Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico

Poesias Completas de Laurindo Rabelo


Edição de base:
Biblioteca Nacional

Poesias líricas

O que são meus versos

O meu segredo

O gênio e a morte

No álbum duma senhora

Estragos de amor

A minha resolução

A linguagem dos tristes

A José Pedreira França

Epicédio à morte do Dr. José de Assis Alves Branco Muniz

Sobre o túmulo do Marechal Labatut

Adeus ao mundo

A minha vida

O que sou, e o que serei!

Amor e lágrimas

A saudade branca

Francisco Muniz Barreto

À Bahia

À morte de Junqueira Freire

Amor-perfeito

Dous impossíveis

Não posso mais!

As duas redenções (Ao batismo e liberdade de uma menina)

Ao Sr. João Antônio da Trindade

A Sra. D. Teresa Maria Caetana da Trindade

Suspiros e saudades

Os dous batizados

O desalento

À terra natal

Saudades

Epístola ao meu amigo F. de Paula Brito

Bando

Ao dia dos finados (Fragmento dos Túmulos)

Último canto do cisne

Hino

1º canto - Saudação

2º canto - Súplica

3º canto - Visão

4º canto - Alegria e agradecimento

Sonetos

Soneto I - Leandro e Hero

Soneto II - A uma inconstante

Soneto III - A um infeliz

Soneto IV - A uma senhora

Soneto V - À Sra. Marieta Landa

Soneto VI - À mesma senhora

Soneto VII - À mesma senhora

O tempo

Setenário poético

Canto I

Canto II

Canto III

Canto IV

Canto V

Canto VI

Canto VII

Flores murchas

Delírio e ciúme

Rondó

O jornaleiro

Ode (Na noite de seu benefício em 16 de agosto de 1858)

O épico do - Fiat

O furor ciumento

Aos anos de um respeitável ancião

As lágrimas

Ciúme e razão

Angústia

Improvisos (As potências do ocidente)

O que faz minha dor

O farol da liberdade

À minha mulher (Lembranças do nosso amor)

Ao avistar o Rio de Janeiro

Glosas

Epigramas

A um calvo pretensioso

Outras versões

Modinhas

Foi em manhã de estio

A despedida (Romance)

Ao trovador

Riso e morte

O cego de amor

Já não vive a minha flor

Não tem dó do meu penar

É aqui... bem vejo a campa

Beijo de amor

A Romã (lundu)

De ti fiquei tão escravo

 


POESIAS LÍRICAS

 

O QUE SÃO MEUS VERSOS

Se é vate quem acesa a fantasia

Tem de divina luz na chama eterna;

Se é vate quem do mundo o movimento

C’o movimento das canções governa;

Se é vate quem tem n’alma sempre abertas

Doces, límpidas fontes de ternura,

Veladas por amor, onde se miram

As faces da querida formosura;

Se é vate quem dos povos, quando fala,

As paixões vivifica, excita o pasmo,

E da glória recebe sobre a arena

As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo;

   

Eu triste, cujo fraco pensamento

Do desgosto gelou fatal quebranto;

Que, de tanto gemer desfalecido,

Nem sequer movo os ecos com meu canto;

Eu triste, que só tenho abertas n’alma

Envenenadas fontes d’agonia,

Malditas por amor, a quem nem sombra

De amiga formosura o céu confia;

Eu triste, que, dos homens desprezado,

Só entregue a meu mal, quase em delírio,

Ator no palco estreito da desgraça,

Só espero a coroa do martírio;

Vate não sou, mortais; bem o conheço;

Meus versos, pela dor só inspirados, —

Nem são versos — menti — são ais sentidos,

Às vezes, sem querer, d’alma exalados;

São fel, que o coração verte em golfadas

Por contínuas angústias comprimido;

São pedaços das nuvens, que m’encobrem

Do horizonte da vida o sol querido;

São anéis da cadeia, qu’arrojou-me

Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;

São gotas do veneno corrosivo,

Que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,

Do caminho que levam descuidada,

Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas

Solta a esmo no ar planta mirrada.

 

O MEU SEGREDO

I

    O lume de sinistro fogo estranho

                   Que em meu olhar se acende;

    A nuvem que de mágoas carregada

                    No rosto se me estende;

    Esta agonia acerba que repassa

                      Os sons da minha lira;

    Este céptico altivo horror ao mundo

                      Que em tudo meu respira;

    Estas rugas, que trago sobre as faces,

             Os modos distraídos,

    A constante desordem do semblante,

            Dos gestos, dos vestidos;

Revela tudo um segredo,

Que o mundo não sabe ler;

Segredo, que só com pranto

É que se pode escrever;

    Segredo, que em meu futuro

    Negro anátema cuspiu;

    Segredo, que seduziu-me;

    Segredo que me traiu.

    Letras escritas com pranto

    Sei que apagadas serão!

    Sei que um segredo de mágoas

    Nunca merece atenção!

    Mas não importa; hoje quero

    O meu segredo escrever;

    Que guardado por mais tempo

    Talvez me faça morrer.

II

    Mandado do inferno

    Por ímpio destino,

    Um gênio mali’no

    No berço me viu —

    E após um instante

    Haver-me encarado

    Com gesto irritado,

    O Gênio — o meu fado

    Traçando — sorriu.

    Sorriu-se... e mudados

    No mesmo momento

    Que o Gênio cruento,

    Cruento me viu,

    Em negra tristeza,

    Meus gostos findaram;

    Meus lábios murcharam;

    Meus ais começaram;

    Meu pranto caiu.

    No peito inda verde

    Secou-se a ventura

    Daquela fé pura

    Que a infância nos dá;

    No espelho onde via

    Em êxtase santo

    Os risos, o encanto,

    De um mundo, que há tanto

    Não sei onde está.

    Em dita tão pura

    Minh’alma exultava,

    E quanto alcançava

    Sabia explicar;

    Que, além de dar crença

    A tudo que ouvia,

    Por certa magia,

    As cousas que via,

    Sentia falar.

   

    Se às vezes tentava

    Brincar com as flores,

    Revendo os lavores

    De um vasto jardim,

    A brisa me dava,

    No trânsito leve,

    Um cântico breve,

    Escrito na neve

    De um casto jasmim.

    Fugaz borboleta

    Nas asas de ouro

    Imenso tesouro

    Deixava-me ver;

    E, qual um avaro,

    Sedento, inquieto,

    Com ardido afeto

    Atrás do inseto

    Me punha a correr.

    Qual boca de ninfa

    Há pouco desperta,

    Se rosa entreaberta

    Prendia louçã,

    Segredos da infância

    A flor me contava,

    Q’eu só escutava,

    E, rindo, exclamava: —

    Tu és minha irmã!...

   

À vista do oceano,

Imenso, ruidoso,

Que quadro assombroso

Fez meu ideal!...

Em êxtase, longo

Vi nele espantado,

Rugindo deitado,

Um monstro azulado

D’enorme cristal.

Em crua e constante,

Horríssona guerra,

In’migo da terra,

Pintou-se-me o mar —

Que fero co’as ondas

Na praia batia,

E aflito bramia,

Porque não podia

A praia arredar.

Na concha celeste

Se os olhos fitava,

Lá novos achava

Encantos também;

Nos astros eu via

De anjinhos um bando,

Que, o corpo ocultando,

Me estavam olhando

De um mundo de além.

Eu via na lua

A casa encantada,

De luz prateada

Fugindo no ar;

Asilo somente

Da fada querida,

Que vinha escondida

A gente nascida

De noite embalar.

O sol eu amava

Da tarde na hora;

Amava-o d’aurora

No fresco arrebol.

E quando a tais horas

No mar se escondia,

P’ra ele me ria,

Julgando que via

Adeuses do sol.

III

Mas esse tempo de encantos,

Que nunca julguei ter fim,

Não é hoje para mim

Mais que morta e seca flor!...

Do gênio mau completou-se

A primeira profecia:

Era o que o Gênio dizia

No seu riso mofador.

A natureza calou-se

Desde que o Gênio me viu;

Minha alma inteira sentiu

Repentina mutação,

Dei por mim em terra estranha;

Tive novos pensamentos;

Tive novos sentimentos;

Criei novo coração.

Visão do Céu... não — da terra;

Não podia ser do Céu;

Que Deus no domínio seu

Falsos arcanjos não quer;

Visão, que da natureza

Toda a graça revestia,

Por desdita vi um dia

Num semblante de mulher.

Tinha a visão tal encanto,

Que, ao vê-la, absorto fiquei;

Tanto, que não escutei

O profundo soluçar

Da inocência, que, sentindo

Da paixão a ardente calma,

Abraçada com minh’alma

Se despedia a chorar.

Vida de louco passei;

Mas achei nessa loucura

Tanto bem — tanta ventura,

Quais nunca a razão me deu;

Que, se a razão da verdade

Tem os claros resplendores, —

Amor o reino das flores

Tem todo inteiro por seu.

E a esta senda estrepada,

Que à morte os seres conduz,

O que lhe importa uma luz,

Se a não tapiza uma flor?

E se amor, além de flores,

Também possui um clarão,

Antes amor sem razão,

Do que razão sem amor.

Mas foi-se o tempo de risos

Da minha feliz loucura!...

Libei o fel da amargura

No mel de um beijo traidor!...

Do Gênio mau completou-se

A segunda profecia:

Era o que o Gênio dizia

No seu riso mofador.

Dessa profunda chaga resta ainda

Dorida cicatriz: a mão do tempo

Talvez cure-a por fim; mas não tão cedo,

Que inda verte de si pútrido sangue,

Se a magoam cruéis reminiscências

       De quadra tão feliz.

IV

            Outro fantasma, a glória,

Da passada visão invade o posto.

Pelos mares risonhos da esperança

Ao batel do desejo abrindo as velas

          Minh’alma foi buscá-lo.

De pintor bem falaz condão tem ele

Muito para temer; do entusiasmo

Nas lavas do vulcão acende o facho,

Que os desenhos lhe aclara: esposa amante,

Dá-lhe, a imaginação, seus cofres todos,

Donde tira estampas que copia

Nas telas do futuro. De seus quadros

Na beleza enlevada a viajante

Navega sem sentir.

                       Eis ponto negro

No azulado horizonte surge, e estende

Asas de tempestade! Às vistas magas

Reposteiro de ferro mão ignota

Rápido corre, e presto em lastro imenso

De aguçados cachopos se convertem

As aniladas ondas. Rola o lenho

Por sobre o pedregal, e mastro e leme,

Enrolados na vela espedaçada,

O sopro de um tufão some nos ares!

Rompendo a cerração espectro em osso

De repente aparece, sacudindo

Na destra uma mortalha: envolto nela

Desceu meu pai à campa!...

                        Musa, basta...

Pare-se um pouco aqui; nas tuas asas,

Que não neste papel, corra meu pranto...

Apara-o, anjo meu; depois os mares

Transpõe... o lar dos mortos não te assusta —

Não é assim? Pois bem, irmã querida,

Na terra — nossa mãe — suspende os vôos;

Busca a sombria região dos túmulos,

E lá, depois de um beijo dar na campa

De nosso amado pai, depõe sobre ela

Este pranto que verto.

                      Enfim bonança

Ímpia resplandeceu sobre os destroços

Que fez o vendaval. Único vivo,

Em pé sobre um rochedo, contemplei-os

E ri-me... e neste riso agonizou-me

A última esperança... foi a síntese

De minha vida inteira; — estreita fresta

Por onde, desmaiada e quase morta,

         Minh’alma um raio morno

De prazer sepulcral mandava ao mundo.

E o Gênio, que viu meu berço,

Dentre os cachopos surgiu,

E olhando os estragos riu,

Contente de minha dor.

Do Gênio estava completa

Toda inteira a profecia:

Era o que o Gênio dizia

No seu riso mofador.

V

E desde então existo, mas não vivo;

    Só tenho sentimento

Nesse elo fatal por onde a vida

     Se prende ao sofrimento.

Vi na infância relâmpago afogado

     Em negra escuridão;

De amor nas breves ditas vil mentira,

     Na glória uma ilusão.

Eis porquê, dos prazeres desquitado,

    O rosto em pranto inundo;

Tudo odeio, e pareço desposado

     Com seres doutro mundo.

E na verdade o estou: pena minh’alma

    Nas sombras da amargura...

Homens! fugi de mim; não vos pertenço —

      Sou outra criatura.

 

O GÊNIO E A MORTE

I

      Sobre as asas de fogo

Da águia ardente que no espaço voa,

Saudado pelo cântico das aves,

       De flores perfumado,

Entre nuvens de púrpura — risonho

     Nos céus assoma o dia.

O exército dos astros afugentam

      Seus coruscantes raios;

E passeia garboso pelo espaço,

Como triunfador pela campina,

Donde expulsara as hostes inimigas.

Lá no meio da arena do triunfo,

Como um olho de Deus devassa o mundo:

As plantas que a manhã de vida enchera,

Com seu intenso ardor, bárbaro cresta —

Qual jovem indiscreto, em loucos dias

        De vulcânica idade,

No coração desseca, mata, extingue

Sentimentos que a infância alimentara...

       Da glória ao grau supremo

Subiste, ó rei; humilha-te — vassalo

Também és do Senhor — descer te cumpre.

Ei-lo que abdicou — Já vai tardio

Pela estrada do ocaso, e já tristonha

Lhe escorre pelo rosto a luz enferma!

Sobre leito de chumbo se reclina, —

        E, no momento extremo,

        Seus olhos chamejantes

Extremo olhar saudoso à terra volvem.

Último arranco!... Cai desfalecido

       Nos braços do crepúsculo.

Morreu o dia; — e a noite piedosa

Em seu manto de dó lhe envolve o túmulo.

II

           Que é feito, ó Primavera,

Das frescas odoríferas grinaldas

       Que a fronte te adornavam?

Murchas caíram; jazem esmagadas

Aos pés de gelo do caduco inverno!

        Os pomos sazonados,

Que pendiam das árvores frondosas,

Orgulho e pompa dos alegres prados,

Ei-los dispersos pelo chão molhado

Do pranto que em tristeza o céu derrama,

Ao ver-lhe a fronte merencória e pálida,

Debruçada do cume das montanhas,

Com lágrimas saudar do sol os raios,

Qual mísero vivente, a quem torturam

       As galas da alegria.

Beijada pelos zéfiros — c’roada

De viçosas capelas, — pelos bosques,

Jardins, e prados, e alcantis dos montes,

Eu a vi passear; — vi toda a terra

De flores se cobrir, trajar verduras,

       Ao toque de seus passos;

Vi... mas mudou-se da estação ridente

O quadro encantador; — e já bramidos

Dos desatados temporais proclamam —

        Que é morta a Primavera.

III

Morrem as estações, morrem os tempos!

Morrem os dias, como as noites morrem:

        Também acaba o homem —

E o Anjo do extermínio, desdenhoso,

Encara estultas pompas, que distinguem

O servo do senhor, o rei dos povos;

E fazendo correr-lhes pelas frontes

A rasoura da morte, traça o nível.

       Que cabe aos homens todos.

       Tudo no mundo expira:

Só sobranceiro à lousa o Gênio altivo

Nos vôos acompanha a eternidade!

Soberbo em seu poder persegue a morte,

        E consegue vencê-la,

        Mil vítimas lhe arranca,

E da imortalidade nos altares

       As mostra coroadas.

       Em vão do manto esquálido

A bárbara sacode o voraz verme

        No cadáver do sábio;

        Lá desce o Gênio intrépido,

Em vão as frias cinzas lhe arremessa

       Nos abismos do olvido;

E, ao lume da lanterna da memória,

Ajunta as cinzas, sopra o fogo santo

       Da santa poesia,

O sábio ressuscita e pasma o mundo!

IV

        Beleza, doce engano,

Mimo, que o tempo deu, que o tempo acaba;

Encantadora nuvem, mas efêmera,

Que da cor do pudor n’os céus vagueia,

Qual suspiro de amor que aos céus se eleva;

Beijada pelo sol, tímida aurora,

Também fenecerás! Trevas do túmulo

      Aos lumes da existência

      Sucederão funéreas;

Serão consócios teus mudo silêncio,

Sombras, escuridão, vermes, e terra.

Lestes, belas? Tremeis? Magos encantos

Baceia a mão do tempo, arrasa a campa:

Porém do Gênio à voz — curva-se o tempo:

Quebra o sepulcro a laje aos pés do Gênio.

Não!... de todo não morre uma beleza

       De um Gênio idolatrada;

Que a luz brilhante, que lhe anima os carmes

O luzento fanal, que o ilumina

       Nas borrascas da vida,

       Jamais, jamais se apaga.

V

       Cidades destruídas,

       Impérios derrocados,

       Oh! quantas, quantas vezes

O Gênio, qual brandão, vos esclarece

        As pálidas ruínas,

Lê nelas vossa glória, e vos confia

       As trombetas da fama!...

       Se foge a tempestade,

       Se as estações revivem,

Se as noites reproduzem novos dias,

       E os dias novas noites,

Servos obedecendo à voz do Eterno,

Mensageiro do Eterno o Gênio exerce

Igual poder na terra!... A Natureza,

       No meio das procelas,

Se a voz lhe escuta, abandonando as fúrias,

Dissipando de um sopro atroz horrores,

Surge risonha, como à voz divina,

Saiu do caos informe, — encantadora,

Toda nua, trazendo por adornos

Nos seios o Verão, nas mãos o Outono:

Nos cabelos prendendo a Primavera,

Por chapim de cristal calçando o Inverno.

      Do Gênio ouvindo o canto,

      Remoçam-se as idades,

Os mortos dos sepulcros se levantam,

       E vivem nova vida

       Dos homens na memória.

VI

        Ó Anjo das ruínas,

Voa ao teu reino, que é tarefa inútil

Extinguir o que é belo no universo,

       Enquanto o lume santo

       D’inspiração celeste

Mentes iluminar predestinadas.

        Aos sons miraculosos

D’harpa do Gênio ressurgindo ovantes

        O saber, a virtude,

Meigos encantos de gentil beleza,

Hão de zombar de ti — quebrar-te o sólio,

        Calcar-te aos pés a fronte.

VII

Como o gemer de vaga, que se quebra

        No sopé do rochedo;

Como ribombo de trovão, que rola

       Pelos longes do espaço,

Ou eco de clarim perdido em ermos,

Do Gênio a voz ecoa no infinito,

      E, por ela acordada,

      O semblante solene

Ergue para saudá-lo a Eternidade,

Lá soa o bronze, solfejando a nota

Da alpercata da morte sobre as campas.

       O sol está no ocaso!!!

       O Gênio ansioso espera

O sinal de seu vôo ao Ser Supremo.

Vede-lhe o pensamento: — é uma lira,

Donde os dedos da Fé extraem destros

       Melífluos sons divinos —

São os salmos do gênio agonizante:

E a última das notas é sua alma,

Que se perde no céu! — De lá, ó morte,

        Sorrindo a teu poder te desafia

Pelo raio divino armada a destra,

        Dos céus abroquelado;

        Enquanto cá na terra,

Sarcasmo a teu poder, seu nome troa,

Como um brado de glória, enchendo o mundo

 

NO ÁLBUM DUMA SENHORA

Meu nome aqui deixara solitário

       Escrito nessa cor;

Com que desde nascido as faixas d’alma

       Tingiu-me o dissabor;

Meu nome aqui deixara solitário

       Em traço negro incerto,

Qual friso do buril da desventura

       Em claro plano aberto;

A não temer que alguém, que não soubesse

      O que este nome diz,

Ao vê-lo neste livro me insultasse

       Chamando-me feliz.

Saiba, pois, quem o ler, que de uma Virgem

       No livro afortunado

Seu nome escuro, como seu destino,

       Escreve um desgraçado!

Sobre ele verta a Virgem uma lágrima

        Do seu pranto celeste,

Que talvez se desbotem os negrumes

        Do luto que o reveste.

Sim, ó Virgem, do pranto de teus olhos,

        Concede, sim, concede

Uma lágrima triste ao pobre nome

        Que lágrimas só pede!

De teus olhos quisera uma centelha

       Um peito do vulcão;

Ao contrário, porém, só pede pranto

       Um morto coração!

O sol ilumina, a gala ofende

       Ao solo mortuário:

Só sobressaem os cristais do pranto

       Dos mortos no sudário.

Eia, pois, cair deixa neste nome

       O teu pranto celeste;

Que talvez se desbotem os negrumes

       Do luto que o reveste.

 

ESTRAGOS DE AMOR

I

Miseráveis insensatos,

Escravos da formosura,

Curvados a seu aceno,

Buscais vida no veneno

Que vos leva à sepultura!

II

Nos seus braços reclinados,

Beijando em ternos carinhos

Divinas faces mimosas,

Libais o néctar das rosas

Sem reparar nos espinhos!

III

“Oh! loucos, vede a verdade,

“Conhecei essa ilusão,

“Por que viveis seduzidos?”

Embalde contra os sentidos

Aflita brada a razão!...

IV

Nada alcança: tudo cede

Ao amoroso desmaio: —

Lumiando o par gentil,

Brilha amor como um fuzil,

Mas ao fuzil segue o raio.

V

Lá do monte da esperança

Cresta o fogo as verdes fraldas;

E de quanto possuía

Só conserva a fantasia

Secas, dispersas grinaldas.

VI

Suspeitas, tiranias serpes,

Nos peitos cravando os dentes,

Com seu sangue se alimentam;

Das chagas chamas rebentam,

Das chamas novas serpentes.

VII

Em furor e desespero

Começa o triste a chorar,

Vendo a estrada que seguiu;

Morde o laço em que caiu,

Mas não pode-o desatar!...

VIII

A razão, para vingar-se,

Mais aumenta o seu flagício,

Com semblante inexorável,

Muda, surda, imperturbável,

Assistindo ao sacrifício.

IX

Tudo é dor, tudo agonia,

E queixumes contra o fado;

Suspiros e pranto ardente,

Desespero no presente,

Saudades pelo passado!...

X

Té que vai desabrochando,

Pelo pranto d’aflição

Regada continuamente,

Do desengano a semente

Nas cinzas do coração.

XI

Ergue a planta a fronte altiva,

Mas de tristonha aparência;

Folhas, tronco, é toda luto;

Tem mirrado raro fruto;

Esse fruto — é a experiência. —

XII

Das ruínas levantado,

Vê-se  o espírito surgir;

Vem com passo fatigado,

Como guerreiro cansado,

À sua sombra dormir.

XIII

Presto acorda, e então, cedendo

Da fome aos cruéis assomos,

Alguns ramos segurando,

Vai colhendo, e vai tragando

Os amargos negros pomos.

XIV

Comeu, ergueu-se, é já outro!

Foi-se do rosto a meiguice!

Do tronco um ramo quebrado

Serve ao triste de cajado —

Eis a imagem da velhice.

XV

Está tudo terminado!

Está completa a sentença!

Aos fogos sucedem gelos,

Que anunciam nos cabelos

A idade da indiferença!

XVI

Lá vai o velho mesquinho,

Lá vai desacompanhado,

O caminho da existência,

Nutrido pela exp’riência,

Ao desengano arrimado.

XVII

Só seus pés tocam a terra,

Os olhos do céu na luz,

Entregue a culto profundo,

Lá vai, fugindo do mundo,

Cair nos braços da Cruz.

XVIII

Lá expira... mas dizei-lhe —

Amor! Vereis num transporte

Como seus olhos cintilam,

Como a um tempo se aniquilam

Todas as forças da morte!!...

XIX

É que amor inexorável

Nos seus planos iracundos,

Se os mortais torna cativos,

Nem minora o mal dos vivos,

Nem respeita os moribundos.

XX

Restaura as forças da vida,

Não nos consente morrer;

Porque lá nas sepulturas

Seus tormentos e torturas

Não se pode padecer.

XXI

Envenenados farpões

Nos manda em suspiros ternos;

Cinge aos olhos mago véu,

E pelos jardins do céu

Nos encaminha ao inferno.

XXII

Fugi, humanos!... fugi

De seu veneno traidor!

Sem culto, desamparados,

Sumam-se, ao tempo votados,

Altares, templos de Amor...

 

A MINHA RESOLUÇÃO

O que fazes, ó minh’alma!

Coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?

Por que palpitas em vão?

Se aquele que tanto adoras

Te despreza, como ingrato,

Coração, sê mais sensato,

Busca outro coração!

Corre o ribeiro suave

Pela terra brandamente,

Se o plano condescendente

Dele se deixa regar;

Mas, se encontra algum tropeço

Que o leve curso lhe prive,

Busca logo outro declive,

Vai correr noutro lugar.

Segue o exemplo das águas,

Coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?

Por que palpitas em vão?

Se aquele que tanto adoras

Te despreza, como ingrato,

Coração, sê mais sensato,

Busca outro coração!

Nasce a planta, a planta cresce,

Vai contente vegetando,

Só por onde vai achando

Terra própria a seu viver;

Mas, se acaso a terra estéril

Às raízes lhe é veneno,

Ela vai noutro terreno

As raízes esconder.

Segue o exemplo da planta,

Coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?

Por que palpitas em vão?

Se aquele que tanto adoras

Te despreza, como ingrato,

Coração, sê mais sensato,

Busca outro coração!

Saiba a ingrata que punir

Também sei tamanho agravo:

Se me trata como escravo,

Mostrarei que sou senhor;

Como as águas, como a planta,

Fugirei dessa homicida;

Quero dar a um’alma fida

Minha vida e meu amor.

 

A LINGUAGEM DOS TRISTES

Se houver um ente, que sorvido tenha

Gota a gota o veneno da amargura;

Que nem nos horizontes da esperança

Veja raiar-lhe um dia de ventura;

Se houver um ente, que, dos homens certo,

Neles espere certa a falsidade;

Que veja um laço vil num rir de amores,

Uma traição nos mimos da amizade;

Se houver um ente, que, votado às dores,

Todo com a tristeza desposado,

De cruéis desenganos só nutrido,

Somente males a esperar do fado;

Que venha, acompanhar-me na agonia,

Qu’esta minh’alma, sem cessar, traspassa!

Venha, qu’há muito luto, a ver se encontro

Quem sinta, como eu, tanta desgraça

Venha, sim, que talvez por nosso trato

Uma nova linguagem seja urdida,

Em que possam falar-se os desgraçados,

Que do mundo não seja traduzida.

Por lei inexorável do destino,

Quem gemer à desgraça condenado,

Inda lidando no lidar do mundo,

Há de viver do mundo desterrado.

E em que desterro! Os outros só nos tiram

Os olhos do lugar do nascimento;

A desgraça, porém, do mundo inteiro

Desterra o coração e o pensamento.

Ao menos a linguagem deste exílio

Mais suportável torne a vida crua;

Tenha ao menos a terra da desgraça

Uma linguagem propriamente sua.

E quem tê-la melhor? Por mais que fale

O sedutor prazer em frase ardente,

Por mais que se perfume e se floreie,

Nunca é, como a dor, tão eloqüente.

Nos fenômenos d’alma o corpo sempre

Do seu modo de obrar diversifica:

Pelas quebras da orgânica fraqueza

A força esp’ritual se multiplica.

Quando, livre, o esp’rito aos céus remonta,

Da Eternidade demandando o norte,

Toda força primeva recobrando —

Tomba a matéria, e cai nas mãos da morte!

Quando o gás do prazer dilata o seio,

A força do sentir dormente acalma;

Quando a pressa da dor o seio aperta,

A força do sentir se expande n’alma.

Assim novas palavras, novas frases,

Nova linguagem, pede o sofrimento;

Porque dobra o sentir, e duplas asas

P’ra vôos duplos colhe o pensamento:

Não, não pode em seus termos quase inertes,

Esse falar comum de cada dia,

Deste duplo sentir, d’idéias duplas,

Exprimir fielmente a valentia.

Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,

Anos que falem, nunca dizem tanto,

Quanto num só momento dizer pode

Um suspiro, um soluço, um ai, um pranto.

Eia, pois, tristes! eia!... desde agora

Uma nova linguagem seja urdida,

Em que possam falar-se os desgraçados,

Que do mundo não seja traduzida.

Veja o mundo, de gozos egoísta,

Qu’os tristes nada têm de suas lavras:

Que, orgulhosos na pátria da desdita,

Nem dos ditosos querem as palavras.

 

A JOSÉ PEDREIRA FRANÇA

I

Um dia natalício em quantas faces

       Se pode desenhar!

Que cenas de prazer e de pesares

       Nos pode retratar!

Anel d’oiro, ou de ferro, anel d’estala,

       Na cadeia da vida;

Marco de légua pela morte ganha,

       E para nós perdida.

Origem de uma fonte que começa

       Onde outra terminou;

Berço de um tempo, mas também sepulcro

       De um tempo que passou!

Porém por que razão sempre festivo

        Se mostra o rosto seu? —

Porque o ano que nasce esquecer deixa

        O ano que morreu:

Porque enquanto na estrada da existência

        A humanidade avança,

Deixa sempre olvidar os desenganos

        Co’os olhos na esperança.

Mas o tempo, que corre desta sorte

        P’ra todos os humanos,

Oh! Pedreira feliz! — mudou de aspecto

        No curso de teus anos.

O tempo, que se passa inertemente,

        Tem vida transitória;

Mas o tempo contado por virtudes

        Tem sempre eterna glória.

Não serão pois cobertos os teus anos

        Do olvido pelo véu:

Quando morram na mente dos ingratos,

        Com Deus serão no céu.

Não tens áureos brasões por hábil destra

        Com arte burilados;

Não cinges toga ilustre, nem tens nome

        No rol dos purpurados;

Porém, sem as virtudes qu’em tu’alma

        Existem engastadas,

São títulos, brasões, fama, riquezas,

       Misérias enfeitadas.

São flores sem aroma, e cujo viço

       Efêmero não dura;

Fosfóricos fanais, que a sorte acende,

       E apaga a sepultura.

Que sempre encares com igual semblante

       O Céu — e o Céu propício

Não deixe a menor nuvem de desgosto

       Turvar teu natalício —

Tais são os votos meus, nunca inspirados

       Por vil adulação;

Quando minh’alma os escreveu, a pena

       Molhou no coração.

Tais são os votos meus na voz expressos,

        De frouxa poesia,

Que verte a lira pouco acostumada

        Aos hinos d’alegria;

Filha de um estro fraco e perseguido

       Por fado sem piedade,

Vagando peregrino em terra estranha

       Nos ermos da saudade.

II

Mas inda que a sorte

Um estro me desse,

Que aos astros pudesse

Teu nome elevar;

Enquanto vir triste

Com dores pungentes

A pátria em correntes,

Não posso cantar.

Não posso cantar;

Enquanto vir bravos

Rojar como escravos

Infame grilhão:

Curvando a sicários

A fronte sublime!

Submissos, sem crime,

Pedindo perdão!

Não posso cantar,

Enquanto um malvado

Poder infamado,

Audaz, sem pudor,

Com seu bafo infecta

Brasílio horizonte,

Trazendo na fronte

— Prevaricador —;

Enquanto essa gente,

Tão ímpia e tão vil,

Meu caro Brasil

Puder governar;

Co’a pátria inundada

De luto e de pranto,

Não posso ter canto,

Não posso cantar.

Porém se algum dia

O fero domínio

Do ímpio extermínio

Tiver de morrer;

Se o povo, esquecido

De loucos enganos,

Um dia os tiranos

Quiser abater;

Se um dia, cansada

De tanta maldade,

Soltar Liberdade

Seus raios da mão,

E os ceptros pesados

Dos reis fementidos,

Por eles fundidos,

Rolarem no chão:

E as nossas campinas

E prados virentes,

E os céus de contentes,

Trajados de azul.

Ouvirem os hinos

Da livre corte

Da parte do Norte,

Da parte do Sul;

E os grandes Andradas,

Canecas, Machados

E mais nomeados

Por alto valor,

De lá do Empíreo

Tais cantos ouvindo,

Saudarem, se rindo,

Seu povo senhor;

Então minha lira,

Coberta de flores,

Já livre, louvores

Podendo entoar,

Aos doces encantos

Da quadra formosa

Virá sonorosa

Teus anos cantar.

 

EPICÉDIO

À MORTE DO DR. JOSÉ DE ASSIS ALVES BRANCO MUNIZ

I

Morreu, enfim, morreu! Aquele Gênio,

Para quem pareceu pequeno o mundo,

Por milagre da Morte limitou-se

A um pedaço de terra! Ali com ele

Ricos tesouros de um futuro imenso,

De mil triunfos avultadas palmas,

De glória mil coroas, tudo encerra,

Aquele estreito chão no seio estreito!

São um mistério as dimensões de um tum’lo!

Morreu! aquela mágica trombeta,

Que, das leis em defesa trovejando,

Fez tremer e tingiu da cor do medo

De protervos mandões soberbas frontes,

Jaz por terra calada! Aquela boca,

Que em turbilhões sonoros de eloqüência

Raios vibrava, gélida mordaça

Para sempre fechou! O caudal rio,

Que no curso afanoso prometia

Tanta fertilidade ao pátrio solo,

Seca total sorveu! Por que, ó Pátria,

Não pôde o pranto teu de novo enchê-lo?

Por que não pôde férvido caindo

Sobre a fatal mordaça derretê-la,

E de novo acordar da tuba as vozes?

As entranhas da morte são de pedra;

Coração jamais teve a hidra ímpia;

Carnes humanas come, bebe lágrimas;

Só respira suspiros dolorosos

E ais agonizantes; comovê-la

Não pode a tua dor aflita, Pátria!

Hás de vê-la dormindo aos ecos dela,

E o mostro rir-se de prazer cruento

Ao ver o pranto teu banhar-lhe o sólio.

Mas não te desesperes, Mãe querida,

Há nos cofres da dor certos segredos

Que os míseros só sabem. São amigos,

Amigos bem fiéis da mágoa os filhos.

Um gemido consola outro gemido,

Uma lágrima outra. Desde o berço

Para eterno chorar n’alma cavou-me

Da desgraça o punhal fontes de pranto,

Que de Assis pela morte transbordaram.

Pátria! seremos sócios na amargura!

Baga com baga juntas, nossas lágrimas —

Cristalina torrente de saudades —

Unidas regarão do Herói a campa.

III

Fatal pressentimento deste golpe

Três vezes tive; adivinhei três vezes

Do sábio moço a prematura morte!

IV

Eu o vi inda imberbe num combate

Desses em que são almas — combatentes,

E a intel’gência — espada: os sacros foros

Da ciência da vida defendia,

Dando vida à ciência. Extasiado,

Qual uma ave rasteira, que contempla

Condor gigante, que nos vôos roça

No semblante do sol soberbas asas,

Bebi-lhe os rasgos da atrevida mente;

E concentrado em mim, disse comigo: —

                    Não pode viver muito!

V

                          Correm tempos:

Para o campo da imprensa denodado

Se arroja o lidador. D’entusiasmo

Aceso e de prazer, banhei minh’alma

Na luz dos seus escritos. Cada linha

Que deles lia atento me mostrava

Uma estrada de glória ao novo Gênio!

Cada palavra sua era uma pegada

Do progresso a correr, e cada sílaba

De patriotismo ardente uma centelha

Que do saber ao sopro cintilava.

Vi-o, e pasmei de o ver, assim tão jovem;

E, concentrado em mim, disse comigo: —

                 Não pode viver muito!

VI

                           Na Tribuna,

Prometendo um Demóstenes futuro,

O jovem aparece; e vi o povo

Imenso, pasmo, imóvel, todo ouvidos

A vê-lo combater, e Paladinos

Formidáveis caindo aos golpes dele!

Vi sobr’ele lançando olhares torvos,

Trêmulos d’ira, os Áulicos ralarem-se,

Quando um sarcasmo seu rápido e fino,

Voando num motejo improvisado

De leve sulco de um sorriso irônico

Nos corações de orgulho intumescidos

Lhes mastigava as fibras da vaidade.

Vi, e vi muitas vezes, confundidos

Ante o moço orador os Mandatários

Do despotismo, quando pretendiam

Seus golpes rebater, presas as línguas,

Disparatado o curso das idéias,

Perderem-se de todo, e dar-lhe humildes

O vergonhoso culto do silêncio.

Vi-o, e pasmei de o ver, assim, tão jovem;

E, concentrado em mim, disse comigo: —

                 Não pode viver muito!

VII

                     Um quê bem certo

Para tanto dizer razão me dava.

Todo o sublime para o Céu deriva:

Era muito pequeno um crânio humano

Para tal pensamento. De seus vôos

Ao forte embate, as molas da matéria

Estalam cedo, quando o gênio é grande.

VIII

A fatal profecia está completa!

O prisma, que três faces tão brilhantes

Ao sol do novo mundo apresentava,

Despedaçado está, ou refletindo

Cores da eternidade à luz das campas!

IX

Morreu!... porém na hora derradeira

Inda resplandeceu! O homem justo,

Entre as vascas do eterno passamento,

Em ânsias e fadigas se atribula,

Mas no momento de deixar a terra,

Para voar a Deus, forças recobra,

E como astro da fé no céu da morte,

Qual em vida luziu, luzindo acaba.

E como a luz, que triste bruxuleia

Prestes a se apagar, mas no lampejo

Da convulsão final aviva o lume,

E com dobrado resplendor expira.

É como o sol no ocaso enlanguecido,

Que desmaiado arqueja agonizante

Do mar nas ondas apagando os raios,

Mas que altivo e zeloso de seus foros,

P’ra morrer como sol, antes que morra

Com duplicada luz alaga o mundo.

Assis assim morreu. Na ânsia extrema

Da mortal agonia, toda inteira

Su’alma concentrada num só ponto

Para da carne disparar seu vôo,

Luz celeste expandiu; ao clarão dela

O mundo apareceu-lhe como um doudo

Enfeitado, brincando co’as alfaias;

Sorriu-se, desprezou-o, e seu desprezo

Todo se traduziu nessa sentença,

Com que sábio fechou, morrendo sábio,

O livro d’ouro da existência sua.

X

O amor paternal, da esposa o pranto

Também dos olhos pranto lhe arrancaram...

Mas nunca tocar pôde o desespero,

De leve nem sequer, naquele peito

Ungido em fé cristã. Da Providência

Viu as mãos postas sobre as frontes de ambos —

E creu e resignou-se.

XI

                                           Esses fantasmas

Tristes, negros, medonhos, vaporosos,

Que na hora final o ímpio cercam,

Sôfregos, como abutres esfaimados

Farejando-lhe o leite, dele

Nem ousaram fitar; visões celestes

Nas madornas da morte o embalavam.

XII

Quebradas as cadeias que a prendiam,

Livre, das penas sacudiu o barro,

E em leve adejo penetrou sua alma

As áureas portas da cidade eterna

Entre aplausos risonha; e o seu arcanjo,

Ao dar conta ao Senhor da missão alta

De a guardar sobre a terra, as níveas asas

Mostrou tão limpas, quais do céu trouxera.

XIII

Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda;

Mas consola-te ao menos com lembrar-te

Que teu filho desceu sem mancha ao túmulo.

Morreu!... mas grande foi. Da liberdade

Filho amante nasceu; dela soldado,

Morreu firme em seu posto. Da ciência

Candidato fiel, morreu filósofo.

Era uma planta de primor nascida

Em campo estéril, pedregoso e imundo;

Mas tão cheia de vida, qu’inda nova

E em terreno tão mau, brotava aos centos

Do tronco verde vigorosos ramos;

Ramos cobertos de formosas flores,

E curvados de frutos. Encantado,

De a ver assim tão bela, o Rei Celeste,

Antes que envenenada perecesse

No solo ingrato, transplantou-a em breve

Para os pomares seus.


XIV

                            Pátria, teu choro,

Merecem, mais que o morto, os filhos vivos.

Ai! tristes dessas plantas que ficaram

No campo estéril, pedregoso e imundo!

Pela má região contaminados,

Raça degenerada os dias contam

Por ampulhetas grávidas de crimes.

Começa a punição. Esse do Egito

Anjo exterminador está conosco;

Cada dia, um a um, nos vai ceifando

Da liberdade os filhos primogênitos.

Assim a espada da justiça eterna

Invisível nos fere, inopinada:

Assim os tetos da cidade ímpia,

Do Senhor pela ira arremessado,

Sem fuzil nem trovão, mudo, imprevisto,

O raio punidor fulmina e abate.

 

SOBRE O TÚMULO DO MARECHAL LABATUT

I

Eis as cenas do mundo! A mesma liça

Que o viu pela vitória laureado,

Donde nos brados dos canhões acesos

Da glória aos penetrais mandou seu nome,

Veio (Grandes ouvi!) pedir, mendigo,

              Uma esmola de terra!!

II

E quem o fez mendigo, sepultura

Estrangeira buscar!? Não cerra França

Aos mortos filhos seus braços maternos!

Mas não é outra a pátria do soldado

Que o campo do triunfo, e esta terra

Barateou seu sangue p’ra comprá-la.

III

Foi ele neste campo o mestre e o guia

De uma raça de heróis em cujas veias

Fervia com o sangue o amor da Pátria!

Aqui, por sobre as frontes inimigas

              Passando como um raio

Que ao mesmo tempo espalha luz e morte,

             Os servos fulminando,

Sua espada de bravo a um bravo povo

             Aqui viu esse povo

Decidido no empenho de ganhá-la,

Como um leão bramindo engolir chamas,

E vomitar na fronte do tirano

             Que tentava enfreá-lo!

             Aqui o viu c’roado

             De cívicas verbenas

             Com as cadeias fundidas

              No fogo do combate

O crânio esmigalhar do despotismo:

E a horda escrava que servia o monstro

Fugitiva a correr, lançar-se às ondas,

Ou cair tropeçando nas espadas.

Sentado em sua tenda de guerreiro

Aqui nos braços recebeu do amigo

Os parabéns alegres,

Que rindo repartiu com seus soldados,

E descansou, dormindo aos sons festivos

Dos hinos marciais, que aos Céus levavam

Entre vivas seu nome. Aqui... Não, cinzas,

Aqui, perante os netos generosos

Que gratos hoje vêm dar-vos seus cultos,

Da traição dos avós não falaremos.

Do cristão sobre a campa a caridade

Com letras imortais perdão escreve: —

Perdão para os ingratos!!!

IV

                           Neste campo,

Em que se lhe marcou n’um ponto misto

Seu ocaso e nascente, resumiu-se

A sua vida inteira. Mais que a França

Foste-lhe Pirajá: a França apenas

Deu-lhe a luz da existência, e tu lhe deste

A imortalidade!

V

                           E sempre grato

Te foi o teu herói. Nas densas trevas

Da imensa eternidade, porta incerta

Da morte tateando, não perdia

De vista o Pirajá. “Amados campos

“Do meu melhor passado”, soluçando

Com voz fraca exclamou, “solo onde as palmas

“Colhi, que tão sedento cobiçava

“Nos meus sonhos de glória, lá deixei-vos

“A minha alma plantada! Ah! quem me dera,

“Quando ele se partir, que mão amiga

         “Lá plante o meu cadáver!”

Felizmente esta prece foi gravada

Num coração de ouro. Quem é ele?

Quereis dizer seu nome? — nomeai-o,

Mil tít’los lhe juntai: quanto ao poeta

Basta chamá-lo — amigo.

VI

                    Satisfez-se

A vontade final do moribundo.

Dormir veio o soldado o sono eterno

       À sombra de seus louros.

VII

Eis aqui Labatut. Aguiar, Siqueira,

Jacome, abraçai vosso irmão d’armas!

Eis vosso General!! Mortos soldados,

Que sem campas errais, das andrajosas

Fardas que vos serviram de mortalha

A terra sacudi! vinde prostrar-vos

Aqui em continência ante seus manes,

Veteranos da nossa independência!

Braços cortados do possante corpo

Que o trono levantou da liberdade,

Vinde, vinde verter sobre esta pedra

Uma lágrima, vinde! Enfeita o pranto

Um semblante tostado nos combates,

Quando é vertido assim.

                           Povo, se és grato,

Só te não satisfaças com trazê-lo,

Dentro em teu coração leva este túmulo.

 

ADEUS AO MUNDO

I

       Já do batel da vida

Sinto tomar-me o leme a mão da morte:

          E perto avisto o porto

Imenso nebuloso, e sempre noite,

          Chamado — Eternidade!

Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas

           Não tem de mais a aurora!!

Como requinta o brilho a luz dos astros!

Como são recendentes os aromas

Que se exalam das flores! Que harmonia

Não se desfruta no cantar das aves,

No embater do mar, e das cascatas,

No sussurrar dos límpidos ribeiros,

Na natureza inteira, quando os olhos

Do moribundo, quase extintos, bebem

           Seus últimos encantos!

II

Quando eu guardava, ao menos na esperança,

Para o dia seguinte o sol de um dia,

De uma noite o luar para outras noites;

Quando durar contava mais que um prado,

Mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,

E murmurá-lo num jardim de amores;

Quando julgava a natureza minha,

Desdenhava os seus dons: ei-la vingada:

Cedo de vermes rojarei ludíbrio,

E vida alardearão fracos arbustos

Sobre meu lar de morto! A noite, o dia,

O inverno, o verão, a primavera,

A aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,

A rir-se passarão sobre meus ossos!

Não importa: não é perder o mundo

O que me azeda os pálidos instantes

Que conto por gemidos. Meu tormento,

Minha dor, é morrer longe da pátria,

Da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.

III

Quando da pátria me ausentei, não tinha

Nada, que lhes deixar, que lhes dissesse

O que eram eles dentro de minh’alma.

Mendigo, a quem cedi pequena esmola,

Deu-me quatro sementes de saudades;

Ao meu jardim doméstico levei-as,

Cavei, reguei a terra com meu pranto,

E plantei as saudades. Soluçando

Chamei ali os meus: “Aqui vos deixo

(Disse apontando à plantação) “em flores

“Minh’alma toda inteira; aqui vos deixo

“Um tesouro enterrado. Jóias, oiro,

“Riquezas, não, não tem, porém na terra

Estéril não será.” Ondas de pranto

Afogaram-me a voz: houve silêncio;

Palpei de novo o chão; vi que de novo

Cavado estava! A terra se afundara,

E as sementes nadavam sobre lágrimas,

Que minha mãe e minha irmã choravam...

Replantei-as, orei, beijei a terra,

E parti... Trouxe d’alma só metade;

E o coração?... deixei-o num abraço.

IV

Certo estou de que a planta, já crescida,

Terá brotado flor. Se ao menos dado

Me fosse colher uma... ver a terra

Pelo pranto dos meus santificada!

Se uma dessas saudades enfeitar-me

Viesse a minha essa, ou meu sudário,

Ou, pela mão materna transplantada,

Encravar-me as raízes no sepulcro...

É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço

Soberbo mausoléu, estátua augusta

De túmulo de rei. Assaz desprezo

           Esses gigantes de oiro

Com entranhas de pó. Mortalha escassa

De grosseiro burel, que bordem lágrimas;

Terra só quanto baste p’ra um cadáver,

E as minhas saudades, e entre elas

Uma cruz com os braços bem abertos,

Que peça a todos preces. Terra, terra

Perto dos meus e no terrão da pátria,

É só quanto suplico.

V

                                      A morte é dura,

Porém longe da pátria é dupla a morte.

Desgraçado do mísero, que expira

Longe dos seus, que molha a língua, seca

Pelo fogo da febre, em caldo estranho;

Que vigílias de amor não tem consigo,

Nem palavras amigas que lhe adocem

O tédio dos remédios, nem um seio,

Um seio palpitante de cuidados

Onde descanse a lânguida cabeça!

   Feliz, feliz aquele, a quem não cercam

Nesse momento acerbo indiferentes

Olhos sem pranto; que na mão gelada

Sente a macia destra d’amizade

Num aperto de dor prender-lhe a vida!

 Feliz o que no arfar da ânsia extrema

De desvelada irmã piedoso lenço,

Úmido de saudades vem limpar-lhe

As frias bagas dos finais suores!

    Feliz o que repete a extrema prece,

Ensinada por ela, e beijar pode

O lenho do Senhor nas mãos maternas!

     Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo

Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria

Tenha de me finar... Ramo perdido

Do tronco que o gerou, e arremessado

Por mão de Gênio mau à plaga alheia,

Mirrarei esquecido! Os céus o querem,

Os Céus são imutáveis: aos decretos

Do Senhor curvarei a fronte humilde,

Como cristão que sou. Eternidade,

Recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!

VI

Já sinto da geada dos sepulcros

O pavoroso frio anregelar-me...

A campa vejo aberta, e lá do fundo

Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...

Entremos. Deve haver nestes lugares

Mudança grave na mundana sorte;

Quem sempre a morte achou no lar da vida

Deve a vida encontrar no lar da morte.

Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!

Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...

Adeus, que vou viagem de finados...

Adeus... adeus... adeus!

Adeus, ó sol que, amigo iluminaste

Meu pobre berço com os raios teus...

Ilumina-me agora a sepultura: —

Adeus, meu sol, adeus!

Florezinhas, que quando era menino

Tanto servistes aos brinquedos meus,

Vegetai, vegetai-me sobre a campa: —

Adeus, flores, adeus!

Vós, cujo canto tanto me encantava,

Da madrugada alígeros orfeus,

Uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:

Passarinhos, adeus!

Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!

Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...

Adeus: que vou viagem de finados!...

Adeus!... adeus!... adeus!

 

A MINHA VIDA

I

     Este mundo é-me um deserto

Por onde um vulcão passou,

E gravada a minha história

Em traços negros deixou.

    São-lhes tetos bronzeados

Escuros, medonhos céus,

Onde bramam tempestades

Em contínuos escarcéus.

     Só, por ele vai minh’alma,

Nos destroços tropeçando,

Com passo tardio e incerto

Tristemente caminhando.

     Marcha... marcha... enfim, cansada

De tão longo caminhar,

Nalguma pedra que encontra

Descansa, e põe-se a chorar.

    Olha o céu... nem uma estrela!

Olha a terra... é negro chão!

Clama em brados por socorro,

Só responde o furacão!

     Nos olhos seca-lhe o pranto...

Continua a caminhar,

E noutra pedra distante

Descansa, e põe-se a chorar.

II

É triste o seu fadário: mas ao menos

Oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!

Da infeliz peregrina a dor pungente

Um pouco mitigais.

                                  E só me alento

Quando posso chorar: são meus prazeres

Um banquete de lágrimas! Mil vezes

Alegre ter-me-ão visto entre os alegres,

Conversando, soltar ditos chistosos

A rir e fazer rir. Um drama a vida

Não é? Porque julgar-se do semblante,

Do semblante, essa máscara de carne

Que o homem recebeu para entrar no mundo,

O que por dentro vai? É quase sempre,

Se há estio no rosto, inverno n’alma.

Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!

O meu riso é fingido; sim, mil vezes

Com ele afogo os ecos de um gemido

Qu’imprevisto me chega à flor dos lábios;

Mil vezes sobre as cordas afinadas

Que tanjo, o canto meu acompanhando,

Cai pranto. Oh! praza ao céu qu’inda o não vísseis!

Eu me finjo ante vós, que o fingimento

É no lar do prazer prudência ao triste.

Louco fora por certo o que cantasse

D’exéquias hino em bodas: ou de noiva,

Qu’em transportes de amor o esposo abraça,

Crepe de viuvez lançasse ao tálamo.

Eu me finjo ante vós porque venero

O sublime das lágrimas; conheço-as;

São modestas Vestais, vivem no ermo,

Aborrecem festins; olhos que o fogo

Do banquete acendeu-lhes são odiosos:

Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,

Têm vestes de cristal, temem manchá-las.

Bem fechadas nos claustros de meus olhos,

Dentro em meu coração hei de escondê-las,

Guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,

Porque a dor me não traia neste empenho,

Zelosa e vigilante sentinela,

Em meus lábios trazer constante um riso.

III

     Hei de fingir-me ante vós,

Porque sei que o desgraçado,

Se a desgraça não oculta,

É de todos desprezado:

     Que o feliz, que goza os frutos

Dos pomares da ventura,

Não conhece o gosto acerbo

Da peçonha da amargura;

Que aos tristes consoladoras,

Palavras nos lábios seus,

São as palavras de Cristo

Na boca dos Fariseus.

IV

Nestes versos vos dou minha vida:

Minha vida, mortais, é assim:

Ante os homens um riso mentido,

Longe deles um pranto sem fim.

    É veneno de arábico aroma,

Entre fumo sutil disfarçado;

É cadáver de carnes despido,

Com vestidos de gala trajado.

É sepulcro, onde, o escárnio da morte,

Mausoléu majestoso se arvora;

Morte, trevas e terra por dentro:

Vida, luzes e pompa por fora.

     Nestes versos vos dou minha vida,

Minha vida, mortais, é assim:

Ante os homens um riso mentido,

Longe deles um pranto sem fim.

 

O QUE SOU, E O QUE SEREI!

I

Homens, que vedes-me a passar sombrio

Pela estrada que vai da vida à morte!

Talvez buscais saber meu que de vida —

O que sou, que serei, qual é meu norte.

Caso oculto de amor — certo — supondes,

Que um moço trovador é sempre amores:

Nem pode outro condão sobre seu peito,

Nem se acurva — tão cedo — a outras dores.

Julgais bem; — porém pouco... que em minha alma

Amor plantou — mais fundo — o seu feitiço:

Dai mais peso ao que eu sinto, homens, que trago

O viver, como vedes, tão submisso!

Não cuideis que o penoso sentimento,

Que toda prende a amor minha existência,

É como este sentir que todos sentem,

De um dia, sem ardor, sem veemência!

Também já assim amei, se amor se pode

Chamar essa ilusão de namorado,

Mas hoje esse sentir me é tão da vida

Que, se ele me faltar, ver-me-eis finado.

II

Indagais meu sofrer! Buscai na terra

                         O ente mais formoso,

Aquele que do céu for mais mimoso —

Que todo meu sentir nele se encerra.

Vendo-o, formai de mim vosso juízo;

                         Se o encontrardes ledo,

Contai que descobristes o segredo

Do meu prazer... — vereis — sou todo riso.

Mas, se, ao contrário, virdes o quebranto

                         Da tristeza em seu rosto,

Julgai-me logo a padecer exposto;

Sabei logo o que sou... sou todo pranto.

Se o virdes pôr em mim seus olhos belos,

                       Seus lábios me sorrindo,

E seu seio a ondular cândido e lindo... —

O que eu sou — decifrai — sou todo anelos.

Se uma palavra der-me, à semelhança

                        Das palavras, do céu,

Do coração rasgai-me o tênue véu,

E aí lede o que sou — sou todo esp’rança!

Contemplai a que amo. — Ora em langores

                       Quase desfalecida;

Ora toda expressão, incêndio e vida —

E dir-me-eis se hei-de, ou não, morrer de amores.

Homens! Eis o que sou! — Dos trovadores

                      O que mais sofre e sente;

Por este coração, por esta mente,

Sou todo inspirações, sou todo amores!

III

Mas perguntais-me vós, porqu’inda triste

Vou caminho da vida pensativo,

Depois de o ente achar, que único deve

Por áureas sendas ao porvir levar-me?!

Por quê? Porque inda resta-me a incerteza,

Essa inimiga certa da esperança,

Que se me antolha horrenda em meus transportes!

    Di-lo-ei todavia, homens (embora

Traia o meu coração neste segredo,

Que a mim só confiou), di-lo-ei — é força,

Pois o exigis, é força confessar-vo-lo —

O que serei, ouvi... é vaticínio

De um coração, a quem tornou profeta

A luz de uns olhos lá do céu descidos.

Serei Nume, ou Demônio sobre a terra...

Todo ternura e amor, ou todo cólera...

Todo venturas, ou desgraças todo.

    Ser minha, ou não — eis todo o meu futuro,

Para o qual duas páginas abertas

Em perfeito contraste há neste livro

Imenso do porvir. É uma delas

Toda negra e de sangue salpicada;

A outra toda rósea, e matizada

De azul e verde, com relevos de ouro!

Destas páginas n’uma os nossos nomes,

O dela e o meu, por força hão de gravar-se.

Ver-me-eis Demônio apascentando fúrias,

Precipitado a caminhar na terra,

Como quem busca o termo da existência;

Dos olhos a saltarem-se faíscas

De loucura e furos; na destra um ferro,

Nos lábios um som único — vingança!

E assim medonho, impenetrável, louco,

Pisando por abrolhos sem senti-los,

Insensível a tudo, aos próprios crimes,

Querendo o mundo enfim todo de sangue!...

Se ela minha não for — serei Demônio!

Ver-me-eis, porém, um Nume de venturas,

Um prisma de afeições, cândidas todas,

Um poeta de amor, sorrindo à terra,

Um ente só feliz olhando encantos;

Ver-me-eis co’os olhos em seu rosto impressos,

Como os seus em minha alma impressos brilham;

Ver-me-eis co’os lábios em seus pés, e ao mundo

Entretanto c’os pés calcando a fronte!!

Se Eulina minha for! — serei um Nume!!

IV

Homens! Eis meu porvir: — dos trovadores

                       Ou o mais desgraçado,

Ou um Poeta mágico, inspirado,

Bebendo vida e luz num céu de amores.

 Bahia, 21 de janeiro de 1855.

                       Antônio Joaquim RODRIGUES DA COSTA

 

AMOR E LÁGRIMAS

Se fosse possível na minha alma

Amanhecer um dia da ventura,

Corado por um beijo de donzela

        Ao despontar d’aurora...

Se, Anjo de salvação mandado ao mísero,

Sorrindo, pelo céu jurasse a bela

Fazer-me cada vez por novos beijos

        Mais rubra a cor do dia...

Se fiel companheira em toda parte

Quisesse me seguir, presa comigo,

Como um raio celeste preso a um astro

        A iluminar-lhe o curso...

Se a visse, desdenhosa a mil tesouros,

Só por ter-me, deixá-los e contente

A gabar-me o sabor do pão grosseiro

        Que me alimenta a vida...

Não a crera; e talvez que até julgasse

Tantas provas de amor atroz perfídia,

Se amor me não brilhasse nos seus olhos

       No centro de uma lágrima.

Amor é fogo; o coração que ama

Todo nas suas chamas se evapora,

No rosto se condensa, e chega aos olhos

       Em água convertido.

Que é um riso? — Um prazer. Prisão estreita

De duas almas? — Simpatia apenas:

E os abraços e beijos? — Muitas vezes

         Sustento de lascívia.

Tudo isso diz amor; mas quando? — Quando,

Filho de um doce afeto que se apura

Nos cadinhos da dor, é batizado,

        Num batismo de prantos.

É belo ver-se uns olhos cintilantes,

Acesos em vulcões de fogo ignoto,

A dardejar faíscas invisíveis

      Que os corações abrasam:

É belo ver-se um rosto nacarado

No carmim do prazer: é belo ver-se

Partir fino coral de rubros lábios

     Um sim d’alma saído:

Mas em rostos assim amor não fala;

E, se fala, as mais vezes diz mentiras;

E este — sim — que tomamos por verdade

       É escárnio do crente.

Quereis vê-lo sincero? Observai-o

N’açucena de um rosto desmaiado,

Entre os lírios de uns lábios que roxeiam

      Suspiros de agonia:

Nuns olhos, cuja luz crepusculante,

Entre a neve das lágrimas, pareça

Revérbero da alâmpada mortiça

        Do templo da saudade.

Aí podeis lhe crer o que disser-vos,

Podeis segui-lo sem temer um crime;

Que amor, se o pranto lhe borrifa as asas,

Seu vôo ao céu dirige. 

 

A SAUDADE BRANCA

Que tens, mimosa saudade?

Assim branca quem te fez?

Quem te pôs tão desmaiada,

Minha flor? Que palidez!...

Ah!... já sei: n’um peito vário

Emblema foste de amor:

O peito mudou de afeto,

E tu mudaste de cor.

Mas não; só peito animado

Por constância e lealdade,

Unida pode trazer-te

Consigo, minha saudade.

Demais tu não mudas; seja

Qual for o destino teu,

Conservas sempre o aspecto

Que a natureza te deu.

Que tens, mimosa saudade?

Assim branca quem te fez?

Quem te pôs tão desmaiada,

Minha flor? Que palidez!

Quem sabe se és flor, saudade?

Quem sabe? Da sepultura

Amor nas pedras penetra

Por milagre da ternura.

Quem sabe... (Oh! meu Deus não seja,

Não seja esta idéia vã!)

Se em ti não foi transformada

A alma de minha irmã?!

“Minha alma é toda saudades;

“De saudades morrerei” —

Disse-me, quando a minh’alma

Em saudades lhe deixei:

E agora esta saudade

Tão triste e pálida... assim

Como a saudade que geme

Por ela dentro de mim!...

A namorar-me os sentidos!

A fascinar-me a razão!...

Julgo que sinto a voz dela

Falar-me no coração!

Exulta, minh’alma, exulta!...

Aos meus lábios, flor louçã!

No meu peito... Toma um beijo...

Outro beijo, minha irmã!

Outro beijo, que estes beijos

Não te proíbe o pudor;

Sou teu irmão, não te mancham

Os beijos de meu amor.

Fala um pouco. Se almas podem

Em flores se transformar,

Sendo almas encantadas,

As flores podem falar.

Mas não falas?... não respondes?...

Oh! cruéis enganos meus!

Saudade, por que me iludes?

Minha irmã!... Meu Deus!... Meu Deus!...

Minha irmã!... minha ventura,

Esperança, encanto meu!

É teu irmão quem te chama!...

Responde!... fala!... Sou eu!

Dista muito o céu da terra?

Os anjos asas não têm?

Desata um vôo, meu anjo!

Não tardes, meu anjo! Vem!

Vem! Ao menos um momento

Quero ver-te, irmã querida:

Embora, depois de ver-te,

Fique cego toda a vida.

Mas não vens? Deus te não deixa

Vir ao mundo, meu amor?

Só devo encontrar no pranto

Lenitivo à minha dor?

Ah! minh’alma desfalece...

E o coração, que apressado

Com tanta força batia,

Mal palpita... está cansado.

Muda, sem termos, nem vozes

Me vai ralando a agonia:

A tempestade de angústias,

Mudou-se em melancolia.

Que é isto?! Como tão negro

Ficou-me todo o horizonte!

Que suor me banha o rosto!

Que peso sinto na fronte!

Ah! meu Deus! graças! aos olhos

O pranto sinto chegar;

Se a boca não fala, ao menos

Os olhos podem chorar.

Nós temos duas saudades;

Uma de sangue ensopada

Pela mão do desespero

No seio d’alma plantada;

Outra da melancolia

Toma o gesto, e veste a cor,

Exangue, pálida e fria,

Mas calada em sua dor.

Parece que a natureza

Quis provar esta verdade,

Quando diversa da roxa

Te criou, branca saudade.

 

FRANCISCO MUNIZ BARRETO

I

Dizer não posso o que és, o que é teu canto,

        Que o diga o Sol da Pátria

Nos céus aos astros, quando, derramando

        A luz que neles bebe,

Os astros vê nadando em novos lumes!

        Que o diga a Primavera

        Nos prados e nos montes,

        Nos jardins, nas searas

Descuidada deixando cair flores,

E aparando teus versos no regaço.

       Que o diga em noite estiva,

       A Lua melancólica,

Pálida — imóvel — a chorar ternuras,

       Ouvindo-te saudosa — enamorada

       Uma canção de amores.

Que o digam essas brisas tão suaves

Que ao viajor cansado, em nossos bosques,

Refrigeram, deleitam, enfeitiçam,

Trazendo-lhe o aroma que desprendem

As flores bafejadas por teu estro.

Que o digam a escutar-te, quando altíssono

        Nos narras inspirado

Dos livres os triunfos, glória, e brios,

        A liberdade rindo,

E o terror a tremer nas faces frias

       Dos pálidos tiranos.

       

                      Que o diga amor, e escreva

        Nos troféus que levanta,

        Quando, tangendo as cordas

        Da lira de diamantes,

Rendidos corações arrastas presos

Nos grilhões de teu canto até seu sólio.

Diga a mulher enfim, — não a que nutre

Nos olhares ardentes de volúpia

A chama impura das paixões nocivas;

Divindade fatal, de cujos templos

A razão a fugir ao crime entrega

As aras e o turíbulo; — mas a virgem,

A virgem, que descer dos céus à terra

Por escada de flores viu o homem

No lindo sonho do dormir primeiro:

O anjo que no exílio acompanhava

O primeiro proscrito, e no pão negro,

Que lhe dera o pecado, transformou-lhe

C’um beijo em mel de rosa o fel das lágrimas:

A estrela, que, depois de conduzir-nos

        Por mares de delícias,

Onde afogados de prazer morremos,

       A vida nos restaura,

E de luz divinal num raio amigo

Nos embebe no seio o amor paterno.

Sim, que o diga a mulher, mas a perfeita,

A completa mulher por Deus formada,

Norma daquele cofre que devera

Arca de salvação, guardá-lo um dia,

E cuja cópia transladaste em verso!

II

Eu não posso dizer o que é teu canto,

         Nem cantar-te louvores,

Se chama etérea me acendesse o estro...

Se no meu coração vingasse ao menos

           Uma flor de poesia...

Porém não vinga a flor sobre o rochedo,

Não medra a chama, nem se nutre o raio,

Nas cortadoras úmidas montanhas

           De aglomerados gelos.

III

            Gratidão e amizade,

Que dentro em mim se batem neste empenho,

Podem muito, Moniz, porém não podem

De um trovista, qual eu, fazer poeta,

Poetar como tu, para cantar-te!

Seja, pois, fraco e fido testemunho

           De quanto por ti sinto

Este desejo que te envio.

IV

                                                  Amigo,

Do riso e da aflição me acarinhaste

Do estéril pensamento os pecos frutos;

Zeloso Mestre, as trovas me lavaste

No límpido Jordão da clara mente;

Amigo e Mestre, deixa que te chame!

— Amigo, — porque o és — minha alma o sabe;

— Mestre, — porque me pede o entusiasmo

Dizer-te como tal; porque preciso,

Um nada como sou, do mundo às portas,

Com o mérito teu cobrir meu nome.

 

À BAHIA

I

Se o trovador, que outrora,

Como filho querido, nos teus braços

           Amorosa apertaste,

De ti merece ainda uma lembrança,

Pátria, querida pátria da minha alma,

Terreno abençoado onde, aos milhares,

Prantos que derramei brotaram risos,

Recebe neste canto um revérbero

           Das chamas da amizade

Eterna que por ti arde em meu peito.

II

Ao lindo sol da glória, que teus campos

          Liberal fertiliza,

Minha primeira luz não deve os raios,

          Nem teus jardins me deram

Flores com que adornasse o pobre berço;

Lá das campinas tuas não medimos

Nem eu, nem sócios meus, brincando alegres

           Velocidade e forças

Na carreira e nas lutas esforçados:

           As mal pronunciadas

Preces minhas sumir-se no infinito

Não foram do teu céu, quando cansada

A Tarde no Ocidente despe a púrpura

Que o Nascente lhe deu, chamando-a — Aurora;

Nessa hora, em que a brisa da saudade

Suspiro da saudosa Natureza,

Com brando movimento agita as folhas

Extremas do arvoredo, os passarinhos

Volvem aos ninhos apressados vôos,

E dúbia luz, com trevas misturada,

Pouco a pouco se esvai entre as cinzentas

Montanhas vaporosas; nessa hora,

Em que todo o universo, extasiado

          Num culto involuntário,

Parece ver passar o Anjo do Tempo,

Que vai, guarda da terra, a Deus dar conta

Dos trabalhos diurnos; nessa hora,

Em que a melancolia afaga os peitos,

Em que a alma se contrai ouvindo a queda

           Do pó que mede a vida,

E, transido de mágoa, o campanário

Deixa cair as lágrimas metálicas

           No sepulcro do dia.

Amei onde nasci. Essa esperança

Tão doce e feiticeira

Que na idade viril desponta n’alma;

Essa idéia de fogo, onde releva

A mão da fantasia imagem de anjo

           Que nos seduz e arrasta,

Tive-a no meu torrão. O mesmo astro

Que no berço me viu, viu meus amores.

O ameno Mon-Serrate, a fresca Barra,

O místico Bonfim não asilaram

Meus primeiros segredos de ternura;

Essa história de enleios toda guardam

Amigas margens do meu pátrio Rio,

Que até no curso rápido desenha

           A rapidez das ditas,

Do gozo, do prazer que tive nela.

            O nascimento, a infância,

            Os primeiros amores,

Não, não te devo a ti, terra querida;

            Mas a dívida imensa

Deste amor desvelado que me deste,

Sem temor de baixeza, me consente

Chamar-te — minha pátria.

III

Quando, pela desgraça arremessado

No solo teu, sem nome, pobre enfermo,

Quase a esmolar um pão, busquei teus filhos,

Ilesos do desprezo que aos felizes

           A desgraça sugere,

           Irmãos, não só amigos,

Pais, não só protetores me abraçaram;

           As portas da ciência,

Que a chave da indigência me fechara,

           Tuas mãos generosas

Abriram francas a meu livre ingresso;

E a vida almejavas ver-me o termo

         Da difícil viagem,

Enxugar-me na frente iluminada

          O suor da fadiga,

          E a coroa de espinhos

Que a sorte me cingiu tornar de louros.

IV

O Berço do nascimento,

Ou em palácio opulento

Trajando a gala real,

Ou cama de palhas feita

Onde a escrava o filho deita

Enrolado no sendal;

O Céu que a primeira prece,

De tarde ou quando amanhece,

A criança ouvia rezar,

Quer puro, e ledo sorrindo,

Quer furioso bramindo,

Fuzilando a trovejar;

O lugar onde  primeiro

O coração todo inteiro,

Amor dizendo, se abriu;

Prado florente e risonho,

Ou vale escuro e medonho,

Que sangue humano tingiu;

A pátria, enfim, tem encantos,

Tão sedutores e tantos,

Que não se pode vencer!

É uma visão divina,

Que a vida nos ilumina,

E nos segue até morrer;

Mas também o porto amigo

Onde nos braços consigo

A amizade nos levou,

E d’alma, toda chagada,

As feridas consternada

Uma por uma curou;

Onde destras apertamos

Em que pasmados achamos

O calor só natural

A chama que o céu ateia,

Quando veia, sobre veia

Sente sangue paternal;

Essa terra benfazeja,

Inda que pátria não seja,

             Igual atrativo tem;

             E o estranho protegido

             Pode, sendo agradecido,

             Chamá-la pátria também.

Lisonja, adulação, alcunhe embora,

O vulgo o puro amor que te consagro,

            O culto que te rendo;

Recebeste o meu pranto no teu seio,

Da fortuna enjeitado perfilhaste-me,

Pátria, teu filho sou, e assim te adoro.

 

À MORTE DE JUNQUEIRA FREIRE

Do retiro claustral cisne sagrado

          O vôo desprendeu!

Enchendo os ares pátrios de harmonias

          Cantou, depois morreu!

Mistério! — Ave criada entre os altares,

           Acaso a turba impura

Do mundo com seu bafo envenenado

            Abriu-te a sepultura?!

Punindo-te o desprezo de seus lares

          O Anjo de Sião

Por ordem do Senhor tão presto deu-te

          A morte, em punição?!

Preso o espírito, acaso, nas cadeias

          Do voto eterno e forte

Teve, na luta acerba espedaçando-as,

          Por liberdade a morte?!

Mistério! — Respeitemos nesta campa

           Decretos divinais!

Sobre as cinzas do morto ao vivo toca

           O pranto e nada mais!

Rei que fora! — Era um servo que devia

           A vida ao Senhor seu!

Seu Senhor o chamou, a voz ouviu-lhe

           E pronto obedeceu!

Duvidais do que digo? — Erguei a campa...

           Esse corpo o que é?!

E negareis ainda que era um servo?!

           Aí tendes a libré!

Viveu como poeta, de poeta

           Deixou o canto e a fama.

Inda no crânio morto tem — bem vedes —

          Do louro verde a rama!

Leste-lhe a poesia? Eram arquejos

           D’um coração aflito!

De uma alma que ensaiava na matéria

           Os vôos do infinito!

Voou!... Cisne de luz, adeja livre

Mau grado a humanidade!

Os hinos dos arcanjos são seus hinos

Seu mundo — a eternidade!

 

AMOR-PERFEITO

Secou-se a rosa... era rosa;

Flor tão fraca e melindrosa,

Muito não pôde durar.

Exposta a tantos calores,

Embora fossem de amores,

Cedo devia secar.

Porém tu, amor-perfeito,

Tu, nascido, tu afeito

Aos incêndios que amor tem,

Tu que abrasas, tu que inflamas,

Tu que vegetas nas chamas,

Por que secaste também?!

Ah! bem sei. De acesas fráguas

As chamas são tuas águas,

O fogo é água de amor.

Como as rosas se murcharam,

Porque as águas lhes falharam,

Sem fogo murchaste, flor.

É assim, que bem florente

Eras, quando o fogo ardente

De uns olhos que raios são,

Em breve, mas doce prazo,

Te orvalhou naquele vaso

Que, já foi meu coração.

Secaste, porque esse pranto

Que chorei, que choro há tanto,

De todo o fogo apagou.

Triste, sem fogo, sem frágua

Secaste, como sem água,

A triste rosa secou.

Que olhos foram aqueles!

Quando eu mais fiava deles

Meu presente e meu porvir,

Faziam cruéis ensaios

Para matar-me. Eram raios,

Tinham por fim destruir.

Destruíram-me: contudo

Perdôo o pesar agudo,

Perdôo a pungente dor

Que sofri nos meus tormentos,

Pelos felizes momentos

Que me deram nesta flor.

Ai! querido amor-perfeito!

Como vivi satisfeito,

Quando te vi florescer!

Ai! não houve criatura

No prazer e na ventura

Que me pudesse exceder.

Ai! seca flor, de bom grado,

Se tanto pedisse o fado,

Quisera sacrificar

Liberdade e pensamento,

Sangue, vida, movimento,

Luz, olfato, sons e ar.

Só para ver-te florente,

Como quando o fogo ardente,

De uns olhos que raios são,

Em breve, mas doce prazo,

Te orvalhou naquele vaso

Que já foi meu coração.

 

DOUS IMPOSSÍVEIS

Jamais! quando a razão e o sentimento

Disputam-se o domínio da vontade,

Se uma nobre altivez nos alimenta

Não se perde de todo a liberdade.

A luta é forte: o coração sucumbe

Quase nas ânsias do lutar terrível;

A paixão o devora quase inteiro,

Devorá-lo de todo é impossível!

Jamais! a chama crepitante lastra,

Em curso impetuoso se propaga,

Lancem-lhe embora prantos sobre prantos,

É inútil, que o fogo não se apaga.

Mas chega um ponto em que lhe acena o ímpeto

Em que não queima já, mas martiriza,

Em que tristeza branda e não loucura

À razão se sujeita e harmoniza.

É nesse ponto de indizível tempo

Onde, por misterioso encantamento,

O sentir a razão vencer não pode,

Nem a razão vencer ao sentimento.

No fundo de noss’alma um espetáculo

Se levanta de triste majestade,

Se de um lado a razão seu facho acende

De outro os lírios seus planta a saudade.

Melancólica paz domina o sítio,

Só da razão o facho bruxoleia

Quando por entre os lírios da saudade

Do zelo semimorto a serpe ondeia!

Dous limites então na atividade

Conhece o ser pensante, o ser sensível:

Um impossível — a razão escreve,

Escreve o sentimento outro impossível!

Amei-te! os meus extremos compensaste

Com tanta ingratidão, tanta dureza,

Que assim como adorar-te foi loucura,

Mais extremos te dar fora baixeza.

Minh’alma nos seus brios ofendida

De pronto a seus extremos pôs remate,

Que mesmo apaixonada uma alma nobre

Desespera-se, morre, não se abate.

Pode queixar-se inteira a felicidade

De teu olhar de fogo inextinguível,

Acabar minha crença, meu futuro,

Aviltar-me! jamais! É impossível!

Mas a razão, que salva da baixeza

O coração depois de idolatrar-te,

Me anima a abandonar-te, a não querer-te,

Mas a esquecer-te, não, sempre hei de amar-te!

Porém amar-te desse amor latente,

Raio de luz celeste e sempre puro

Que tem no seu passado o seu presente,

E tem no seu presente o seu futuro.

Tão livre, tão despido de interesse,

Que para nunca abandonar seu posto,

Para nunca esquecer-te, nem precisa

Beber, te vendo, vida no teu rosto.

Que, desprezando altivo quantas graças

No teu semblante, no teu porte via,

Adora respeitoso aquela imagem

Que deles copiou na fantasia.

 

NÃO POSSO MAIS!

Não sei se é vida, porém sei que a morte

Terá de certo menos amargor;

Só sei que a morte tem uma agonia,

E não sei quantas tenho nesta dor!

Os olhos fecha quem a vida perde,

O bem perdido jamais pode ver;

Eu, morto n’alma, fitos os olhos tenho

No bem querido, que não posso ter.

Embora firam desgraçada vítima

Ervados gumes de cruéis punhais,

As dores cessam mal que chega a morte,

Sangue as feridas lhe não vertem mais.

Desta ferida nada o sangue estanca...

A dor recresce mais, e mais pungente;

Morta minha alma para os gozos todos,

Só vê que vive pela dor que se sente.

O céu perdoe a quem assim compensa

Os sacrifícios deste coração;

Porém a mágoa me desvaira a mente:  

Se não há crime, como haver perdão?

A fronte curva, delinqüente altivo,

A fronte curva, não és mais que um réu;

Teu bafo impuro, que o pecado alenta,

Acende o raio que te arroja o céu.

Perdão!... mas seja para mim somente,

Nesse olhar terno que o perdão exprime;

Perdão te peço, Querubim celeste;

pune o culpado, mas perdoa o crime.

Rola de bosque, da inocência ao ninho

Eu cego o verme da paixão levei-te;

Anjo risonho, sobre a fronte lisa

A ruga acerba do cismar tracei-te!

Turvei-te a face, nebulei-te os olhos,

Cobri de espinhos o teu santo leito,

E da tristeza, que a minh’alma encobre,

Parte dos goivos te lancei no peito!

Mas Deus puniu-me...! Da sentença austera

Tu escrevias a primeira parte,

Quando a meus rogos de extremoso amante

Só respondias — eu não posso amar-te!

Mas não bastava: — ao martírio imenso

Dobrar devias a cruel tristura;

Num sim de amores que me deste um dia,

Um céu me abriste de falaz ventura.

Mas presto nuvens o horizonte toldam,

De todo nelas a visão se esvai,

E o cego doudo, que fitava os anjos,

De novo em trevas envolvido cai.

Não ter-te, fora já penar bastante;

Perder-te, extremo de cruel penar!

Pensei que a pena se acabava nisto,

Mas inda tinha mais que suportar!...

Desprezo em troca de meu culto; às ânsias

De minha angústia riso mofador,

De ti, daquele a quem me sacrificas,

Para mostrar-lhe todo o teu amor.

Que a fronte calques, que por ti velando

Consome dias, noites sem cessar;

Que a fronte calques, que desdenha o mundo

E varre a terra p’ra teus pés beijar...

É dura afronta, mas com essa afronta

Eu não me avilto, nem me desabono:

É nobre o solo que as rainhas pisam,

Chama-se solo convertido em trono;

Porém que aplaudas, que consintas outro,

Também calcar-me escarnecer de mim...

Eu não me lembro que fizesse um crime,

Que merecesse ser punido assim!...

Estrela d’Alva de divina aurora,

Deixa-me em trevas, é destino meu!

Deus te dirige neste mundo os raios,

Tu não governas o clarão que é teu.

Não quero o riso desbotado e morno

De complacente, caridoso amor;

De amor a planta quem a prova incauto

Morre do fruto, se não goza a flor.

Deus de teus braços me recusa a dita,

Mudo a sentença sofrerei — sou réu;

Banhei meus lábios nos paúis do crime,

Beijar não posso Querubins do céu!

Mas não mereço do escárnio o riso

Mas não sou digno de desprezos tais;

Se me não podes destruir a pena,

Muda o tormento, que não posso mais!...   

 

AS DUAS REDENÇÕES

Ao batismo e liberdade de uma menina

Inda uma vez tanjamos

A lira, e mais um hino

Consinta-me o destino

Erguer nos cantos meus;

Que vá, de sons profanos

Despido e desquitado

Em vôo arrebatado,

Voando aos pés de Deus.

Da liberdade a estrela

No berço da inocência

Derrama a providência

De duas redenções;

Mostrando um’alma limpa

Do crime primitivo

No corpo de um cativo

Que quebra os seus grilhões.

Que assunto mais merece

Um hino de poesia?

Que dia tem mais dia?

Que feito tem mais Luz?

Do cativeiro um anjo

Quebrando infames laços,

À cruz estende os braços

E os braços lhe abre a cruz.

Perfilha Deus o anjo

Na filiação da graça,

E o ser que o crime embaça

Puniu a redenção!

E o homem, dissipando

Do berço insano agravo,

Em menos um escravo

Abraça um novo irmão!

Que foras, inocente,

Que foras, nesta vida,

Da escravidão perdida

No bárbaro bazar!?

Pobre rola ferida

Da infâmia pelo espinho,

Em que ramo, em que ninho

Te havias de aninhar?

Infante, sem afagos,

Temendo-te altiveza,

Querendo-te a vileza

Plantar no coração,

Dariam-te nos gestos,

Nas vestes, no aposento,

Na mesa, no alimento,

Somente — escravidão!

Donzela (oh! sacrilégio!)

Amor, qual flor sem viço,

Mil vezes é serviço

Que fero senhor quer!

É dor que o fel requinta,

Que a ímpia sorte agrava

Daquela que é escrava

Depois de ser mulher!

Se mãe (é mãe escrava!)

Quem sabe se verias

Teu filho mãos ímpias

Do seio te arrancar?

E surdos ao teu pranto

Mandarem-te com calma

Do seio da tua alma

A outro alimentar?!

Criança mas sem veres

Da infância as verdes cores,

Donzela sem amores,

Talvez alam sem Deus!

Não foras arrastada

Da vida pelos trilhos,

Nem tu, e nem teus filhos

Seriam filhos teus.

Ó vós que hoje lhe destes

O dom da liberdade,

Que junto à divindade

Matais a escravidão,

Ao trovador propícios

De ação tão excelente

Em culto reverente...

Guardai esta canção.

Eu sei que haveis guardá-la,

Que em tão santa amizade

Não vem a variedade

Deitar veneno atroz.

Sou vosso desde a infância:

Da vida até o fim

Sereis tanto por mim

Como serei por vós!

 

AO SR. JOÃO ANTÔNIO DA TRINDADE

Ora de rosas, ora de ciprestes,

As horas da existência coroadas

Voam nas asas do volúvel tempo

Lentas algumas, outras apressadas.

Mas na marcha que levam sinais deixam

De uma vida constante ou transitória:

Umas do esquecimento engole o pego

Outras medram no campo da memória.

Aí frondosas árvores florentes

Os mausoléus que a dor tem levantado

São os frutos que colhe uma alma atenta

Quando vaga nos mundos do passado.

Daí vem que o espírito, voando

Do passado na vasta imensidade,

Ergue às vezes um hino de alegria,

Às vezes chora um pranto de saudade!

Bem-vinda sejas, hora sacrossanta

Das raras festivais — bem-vinda sejas!

Oh! nunca a nuvem negra do desgosto

Ofusque a luz divina que dardejas!

Anos oitenta e dous há, que do mundo

Viu feliz a primeira claridade

Um ente, em quem prudência, brio e honra

Se juntaram, formando uma — TRINDADE!

Despido de brasões, nobre na essência,

De elevado sentir, modesto e puro,

Fazendo do trabalho o seu destino,

Arrancou de si mesmo o seu futuro!

Disse — sou homem! — trabalhou, e fez-se...

Se achou tropeços, fez em mil pedaços:

E sentindo-se, enfim, robustecido,

Piedoso ao aflito estende os braços.

Se as coroas não têm desses pequenos

Que a fama como grandes apregoa,

As virtudes que brilham-te na fronte

Decerto que lhe dão melhor coroa!

É grinalda do céu, de viço eterno,

Onde refulgem, qual celeste orvalho,

Os prantos do indigente agradecido,

As gotas do suor de seu trabalho!

Sus, vivente feliz, bendiz teu fado,

Que o céu a teu favor se pronuncia;

Para bem penetrar-te esta verdade,

Contempla um pouco o quadro deste dia!

Como prêmio, já na vida,

Do teu honesto labor,

Deu-te Deus na terra um Anjo

Que te enxugasse o suor!

Um Anjo de caridade,

De candura e singeleza;

Um Anjo, enfim, adornado

Com os dotes de — TERESA!

Por anos tão numerosos

O Senhor tem conservado

O Anjo sempre contigo,

Tu sempre ao Anjo ligado!

Na tempestade e bonança

Sempre o par se conservou

Unido, como dous ramos

Que o mesmo tronco gerou!

Que nunca se perturbe a paz tranqüila

          Deste Par tão ditoso!

Que seja o Filho, qual tem sido sempre,

Uma cópia do pai; e imensos anos

          Se renove este dia

Que nos enche de glória e de alegria!

 

A SRA. D. TERESA MARIA CAETANA DA TRINDADE

Que importam anos? Uma flor existe

Que, quanto mais por ela o tempo corre

Mais seu aroma e seu verdor aumenta;

Com o tempo revive, nunca morre.

É a virtude, raio que no mundo

Do céu dardeja o sol da eternidade,

Em si bem como Deus o tempo encerra,

Anos não conta, nem aumenta a idade.

O homem que a contempla, embora viva

Séculos a contemplar-lhe a formosura,

Mais aroma lhe sente, e vê na forma

Mor garbo, mais beleza e mais doçura.

Não, as cãs da velhice não enfeiam

A fronte da matrona virtuosa;

Diadema de prata nela brilha,

Qual na da mocidade brilha a rosa.

Se a grinalda de rosas da donzela

É bela por dizer graça e meiguice,

Exprime mais solenes predicados

A coroa de prata da velhice.

Mostra uma virtude ainda nascente,

As galas, o trajar da juventude,

E a outra, coroa de triunfos,

Que já colheu dos anos a virtude.

 

SUSPIROS E SAUDADES

Depois de tantas perdas só restou-me

               Na soledade,

Em que deixou-me a dor, para consolo

               Roxa saudade.

Esta flor, tão estéril nos prazeres,

              Quando em retiro

Quase sempre do seio magoado

              Brota um suspiro.

Achava estes suspiros e saudades

               Encantadores,

Embora fossem flores da tristeza,

               Sempre eram flores.

Demais, quem tem das ditas deste mundo

              Chegado ao termo,

Quem traz de ingratidões e desenganos

              O peito enfermo;

Quem tem com a flor que às almas venturosas

               Do prazer fala?

Que ao ver-lhe o coração trajando luto

               Traja de gala?

A tristeza que tendes, minhas flores,

             É vosso encanto.

E como éreis formosas orvalhadas

             Pelo meu pranto!

Mas secastes também?! Faltou-vos água?

              Demais tivestes.

Fogo? Desde nascidas sempre em chamas

              De amor vivestes.

Secastes? Com razão, que destas flores

               Certo não é

Verdadeiro alimento, água nem fogo

               Faltando a fé.

Vivem com fogo e água, se dos prados

                Nascem no chão;

Mas não se flores d’alma dentro d’alma

                Nascendo vão.

Quando morta a f’licidade,

A fé expira também!

Saudades de que se nutrem?

Os suspiros que alvo têm?

Morta a fé, vai-se a esperança,

Como pois viver pudera

Saudade que não tem crença,

Saudade que desespera?

Onde as graças do passado,

Se altivo gênio sanhudo

O cepticismo nos brada,

Foi mentira, engano tudo?

Em nada creio do mundo:

Ludíbrio da desventura

A felicidade me acena,

Só de um ponto — a sepultura.

Morreram minhas saudades,

E meus suspiros calados

Dentro d’alma pouco a pouco

Vão morrendo sufocados.

 

OS DOUS BATIZADOS

O fogo santo que dá vida à vida,

              Chama-se amor;

Botão de rosa, que o pudor defende,

Quando dous corpos este fogo acende,

              Desabrocha em flor.

Chorando sangue a virgindade foge,

              E mais não vem:

Botão de rosa, no botão fechada,

Depois que a rosa foi desabrochada,

               Vida não tem.

Prossegue o fogo, e faz que a flor aberta

               Murchando vá;

Mas quase sempre generoso amor

Em recompensa da perdida flor

               Um fruto dá.

Desses frutos o mundo se povoa

               Em sua imensidade;

Formam eles o grupo da família,

Os reinos, as nações, a maravilha

               Chamada humanidade!

Feliz aquele que feliz recolhe

               O seu fruto de amor!

Que seguindo da lei divina o trilho,

Como filho de Deus vê no seu filho

               Um filho do Senhor!

Feliz o que cumprindo um dever santo

               Às santas aras vem,

Fazendo o mesmo que seus pais fizeram,

A Deus, como seus pais outrora o deram,

               Seu filho dar também!

Felizes vós portanto neste dia,

               Em que da culpa o véu

Rasgando aos olhos de dous novos crentes,

Fizestes de dous anjos inocentes

              Dous anjos para o céu!

Folgai, ó anjos, que o espaço é vosso,

              A cintilar!

Vede... a estrela da graça se levanta!...

Ganhastes asas nessa pia santa...

              Podeis voar!

Voar, meu Deus? Defende-os das torpezas

              Do mundo réu;

Pela bondade que teu seio encerra,

Dá que estes anjos sem roçar na terra

              Cheguem ao céu!

 

O DESALENTO

Ao meu amigo Leopoldo Luís da Cunha

Quando eu morrer, minha morte

Não lamentes, caro amigo,

Que o sepulcro é um jazigo

Onde eu devo descansar;

A minha triste existência

É tão pesada, é tão dura,

Que a pedra da sepultura

Já me não pode pesar.

Uma lágrima, um suspiro,

Eis quanto custa o morrer;

Custa-nos sempre o viver

Prantos, suspiros, sem fim!

Que tormento fora a vida,

Se não fosse transitória!?...

Não me risques da memória,

Porém não chores por mim.

Enchem trevas o sepulcro,

Mas ninguém delas se queixa;

Quando o morto os olhos fecha,

Não quer luz, quer sossegar;

Aquele fundo silêncio,

Aquele extremo abandono,

Dão-lhe tão profundo sono,

Que nem pode despertar.

Já tive medo da morte,

Agora tenho da vida;

Sinto minha alma abatida,

Sem vigor o coração;

Já cansado de viver,

Para a morte os olhos lanço;

Vejo nela o meu descanso,

A minha consolação.

 

À TERRA NATAL

Adeus!... Vou procurar talvez um túmulo

             Longe do teu regaço.

Nunca me foste mãe, mas sou teu filho,

             Concede-me um abraço!

Abençoa-me! — Parto; dá-me a bênção!

                Que ao filho desgraçado,

Mesmo o ser infeliz dá mais direitos

                A ser abençoado.

És rica, eu nada tenho; mas ao nada

               Me soube acostumar;

Dispenso os teus tesouros, mas a bênção

               Não posso dispensar.

Adoro-a, quero-a, sim; porque custou-me

                Aspérrimo desgosto,

Torturas inauditas, conservar-lhe

                Sem manchas este rosto.

Quero de filial doce ventura

              Encher meu coração,

Revendo nela, filho abençoado,

               A minha filiação.

Nunca me foste mãe pelos carinhos;

               Ao menos um sinal

Dá-me, dá-me de mãe, que sou teu filho,

               Na bênção maternal.

Adeus!... Perdoa se me queixo; as queixas

              Que exalo em minha dor

Ofender-te não devem, que são filhas

              De meu ardente amor.

Esses braços ao filho que se aparta

Estende por quem és,

Que o filho por teus braços abraçado

Abraçará teus pés!...

 

SAUDADES

Da saudade, bem amado,

Nesta ausência tão distante,

Cada vez mais encravado

O espinho penetrante,

O coração sossegado

Me não deixa um só instante.

Como do caos primitivo

Surgiu bela criação,

Do caos da minha tristeza

Da pátria surge a visão!

Tenho saudades dos montes,

Dos ares, dos horizontes

Que à pátria servem de véu;

Saudades dos meus palmares,

Saudades daqueles ares,

Saudades daquele céu!

É puro, mas com ser puro

Este céu me não convém;

Que tendo tantas estrelas

A minha estrela não tem!

Muitas vezes a procuro,

Mas debalde!... um ponto escuro

No seu lugar se fitou;

Conheço e vejo a verdade:

Foi a nuvem da saudade,

Que a minha estrela apagou.

Sim, meu bem, brilhou a estrela

Sem rival nos brilhos seus,

Enquanto a luz recebia

Do lume dos olhos teus;

Quando teus olhos ardentes,

Rutilando de contentes

Iam-se nela fitar.

Hoje que estão desmaiados

Por prantos continuados,

Com seus sóis quase apagados,

Como há de a estrela brilhar?

Cada dia que se passa

Neste desgosto cruel,

Tem novo quadro a desgraça,

Tem a ausência novo fel,

Mais compunge o peito ansiado

Esse espinho envenenado,

Que a saudade me cravou;

E a dor me tem convencido

Que do espinho introduzido

Novo espinho se gerou.

Eu o sinto, quando estreito

Nos meus transportes de dor,

Sobre os lábios, sobre o peito,

O meu talismã de amor;

O meu fiel companheiro

E talvez o derradeiro

Presente de amor, de ti,

Na hora da despedida

Em que tudo (exceto a vida

Para chorar-te) perdi!

Se d’alma a essência celeste

Pudesse ser transmitida,

O retrato que me deste

Não fora um corpo sem vida

Que, ao vê-lo, minh’alma ardente,

No transporte mais veemente,

Sente ao semblante subir,

E nos olhos condensada,

Em lágrimas transformada,

Sobre o retrato cair.

Aos tormentos que já sobram

Novos reúne a saudade;

Os seus negrumes redobram

As sombras da soledade.

Na mente a imagem se agita

Dessa ventura infinita

Que junto a ti desfrutei,

Em quadros tão sedutores,

Quais nunca dos meus amores,

Nem nos sonhos divisei.

O amor com que me abraças,

Então não posso dizer!

Da saudade sinto as asas

No coração me bater;

E contemplando os espaços

Que te roubam aos meus braços,

E que não posso transpor,

Perco a luz, e desmaiada

Cai-me a fronte atordoada

Pelos combates de amor!

Assim passo em tua ausência.

Eis qual é o meu viver!

Melhor que tal existência

Mil vezes fora morrer,

Se não tivesse a esperança

Que venturosa bonança

À tormenta porá fim;

Se não tivesse a certeza

Que me adoras com firmeza,

Que não te esqueces de mim.

 

EPÍSTOLA

AO MEU AMIGO F. DE PAULA BRITO

Se dessa nobre irmã, que as mais domina,

Que de gala e de pompa revestida

Majestosa nos ares se reclina:

De tudo quanto há belo enriquecida,

Coberta pelo azul de um céu brilhante,

De sempre verdes prados guarnecida;

Cujos pórticos guarda vigilante

De dia e noite imóvel sentinela,

Um disforme e grandíssimo gigante;

Que tão soberba em forma se revela,

Como amável no trato hospitaleiro

Com que abraça a quem vive à sombra dela;

Se desse pátrio ninho, onde primeiro

Vimos ambos a luz, inda é lembrado

Daquele solo o filho derradeiro;

Ou se em todas as mentes apagado,

Pelo buril eterno d’amizade

Seu nome inda na tua está lembrado;

Recebe nesta um culto de saudade,

De afeto, e desse afeto que termina

Onde encontra seu termo a eternidade;

Desse afeto do céu, que não fascina,

Sol brilhante nos dias de ventura,

Nas dores, da desgraça medicina;

No que te digo vai verdade pura;

As linhas que te escrevo, Brito, amigo,

São alívios à dor que me tortura!

Aqui, por mais que busque, não consigo

Ter por minha de tantas uma hora

Igual àquelas que passei contigo!

Tédio enfadonho tudo me descora;

Marca-me o tempo lentamente a vida,

Que aos outros entes rápido devora!

Parti... e, nessa hora da partida

(Não sei se foi meu corpo, se minh’alma),

Porém um fez do outro a despedida!

Dizem que com o tempo a dor se acalma;

Mas a amante, a quem tal bem sucede,

Ao verdadeiro amante ceda a palma.

Quando a vista ansiosa o espaço mede,

E a imagem divinal do bem perdido

Em vão à terra, ao mar e aos astros pede;

Quando, da perda infausta convencido,

Chega a crer que partiu, a crer n’ausência,

Que já não tem presente o bem querido;

Quando, cedendo à força da evidência,

Nem lhe resta uma nuvem de esperança

Para os olhos vendar da consciência;

Não é decerto um tempo de bonança!

Longe a certeza acorda a tempestade,

Que perto sobre a dúvida descansa!

E quanto mais conhece-se a verdade,

Mais funda, mais pungente e mais dorida,

Se vai abrindo a chaga da saudade!...

É esta aqui, meu Brito, a minha vida!

Nem exagera a pena meu tormento,

Em poéticas tintas embebida!

Tenho n’alma um cruel pressentimento

(Talvez não mui remota profecia

Que não posso apagar do pensamento!)

Espero cedo o meu extremo dia;

E a morte, da pátria tão distante,

É quadro que me abate de agonia!

A saudade tornou-me tolerante!

Que importa ser da pátria desprezado?

Serei sempre da pátria filho amante.

Se outrora, contra ela conspirado,

Os males que me fez lancei-lhe em rosto,

Hoje tudo lhe tenho perdoado.

Dos lances em que a sorte me tem posto

Esquecido, o desgosto de não vê-la

É dos desgostos meus maior desgosto!

Ah! que não fosse a hora de perdê-la,

A hora em que parti!... O sul formoso

É belo, benfazejo, é lar ditoso:

Mas eu tenho no Norte a minha estrela!

 

BANDO

Eia, Baianos, raiar

Vai na terra do Cruzeiro

Esse dia tão jucundo,

Que, apesar de ser segundo,

Há de sempre ser primeiro!

Não deixes despercebido

O rei dos dias passar,

Mostrai que não sois escravos,

Mostrai que o dia dos bravos

Inda sabeis festejar!

Se o misérrimo que sofre

Da escravidão os rigores,

Às vezes repete a história

Dos seus passados de glória

Nas senzalas dos senhores;

Nós livres, a quem escravos

Inda não pôde fazer

O furor do despotismo,

Nossos feitos de heroísmo

Não devemos esquecer.

Não devemos esquecer

Esse dia, a cuja luz

Os deus dos Americanos

Escreveu — morte aos tiranos —

Nos braços da Santa-Cruz.

Esse dia que provou

Com solene majestade

Ao vil tirano atrevido,

Quanto pode um povo unido,

Quando grita — liberdade —

Com as frontes coroadas

De louros vamos cantar

Hinos aos fortes soldados,

Que valentes, denodados,

Nos souberam libertar.

Todos os ódios se esqueçam,

Demo-nos todos as mãos,

E empenhemos nosso orgulho

Em festejar dous de julho,

Em um banquete d’irmãos!

Nem receeis que algum braço,

Que para nos esmagar

Ocultamente trabalha,

Da nossa mesa a toalha

Venha com sangue manchar.

Não, que tem a liberdade

Seus amores neste dia,

E, temendo as iras dela,

Se atormenta, se arrepela,

Mas não fala a tirania.

Comece pois o festim,

E nas galas sem rival

Entre as ledas comitivas,

Impelido pelos vivas

Rode o carro triunfal.

Saia à noite, que não há de

Cobri-lo da noite o véu;

Brandões hão de iluminá-lo,

De luzes hão de banhá-lo

Os candelabros do céu!

Nele do dia dos livres

Veja o formoso arrebol,

Essa cabocla engraçada

Que tem a face tostada

Dos beijos que deu-lhe o sol!

E quando voltar dirão

Com toda a gente os louvores,

O mar por canhões bradando,

Os ares vivas troando,

A terra brotando flores!

Seja então tudo prazer,

Tudo sonoras canções,

Tudo banquete de bravos,

Tudo remorsos de escravos

Que inda desejam grilhões!

Eia, Baianos, raiar

Vai na terra do Cruzeiro

Esse dia tão jucundo,

Que, apesar de ser segundo,

Há de sempre ser primeiro.

Não deixeis despercebido

O rei dos dias passar,

Mostrai que não sois escravos,

Mostrai que o dia dos bravos

Inda sabeis festejar.

 

AO DIA DOS FINADOS

Fragmento dos Túmulos

I

Um dia para os mortos, se é que o dia

             Nos túmulos penetra.

Entre tantos de riso um só de pranto

             Seja sagrado às lousas

Fechadas pela morte, e onde seu selo,

Segunda morte grava o esquecimento.

II

Terra de mortos, deixa que pisem

Os pés dos vivos, deixa; no teu reino

Pedaços d’alma dos que vivem dormem.

               Entre os círios funéreos

Arde também amor, geme a saudade.

Mãe extremosa, os restos seus recebes

Quando do mundo inteiro abandonados

Vêm no teu leito procurar descanso.

              O pai idolatrado

              A ti confia o órfão;

Entrega-te seu filho a mãe querida;

              Os irmãos, os amigos

Seus irmãos, seus amigos, te entregaram:

Um dia, ao menos, querem vê-los: — Cede,

              Pois tens tudo o que é seu.

III

               Um espírito único

Desgraçado daquele que só teve

Quando peregrinou por estes lares!

O triste foi um tronco sem raízes

Que aos impulsos da sorte foi tombando.

Té que por fim caiu na eternidade.

              Nem há na espécie humana

Infeliz tão bastardo da ventura,

Que tão ermo ficasse sobre a terra.

É uma planta só a humanidade:

Por mais extremo que lhe seja um ramo,

Pela seiva comum é sustentado,

E a cicatriz, que fica se o decotam,

Da vida que se foi narrando a perda,

Da vida que ficou narra a saudade...

IV

Terra de mortos, deixa que dos vivos

As almas se dilatem; frias cinzas

Animar-se não podem; mas são elas

Quinas dos edifícios abatidos

Que o espírito só a Deus conhecem.

Deixai-os divagar nessas ruínas,

Que são domínios seus. — A terna ave,

A quem a companheira arrebataram,

Deixa, ao menos, voar em torno ao ninho.

V

Podeis entrar, fiéis. — Que o pó do mundo

Vos não venha nos pés. — Quando é da vida,

Tudo estranho é aqui; a gala é óbito;

O banquete são preces: Deus reparte

O pão espiritual que o sacerdote

               Prepara nos altares;

São convivas os mortos, que recebem

               Também com ele

O sangue sacrossanto, que enfraquece

Da punição o fogo. — Frágeis lágrimas,

Ah! do mundo não são, tanto que o mundo

               Não as quer nem conhece.

VI

Entremos... Mas... O nível dos sepulcros

Não vejo aqui!!... Marmóreos monumentos

Aqui, ali se erguem distinguindo

O pó do pó que a morte confundira.

Ilusão pueril! É cinzas tudo!

Só diverge a morada no aspecto:

                Os donos são iguais.

 

ÚLTIMO CANTO DO CISNE

Quando eu morrer, não chorem minha morte,

Entreguem meu corpo à sepultura;

Pobre, sem pompas, sejam-lhe a mortalha

Os andrajos que deu-me a desventura.

Não mintam ao sepulcro apresentando

Um rico funeral d’aspecto nobre:

Como agora a zombar me dizem vivo,

Digam-me também morto — aí vai um pobre!

De amigos hipócritas não quero

Públicas provas de afeição fingida;

Deixem-me morto só, como deixaram-me

Lutar contra a má sorte toda a vida.

Outros prantos não quero, que não sejam

Esse pranto de fel amargurado

De minha companheira de infortúnios,

Que me adora apesar de desgraçado.

O pranto, açucena de minh’alma,

Do coração sincero, d’alma sã,

De um anjo que também sente meus males,

De uma virgem que adoro como irmã.

Tenho um jovem amigo, também quero

Que junte em minha Essa os prantos seus

Aos de um pobre ancião que perfilhou-me

Quando a filha entregou-me aos pés de Deus

Dos meus todos eu sei que terei preces,

Saudades, lágrimas também;

Que não tenho a lembrança de ofendê-los

E sei quanta amizade eles me têm.

E tranqüilo, meu Deus, a vós me entrego,

Pecador de mil culpas carregado:

Mas os prantos dos meus perdão vos pedem,

E o muito que também tenho chorado.

 

HINO

Cantado pelos alunos do Instituto dos Cegos

por ocasião da distribuição dos prêmios

em 1863

 

SAUDAÇÃO

1º CANTO

CORO

Glória aos anjos que firmando

Deste império a monarquia,

Contra as iras da anarquia,

Do seu trono a glória são.

São duas virgens formosas,

Cujos sublimes destinos

Nos rostos, quase divinos

Bem retratados estão.

Inda que cegos nem vê-las

Por um momento possamos,

É assim que as desenhamos

Em nossa imaginação.

Firmes e ledas na vida

Caminham da glória ao templo,

Guiadas pelo exemplo

Que os pais augustos lhes dão.

O perfume da inocência

Que das flores d’alma exalam

Quando riem, quando falam,

Avassala o coração.

Quem as ouve, embora a mente

Ao trono se não remonte,

Curva os joelhos e a fronte,

Para beijar-lhes a mão.

E nós, cegos infelizes,

Quando a destra lhes beijamos,

Dentro d’alma sufocamos

Um pranto de gratidão.

 

SÚPLICA

2º CANTO

Tu, Ser no qual dos seres

Somente o ser consiste!

Que És ser de quanto existe

Se nutre e reproduz;

Se para a luz nascemos,

Depois da luz criados,

Eis-nos aqui prostrados!

A luz, Senhor! A luz!

A luz, dádiva imensa,

Bela, sublime, santa,

Que deste à terra, à planta,

Ao bruto, aos bons, aos maus!

As nossas mãos tateiam

Abismo negro e fundo;

Aos outros deste o mundo,

A nós somente o caos!

Mas Tu És Ser dos seres

Em que o ser consiste!!

És Ser de quanto existe,

Se nutre e reproduz;

Se para a luz nascemos,

Depois da luz criados,

Eis-nos aqui prostrados!

A luz, Senhor! A luz!

 

VISÃO

3º CANTO

Silêncio! As trevas desbotam

Seu carregado negror;

Vai pouco a pouco surgindo

Matutino resplendor.

Por entre nuvens de púrpura

Assoma visão celeste,

Real aspecto mostrando

No ar, na forma e na veste.

Cinge um manto, um cetro empunha,

que um dragão tem por emblema;

Vinte estrelas-sóis flamejam

No circ’lo do seu diadema.

Na destra suspende um mundo:

Mais vigoroso que Atlante,

Firme os pés, apóia o cetro

Sobre o dorso de um gigante.

A claridade que o cerca

É seu olhar que a produz;

Não vê somente, dá vista;

Não tem só, difunde a luz.

Dessa luz iluminados,

Com pasmo e prazer profundo,

No vulto reconhecemos

Nosso pai — Pedro Segundo

 

ALEGRIA E AGRADECIMENTO

4º CANTO

Do corpo os olhos mortos,

Senhor, temos em vida;

Porém na desabrida

Mágoa do mal atroz,

Celeste medicina

A nossa dor acalma;

Propícia aos olhos d’alma

A luz nos vem de vós.

A luz da inteligência,

Crescente pelo estudo,

Na claridade, em tudo

Que a outra vale mais.

A luz externa a tudo

Concede a providência;

A luz da inteligência

Só toca aos racionais;

E esta vos devemos.

O cego desvalido

Por vós hoje instruído

Calcula, escreve e lê,

Se em trevas tropeçando

Só tem no mundo escolhos,

Aos céus levanta os olhos,

E vê o que alma vê.

Monarca no poder,

Monarca na bondade,

Na dupla majestade

Com que sois rei, senhor,

Se tendes quem beijar-vos

A mão de rei deseje,

Mais tendes quem vos beije

A mão de benfeitor.

E quanto as obras vossas

Por Deus são estimadas,

Na esposa e prole amadas

Mais que patente está;

Nas ditas, na ventura

Que tendes no seu grêmio,

Dos bens que dais, em prêmio

Na terra, o céu vos dá.

Deste reinado a história

De glória e f’licidade,

Para adorar-vos há de

O mundo inteiro ler.

Hão de escrevê-la sábios

De méritos subidos,

Mas hão de os desvalidos

A mor parte escrever.

Então, também louvando

Voss’alma benfazeja,

Um cego que mais veja,

Dos muitos que aqui estão

(Talvez em prosa altiva,

Ou sublimado metro),

Dirá que o vosso cetro

Dos cegos foi bordão. 

 

SONETOS

 

LEANDRO E HERO

SONETO I

               Hei de, mártir de amor, morrer te amando.

O facho do Helesponto apaga o dia,

Sem que aos olhos de Hero o sono traga,

Que dentro de sua alma não se apaga

O fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,

Que abrandado por ela, a prece afaga,

E traz-lhe o morto amante numa vaga,

(Talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —

“Leandro!... és morto?!... Que destino infando

“Te conduz aos meus braços desta sorte?!!

“Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando

Assim termina já sorvendo a morte)

“Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”

 

A UMA INCONSTANTE

SONETO II

                    É carpir, delirar, morrer por ela!

                                                                BOCAGE

De uma ingrata em troféu despedaçado

Meu coração devora amor cruento,

Trocando em fero e bárbaro tormento

Quantos prazeres concedeu-me o fado.

No seio d’alma, já dilacerado,

Negras fúrias do báratro apascento!

Filtra-me o delirante pensamento

De zelos negro fel envenenado.

Desprezo, ingratidão, fria esquivança

Da cruel por quem morro, em tal procela

Apagaram-me a estrela da esperança.

E eu (ao confessá-lo a dor me gela)

Humilhado a seus pés, minha vingança

É carpir, delirar, morrer por ela.


A UM INFELIZ

SONETO III

Geme, geme, mortal infortunado,

É fado teu gemer continuamente:

Perante as leis do Fado és delinqüente,

Sempre tirano algoz terás no Fado.

Mas para não ser mais envenenado

O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,

Não te iluda o falaz riso aparente

De um futuro de rosas coroado.

Só males o presente te afiança:

Encrustado de vermes charco imundo

Se te volve o passado na lembrança.

Busca, pois, o da morte ermo profundo:

Despedaça a grinalda da esperança:

Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.

 

A UMA SENHORA

SONETO IV

Dos meus lares, dos meus que choro ausente,

Me vieste acordar saudade ímpia,

Tu, amada do Anjo d’Harmonia,

Que te fazes ouvir tão docemente.

Do piano o teclado obediente

Ao teu tocar encheu-se de magia,

E lá dos mortos na soidão sombria

Operou-se um milagre de repente.

A morte sobre a fouce, entristecida,

Amarguradas lágrimas verteu,

Talvez do fero ofício arrependida!

Bellini do sepulcro a pedra ergueu;

E, cheio de alegria desmedida,

C’um sorriso de glória um — bravo — deu.

 

À SRA. MARIETA LANDA

Por ocasião de cantar no teatro de S. João
da cidade da Bahia

SONETO V

Disseste a nota amena d’alegria,

E, arrebatado então nesse momento

De um doce, divinal contentamento,

Eu senti que minh’alma aos céus subia.

Disseste a nota da melancolia,

Negra nuvem toldou-me o pensamento;

Senti que agudo espinho virulento

Do coração as fibras me rompia.

És anjo ou nume, tu que desta sorte

Trazes o peito humano arrebatado

Em sucessivo e rápido transporte?!

Anjo ou nume não és; mas, se te é dado

No canto dar a vida, ou dar a morte,

Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.  

 

À MESMA SENHORA

SONETO VI

Tão doce como o som da doce avena

Modulada na clave da saudade;

Como a brisa a voar na soledade,

Branda, singela, límpida e serena;

Ora em notas de gozo, ora de pena,

Já cheia de solene majestade,

Já lânguida exprimindo piedade,

Sempre essa voz é bela, sempre amena.

Mulher, do canto teu no dom supremo

A dádiva descubro mais subida

Que de um Deus pode dar o amor paterno.

E minh’alma, num êxtase embebida,

Aos teus lábios deseja um canto eterno,

E, só para gozá-lo, eterna a vida.

 

À MESMA SENHORA

SONETO VII

Alcíone, perdido o esposo amado,

Ao céu o esposo sem cessar pedia;

Porém as ternas preces surdo ouvia

O céu, de seus amores descuidado.

Em vão o pranto seu d’alma arrancado

Tenta a pedra minar da campa fria;

A morte de seu pranto escarnecia,

De seu cruel penar se ria o fado.

Mas ah! — não fora assim, se a voz tivera

Tão bela, tão gentil, tão doce e clara,

Daquela que hoje neste palco impera.

Se assim cantasse, o túmulo abalara

Do bem querido; e, branda a morte fera,

Vivo o extinto esposo lhe entregara.

 

O TEMPO

Deus pede estrita conta de meu tempo,

É forçoso do tempo já dar conta;

Mas, como dar sem tempo tanta conta,

Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo

Dado me foi bem tempo e não foi conta.

Não quis sobrando tempo fazer conta,

Quero hoje fazer conta e falta tempo.

Oh! vós que tendes tempo sem ter conta

Não gasteis esse tempo em passatempo:

Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, oh! se os que contam com seu tempo

Fizessem desse tempo alguma conta,

Não choravam como eu o não ter tempo.

Para do mundo dar completo cabo,

Lá do negro recinto o soberano

Meditava a forjar horrível plano

Coçando a grenha, sacudindo o rabo.

Merecedor enfim de imenso gabo,

Eis o que assim disse muito ufano:

Para a missão cumprir — digesto humano

Quero fazer — que nasça hoje um diabo.

E o 23 de maio nisso raia...

Teotônio nasceu, e a fama soa

Jamais ter visto infame dessa laia.

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,

Traja, qual bruxa velha, negra saia,

Como o rei dos bandalhos tem coroa.

Vendo da peste o bárbaro flagelo

Mil vidas a ceifar a cada instante,

D’África deixa o solo distante

E veio no Brasil curar Otelo.

O semblante imposto negro-amarelo

Cresta do orgulho a chama crepitante,

Traz cheia de vidrinhos o turbante,

E buído punhal por escalpelo.

Homeopata é, e o albergue puro

Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:

“Doutor, eu quero ter vosso futuro.”

— Bravo! grita o Martins enternecido;

Pelas cinzas de Hahnemann te juro

Que não hás de morrer desconhecido. 

 

SETENÁRIO POÉTICO

 

CANTO I

                               A Providência, a cujos decretos nada

                           resiste, e de que não é lícito murmurar.

                                   (Imp. Alexandre da Rússia)

Das soberbas muralhas, tetos d’ouro,

Dos palácios zombando, sem sussurro

Voa o anjo que volve o mundo ao nada!

Com a destra fatal lançando em terra

Tronos, cetros, diademas e tiaras.

Sopram seus lábios hórridos venenos,

Que as flores murcham da infeliz campina

Que o viu passar. A Nápoles seu vôo

Furioso endereça, as asas bate

Sobre o trono, e de luto cobre o sólio,

Na mísera cidade levantando

Monumento credor de pranto eterno!

E lá jaz para sempre, lá repousa

Uma fronte real que inda há bem pouco,

Gingindo áureo diadema, prometera

Idades d’ouro dos Bourbons ao povo.

Inesperado golpe, caso infausto,

Quantos bens nos roubaste no futuro!...

Oh! quantas esperanças destruíste...

Quanto pranto trouxeste!... triste sorte

Dos míseros humanos!... Ilusores,

Magníficos fantasmas da esperança...

Vida, que és tu?!... Caminho breve sempre

Do leito à sepultura! Flor que murcha

Quando mais odorosa nos parece.

E, além das ilusões, quimeras fúteis

De rápidos prazeres soçobrados

Em oceanos de angústias, que nos deixas?...

O que resta de ti?... Só a virtude!

Sim, que a virtude só zomba da morte.

E de pé sobre a laje do sepulcro

Do vivo para o morto um culto pede!

De lá, ó Isabel!, teu nome Augusto

De apoteoses mil cercado surge...

Ele as funéreas trevas aguardava,

Para brilhar no céu, como rutilam

Nos céus os astros, quando a noite arroja

Seu manto opaco e negro sobre a terra.

Junto às portas do céu arremessaste

A túnica de carne, que trajavas

Da milícia da vida nos combates,

Como junto ao portal do alvergue amigo

Arremessa o guerreiro fatigado

As pesadas, inúteis armaduras,

Para gozar tranqüilo e sossegado

Sono de paz em leito abençoado

Por destra paternal. A Glória é tua!

Bem conhece a razão esta verdade;

Mas zomba da razão da mágoa a força;

E, apesar da razão, medra a saudade!...

Quanto mais bela te divisa o mundo,

Mais deseja gozar-te, alma bendita!...

Mais punge a tua ausência o peito ausente

De Teus Filhos, Teus Netos e Teu Povo.

Ah! lança lá do Céu a bênção Tua

Sobre o mundo; consola o mundo aflito...

Faze que o céu nos dê valor, constância,

Para os males sofrer que nos flagelam! —

E, se lá do Empíreo minhas vozes

Gratas te são, acolhe meus suspiros!...

Inspira-me essas frases lamentosas,

Com que de minha dor modero as iras;

Afina a lira débil que votou-te

O Vate Brasileiro aos Régios Manes!

 

CANTO II

                     Elle est, elle est à Dieu.........

                                         Lamartine, Harm. Poet.

Isabel, que do mundo fugiste,

Tão brilhante, tão bela e tão pura

Como o sol do horizonte, deixando

Sobre o mundo cair treva escura;

Isabel, que do mundo fugiste

Como foge louçã Primavera,

Permitindo que o Inverno desbote

Vastos campos que verdes fizera;

Isabel, que do mundo fugiste

Como foge dos ares no véu

Belo Íris, que aos homens declara

A aliança da terra e do céu;

Se da noite rompendo os negrumes

Torna o sol no horizonte a nascer,

Com a volta trazendo os prazeres

Que, morrendo, fizera morrer;

Se voltando a gentil Primavera

À natureza dá forças, dá vida,

Que perdera de frio gelada

Do inverno na capa envolvido;

Se do Íris a cor tão mimosa

Para sempre se não desvanece,

E depois de nos céus se perder,

Outras vezes nos céus aparece...

Íris, Sol, Primavera Gentil,

Vem de novo na terra brilhar:

Tua augusta presença dá vida,

Tua ausência nos pode matar!...

Vestem noite teus filhos, teu trono,

Traja noite teu povo também;

Chovem prantos dos olhos de todos,

Nem verdumes os campos já têm!

Íris, Sol, Primavera Gentil,

Vem de novo na terra brilhar;

Tua augusta presença dá vida,

Tua ausência nos pode matar!...

Belas flores murcharam tristonhas;

Tem os troncos tristonho prospecto;

Águas turvas sem vida derrama

Na enlutada Campânia o Sabeto.

Íris, Sol, Primavera Gentil,

Vem de novo na terra brilhar:

Tua augusta presença dá vida,

Tua ausência nos pode matar!...

Mas, inúteis são preces aos mortos...

Nunca mais, nunca mais voltará

Cá dos homens ao reino infeliz

Quem no reino dos anjos está.

Ri-te, ri-te nos céus, alma santa;

Goza, goza eternal f’licidade!...

— Isabel deve rir-se na Glória,

Deve o mundo chorar de saudade!!!... —

 

CANTO III

      She went to meet her God.

                            Elegia à Rainha Carolina de Inglaterra

De Isabel os restos jazem

Lá no recinto sombrio,

No seio da sepultura

Solitário, mudo e frio.

Lá descansa em sono eterno

A Mãe cheia de ternura,

A Rainha que a ventura

Fazia do povo Seu.

Tantas preces, tanto pranto,

Tantas súplicas de amor,

Nada, nada do Senhor

O decreto removeu.

Como juntos d’árvore santa,

Que por ímpios derribada,

Entre os frutos macerados,

Jaz em terra desfolhada,

Choram aves que gozavam

Dos aromas exalados

Das flores, dos sazonados

Belos pomos que brotou;

Saudosas daquela sombra,

Que do sol na intensidade,

No rigor da tempestade

Os seus dias abrigou.

Isabel, assim a gente

Que viveu tão feliz vida,

Pela sombra do Teu manto

Breves tempos acolhida,

Que o aroma das virtudes

De tua alma desfrutara,

Que nos teus filhos depara,

Do seu Deus santa bênção;

Vendo junto dos Teus manes

Tua prole lacrimosa,

Aflita, geme chorosa

Na maior consternação.

Chorai, ó povos! chorai!...

Com vosso pranto fazei

Conhecer ao mundo inteiro

Quanto amais ao vosso Rei!

Mostrai-vos gratos a quem

De vosso bem se incumbiu,

Que convosco repartiu

Seu pensar e seu viver.

Livre deixai esse pranto,

Que o semblante vos inunda,

Da Rainha sem segunda

Na sepultura correr.

Chorai, que vos acompanha

Do bronze o sagrado som,

Porque o bronze também chora,

Quando morre algum Bourbon;

E cá deste meu Brasil,

Onde, cheia de candura,

De virtudes, de doçura,

De Isabel vive Uma Flor,

Com eles irão juntar-se,

Transpondo distância tanta,

Os tristes versos que canta

Brasileiro Trovador.

 

CANTO IV

                              Quem como tu, alma angélica!

                                                      J. Bonifácio

De novo minhas lágrimas queridas

Dos meus olhos correi em liberdade!...

Vinde aplacar as dores das feridas,

Que da morte alegrando a impiedade,

Me quis fazer no íntimo do peito

O farpão penetrante da saudade.

Convosco, só convosco me deleito,

Porque sois as sensíveis companheiras

Do mortal que não vive satisfeito...

De meus olhos correi, correi ligeiras!...

Molhai da minha lira as cordas tristes,

De minha dor cansadas pregoeiras!

E vós, ó Natureza! que me ouvistes,

Erguer o sonoroso alegre canto,

Quando de alegres cantos me incumbistes;

Se agora do pesar me cobre o manto,

Guardai no vosso seio piedoso

As gotas cristalinas do meu pranto!...

Ímpio, cruel decreto, rigoroso

Nos vassalos e reis, fatal, ferino,

Roubou-nos um presente precioso...

Que ao mundo ofertara o Ser Divino.

Feliz! feliz mil vezes quem pudesse

Arrancá-lo do livro do Destino!!!

Por ele dentre nós desaparece

Um ser, dos Querubins cópia fiel,

Que rival em virtude desconhece.

Por ele, na saudade mais cruel

Nos deixou, e caiu na sepultura,

No reino dos finados... Isabel...

Oh! lei inexorável! sorte dura!...

Extinguiu-se tão cedo desta sorte

Das mãos do Criador obra tão pura!

Quem pode compreender o poder forte

Com que, do céu zombando impunemente,

Tudo quanto Deus cria extingue a morte?!!...

A natureza inteira o golpe sente

Do seu terrível braço; tudo chora

Debaixo de seu gládio impaciente.

Do universo ríspida senhora,

O mundo, como fera insaciável,

Pela boca dos túmulos devora!...

Oh! vida triste... vida miserável!

Julgada pelo Céu enfurecido

Como crime de morte imperdoável!...

Mas a luz da razão tenho perdido...

Oh! Céu! até que ponto me arrebata

De meu pesar o impulso desmedido?!...

Suspende, criatura! a voz recata!...

Que do Céu os desígnios soberanos

Soberba e loucamente desacata!

Oh Isabel! que longe dos humanos

Contas na mais completa f’licidade

Anos por dias, séculos por anos!...

Perdoa se ofendi a majestade

De Teu Deus, maldizendo Seus decretos,

Perdoa meus queixumes indiscretos,

Tudo foi um delírio de saudade! 

 

CANTO V

                  Aquela noite sempiterna

            Cruel, acerba e triste

  Que tu... viste.

                                       P. M. Bernardes, floresta

De luto vestidos os campos estão,

Envolve as cidades das trevas o véu,

A lua não brilha, as outras estrelas

Somente povoam a face do céu.

Ninguém se recreia no triste silêncio,

Na paz, no sossego desta solidão;

Só eu gosto dela, por ver no seu rosto

Descrito o retrato do meu coração.

Contigo me alegro, contigo meu peito

Combina contente, ó noite sombria!...

Do dia não gosto; o sol me aborrece:

Nas noites encontro melhor poesia!

Ó tu minha lira, me dize: não é

Da noite no seio mais belo teu som?...

Teus meigos suspiros, teus ais, teus gemidos

Não tem outra vida, não tem outro tom?...

O mundo inquieto, no estrondo que faz,

Sucumbe teus ecos, sufoca-os no ar:

Em seu labirinto, confuso de dia,

Por mais que lhe fales, não quer te escutar.

Mas quando nas horas remotas da noite

Escuta acordado teu som sedutor,

Ouvindo soluços, que dizem saudade,

Que dizem queixumes, que dizem amor...

Qual peito sensível resiste ao poder,

À doce magia que o vem penetrar?...

E quando termina o toque divino,

Não quer ansioso que torne a voltar?!...

Oh minha adorada! meu bem! minha lira!

Passar não deixemos tão doces momentos!...

Ah! leva em teus sons ao reino ditoso

As tristes idéias de meus pensamentos!...

Com eles, meus versos, velozes voai!

Aos astros dizei meu mal tão cruel;

Dos astros parti à santa morada,

Humildes beijai os pés de Isabel.

Mas louco! não vês que a lira tangida

Por destra tão fraca não pode soar

Vozes tão sonoras e tão duradouras

Que possam da terra aos astros chegar?!...

Que as tristes endechas, que os cantos humildes

De um vate mesquinho tal força não tem?...

Que ao céu voam cantos dos bardos celestes,

Que aos bardos da terra só terra convém?...

Porém, se não podem as vozes da lira

A par de meus cantos à glória chegar,

Tu, alma celeste, dos anjos encanto!...

Bem podes na glória meu canto escutar!...

Escuta, portanto, meus hinos saudosos,

Meus hinos sem flores, sem ostentação:

Com eles recebe na santa morada

Um culto sincero do meu coração!...

 

CANTO VI

Una ave sola

      Ni canta ni llora.

                                     Lamentaciones del Solitario

Na primavera da vida

Viu o mundo, sobre o trono,

Isabel aparecer

Tão pura como a inocência,

Tão bela como o prazer.

Sua alma não era humana,

Era um anjo, que do céu

Todas as graças vestia;

Seu corpo templo sagrado,

No qual o anjo vivia.

Mas o brilho desse templo

O tempo, sempre inconstante,

Pouco a pouco destruiu;

Sua bela arquitetura

A ruínas reduziu.

O anjo, que viu caído,

Em terra desmoronado,

Seu asilo encantador,

Foi buscar outra morada

Na mansão do Criador.

Lá ficou, e para sempre!

E o tempo, algoz cruento,

Só a destroços votado,

Vai consumir as ruínas

Do edifício sagrado.

E a cinzas reduzir

Aquela que viu o mundo

O régio ceptro reger,

Tão pura como a inocência,

Tão bela como o prazer.

Mas que importa? pode o tempo

Pela morte auxiliado,

Sua existência ferir;

Há de lá na sepultura

Os seus restos consumir.

Porém triunfam do tempo

Suas heróicas virtudes;

Isabel vive na glória,

Isabel viverá sempre

Do universo na memória.

 

CANTO VII

                                   She is no more, but her

                                       memory will last for ever.

                                                  Vida de Lady Kutingdon

Potentados soberbos! vinde, vinde

       Ver um quadro sublime,

Onde lampeja a glória da virtude,

       E se aniquila o crime!

Isabel sobre o leito d’agonia

       Saúda a eternidade,

Que assentada nos túmulos apaga

       A luz da majestade...

Instante acerbo, que ao tirano causa

       Desusado terror,

Porque vai baquear, cair do trono,

       Aos pés de seu Senhor!...

Por ver que no sepulcro se evaporam

       Seus queridos emblemas,

Seus mantos, seus palácios e seus tronos,

       Seus cetros, seus diademas;

Porque vê, como um astro ensangüentado

        Em céu enegrecido,

Sua alma aflita divagar da morte

        No lar desconhecido!...

Instante acerbo, em que p’ra consolo

       Nem mesmo os olhos seus

Podem por um momento só fixar-se

       Sobre os olhos de Deus!...

E com razão bastante contemplá-los

       Não pode o infeliz:

Seus crimes são horrendos, Deus é justo,

       E Deus é seu Juiz!!!...

O anátema do céu parece ao triste

       Do sacerdote a bênção,

E o rosto volta, procurando aflito

       Fugir da maldição!

Isabel vê tranqüila da existência

       O último raiar;

Nesse instante solene nada pode

       Sua alma perturbar!

A lembrança de trono, que perdia,

        Não a pode afligir;

Pois lá da sepultura um novo trono

        De glória vê surgir.

Não é uma rainha que prostrada

        Do sólio cair vai;

É a filha feliz que alegre voa

        Aos braços de seu pai.

Nem sequer uma idéia criminosa

       Lhe mancha o pensamento,

Que, fixado no céu, tranqüilo espera

       O último momento.

As costumadas preces de seus lábios

        Ao céu iam parar,

E do céu lhe traziam santas graças

        Que a vinham consolar.

Lágrimas verte; mas quanta virtude

       Expressa pranto tal?!...

Exprime de seus filhos e do povo

        Saudade maternal.

Das asas de sua alma só pena

        Ao mundo estava presa;

Que dos filhos no peito segurava

        A mão da natureza!

Despegou-se afinal, voou da terra

         Ao céu leda e serena,

Para o céu nos levou prazer consigo,

         Deixou do mundo a pena.

Só restos insensíveis nos ficaram

       Daquele ser benigno;

Só este bem nos deixou na terra

       O anjo do destino!...

Ó povos! colocai-o num funéreo

        Eterno monumento;

Que a vossa gratidão declare aos séculos

        O seu merecimento.

Esta inscrição gravai em letras d’ouro

No régio mausoléu;

“Seu corpo tem altares cá na terra,

“Sua alma lá no céu!...”

 

FLORES MURCHAS

                                       Oferecido ao meu amigo e colega

                                       Dr. Sinfrônio O (límpio) Álvares Coelho

I

Ai! flores de minh’alma! quem matou-vos

Que nem o aroma vos deixou tão grato,

Com que se embalsamava toda inteira

A minha esp’rança? Flores, flores minhas,

Que a inocência plantou na terra nova

Do meu coração virgem, quem ceifado

Vos tem assim dos ramos tão frondosos

Do meu futuro?!... Árvore bem verde,

Bem viçosa e fecunda, era-vos ele

Mantenedor de vida deleitosa,

Que parecia eterna!... mas... caístes!

E nem revivereis, nem outras flores

Como vós colherei, que o tronco enfermo,

Talvez por falta vossa, está mirrado!

II

ROSAS, rosas

Rosas, rosas, que a aurora me atirava

Aos punhados do céu, quando eu menino,

Vendo-a seguir do mar, do céu, dos montes,

Mandava-lhe minh’alma num sorriso

Inocente como ela; que mau gênio

Roubou-vos a meus olhos!... Rosas, rosas,

Que nos brincos da tarde me trazia

Do jardim paternal a irmã correndo

Para me dar em troca de um abraço...

Ai! sempre, rosas, sempre me ganháveis

Por um abraço-mil, por cada pétala

Abrasados de amor — milhões de beijos!

Murchastes de calor?!... foi tanto o fogo,

Que vos matou tão cedo?... Amor não mata;

Gira um vulcão de vida em cada chama

Que acende o facho seu: de um deus amante

A palavra de amor deu vida ao mundo...

Se dei-vos tanto amor, por que morrestes?...

Quem vos murchou tão cedo?... Rosas, rosas

Que nos brincos da tarde me trazia

Do jardim paternal a irmã correndo

Para me dar em troca de um abraço!...

III

Só um bem nesta vida me resta:

De remorsos minh’alma está sã!

Vêm curar-lhe do mundo as feridas

Puras águas da crença cristã.

Sim, eu sei que, apesar de cerrados,

Os teus braços, ó cruz, não têm fim;

Se teus braços abrangem o mundo,

Infinitos estende-os p’ra mim.

Que eles são infinitos quem nega?

Quem não sabe que em todo lugar

Onde um filho estiver do Calvário

Em teus braços se pode arrimar?

Quantas flores colhi neste mundo,

As perdi das paixões no escarcéu:

Em jardim me converte o sepulcro,

A colher dá-me as flores do céu!

IV

Creio em Deus, minha irmã; e tanto creio

Que, vendo lá no céu tua alma pura,

Em vez de maldições, mil bênções voto

À hora em que desceste à sepultura!

Creio em Deus, minha irmã; tanto que espero,

Inda no céu contigo, como outrora,

Frescas rosas colher desabrochadas

À luz dos raios da divina aurora.

Creio em Deus, minha mãe; em tua bênção

Reconheço um tesouro divinal,

Que do trono infinito a mão do Eterno

Segue o traço da bênção maternal.

Creio em Deus, minha mãe; tanto que espero

Qu’inda a terra do meu funéreo leito

— Por teu maternal pranto semeada —

Me brote um verdadeiro amor-perfeito.

Creio em Deus, creio em Deus; o bardo amigo,

E por isso inda creio que, se o fado,

Se não na minha pátria, neste solo

Me permitir morrer junto a teu lado,

Por talismã da fé que nós sagramos

E sincero tributo de amizade,

Na terra que cobrir-me as frias cinzas

Plantarás um suspiro, uma saudade.

                                                                                                           Bahia, 4 de agosto de 1854


DELÍRIO E CIÚME

Mais nada resta a suspeitar!... Mais nada

O véu da falsidade encobrir pode!...

Do desengano ao lume, desesp’rada,

Atenta tudo vê, tudo conhece

Minha alma acesa em raiva, acesa em zelos!...

Que pretendias, pérfida?... Que ainda

Perdurasse a ilusão com que risonha

Entretinhas meus loucos pensamentos?

Que da paixão ao sopro envenenado

O lume da razão, perdendo a chama,

Jamais recuperasse?... Não! não pôde

Em mim de amor a força ganhar tanto!...

Mas oh! por que me ufano se ainda escravo

Geme o meu coração? Se inda deseja

Ver da tigre o semblante, ouvir-lhe as vozes?...

Tristes sortes dos míseros amantes,

De ingratos corações vítimas loucas!

Conhecem o algoz! e o algoz só querem!

Maldizem mão cruel, que os assassina,

E só acham nos braços do verdugo,

Alívio para o mal, que os atormenta!

Cegos, que pretendeis achar ventura

Entregues à paixão, que me devora!

Estultos! vede os males que me cercam!

Contemplai minhas ânsias! meus suspiros

Penetrem vossos peitos desgraçados!

Amei uma mulher, julguei que nela

Tudo era belo, tudo amável, terno:

Minha alma embalsamada pelo aroma

De meigas esperanças amorosas,

Só delícias gozava, só prazeres

Quando pensava nela, quando a via;

Meu peito era inocente, e a razão nova.

Na mente virgem de amorosas cenas,

Era a primeira trágica — Marfida! —

Roubou-me com enganos a traidora

Meus primeiros suspiros, meus carinhos,

Meus beijos, minhas queixas, meus desvelos!

Se de ciúme ardente o peito amante,

Irado, contra ela a voz erguia,

Um sorriso somente me bastava

Para apagar a lava em que fervia

Meu coração zeloso! Um olhar terno,

Delirante de amor, aos pés da infida

Em despojo a seus olhos me arrastava!

Num beijo desmaiava, embriagado

Por um licor divino que sentia

Difundir-se dos seus pelos meus lábios!

Quantas ditas gozei! quantos tormentos,

Já me causava a Ingrata antes da infâmia!...

Mas... tudo se passou!... Visões celestes,

Vossa tirana angélica pintura

Em quadros infernais está mudada!...

Leves pincéis de amor tendo quebrado,

Molhou da ingratidão a negra brocha

Nas tintas que as traições lhe ministraram,

E dentro da minha alta só vilezas,

Falsidades venais, cenas infames

Me desenha na mente desvairada!

Oh! como! com que cor, com que prodígio

Vendo estou daqui mesmo dos seus crimes

O retrato fiel, a forma viva!

Crestados pela luz da fantasia

Queimam-se os véus que envolvem o nefando

Leito onde fervem gozos impudicos!

Onde a luxúria treme em corpos trêmulos,

Exalando seu hálito empestado!

Ao sumo em comoção chegaram ambos:

Correm os beijos mais que o pensamento:

Juramentos de amor entrecortados.

Ouvem as fúrias presidindo o ato!

Os corpos mutuamente se comprimem...

E Deus em toda a parte!!!... e tudo vendo!!...

Nem o respeito ao céu lhe veda o crime

Que acesa a Salamandra em fogo impura,

Tem o céu nos prazeres desonestos

E seu Deus no mortal com que os goza...

E não brada vingança um tal delito?...

Risonha a Natureza a contemplá-la

Parece festejar seus desatinos!...

Bem; sucumba-se a sorte aos céus e ao fado;

Fartem-se com os jorros do meu pranto;

Contém-me as ânsias, contém-me os suspiros,

Formem eles um cântico de glória

Que ao seio paternal do Nume afague!...

Porém... que digo!... Lábios, que fizestes?...

Que disse!... oh! justo Deus! perdoa a Bardo:

Não guiou a razão falsários ditos:

Perdoa, justo céu! são tais palavras

Centelhas do vulcão em que me abraso!

Marfida escuta agora a voz do vate,

Onde a paz já domina; atende um pouco

À voz do coração aniquilado.

Que já livre das fúrias do ciúme,

Inda ardente de amor, mas já sem lavas,

Submergido nas trevas da tristeza,

É qual em fundo bosque, em noite escura,

Esqueleto de choça incendiada,

Sem chama, sem fumaça, em brasa viva!

Argüições não são, meu bem, são rogos!

Rogos, que meigo, terno, lacrimoso,

Suplicante, abatido, d’alma verto!

Marfida! muda um pouco esses transportes!

Dos lábios desse amante que idolatras,

Desapega teus lábios!... vem ao menos

Encostá-los nos meus envenenados

Para dar-lhes o seu contraveneno!

Cede às aflitas preces da minha alma,

Que sedenta te roga algumas horas,

Um minuto sequer de gozo antigo,

Da celeste ilusão dos teus enganos!...

Mas... sucumba a paixão; erga-se o homem!

Quebrem meus pés enfim as vis cadeias,

Que a seus pés arrastei! Mísero louco!...

Escárnio a meu rival, escárnio dela!

A taça em que sorvi divino néctar

Caiu-me aos pés quebrada; os vis fragmentos

Esmaguemos também! Nem mais teu rosto

Venham mostrar-me espelhos da memória!

Vai-te! Vai-te de mim... porém, não! fica,

Fica, que, se tu partes, vai contigo

Todo o meu coração, vai-se minha alma!...

Que ânsia tão aflita me sufoca!

Talvez a morte seja... Vem; não tardes,

Imagem da extinção, imagem santa

Do nada; ponte curta que nos leva

Da ilusão à verdade! Mesmo quando,

Castigo ou prêmio, nada depois dela

Exista para nós, o nada mesmo

Realidade é! Mortais tormentos

Suportará jamais quem não existe;

A vida entre prazeres vale a vida;

Mais que a vida em desgraça vale a morte.

Talvez, talvez, cruel, antes que um dia

Sobre o sepulcro d’outro a luz derrame,

Da vida o fio me rebente a morte!

Talvez amanhã mesmo sobre a campa,

Que meu já frio corpo frio espera,

Tu pises orgulhosa de meu fado!

Vai; que lá mesmo te darão meus manes

Uma prova de mais dos meus tormentos!

Gemidos que ouvirás na minha campa,

Sairão de meu peito inanimado;

Entre suspiros ouvirás teu nome

Por meus já mortos lábios repetido;

Que amor, essencial parte do espírito,

No espírito eterno, eterno viva.

 

RONDÓ

Minha lira brandamente,

Delinqüente em leis de amor

Do traidor que tem por crime

O que imprime na razão,

Que lacera a quem afaga

Que propaga em seus ardores

Os horrores da tristeza

Que me pesa na feição,

Tangerei as cordas tuas,

Que são tuas, e não minhas

Que o que tinhas tangedor

Tens de amor a escravidão.

Não mais de outras criaturas

Formosuras cantaremos,

Louvaremos tão-somente

De um só ente a perfeição.

Tirce, a bela moreninha,

Que de minha nada tem,

É, meu bem, a criatura

Que segura meu grilhão.

Eu que em vê-la só me esmero

Ser não quero desprendido,

Que embebido no meu rosto

Acho gosto na prisão.

 

O JORNALEIRO

                É igual a ti mesmo, a ti somente

                               (Do poema O ganhador)

Quando ousado o poeta a voz levanta,

Em punho tendo o látego da sátira,

P’ra castigar hipócritas malvados,

É a voz da verdade a voz que soa!

Desmascarar falsários intrigantes,

O vício espezinhar, punir tartufos,

Velhacos suplantar, caluniadores,

São atos que de austera probidade

Louvor sincero e atenção merecem.

Armados pois, de um retorcido relho,

A um negro covil — talvez o inferno —

Por um forte cabresto bem seguro,

Eu vou buscar um torpe Jornaleiro,

Que entre sujos papéis escrevinhados

(Que só p’ra guardanapo têm valia)

Sentado em tamborete junto à banca,

Tendo nas garras de algum corvo a pena,

Baldões, insultos contra a honra atira!

Trazer pretendo o ganhador escriba

Qual jumento manhoso à praça pública

E expô-lo às apuradas dos moleques,

Por quem apedrejado ser devia...

Quem não conhecerá o Miguelista,

Escória dos sandeus de quem eu falo?!...

Chicanista imoral, doutor em nada,

Insosso prosador — alto pedante —

Que estudar foi na estranja — patacoadas

Para dizer-se aqui homem de letras?

Quem não conhecerá o sábio lente,

Que num certo colégio desta Corte

Ciência geográfica ensinava?

Quem não conhecerá — o que na escola,

Onde quer se instruir jovem guerreiro,

Explicando o direito ensina o torto?!...

O homem que insultava adversários,

Alcunhando-os heróis das “vacas gordas”,

E que agora sedento — a grossa teta

Bem agarrado, chupitar procura?!

Homens raros assim todos conhecem!...

Eu não preciso retratá-lo ao vivo,

Descrever-lhe o carão, onde grudados

— Nos olhos — tem pedaços de vidraça,

O corpo infame, o bojo monstruoso,

Qual um balão de fedorentos gases;

E mostrar o letreiro que na fronte

— Em letras garrafais — diz “Ganhador”!

Todos bem sabem de que peça falo:

O trabalho me tira a grande fama

Que por falso, impudente tem ganhado.

Sim, ó grão-Redator (a ti me volvo)

Ao público amador — quero mostrar-te,

P’ra que faça a justiça que mereces...

És qual tarpéia rocha inabalável

Em teu princípio firme-o da calúnia —

És herói dos heróis, quando se trata

De vis aduladores intrigantes!

Um singular portento és na mentira!

Tu és grande! és enorme!! porque arrumas

Patadas, couces mil, no mundo inteiro!!

A natureza pasma ao contemplar-te,

Julgando que não és uma obra sua!

Embasbaca-se o gênio das trapaças

Vendo brilhar o teu saber ingente!

Té o demo — de gosto — pinoteia,

— E berrando que tu, seu protegido,

Que és glória sua comunica à terra!...

E no entanto ninguém teu pai se julga!...

Nem o podem dizer, porque não sabem...

Quem te acendeu nos cascos esses fogos

Que tudo abrasam, sem queimar-te a bola?

Quem és pois? de onde vens? P’ra onde te

[atiras?!...

És abutre — que mágica do Averno —

Em homem transformou p’ra da calúnia

O instrumento ser aqui na terra?

És do zoilo invejoso a alma errante,

Ou um sopro de negra, imunda harpia?

Onde encontraste o ser? a origem tua?...

Veste por acaso do planeta

Que Vulcano por lei dizem chamar-se?

Onde fixaste o norte de teu rumo,

Ó ente singular, teu paradeiro?

Para onde irás tu, quando partires

Deste imenso teatro em que tens feito

O papel mais infame que se pode?!

Abutre, harpia ou sopro, ou quer que sejas,

— És igual a ti mesmo, a ti somente! —

Cansa-se a pena a enumerar teus feitos!

Envergonha-se aquele que o censura,

Olhando para ti, vendo que és homem,

Na figura somente... em nada mais!...

Imortal, Redator do papelucho

A quem um respeitável nome deste

(Sim que o nome da Pátria, para o probo,

Que não p’ra ti, é nome respeitável),

É tempo de voltar ao antro escuro,

Ou p’ra o lugar — ignoro donde hás vindo!

Já muito por aqui de mal tens feito...

As cinzas venerandas revolveste

De um dos heróis da “Independência” nossa!...

Tua missão cumpriu-se!... é tempo, volta...

Era minha intenção trazer-te à praça;

Mas desisto da empresa!... A puros homens

É um crime mostrar torpes figuras,

Negros quadros, que infâmias representam!

Vai-te! foge daqui! do vate a destra

Só cordas vibra de doiradas liras:

Se indignado empunha o forte relho

Para surrar hipócritas malvados,

Envergonha-se logo do que há feito!

É nobre o fim p’ra que o Poeta nasce;

E não para amansar bestas bravias

Ou corrigir sicários sevandijas!...

 

ODE

A D. Carlota Leal Milliet

(Na noite de seu benefício em 16 de agosto

de 1858)

          Tem um destino o gênio

Só é livre na terra o que é pequeno;

          É fatal o sublime,

Que o sublime é de Deus e não do mundo.

Olhos gravados nos fanais brilhantes

           De ridente futuro,

Embora desejo incendiado

           Aos hinos o arremesse,

Que retumbas nas mesas opulentas

           De altivos Baltasares,

De rojo contra as urzes da desgraça

           Há de cair o Gênio;

           De rojo há de ir por elas,

Arrastado por destra misteriosa,

Que dest’arte o remonta a ignoto alcáçar.

 

O ÉPICO DO — FIAT

Zela em extremo a palma aos seus diletos;

Que o viço lhe desbotem não consente;

Quando eles descuidados não a velam,

Ante seus olhos amortalha o mundo,

           E na dor os obriga,

Com lágrimas de sangue, a dar-lhe orvalho.

O anjo d’Harmonia no teu seio

          Jazia encarcerado,

          Deixando a furto apenas

Ouvir em curto canto as notas mágicas

          Da sua voz divina,

          Por não haver um templo

Onde pudesse desferir seus vôos;

          Abriu-se o templo d’Arte!...

Eia, Sacerdotisa, o altar te toca!

          Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!

Lua e sol d’Harmonia ao mesmo tempo,

É tua voz Proteu do sentimento

          Nas notas que desliza!

O Estro de Bellini nas doçuras

Da língua portuguesa mais se adoça,

Só lhe falta a doçura do teu canto.

           Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!

 

O FUROR CIUMENTO

Da mãe, que pelo amante empunha o ferro

Para cravar nos filhos, pede o fogo,

Que em teus olhos dardeja o sol dos trópicos;

A clave do gemido brasileiro

          Pede a prece da filha

Que os filhos recomenda ao amor paterno;

         Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!

Chegaste!... dos desgostos pela senda,

Arrastada por destra misteriosa,

Que dest’arte guiou-te ao ignoto alcáçar

Recebe, pois, um ósculo da Poesia,

              Que Música e Poesia

Irmãs nos louros, beijam-se na floria.

Sus, Rainha do Canto, o cetro empunha!

          Reina, que, se não reinas

          No mundo d’harmonia,

Reinar não pode a cena brasileira.

 

AOS ANOS DE UM RESPEITÁVEL ANCIÃO

I

Já seca pende morta essa grinalda

           Que outrora me adornou!

Da inspiração a luz que me animava

          De todo se apagou!...

Os astros de luz tão bela

          Estão sem claridade;

Apagaram-se todos, mal ergueu-se

           O astro da verdade

Fui livre quando, louco! no infinito

          Voava da demência;

A razão cativou minh’alma presa

          Nos ferros da evidência.

Fecharam-se os jardins da fantasia,

           Nem há mais uma flor!

Domina-me a razão — como ser livre,

           Sendo de mim senhor?

Se, conhecendo o mundo limitado

          Perante os meus projetos,

Os vôos enfreei do entusiasmo,

          Prendi os meus afetos?

Minh’alma nos limites circunscrita

             Da franca humanidade,

Abandonou a posse do infinito

             Perdeu a liberdade.

A lanterna da exp’riência

Com seu escasso clarão

Não pode mostrar imagens

Do mundo da inspiração.

A verdade deste mundo

Seca, morta, sem fulgor,

Não deixa medrar as flores

Da palma do trovador.

A pobre realidade

Que o mundo inteiro respira:

O trovador não encontra

Nas notas da sua lira.

Das verdades deste mundo

A misérrima visão

Adormece, mata, extingue

O fogo da inspiração.

Mas, assim como a lâmpada que exala

A vida no seu último lampejo,

O meu último canto hoje dar quero

À glória dos teus anos. Sim, um hino,

Um hino de amizade, extremas notas

Sejam da lira que, jamais manchada

De infame adulação, só dedicou-se

À virtude, ao amor, aos bons amigos

E à pátria, que a despreza!...

II

Mais um ano hoje contas, mais um dia

Desses que valem anos te é marcado.

Vês em redor de ti os teus, contente,

Vês um grupo de amigos a teu lado.

Contente a verde prole nos teus braços

Em transporte de amor hoje se lança;

Na mãe dos filhos teus vês a bondade,

E vês em cada filho uma esperança.

Filhos! não iludis os seus desejos,

Não deis às esperanças desenganos;

Vosso pai já velou nos anos vossos,

Compete-vos velar sobre seus anos.

Vede, os anos passaram-lhe na fronte

Sem lhe deixar um sulco de desgosto;

Respeitai o que os tempos respeitaram,

Não aumenteis as rugas do seu rosto.

Começa o ancião a encanecer-se,

E já lhe vejo as têmporas nevadas;

Ah! mais do que a ninguém, incumbe aos

[filhos

Conservar de seu pai as cãs honradas.

Um pai não vive em si, nos filhos vive,

Mal sentem estes os vitais lampejos,

Todo o bem, que é só seu, o pai esquece,

O bem dos filhos seus são seus desejos.

Dá-lhe Deus a ciência do futuro

Ganhada dos trabalhos pelo trilho,

Quando do amor paterno iluminado

O pai sempre conhece o bem do filho.

Amortalha, portanto, o seu futuro,

Cair no precipício certo vai

O filho que o amor paterno esquece,

Desprezando um conselho de seu pai.

Filhos, beijai a destra deste velho,

É a bênção de Deus nela encarnada:

Ele vos deu segura mocidade,

Dai-lhe também velhice afortunada.

 

AS LÁGRIMAS

Lágrimas, lágrimas tristes,

Não deixeis os olhos meus,

Que por vós eternamente,

Aos prazeres disse adeus.

        Para ter indisputáveis

        Direitos ao nosso amor,

        Arranquei-vos da minh’alma,

        Sois filhos, de minha dor.

Minha vida, agreste planta

De desertos areais,

Ao sol das paixões vivendo,

Expira se a não regais.

Para ter indisputáveis

Direitos ao nosso amor,

Arranquei-vos da minh’alma,

Sois filhos, de minha dor.

 

CIÚME E RAZÃO

I

E perdi-a! e nem mais uma esperança,

Sequer, me alenta nesta dor terrível,

Que hei de, não mudo só, porém me rindo

Devorar em segredo até a morte!

          Suportar um tormento

          Que ao menos em gemidos

Vai-se em parte exalando; a febre, a sede

Do amor e da saudade mitigar-se

Com lágrimas, é bem que só conhece,

Quando o céu lhe recusa, o desgraçado!

E não hei de chorar, chorar não quero,

Não quero, porque as bagas do meu pranto

           Enfeitam a coroa

           Que ele cinge, feliz, nos braços dela!


II

Excede à força humana este martírio;

Mas, louvores ao céu, minha alma sinto

            Resignada e pronta.

Benéfica razão serve de alâmpada

Das minhas ilusões à sepultura!

Amarga como o fel sempre a verdade

Quando do amor é o erro, mas não cospem-na

Lábios que a ingratidão beijar rejeitam.

III

Sim, hei de consumar o sacrifício;

Nem súplicas, nem queixas há de ouvir-me;

Do Coração no fundo hei de trancá-las

Ao vê-la, ao vê-los, e saudar contente

Do amor de ambas a ventura e os gozos!

Daquele olhar d’arcanjo cujos raios,

            Como punhais de fogo,

Do coração as fibras me laceram,

Hei de fitar a luz sem perturbar-me;

          E morrer impassível,

Quando nos olhos dele minha vida

Em delíquio amoroso depuserem!

IV

Nobre altivez as preces me proíbe,

Assim como a razão proíbe as queixas

Que lhe posso pedir que dar-me possa?

Desejava um amor puro, espontâneo,

Desses que nascem nos segredos d’alma

Que ao simples choque de um olhar acordam

Para não mais dormir. Queria os vôos

Desse amor desvelado, procurando

Dentro em meu coração fazer um ninho;

Observar em êxtase os milagres

Do proteísmo ser; colhê-lo em rosas

Nas chamas do rubor que acende um beijo

Senti-lo gelo após alguma ausência

           Num susto de saudades,

           E no doce apertar de um longo abraço

No seio me cair, tépida lágrima.

Não me pode dar tanto. Da vontade

Os domínios amor nas asas prende;

Se quando se quisesse amor nascesse,

Quando se não quisesse amor findara!

Inda que a minhas preces comovida,

Dissesse-me tudo que desejo agora,

Faltava em tudo o mel que amor destila

E unicamente amor!...

          Anjo inocente,

Não queixo-me de ti, regem os fados

Das sensações o mundo; aos afetos

O céu a cada um deu seu destino;

O tesouro que guardas no teu seio

           Foi destinado a outrem;

Os desígnios do céu foram cumpridos

E assim tu, sem querer, me deste a morte!...

Grosseiros corações, almas estreitas

Mancham o querubim que os encantara,

Porque as asas lhe nega; generoso,

Inimitável, crescente o meu afeto

Das ânsias no martírio se acrisola;

Por cada golpe que me dás no peito,

Nova chama de amor me acendes n’alma,

Extinta a minha última esperança

No árido deserto em que me arrojas.

Inda busco uma flor para enfeitar-te!

Não, não hei de acusar-te, mesmo quando

Na explosão de meus gelos mais pungentes

Me for a mágoa de te haver perdido.

És a imagem querida do meu êxtase;

Intacta ficarás. Por entre a nuvem

Que o infortúnio lançou-me sobre os olhos,

A mesma me será no pensamento,

Benfazeja visão de um sonho eterno!

 

ANGÚSTIA

Quando morta a f’licidade,

A fé expira também!

Saudades de que se nutrem?

Os suspiros, que alvo têm?

Morta a fé, vai-se a esperança;

Como pois, viver pudera

Saudade que não tem crença,

Saudade que desespera?

Onde as graças do passado,

Se altivo gênio sanhudo

O cepticismo nos brada,

Foi mentira, engano tudo?

Em nada creio do mundo:

Ludíbrio da desventura,

A felicidade me acena

Só de um ponto — a sepultura.

Morreram minhas saudades,

E nem suspiros calados

Dentro d’alma pouco a pouco

Vão morrendo sufocados.


 

IMPROVISOS

AS POTÊNCIAS DO OCIDENTE

                    As Potências do Ocidente

                     Com as Águias e os Leões,

              Ou tomam Sebastopol,

                   Ou deixam de ser nações.

                                                                  

                                                                   Paula Brito

Já de suportar cansado

Tanta injúria moscovita,

Um povo acolá se agita

Da guerra soltando o brado!

Dos canhões de Rei mitrado

Retumba o eco imponente,

Que em defesa da inocente

Fraca, mas briosa terra,

Acorda, e convida à guerra

As potências do Ocidente.

Eram rivais... mas que importa!

Um povo herói tudo esquece,

Se outro povo, que padece,

A defendê-lo o exorta.

Não, cair não há de a Porta,

Não há de rojar grilhões,

Não há de que seus brasões

Vão defender com pujança

A Inglaterra e a França

Com as Águias e os Leões.

Ei-las no campo de glória,

Que com puro sangue lavam,

E cada luta que travam

É uma nova vitória!...

Da humanidade e da história

Seguidas pelo farol,

Juram ambas pelo sol

Dos livres, em que se abrasam,

Que Sebastopol arrasam,

Ou tomam Sebastopol.

Hão de tomá-la!... arrastada

Do autocrata a bandeira,

Há de ser a pregoeira

Desta verdade sagrada:

“Que nações que pela espada

“Pretendem usurpações,

“Que, vis escravos, grilhões

“Às suas irmãs destinam,

“Ou como Tróia terminam,

“Ou deixam de ser nações.”


O QUE FAZ MINHA DOR

                    Um pensamento de morte,

                  Uma lembrança de amor,

                 Uma esperança perdida,

                    Eis o que faz minha dor!...

Tive no mundo da mente

Formosos dias serenos,

Como os do céu sempre amemos

Em doce paz inocente.

Dos desgostos a torrente

Em um rápido transporte,

Por má vontade da sorte,

Me fizeram num momento

Do meu feliz pensamento

“Um pensamento de morte!”

A minha alma escureceu-se

Do pensamento nublada,

E a mente desnorteada

Em negro caos converteu-se!

Um mar de pranto — estendeu-se

Naquele mundo de horror;

E no medonho fragor

Da tormenta desabrida

Vaga nas ondas, perdida,

“Uma lembrança de amor!”

Cresce a celeste batalha,

E na vasta escuridade

Sem cessar, da tempestade

O raio o manto retalha

A flutuante mortalha,

Vaga sempre! Convertida

Aquela idéia de vida

Num sudário desta sorte,

Retrata, emblema da morte

“Uma esperança perdida.”

Em pé firme e solitária,

Minh’alma fora insensível

À tempestade terrível,

Contínua, crescente e vária!...

Mas a veste mortuária,

Que das ondas vai na flor,

Mortalha do meu amor,

Dantes saudosa lembrança...

Hoje perdida esperança...

“Eis o que faz minha dor!...”


 

O FAROL DA LIBERDADE

                     Na terra da Santa Cruz,

                              Que enlutava atroz maldade,

                 Já solta brilhante luz

                   O Farol da Liberdade.

Que vejo?... a Rússia tremendo

Sob despótica espada?!...

Forte Hungria derrotada

Entre cadeias gemendo,

A Itália a fronte abatendo

Ante o fanático Jus?!...

Liberdade!... se de luz

Precisas, responde, fala,

Aqui temos, vem buscá-la

Na terra de Santa Cruz.

Famoso povo guerreiro,

Por nós hospitalizado,

Contra nós sem causa irado

Nos levou ao cativeiro!

Em seu jugo carniceiro

Choramos longa orfandade!

Nossos campos, nossa herdade,

De cadáveres cobertos,

Eram funéreos desertos

Que enlutava atroz maldade.

Mas nossos brios um dia

Contra os ímpios acordaram,

E os combates rebentaram

Entre nós e a tirania!

A estrela que conduziu

Colombo à terra da Cruz,

Que os grandes povos conduz

Ao templo da Liberdade,

Dos Andes na sumidade

Já solta brilhante luz.

Ao seu divino clarão

Pedro o filho dessa terra

Que dispunha em nova guerra

Lançar-nos novo grilhão,

Acorda... fita a visão,

Toma a espada, o campo invade,

Embebe-a na claridade

Que da estrela se desprende,

E com ela acesa acende

O Farol da Liberdade.


 

À MINHA MULHER

                   Lembranças do nosso amor

Da morte o sopro gelado,

Não me apagando a existência,

No coração com veemência

Sinto seu passado apressado.

Ai quando, bem adorado,

Minha alma daqui se for,

Disfarça teu dissabor,

Resiste à força veemente,

Mas nunca risques da mente

Lembranças do nosso amor.

Nada tenho que deixar-te

De fortuna nem de glória,

Nada me aponta a memória

Que possa morto legar-te;

Se nada deve ficar-te

Mais que saudades e dor,

Bálsamo consolador

À dolorosa ferida

Hão de ser-te nesta vida

Lembranças do nosso amor.

Lembrar um bem adorado

Na dor da saudade ausente,

É mesmo sê-lo presente,

Inda que seja passado.

Ser por ti sempre lembrado,

Como em vida morto for,

Por influxo encantador

Deste mistério profundo,

Hão de ser-te nesse mundo

Lembranças do nosso amor.

 

AO AVISTAR O RIO DE JANEIRO

Despe as nuvens que encobrem

Sol da minha f’licidade

Que abre a flor dos meus prazeres

Santo orvalho da amizade.

Respiro os ares da pátria

Contemplo os encantos seus;

Os meus contentes me abraçam,

Eu contente abraço os meus.

Meu Deus, meu Deus, não consintas

Que a pátria torne a deixar;

Que da segunda ferida

Talvez não possa escapar!

Se no íntimo a primeira

Feria-me d’alma a raiz,

Bem pode inteira cortá-la

Segunda na cicatriz.

Completa a cura, não deixes

De novo o mal renascer;

Que amarga mais que a desgraça

A negaça do prazer.

Não suceda à cruz rojada

Mais pesada nova cruz,

Não condenes mais às trevas

O cego a quem deste a luz.

 

GLOSAS

Mote

Quem Feliz-asno se chama

                                                           De-certo é asno feliz.

Glosa

Se Camões cantou Gama

Por seus feitos de valor,

Também merece um cantor

Quem Feliz-asno se chama.

Qualquer burro pela lama

Enterra pata e nariz,

Mas este, que com ardis

Chegou a ser senador,

É besta d’alto primor,

É decerto asno feliz.

Mote

            Beijo a mão que me condena

      A ser sempre desgraçado;

     Obedeço ao meu destino,

       Respeito o poder do Fado.

                                (Pe. José Maurício)

Glosa

Como a adorei, não exprime,

Não diz humana linguagem;

Ninguém traçar pode a imagem;

Daquele amor tão sublime!

A cruel, por este crime,

Eterno pranto me ordena.

E eu, vítima da pena

Da minha amorosa ofensa,

Sem argüir a sentença

Beijo a mão que me condena!

Sentindo a perseverança

Da paixão que me domina,

De achar ao mal medicina

Não alimento esperança,

Não sinto a menor mudança

Neste amor tão malfadado;

Se este amor exagerado

A mil desgraças me liga,

Esta constança me obriga

A ser sempre desgraçado!

Há um destino. — A razão

Da paixão na imensa vaga

De pronto seu facho apaga,

E nos deixa a escuridão!

Desse destino a impulsão

Eu sinto se me examino:

Sem luz, sem guia e sem tino,

Nada cogito, nem quero;

Não penso, não delibero,

Obedeço ao meu destino.

Quando em calma cogitava,

Calmo, estudando a verdade,

A razão e a liberdade

Sempre fortes, figurava,

Mas ai, triste! nem sonhava

Ver-me um dia neste estado!

Agora desenganado

Por tão acerba lição,

Mais que ao poder da razão,

Respeito o poder do Fado!

Mote

                                                            Ainda no mar do ciúme

                                                            Fervem centelhas de amor.

Glosa

Do amor o ardente lume

Eterno nunca se apaga

Arde por baixo da vaga;

Da suspeita o azedume

Ainda no mar do ciúme.

Não lhe dissipa o fulgor,

Tanto que quando o amador

Chora da ingrata o quebranto,

Por entre as bagas do pranto

Fervem centelhas de amor.

Mote

     Dois corações que se amam,

                                                             Sem falar se comunicam.

Glosa

A freira, que madre chamam,

E o frade, que é frei Carvalho,

Sustentam com seu trabalho

Dois corações que se amam.

E tão bem se verificam

Com manobras tão seguras

Que, trabalhando às escuras,

Sem falar se comunicam.

Mote

      Soa o bronze, expira o dia,

                                                              Eu triste fico a gemer;

                                                              Eis qual vive o infeliz

Eis aqui pois, meu viver.

Glosa

Já luziu no firmamento

Do sol a luz radiante,

Já seu raio fulgurante

Deu ao mundo luzimento;

Com sublime encantamento

Já espargiu a alegria;

Porém, ó céu, quem diria

Que o sol havia expirar?!

Lá o vejo descambar,

Soa o bronze, expira o dia.

Vendo pois, da natureza

O quadro todo mudado,

Comparo-me ao seu estado,

Me punge mortal tristeza

Já não vendo esta beleza

Que o sol faz o mundo ter.

Vendo a noite já descer

Com suas cores de morte,

Lendo nela minha sorte,

Eu fico triste a gemer.

Assim entregue ao azar

Triste vítima do fado,

Vivo sempre contristado

E de contínuo a penar;

Debalde busco encontrar

Da felicidade o matiz

Tudo que me cerca diz:

“Vê lá das trevas no horror

A imagem triste da dor;

Eis qual vive o infeliz.”

Ouço a sentença da sorte,

Mais se magoa o meu peito,

E ainda à vida sujeito,

Lamento não ver a morte,

De dor em vivo transporte,

Só desejo não morrer;

Desejo então mais sofrer,

Porém, como sou cativo,

Nem posso morrer nem vivo.

Eis aqui o meu viver.

Mote

                                                              Junto de uma sepultura

   À sombra de seu salgueiro,

  Lamentando a minha sorte,

                                                            Chorei o meu cativeiro.

Glosa

Como rompe cintilante

O fuzil ferrenho véu

De tempestuoso céu

E o deixa negrejante,

Nasceu, morreu num instante

A minha doce ventura.

Aflito em tanta amargura,

Buscando então consolar-me,

Solitário fui sentar-me

Junto de uma sepultura.

Ali, triste meditando

Em minha cruenta sorte,

Parecia estar co’a morte

Horas felizes passando.

Da brisa o sussurro brando,

A corrente do ribeiro,

Das flores o grato cheiro

Nada achava então suave

Era qual dos mortos ave

À sombra de seu salgueiro.

Toquei a laje pesada

Penetrado de agonia,

Sentiu essa pedra fria

Minha alma, triste, gelada.

Eis que a voz descompassada

Ouvi do canto da morte;

Pareceu-me em um transporte

Seu triste acento escutando,

Que também ‘stava chorando,

Lamentando a minha sorte.

Então, já desesperado,

Entregue a pungente dor,

Conheci todo o rigor

De meu desumano fado;

E nesse penoso estado,

À sombra desse salgueiro

Que me era tão lisonjeiro

Por exprimir minha sorte,

Em tristes hinos de morte

Chorei o meu cativeiro.

Mote

  Quebrou amor por despeito

                                                             As cordas da minha lira.

Glosa

Porque me não viu sujeito

De Marília aos ternos braços,

De minha ventura os laços

Quebrou amor por despeito.

Com isto não satisfeito,

Cego nume aceso em ira,

Do estro o fogo me tira

E desde o fatal momento

Rebentaram sem alento

As cordas da minha lira.

Um cartucho de confeito,

Num dia de patuscada,

Nas ventas da minha amada,

Quebrou amor por despeito.

Ela, vendo o tal sujeito,

Com uma pedra lhe atira;

Mas amor, p’ra que o não fira,

Faz o corpo desviar

E a pedra foi quebrar

As cordas da minha lira.

Mote

                                                              Pagode sem bebedeira

                                                              Não é coisa de rapazes.

Glosa

O meu bem em certa feira

Em que comigo se achava,

Disse que não adotava

Pagode sem bebedeira.

Repreendendo-a da asneira

Lhe disse: “Márcia, o que fazes?”

Ela então, fazendo as pazes,

Respondeu-me com carinho;

“Gentes, pagode sem vinho

Não é coisa de rapazes.”


Mote

       Ou são quatro as Graças belas

                                                             Ou tu és uma das três.

Glosa

Ou no beco das Cancelas

Há uma Graça fugida

Por vir do empíreo corrida,

Ou são quatro as Graças belas,

Uma moça igual a elas

Lá encontrei uma vez

Em certa noite de Reis

E lhe disse uma chalaça:

“Ou há de mais uma Graça,

Ou tu és uma das três.”

Mote

 Um só momento de amor

 Faz feliz um desgraçado.

Glosa

Ao meu cruel dissabor

Vou morrer; vem dar-me Armia,

Como tacha de agonia,

Um só momento de amor

Dá-me, dá-me por favor

Um suspiro, um ai magoado;

Que um ai de amor, temperado

Em duro e cruel transporte,

Até nas ânsias da morte

Faz feliz um desgraçado.

 

EPIGRAMAS

 

 
A um calvo pretensioso

Cabeça, triste é dizê-lo!

Cabeça, que desconsolo!

Por fora não tem cabelo,

Por dentro não tem miolo.

 

Outras versões

Vejam só esta cabeça!

Oh! meu Deus, que desconsolo!

Por fora não tem cabelo,

Por dentro não tem miolo.

                  (Edição Melo Braga, p. 344)

Cabeça!... Que desconsolo!

Cabeça!... Força é dizê-lo

Por fora não tem cabelo,

Por dentro não tem miolo.

               (Antologia Brasileira, de Werneck,

                13ª ed. p. 606)

Dizem que a Morte e Maurício

Andaram na mesma escola:

A Morte mata somente;

Maurício mata e esfola.

Cravo, rosa, em jarra fina

De ver tenho tido ensejo.

Mas, senhora, flor em tina

É a primeira vez que vejo.

Deus, para provar aos homens

Toda a sua autoridade,

Enviou-nos um bom tempo

Que é pior que a tempestade.

Causa pena e causa espanto,

E até mesmo causa dó

Ver morder a tanta gente

Um homem de um dente só.

Para mostrar que é um sábio

E filho de boa gente

E dos passados ministros

Ser em tudo diferente,

Sua Excelência da Guerra

Em tudo o que der à luz

Em vez de assinar de nome

Pretende assinar de cruz.

A peça Degolação

Foi mui bem representada.

Entre os muitos inocentes

Foi a peça degolada.

Cada um de nós no mundo

Fazemos nossa figura;

Tu entisicas as partes

Eu me encarrego da cura.

 

MODINHAS

 

FOI EM MANHÃ DE ESTIO

Foi em manhã de estio

De um prado entre os verdores,

Que eu vi os meus amores

Sozinha a cogitar.

      Cheguei-me a ela,

      Tremeu de pejo...

      Furtei-lhe um beijo,

      Pôs-se a chorar.

Eram-lhe aquelas lágrimas

Na face nacarada

Per’las da madrugada

Nas rosas da manhã.

       Santificada

       Naquele instante,

       Não era amante,

       Era uma irmã.

Dobrados os joelhos

Os braços lhe estendia,

Nos olhos me luzia

Meu inocente amor.

         Domina a virgem

         Doce quebranto,

         Seca-se o pranto,

        Cresce o rubor.

Nestes teus lábios

De rubra cor,

Quando tu ris-te

Sorri-se amor.

       Dos lindos olhos,

       Tens o fulgor,

       Se p’ra mim olhas

       Raios de amor.

De teus cabelos

De negra cor,

Forjam cadeias

Brincando amor.

       Neles p’ra sempre,

       Servo ou senhor,

       Viver quisera

       Preso de amor.

Rosas que tingem

Fresco rubor

Nas tuas faces

Espalha amor.

       Se de minh’alma

 Com todo o ardor,

       Chego a beijá-las

       Morro de amor.

Tua alma é pura

Celeste flor,

Só aquecida

Por sóis de amor.

       Já em ternura,

       Já em rigor,

       Dá vida e morte,

       Ambas de amor.

Quando a perturba

Casto pudor,

Encolhe as asas

Tremendo amor.

       Se do ciúme

       Sente o fulgor,

       Em mar de chamas

       Se afoga amor.

Se me concedes

Terno favor

Terei por lume

Somente amor.

     Porém no templo

     Mandarei pôr

     O teu retrato

     Em vez de amor.

 

A DESPEDIDA

(Romance)

Adeus, adeus, é chegada

A hora da despedida.

Vou, que importa se te deixo

Neste adeus a minha vida.

      Foste ingrata aos meus extremos,

      Não te peço gratidão;

      Perdão — para os meus carinhos,

      Aos meus amores — perdão!

Eu era ente da terra,

      Eras um querubim!

Deus tirou-te dos seus anjos,

Não nasceste para mim.

        Perdoa a meus amores

        Esta estulta elevação;

        Perdão para os meus carinhos,

        Aos meus amores — perdão!


O crime que cometi

Foi muito punido já,

Castigou-me o teu desprezo,

Maior castigo não há.

       Castigado, reconheço

       Quanto é justa a punição.

       Perdão — para os meus carinhos,

       Aos meus amores — perdão!

Pouca vida já me resta!

Eu sinto que esta amargura

Tão intensa muito cedo

Há de abrir-me a sepultura.

      Do crime que fiz de amar-te,

      Vem dar-me a absolvição:

      Perdão — para os meus carinhos,

      Aos meus amores — perdão!

Se me adoras, se me queres,

Como dizes com ardor,

Dá-me um beijo tão-somente

Em prova do teu amor...

       A paixão em que me abraso

       Dilacera o peito meu...

       Dá-me prazer, dá-me vida,

       Dá-me, dá-me, um beijo teu.

Amor anima e acende

Em chamas do céu nascidas...

Dois corações num abraço,

Em um beijo duas vidas.

       Uma vida que me falta...,

       A metade do meu ser

       Quero num beijo amoroso

       Dos teus lábios receber.

Sumiu-se, mas ainda escuto,

Seus gemidos, que aflição!

E esta mancha deste sangue

Não se apaga. Oh! maldição!

        Espectro, descansa,

        Que ao triste homicida

        As dores do inferno

        Começam na vida.

Ei-lo ali com o mesmo ferro.

Oh! que terror! que tortura!

Cavando junto a meu leito,

A abrir-me a sepultura.


       Espectro, piedade;

       Não caves assim...

       Eu dei-te um só golpe

       Tu mil sobre mim.

Acabou-se a minha crença,

Sem crença devo morrer:

Quando deixei de crer nela,

No que mais poderei crer?

      Onde a verdade

      Pode fulgir,

      Se até um anjo

      Sabe mentir?

Como um anjo me jurou,

Como um anjo me sorriu,

Como um anjo perjurou,

Quebrou a jura — mentiu!

       Onde a verdade...

No olhar e nas palavras

Onde a inocência respira,

Em tudo que diz — verdade,

Só encontrei a mentira.

      Onde a verdade...

Que mais desejas?

Tudo te dei;

De tudo em troca

Nada alcancei.

        Dei-te meu peito

        Em pranto e ais;

        Dei-te minha alma;

        Que queres mais?

Juraste eterna

Fidelidade;

Seguiu-se à jura

A falsidade.

       Em toda parte

       Vejo rivais;

       A fé perdi-te,

      Não creio mais.

Se não me queres,

Se não me adoras,

Quando me queixo

Que tens que choras?

        Ah! não me prendes

       No pranto teu;

       Não quero um pranto

      Que não é meu.

Mas, oh! perdoa!

Foi ilusão;

Dos meus tormentos

Tem compaixão.

       Perdoa, esquece

       O meu rigor;

       Não fere a ofensa

       Que vem de amor.

 

AO TROVADOR

Trovador, o que tens, o que sofres,

Por que choras com tanta aflição?

O teu pranto assaz me compunge,

Trovador, ah! não chores mais não!

Se acaso a mulher que tu amas

Te tratou com acerbo rigor,

Trovador, ah! por isso não chores,

Oh! não creias, por Deus, em amor.

O amor da mulher é a nuvem

Quando o vento a impele no ar...

O amor da mulher é volúvel,

É tão vário qual onda do mar.

O amor da mulher é um frágil

Pequenino, adoidado batel,

Que vagueia sem norte, sem rumo,

Té quebrar-se em ignoto parcel.

O amor da mulher é luzerna

Numa noite de inverno a luzir;

É estrela do céu entre nuvens

Que a furto se vê reluzir.

A mulher tem o dom da beleza

Tem maneiras que sabem levar...

Mas no meio de seus atrativos

A mulher tem o dom de enganar.

Um exemplo tu tens em Helena

Que os muros de Tróia abateu,

Que infida, deixando o consorte,

Para os braços de Páris correu.

A mulher tem feitiço nos olhos

E nos lábios veneno letal;

A mulher nos ilude chorando

E sorrindo nos crava o punhal.

O amor da mulher, como a rosa

Desabrocha, mas logo fenece;

A quem hoje a mulher idolatra,

Amanhã menospreza, aborrece.

Trovador, ah! esquece essa ingrata,

Não mendigues a sua afeição;

Oh! despreza a quem te maltrata,

Não suspires por ela mais não!

Eu sinto angústias

Me sufocar;

Não há remédio,

Senão chorar.

Eia, choremos;

Comece o canto;

Também cantando

Se verte o pranto.

O canto às vezes

É brisa d’alma

Que o mal consola

E a dor acalma.

E cada letra

Que o canto diz,

Um ai exprime

Do infeliz!

O canto é prece

Que voa a Deus,

Se um triste canta

Os males seus...

E livre o canto

No ar se isola;

O céu penetra

E Deus consola.

Depois que a ingrata

Feriu-me tanto,

Que de mim fora,

Sem este canto!...

Talvez que as chagas

Fossem mortais,

Se as não curasse

Com estes ais.

 

RISO E MORTE

Eu vim ao mundo chorando,

Chorar é o meu viver;

Quando eu deixar de chorar,

Estou prestes a morrer.

Quando a alma ao infortúnio

Assim ligado se tem,

Como termo da desgraça

A morte não longe vem.

Quando eu deixar de chorar,

Quando contente me rir,

Não se enganem, desconfiem,

Que não tardo a sucumbir.

Vem, oh! morte, ver meu pranto.

Não receies, podes vir;

Choro nos braços da vida,

Nos teus braços me hei de rir.

Muitas vezes um prazer

Que parece de ventura,

Não é mais que um riso d’alma

Vendo perto a sepultura.

O feliz ri-se da vida

Por ver nela o seu jardim;

O desgraçado, na morte

Por ver da desgraça o fim.

 

O CEGO DE AMOR

Pensam que vejo, não vejo,

Não vejo, que cego estou;

De que me servem os olhos,

Se minha luz se apagou?

        Ah! não deixes que me perca

        Nesta imensa escuridão;

        Ó anjo que me cegaste,

        Vem ao menos dar-me a mão.

Ao avistar-te nos olhos

A luz divina senti,

E por perder-te de vista,

A minha vista perdi.

      Ah! não deixes...

Se eu cair, dá-me teus braços,

Dá-me pelo amor de Deus,

Que talvez recobre a vista

Caindo nos braços teus.

       Ah! não deixes...

 

JÁ NÃO VIVE A MINHA FLOR

Perdeu a flor de meus dias

Todo o perfume de amor,

Ramo seco pende d’alma,

Já não vive a minha flor!

O tempo, que tudo muda

Não minora a minha dor;

Já não tenho primavera,

Já não vive a minha flor.

Só encontro no deserto

Bafejo consolador;

Fechai-vos, jardins do mundo,

Já não vive a minha flor.

 

NÃO TEM DÓ DO MEU PENAR

A serva ingrata querendo

Mais minha dor aumentar,

Sorrindo bebe meu pranto;

Não tem dó do meu penar.

Para as chagas da minh’alma

Mais dolorosas tornar,

Nas chagas cospe desprezos;

Não tem dó do meu penar.

Zelando a vida que odeia,

Que deseja torturar,

Não mata, sangra as feridas;

Não tem dó do meu penar.

A ingrata, a fementida,

Me jurou constante amar;

Hoje entregue a meu rival

Não tem dó do meu penar.

Esse coração ingrato

Que nada pode abalar,

Petrificando meu pranto

Não tem dó do meu penar.

Das saudades que na ausência

Fizera amor vegetar,

Arranca d’alma as raízes

Não tem dó do meu penar.

O punhal n’alma me enterra

E depois de apunhalar,

Conta as gotas, bebe o sangue;

Não tem dó do meu penar.

Dos olhos que fitos nela

Nunca cessam de chorar,

Sedenta pede mais prantos;

Não tem dó do meu penar.

Nestas veias cujo sangue

Muito cedo há de esgotar,

Injeta o fel do ciúme;

Não tem dó do meu penar.

Com meus ais faço no céu

De dor os astros chorar;

Lília, tão perto de mim,

Não tem dó do meu penar.

Ao ver-me continuamente

De pranto o rosto banhar,

Além de aumentar meu pranto,

Não tem dó do meu penar.

A mesma morte a quem peço

Venha meus dias cortar,

Cruenta foge de mim;

Não tem dó do meu penar.

Em vez de vir compassiva

Minha dor aliviar,

Sorrindo vê o meu pranto;

Não tem dó do meu penar.

Busco às vezes negra noite

Para meu pranto ocultar;

O dia rouba-me as trevas,

Não tem dó do meu penar.

De males furor insano

Sobre ti vá me vingar,

Já que tu, traidora ingrata,

Não tem dó do meu penar. 

 

É AQUI... BEM VEJO A CAMPA

É aqui... bem vejo a campa

Onde jazem meus amores,

O perfume de su’alma

Inda sinto nestas flores.

       Aqui nasceram saudades

       Plantadas por minha mão,

       Nasceram — devem regá-las

       Pranto do meu coração.

Pranto amargo de minh’alma

Orvalhe bem estas flores...

Verta aqui saudosa mágoa

Que sinto por meus amores.

        Aqui nasceram saudades, etc.

 

BEIJO DE AMOR

Se me queres ver ainda,

Recobra da vida a flor;

Deixa remoçar-me a vida

Um beijo de teu amor.

        De minha vida a ventura

        Teus lábios guardam consigo,

        Dá-me um só beijo e verás

        Se é mentira o que eu te digo.

Como a flor, do sol a um beijo,

Se quiseres, podes ver,

A minh’alma, semimorta,

Num teu beijo reviver.

     De minha vida a ventura, etc.

Só esperá-lo me alenta,

Me conforta o fado meu;

Imagina só por isso

Quanto pode um beijo teu.

       De minha vida a ventura, etc.

 

A ROMÃ (lundu)

Entre as frutas que há no mundo

Não há uma fruta irmã

Na beleza e na doçura

Da que se chama romã.

Tem coroa de rainha,

Roxa cor na casca tem,

Quando racha, me retrata

A boquinha de meu bem.

Nos meus lábios sequiosos

Dum néctar sinto a doçura

Quando sedento lhe ponho

A boca na rachadura.

Pela primeira vez vi

Num jardim pela manhã,

O meu bem que em vez de flores

Só trazia uma romã.

 

DE TI FIQUEI TÃO ESCRAVO

De ti fiquei tão escravo

Depois que teus olhos vi,

Que só vivo por teus olhos,

Não posso viver sem ti.

Contemplando o teu semblante

Sinto a vida me escapar.

Num teu olhar perco a vida,

Ressuscito noutro olhar.

        Mas é tão doce

        Morrer assim.

        Lília, não deixes

        De olhar p’ra mim.

Num raio de teus olhares

Minh’alma inteira perdi.

Se tens minh’alma nos olhos,

Não posso viver sem ti.

A qualquer parte que os volvas,

Minh’alma sinto voar,

Inda que livre nas asas,

Presa só no teu olhar.

       Mas é tão doce

       Prisão assim.

       Lília, não deixes

       De olhar p’ra mim.

Que era meu fado ser teu

Ao ver-te reconheci,

Não se muda a lei do fado,

Não posso viver sem ti.

Por não ver inda completa

Minha doce escravidão,

Se me ferem teus olhares,

Choro sobre meu grilhão.

       Mas é tão doce

       Prisão assim.

       Lília, não deixes

       De olhar p’ra mim.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística