Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Primeira Parte dos Sermões do Padre António Vieira.


Edição de Referência:
Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.

PRIMEIRA PARTE

Dedicada ao Príncipe Nosso Senhor

AO PRÍNCIPE NOSSO SENHOR

Senhor,

A obediência, com que V. A. foi servido mandar-me dar à estampa os meus Sermões, é a que põe aos pés de V. A. esta primeira parte deles, tão diferentes na matéria, e lugares, em que foram recitados, como foi vária, e perpétua a peregrina­ção de minha vida. Se V. A., por sua benignidade, e grandeza, se dignar de os passar pelos olhos; entenderei que com a Coroa, e Estados d’El-Rei, que está no céu, passou também a V. A. o agrado com que S. Majestade, e o Príncipe D. Teodósio (enquanto Deus quis) os ouviam. Mas porque os afetos se não herdam com os impé­rios; ainda será maior a mercê que receberei de V. A. se estas folhas, que ofereço cerradas, e mudas, se conservarem no mesmo silêncio, a que os meus anos me têm reduzido. Então ficará livre a rudeza destes discursos da forçosa temeridade, com que os ponho à suprema censura do juízo de V. A. tanto mais para temer por sua agudeza, e compreensão, quanto o mundo presente o admira sobre todos, os que o passado têm conhecido. Deus nos guarde, e conserve a Real Pessoa de V. A. por muitos anos, para que nas gloriosas ações de V. A. se desempenhe a nossa esperan­ça do que em tantos dotes da natureza, e graça nos está prometendo. Colégio de Santo Antão, em 21. de julho de 1677.

ANTÔNIO VIEIRA

LEITOR

Da folha que fica atrás (se a leste) haverás entendido a primeira razão, ou obrigação, por que começo a tirar da sepultura estes meus borrões, que sem a voz que os anima, ainda ressuscitados são cadáveres.

A esta obrigação, que chamei primeira, como vassalo, se ajuntou outra tam­bém primeira como religioso, que foi a obediência do maior de meus prelados, o Reverendíssimo P. João Paulo Oliva, Prepósito Geral de nossa Companhia. Se co­nheces a Eminência desta grão cabeça pela lição de seus escritos (como não podes deixar de a conhecer pela fama, sendo o Oráculo do púlpito Vaticano em quatro sucessivos Pontificados) esta só aprovação te bastará para que me comeces a ler com melhor conceito daquele, que formarás depois de lido. Assim lisonjeia aos pais o amor dos filhos, e assim honram os sumamente grandes aos pequenos.

Sobre estas duas razões acrescentavam outros outras, para mim de menos mo­mento. E não era a menor delas a corrupção, com que andam estampados debaixo de meu nome, e traduzidos em diferentes línguas, muitos Sermões, ou supostos total­mente, não sendo meus, ou sendo meus na substância, tomados só de memória, e por isso informes, ou finalmente impressos por cópias defeituosas, e depravadas, com que em todos, ou quase todos, vieram a ser maiores os erros dos que eu conheci sempre nos próprios originais.

Este conhecimento (que ingenuamente te confesso) foi a razão total, por que nunca me persuadi a sair à luz com semelhante gênero de escritura, de que o mundo está tão cheio. Nem me animava a isto (posto que muitos mo alegassem) o rumo particular que segui sem outro exemplo, porque só dos que são dignos de imitação se fizeram os exemplares. Se chegar a receber a última forma um livro, que tenho ideado com título de Pregador, e Ouvinte Cristão, nele verás as regras, não sei se da arte, se do gênio, que me guiaram por este novo caminho. Entretanto se quiseres saber as causas, por que me apartei do mais seguido, e ordinário, no Sermão de Semen est Verbum Dei as acharás: o qual por isso se põem em primeiro lugar, como prólogo dos demais.

Se gostas da afetação, e pompa de palavras, e do estilo que chamam culto, não me leias. Quando este estilo mais florescia, nasceram as primeiras verduras do meu, (que perdoarás quando as encontrares) mas valeu-me tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam, comecei a ser ouvido: e o começaram também a ser os que reconheceram o seu engano, e mal se entendiam a si mesmos.

0 nome de Primeira parte, com que sai este Tomo, promete outras. Se me perguntas quantas serão? Só te pode responder com certeza o Autor da vida. Se esta durar à proporção da matéria, a que se acha nos meus papéis, bastante é a formar doze corpos desta mesma, e ainda maior estatura. Em cada um deles irei metendo dous, ou três Sermões dos já impressos, restituídos à sua original inteireza: e os que se não reimprimirem entre os demais, supõe que não são meus.

Os que de presente tens nas mãos (e mais ainda os seguintes) serão todos diversos, e não continuados, esperando tu porventura, que saísse com os que cha­mas Quaresmais, Santorais e Mariais inteiros, como se usa. Mas o meu intento não é fazer Sermonários, é estampar os Sermões que fiz. Assim como foram pregados aca­so, e sem ordem; assim tos ofereço. Porque hás de saber que havendo trinta e sete anos que as voltas do mundo me arrebataram da minha Província do Brasil, e me trazem pelas da Europa, nunca pude professar o exercício de Pregador, e muito menos o de Pregador ordinário, por não ter lugar certo, nem tempo: já aplicado a outras ocupações em serviço de Deus, e da Pátria, já impedido de minhas frequentes enfer­midades; por ocasião das quais deixei de recitar alguns Sermões, não poucos, que já tinha prevenidos, e também agora se darão à estampa.

Além desta diversidade geral acharás ainda neles outra maior, pelas diversas ocasiões, em que os sucessos extraordinários de nossa idade, e os das minhas peregrinações por diferentes terras, e mares, me obrigaram a falar em público. E assim uns serão Panegíricos, outros Gratulatórios, outros Apologéticos, outros Políticos, outros Bélicos, outros Náuticos, outros Funerais, outros totalmente Ascéticos; mas todos, quanto a matéria o permitia (e mais do que em tais casos se costuma) Morais. O meu primeiro intento era dividir estas matérias, e reduzi-las a Tomos particulares, havendo número em cada uma para justo volume; mas como seriam necessários muitos mais dias para esta separação, e para estender, e vestir os que estão só em apontamentos; por não dilatar o teu desejo (o qual tanto mais te agradeço, quanto menos mo deves) irão saindo diante, e à desfilada, os que estiverem mais prontos. E creio que te não será menos grata esta mesma variedade para alternar assim, e aliviar o fastio, que costuma causar a semelhança.

Por fim não te quero empenhar com a promessa de outras obras; porque se bem entre o pó das minhas memórias, ou dos meus esquecimentos se acham (como na oficina de Vulcano) muitas peças meio forjadas; nem elas se podem já bater por falta de forças, e muito menos aperfeiçoar, e polir, por estar embotada a lima com o gosto, e gastada com o tempo. Só sentirei que este me falte para pôr a última mão aos quatro Livros Latinos de Regno Christi in terris consummato, por outro nome, Clavis Prophetarum, em que se abre nova estrada à fácil inteligência dos Profetas, e tem sido o maior emprego de meus estudos. Mas porque estes vulgares são mais universais, o desejo de servir a todos lhes dá agora a preferência.

Se tirares deles algum proveito espiritual (que é o que só pretendo) roga-me a Deus pela vida: e se ouvires que sou morto, lê o último sermão deste Livro, para que te desenganes dela: e tomarás o conselho que tenho tomado. Deus te guarde.

LISTA

Dos Sermões, que andam impressos com nome do Autor em várias línguas, para que se conheça quais são próprios, e legítimos, e quais alheios, e supostos.

Outra vez, Leitor, me hás de ouvir: outra vez não só peço, mas imploro tua atenção. E se te faltar paciência, bem a podes aprender da minha, pelo que agora direi. Saberás que devo grandes obrigações aos Impressores, principal­mente de Espanha. No ano de 1662, imprimiram em Madri debaixo do meu nome um livro intitulado: Sermones Varios: e no ano de 1664 outro, a que chamaram: Segunda Parte. As mais intoleráveis injúrias são aquelas a que se deve agradecimento: e tal foi este benefício. Muitos dos ditos Sermões, como já te adverti, são totalmente alheios, e supostos. E os que verdadeiramente são, ou tinham sido meus, ou por vício dos exemplares, ou por outros respeitos (não ocultos) se estamparam pela maior parte. em tal figura, que eu mesmo os não conheço. E porque de presente ouço que ainda se continua a estampa de outros (os quais devem ser mais dignos de sair à luz, pois lhes fazem esta honra) para que eu a não logre roubada a seus verdadeiros Autores, e os que os lerem, se não enganem com eles, e comigo; me pareceu no princípio deste primeiro Tomo es­crever-te esta como Carta de guia, pela qual sem equivocação do nome saibas a quem lês, e como. Outras diligências tenho feito para que os ditos livros se recolham, mas como este favor, posto que tão justo, é incerto, o que só posso, entretanto, é pôr-te diante dos olhos esta lista de todos os Sermões, que até agora têm chegado à minha notícia, distribuídos com a maior distinção, e or­dem que em matéria tão desordenada, e confusa me foi possível.

SERMÕES ESTAMPADOS DE CONSENTIMENTO DO AUTOR.

Sermão do Espírito Santo nos anos da Rainha nossa Senhora.

Sermão ao Te Deum no nascimento da sereníssima Princesa. Estes dous Sermões se traduziram em Francês, e se imprimiram em Paris.

Cinco Sermões das Pedras de Davi em língua italiana, estampados em Roma, Milão e Veneza: e depois de traduzidos em Castelhano, impressos em Madri, Sara­goça, Valência, Barcelona, e Flandres.

Sermão das Chagas de São Francisco, em Italiano, estampado em Roma, Milão, e Veneza.

Sermão do Beato Estanislau, em italiano, estampado em Roma.

Estes dous Sermões se traduziram em Castela, e Portugal, de Verbo ad verbum, isto é, mal, e como não deveram, pela dissonância das línguas.

Todos os outros Sermões, que andam estampados com nome do Autor em lín­gua Portuguesa, Castelhana, e outras, se imprimiram sem consentimento seu, nem ainda notícia.

SERMÕES DA PRIMEIRA PARTE ESTAMPADA EM MADRI ANO DE 1662.

Sermón del Juicio, p. I.

Sermón de las llagas de S. Francisco, pág. 31.

O primeiro destes Sermões tem muitos erros, e o segunda muitos mais, por culpa dos manuscritos, que andam mui viciados, e também da tradução, que mudou em algumas partes o verdadeiro sentido.

Sermón de S. Juan Baptista, y Profession, pág. 52.

Sermón en las Exequias de Doña María de Ataíde, pág. 93.

Estes dous Ser­mões, por serem primeiro estampados em Portugal, trazem menos erros. No segun­do falta um discurso.

Sermón de S. Juan Evangelista, pág. I l S.

No fim se diz com razão: Hic multa desiderantur, porque se não estampou a primeira parte, que contém a ocasião e motivo da matéria, demais de outros muitos defeitos.

Sermón para el Jueves Santo, pág. 137.

Sermón de la Exaltación de la Cruz, pág. 169.

Ambos trocados, e truncados, e defeituosos em muitos lugares.

A estes Sermões se seguem no mesmo livro três fragmentos de outros com título de Pensamientos predicables sacados de papeles del Autor: a saber.

Discurso sobre las calidades de un ánimo Real, pág. 192.

Discurso sobre la buena política de los tributos, pág. 204.

                                 

Discurso sobre la immunidad de la Iglesia, pág. 212.

O primeiro foi tirado do Sermão dos anos d’El-Rei, em dia de São José: o segundo, do Sermão de S. Antônio nas Cortes: o terceiro, do Sermão de S. Roque, impressos em Portugal; mas nenhum deles é, nem merece nome de discurso; porque lhes falta o fundamento, e intento, e a conexão de tudo, e lhes sobeja o que acrescentaram os Tradutores.

SERMÕES DA SEGUNDA PARTE ESTAMPADA EM MADRI ANO DE 1664.

Esta Segunda Parte contém vinte e dous, onze totalmente alheios, e onze do Autor. Uns, e outros são os seguintes.

Sermões totalmente alheios

Sermón de la Feria cuarta Miércoles de ceniza, pág. 83.

Sermón para el Miércoles segundo de Cuaresma, pág. 117.

Sermón en la Dominica cuarta de Cuaresma, pág. 136.

Sermón para el Sábado sexto de Cuaresma, pág. 157.

Sermón del Mandato en el Jueves Santo, pág. 179.

Sermón de la Soledad de la V. N. S., pág. 193.

Sermón de las Lágrimas de la Madalena, pág. 208.

Sermón de S. Augustín, pág. 298.

Sermón de S. Francisco, pág. 313.

Sermón de la Expectación, pág. 323.

Sermón de S. Juan Evangelista, pág. 333.

Entram neste número os dous Sermões das Lágrimas da Madalena, e de Santo Agostinho; porque bem que o assunto de ambos seja do Autor, e também alguns lugares da Escritura; no primeiro não há palavra sua, e no segundo (que só é um fragmento) mui poucas.

           

Sermões do Autor

Sermón de la segunda Dominga de Adviento, pág.1.

Sermón de la Domínica tercera de Adviento, pág. 24.

Sermón de la Domínica quarta de Adviento, pág. 41.

Sermón de la Domínica de Sexagésima, pág. 56.

Sermón en el primer Domingo de Cuaresma, pág. 98.

Sermón en el segundo dia de Pascua de Resurrección, pág. 220.

Sermón de S. Pedro Nolasco, pág. 253.

Sermón de la Visitación de N. Señora, pág. 261.

Sermón de S. Roque, pág. 284.

Sermón de N. Señora de la Gracia, pág. 348.

Sermón para el buen suceso de las armas del Brasil, pág. 369.

Estes Sermões reconhece o Autor por seus, mais pela matéria que pela forma, que em muitos está totalmente pervertida e adulterada: como se verá, quando saírem tirados dos verdadeiros originais. O de S. Pedro Nolasco é composto de duas ametades diversas, e não diz a cabeça com os membros. No de S. Roque falta ametade; no de N. S. da Graça dous discursos. E assim nestes, como nos demais, há muitas cousas diminuídas, muitas acrescentadas, muitas mudadas: não falando em infinitos outros erros, ou do texto, ou da tradução, ou da sentença, e sentido natural. Veja-se, e combine-se o Sermão da Sexagésima (que sai neste Tomo) com ser este entre todos, o que se traduziu por exemplar mais correto, e com menos defeitos.

SERMÕES DA TERCEIRA PARTE ESTAMPADA EM MADRI ANO DE 1678.

Quando (em suposição da graça que pedi, e me foi concedida, de que os dous Tomos antecedentes impressos debaixo do meu nome se recolhessem) cuidava eu que com este exemplo se absteriam os Impressores de Madri de prosseguir, ou me perseguir com este injurioso favor; eis que aparece em Portugal outro terceiro Tomo estampado na mes­ma corte com nome de Sermones del Padre Antonio Vieira. Assim me vendem com boa tenção os fabricadores desta falsa moeda, não aparecendo entre ela alguns pa­péis verdadeiros, e legítimos, que por roubados se me puderam, e deviam restituir. É bem verdade que na mesma tela dos discursos, que me perfilham, reconheço eu al­guns remendos da minha pobreza, que só para isso servem fora da urdidura, em que foram tecidos. Deixados porém estes reparos, e outros (que não é justo me queixe de quem me honra) saiba terceira vez o Leitor que de dezenove Sermões, que contém este Tomo (entrando no mesmo número um Pproblema de S. Francisco Xavier) so­mente cinco são meus. De uns, e outros se põe aqui a lista para maior clareza.

Sermões totalmente alheios.

Sermón de Ceniza, pág. 1.

Sermón de los enemigos, pág. 21.

Sermón de la quarta Dominga de Cuaresma, pág. 49.

Sermón del Mandato, pág. 100.

Sermón de las Lágrimas, de S. Pedro, pág. 161.

Sermón de la Venida del Espíritu Santo, pág. 184.

Sermón de la Epifanía, pág. 203.

Sermón de S. Tomé Apóstol, pág. 219.

Sermón de S. Francisco de Assis, pág. 241.

Sermón de S. Antonio de Padua, pág. 256.

Sermón de S. Francisco Xavier, pág. 273.

Sermón de una Procesión en dia de S. José, pág. 294.

Sermón de S. Úrsula, y sus compañeras, pág. 325.

Questión de la fineza del amor de S. Francisco Xavier, pág. 361.

Sermões do Autor

Sermón del cuarto miércoles de Cuaresma, pág. 35.

Sermón del Ciego, pág. 81.

Sermón del Mandato, pág. 119.

Sermón del Santísimo Sacramento, pág. 136.

Sermón de S Tereza de Jesús, pág. 325.

Estes cinco Sermões, e com mais razão três deles, se puderam também contar entre os alheios, pela notável corrupção, (que em alguns se vê foi indústria) com que saem deformados. Mas enquanto a estampa os não restitui todos a sua origem; leiam-se nesta o do Cego, e dos Zebedeus, que já estavam impressos quando cá apareceram em tão dessemelhante figura, e ver-se-á a diferença.

APROVAÇÃO DO MUITO REVERENDO PADRE MESTRE Frei João da Madre de Deus, Provincial da Província de Portugal da Seráfica Ordem de S. Francisco, Pregador de S. Alteza, Examinador das Ordens Militares, etc.

Senhor.

Se em alguma ocasião se achou obediência sem merecimento, foi nesta, em que por mandado de V. Alteza vi a Primeira Parte dos Sermões do Padre Antônio Vieira, da Sagrada Companhia de Jesus, meritíssimo Pregador de tal Príncipe, por Príncipe de todos os Pregadores; tirados das imperfeições, com que os adulteraram as mãos, por onde corriam; e reduzidos a parto legítimo de seu supremo engenho. A censura mais acertada é pôr-lhes o nome de seu Autor por Censura; pois sem compe­tência de nenhuma (posto que com inveja de todas) é respeitado pelo Oráculo do púlpito entre as nações do mundo, aonde a experiência, ou a fama de seus escritos o têm levado nas asas da sua pena. Tinha eu um grande desejo de que o Autor desse princípio às obras, a que anela a nossa bem fundada esperança, e promete o seu gran­de talento; para que por beneficio da imprensa ficasse imortal na memória dos vin­douros a glória, que logra a admiração dos presentes; e que soubesse o mundo que não tinha que invejar Portugal à erudição Latina, e à eloquência Grega: e muitas vezes me repetia a mim mesmo aquelas palavras de Jó no Capítulo 34, vers. 35: Desiderium meum audiat omnipotens, et librum scribat ipse, qui judicat, ut in humero meo por­tem illum, et circundem illum quasi coronam mihi. Ouça Deus o meu desejo, e escreva um livro o mesmo, que julga, para que eu o traga por estimação nos ombros, e por coroa na cabeça. Deus com a inspiração, e V. Alteza com a obediência me cumpriram este desejo. Que juiz poderia escrever um livro de Sermões, senão o Padre Antônio Vieira, Juiz por antonomásia do ofício em a Arte, e regras da Prédica, e de quem todos os Pregadores nos contentáramos de ser aprendizes, para nos po­dermos chamar Mestres. Só se podia duvidar em que, sendo o Juiz o escritor do livro, fosse Jó o coroado com ele; e que o livro, que haja de ser glória para quem o compôs, fosse glória para quem o lesse: Mas quem abrir o livro achará solução à dúvida, porque em cada um dos Sermões que contém, verá que podendo só ser glória de quem os escreve, são juntamente coroa de quem os lê. Não são só glória de quem os fez, mas também ventura dos que os têm. Ao menos para comigo assim o julga com Jó o meu afeto. Coronam mihi. Digo pois de cada um destes Sermões o que disse Plínio no 2. livro das suas Epístolas, Ep. 3: Proemiatur apte, narrat aperte, pugnat acriter, colligit fortiter, ornat excelse. Começa com energia viva, que atrai; prossegue com claridade singular, que deleita; prova com viveza grave, que admira; recolhe com variedade eloquente, que ensina; adorna com excelência sentenciosa, que suspende: e o que é mais dificultoso Postremo docet, delectat, afficit. Diverte como se não advertisse; ensina como se não recreasse; deleita como se não repreen­desse; aproveita como se não deleitasse. Não só não há neles cousa, que encontre ao serviço real, mas muitas para que V. Alteza continue a obediência, com que obrigou ao Autor a dar à estampa este livro, para que saia à luz com os mais trabalhos tão luzidos de seus estudos, e engenho, para a glória de Deus, e honra destes reinos. Isto sinto, isto digo, e o que não sei dizer é o que mais sinto. Em S. Francisco de Lisboa 29. de agosto de 1678.

Fr. João da Madre de Deus

LICENÇAS

DA RELIGIÃO

Eu, Luís Álvares, da Companhia de Jesus, Provincial da Província de Portu­gal, por particular concessão, que para isso me foi dada de Nosso Muito Reverendo Padre João Paulo Oliva, Prepósito Geral, dou licença, para que se imprima este livro, Primeira Parte dos Sermões do Padre Antônio Vieira da mesma Companhia, Pre­gador de S. Alteza. O qual foi examinado, e aprovado por Pessoas doutas, e graves da mesma Companhia. E por verdade dei esta assinada com meu sinal, e selada com o selo de meu Ofício. Dada em Lisboa aos 18 de setembro de 1677.

Luís Álvares

DO SANTO OFÍCIO

Vistas as informações, que se houveram, pode-se imprimir esta Primeira Parte dos Sermões do Padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus: e impressos tornarão, para se conferirem com o original, e se dar licença para correrem, e sem ela não correrão. Lisboa 15. de julho de 1678.

Manoel de Magalhães de Meneses. Manoel Pimentel de Souza. Manoel de Moura Manoel. Fr. Valério de S. Raimundo

DO ORDINÁRIO

Pode-se imprimir o Primeiro Tomo de Sermões do Reverendo Padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus, e Pregador de S. Alteza. Lisboa 6. de agosto de 1678.

Fr. Cristóvão, Bispo de Martíria

DO PAÇO

Pode-se imprimir vistas as licenças do Santo Ofício, e Ordinário: e depois de impresso tornará a esta mesa, para se conferir, e taxar, e sem isso não correrá. Lisboa 30. de agosto de 1678.

Marquês Presidente. Magalhães de Menezes, Carneiro. Mousinho.

Está conforme com seu original. Convento de N. Senhora da Graça 15. de setembro de 1679.

Fr. Diogo de Teive

Pode correr em Lisboa 15. de setembro de 1679.

F C. B.

Taxam este livro de Sermões do Padre Antônio Vieira, em mil e duzentos réis. Lisboa 18. de setembro de 1679.

Marquês P. Magalhães de Menezes. Roxas. Basto. Rego. Lampreia.

PRIVILÉGIO REAL

Eu, o príncipe como Regente, e Governador dos Reinos, e Senhorios de Portu­gal, e dos Algarves, Faço saber, que o Padre Antônio Vieira me representou, por sua peti­ção, que tinha impresso com as licenças necessárias a Primeira Parte dos Sermões que oferece em um Tomo, que contém quinze; pedindo-me lhe fizesse mercê conce­der privilégio na forma do estilo, e visto o que alegou, hei por bem que por tempo de dez anos nenhum Livreiro, nem Impressor possa imprimir, nem vender o Livro dos Sermões referidos, nem mandá-lo vir de fora do Reino, sob pena de perdimento dos volumes, que lhe forem achados, e de cinquenta cruzados, ametade para a minha Câmera, e a outra para o acusador. Este alvará se cumprirá, como nele se contém, e valerá posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo da Orden. do Liv. 2. Tit. 40. em contrário. E pagou de novos direitos quinhentos e quarenta réis, que se carregaram ao Tesoureiro deles Pedro Soares à Fol. 63. do liv. 4. de sua receita. Luís Goudinho de Niza o fez em Lisboa a trinta de setembro de mil seiscen­tos e setenta e nove. José Fagundes Bezerra o fez escrever.

PRÍNCIPE

Marquês Mordomo-Mor

Alvará do Padre Antônio Vieira, por que V. A. há por bem de lhe conceder privilégio por tempo de dez anos, para nenhum Livreiro ou Impressor vender, nem imprimir, ou mandar vir de fora do Reino o Livro de Sermões de que trata, na maneira acima declarada.

Para V. A. ver.