêem no Empíreo a Maria coroada,
que sendo do pecado preservada,
da serpente venceu a morte certa.
Do Céu a casa nobre se concerta,
para os homens, que estava então fechada,
e Maria que a vê já preparada
como é porta do Céu, é porta aberta.
Longa dor padeceu em tempo breve
junto à Cruz; e Deus julga por memória
que assentar-se a seu lado se lhe deve:
Porque era justo em ũha, e outra história,
se na cruz a seu lado em pena esteve,
no Céu, junto a seu lado, esteja em Glória.
À NOSSA SENHORA DA GRAÇA, REPETINDO
EM TODOS OS VERSOS “MARIA”, E “GRAÇA”
Soneto XVIII
Na Graça é grande nome o de Maria,
melhor Eva Maria, Ave de Graça
Maria alumiou co’a luz da Graça,
é Senhora da Graça por Maria.
Pela Graça exaltada foi Maria
Maria como mar, é mar de Graça
Maria deu o Mundo toda a Graça
nem se amaria a Graça sem Maria.
Concebida se vê Maria em Graça
na Graça é Numa, o nome de Maria
Maria sempre está cheia de Graça:
Todos a Graça alcançam por Maria,
que a Graça por maria está de Graça,
e não tem graça a Graça sem Maria.
A NOSSA SENHORA DAS NEVES
Soneto XIX
Entre sonhos, Maria imaculada
revelou o Patrício duvidoso
o Mistério do templo suntuoso,
porque espera ser nele venerada.
Mostra o lugar do templo que lhe agrada
entre a insólita Neve, milagroso,
com que merece o monte venturoso
do Carmelo a grandeza celebrada.
Deve-se ponderar nesta estranheza
se a Maria por sol todos repetem
e o sol derrete a neve com presteza:
Também quando a seus raios se submetem
os corações mais frios na pureza,
em lagrimoso obséquio se derretem.
A NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, ALUDINDO
ÀQUELAS PALAVRAS: “TERRIBILIS VOLA [...]
TURRIS DAVIDICA’
Soneto XX
Vencido o turco foi, só por auspício
da Virgem Soberana aquele dia
quando a Deus humanado oferecia
do Rosário o suave sacrifício.
Este triunfo tendo a Deus propício
não se deve ao poder, nem valentia:
ao Rosário se deve de Maria
que tais extremos faz no benefício.
Mas não é muito (6 Virgem), quando encerra
vosso valor a força mais notória,
para os turcos vencer por mar e terra:
Que para conseguir tão justa glória
sois esquadrão terrível para a guerra
sois Torre de Davi para a vitória.
SONETOS DA VIDA DE CRISTO ATÉ SUA DIVINA ASCENSÃO
AO NASCIMENTO DE CRISTO
Soneto XXI
Nasce o Verbo em Belém, pobre, humilhado,
sendo Supremo Rei de toda a terra,
e no corpo pequeno e breve encerra
do seu Divino Ser, o imenso estado.
Naquela idade se prepara armado
contra o inferno imortal que almas enterra;
e ao soberbo Lusbel movendo guerra
por humilde se vê mais alentado.
Os Demônios cruéis todos se espantam,
chora, treme de frio o Verbo eterno,
os Anjos com voz doce nos encantam:
De sorte que o menino e Deus superno
chora, porém de gosto os Anjos cantam,
treme, porém de medo treme o inferno.
À CIRCUNCISÃO
Soneto XXII
Passados oito dias permitistes,
que fôsseis circunciso sem pecado,
se bem que para ser circuncidado
de pecador a forma consentistes.
Na tenra idade logo conseguistes
de Redentor o nome desejado:
bem que do ferro duro estais cortado,
só por golpe de amor, o sangue abristes.
Então pequenos anos dais oculto
da Redenção com forte atividade
sem esperar as mãos do cego insulto:
Mas como o vosso amor na eternidade
sempre se conheceu, sem tempo, adulto
já varonil se vê na tenra idade.
AO NOME DE JESUS REPETIDO
EM TODOS OS VERSOS
Soneto XXIII
Doce nome de Jesus, doce esperança
Jesus está dizendo que é doçura
em Jesus todo o acerto se assegura
logra-se, com Jesus, toda a bonança.
Quem em Jesus seu coração descansa
ricos afetos em Jesus apura,
e fora de Jesus nada procura
que em Jesus tudo espera, e tudo alcança.
Jesus por Redentor se vos convida,
Jesus é Salvador na sacra história,
e nossa culpa tem Jesus remida:
E tendo de Jesus sempre a memória
Jesus é tábua, em que se salva a vida,
Jesus é porto, em que se chega à Glória.
À EPIFANIA
Soneto XXIV
Guiados de a Estrela refulgente
vão os Magos buscar ao Rei nascido,
e chegando ao Presépio pretendido
adoram os três Reis, a um Rei potente.
Um lhe oferece incenso reverente,
como a Deus; outro ouro esclarecido
como a Rei. Outro a mirra enternecido,
pelo ser que tomou da humana gente.
Nestes três dons pondero com verdade
das três potências d’alma o sábio intento
buscando a Deus, fugindo de maldade.
N’ouro a Memória logra o luzimento
na Mirra mortifica-se a vontade
no incenso sobe a Deus o entendimento.
À MORTE DOS INOCENTES, ALUDINDO
ÀS PALAVRAS: “REGNUM MEUM NON EST
EX HOCMUNDO” João, 18, 36.
Soneto XXV
Por que persegues pérfido homicida
tanto sangue de tantos inocentes?
porém fazes com cravos excelentes
a Terra de Belém ser mais florida.
Que pretendes de Cristo em tanta lida,
Herodes com rigores indecentes?
pois traz a paz aos homens reverentes,
e por manso Cordeiro se convida.
Se teu receio a tirania emprende
porque temes, do Império sitibundo,
que dele te despoje; adverte, aprende.
Que o Deus menino com amor jucundo
o Reino deste mundo não pretende
porque não é seu Reino deste mundo.
ÀS TENTAÇÕES DO DESERTO
Soneto XXVI
Entra em campanha Cristo valoroso
contra o Demônio astuto e vigilante
que propondo-lhe a gula, Cristo amante
contra a gula faz gala de animoso.
Excitando a vanglória de famoso
propõe-lhe o precipício de arrogante:
mas Cristo humilde com valor constante
faz da humildade a glória de brioso.
Tenta terceira vez com modo ficto
pela ambição do mundo transitória
mas Cristo sempre se coroa invicto:
Sendo só de um contrário esta vitória,
três triunfos ganhou neste conflito da gula,
da ambição, e da vanglória.
À TRANSFIGURAÇÃO
Soneto XXVII
Cristo neste portento esclarecido
quis unir Sol, e Neve juntamente,
seu rosto ficou feito Sol Luzente
e qual cândida Neve seu vestido.
E quando sobe no Tabor Luzido
a glória oculta, mostra ali patente;
qual caudaloso Rio que a corrente
das águas solta estando reprimido.
Na transfiguração o portentoso
assombro, por milagre não se expressa,
que é mui próprio de Deus ser glorioso
Antes mostrando o mesmo que professa
bem que nisto pareça milagroso,
nestes milagres, o milagre cessa.
DOMINGO DE RAMOS
Soneto XXVIII
Entra Cristo com palmas festejado
e com ramos de oliva juntamente
toda Jerusalém por reverente
nos Júbilos esmera o seu cuidado.
Qual lhe estende o vestido mais prezado
qual a roupa lhe dá mais excelente
mas ai; que o vejo morto desta gente!
mas ai; que o vejo em ha cruz cravado!
Porém podemos crer com fé notória
que vencido o demônio furibundo
nos deu a paz segura para a glória:
De sorte que ensaiou no amor profundo,
entre os ramos das palmas, a vitória
entre os ramos da oliva, a paz do mundo.
À CEIA DE CRISTO
Soneto XXIX
Quer Cristo por exemplo, ou por ofício
a ceia do Cordeiro desejada
por que, à sombra da lei solenizada,
se acabasse em si mesmo o sacrifício.
Apesar do futuro malefício
solicita ver já sacrificada,
a sacra humanidade figurada,
que é maior, quando é pronto o benefício.
Prevendo o fim da vida derradeiro
no Cordeiro que vê, grande conforto
recebe em seu desejo verdadeiro:
Hoje vê, ver-se-á (no amor absorto)
assado e morto em brasas o cordeiro,
Cristo em brasas de amor assado e morto.
À INSTITUIÇÃO DO SANTÍSSIMO
SACRAMENTO, ALUDINDO ÀQUELAS
PALAVRAS: “FUI URRE GLORIAE NOBIS,
PIGNUS DATUR” ETC.
Soneto XXX
À vista do tormento imaginado
que o mundo lhe prepara enfurecido
faz Cristo tanto empenho de ofendido,
que ofendido se vê mais obrigado.
O convite institui regalado
no mistério Eucarístico escondido
e se um bocado, ao mundo fez perdido
quer o mundo ganhar por um bocado.
Como no amor dos homens mais se excita
lhe segura a certíssima bonança
da glória eterna, como Lei que imita:
Ficando devedor desta esperança
faz a convença com seu sangue escrita
e lhes deixa o penhor por segurança.
AO LAVATÓRIO DOS PÉS, ALUDINDO
ÀQUELAS PALAVRAS: “OMNIA DEDITIN
MANUS EIUS” João 13, 3.
Soneto XXXI
Cristo neste Mistério portentoso
depôs a Majestade preminente:
o Rei, feito vassalo reverente
feito Senhor, o servo venturoso.
Lava os imundos pés obsequioso
aos Discípulos seus humildemente,
e n’água se traslada o fogo ardente
que do peito lhe sai por amoroso.
Se o pai tudo lhe deu na eternidade
em suas mãos; e agora pobre e mudo
fez de humilde a estupenda novidade:
Posso dizer com advertido estudo
que tendo em suas mãos tanta humildade
mostrou que na humildade tinha tudo.
AO LAVATÓRIO DE JUDAS
Soneto XXXII
Entre as três tentações, com que atrevido
o Demônio se opôs a Cristo amante,
foi pretender com glória de arrogante
que a seus infames pés fosse caído.
Não conseguiu o intento pretendido
porém tornando agora mais constante
pretende ser de Cristo triunfante
e ganhar o Triunfo já perdido.
Entra o Demônio em Judas nesta guerra
e nele astutamente colocado
ganha a vitória que em seu peito encerra:
Pois lavando ao discípulo malvado
se de Judas aos pés está por terra
Cristo aos pés do Demônio está prostrado.
ÀS AGONIAS DO HORTO, ALUDINDO
ÀQUELAS PALAVRAS:
”MALEDICTA TERRA” Gênesis, 3, 17.
Soneto XXXIII
Orando Cristo ao pai que dilatava
o despacho amoroso que pedia
entra Cristo com férvida agonia
e verte o sangue já que desejava.
Pela terra feliz se derramava
regando a terra estéril, à porfia,
e porque dela o fruto pretendia
de tão Divino orvalho a fecundava.
Se já não é que a terra desditosa
a maldição de Deus na culpa encerra
com que perdeu de Deus a paz ditosa:
Mas hoje por tirar em tanta guerra
a maldição da terra lastimosa,
quis com seu sangue consagrar a terra.
À PRISÃO, E TRAIÇÃO DE JUDAS
Soneto XXXIV
Com simulada paz, porfia certa
vem Judas com soldados insolente
a prender a seu Mestre astutamente,
que a traição, outra traição desperta.
A Cristo prendem pois, todos alerta,
como se fora algum Ladrão patente
porém das almas é ladrão somente
que neste roubo todo amor acerta.
Preso e rendido o levam com cuidado
entre o estrondo das armas repetido
a quem só da inocência estava armado:
Neste assombro igualmente é parecido,
como cordeiro ao Sacrificio atado,
como José pela traição vendido.
À PRESENTAÇÃO DE CRISTO AO
PONTÍFICE ANÁS
Soneto XXXV
Os passos apressando sem preguiça
a Cristo leva preso a cega gente
e usando do rigor por inclemente
faz do mau trato zelo da justiça.
Com vingança cruel que o peito atiça
presenta ao Salvador tiranamente
ao Pontífice Anás que irreverente
encobre com pretextos a injustiça.
Propõe de culpas tia ação famosa,
como se fosse Réu mais infamado,
contra o Sol da justiça poderosa.
De maneira que bem considerado
fica a mesma justiça criminosa,
o mesmo Sol das trevas acusado.
À BOFETADA, ALUDINDO ÀQUELAS
PALAVRAS: “IN QUAE DESIDERANT ANGELI
PROSPICERE” I Pedro, 1, 12.
Soneto XXXVI
Contra Cristo se atreve enfurecida
ũa mão dos cruéis acusadores,
que imprimindo na face os desprimores
bem se pode dizer, foi mão perdida.
Esta afronta tão pouco merecida
não teve no juízo defensores
porque intenta o Senhor que nos rigores
se mostre a mansidão mais conhecida.
Seus Anjos (apesar da humana fúria)
desejam ver-se nesta face imensa
por ser espelho seu na excelsa cúria:
Venho a entender que nesta dor intensa
chegou ao Céu o golpe desta injúria,
em os Anjos se fez a mesma ofensa.
À IDA PARA CASA DE CAIFÁS
Soneto XXXVII
É levado depois com mão ligeira
Cristo a Caifás Pontífice subido,
sendo que era o Pontífice pedido
o mesmo Cristo pela Lei primeira.
O qual com voz humilde e verdadeira
diz que é de Deus o filho prometido
e o Pontífice então na Luz perdido
teve com tanta Luz maior cegueira.
Rompendo as vestiduras indignado
no seu concelho infausto se publica
que Cristo blasfemou de Deus sagrado:
Porém se Cristo é Deus, bem significa,
que se ele diz que Cristo há blasfemado
o Pontífice então blasfemo fica.
À IDA PARA PILATOS
Soneto XXXVIII
Leva a Cristo outra vez aquela gente
como se fosse Réu facinoroso
e o relaxa o Pontífice ardiloso
ao braço secular do Presidente.
A Pilatos está Cristo presente
e querendo julgá-lo poderoso
não lhe acha indício algum de criminoso
mas não absolve ao Réu, sendo inocente.
Perseguem os Hebreus com ódio forte
a Cristo que a tais penas se convida:
os Gentios também da mesma sorte.
Oh cega ingratidão desconhecida,
que todos concorressem para a morte
de quem morre por dar a todos vida!
À REMESSA QUE FEZ PILATOS A HERODES
Soneto XXXIX
Pilatos neste tempo tendo aviso
que Cristo é Galileu o manda preso
a Herodes, por saber que lhe é defeso
a nula incompetência do juízo.
Herodes o admitiu com gosto e riso
mas nas perguntas em desgosto aceso
por louco o tem, e acha com desprezo
na mesma inteligência pouco siso.
A Pilatos o torna, e não lhe implica
que em seu juízo a causa se conteste,
e a vestidura branca a Cristo aplica:
Nela se mostra que no amor celeste
quando veio a nascer, a paz publica,
quando vai a morrer, da paz se veste.
AOS AÇOITES DA COLUNA
Soneto XL
Sendo Cristo a Pilatos remetido
teve sentença injusta de açoitado;
e para ser da afronta mais ornado,
das sacras vestiduras foi despido.
À coluna do Pátio foi trazido
para ser nela gravemente atado,
e tem, com tanto sangue derramado
cinco mil sacrilégios padecido.
Destes, Senhor, a vosso Povo caro
a coluna por pio ministério
da noite tenebrosa, e dia claro:
Mas trocado em afronta vosso Império
se a coluna lhe destes para amparo,
a coluna vos dão por vitupério.
À COROAÇÃO
Soneto XLI
De uma púrpura rota está vestido
pela malícia vil da turba insana
e sendo Rei da Glória Soberana,
declaram que é da terra Rei fingido.
E lhe põem com rigor mais desabrido
a Coroa de espinhos desumana:
e na mão Sacra ũa silvestre cana
como rústico cetro escarnecido.
Nestes atos a pérfida fereza
bem que tanto disfarce em Cristo ponha,
melhor descobre a bárbara estranheza:
O ódio nos espinhos se suponha,
na cana brava mostra-se a braveza,
na rota grã se vê, rota a vergonha.
AO ECCE HOMO
Soneto XLII
Eis aqui (diz Pilatos compassivo)
o Homem que persegues; Povo errado!
eis aqui como está desfigurado!
que parece de horror cadáver vivo.
Eis aqui tanto escândalo excessivo!
eis aqui tanto espinho preparado!
eis aqui tanto golpe duplicado!
eis aqui tanto sangue sucessivo!
Que rigor! que loucura! que porfia!
excitas contra um homem desta sorte
em quem já se conhece a morte impia!
Porém direi que tens ódio tão forte
que do seu sangue tens hidropisia,
que ũa morte pretendes n’outra morte.
À CRUZ ÀS COSTAS
Soneto XLIII
Pilatos ajudando ao malefício
julgou que morra Cristo em Cruz cravado,
e quando lava as mãos deste pecado,
peito limpo não tem, naquele ofício.
Sai Cristo como Isac por benefício
que tinha Deus aos homens decretado,
e para ser na Cruz sacrificado
leva a Cruz como lenha, ao sacrifício.
Com esta ação, àquela comparada
para o calvário vai com desafogo
rogando ao pai que cumpra o que lhe agrada.
E por que nada falte a tanto rogo,
na justiça Divina, leva a espada;
e no amor infinito, leva o fogo.
SENDO CRUCIFICADO
Soneto XLIV
Com tanta mansidão, com paciência
foi Cristo despojado do vestido:
e quando nu se vê todo despido,
nessa mesma nudez, mostra a inocência.
Padece tanta dor por excelência
afeado seu rosto, e desluzido,
e tendo tantas dores padecido
que ao mesmo Inferno fazem competência.
Se no monte Tabor foi glorioso
de dois Profetas foi acompanhado
hoje com dois ladrões se vê penoso:
Em um e outro Monte ponderado
no Tabor se mostrou Sol Luminoso,
no Calvário se vê Sol eclipsado.
À PRIMEIRA PALAVRA NA CRUZ:
”PATER DIMITTE ILLIS” Lucas, 23, 34.
Soneto XLV
Cristo na cruz com dores se afligia
mas do pecado a dor muito mais sente,
e se o feria atroz aquela gente
pede ao pai pela gente que o feria.
Sabendo muito bem a culpa impia
faz tanta estimação de ser clemente
que lhe desculpa os erros docemente
como quem por seu gosto padecia.
Elias não perdoa aos inimigos,
pelo zelo da lei pede os rigores:
e Cristo tem a todos por amigos:
Ambos pedem a Deus, nos ofensores
ele, o fogo do Céu para os castigos,
Cristo, as auras do Céu para os favores.
À SEGUNDA PALAVRA:
”AMEN DICO TIBI” ETC.*
Soneto XLVI
Da culpa venturosa triunfante
o ladrão que com Cristo padecia
tanto primor, e tanta fé sentia
que foi ladrão feliz do Céu brilhante.
Pecou na vida, agora mais amante
publicamente a Cristo repetia,
e do Povo os rigores não temia
que tira todo o medo a fé constante.
Pede a Cristo somente tia esperança
quando for ao seu Reino preminente
por um Memento mei, mas logo alcança.
De sorte que pedindo reverente
um alvará somente de lembrança,
a mercê do alvará lhe dá presente.
À TERCEIRA PALAVRA: “MULIER, ECCEFILIUS
TUUS [. ..J ECCE MATER TUA” Lucas, 23, 43; João 19, 26.
Soneto XLVII
Quer Cristo que João seja adotado
de sua mãe a quem por filho dava,
mas ah! que justamente a magoava
a troca desigual do filho amado.
Deu Cristo ao mundo o corpo venerado,
o sangue também deu que derramava
deu finalmente a vida que expirava
e nada tem que não tivesse dado.
Porém por ser maior o sacrifício
representa em João absorto e mudo
todo o mundo a quem faz o benefício:
Nesta dádiva fez tão alto estudo,
que para ser ao mundo mais propício,
a própria mãe lhe deu para dar tudo.
À QUARTA PALAVRA: “DEUS MEUS, DEUS
MEUS UT QUID DERELIQUISTI ME?” Mateus, 27, 46
Soneto XLVIII
Vendo-se Cristo tanto perseguido
não acha alívio algum naquele estado;
na cabeça de espinhos coroado,
juntamente nas mãos, e pés ferido.
Exclama a Deus eterno por que há sido
a causa de o deixar desamparado
como se fosse réprobo malvado,
sendo filho de Deus esclarecido.
Com desejo imortal e forte alento
padecendo o tormento pretendia
padecer por amor sem outro intento:
De maneira que a causa conhecia,
e faz que ignora a causa do tormento,
como quem das ofensas se esquecia.
À QUINTA PALAVRA: “SITIO” João 19, 28
Soneto XLIX
Vendo Cristo que a morte lhe tirava
o martírio cruel em que se via
com seu próprio desejo se afligia
com seu próprio tormento porfiava.
Declara que tem sede: e bem mostrava
que quando atrozes penas padecia
não era refrigério que pedia
era sede das penas que estimava.
Do muito amor dos homens obrigado
a sede que declara no seu rogo
é que lhe aumentem seu penoso estado:
Tem no peito de amor tão grande fogo
que para padecer todo abrasado,
deseja o padecer por desafogo.
À SEXTA PALAVRA: “CONSUMMATUM
EST” João 19, 30
Soneto L
Quis o Supremo Rei por benefício
do mundo pela culpa cativado
que fosse redentor seu filho amado
e na cruz exercesse aquele ofício.
Já fica livre o mundo do suplício
que no Inferno lhe estava decretado
e pela eterna pena do pecado
se deu o Verbo Eterno em Sacrifício.
Na Sacra Redenção qualquer que suma
da Criação do mundo a Simpatia
quando a consuma Deus em breve suma,
De sorte que por esta, e aquela via,
se ao Sexto dia a criação consuma,
consuma a Redenção ao Sexto dia.À
SÉTIMA PALAVRA: “INMANUS TUAS,
DOMINE, COMMENDO SPIRITUM MEUM” Lucas, 23, 46
Soneto LI
Ao rigor do tormento sucessivo
nos parocismos do vital alento
fez brevemente Cristo um testamento
com sonorosa voz nuncupativo.
Não deixou nada, bem que Rei altivo
porque fez da pobreza valimento
nasce pobre em Belém sem luzimento
e na Cruz se viu nu do povo esquivo.
Duas verbas deixou com voz sagrada
para que seu amor melhor se entenda
que duas coisas são de que se agrada:
Enfim dispondo de ũa e outra prenda
a João sua mãe encomendada
a seu Pai seu espírito encomenda.
AO DESCIMENTO DA CRUZ
Soneto LII
José e Nicodemo neste dia
tiram da Cruz a Cristo atormentado
e no colo da mãe todo abraçado
se imprimiram as chagas em Maria.
No Sangue Sacrossanto que corria
o pranto de Maria misturado,
parece Sacramento renovado
n’água e sangue que de ambos se vertia.
Da paixão soberana tais rigores
na mãe se trasladaram, que com isto
igualmente parecem redentores.
Visto o tormento de um, e de outra, visto,
crucificada a mãe nas próprias dores
outro Cristo se vê junto de Cristo.
AO MESMO
Soneto LIII
Acaba Cristo a vida dolorosa
e dois varões o descem com ventura
para dar tia honrada sepultura
a quem teve a morte escandalosa.
Põem nos braços da Virgem lagrimosa
o filho que em seus braços ter procura
e quando a mãe suspira com ternura
cuidam todos que expira lastimosa.
Tão afeado está que a mãe não crera
que era seu filho o próprio, que pedia,
se o amor no coração lho não dissera:
Tão morta está da dor: que se não via
se era Cristo Maria que morrera,
se era Maria Cristo que morria.
À SEPULTURA DE CRISTO
Soneto LIV
Vendo José que a mãe se traspassava
do cutelo da dor, roga prudente
que deixe dar sepulcro reverente
a quem no peito seu eternizava.
A sepultura idônea preparava
a pia devoção daquela gente:
põem a Cristo em um Horto, que excelente
da melhor flor do campo se jactava.
Em um Horto buscaram prevenidos
os Pérfidos Hebreus com seu cuidado
onde o prenderam cegos e atrevidos;
Ultimamente, neste sepultado,
sendo o fim e princípio parecidos,
naquele preso foi; neste enterrado.
AO DESCIMENTO DO LIMBO
Soneto LV
Baixa Cristo aos Infernos poderoso
para dar cumprimento às esperanças,
que nunca falta Deus às seguranças
quando um peito confia obsequioso.
Os Santos Padres vendo o sol lustroso
têm de seu prêmio certas confianças
e logrando dos gostos as bonanças
já não sentem da pena o proceloso.
Já não há queixa, não, já tudo é riso
já do passado mal não há memória,
ver a Divina essência é já preciso:
E vencido Lusbel nesta vitória
muda-se o mesmo inferno em paraíso,
está no mesmo inferno a eterna glória.
À RESSURREIÇÃO, ALUDINDO ÀQUELAS
PALAVRAS: “DICEBANT EXCESSUM EIUS” Lucas, 9, 31
Soneto LVI
Ressurge Cristo todo acompanhado
de um exército Angélico luzido,
que se Anjos teve, quando foi nascido,
também os deve ter ressuscitado.
Neste monte se vê glorificado,
onde havia as afrontas padecido:
e pois nele se viu escarnecido,
é bem que seja nele sublimado.
Se Cristo no Tabor transfigurava
seu corpo glorioso, neste dia
em outro Monte glorioso estava:
Mas nos dois Montes diferença havia,
nele, o excesso das penas esperava,
neste, o excesso das glórias conseguia.
À APARIÇÃO DE CRISTO RESSUSCITADO
A SUA MÃE SANTÍSSIMA
Soneto LVII
Cristo aparece belo e glorioso
à mãe que este Mistério não ignora,
e se vestia o pranto como Aurora
qual Sol lhe enxuga o pranto lastimoso.
Antes viu a seu filho poderoso
entre ladrões metido, mas agora
vê que o acompanha, vê também que o adora
o concurso dos Anjos numeroso.
A mãe como Oriente figurado
recebe em braços a seu Sol querido
entre ósculos de amor multiplicado.
De sorte que este sol esclarecido
no Ocidente da Cruz foi sepultado,
no Oriente da mãe foi renascido.
À APARIÇÃO DA MADALENA
Soneto LVIII
O Corpo vai buscar de seu querido
Madalena nas ânsias de amorosa,
porém quando o não acha lagrimosa
estila o coração no seu sentido.
Cristo lhe apareceu desconhecido,
e quando o não conhece cuidadosa,
tendo o bem, que procura venturosa,
imagina que o bem tem já perdido.
Cristo vendo de amor excesso tanto
em virtude do pranto que sentia
se descobria ao golpe deste encanto.
Que como Cristo é pedra, bem se via
que sendo pedra em que batia o pranto,
Madalena no pranto o descobria.
À APARIÇÃO DOS APÓSTOLOS
Soneto LIX
No Sacro consistório congregado
os Apóstolos temem os rigores
porém Cristo aparece a seus temores
e com ardente Sol rompe o nublado.
A paz do Céu propõe a seu cuidado
que não teme da terra os vãos furores:
se nascendo da paz traz os favores,
a mesma paz lhes dá ressuscitado.
E quando Cristo ali lhes aparece
as mãos e lado mostra: e lhes publica
a mesma Lei, que neles permanece:
Com ũa e outra dádiva se explica,
que nas mãos, o poder lhes oferece,
e que no Lado, o amor lhes significa.
À ASCENSÃO DO SENHOR
Soneto LX
Sobe Cristo com júbilo aplaudido
formando os Anjos métricos concertos
não ao monte calvário dos tormentos
mas ao monte Sião do Céu subido.
Em Sacro amor das almas suspendido
(bem que deixa da ausência os sentimentos)
vai preparar magníficos assentos
que os Demônios cruéis tinham perdido.
Por elas interpõem ardente rogo
por lograr o triunfo avantajado
ou para conseguir seu desafogo.
Cristo pois com Elias comparado,
Elias sobe arrebatado em fogo,
Cristo em fogo de amor arrebatado.
À VINDA DO ESPÍRITO SANTO
Soneto LXI
Vem dos Céus o Paraclito Divino
onde estão os Apóstolos sentados,
que para ser da graça iluminados
deve de assento estar o amor mais fino.
Receberam de Deus sagrado ensino
ficando tão absortos, e enlevados,
que no melhor saber mais atinados,
o tino parecia desatino.
Em tanta maravilha, em tanta festa
divulga Deus o bem que comunica
em várias línguas de pureza honesta;
Que para mostrar mais o amor que explica
não só por a língua o manifesta,
porém por muitas línguas o publica.
À SANTÍSSIMA TRINDADE
Soneto LXII
Venera-se Deus Trino na unidade
e na Trindade um Deus é venerado,
e na mesma Substância inseparado
são distintas pessoas na verdade.
Igual a glória, igual a imensidade,
sábio igualmente, igual o potentado,
o pai, o filho, o Espírito, incriado,
em todos três igual a eternidade.
Não são três Deuses, não: que o Sol Luzente
tem luz, raio, e calor, que nele insiste
e n’alma três potências juntamente:
Porém quando esta informa, e aquele assiste
não são três Sóis, que um Sol brilha somente;
não são três almas, que a só subsiste.
À FESTA DO CORPO DE DEUS
Soneto LXIII
Celebra-se o Mistério com grandeza
da Católica fé para os louvores
se é no Céu pão dos Anjos superiores,
na terra é pão da humana natureza.
É Sacramento da maior Alteza
é Maná de riquíssimos sabores,
memorial seguro de favores,
de graças Eucarística fineza.
Este mistério, nesta oculta forma
é mais que a encarnação, se bem se adverte,
quando um se come, e outra a Deus informa.
Porque (para que o amor mais nos desperte)
naquela, um Deus em homem se transforma,
e neste, em Deus um homem se converte.
SONETOS A VÁRIOS SANTOS
A SÃO JOAQUIM
Soneto LXIV
Por ter a esposa estéril, magoado
vos via o mundo em tanta desventura,
que sentindo das mágoas a ternura,
era estéril de gosto vosso estado.
Porém Deus para ver-vos estimado
trocando vossas penas em ventura,
vos deu por fruto vosso a Virgem pura
para mãe de outro fruto desejado.
De Joaquim o nome generoso
significa (apesar do triste Inferno)
preparação de Deus por timbre honroso:
Se Maria é de Deus Templo Superno,
na filha que gerastes venturoso,
fostes preparação de Deus eterno.
A SANTA ANA
Soneto LXV
Quem com silêncio ou com louvor discreto
pode louvar-vos Ana generosa
que se a Virgem de Deus é mãe ditosa
vindes a ter ao mesmo Deus por neto.
Por virtude do Espírito secreto
ela é fonte de graças amorosa
e unida nesta fonte graciosa
toda a graça bebeis do Paracleto.
Do Sol vestida para aplauso nosso
sois a mulher no Céu aparecida
porque com ela comparar-vos posso.
Igualmente vos vejo parecida
que se Maria é Sol, e ventre vosso,
podeis dizer que estais do Sol vestida.
A SÃO JOSÉ
Soneto LXVI
Insigne Patriarca que alcançastes
ser de Maria Virgem, casto esposo,
guardando em vosso peito generoso
o tesouro de Deus, que venerastes.
Prenhe vistes a esposa que adorastes
e sendo humilde a tanto excesso honroso
vendo que é mãe de Deus, todo medroso
de tanta glória indigno vos achastes.
Inda que em vossos olhos vos assista
o ventre de Maria; na inteireza
de casta esposa vossa fé se alista.
Tendo neste prodígio tal pureza
que crestes mais à fé que à própria vista,
crestes à graça mais, que à natureza.
A SÃO JOÃO BATISTA ALUDINDO ÀQUELAS
PALAVRAS: “ILLUM OPOR TET CRESCERE
MEAUTEM MINUI” João, 3, 30
Soneto LXVII
Divino precursor que penitente
a Lei pregaste no deserto inculto,
porém tendo de Cristo o mesmo vulto,
por Messias do céu vos cria a gente.
Se do potente Rei fostes prudente
embaixador para o piedoso indulto,
todos vos tratam com Divino culto,
não por embaixador, por Rei potente.
Pelo que para ser acrescentado
o Verbo no respeito de aplaudido,
diminuir quisestes vosso estado.
Oh prodígio do Mundo esclarecido
que para o mesmo Deus ser venerado
foi necessário serdes abatido!
SONETOS AOS DOZE APÓSTOLOS
A SÃO PEDRO
Soneto LXVIII
Confessastes a Cristo poderoso
por verdadeiro Deus, com fé constante:
e por isso da Igreja militante
funda em vós o edifício glorioso.
Barjona vos chamou quando animoso
credes na fé sem peito vacilante;
e Barjona se entende o filho amante
de Pomba que imitastes amoroso.
Bem se pode dizer sem desacerto
que se o Divino Espírito é chamado
pomba; tendes com Cristo igual acerto:
Porque vós escolhido, ele gerado
Ele do Eterno Pai é filho certo,
vós do Espírito eterno, filho amado.
A SANTO ANDRÉ APÓSTOLO
Soneto LXIX
Sendo núncio feliz na bruta Acaia
da católica Lei e zelo pio
iluminastes um e outro gentio
caminhando por ũa e outra praia.
O Demônio cruel que já desmaia
faz ao Procônsul contra vós impio
porque lhe despojais o Senhorio,
por que seu trono pérfido não caia.
Morte de Cruz vos julga, e neste intento
a Cruz vida vos dá, mas por vitória
da luz do Céu se cobre o vosso alento:
Fostes pois singular nesta memória
que outros morrem na Cruz pelo tormento,
mas a morte vos deu da Cruz a glória.
A SÃO TIAGO MAIOR, APÓSTOLO
Soneto LXX
Quando em Jerusalém todo animoso
pregais a Lei de Cristo a toda a gente
sois filho do trovão, e tão veemente
que dais no mundo um brado sonoroso.
Contra vós foi Josias orgulhoso
e vos prendeu na praça astutamente,
mas por vós convertido de repente,
preso ficou de vós, mais venturoso.
Derramastes o sangue nos encantos
de amor; entre os Apóstolos mais finos
primeiro mártir para assombros tantos.
E se foi por católicos ensinos
Estêvão Protomártir, dos mais santos,
vós o sois dos Apóstolos Divinos.
A SÃO JOÃO APÓSTOLO
Soneto LXXI
Anjo sois em puríssimo portento
que sois da virgem guarda generosa,
sois mártir que na tina milagrosa
padeceis o martírio sem tormento.
Sois Apóstolo tal que o valimento
de Cristo mereceis por graça honrosa,
sois Profeta, que à Igreja gloriosa
revelais os mistérios mais atento.
Sois Patriarca em Prole mais completa,
Evangelista que Águia o Sol conquista,
Doutor da Teologia mais secreta:
Sois enfim porque tudo em vós se alista
Anjo, Mártir, Apóstolo, Profeta,
Patriarca, Doutor, Evangelista.
A SÃO FELIPE APÓSTOLO
Soneto LXXII
Contra os Impérios da Serpente impia
que em Frígia se adorava cegamente,
saís Felipe, pela fé, valente,
que não falta no amor forte ousadia.
Aquele Ídolo cai na terra fria,
por mistério de Deus morre a Serpente;
e logo todo o povo reverente,
segue o Evangelho, e deixa a Idolatria.
Porém pede Lusbel ao Magistrado
que morrêsseis na Cruz, seu mal previsto,
e logo treme a terra nesse estado:
De sorte que na Cruz o assombro visto,
como a Cristo imitais crucificado,
honrar-vos quis a terra como a Cristo.
A SÃO BARTOLOMEU APÓSTOLO
Soneto LXXIII
Apesar de Astaroth que astutamente
na Capadócia fabricava os danos
apesar de Berit, que os desenganos
explicou de vós mesmo à bruta gente.
Entrastes com virtude preminente
contra o bárbaro error de muitos anos
e Astaroth soltou logo seus enganos
porque preso se viu do fogo ardente.
Alcançastes no Inferno a palma bela
sem armas, e sem outra companhia
mas que de Cristo a fé que vos desvela.
Porém posso dizer nesta porfia
que como é pedra Cristo só com
ela toda a estátua prostrais da Idolatria.
A SÃO MATEUS APÓSTOLO
Soneto LXXIV
Evangelista Apóstolo afamado,
que escrevendo a Evangélica verdade
destes com felicíssima piedade
da Sagrada lição primeiro brado.
Na feliz Etiópia venerado
louvastes de Ifigênia a castidade;
porém ao Rei lascivo na maldade
fogo de ira lhe acende o fogo amado.
Celebrando o eucarístico portento
a vida vos tirou por malefício,
ficando o mesmo altar sanguinolento:
Por imitar de Cristo o mesmo ofício
sacrificando a Deus no sacramento,
fizestes de vós mesmo o sacrifício.
A SÃO TOMÉ APÓSTOLO
Soneto LXXV
Duvidastes Tomé porém ditoso
lograstes os seguros do receio,
que à trévoa vil de um enganoso enleio
não falta a luz de um desengano honroso.
Vistes a Cristo ressurgir glorioso
e a mão metendo no divino seio
foi o toque das chagas justo meio
para o toque da graça venturoso.
Vossa incredulidade não fez dano
à vossa fé, que nela estais mais fino
quando a Cristo chamais Deus soberano:
Fazeis um Sacramento peregrino
pois só tocais em Cristo o corpo humano,
e confessais em Cristo o Ser Divino.
A SÃO TIAGO MENOR, APÓSTOLO
Soneto LXXVI
Por vosso nome Santo esclarecido
justo sois, e nas obras excelente
tanto que parecestes entre a gente
ser por irmão de Cristo conhecido.
De vossa mãe, no ventre enobrecido
santificado sois Divinamente,
e sendo santo, antes de ser vivente
sentis o amor, antes de ter sentido.
Na vida, nem na morte vos excede
o mesmo Cristo, que antes repetistes
igual ação, que em ambos vos sucede:
Pois quando os inimigos conseguistes,
Cristo na Cruz, perdão por eles pede,
vós por eles perdão, na Cruz pedistes.
A SÃO SIMÃO E JUDAS TADEU
Soneto LXXVII
Contra os Magos que os Ídolos quiseram
vos opusestes ambos tão constantes
que nos incêndios férvidos de amantes
vossos peitos valentes se acenderam.
Os Idólatras cegos compuseram
da lua e sol os Ídolos brilhantes,
mas se eles se perderam de arrogantes
os Ídolos desfeitos se perderam.
A lua e sol estão com desalentos
em um, e outro Ídolo fingido
tudo foi confusão, fogo violento:
O Juízo final foi parecido
pois a lua ficou sem luzimento,
pois o sol ficou todo escurecido.
A SÃO MATIAS APÓSTOLO
Soneto LXXVIII
Fostes eleito ao Sacro Apostolado
(pela pérfida ação Judas perdido)
e a José que por justo era aplaudido
vós por mais justo fostes aprovado.
Nas doze estrelas antes figurado
de Apostolado o número sabido,
sois estrela do mundo convertido
fixa no amor, errante no cuidado.
A vossa Santidade sobre-humana
com todos os Apóstolos se afina
quando Deus nesta escolha a desengana.
Nela maior vantagem vos ensina
porque aos mais escolheu com voz humana
mas a vós escolheu com Luz Divina.
A SÃO PAULO APÓSTOLO
Soneto LXXIX
Apóstolo das gentes celebrado
sois vaso de eleição, por Cristo eleito,
que destes ao Gentio satisfeito
da lei da Graça, o óleo consagrado.
Padecestes por Cristo degolado
e quando tendes o martírio aceito,
derramastes o leite, que no peito
tinha vossa pureza congelado.
Cortam-vos a cabeça esclarecida
e saltais de prazer ao golpe forte
como João na graça conseguida:
Mas nesta ação mostrais mais alta sorte
que ele de prazer salta, tendo a vida
vós saltais de prazer, logrando a morte.
A SANTO ESTÊVÃO
Soneto LXXX
Insigne Protomártir que mostrastes
na defensa da fé valor inteiro,
e sendo Alferes-mor por ser primeiro
a bandeira de Cristo sublimastes:
No triunfo ditoso que alcançastes
(feito da fé constante pregoeiro)
não só do vosso nome verdadeiro
mas do martírio atroz vos coroastes.
Verteis na terra o Sangue derramado,
e Cristo vos conforta nos Céus visto,
entre agonias do tormento amado:
Maior vantagem vos concede nisto
que Cristo foi de um Anjo confortado,
vós confortado sois do mesmo Cristo.
A SÃO LOURENÇO
Soneto LXXXI
Valoroso Espanhol, Sacro Levita
se ao Pontífice sumo obedecestes,
os Tesouros da Igreja despendestes
que o tesouro do Céu mais vos incita.
Pronto ao Martírio, que o Tirano excita,
tão pouco medo, e pouco horror tivestes,
que se no duro ferro padecestes,
ao duro ferro vosso peito imita.
Não recebeis do fogo sentimento
(em cravo transformando o branco Lírio)
porque Amor vos abrasa em mais aumento:
E fazendo da dor sábio delírio
abrasado de amor, e do tormento
padeceis de dois fogos o martírio.
A SÃO SEBASTIÃO
Soneto LXXXII
Valoroso ao martírio se mostrava
vosso peito que as setas não temia:
se vosso peito cândido vivia
alvo das setas vosso peito estava.
Por muda vossa língua se admirava
na dor com que o tormento padecia
porém não era muda na alegria
com que diséretamente a fé pregava.
A Tirania do gentio ufano
que não quer admitir o sacro ensino
vos frechava no tronco desumano.
Porém vós no patíbulo mais fino,
se o peito vos fechava, ódio tirano,
o peito vos frechava, Amor Divino.
A SÃO JERÔNIMO
Soneto LXXXIII
Com grande estudo e penitência dura
ao mesmo tempo sábio e virtuoso
fostes esmalte da virtude honroso,
fostes Luzeiro da ciência pura.
Reformastes enfim com fé segura
a divina escritura obsequioso;
intentando o demônio poderoso
que a lição se perdesse da escritura.
Por ela se conhece a fé sincera
que Cristo a todo o mundo publicara
e sem ela a virtude se não crera.
Mas, se não fora vossa indústria rara
no mundo a fé de Cristo se perdera,
do mundo a redenção se não lograra.
A SANTO AMBRÓSIO, ALUDINDO ÀQUELAS
PALAVRAS: “EX ORE INFANTIUM ET
LA CTA NTIUM PERFECIS TI LAUDEM” Mateus, 21, 16
Soneto LXXXIV
Prelado de Milão que vos mostrastes
em ambos os governos tão prudente
que pela via da virtude urgente
do temporal ao eterno caminhastes.
Se as fúrias Arrianas aplacastes
sobre a eleição de um Bispo preminente
por Bispo vos aclama toda a gente,
bem que por toda a gente o reclamastes.
Deus revela ao Menino o Sacro ensino
(porque neles tem Deus louvor perfeito)
que Bispo vos chamou como Divino.
Enfim deste prodigio satisfeito,
se a boca vos nomeia de um menino,
pela boca de Deus fostes eleito.
A SANTO AGOSTINHO
Soneto LXXXV
Bispo de Bona, de África portento,
que nos erros do mundo pervertido,
se tivestes a Igreja perseguido
destes depois à Igreja valimento.
Paulo teve também o mesmo intento,
e perseguiu a Igreja enfurecido,
mas caindo no chão por convertido,
se levantou na fé com mais alento.
A vossa conversão com reverentes
obséquios louva a Igreja por que veja
com Paulo os mesmos ritos preminentes:
Em ambos pois o assombro igual se veja,
que se Paulo ficou Doutor das gentes,
vós ficastes também Doutor da Igreja.
A SÃO GREGÓRIO MAGNO
Soneto LXXXVI
Obsequioso o povo em vosso abrigo
vos elege Pontífice eminente
pois tirais do contágio pestilento
das Angélicas mãos todo o castigo.
Fugistes destas honras inimigo
mas o Céu na coluna refulgente
ao Povo vos descobre,
e faz patente que sois forte coluna no perigo.
Buscam a Cristo os Magos com primores
mas o Céu por dar fim a seus intentos
ũa estrela criou a seus fervores.
De sorte que descobre em dois portentos
a Cristo de ũa estrela os resplandores,
a vós, de a coluna os luzimentos.
A SÃO BENTO
Soneto LXXXVII
De um pensamento torpe arrebatado
contra vós o Inferno se conjura
e pretende no horror da forma escura
escurecer-vos o candor do estado.
Mas logo revolveis santificado
entre os espinhos vossa carne pura
com que o lascivo ardor da fermosura
apagastes com sangue derramado.
Do mesmo Cristo em vós, vejo a pessoa
quando seguis devoto seus caminhos
e da vitória vossa a fama voa:
Porque vencendo os torpes descaminhos
Cristo teve de Espinhos a coroa
vós fizestes Coroa dos espinhos.
A SÃO BERNARDO
Soneto LXXXVIII
Ilustre Borgonhês, que desprezastes
as honras vãs do mundo fementido
que o melhor grau, e posto mais subido
no trono das virtudes colocastes.
Recolhido em Cister mortificastes
de tal maneira o corpo reduzido
que o manjar para o gosto era perdido
que os objetos que vistes, ignorastes:
Altamente vossa alma em Deus se unia,
e neste sumo bem se transportava
e mais que em si, somente em Deus se via.
De sorte que milagre se mostrava
vossa alma estar no corpo em que vivia
e viver sem o corpo, que informava.
A SÃO DOMINGOS
Soneto LXXXIX
Divino Patriarca, que os primores
de vossa luz mostrastes tão fecundo
que tendo sempre em Deus o amor jucundo,
sois sacrossanto pai dos Pregadores.
Nascestes (contra Heréticos furores
que forjou o Demônio furibundo)
como discreta luz de todo o mundo,
como perro leal, em seus clamores:
Quando a e outra ação prognosticada,
em vossas excelências mais se afina,
fica a casa da Igreja preparada;
Pois qual perro leal, e luz mais fina
contra o Demônio lhe guardais a entrada,
e nela a luz lhe dais pela doutrina.
A SÃO FRANCISCO
Soneto XC
Excelso Patriarca que ordenastes
melhor Arca no mundo em graças certas
se esta foi ordenada em três cobertas
a vossa com três ordens fabricastes.
Como a paixão de Cristo tanto amastes
vos deu no Corpo as chagas descobertas,
e estando vivas nele, estando abertas
no mesmo Cristo em Cruz vos transformastes:
Tivestes melhor Cruz, que Cristo amado
nesta impressão das chagas, porque nisto
a Cristo pareceis avantajado:
Visto pois o favor, o empenho visto,
Cristo em um lenho foi crucificado,
Francisco foi crucificado em Cristo.
A SÃO ROMUALDO
Soneto XCI
Ilustre Romualdo perseguido,
de Bento a Santa Regra reformastes
e depois a Camândula criastes
para ser Patriarca conhecido.
Apesar da fraqueza do sentido
a maior penitência procurastes
e no trabalho duro vos mostrastes
como se fôsseis bronze endurecido.
Desprezando da vida transitória
todo o gosto ou favor que o mundo
encerra tivestes do Demônio igual vitória:
E tal amor, do mundo vos desterra,
que vivendo na terra, e não na glória,
vivestes mais na glória, que na terra.
A SANTO INÁCIO DE LOYOLA, ALUDINDO
ÀQUELAS PALAVRAS: “AD MAIOREM
DEI GLORIAM”
Soneto XCII
Deixando as armas de ũa guerra impia
outra guerra buscastes mais constante
e fazeis para a Igreja militante
com vossos filhos nova companhia.
Soa o tambor, na bélica alegria,
o nome de Jesus por triunfante
leva à bandeira Xavier amante,
cabo de esquadra o Borja se avalia:
Vós capitão famoso com notória
virtude, dais batalha ao mesmo Inferno
e ganhais com os filhos a vitória:
Pondes em vosso escudo o timbre externo
(como quem faz Brasão da maior glória)
para glória maior de Deus eterno.
A SANTO ANTÔNIO
Soneto XCIII
Insigne pregador, que em doce encanto
dos Homens cativais a liberdade,
e mostrando no mundo a Santidade
sois por Antonomásia, Antônio Santo.
Na vossa língua se transforma tanto
do Espírito Divino a potestade,
que para horror da Herética maldade
a Brutos, Peixes, Aves, dais espanto.
Se o Espírito Divino em Soberana
forma de línguas arde no amor fino
da vossa língua o mesmo afeto mana:
Incorrupta, em assombro peregrino
não era língua, não, de carne humana,
era língua do Espírito Divino.
A SÃO PEDRO MÁRTIR
Soneto XCIV
Supremo Inquisidor, Pedro excelente
do Sacro Pedro imitador famoso,
ele primeiro Apóstolo amoroso,
e vós primeiro Inquisidor prudente.
Com forte coração, com zelo ardente
de todo Herege sois vitorioso
e se sente o milagre portentoso
maior milagre em vossa vida sente:
Morrendo aos golpes da traição malvada
molhais no sangue o dedo,
e vos convida deixar escrita a fé que vos agrada.
Se é vida o sangue, e nele é conhecida,
quando escreveis com sangue a fé sagrada,
mostrais, que vossa fé, foi vossa vida.
A SÃO TOMÁS DE AQUINO
Soneto XCV
Angélico Doutor que esclarecido
fostes do mundo pasmo milagroso,
e tendo do saber o grau famoso
fostes no sacro amor mais entendido.
As questões que escrevestes aplaudido
o mesmo Cristo aprova portentoso,
e se louva ao Batista, generoso
também vos louva a vós aparecido.
De boca de Anjo tendes a excelência,
Quinto Doutor vos louva a Igreja amada,
Deus vos aprova a singular ciência.
E foi de Deus ação justificada,
se boca de Anjo sois na inteligência,
que por boca de Deus seja aprovada.
A SÃO BOAVENTURA
Soneto XCVI
Boa Ventura sois, que acreditado
unistes a bondade co’a ventura,
e na vossa ciência mais se apura
o saber na virtude vinculado.
Com seráfico ardor, com doce agrado
quando vosso fervor mais se assegura,
de Francisco imitastes a luz pura,
como se fora em vós ressuscitado.
Junta geral fizestes de tal sorte
que a regra de Francisco mais se alenta
contra o Demônio, contra as Leis da morte:
Em ambos o fervor, igual se atenta
que um a regra criou com zelo forte,
outro com forte espírito a sustenta.
A SANTA MARIA MADALENA
AOS PÉS DE CRISTO
Soneto XCVII
Solicita, procura, reconhece,
com desvelo, com ânsia, com ventura,
sem temor, sem soberba, sem loucura,
a quem ama, a quem crê, por quem padece.
Ajoelha-se, chora, se enternece,
com pranto, com afeto, com ternura,
e se foi indiscreta, falsa, impura,
despe o mal, veste a graça, o bem conhece.
A seu Mestre, a seu Deus, a seu querido,
rega os pés, ais derrama, geme logo,
sem melindre, sem medo, sem sentido.
Por assombro, por fé, por desafogo,
nos seus olhos, na boca, no gemido,
água brota, ar respira, exala fogo.
A SANTA CATARINA DO MONTE SINAI
Soneto XCVIII
Catarina animosa na disputa
com cinqüenta Filósofos vencidos
triunfando dos ídolos fingidos
cinqüenta palmas teve nesta luta.
Padeceu o martírio resoluta
menosprezando ardores dos sentidos,
com que a fé se esclarece nos rendidos
com que o templo dos ídolos se enluta.
Em Sinai foi seu corpo colocado
onde Deus ostentou na Sacra História,
da Glória sua o portentoso estado.
Com ela renovou tanta memória
por que a glória do corpo venerado
substitua de Deus a mesma glória.
A SANTA LUZIA
Soneto XCIX
Vossa casta pureza resplandece
e sois da sacra fé muralha dura,
esta contra o Tirano mais se apura,
aquela contra o amante permanece.
Vossos olhos gentis, que ele apetece
tirais de vosso rosto tão segura
que quando cega estais na fermosura
melhor vista de Deus vos engrandece.
Se o Amor Divino nas esposas suas
olhos de pomba tem: a Deus mostrastes
melhor oferta com verdades nuas:
Porque na oferta antiga que imitastes
se a Deus não ofertastes pombas duas
dois olhos de a pomba lhe ofertastes.
A SANTA ÚRSULA, E ONZE MIL VIRGENS
Soneto C
Obedecendo ao Máximo orgulhoso
que afetava a Romana Monarquia,
levastes por ilustre companhia
das virgens belas o esquadrão famoso.
Mas encontrando a Melga poderoso
e resistindo à bárbara porfia
ganhastes dois troféus naquele dia
da castidade, e fé do sacro esposo.
Foi José de onze estrelas adorado
mas quando as castas virgens se namoram de Cristo,
fica o culto avantajado:
Porque no eterno bem, que a Deus imploram
onze estrelas não são de Cristo amado
que estrelas onze mil a Cristo adoram.
A SANTA CLARA
Soneto CI
Clara virgem, que claro amor mostrava
a Francisco, a quem tanto obedecia,
e do mundo as mais santas excedia
que de tal pai, tal filha se esperava:
No Sacramento tanto se alentava,
que do exército atroz a fúria impia,
pela Custódia Sacra não temia
que era também Custódia, que guardava.
Nas filhas castas, belas, e medrosas
dos peitos lhes tirou o medo triste
e ficam do inimigo vitoriosas.
Que se no Sacramento Deus subsiste,
vestido de armas brancas poderosas
o Senhor dos exércitos lhes assiste.
A SANTA CATARINA DE SENA
Soneto CII
Sois esposa de Deus crucificado,
e na fineza ilustre, que vos doa,
elegeis dos espinhos a coroa,
e lhe bebeis o sangue de seu lado.
O Coração de Cristo está trocado
em vosso coração, que a Cristo voa,
e fica na entidade da pessoa
o coração que tendes, endeusado.
Entendendo o favor, o pasmo visto
Cristo de vós está tão satisfeito,
que mistério da fé consagra nisto.
Se o Coração da vida é logro aceito
unindo a Cristo em vós, e a vós em Cristo
Sacramentou-se Cristo em vosso peito.
A SANTA TERESA
Soneto CIII
Com generoso amor, com fé notória
Teresa em Cristo amante transportada,
vivia já na sétima Morada,
que já do mundo vil, tinha a vitória.
Contra os gostos da vida transitória
foi da Lança, do fogo traspassada,
que em Seráfico amor toda abrasada
seu coração se viu posto na glória.
Em Cristo dos tormentos satisfeito
ũa lança de ferro se imprimia
mas Teresa não teve o ferro aceito.
Antes maior fineza se avalia
porque o ferro, de Cristo abria o peito
mas o Amor, de Teresa o peito abria.
A SANTA ROSA
Soneto CIV
Ilustre Rosa, quem vos presta alentos?
que penitência rara vos convida?
como em tanto Mistério atura a vida?
e não fenece já com desalentos?
Não vos dão essas penas sentimentos?
tendes de bronze a carne perseguida?
ou é que a morte, já, tendes bebida,
ou que estais endeusada nos tormentos.
Obstinado Lusbel foi no pecado,
e vós também com soberana traça
sois obstinada no penoso estado.
Mas vós por dita, e ele por desgraça
ele perde a Graça de obstinado,
vós de obstinada conservais a graça.
A SANTA MARIA MADALENA DE PAllI
Soneto CV
Nos divinos tormentos enlevada
se as chagas recebeis feliz esposa,
toda unida com Deus por amorosa
a Cristo adoro em vós por transformada.
É bem que as chagas da paixão sagrada
vos imprimisse na alma venturosa,
que se ela é centro da afeição piedosa,
seja arquivo também da dor amada.
Se as chagas que vos dota foram pagas
com que o mundo remiu; hoje dissera
(tanto impossível sacro amor estragas)
Que se o remis mais almas não tivera
só por vossa alma pretendera as chagas
só por remir vossa alma padecera.
À MESMA SANTA ESTANDO EM SUA MÃO
SEMPRE VERDES AS FLORES QUE SE LHE
PÕEM EM DIA DE SUA FESTA
Soneto CVI
Feito dossel de plantas superiores
reinava com Favônio mais sereno
tendo por corte o campo Damasceno
tendo por cetro os cravos brilhadores.
A primavera isenta dos rigores
com que o tempo dos maios é pequeno,
sendo imortal o paraíso ameno,
sendo Perpétuas as perpétuas flores.
Em vós as flores por divina traça
conservam sempre seu fermoso riso
nem receiam do inverno a vil desgraça:
Publique o mundo pois com douto aviso
que Santa sois na primitiva Graça,
que em vós renova Deus o Paraíso.
À CAPELA DA TRANSFIGURAÇÃO QUE FEZ
O AUTOR NO SEU ENGENHO DE TARARIPE
Soneto CVII
Dediquei-vos Senhor esta capela
da Transfiguração que se apelida
em oitavada forma tão luzida,
que parece do campo breve Estrela.
Pedro que nos afetos se desvela
com três moradas fácil vos convida
pelo engano da glória apetecida
porque sem padecer a glória anela.
Porém se nas ações transfiguradas
vejo a Trindade, em vosso ser Divino
à voz do Céu, e à nuvem comparadas:
Direis na devoção com que me afino
se não fiz como Pedro três moradas
a morada fiz para Deus Trino.
À CAPELA QUE FEZ O AUTOR DA
INVOCAÇÃO NOSSA SENHORA DAS BROTAS
NO SEU ENGENHO DE JACUMIRIM
Soneto CVIII
Esta Igreja Senhora obsequioso
da invocação das Brotas vos dedico,
e se da graça sois Tesouro rico
vos servirá de cofre venturoso.
O favor que fizestes milagroso
ao lavrador humilde significo,
que ‘sentindo da vaca o dano inico
pela desdita veio a ser ditoso.
Mostrais neste prodígio celebrado
que qual bruto animal com vil caída
o pecador se vê morto, e prostrado;
Mas quando a vosso amparo se convida
o livrais das barrocas do pecado,
e lhe dais pela graça nova vida.
À EXALTAÇÃO DA CRUZ
Soneto CIX
Tomando o Persa o sacrossanto lenho,
da Cidade infeliz vitorioso
o colocou no Trono majestoso
fazendo do poder soberbo empenho.
Recorre Heraclio com devoto engenho
vendo seu Povo aflito e lastimoso
ao Senhor das vitórias poderoso
para ter da vitória o desempenho.
Dá-se a batalha, e quando o dano aplico
fica a gente do Persa destroçada,
por roubarem cruéis o lenho rico:
Fica pois (sendo a cruz recuperada)
qual cego Filisteu o Persa inico,
qual Arca esclarecida, a Cruz sagrada.
QUARTA-FEIRA DE CINZA
Soneto CX
Lembra-te homem que és pó, e em pó tornado
serás, que o mesmo ser já tens perdido
porque na brevidade de haver sido,
somente o nada tens, de que és formado.
Considera-te morto e sepultado
antes que em pó te vejas destruído,
veste a mortalha a teu mortal sentido,
abre a cova a teu ser mortificado.
Olha a terra, olha a cinza, por que imites
as memórias dos santos penitentes
e o mesmo exemplo da virtude excites:
Se em ti sentes a terra, e a cinza sentes,
põe por terra teus cegos apetites
faze em cinza teus brios insolentes.
À SEXTA-FEIRA DE PASSOS
Soneto CXI
Olha os passos, que dás Homem perdido
que corre os passos, Deus, por teu pecado,
esses passos que dás todo enganado
são passos da vaidade, que hás seguido:
Toma a Cruz, e nos passos advertido
não dês os passos no caminho errado,
que para dar os passos acertado,
não desmaies nos passos de sofrido.
Nos passos desta vida transitória
segue os passos de Cristo, se te agrada,
alcançar pelos passos a vitória:
Seja nos passos da virtude amada
dos passos a baliza, a eterna glória,
dos passos do bordão, a Cruz sagrada.
EXORTAÇÕES VIRTUOSAS
Soneto CXII
Veste o escudo da fé na humana sorte,
vence, lida, padece, chora, e sente
que o triunfo será mais excelente,
quando a batalha for, mais dura, e forte.
Olha que está sujeita ao breve corte
inda que a flor da vida mais se alente
e merecendo o Inferno torpemente,
outra morte terás, depois da morte.
Vive só confiado em Deus eterno
inda que Inferno seja a transitória
tribulação que tens no peito interno:
Adverte pois, na troca tão notória
que na glória do mundo tens o Inferno,
que no Inferno do mundo tens a glória.
A ŨA CAVEIRA
Soneto CXIII
Esta, que vês Caveira pavorosa!
este, que vês assombro denegrido!
este que vês retrato carcomido!
esta que vês pintura dolorosa!
Esta que vês batalha temerosa!
este que vês triunfo repetido!
este que vês Castelo destruído!
esta que vês Tragédia lastimosa!
Esta enfim te apregoa a desventura
com o mudo pregão de teus enganos
para buscar a vida mais segura:
Se olhos não tem, nem língua em breves anos,
nesta cegueira vês tanta loucura,
ouves neste silêncio os desenganos.
ÀS LÁGRIMAS DEVOTAS
Soneto CXIV
Lágrimas se derramem, que o pecado
sabem lavar com sentimento puro
que não há nódoa negra, ou rasto
impuro que não seja das lágrimas lavado.
Chorou Davi, e foi santificado
chorou Pedro, e ficou no amor, seguro,
Madalena chorou, e o fogo impuro
em puríssimo fogo foi mudado.
Ficam no amor as almas mais absortas
quando as lágrimas correm sucessivas
sendo portas do Céu, do pranto as portas.
Cresce a graça nas lágrimas ativas
que se as culpas mortais, são águas mortas,
as lágrimas da dor, são águas vivas.
PONDERAÇÃO DA VIDA HUMANA
Soneto CXV
Homem que queres? vida regalada:
vida que solicitas? larga idade:
idade que procuras? liberdade:
liberdade que logras? prenda amada:
prenda que conta fazes? conta errada:
conta que somas já? pouca verdade:
verdade que descobres? a vaidade:
vaidade que pretendes? tudo e nada:
tudo que ganhos dá? perda notória:
perda que vem a ser? de Deus eterno:
Deus que vida nos presta? transitória:
transitória que aspira? ao Céu superno:
Céu que nos oferece? a eterna glória:
glória que nos evita? o triste inferno
AO CONTÁGIO DAS DOENÇAS
Soneto CXVI
Senhor, se nos castigos fulminados
intentais a vingança merecida
terá seu fim Senhor a humana vida
mas não terão seu fim nossos pecados.
Bem conheceis os ânimos errados,
a inclinação dos homens distraída
onde mora da carne a torpe lida,
onde nascem do mundo os vãos cuidados.
Bem que seja Senhor a culpa nossa
nem por isso negueis vossos favores
e mais que vós, a culpa vil não possa.
Não derrubeis aos homens com furores
que derrubais Senhor a imagem vossa
e contra vós mostrais esses rigores.
AFETOS JACULATÓRIOS
Soneto CXVII
Quem pudera Senhor sempre atender-vos!
quem pudera Senhor sempre agradar-vos!
quem pudera Senhor sempre buscar-vos!
quem pudera Senhor sempre querer-vos!
Quem me dera meu Deus nunca ofender-vos!
quem me dera meu Deus nunca agravar-vos!
quem me dera meu Deus nunca deixar-vos!
quem me dera meu Deus nunca perder-vos!
Oh quem pudera nunca resistir-vos
da terra desprezando a doce guerra
para em meu peito sempre possuir-vos:
Mas ai! que tal miséria em mim se encerra
que se largá-la quero por seguir-vos,
a terra pega em mim, por ser da terra.
RESPOSTAS
Soneto CXVIII
De terra sou, porém no entendimento
tenho de Anjo a Celeste Jerarquia
e se da carne o ardor me desafia,
da Caridade o ardor me causa alento.
Se além da carne o mundo por violento
seus favores políticos me envia,
proponho da esperança a eterna via
que é dos caducos bens esquecimento
Se me atiça o Demônio furibundo,
da fé me valho; e o venço com pujança
e desta sorte busco a Deus jucundo.
Pelo que com segura confiança
me livro do Demônio, carne e mundo,
na Fé, na Caridade, na Esperança.
CONTRA OS PECADOS DE TODO O MUNDO
Soneto CXIX
Meu Jesus, meu Jesus, meu Deus querido!
contra vós todo o mundo levantado;
o Gentio, o Hebreu, o Mouro errado,
falso o Herege, o Católico perdido.
Não podeis evitar sendo ofendido
tanto vício mortal! tanto pecado!
ou é, que na piedade estais atado,
ou é, que vos prezais de ser sofrido.
Mas se no sofrimento, ou na piedade,
detendes o castigo da injustiça,
não vos pode culpar nossa impiedade.
Antes se por sofrer-nos, mais se atiça,
condenando no fim nossa maldade
glorificais melhor vossa justiça.
DEPRECAÇÃO ALEGÓRICA, OU ANAGÓGICA
Soneto CXX
Se morto estou no estado de Babel
ressuscitai-me já como em Naim,
já não quero adorar a Baalim
que em vosso culto sou Zorobabel;
Dai-me Senhor a casa de Betel
sobre o monte celeste de Abarim,
não me deis os castigos de Eufraim,
que a glória espero ver de Ezequiel.
Pretende despojar-me Leviatã
da vinha mais feliz que a de Naboth,
e que tenha o suplício de Datã.
Pequei pequei (Senhor de Sabaoth),
mas obedeço às vozes de Natã,
e já deixo os enganos de Astaroth.
CONTRA O PECADO DA SOBERBA
Soneto Esdrúxulo CXXI
Despreza o temporal, busca o Monástico
seja honra tua, objeto Teológico,
que se argumentas nelas como lógico
fazes do lodo vil, primor fantástico.
Ou Leigo sejas, ou Eclesiástico
com todos és igual, és Analógico,
busca pois o sentido Tropológico,
se queres ser do Céu Douto Escolástico
Teu corpo pode ser um Paralítico,
bem que na Presunção queiras ser Célico,
e do mundo enganoso atroz político.
Antes sendo pacífico e não bélico,
na soberba te vês Demônio crítico,
e na humildade tens estado Angélico.
CONTRA OS HEBREUS
Soneto CXXIV
Povo ingrato, infeliz por que abraçaste
de tantos anos mil, a esperança?
sendo que, de Moisés pela tardança
de breve tempo, ao mesmo Deus deixaste.
Do cetro de Judá nota o contraste
sendo que por divina confiança
não podia acabar tanta pujança,
até unir o Messias que esperaste:
Deixa pois da perfídia o desacerto
crê logo no Messias encarnado:
que Cristo o seja, é da verdade acerto:
Que um homem pobre, humilde, em cruz cravado,
a não ser de Deus vivo, filho certo,
não podia por Deus ser adorado.
CONTRA OS HEREGES
Soneto CXXV
Que Lei segues soberbo Calvinista?
que Igreja formas cego Luterano?
que Deus adoras pérfido Arriano?
que fé procuras vário Donatista?
Não sabes tu que na imortal conquista
quem é Cristão submete o ser humano:
e se um Deus reconhece soberano,
na unidade da fé também se alista.
Não queiras obstinado que se veja
tua fé, tua lei, sem forma algũa
com que o Juízo teu em vão peleja.
Olha que a fé, e a Igreja há de ser a
mas se tens outra Lei, tens outra Igreja,
e se tens vária fé, não tens nenhũa.
MANIFESTA-SE A VINDA DE CRISTO PELA
MESMA INSENSIBILIDADE DAS CRIATURAS
Soneto CXXVI
Todo o mundo insensível reconhece
que é já vindo o Messias prometido
o Céu, tendo a estrela produzido
entre os Magos Gentios o conhece.
O Mar bravo tranqüilo se oferece
quando Pedro se viu no mar metido:
o vento sibilante, emudecido,
a seus sacros preceitos obedece.
Morrendo: fica a terra estremecida,
o sol eclipsa os raios tenebroso,
toda a pedra de dor fica partida:
E finalmente o Inferno temeroso
os mortos restitui à melhor vida
e teme ao Autor da vida poderoso.
OITAVAS
À CONCEIÇÃO DA SENHORA
1
Soberana Senhora imaculada
do tributo de Adão fostes isenta,
pois por boca do Céu sois nomeada,
cheia de graça, entre as mulheres benta:
se outra coisa não pode ter entrada
no lugar que por cheio se contenta
sendo cheia de graça em vosso Estado,
não cabia lugar para o pecado.
2
Nasce a lua no Pólo refulgente,
porém descobre manchas na beleza;
nasce a rosa no campo gentilmente
porém produz de espinhas a vileza:
mas vós nasceis mais bela, e mais luzente
no céu, ou campo de maior grandeza,
que fostes preservada em Mãe fermosa
sem manchas Lua, sem espinhas Rosa.
3
Qual Aurora que em tenra fermosura
pintando as Nuvens de purpúreas cores
desterra o descortês da sombra escura
aos golpes de recentes resplandores:
vós também concebida em graça pura
como Aurora em puríssimos candores
desterrastes co’a luz, que vos assiste,
da culpa original a sombra triste.
4
No zenith celestial da Quarta esfera
brilhando o sol com brio reluzente
não há sombra, vapor, nuvem severa,
que ofusque os raios do Planeta ardente:
sendo vós sol também em quem se esmera
alto Zenith da graça preminente,
não se podia opor a tanta altura
vapor vil, nuvem torpe, sombra impura.
5
Qual a sarça que obrou seus luzimentos
no monte Horeb em fúlgidos ardores,
onde o fogo cresceu sem nutrimentos,
e respeitou devoto seus verdores:
tal vós (quando do Inferno os ardiment
os quiseram desluzir vossos primores)
brilhastes pura, tendo na inteireza ela,
intacto o verdor; vós, a pureza.
6
Em carroça de fogo rutilante
sobe Elias aos céus arrebatado,
e quebrando da morte a Lei constante
ficou da Lei da morte preservado:
da mesma sorte, vós, ficais triunfante
da culpa original (em fogo amado
da Graça celestial que vos desculpa)
livre Elias da morte, vós, da culpa.
7
Tomando corpo humano Deus eterno
de vossa carne se vestiu piedoso;
e com dobrado horror do mesmo inferno
fostes Virgem no parto milagroso:
não é muito também que o céu superno
vos livrasse do feudo lastimoso
que não é menos na igualdade bela
imaculada mãe, que mãe donzela.
8
Sois da Trindade templo generoso
em que não pode haver mancha mais leve,
sois mãe santa de Cristo poderoso
a quem candor puríssimo se deve:
sois esposa do Espírito amoroso
a quem profana trévoa não se atreve
com que vindes a ter pureza honrosa
ou por templo, ou por mãe, ou por esposa.
9
Sacramentado Cristo em corpo humano
que de vós recebeu Virgem sagrada,
naquele sacrifício soberano
fica hóstia pura, e hóstia imaculada:
logo não pode haver vício profano
que a mesma carne sois sacramentada
assim que celebramos com ventura
que é pura a conceição, e a hóstia pura.
A SÃO FRANCISCO
Oitavas
Quem tivera ũa Musa sublimada
quem levantara os versos mais sonoros
para louvar-vos a virtude amada
com doce canto dos celestes coros:
mas se ser pobre, e humilde vos agrada,
terá meu verso de aplaudido os foros
porque haveis de estimar Francisco santo
se a veia, pobre for; se humilde, o canto.
2
Buscastes o presépio desabrido
porque só nele achais o nascimento,
que antes de ter os logros do sentido
fizestes para Deus merecimento:
neste assombro de pobre esclarecido
imitastes de Cristo o mesmo intento
e nesta ação fizestes amorosa
da Cidade de Assis, Belém ditosa.
3
A primeira virtude que estimastes
da Caridade foi, o afeto vivo,
dos vestidos mais rotos vos ornastes
e vestistes os pobres compassivo:
dos galhardos adornos desprezastes
a gala que deseja o mundo esquivo
porque se torna por mortal tributo
gala de vício, da virtude luto.
4
Vosso pai combatido da avareza
não quer que useis da franca atividade
que o vento popular da vã riqueza
apaga a nobre Luz da Caridade:
até que lhe largastes com grandeza
da herança natural a faculdade,
e tomando outro pai com melhor sorte
rompeis da natureza o laço forte.
5
Na visão dos armígeros soldados
vos excita o valor para outra guerra
porque com vossos filhos alistados
sois terror do Demônio em toda a terra:
e para ter os vícios superados,
que o peito humano como fraco encerra
nas três ordens devotas que formastes
três esquadrões armados ordenastes.
6
Quando se via a Igreja generosa
nos contrastes de Hereges perseguida
e sendo por si mesmo poderosa
estava em seu temor quase caída:
vós alentais com força milagrosa
a pôr os ombros nela em toda a vida
e sendo céu a Igreja militante,
fizestes deste céu, melhor Atlante.
7
Desprezando os encantos da riqueza
seguistes do Evangelho a lei Divina
fazendo tal estado da pobreza
que parece difícil a doutrina:
e vendo que o Evangelho na pureza
ou se esquece no mundo, ou não se afina
instituindo novo Apostolado,
renovais o Evangelho sepultado.
8
Do lascivo apetite combatido
vos propõe o Demônio essa maldade,
e vai buscar no Inferno escurecido
o fogo, para arder a castidade:
porém contra o Demônio enfurecido
vos armastes da mesma santidade
e lhe opusestes quando mais se atreve
contra os tiros de ardor, balas de neve.
9
Saístes a campanha no deserto
com rico adorno de uma capa pobre,
e levantando a voz com douto acerto
clamava vossa voz ao Rei mais nobre:
os rústicos cruéis com desacerto
golpes vos dão que vosso peito encobre,
e se o Deserto vossa voz conquista
fostes da lei da graça outro Batista.
10
Compassivo da pena lastimada
que o Pobre de Espoleto padecia
lhe beijastes a boca encancerada,
como se fosse flor de Alexandria.
Se com ósculo vosso foi livrado
daquela chaga atroz que apodrecia
um ósculo que destes amoroso,
ósculo pareceu do sacro Esposo.
11
Qual Elias em carro luminoso
aparecestes sol resplandecente
e inflamastes o espírito amoroso
de vossos filhos com fervor ardente:
se Elias se mostrou da lei zeloso
vós zeloso da lei sois igualmente
se bem zelo melhor em vós se excita
da lei da graça, em vós; nele, da escrita.
12
Tomando a penitência por empresa
o povo à vossa voz se convertia,
entre todos seguiu esta aspereza
de clara santa a nobre companhia:
aquela que do nome, e da pureza
fez no mundo fermosa simpatia
que foi por graça e profecia rara
no ventre Luz, no nascimento Clara.
13
Pregando doutamente a lei sagrada
com tanta perfeição, com tanto exemplo,
deixa o Poeta a Musa celebrada
e busca o canto do celeste templo:
se ele vos vê com uma e outra espada
Apóstolo de Cristo vos contemplo,
pois mostrastes seguindo as vozes suas
no vosso Apostolado, espadas duas.
14
Do Soberano Espírito movido
para escrever a regra mais amada
subistes fervoroso ao monte erguido
como Moisés na lei por Deus ditada:
porém depois havendo-se perdido
outra vez a escreveis avantajada
e neste exemplo igual, Deus nos ensina
que vossa regra santa, é Lei Divina.
15
A vosso aceno peixes se comovem,
ao vosso obséquio Brutos se oferecem,
às vossas vozes pássaros se movem,
os ardores do fogo em vós se esquecem:
os homens de seus erros se removem,
a vosso império todos obedecem;
Deus enfim no sensível e insensível
pôs em vós todo o império do possível.
16
De vossos filhos junta a turba ingente
não havia sustento para tantos
mas para dar sustento a tanta gente
bastavam para vós desejos santos:
com Cristo parecestes igualmente
(tendo de graças mil, doces encantos)
pois ministrando o pão, que se acrescenta,
a multidão dos filhos, se sustenta.
17
Em lugar ermo sendo convocados,
o vinho vos faltou para o convite,
mas demitistes logo esses cuidados
que a vós o mais difícil se permite;
e por que nada falte aos convidados
d’água o vinho fazeis, por que se imite
o milagre de Cristo; e nesta empresa
mudastes do elemento a natureza.
18
Aquela escada de Jacó famosa
em que subiam Anjos, e baixavam
mostrando nesta lida generosa
que diligentes no serviço estavam:
em Francisco se iguala misteriosa
que na escada do amor passos formavam
pois qual Anjo, no amor a Deus subia,
e neste amor, ao Próximo descia.
19
Chama os filhos assim com forte alento
que são de seu amor mais alta prenda,
e fazendo solene testamento
a Regra que lhes deu, lhes encomenda:
no chão se prostra na pobreza atento
fazendo da nudez rica fazenda
e deixou a seus filhos vinculada,
por Morgado, a pobreza mais prezada.
20
Foi Patriarca os filhos procriando,
foi Divino Profeta do futuro,
foi do Evangelho Apóstolo admirando
foi forte Mártir no desejo puro:
foi Doutor preclaríssimo ensinando
o caminho da glória mais seguro,
foi confessor insigne na aspereza e
foi perpétuo Virgem na pureza.
21
Porém já me confundo suspendido
levanta, Sacra Musa, o pensamento
para louvar o pasmo nunca ouvido
em que Cristo ostentou maior portento:
que Criatura? que Anjo esclarecido?
tivera tão feliz merecimento,
que recebendo as chagas neste mundo
ficasse no favor, Cristo segundo?
22
No monte Alverne todo transportado,
na sagrada paixão todo embebido,
Francisco a Cristo viu crucificado
em Seráfica forma aparecido:
as chagas lhe imprimiu com tanto
agrado que naquela impressão ficou ferido,
e padecendo a dor no sofrimento
foi verdadeiro mártir no tormento.
23
Porém neste Mistério soberano
a Cristo se avantaja milagroso
que inda que tem Francisco o ser humano
neste martírio o excede venturoso:
em Cristo se sentiu o desumano
instrumento do ferro, e lenho honroso,
porém o mesmo Cristo mais atento
de seu martírio, foi, vivo instrumento.
24
Na cruz recebe Cristo as chagas puras
e nelas padeceu rigor inteiro,
que foram para o pai pagas seguras
com que remiu do mundo o cativeiro:
estas Francisco as toma com doçura,
e nelas verte sangue verdadeiro,
e se pode dizer com fé sincera,
que redentor do mundo se venera.
25
Luta Jacó com Deus, e valeroso
e não quis demitir do braço forte,
até que o não fizesse generoso
da divina benção feliz consorte:
mas com Deus tem Francisco poderoso
de outra luta melhor mais alta sorte
que ele só de Israel teve os louvores
mas Francisco das chagas os primores.
26
Fez o Divino pai a escritura
na Cruz de Cristo com piedoso intento,
sendo do sangue seu, a tinta pura,
escrito o amor, com pena do tormento:
mas como para a pátria mais segura
o Verbo se partiu sanguinolento
quis deixar em Francisco Autenticado
em falta de escritura, seu traslado.
27
Representa Francisco glorioso
a Cristo, tendo as chagas recebido,
e neste desempenho portentoso
fica do eterno pai filho querido:
se a Cristo representa, o misterioso
sacramento do Altar, sempre aplaudido;
e se em Francisco está representado
em Francisco se vê sacramentado.
28
Das chagas de seu Mestre duvidoso
se mostrava Tomé, mas sendo visto
da maior fé mostrou o timbre honroso
pois confessou por Deus ao mesmo Cristo:
mas se em Francisco vira venturoso
de Cristo as chagas com favor revisto
a Francisco dissera, equivocado,
Meu Deus, e meu Senhor ressuscitado.
29
Paulo que foi da fé vaso escolhido
todo enlevado em Cristo, parecia,
que o tinha no seu peito renascido
e sem o ver, no mesmo peito o via:
teve as chagas também favorecido
porém foi com diversa simpatia
que Paulo as teve só na sacra mente
mas Francisco as logrou corporalmente.
30
Mas que digo, Francisco, se no intento
de louvar-vos me vejo decaído;
amaino as velas já do entendimento
que temo em vosso mar ser submergido
se merecestes o Celeste assento
de Serafim, por outro o ter perdido,
cantem somente para encômios tantos
do Santo Serafim, Serafins Santos.
À ANUNCIAÇÃO DA SENHORA
Canção
1
Neste amoroso extremo,
que soube unir em vós um Deus Supremo
Gabriel verdadeiro
é forte mensageiro
se é Gabriel de Deus a fortaleza
mostra que é de um Deus forte, esta fineza.
2
E tendo-vos roubado
de Deus o coração de namorado
era justo que amante
se unisse em vós constante
e viesse buscar quando o roubastes
o mesmo coração que lhe tomastes.
3
Nesta embaixada agora
escrava quereis ser sendo Senhora,
e para gosto nosso
deste um fiat vosso,
e com esta palavra sobre-humana
concebeis a Palavra soberana.
4
Oh que estranha verdade!
Se fazeis a grandeza da humildade:
sois bem-aventurada
pela humildade amada;
cheia de graça sois sem culpa feia
se lua pareceis, sois lua cheia.
5
Sendo mãe e donzela
fostes intacta sempre, e sempre bela
na vossa fermosura
vos inteirastes pura
que o Sol divino entrando com presteza
fez Cristal transparente da pureza.
6
Singular sem exemplo
Propiciatório sois do eterno templo
e para ilustre abono
servis a Deus de trono
e sois neste Mistério venerado
Arca do testamento, Horto cerrado.
7
Aquele anunciado
aquele dos profetas desejado,
veio dos céus à terra
e em vós virgem se encerra,
de maneira que os céus que já se movem,
estilam o rocio, ao justo chovem.
8
Do sacrossanto Esposo
tálamo casto sois bem que oloroso,
sois terra enobrecida
que aos homens produziu fruto de vida,
sois incorrupto cedro em corpo e alma,
oliva verde sois, fecunda palma.
9
Sois Núncia brilhadora
sois do Sol da justiça tenra Aurora:
sois da pérola fina
ũa concha divina:
e na carne de Cristo concebida
Nuvem cândida sois, vara florida.
10
Que língua copiosa
explicar poderá Virgem ditosa
aquele doce efeito
que entrou em vosso peito
que inflamação vossa alma sentiria!
que resplandor! que pasmo! que alegria!
À QUINTA-FEIRA MAIOR
Canção
1
Meu Senhor soberano
humano em vosso ser, conosco humano,
antes de vossa morte
nos dais ditosa sorte
pois nos logros da Ceia prevenida
buscais a morte, e nos deixais a vida.
2
Qual Pelicano amante
no amor valente, no valor, constante,
verte o sangue copioso por dar pasto amoroso
a seus filhos: tal vós no sacramento
o sangue derramais, dais o sustento.
3
Em tão feliz ventura
mais que Maná do Céu, mana a doçura;
e no pão venerado
pão dos Anjos Sagrado
unistes três contrários verdadeiro
pois sois Pastor, sois Pão, e sois Cordeiro.
4
Sabendo neste extremo
o trânsito preciso ao Céu supremo
dais da glória futura
a prenda mais segura
e quereis quando ausente, que se entenda
que como amante nos deixais a prenda.
5
Querendo humildemente
lavar os pés de Pedro reverente
em favor tão notório recusa o lavatório:
porém depois em vossas mãos aceito
teve o poder dos Céus, aos pés sujeito.
6
E com afeto grato
ao discípulo, falso, cego, ingrato,
os pés lhe estais lavando
e nesta ação mostrando
(que é coisa que no mundo não se admira)
a verdade prostrada da mentira.
7
Nos retiros do Horto
pronto o espírito, a carne sem conforto
gota a gota estilando
o sangue estais suando,
e fica nestas ânsias amorosas
o Monte de Olivete, horto de rosas.
8
O Peito atraiçoado
disfarçando o discípulo malvado,
vos beija falsamente
mas vós como inocente
correspondeis, e a um tempo unido vejo
ao beijo da traição, da paz o beijo.
9
Quando Judas emprende
a vil infâmia, aos Fariseus vos vende
mas considero agora
que nesta ação traidora,
por ver escravo ao mundo distraído,
quisestes como escravo ser vendido.
10
Em tanto malefício
preso quisestes ser para o suplício,
mas vendo o mundo errado
solto em tanto pecado
quisestes por nos dar melhor ventura
aceitar a prisão, pela soltura.
11
Com vosso amor Divino
até morrer por nós vos vejo fino:
vossa afeição antiga a tal fim vos obriga
que por teres amado, nos amastes
e em vosso amor, o amor multiplicastes.
À ASSUNÇÃO DA SENHORA
Silva
Subindo Cristo aos céus deixou na terra
a Virgem soberana em que se encerra
que na ausência do Sol, que o mundo enluta
ficou como Planeta, substituta:
Se já não é que na pequena Igreja
a seus peitos deseja
dando-lhe o leite da virtude pura
a seus peitos criá-la com doçura.
Vendo-se pois Maria em longa idade
sentindo a saudade
de seu filho, em que está mais satisfeita
ânsias sente, ais respira, a vida enjeita.
Recosta-se na cama alegremente
por conhecer da morte o fim presente,
onde logra com fácil aspereza
o rico travesseiro da pobreza:
o cobertor de seda da humildade,
o cândido lençol da castidade.
No monte de Sião por vários modos
acodem logo todos
na casa em que fez Deus para portento
aquele incompreensível Sacramento,
que para ser três vezes nosso amigo
fez em si, fez por si, e fez consigo.
Esperando a seu filho no aposento
põem logo o luzimento
de limpíssimas velas
que ensaiar-se podiam para estrelas;
porém junto do Sol que respeitavam
como estrelas as Luzes ocultavam.
Trazem logo os fiéis mais verdadeiros
aromáticos cheiros,
compõem Hinos devotos
para cumprir o afeto de seus votos
e quando pela Virgem choram tanto
festa o nojo se vê, música o pranto.
Deseja que os Apóstolos sagrados
que estavam pelo mundo derramados
assistissem com ela; e de repente apareceram todos juntamente,
sendo só por si mesmos convocados,
que o amor sabe chamar com mudos brados:
ali lhes agradece o doce afeto
olhando a todos com divino aspecto;
e lhes brota a bênção tão regalada e tão santificada
que somente por ela em logros tantos
puderam (se o não foram) ficar santos.
Neste tempo aparece o filho amado
oh que amor! oh que empenho! oh que cuidado!
e transportada em plácidos desvelos
desata de seu corpo os laços belos,
e sustentando o amor em que se esmera
entrega a alma, a quem a carne dera.
Morre Maria, e foi, morte ajustada,
que se da morte fora preservada
segundo nas virtudes se pondera
fora tida por Deus, se não morrera.
Os Anjos na alegria
levantam logo música harmonia,
dizendo em voz canora
quem é esta que sobe como Aurora?
fermosa como a Lua?
eleita como Sol, que a luz é sua?
terrível ao Demônio sempre armado,
como esquadrão nas praças ordenado?
Todos ali presentes
beijam os pés à Virgem reverentes
e naquele jardim de mais primores
lhe restituem flores;
com cheirosos ungüentos
ungindo de seu corpo os desalentos,
mas do corpo a fragrância parecia
que em cheiro todo o céu se derretia.
Sepultam logo o corpo com ternura
que inda que lhes pareça a sepultura
daquele Sol tristíssimo ocidente
é de um Sol que se põe novo oriente.
Três dias os Apóstolos sagrados
junto ao Sepulcro estavam transportados,
e embebidos em tantas alegrias
lhes parecem três horas, os três dias.
Chegou depois Tomé que estava ausente
e aos Apóstolos pede instantemente
que o sepulcro se abrisse que queria
ver o sagrado corpo de Maria,
que também de seus olhos foram pagas
para a fé de Tomé de Cristo as chagas.
Aberta a sepultura com cuidado
nela se não achou o corpo amado
e somente se acharam lenços finos
que cobriram os membros cristalinos
e finalmente com dobrada palma
a Virgem ressurgiu em corpo e alma;
e sendo aquele corpo
a nosso alento Arca do testamento
não era justo fosse corrompida
e da grosseira terra carcomida.
Assim como os Leões não maltrataram
o corpo do profeta que admiraram,
assim também os bichos nesta empresa
no corpo sacro não fizeram presa;
e se a carne de Cristo ressurgida
é de Maria carne produzida,
desigualdade tal se não encerra
ũa nos céus estar, outra na terra.
Entra pois de seu filho acompanhada
na Celeste morada
onde se adora com fiéis agrados
pelos Anjos, Arcanjos, Principados,
onde a louvam com fáceis humildades
Dominações, Virtudes, Potestades
Onde a respeitam para mais abonos
os Serafins, os Querubins, os Tronos.
AO NASCIMENTO DE CRISTO
Redondilhas
Meu Jesus, meu Pequenino
quero-vos falar de chança,
como brinco de criança,
como jogo de menino.
Este favor conhecendo
estou vossa carne olhando,
tão própria que está gritando,
tão bela que está nascendo.
Com vossa mãe Virgem bela
igualmente estais ornado,
vós vos vestis de encarnado,
ela carne de donzela.
Sempre teve o mundo falhas
e por esse desprimor
como é tão mau pagador
vos pagou o mundo em palha.
Sois cordeiro e por melhores
companheiros não se estranhem
que os brutos vos acompanhem
e que vos busquem pastores.
Vosso amor verdades lavra
no que foi profetizado,
porque sois verbo humanado
e sois homem de palavra.
Teme nosso desvario,
que estais conosco enfadado,
porque estais mui retirado,
porque vos vejo mui frio.
Com felicíssimo agouro
(Bem que Dezembro o não sente)
entre o boi que está presente
vejo ao Sol estar no Touro.
Entre o Sidéreo farol
os Anjos com muita fé
entoam do Rei o Ré,
e cantam do Sol, o Sol.
Quando como aos mais humanos,
estais de panos coberto,
vos pôs o mundo em aperto
e vos deu o mundo uns panos.
Neste retiro previsto
de Belém considerei,
que sendo filho de um Rei,
vos vejo um pobre de Cristo.
À RESSURREIÇÃO DE CRISTO
Redondilhas
Sai do sepulcro vil
tendo o corpo imperceptível,
por claro, por impassível
por ágil, e por sutil:
Do cárcere do profundo
sai José singular
não para o Egito salvar,
mas para salvar o mundo.
Sai Mardoqueu sagrado
que o cruel Amã vencestes,
e no madeiro o pusestes
que vos teve aparelhado.
Sai Jonas venturoso
do longo mar de agonias:
ele glorioso aos três dias,
vós aos três dias, glorioso.
Tivestes nesse conflito
de Daniel as ações,
ele invicto dos Leões,
vós dos Demônios invicto.
Sai Moisés porque só
com vida podeis sair
para depois destruir
o poder de Faraó.
Visitais a mãe sagrada
que em volta com triste
véu parece nublado Céu,
parece Lua eclipsada.
Sinais das chagas deixais
como Capitão valente,
porque as chagas igualmente
são da peleja sinais.
Muito se alegra minha alma
pois vos vejo meu Jesus,
não entre os ladrões em cruz,
mas entre os Anjos com Palma.
Se ela assim vos vê, se excita,
que aprendendo esse favor,
se crucifica na dor,
e na graça ressuscita.
Tendes do prêmio os alentos
que é coisa justa e notória,
que mereça tanta glória
quem sofreu tantos tormentos.
Desceis ao limbo: a meu ver
nos quisestes ensinar
que para vos exaltar,
quereis primeiro descer.
Se na terra entrais, se encerra
que vosso trabalho é muito,
pois para colher o fruito,
quisestes entrar na terra.
À ASCENSÃO
Outras
Meu Deus, desejara ter-vos,
e tanta ausência estorvar-vos,
vede, que morro de amar-vos,
olhai, que vivo de ver-vos.
Vós ausentai-vos? mas não:
que era para mim desdouro:
porque se sois meu tesouro
em vós tenho o coração.
Mas se vosso amor me deixa
ouvi-me, Senhor, atento,
que as vozes do sentimento
são desafogos da queixa.
Se vos quereis apartar
meu coração saudoso
bate as asas de amoroso,
e quer convosco voar.
Se em ũa pedra deixais,
vossos sinais por fineza
sou também pedra em dureza
ponde em mim vossos sinais.
Ide-vos, meu doce empenho!
fico pobre, cego e mudo,
se vos logro, tenho tudo,
se me faltais, nada tenho.
Essa nuvem que a meus tiros
se opõe rigorosamente,
abrasem-na o fogo ardente,
que vos lançam meus suspiros.
O coração me feris
com esse nublado véu,
e se partis para o Céu
o coração me partis.
E partido significa
que comigo sempre estais,
que a parte me levais
comigo outra parte fica.
Mas parece cruel erro
e não piedade amorosa,
ir para a pátria ditosa,
e deixar-me no desterro!
Porém acertado é,
que vos ausenteis, Senhor,
por que afine meu amor,
e só vos ame por fé.
E se somos verdadeiros
herdeiros dessa esperança,
tomais posse dessa herança
em nome dos mais herdeiros.
Cesse a penosa memória
subi já, nesse horizonte,
não para o Calvário Monte
mas para o Monte da Glória.
Suba, Senhor compassivo,
que do Inferno tendo as palmas
levais entre tantas almas
o Cativeiro cativo.
E pois vencestes a guerra
entrai no Reino brilhante,
como Capitão triunfante
do Demônio, Carne, e terra.
Na porta dos céus entrai
sem dificuldade alga;
para vos abrirem ũa
cinco portas lhes mostrai.
PECADOR ARREPENDIDO A CRISTO
CRUCIFICADO
Outras
Meu Deus, meu Rei, meu Senhor,
quando estais crucificado,
docemente estais cravado,
mais que de cravos, de amor.
Esses cravos que instrumentos
são da vossa paixão pia,
fazem suave harmonia
na música dos tormentos.
Com beleza e sem alinhos coroastes,
sempre belas à Igreja,
de doze estrelas a vós,
de muitos espinhos.
Na Cruz liberal estais
porque quando me quereis,
vossos braços estendeis
rotas vossas mãos mostrais.
Se vejo o sangue preciso
das mãos, e pés venerados
são quatro rios sagrados
desse melhor Paraíso.
Quando os pecados altero
a mim mesmo me persigo
pois temo agora o castigo
de quem o remédio espero.
Se a morte temo por forte
mais me deve dar cuidado
a morte atroz do pecado
qual da frágil vida a morte.
Eu vivia, e recebia
do pecado a vil oferta?
se o pecado é morte certa
como pecando vivia?
Se de padecer me esqueço
para meus vícios vencer,
quem me dera padecer
tudo quando não padeço.
Ah Senhor para gozar-vos
quem de tudo se esquecera?
oh quem de amar-vos vivera!
oh quem morrera de amar-vos!
Quando trato de ofender-vos
com agravo repetido sinto
ver-vos ofendido,
e mais sentirei não ver-vos.
Se sois luz esclarecida
se sois vida, meu Jesus,
como cego, busco a luz
como morto, busco a vida.
Meu Deus, nada dar-vos posso
e se vos venho a faltar
sinto não ter que vos dar,
porque quanto tenho, é vosso.
Porém para meu intento
por querer lisonjear-vos,
para algũa coisa dar-vos
vos dou este sentimento.
Quando a minha alma, Senhor,
hoje em querer-vos se ordena
não é por amor da Pena
é somente por amor.
Tanto na minha memória
vos amo, que antes me alento
convosco estar em tormento
que sem vós estar na glória.
Oh se vos amara tanto
que vertera equivalentes
se vós do sangue as correntes
eu as correntes do pranto.
E quando as vejo vertidas
lavais, para amparo nosso
nos rios do sangue vosso,
as manchas de nossas vidas.
E nesse ocidente estais
qual sol posto entre fulgores
ele de purpúreas cores
vós de purpúreos sinais.
Cinco portas excelentes
abris nas chagas ditosas
para as almas gloriosas
das cinco virgens prudentes.
Se estais nessa cruz cravado,
exaltado; eu me convido,
que hei de ser a vós trazido,
pois já vos vejo exaltado.
Em levantado horizonte
como cidade eminente
vos puseram justamente
patente a todos, no Monte.
Sois jardim de adorações
pois tendes obsequiosos
entre cravos amorosos
Angélicas submissões.
Todo nu, todo querido
quereis ter com todos trato;
mais que despido de ornato,
de todo o rigor, despido.
Essa árvore, que no amparo
de nossas almas se afina,
se outra foi nossa ruína
esta foi nosso reparo.
Oh que diferente há sido
de ambos o fruto gerado,
que naquela foi vedado
mas nesta foi concedido.
O Peito tendes aberto
porque em vosso amor constante,
quereis mostrar como amante
o coração descoberto.
Que sois com maior fineza
sacerdote e sacrifício
Já meu receio sofrega
já dos céus pretendo a luz,
se Amor vos prega na Cruz
dos céus a porta desprega.
A SÃO JOÃO EVANGELISTA
Outras
João buscastes um meio
para ser de Cristo amado,
pois no peito reclinado
fostes homem de seu seio.
Sois um Divino ladrão
meu santo, pois satisfeito
pela janela do peito,
lhe roubaste o coração.
Mas se este roubo se afina
com vossa fé sublimada,
como sois Águia sagrada
fostes Ave de Rapina.
Fostes da verdade espelho
para nos dar claridade,
e sempre falais verdade
pelo sagrado Evangelho.
Um inimigo de Cristo
virá contra vós, que o temo
tão infame, como o Demo,
tão mau, como um Anti-Cristo.
Por vós a coisa prevista
por força há de suceder,
que além de Profeta ser,
dais em ser Evangelista.
A vós com vôos divinos
sinal grande apareceu,
como Astrólogo do Céu
também entendeis de signos.
Ceia Cristo, e quando estréia
com vós o amor singular,
não sei quem vos quis
culpar lá pela bula da Ceia.
Porém sem embargo disto
com que ali vos invejaram,
inda que vos não mataram
fostes a cear com Cristo.
A SANTO ANTÔNIO
Outras
Com desvelo sobre-hùmano
dobrais dos céus o caminho,
que além de ser Agostinho,
quisestes ser Franciscano.
Com mais altas esperanças
o contraponto mais fino,
na solfa do amor Divino
quisestes fazer mudanças.
Entoastes as verdades
por compassos da afeição
com Máxima discrição
e com Mínima humildade.
Pretendeu o mundo em vão
vencer-vos, e na porfia
pondo-vos em cerco um dia
vos botou logo um cordão.
Quando o burel estimastes
na carreira do cuidado
com Francisco emparelhado
dizem lá, que encordoastes.
Todos veneram absortos
vossos milagres, porém
sem dizer mal de ninguém
desenterráveis os mortos.
Até convosco não falha
ũa Besta em seu abrigo
porque vendo o melhor trigo
desprezou a Besta a palha.
Contra Hereges inflamado
vosso amoroso desvelo,
se sois de Hereges Martelo
sois de Amor amartelado.
Inda que ao Demo lhe pese
aos treze dias vos dão
obséquios; por ser varão
que sempre está nos seus treze.
Qual ouro fino sem fez
sendo de todos tratado
nunca fostes enjeitado,
que sois alfim Português.
Tendes a língua incorrupta
e com graça celestial,
língua, que tem tanto
sal não podia ser corrupta.
Se me vejo em meus sentidos
perdido, quero buscar-vos
e não podeis admirar-vos
que sois santo dos perdidos.
A SÃO JOÃO DA CRUZ, CARMELITA
DESCALÇO
Outras
Meu João, sois muito amado,
sois afável com o extremo,
porém, quando orais,
vos temo que sois muito arrebatado.
E para mais estranhar
os vôos, que pretendeis,
dizem todos, que fazeis
as vossas coisas no ar.
E dirão, que estando assim
vosso espírito enlevado,
que não é mui reportado
e que está fora de si.
Com partes da perfeição
estudando com fervor dava
as partes vosso amor,
por fazer certa a oração.
Não sei que briga ou desvelo
com vós teve o mundo errado,
pois creio que de enfadado
vos deu o mundo um Capelo.
Na Religião sagrada
fazendo da Cruz bordão,
fostes por caminho chão,
e deixastes a calçada.
Mas se vossa ação realço
e nela bem considero temo,
que o Demônio fero,
vos há de apanhar descalço.
Qual Filósofo extremado buscais na Religião
o estado da solidão
por ser o primeiro estado.
Nos conventos nunca vário
o Calvário vos conduz;
como sois João da Cruz,
amastes muito o Calvário.
DÉCIMAS
Mote
Hallo tanto, que querer
y estoy tan tierno por vos,
que si pudiera ser Dios
os diera todo mi Ser.
Glosa
Quien pudiera convertir
el pecho en tanta afición
que fuera en mi corazón
lo mismo amar, que vivir:
mas si quisiste sufrir
siendo Dios en el poder
tan amargo padecer
digo, que en vuestro penar,
cuanto veo que admirar,
hallo tanto, que querer.
2
Mi cautiverio ganado
hijo soy de Dios eterno,
si antes era del Infierno
por el feudo del pecado:
pero ahora siendo amado
somos como amigos dos
y quisiera más veloz
morir por vos desde aquí
pues tan fino estáis por mí,
y estoy tan tierno por vos.
3
Señor no tengo que daros
que todo, Señor, es vuestro,
pero mi amor como diestro,
hace que os dá, por amaros:
y si yo, para igualaros
teniendo igualdades dos
me viera Dios como vos,
soy en amaros tan fino,
que os diera mi ser Divino;
¿qué? si pudiera ser Dios.
4
De vuestras manos criado
tengo mi ser dependiente,
y si fuera independiente
me quitara lo increado:
antes quiero enamorado
de vos, Señor, depender,
que el ser Divino tener,
y en amorosa ternura
por ser todo vuestra hechura,
os diera todo mi ser.
Mote
Sin Cruz no hay gloria ninguna
ni con Cruz eterno llanto,
santidad, y cruz es una,
no hay cruz, que no tenga santo
ni santo sin cruz alguna.
Glosa
Quien quiere a Cristo venir
a Cristo deve imitar,
su cruz procure llevar,
sus pasos ha de seguir:
el trabajoso sufrir
por cruz en el pecho se una,
para lograr más fortuna
y en una, y otra victoria,
con cruz es cierta la gloria,
sin cruz no hay gloria ninguna.
2
No hay dolor, que en su porfía
pueda durar lastimoso,
quien siembra llanto penoso,
ha de coger alegría:
en la cruz de Dios confía,
que es tan cierto el logro,
y tanto su bien para nuestro
canto que no hay para el buen Jesús
ni con llanto eterna cruz,
ni con cruz eterno llanto.
3
El Bautista con desvelo
pregonó la penitencia,
que del sufrir la paciencia
es la escala para el cielo.
De la santidad al celo
la cruz no es cosa importuna
y con ella no repugna
antes con amor unido
es uno santo, y sufrido,
santidad y cruz es una.
4
Al santo por más ventura
le persigue el fementido,
porque siendo perseguido
en la santidad se apura:
la persecución procura
con tanta constancia, y tanto
ardor, que parece encanto,
y porque más le convenga
no hay santo, que cruz no tenga,
no hay cruz, que no tenga santo.
5
Con Cristo tanto se unía
el Serafín penitente
que Francisco juntamente
crucificado se veía:
en si la cruz imprimía
sin resistencia ninguna
mostrando desde la cuna
que en nuestra vida terrena
¡no hay bien sin alguna pena
ni santo sin cruz alguna!
ROMANCES
AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Romance 1°
Para que tanto rebuço
para que tanto disfarce?
que se a pão sabe essa mesa
que sois meu Deus, já se sabe.
Entre acidentes, que vejo
na pequena quantidade
tendes esses acidentes
sentindo a febre de amante.
Bem que sois Juiz mui reto
creio que o rigor se abrande,
que para seres piedoso
sois também de carne, e sangue.
Se sois Deus por pão dos homens,
como pobre e miserável
pão por Deus quero pedir-vos
para poder sustentar-me.
Que regalada iguaria,
tão esquisita e suave!
ou se chame manjar branco
ou papo de Anjos se chame.
Os que vos querem deveras
vos amam com muito exame,
bem que a bocados vos comem,
bem que em fatias vos fazem.
Contra o Demônio inimigo
nesta Igreja militante,
se nos guarda o vosso Corpo
Corpo da guarda o formastes.
Se estais partido, conosco
quis vosso amor concertar-se,
e por isso, a bom concerto,
esse partido aceitastes.
Bem que sois de essência trina,
nos dais, porque nos amastes
de um remédio a quinta essência
para curar nossos males.
Sois nesse Círculo breve
Pontífice mais amante
que muitas graças a todos
só por um Breve outorgastes.
Coberto estais, e conheço
que nesta punição notável
justamente vos cobristes
porque sois Senhor mui grande.
Inda que estejais exposto
sempre oculto vos mostrastes,
e quereis estar oculto,
porque o culto vos não falte.
Dizei-me aqui, que fizestes?
que coisa malfeita obrastes?
porque estar preso em custódia
sem ter culpa, é caso grave.
Vosso corpo está presente
nesta oferta inestimável
que como é mimo das almas
quis por presente ofertar-se.
E se ele é memória vossa
quisestes para lembrar-me
que desse Divino dedo
ũa memória ficasse.
Nesta bebida gostosa
que para todos pregastes,
apregoastes bom vinho,
bem que vos deram vinagre.
No Sacramento dissestes ũas
palavras notáveis
e falastes do mistério,
se no mistério falastes.
Fazeis novo testamento
e o primeiro revogastes,
e sendo nuncupativo
sei, que cerrado o deixastes.
À ASCENSÃO
Romance 2°
Que vos ides vida minha?
ouvi-me Senhor um pouco,
seja corrente meu pranto,
para prender vossos vôos:
Se sois neste mundo triste
minha luz, e meu esposo,
sem vós já não logro o dia,
sem vós fico já de nojo.
Deixais-me com tanta pena
para subires glorioso?
não queirais ter tanta glória
à custa de meu desgosto.
Parai, não vos vades, não,
de vós mesmo, sois estorvo,
porque dizem, que sois pedra
para subir pressuroso.
Levais-me a vida roubada
e me fugis rigoroso?
olhai que posso queixar-me
que me fizestes um roubo.
Se sois tesouro das almas
sinto um roubo tão notório
que roubada vossa vista
me roubastes um tesouro.
Façamos pois um concerto
se vos ides desse modo,
mandai-me ver nesta ausência
pelo Espírito amoroso.
Assim o creio, também
por vosso interesse próprio,
porque são delícias vossas
habitar sempre conosco.
Ide pois para esse Empíreo
para que eu reine convosco
que não é menos que um Reino,
o que prometeis a todos.
Mas já vejo a cruel nuvem
que vos tira de meus olhos,
como cortina que cerra
de tanto Monarca o trono.
A Deus, a Deus, vida minha
que já falar-vos não posso
porque se a vida me falta,
faltar-me a voz é forçoso.
 VINDA DO ESPÍRITO SANTO
Romance 3°
Vinde, Espírito Divino,
respiração soberana
por que voem nossos rogos
e respirem nossas ânsias.
Como trovão do Céu puro
entoastes vossa entrada
que a tempestades de glórias
da graça o trovão não falta.
Partido em línguas ardentes
sobre as cabeças sagradas,
vos sentais, porque de assento
quereis gozar nossas almas.
Hoje trocais docemente
de Babel as arrogâncias,
que se este fez várias línguas
hoje fazeis línguas várias.
E com grande diferença
que naquelas por jactância
ficou a fala confusa
nestas entendida a fala.
Oh que Amor! oh que doçura!
oh que fonte de abundâncias!
oh que enchente de favores,
que o campo do peito alaga!
Se no princípio do mundo
nas águas tínheis morada,
sobre os mares de Maria
achastes melhores águas.
Aos Apóstolos fizestes
para a empresa sacrossanta,
de pescadores de redes
da Nau da Igreja Argonautas.
Entre ditosos incêndios
o Cenáculo se abrasa,
como Sinai portentoso
para a melhor lei da graça.
A SÃO JOSÉ
Romance 4°
Meu José tambem sentistes
com vossa esposa Divina
por entre rosas de amores
dos ciúmes as espinhas.
Com primorosa fineza
não dando crédito à vista
o que entrava pelos olhos
o coração despedia.
Até que estando entre sonhos
tivestes em tanta lida
alegria verdadeira
bem que sonhada alegria.
Um Anjo vos aparece
que dos ciúmes vos livra
que se sois Anjo em pureza
tendes entre Anjos valia.
Sendo pobre, vos fizeram
da Arca da bela Maria,
depositário abonado
que em vós a pobreza é rica.
Sois pai de Cristo, logrando
do eterno pai simpatias,
ele no Céu, vós na terra,
ele por si, vós por dita.
Oh que privilégio honroso!
oh que graça tão subida!
que a quem todos obedecem
a vós próprio obedecia.
Se fugis do fero Herodes
não é medrosa fugida
que quem foge de um Tirano,
mostra maior valentia.
Mas levando a Deus convosco
o caminho se prossiga,
pois tendes a via certa,
pois levais o Pão da vida.
Melhor que José primeiro
o guardais com grande estima:
Vós o guardais para todos ele,
para a gente Egípcia.
A SÃO LOURENÇO
Romance 5°
Meu Santo, escutai-me um pouco
jocosa há de ser a fala,
que se vos zombais das penas
também vos falo de chança.
Paciência, foi, a mãe vossa,
e com razão igualada fostes
filho da Paciência quando
sofrestes as brasas.
Pelos tesouros da Igreja
vos prende a cega canalha,
e se em ferros vos prendia
cadeias de ouro buscava.
E quando o tesouro rico
o mau juiz esperava
viu muitos mancos à porta
bem que vossa fé não manca.
Vós então carga fizestes
de pobres, e nesta traça
para rica Nau da Igreja
não pode haver melhor cargo.
Entre açoites cento a cento
convosco o juiz jogava;
era de centos o jogo,
e neste jogo não pára.
Continua diligente
o juiz com muita raiva ele
com paixão vos julga,
mas compaixão não mostrava.
E quando em grelhas ardentes
que nelas vos botem, manda,
vos serve o fogo, de afago,
chama vosso amor a chama.
Encruece-se o tirano,
e quando vos vê, se agasta,
se ele, tem o peito cru,
vós tendes a carne assada.
Vós constante no martírio
ele convosco se enfada,
vós lhe queimáveis o sangue
ele o corpo vos queimava.
Vós entre o fogo, entre o ferro,
alcançando ilustre palma,
a ferro e fogo pusestes
todo o campo da batalha.
A gentilidade cega
que neste tirano acaba,
foi justo tocar o fogo
pois vê que toda se abrasa.
Porém por maior triunfo
ela mesmo vos aclama
porque ela vos faz a festa,
e vos põe as luminárias.
À CONSIDERAÇÃO DA MORTE
Romance 6°
Entre soluços pausados
entre mortais parocismos,
entre mal distintas vozes,
entre horrores bem distintos.
Espero cada momento
que se rompa o laço vivo,
que para a vida foi laço,
e soltura nos delitos.
Oh quanto me assombra!
oh quanto de perder o ser que animo!
e se de não ser me assombro,
mais me assombro de haver sido!
Oh quanto melhor me fora
ao tempo de haver nascido
que fosse mortal sepulcro
o mesmo berço nativo.
Saí como flor ao mundo
mas em tantos precipícios
que importa ser flor galharda
se a murcha da morte o estio?
Não me deu o ser que tenho
(bem que em soberbas me irrito)
nem a água por transparente
nem o fogo por altivo.
Como mais vil elemento
a terra me deu princípio
para conhecer-me baixo,
para humilhar-me abatido.
Grande vantagem me levam
os corpos vegetativos,
pois criam frutos mimosos
pois exalam cheiros ricos.
Mas eu animal grosseiro
cegamente presumido
broto imundícias infames
sórdidos humores crio.
Que importa ser Rei supremo
das leis do mundo eximido,
se à lei da morte é sujeito
a paga o feudo preciso?
Se para guarda o cercavam
tantas lanças, tantos tiros
o cercam dores da morte,
e são lanças os gemidos.
Que aproveitam bens do mundo
se exprimenta agora o rico
mais a mágoa de deixá-los,
que o gosto de possuí-los!
Da riqueza todo o peso
lhe dá pesar dolorido,
todo o fausto da grandeza
se torna infausto consigo.
Até na morte funesta
se mostra desvanecido,
sem ver que a fúnebre pompa
é roupa de seu ludibrio.
Que aproveita à Fermosura
tanto asseio, tanto alinho,
se é seu castigo uma campa
quando campa em seus delírios?
É todo o garbo fermoso
é todo o belo capricho,
cristal aos longes da morte,
aos pertos da morte, vidro.
Se cada dia se morre,
como estranho em meu sentido
que esteja comigo a morte,
se a trago sempre comigo?
Oh quem na vida pudera
morrer, muitas vezes, digo!
para não usar dos olhos,
para cerrar os ouvidos.
Oh que grande diferença
há na morte, Deus benigno!
a dos santos, preciosa,
e péssima a dos precitos.
Já chega esta barca ao Porto
da vida tempo prefixo,
por sinal que a terra toma
quando da terra há partido.
Se nos olhos pondo a terra
curais ao cego mendigo,
ponde-a também em meus olhos
não serei cego em meus vícios.
De ũa mortalha adornado
será meu corpo maligno:
oh se fora puro, e casto,
como o mostra no vestido!
Lições funerais se entoam
para que aprendam os vivos
a questão dificultosa
do desengano entendido.
Já não sou nobre da terra
porque na terra metido,
sou da podridão parente,
sou da geração dos bichos.
Animais foram sustento
de meu corpo, e vingativos
verão, que será meu corpo
de animais sustento digno.
Finalmente a vida acaba
e acabando este perigo
outro perigo me assombra
que vem a ser o Juízo.
À CONSIDERAÇÃO DO JUÍZO
Romance 7°
Oh que juízo terrível
depois da morte contemplo!
onde a piedade não obra,
onde o Juiz é severo.
Se aos mortos as obras seguem,
nas péssimas obras levo
para execução da pena algozes
contra mim mesmo.
Se o justo apenas se salva,
que espera em tantos extremos
um pecador obstinado!
um delinqüente perverso!
Neste tremendo juízo
se viram para escarmento
Jerônimo castigado!
e Bernardo estremecendo!
Se as estrelas não são limpas
diante de Deus; que espero
sendo podridão de culpas!
sendo imundícia de excessos!
Não basta para salvar-me
crer somente; antes sou nécio,
que a fé sem obras é morta,
porque dão alma, ao que creio.
Se ouço somente a palavra,
e não obro; então mais peco
porque quando prevarico,
escandalizo o preceito.
Sentenciam-se os delitos
brevemente, e sem processos;
o dia da eternidade
se decide em um momento.
Uns condena, outros absolve
sejam grandes, ou pequenos,
e quando igualmente julga
desiguais sentenças temo.
Pelo poder, bem que grande
não se salva o Rei soberbo,
que pelo Reino da terra
se perde dos Céus o Reino
Oh que juízo se espera
ao julgador avarento!
porque com pós do suborno
ficarão seus olhos cegos.
E que será dos Prelados
exteriormente perfeitos
que dizimaram os fruitos
sem dar fruitos seu exemplo.
Que esperam os pregadores
que pregando os Evangelhos,
sendo Mestres das virtudes
são discípulos dos erros.
Oh como será julgado
o rico, que sempre austero
ao nu não vestiu piedoso
e fez gala de avarento.
O sol, com tantos castigos
perderá seu luzimento,
que até quem não fez a culpa
mostra nos castigos medo.
A lua nega seus raios
que nos vícios manifestos,
retira os puros candores
por não ver imundos peitos.
Caem as estrelas do Pólo
e logo no mesmo tempo
as estrelas caem no Abismo
e caem as almas no Inferno.
Ali somente se julgam
sem subornos, nem terceiros,
da virtude certa as provas,
da causa, os merecimentos.
Poderás ser condenado
à morte, com perdimento
de bens, não de bens caducos,
porém, sim, de bens eternos.
Oh quem sempre na memória
trouxera contra si mesmo!
deste Momento terrível
o repetido Memento.
E toda a circunferência
da eternidade pondero
reduzir-se a um breve ponto,
como indivisível centro.
Pelos cabelos que amava
Absalão morre suspenso,
assim tens a eterna morte
pelos teus próprios desejos.
E de teus erros a conta
se toma certa, sem erro,
mas quando no fim se ajusta
vens a dever grande resto.
Como não tens com que pagues
com razão te levam preso
ao cárcere dos Precitos
à cadeia dos perversos.
À CONSIDERAÇÃO DO INFERNO
Romance 8°
Oh que cativeiro horrível
onde não é poderoso
do Sangue Divino o preço
para o remir do Demônio.
Ali com perpétuas penas
bem que contrários notórios
se vêem juntas trévoa, e luz,
se vêem juntos frio, e fogo.
Se agora o corpo não pode
sofrer um fogo, por pouco,
como crescidos incêndios
poderá sofrer um corpo?
Oh como é grave um pecado,
pois sendo Deus tão piedoso
dá sempiterno castigo
por um momentâneo gosto!
Ali não serve de alívio
como serve nos desgostos
ter assistentes na mágoa
ter companheiros no choro.
Ali todos os sentidos
terão seu castigo pronto
que como todos pecaram
é bem se castiguem todos.
Se agradavam nesta vida
torpes objetos, aos olhos
verão sórdidas figuras,
verão torpíssimos monstros.
Os ouvidos, que eram surdos
aos bons conselhos devotos
ouvirão fúnebres prantos
e gemidos lastimosos.
O doce olfato, que tinha
todo o cheiro por suborno,
terá de sulfúreo cheiro
desagrado pavoroso.
O gosto que nas viandas
se mostrava apetitoso,
terá de amargosos pratos
intolerável desgosto.
O tato que as mãos buscavam
em lascivos desaforos
terão de brasas ardentes
o tato mais rigoroso.
Mas ah! que em tanto tormento
causará maior assombro
mais do próprio dano a pena,
que da pena o dano próprio.
Que desesperada vida
sempre estar no mesmo opróbrio!
e da mais longa esperança
não ter um leve conforto.
Perde a Deus, e a glória perde
sendo o degredo que noto
não só da Pátria Celeste
como do pai generoso.
Se foi contra um Deus eterno
a culpa, do mesmo modo
é bem que seja o castigo
eternamente penoso.
Nesta Babilônia triste
o povo se vê queixoso
porém desta Babilônia
não há quem resgate o povo.
Ah se do Inferno viesse
um condenado obsequioso!
que exprimentado na pena
te desenganara douto!
Porém é muito escusado
este remédio, que imploro
pois ouves a Cristo eterno
que é voz mais certa, que todos.
Mas como me tenho feito
Senhor, contra vós oposto,
e sendo a vós semelhante
fui sempre contrário vosso?
Se bastou um pensamento
de Angélico ilustre coro,
para sepultar no Abismo
espíritos tão fermosos!
Que será, tremo de sustos!
que será, de horror me assombro!
por voz, obra, e pensamento,
ter sido pecaminoso?
Se o fim é conforme às obras
com justo receio choro
que sendo as obras perversas
será meu fim desditoso.
À CONSIDERAÇÃO DO PARAÍSO
Romance 9°
Oh Reino de eterna glória!
onde a mocidade é sempre,
nem envelhece na idade
nem na doença entorpece.
Onde o temor não assusta,
onde o gosto se repete,
onde fenece o trabalho,
onde a vida não fenece.
Ali não se atreve a Morte
porque neste Reino alegre
já não vês terra de mortos
porque é terra de viventes.
Aquele Palácio ilustre
de Cortesãos assistentes
sem invejas no que logram
sem lisonjas no que servem.
Aquela Mesa de gostos
que o pão Divino oferece
não por sacramento oculto
senão por corpo evidente.
Aquele Templo, em que os
coros Angélicos, reverentes
dando a Deus Mistério Trino
entoam santo três vezes.
Aquela bela Cidade
em que os Moradores vestem
a gala, que custou muito,
se bem de graça a recebem.
Oh que bem inestimável!
que para gozar-se dele
padeceu Deus morte de Homem,
por ter vida de Deus, este.
Aqui pois glorificados
Alma, e corpo permanecem
e sendo vil barro o corpo,
se vê cristal transparente.
Todos os cinco sentidos
gozarão de seus prazeres,
como companheiros d’alma
participam seus deleites.
Por um trabalho caduco
prêmio imortal reconheces,
e sempiterno triunfo
por uma batalha breve.
E sendo três as virtudes
a fé já se desconhece,
a caridade só fica,
a esperança se despede.
Se pelas honras mundanas
a fome sofres, e a sede,
e talvez sem elas morres
talvez com elas padeces.
Como soldado de Cristo
trabalha, peleja, e vence,
por honras, que são seguras,
e se gozam permanentes.
Se a tentação te permite,
obra Deus, como clemente
porque sofrendo o combate
dele o proveito te segue.
Adverte que nesta vida
se por um Homem terrestre
veio a todos o suplício,
por Outro, o prêmio consegues.
Fomos dos Céus deserdados,
como de herança celeste;
mas agora como a filhos
a mesma herança promete.
Óleo tem da Caridade
se entrar nestas bodas queres
não já como Virgem louca
mas como Virgem prudente.
Tem Deus Anjos que lhe assistem
na Glória, porém pretende,
que os Homens entrem na glória
como se Anjos não tivesse.
Aquela rica abundância
aquele rio corrente
que nunca está de águas mortas
que é de águas vivas, perene.
Aquele vinho suave
que se dele muito bebes,
não podes perder o siso,
porque antes melhor entendes.
Aquele Divino lume
verás claro o refulgente,
que só no lume da glória
pode aquele lume ver-se.
Ressuscitado teu corpo
vem a ser como a semente,
que para vivificar-se
primeiro há de corromper-se.
Oh que belo Paraíso
que se das maçãs comeres
não temes ali da morte
nem serás expulso dele.
Verás a Deus Alfa, e Omega
porque só de si depende,
e sendo fim ultimado
é princípio independente.
Verás a essência Divina
que una, e Trina se obedece,
e adorando três Pessoas
um Deus adoras somente
Verás nos Céus outro Céu
vendo a Virgem preminente,
pois veste o Sol, calça a Lua,
e as estrelas compreende.
Se Deus nos Céus se não visse
bastava ditosamente
a glória só de Maria
para o Céu glória fazer-se.
Na primeira Jerarquia
verás Serafins ardentes,
que as asas batem voando
para o amor mais encender-se.
Nesta mesma Jerarquia
verás Querubins cientes
em que está de Deus a glória
com que assim só se conhece.
Nessa Jerarquia mesma
verás os Tronos potentes
que sendo Deus Rei do mundo
é bem, que em tronos se assente.
Na segunda sempre ilustres
Dominações aparecem,
as Virtudes poderosas,
as Potestades moventes.
Na terceira os Principados
por Príncipes se engrandecem,
Arcanjos, Grandes da Corte,
Anjos, Núncios diligentes.
Nos Apóstolos Divinos
doze em números se adverte
que o muro desta Cidade
se estriba em doze alicerces.
As virgens cuja pureza
tanta estimação merece
que o céu se compara às Virgens
porque este às Virgens se deve.
Música se ouve, e se chama
canto novo, justamente,
que da nova Lei da Graça
sacros louvores profere.
Nesta eterna Pátria gozas
o bem Sumo, e finalmente
nela gozas os bens todos
que os bens todos estão nele.
E não pode dar-se mais,
sendo Deus Onipotente,
porque te dá quanto pode,
e tu logras quanto queres.
ROMANCES CASTELHANOS
AO NASCIMENTO DE CRISTO
Romance 1°
En los brazos de María
nace el niño, y con razón,
que en los brazos de la Aurora
ha nacido siempre el Sol.
Un Paraíso en la tierra
se ofrece de más valor,
cuanto va de Eva a María
cuanto va de Adán a Dios.
La flor del campo más bella
en el Diciembre nació,
que sazonar el invierno
saben finezas de amor.
Entre armonías parece
que baja el cielo,
pues hoy el Cielo a la tierra vino,
la tierra al cielo se unió.
Nacer quiso entre los brutos,
y fue precisa ocasión,
que lo bruto de una culpa
aquel lugar le buscó.
Entre humildes paños nace
que por vencer con primor
las sobervias de Lusbel
de humildades se adornó.
No quiso del mundo telas,
que en rara contradicción
para enriquecer el mundo
la pobreza siempre amó.
Lágrimas vierte el Infante
y cuando allí las virtió,
el Cielo se ríe alegre
y llora el Infierno atroz.
Perlas desperdicia el niño,
y si nuestra redención,
ahora perlas le cuesta,
después rubíes costó!
Al frío cruel expuesto
no siente la desazón
que la tibieza del hombre
es el frio, que sintió.
La paz ofrece a los hombres
y para la ejecución,
los Ángeles la publican
con que la guerra cesó.
Los primeros, que la escuchan
simplices pastores son,
que para dichas del cielo
el simple obsequio es mejor.
Van buscar al niño tierno
que en diligencia veloz,
como es de Pastor su trato
van buscar otro Pastor.
Hallan al niño, y la Madre
tan unidos ambos dos,
como la perla, y la concha
como la rama, y la flor.
Humildes, y reverentes
le dan pronta adoración
que más vale una humildad
que el sacrificio mayor.
Volta
Vamos al Pesebre
con alto favor,
que en la noche oscura
ha nacido el Sol.
Canten pues las aves
con suave voz,
y el Ruiseñor cante
a tan buen Señor.
Entre pajas pobres
el niño se vio,
que el trigo entre pajas
siempre está mejor.
À MORTE DOS INOCENTES
Romance 2°
Infame Herodes, ¿qué es esto?
¿el cuchillo ha de cortar
lo puro de una inocencia?
¿y lo frágil de una edad?
Aquel primer homicidio
renuevas con más crueldad,
que en cada niño inocente,
un Abel mandas matar.
Y haciendo injustas heridas
en sus cuerpos les verás
multiplicadas las bocas
que publican tu impiedad.
Si no es, que en esta inocencia
ya quieres representar,
de la Inocencia mayor
la tragedia funeral.
Estos Corderos que fueron
de la visión celestial,
son primicias del Cordero
que se ha de sacrificar.
La Iglesia de estrellas doce
tuvo corona inmortal,
hoy catorce mil estrellas
mayor corona le harán.
Entre los nevados cuerpos
con sangrienta iniquidad
de unas grutas de marfil
corren ríos de coral.
Junto a la sangre, que corre
llora la Madre, y dirás,
que llanto de agua no vierten,
que llanto de sangre dan.
Y como es suya la sangre
para haber martirio igual,
las heridas son los ojos
por donde llorando están.
Entre la sangre, y el suspiro
a un tiempo con igualdad,
la sangre corre a la tierra
el suspiro al Cielo va.
Si eres pedernal, Herodes,
muévate el llanto a piedad
que a la impresión de un
arroyo obedece el pedernal.
Pero vendrá tu castigo
y con varia enfermedad,
si quitaste muchas vidas,
muchas veces morirás.
À CIRCUNCISÃO
Romance 3°
Consumados ocho días
padece el niño inocente,
¿qué espera la edad mayor,
si la niñez ya padece?
Teniendo fiebre amorosa
de que se angustia doliente,
manda el Amor, que se sangre
para alivio de la fiebre.
Antes del final martirio
vertir la sangre se atreve,
porque las ansias del gusto
anticipan lo que quiere.
Por dar pronto cumplimiento
a la Ley, no la disuelve
que siendo Rey, bien pudiera
ser absuelto de las Leyes.
Quiere quedar circunciso
sintiendo esta herida fuerte,
y más que el golpe del hierro,
el yerro del hombre siente.
Vierte sangre desde niño,
y cuando la sangre vierte
sale en senda de jazmines
un arroyo de claveles.
Con el nombre de Jesús
salvar los hombres pretende
que hace blasón de su nombre
la misma piedad, que tiene.
Vence al Infierno alevoso,
y cuando al Infierno vence,
como es la primera victoria
es bien que sangre le cueste.
Para el teatro se ensaya
de una batalla más fuerte,
que como ha de ser tragedia
con ensayos se previene.
Por desposarse amoroso
con su Iglesia, ya le ofrece
una joya de rubíes
para adorno de sus sienes.
Volta
Circúndese el alma
yerros aleves,
que cortar las pasiones
los sabios suelen.
El ejemplo le ha dado
tan buen maestre
que con letras de sangre
lo mismo advierte.
A SANTO ESTÊVÃO
Romance 4°
Si está de piedras herido
vuestro invencible valor,
para corona de Mártir
preciosas piedras formó.
Vuestro pecho endurecido
en sufrimiento mayor,
la dureza de las piedras
en sí mismo transformó.
Cuando por el aire vuelan
al mismo tiempo se vio,
las piedras volar al aire
pero al Cielo, vuestra voz.
Viste los Cielos abiertos
y estáis con igual acción:
vos, con heridas abiertas,
con Cielos abiertos, Dios.
La Turba, que locamente
vuestra fe menospreció,
con razón las piedras tiran
que locos de piedras son.
Si sobre una piedra solo
la Iglesia se edificó,
ahora con muchas piedras
recibe más duración.
En el camino del Cielo
vuestra fe fortaleció
de piedras hermosa
calle para ir al Cielo mejor.
Vos orando, y padeciendo
sois de Cristo imitador,
con sangre esparcido,
Cristo con sangre esparcido, vos.
Pedís por los enemigos
que en igual imitación,
el soplo excita la llama
el odio enciende el amor.
Pero de más eficacia
parece vuestra oración,
que Cristo un ladrón grangea,
vos, un Pablo superior.
Cual pedernal a los golpes
vuestro pecho herido echó
centellas de amor ardiente
que es fuego más brillador.
Vos al Bautista imitaste
y sois también Precursor,
el Precursor fue de Cristo,
vos de los Mártires sois.
Descansando en el martirio
vuestra vida adormeció,
porque la muerte del justo
es un sueño vividor.
Entrad Estevão Triunfante
en la Celeste Sión,
pues tuviste dos coronas
en el nombre, en el valor.
A SÃO JOÃO DA CRUZ, RELIGIOSO
DESCALÇO, QUE SE CANTOU NA SUA FESTA
Romance 5º
Oigan, caballeros, oigan
Y atentos han de escuchar,
Que es para nuevas de gusto
La atención comodidad.
Estaba una Dama hermosa
Retirada años atrás,
Que la prenda del retiro
Es joya de la beldad.
Dicen, que el Monte Carmelo
Era su proprio lugar
Que a la altivez de una gloria
Solo un monte le hace igual.
No se adornaba de galas
Y las quiso despreciar,
Que la virtud es desnuda
Y estima la honestidad.
Descalza los pies se veía
Que para el Cielo llegar,
Lo calzado se embaraza,
Lo descalzo corre más.
Tenía muchos galanes
Pero la trataram mal
Sin ver, que el trato amoroso
Es capricho del galán.
Volviese pues al Carmelo
Por no gemir, y llorar
Que a los ojos las ofensas
Mayor sentimiento dan.
Conociendo, Juan, sus quejas
la quiso solicitar
que a los golpes de porfías
no hay difícil pedernal.
Reducida finalmente
vino con ella a casar
que si es unión el amor
el desposorio la da.
Volta
Haced grandes fiestas
celébrese ya
la boda Divina
del Beato Juan.
Los otros galanes
no lo han de estorbar
que fue la Madrina
Teresa inmortal.
En buena hora cueste
uno, y otro afán,
lo que cuesta mucho
también vale más.
De este desposorio
se han de procrear
muchos hijos fuertes
contra Leviatán.
AO MESMO NA MESMA FESTA DE SUA
BEATIFICAÇÃO
Romance 6°
¿Quién es aquel Capitán
que con devoto escuadrón
es Defensor del Carmelo
es General del amor?
¿Quién es aquel fuerte Alcides
que siendo niño venció sino
en brazos, en la Cruz,
sino a la sierpe, al Dragón?
Quién es aquel grande Atlante
que de María amador todo
el peso de su Cielo sobre
sus ombros tomó.
¿Quién es aquel Astro bello
que con una y otra acción
para Lusbel es Cometa,
y para Teresa es Sol?
¿Quién es aquel nuevo Elías
Que en su celo renovó
del Religioso sayal
el primitivo candor?
¿Quién es aquella ave ilustre
que cual Águila voló
en su espíritu emplumada,
remontada en la oración?
Quién es aquel Penitente
que en el Diciembre sembró
los lirios de la pureza,
y las rosas del ardor.
Volta
Si queréis saberlo
os lo diré yo
San Juan de la Cruz
es este varón.
Su Cruz es su nombre
que en igual primor
como en la Cruz vivía
de la Cruz se honró.