Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Sermão do Santíssimo Sacramento em Santa Engrácia, do Padre António Vieira


Edição de referência:

Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.

SERMÃO DO SSMO. SACRAMENTO

                        EM SANTA ENGRÁCIA. ANO DE 1645

                             Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus.[1]

I

Por que  somente na instituição do sacramento da Eucaristia Jesus usou, e por duas vezes, o advérbio: verdadeiramente. O Mistério da Fé por antonomásia torna-se para o autor o mistério da razão. Os sete inimigos dessa verdade: o judeu, o gentio, o herege, o filósofo, o político, o devoto e o demônio.

                       Duas palavras de mais, ou uma duas vezes repetida, achava eu com fácil repa­ro na cláusula que propus do Evangelho: Vere cibus, vere potus (Jo. 6, 56). Todos os mistérios da fé, todos os sacramentos da Igreja são verdadeiros mistérios e verdadei­ros sacramentos; contudo, se atentamente lermos todos os Evangelhos, se atenta­mente advertirmos todas as palavras de Cristo, acharemos que em nenhum outro mistério, em nenhum outro sacramento, senão no da Eucaristia, ratificou o Senhor aquela palavra Vere: verdadeiramente. Instituiu Cristo o sacramento da Penitência, e disse: Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis: A quem perdoardes os pecados, serão perdoados (Jo. 20, 23). E não disse: vere, verdadeiramente perdoados. Insti­tuiu o sacramento do Batismo, e disse: Qui crediderit et baptizatus fuerit, salvus erit: Quem crer e for batizado será salvo (Mc. 16, 15). Mas não disse: vere, verda­deiramente salvo. Pois se nos outros mistérios, se nos outros sacramentos, não expressou o soberano Senhor, nem ratificou a verdade de seus efeitos, no sacramento de seu corpo e sangue, por que confirma com tão particular expressão? Por que a ratifica uma e outra vez: Vere est cibus, vere est potus? Nas maiores alturas sempre são mais ocasionados os precipícios, e como o mistério da Eucaristia é o mais alto de todos os mistérios, como o sacramento do corpo e sangue de Cristo é o mais levantado de todos os sacramentos, previu o Senhor que havia de achar nele a fra­queza, e descobrir a malícia maiores ocasiões de duvidar. Haviam-no de duvidar os sentidos, e haviam-no de duvidar as potências; havia-o de duvidar a ciência, e ha­via-o de duvidar a ignorância; havia-o de duvidar o escrúpulo, e havia-o de duvidar a curiosidade, e onde estava mais ocasionada a dúvida, era bem que ficasse mais expressa e mais ratificada a verdade. Por isso ratificou a verdade de seu corpo debai­xo das espécies da hóstia: Caro mea vere est cibus; por isso ratificou a verdade de seu sangue debaixo das espécies do cálix: Et sanguis meus vere est potus.

Suposta esta inteligência, que não é menos que do Concílio Tridentino, e suposta a ocasião desta solenidade, instituída para desagravar a verdade deste soberano mistério, vendo-me eu hoje neste verdadeiramente grande teatro da fé, determino sustentar contra todos os inimigos dela a verdade infalível daquele vere: Vere est cibus, vere est potus. Estas duas conclusões de Cristo havemos de defender hoje com sua graça. E porque os princípios da fé contra aqueles que a negam, ou não valem, ou não querem que valham, ainda que infalíveis, pondo de parte o escudo da mesma fé, e saindo a campo em tudo com armas iguais, argumentarei somente hoje com as da razão. O mistério da Eucaristia cha­ma-se Mistério da Fé por antonomásia: Hic est calix sanguinis mei, novi et aeterni testa­ment mysterium fidei; mas hoje, com novidade pode ser que nunca ouvida, faremos o Mistério da Fé mistério da razão. Sairão a argumentar contra a verdade deste mistério não só os inimigos declarados dela, mas todos os que por qualquer via a podem dificultar: e serão sete. Um judeu, um gentio, um herege, um filósofo, um político, um devoto, e o mesmo demônio. Todos estes porão suas dúvidas, e a todos satisfará a razão. E para que a vitória seja mais gloriosa, vencendo a cada um com suas próprias armas, ao judeu respon­derá a razão com as Escrituras do Testamento Velho, ao gentio com as suas fábulas, ao herege com o Evangelho, ao filósofo com a natureza, ao político com a conveniência, ao devoto com os seus afetos, e ao demônio com as suas tentações. Temos a matéria. Para que seja a glória de nossa santa fé e honra do diviníssimo Sacramento, peçamos àquela Senho­ra que deu a Deus a carne e sangue de que se instituiu este mistério, e não é menos interessada na vitória de seus inimigos, nos alcance a luz, o esforço, a graça, que para tão nova batalha havemos mister. Ave Maria.

II

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O Primeiro inimigo. o judeu. Primeira objeção. a possibilidade do sacramento. Por que Cristo, em vez de atender-lhes a dúvida ameaçou-lhe a malícia? Para os judeus, apoiando-se nas Escrituras, é impossível Deus, imenso, limitar-se ao pão; e invisível, limitar-se ao visível. Por que então no deserto pediram a Arão, sacerdote, que lhes fizesse um Deus visível? O que eles pediram, nós recebemos. Um argumento a nosso favor: os judeus adoraram o bezerro e foram castigados; nós adoramos a hóstia e não o somos, embora os primeiros cristãos tenham sido judeus. Se o judeu crê nos outros milagres da Escritura, por que não crer na Eucaristia? Se crê no poder das palavras de Josué ao sol e de Moisés à rocha, por que não acreditar no poder das palavras do sacerdote? Para o judeu crer na Eucaristia não lhe é necessária nova fé. Cristo ao instituir a Eucaristia não pediu entendimento, pediu memória.

                      Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus. O primeiro inimigo de Cristo que temos em campo contra a verdade daquele sacrossanto mistério, é o judeu. Judaica perfídia foi, como se crê, a que deu causa à dor, e ocasião à glória deste grande dia. Mas, para convencer o judeu, e o sujeitar à fé do mistério da Eucaristia, não há mister a razão as nossas Escrituras, bastam-lhe as suas mesmas. A primeira e maior dúvida que tiveram os judeus contra a verdade deste sacramento, foi a possibilidade dele, Quomodo potest hic nobis carpem suam dare ad manducandum? Como pode este, diziam, dar-nos a comer sua carne? (Jo. 6, 53). Não é possível. E Cristo que lhes respondeu? Nisi mandu­caveritis carnem Filii hominis, et biberitis ejus sanguinem, non habebitis vitam in vobis(Jo. 6, 54): Se não comerdes a minha carne e beberdes o meu sangue, não tereis vida. – Senhor, com licença de vossa sabedoria divina, a questão dos judeus era duvidarem da possibilidade deste mistério, e as dúvidas postas em presença do mestre, soltam-se com a explicação, e não com o castigo. Se estes homens duvidam da possibilidade do mistério, dizei-lhes como é possível, e declarai-lhes o modo com que pode ser, e ficarão satisfeitos. Pois por que seguiu Cristo neste caso outro caminho tão diferente, e em lugar de lhes dar a explicação, os ameaçou com castigo? A razão foi, porque os que duvidavam neste passo eram os judeus: Litigabant ergo judaei (Jo. 6, 53), e para os judeus conhecerem a possibi­lidade daquele mistério, não é necessária a doutrina de Cristo: basta-lhes as suas Escrituras e a razão. Provo do mesmo texto. Litigabant ergo judaei. Diz que os judeus litigavam uns contra os outros sobre o caso. Se litigavam, logo uns diziam que sim, outros que não: os que diziam que sim, davam razões para ser possível; os que diziam que não, davam razões para o não ser; e eram tão eficazes as razões dos que diziam que sim, que não teve Cristo necessidade de dar as suas. Por isso, acudiu à pertinácia com o castigo, e não à dúvida com a explicação. Três coisas concorriam nesta demanda: a dúvida do mistério, a malícia dos que o negavam, e a razão dos que o defendiam. E quando Cristo parece que havia de acudir à dúvida com a explicação, acudiu à malícia com o castigo, porque os argumentos dos que negavam o mistério já estavam convencidos na razão dos que o defendiam. De maneira que, para convencer ao judaísmo da possibilidade do Sacramento da Eucaristia, não é necessária a fé, nem a doutrina de Cristo: basta a fé e a razão dos mesmos judeus.

                                                                                                                             

                       E se não, desçamos em particular aos impossíveis que neste mistério reconhe­ce, ou se lhe representa judeu que o mistério da Eucaristia, na forma em que o cremos os cristãos, nem é possível quanto à substân­cia, nem quanto ao modo. Não é possível quanto à substância, porque, como diz Moisés no Êxodo, e Salomão no terceiro dos Reis (Êx. 33, 20; 3 Rs, 8, 27), Deus é imenso e invisível, e o imenso não se pode limitar a tão pequena esfera, nem o invisível reduzir-se ao que se vê. E não é possível quanto ao modo, porque, como diz Davi nos salmos (51. 71, 18; 135, 4), o autor dos milagres é só Deus, e o sujeito dos milagres são as criaturas; sendo logo o sacerdote criatura, como pode fazer milagres em Deus, e converter em corpo de Deus a substância do pão: Quomodo potest? Para satisfazer a razão as aparências destes dois impossíveis, não tem neces­sidade de ir buscar razões a outros entendimentos, porque no entendimento dos mesmos judeus as tem ambas concedidas e convencidas.

                       Enquanto Moisés se detinha no monte recebendo a lei, cansados os judeus (que agora não cansam) de esperar, disseram assim a Arão: Fac nobis Eloim, qui nos praecedat (Êx. 32, 1): Arão, fazei-nos um Deus que possamos ver e seguir, e vá diante de nós nesta viagem. – Notai a palavra Eloim, que não só significa Deus, senão o Deus verdadeiro que criou o céu e a terra. Assim o escreveu Moisés nas primeiras palavras que escreveu: In principio creavit Eloim caelum et terrain (Gên. 1, 1). Esta proposta pois dos judeus tinha dois grandes reparos: o primeiro, que pediram a um homem que lhes fizesse Deus; o segundo, que pediram isto a Arão, e não a outro homem. Não sabiam os hebreus que Deus é imenso e que ocupa todo o lugar? Pois como lhe pediam que fizesse um Deus que pudesse mudar lugar e ir diante? Não sabiam que Deus é invisível, e fora da esfera e objeto dos olhos humanos? Pois como pediam que lhes fizesse um Deus que pudessem ver e seguir? Tudo isto quer dizer: Qui nos praecedat. E já que pediam esta grande obra e este grande milagre a um homem, não estavam ali outras grandes pessoas, cabeças das tribos e governadores do povo, e sobre todos não estava Hur, nomeado pelo mesmo Moisés por adjunto de Arão, enquanto durasse a sua ausência? Habetis Aaron, et Hur; si quid natum fuerit quaestionis, referetis ad eos.[2] Pois por que não pediram a Hur, ou a algum dos outros, que obrasse essa maravilha, senão a Arão e só a Arão? Aqui vereis quão racionais são e quão conformes ao entendimento humano os mistérios da fé católica. Ainda quando os judeus foram hereges da sua fé, não puderam negar a razão da nossa. Pediram os judeus a Arão que lhes fizesse um Deus que pudessem ver e seguir, porque entenderam que ainda que Deus era imenso e invisível, sem menoscabo de sua grandeza, se podia limitar a menor esfera, e sem perigo de sua invisibilidade, se podia encobrir debaixo de alguma figura e sinal visível. E escolheram por ministro desta maravilha a Arão, que era sacerdote, e não a outrem, porque entenderam também que ação tão sobrenatural e milagrosa, como pôr a Deus debaixo de espécies criadas, não podia competir a outro senão ao sacerdote. Eis aqui o que os judeus pediram então, e eis aqui o que nós adoramos hoje: um Deus debaixo de espécies visíveis, posto nelas milagrosamente por ministério dos sacerdotes. Os judeus foram os que traçaram o mistério, e nós somos os que o gozamos; eles fizeram a petição, e nós recebemos o despacho; eles erraram, e nós não podemos errar. E em que esteve a diferença? Esteve só a diferença em que eles creram que se podia fazer esta maravilha por autoridade humana: Fac nobis Eloim qui nos praecedat; e nós cremos que só se faz e se pode fazer por autoridade divina: Hocfticite in mean commemora­tionem (Lc. 22, 19). E que crendo o judeu que se podia fazer por poder humano, não creia que se possa fazer por onipotência divina: Quomodo potest? Não é isto só erro da fé: é cegueira da razão.

                       E se não, ajude-se a razão da experiência. Quando os judeus neste caso adora­ram o bezerro, no mesmo dia os castigou Deus, matando mais de vinte mil deles (Êx. 32, 18). É assim? Logo bem se segue que está Deus na hóstia consagrada. Provo a conseqüência. Se Deus, ponhamos este impossível, se Deus não está naquela hóstia, todos os cristãos somos idólatras, como o foram os judeus quando adoraram o be­zerro. É certo porque em tal caso reconhecemos divindade onde a não há. Pois se somos idólatras, por que nos não castiga Deus, assim como castigou aos judeus? Aperto a dúvida: porque os judeus adoraram o bezerro uma só vez, os cristãos ado­ramos a hóstia consagrada há mil e seiscentos anos; os judeus adoraram o bezerro em um só lugar, os cristãos adoramos o Sacramento em todas as partes do mundo; os judeus que adoraram o bezerro eram de uma só nação, e os cristãos que adoram o Sacramento são de todas as nações do universo. Ainda falta o mais forçoso argu­mento. Muitos dos que crêem e adoram este soberano mistério, são hebreus da mes­ma nação, verdadeiramente convertidos à fé; o mesmo autor e instituidor dele, Cris­to Redentor e Senhor nosso, era hebreu; os primeiros que o adoraram, creram e comungaram, que foram os apóstolos e os discípulos, eram também hebreus, e esses mesmos hebreus foram os primeiros sacerdotes que o consagraram, e os primeiros pregadores que o levaram, promulgaram, fundaram e estabeleceram por todo o mundo. Pois se Deus é o mesmo, e os adoradores deste mistério os mesmos, por que os não castiga Deus a eles e a nós, como castigou aos antigos hebreus? Se adorar aquela hóstia é idolatria, como foi adorar o bezerro, por que sofre Deus mil e seiscentos anos na face de todo o mundo, o que não sofreu um dia em um deserto? É porque eles foram verdadeiramente idólatras, e nós somos verdadeiros fiéis; é porque eles, adorando o bezerro, reconheciam divindade onde não havia, e nós, adorando aquela hóstia consagrada, reconhecemos divindade onde verdadeiramente está Deus. De maneira, judeu, que com o teu mesmo castigo, com as tuas mesmas Escrituras, e com o teu mesmo entendimento, te está convencendo a razão a mesma verdade que negas, e os mesmos impossíveis e dificuldades que finges.

Mas vamos continuando e discorrendo por todas as dificuldades deste misté­rio, e veremos como os judeus as têm já crido todas nas suas Escrituras. O Sacra­mento da Eucaristia por antonomásia é mistério do Testamento Novo: Hic calix novum testamentum est in meo sanguine (I Cor. 11, 25). Mas de tal modo é mistério novo, e do Testamento Novo, que todas as suas dificuldades se creram e se tiraram no Velho. Grande dificuldade é desse mistério, que o pão se converta em corpo de Cristo, e o vinho em seu sangue; mas se o judeu crê nas suas Escrituras que a mulher de Jó se converteu em estátua, se crê que a vara de Moisés se converteu em serpente,se crê que o Rio Nilo se converteu em sangue, que razão tem para não crer que o pão se converte em corpo de Cristo?[3] Grande dificuldade é deste mistério que se con­servem os acidentes fora do sujeito e que subsistam por si sem o arrimo da substân­cia; mas se o judeu crê que a luz, que é acidente do sol, foi criada ao primeiro dia, e o sol, que é a substância da luz, foi criado ao quarto, que razão tem para não crer que existam os acidentes de pão que vemos, onde não tem substância de pão que os sustente[4] Grande dificuldade é neste mistério que receba tanto o que comungou toda a hóstia, como o que recebeu uma pequena parte; mas se o judeu crê que quan­do seus pais iam colher o maná ao campo, os que colhiam muito e os que colhiam pouco, todos se achavam igualmente com a mesma medida, que razão tem para não crer que assim os que recebem parte, como os que recebem toda a hóstia, comungam todo Cristo[5] Finalmente é grande dificuldade neste mistério, que todas as maravi­lhas dele se obrem com quatro palavras, e que esteja Deus sujeito e como obediente às do sacerdote; mas se o judeu crê que a três palavras de Josué obedeceu Deus, e parou o sol, e que por não crer Moisés que bastavam palavras para converter a penha em fonte, foi condenado a não entrar na Terra de Promissão, que razão tem para não crer que bastam as palavras do sacerdote para que Cristo desça e o pão se mude?[6] De maneira que para o judeu confessar a possibilidade no mistério da Eucaristia, em que tropeça, não lhe é necessário nova fé, nem a nossa: basta-lhe a velha, a sua, ajudada só da razão. O que creu nas suas Escrituras, é o que aqui lhe manda crer a fé, só com esta diferença, que aqui mandam-se-lhe crer por junto os milagres que lá creu repartidos. A seu profeta o disse: Memoriam fecit mirabilium suorum, estam dedit timentibus se (Sl. 110, 4): Fez uma memória Deus das suas maravilhas no pão que deu a comer aos que o temem. – De sorte que a memória é nova, mas as maravi­lhas são antigas; lá estavam divididas, aqui estão compendiadas.

Donde é muito para notar acerca do Memoriam fecit, que quando Cristo instituiu e se deixou no Sacramento, não pediu mais que memória: In mei memoriam facietis. (7) E por que não pediu entendimento e vontade? Cristo neste mistério pretendia amor e fé; para o[7] amor era necessária vontade, para a fé entendimento; pois, por que se cansa em encomen­dar a memória? Porque o lugar onde Cristo instituiu este mistério era Jerusalém, e as pessoas diante de quem o instituiu, eram os judeus, e para Jerusalém e os judeus crerem e amarem este mistério, não lhes é necessário discorrerem com o entendimento, nem aplica­rem nova vontade; basta que se lembrem com a memória. Lembrem-se do que creram na sua lei, e não duvidarão de adorar o que nós cremos na nossa. Nenhuma nação do mundo tem mais facilitada a fé do Santíssimo Sacramento que os judeus, porque as outras nações para crerem, hão mister entendimento e vontade; o judeu para crer, basta-lhe a memória. Lembrem-se, e crerão. De sorte que a infidelidade nos judeus não é tanto infidelidade, quanto esquecimento: não crêem porque se não lembram. E se basta a memória para crerem, quanto mais bastará o discurso e a razão? Confessem pois convencidos dela a verdade infalível daquele Vere: Vere est cibus, vere est potus.

                                                                                               

III

Segundo inimigo: o gentio. O exemplo de Atreu, dando a comer as carnes de seu filho. Averróis horroriza-se com as palavras de Cristo. Apoiando-se em Tertu­liano, o autor usa contra os gentios suas próprias fábulas, A idolatria é degrau para a fé. Vários exemplos tirados da mitologia. Nada há de descrédito para nossa religião nessas semelhanças. Davi e S. Pedro encarecem os mistérios da fé compa­rando-os com as fábulas pagãs. Se o gentio crê na fábula, que é arremedo, por que não crer na existência verdadeira de suas fábulas?

Ao gentio também lhe parece impossível este mistério, e a maior dificuldade que acha nele, são as mesmas palavras de Cristo: Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potos. Como é possível, diz o gentio, que seja Deus quem diz que lhe comam a carne e lhe bebam o sangue? Quando Atreu deu a comer a Tiestes a carne de seu filho, diz a gentilidade, que fez tal horror este caso à mesma natureza, que o sol contra seu curso tornou atrás, por não contaminar a pureza de seus raios dando luz a tão abominável mesa.[8] Como pode logo ser Deus quem diz que lhe comam a carne e lhe bebam o sangue? E como podem ser homens os que comem a carne e bebem o sangue a seu próprio Deus? Pareceu tão forçoso este argumento, tão desu­mana esta ação a Averróis, comentador de Aristóteles, que só por não ser de uma lei em que era obrigado a comer seu Deus, não quis ser cristão, e se deixou morrer gentio.

Aos argumentos dos gentios prometeu a razão que responderia com as suas fábu­las; e por que não pareça pouco sólido este novo modo de responder, ouçamos primeiro a Tertuliano.[9] Argumentando contra a gentilidade, Tertuliano, no seu Apologético, disse que as fábulas dos gentios faziam mais críveis os mistérios dos cristãos. Parece proposição dificultosa, porque as fábulas dos gentios são mentiras, são fingimentos; os mistérios dos cristãos são verdades infalíveis: como logo pode ser que a mentira acrescente crédito à verdade? O mesmo Tertuliano se explicou com o juízo que costuma: Fideliora sunt nostra, magisque credendo, quorum imagines quoque fidem inventeront. As fábulas dos gentios, se bem se consideram, são uns arremedos, são umas semelhanças, são umas imagens ou imaginações dos mistérios dos cristãos. E se os gentios deram fé ao arremedado so­mente dos nossos mistérios, por que a não hão de dar ao verdadeiro deles? Se creram e adoraram os retratos, por que hão de duvidar a crença e negar a adoração aos originais? Fideliora, magisque credendo, quorum imagines quo que filem invenerunt. Com a sua mesma idolatria está convencendo a razão aos gentios para que não possam negar a fé, porque nenhuma coisa lhes propõe tão dificultosa de crer a fé, que eles a não tenham já concedido e confessado nas suas fábulas. Daqui se entenderá a razão e providência altís­sima que Deus teve, para permitir a idolatria no mundo. E qual foi? Para que a mesma idolatria abrisse o caminho à fé e facilitasse no entendimento dos homens a crença de tão altos e tão secretos mistérios, como os que Deus tinha guardado para a lei da graça. Assim como Deus neste mundo criou um homem para pai de todos os homens, que foi Adão, assim fez outro homem para pai de todos os crentes, que foi Abraão. A um deu o primado da natureza, a outro a primazia da fé. Mas esse mesmo Abraão, se bem lhe examinarmos a vida, acharemos que antes de crer no verdadeiro Deus, foi idólatra: TharepaterAbrahae, et Nachor, servieruntque dus alienis.[10] Pois idólatra Abraão, que há de ser pai de todos os crentes? Sim, e por isso mesmo. Permitiu Deus que o pai da fé fosse filho da idolatria, porque a idolatria é degrau e sucessão para a fé. A porta da fé é a credulidade, como dizem os teólogos, porque antes de uma coisa ser crida, há de julgar o entendimento que é crível. E isto é o que fez a idolatria no mundo, vindo diante da fé. A idolatria semeou a credibili­dade, e a fé colheu a crença; a idolatria, com as fábulas, começou a fazer os gentios crédulos, e a fé, com os mistérios acabou de os fazer crentes. Como a fé é crença de coisas verdadeiras e dificultosas, a idolatria facilitou o dificultoso, e logo a fé introduziu o verda­deiro. As repugnâncias que tem a fé, e o grande, o árduo, o escuro, e o sobrenatural dos mistérios: crer o que não vejo, e confessar o que não entendo. E estas repugnâncias já a idolatria as tinha vencido nas fábulas, quando a fé as convenceu nos mistérios.

Suposta esta verdade, ficam mui fáceis de crer aos gentios quaisquer dificuldades que se lhes representem no Sacramento do Altar, porque tudo o que nós cremos neste mistério, creram eles primeiro nas suas fábulas. Se os gentios criam que no pão comiam um deus e no vinho bebiam outro, no pão a Ceres e no vinho a Baco, que dificuldade lhes fica para crerem que debaixo das espécies do pão comemos a carne, e debaixo das espécies do vinho bebemos o sangue do nosso Deus? Se comêssemos a carne e sangue em própria espécie, seda horror da natureza, mas debaixo de espécies alheias, tão naturais como as de pão e vinho, nenhum horror faz nem pode fazer, ainda a quem tenha a vista tão mimosa e o gosto tão achacado como Averróis.

Em todos os outros impossíveis que se representam ao gentio neste mistério corre o mesmo. Parece impossível neste mistério que a substância do pão passe a ser corpo de Cristo; parece impossível que a quantidade do pão ocupe um só lugar na mesma hóstia; parece impossível que o mesmo manjar cause morte e cause vida; pare­ce impossível que o mesmo Cristo esteja juntamente no céu e mais na terra; parece impossível que desça Deus cada dia à terra para se unir com o homem e o levar ao céu; e parece finalmente impossível que o homem comendo se transforme, com um bocado, de homem em Deus. Mas, se os gentios criam (desfaçamos todos esses impossíveis) se os gentios criam que Dafne se converteu em louro, que Narciso se converteu em flor, que Níobe se converteu em mármore, Hipomenes em leão e Aretusa em fonte, que razão lhes fica para duvidar que o pão se converte em corpo e o vinho em sangue de Cristo?[11] Se os gentios criam que no corpo de Gerião havia três corpos, que razão têm para duvidar que a quantidade do corpo de Cristo, e a quantidade do pão, sendo duas,        ocupem um só lugar na mesma hóstia?[12] Se os gentios criam que a espada de Aquiles feriu a Telefo, quando inimigo, e que a mesma espada o sarou depois quando reconci­liado, que razão têm para duvidar que o mesmo corpo de Cristo é morte para os obsti­nados e vida para os arrependidos?[13] Se os gentios criam que Hecate estava juntamen­te no céu, na terra e no inferno: no céu com e nome de Lua; na terra com o nome de Diana, no inferno com o nome de Proserpina,[14] que razão têm para duvidar que o mesmo Cristo está no céu e na terra, e em diversos lugares dela juntamente? Se os gentios criam que Júpiter desceu à terra em chuva de ouro, para render e obrigar a Danae, e em figura de águia para levar ao céu a Ganímedes[15] que razão lhes fica para duvidar que desça Deus à terra em outros dois disfarces para render e se unir com os homens nesta vida, e para os levar ao céu na outra? Finalmente se os gentios crêem que Glauco, mastigando uma erva, mudou a natureza e se converteu em Deus do mar[16] que dificuldade têm para crer que por meio daquele manjar soberano mudem os cris­tãos a natureza, e de humanos fiquem divinos? Assim que não lhes fica razão nenhuma de duvidar neste mistério aos gentios, porque tudo o que se manda crer no Sacramento, creram eles primeiro nas suas fábulas.

Nem cuide alguém que é descrédito de nossa religião parecerem-se os seus mistérios com as fábulas dos gentios, porque antes esse é o maior crédito da fé e o maior abono da onipotência. Louva Davi os mistérios da lei escrita, e encarece-os por comparação às fábulas dos gentios: Narraverunt mihi iniqui fabulationes, sed non ut lei tua.[17] Louva S. Pedro os mistérios da lei da graça, e encarece-os por comparação às fábulas da mesma gentilidade: Non enfim doctas fabulas secutt, notam facimus vobts vtrtutem, et praesentiam Jesu Christi.[18] Notável comparação e notável conformidade entre as duas maio­res colunas da lei velha e nova! Se Davi e Pedro querem encarecer os mistérios divinos da fé por comparação à gentilidade, por que os não comparam com as histórias dos gentios, senão com as suas fábulas? A profissão da história é dizer verdade, e as histórias dos gentios tiveram feitos heróicos e casos famosíssimos, como se vê nas dos gregos e dos romanos. Pois por que comparam Davi e Pedro os mistérios sagrados, não às histórias, senão às fábulas? Porque as histórias contam o que os homens fizeram, e as fábulas con­tam o que os homens fingiram; e vencer Deus aos homens no que puderam fazer, não é argumento de sua grandeza, mas vencer Deus aos homens no que souberam fingir, esse é o louvor cabal de seu poder. Que chegassem as obras de sua onipotência onde chegaram os fingimentos de nossa imaginação, que chegasse a onipotência divina obrando, onde chegou a imaginação humana fingindo? Grande poder! Grande sabedoria! Grande Deus! Isto é o que adoramos e confessamos naquele mistério. As fábulas dos gentios foram imaginações fingidas das maravilhas daquele mistério, e as maravilhas daquele mistério são existências verdadeiras das suas fábulas. Pois se as creram na imaginação, por que as hão de negar na realidade? Confesse logo o gentio, convencido da razão, a verdade mani­festa daquele Vere, e diga: Vere est ctbus, vere est potus.

IV

§ IV                 Terceiro inimigo: o herege. Objeção: Cristo muitas vezes chama pão a este mistério, logo é pão. É preciso estudar-se a terminologia dos livros sagrados. As Escrituras dão nome às coisas, ou pelo que foram, ou pelo que parecem, ou pelo que são. Segunda objeção: se assim é, Cristo poderia ter chamado corpo ao pão, sem que isto viesse alterar a substância do pão. Ainda mais: é chamado vide, pedra e cordeiro, sem ser nenhuma dessas três coisas. Razão da palavra vere. Distinção entre sentido metafórico e verdadeiro.

O herege, como inimigo doméstico, argumenta com o Evangelho, e das pala­vras de Cristo forma armas contra o mesmo Cristo, Crê e pretende provar que o que está debaixo das espécies sacramentais é verdadeira substância de pão, e argúi desta maneira: Cristo no Evangelho chama muitas vezes pão a este mistério: Hic est gants, qut de caelo descendtt. Qut manducat hunc panem, vtvei tn aeternum.[19] Cristo chama-lhe pão? Logo é pão. Provo a conseqüência, diz o herege. Porque a razão porque os católicos cremos que na hóstia está a substância do corpo de Cristo, é porque Cristo disse: Hoc est corpus meum: Este é meu corpo (Mt. 26, 26). Pois se na hóstia está a substância do corpo, porque Cristo disse: Hoc est corpus meum, também na hóstia está a substância de pão, porque Cristo disse: Hic est panis.

Responde a razão facilmente. Chama Cristo pão à hóstia consagrada sem ser pão, porque ainda que não é pão, foi pão, ainda que não é pão, parece pão, e para ter o nome não é necessário ser, basta haver sido; não é necessário ser, basta parecer. Prova a razão com o mesmo Evangelho. Panis quem dabo, caro mea est (Jo. 6, 52): O pão que eu vos hei de dar, diz Cristo, é meu corpo. – Pois; se é corpo, por que lhe chama pão? E se lhe chama pão, por que lhe chama corpo? Chama-lhe corpo pelo que é, e chama-lhe pão, pelo que foi? Chama-lhe corpo pelo que é, e chama-lhe pão pelo que parece. Aquela hóstia não é pão, mas foi pão e parece pão, e basta o parecer e o haver sido, para se chamar assim. E por que não possa dizer o herege que isto é explicação humana e nossa, veja ele, e vejam todos, como esta é a frase e o modo de falar de Deus e de suas Escrituras. Convertida a vara de Moisés (que também se chama de Arão) em serpente, convertidas também em serpentes as varas dos magos de Faraó, investiu a serpente de Moisés as outras, e diz assim o texto: Virga Aaron devoravit virgas eorum: a vara de Moisés comeu as varas dos egíp­cios (Êx. 7, 12). Parece que não havia de dizer assim. As serpentes dos egípcios não as comeu a vara de Moisés, senão a serpente de Moisés, porque a vara não podia comer, senão a serpente. Pois se a serpente foi a que comeu, por que se diz que comeu a vara? Porque a serpente de Moisés tinha sido vara de Moisés, e para a serpente se chamar vara, basta que tenha sido vara, ainda que seja serpente. O mesmo passa neste mistério. A hóstia consagrada, que agora é corpo de Cristo, tinha sido pão; e para a hóstia, que é corpo de Cristo, se chamar pão, basta que tenha sido pão, ainda que seja corpo de Cristo. De sorte que, sem ser pão, se pode chamar pão, não porque o é, senão porque o foi. Da mesma maneira se chama pão, não porque o é, senão porque o parece. Refere o texto sagrado a criação dos planetas e astros celestes, e diz que fez Deus duas luzes, ou lumieiras, como lhes chama o texto, maiores que todas, que são o sol e a lua: Fecit duo luminaria magna (Gên. 1, 16). Se consultarmos a astrologia, havemos de achar que a maior de todas as luzes celestes é o sol, e a menor de todas é a lua. Pois se a lua é o menor de todos os astros, por que se chama maior? Que se chame maior o sol, é devido esse nome à sua grandeza; mas chamar-se maior a lua? Sim. O sol chama-se maior, porque o é; a lua chama-se maior porque o parece. Todos os astros são maiores que a lua, mas a lua parece maior que todos, e basta que pareça maior, ainda que o não seja, para que se chame maior. Assim, nem mais nem menos, aquela sagrada hóstia não é pão, mas parece pão, porque ficaram nela os acidentes de pão em que topam os nossos sentidos; e basta que pareça pão, ainda que o não seja, para que se chame pão: Hic est panis.

E se acaso algum herege se não deixar convencer destes exemplos, por serem do Testamento Velho (que alguns deles negaram, como os maniqueus), no Testa­mento Novo temos os mesmos, e ainda, se pode ver, mais claros. Nas bodas de Caná de Galiléia, quando o arquitriclino, ou regente da mesa, provou o vinho milagroso, diz o evangelista S. João que gostou a água feita vinho: Gustavit architriclinus aquam vinum factam (Jo. 2, 9). Na manhã da ressurreição, quando as Marias entraram no sepulcro, diz o evangelista S. Marcos, que viram um mancebo vestido de branco assentado à parte direita: Viderunt juvenem sedentam a dextris, coopertum stola candida (Mc. 16, 5). E este mancebo, diz S. Mateus que era um anjo: Angelus enim Domini descendit de caelo, et revolvit lapidem, et sedebat super eum.[20] Nestes dois casos tem o herege ambos os seus reparos; o vinho milagroso, depois da conversão, era verdadeiro vinho; o anjo que viram as Marias vestido de branco, também era verdadeiro anjo. Pois se o vinho verdadeiramente e na substância era vinho, como lhe chama ainda água o evangelista S. João: Aquam vinum factam? E se o anjo verdadeiramente e na substância era anjo, como lhe chama homem o evangelista S. Marcos: Viderunt juvenem sedentem? Ambos falaram como evangelistas, e ambos com verdade e propriedade natural. S. João chamou água ao vinho, porque ainda que já não era água, senão vinho, tinha sido água: Aquam vinum factam. E S. Mar­cos chamou ao anjo homem, porque ainda que não era homem, senão anjo, na figura e no trajo parecia homem: Juvenem sedentem, coopertum stola candida. O mesmo acontece na hóstia consagrada, e por isso falou dela Cristo, como os seus evangelis­tas falaram do vinho milagroso e do anjo disfarçado. Assim como a substância da água se tinha convertido em substância de vinho, e contudo se chama água depois da conversão, não porque fosse ainda água, senão porque o tinha sido, assim o corpo de Cristo no Sacramento se chama pão, não porque seja pão, senão porque o foi. E assim como o anjo na substância era verdadeiro anjo, e contudo se chama homem, porque vinha disfarçado em trajos de homens e parecia homem, assim o corpo de Cristo, debaixo das espécies sacramentais, se chama pão, não porque seja pão, senão porque parece pão: Hic est panis.

Sim. Mas daqui mesmo insta e argumenta o herege, que assim como Cristo chamou pão à hóstia sem ser pão, assim lhe podia chamar seu corpo, sem ser seu corpo. Não podia, diz a razão, e daí mesmo o prova e convence admiravelmente. À hóstia pode-se chamar pão sem ser pão, porque foi pão, e parece pão; mas não se pode chamar corpo de Cristo sem ser corpo de Cristo, porque nem o foi, nem o parece. De um de três modos se pode chamar a hóstia corpo de Cristo: ou porque o é, ou porque o foi, ou porque o parece. Porque o parece, não, porque aquela hóstia, depois de consagrada, não parece corpo de Cristo. Porque o foi, não, porque aquela hóstia, antes de consagrada, não foi corpo de Cristo. Logo se se chama corpo de Cristo, é porque verdadeiramente o é, e porque não fica outro verdadeiro sentido em que as palavras de Cristo se possam verificar.

Contra-replica ainda o herege obstinadamente. Cristo na Escritura chama-se pedra, chama-se cordeiro, chama-se vide. Chama-se pedra, porque assim o disse S. Paulo: Bibebant de consequente eos petra, petra auteur erat Christus.[21] Chama-se cordeiro, porque assim o disse S. João Batista: Ecce Agnus Dei, ecce qui tollit peccata mundi.[22] Chama-se vide, porque o mesmo Cristo o disse falando de si: Ego sum vitis, vos vospalmites.[23] E contudo, nem Cristo foi pedra, nem parece pedra, nem é pedra; nem foi cordei­ro, nem parece cordeiro, nem é cordeiro; nem foi vide, nem parece vide, nem é vide; logo, ainda que o Sacramento se chame pão, porque foi pão e parece pão, bem se pode chamar corpo de Cristo sem ser Corpo de Cristo, assim como se chama pedra, cordeiro e vide, sem ser vide, cordeiro, nem pedra. Bendita seja, Senhor, a vossa sabedoria e providência, que contra toda a pertinácia e astúcia de tão obstinados inimigos de nossa fé, deixastes armada vossa Igreja, e defendida a verdade desse soberano mistério com uma só palavra: Vere. Entre o sentido verdadeiro e o metafórico há esta diferença: que o sentido metafórico significa somente semelhança; o verdadeiro significa realidade. E para tirar toda esta equivocação e qualquer outra dúvida, o mesmo instituidor do Sacra­mento, Cristo, declarou e repetiu uma e outra vez que o sentido em que falava, assim de seu corpo como de seu sangue, não era metafórico senão verdadeiro. Verdadeiro na significação do corpo: Caro mea vere est cibus, e verdadeiro na significação do sangue: Et sanguis meus vere est potus.

Se eu dissera a Lutero e Calvino, que eram homens, claro está que haviam de entender que falava em sentido verdadeiro, porque ainda que foram dois monstros tão irracionais, eram compostos de alma e corpo. Mas se eu lhes dissera que eram duas serpentes venenosas, que eram dois lobos do rebanho de Cristo, que eram duas pestes do mundo e da Igreja, também haviam de entender que falava em sentido metafórico. Pois a mesma diferença vai do texto de Cristo a esses textos mal inter­pretados que eles alegam contra a verdade do Sacramento. Chama S. Paulo a Cristo pedra, porque assim como da pedra do deserto, de que ele falava, brotou a fonte perene de que bebia o povo de Deus, assim de Cristo manaram, e manam as fontes da graça, de que se alimenta o povo cristão. Chama o Batista a Cristo cordeiro, porque assim como na lei antiga se sacrificavam cordeiros para aplacar a Deus ofen­dido, assim Cristo, figurado neles, se sacrificou na cruz pelos pecados do mundo. E chama-se finalmente o mesmo Cristo vide, porque assim como a vara cortada ou separada da vide não pode dar fruto, assim os que se separam de Cristo e de sua Igreja, como os hereges, não podem fazer obra boa nem meritória. Deste modo é Cristo pedra, é cordeiro, é vide, mas não por realidade, senão por semelhança, e não em sentido verdadeiro, senão no metafórico. Porém, quando o mesmo Senhor fala de seu corpo e de seu sangue como o corpo e sangue de sua sagrada humanidade, era verdadeiro corpo e verdadeiro sangue, e não metafórico, também o sentido em que fala não pode ser metafórico, senão verdadeiro. E se não, respondam estes dois heresiarcas e digam-me se o corpo de Cristo que foi imolado na cruz e o sangue que foi derramado no Calvário era verdadeiro corpo e verdadeiro sangue de Cristo? Ambos eles confessam que sim, pois esse mesmo corpo, que foi imolado na cruz, é o que nos deu Cristo a comer na hóstia, e por isso disse: Hoc est corpus meum, quod pro vobis tradetur.[24] E esse mesmo sangue, que foi derramado no Calvário, é o que nos deu a beber no cálix, e por isso disse: Hic est calix sanguinis mei, qui pro vobis, effundentur.[25] Emudeça logo o herege, tape a boca ímpia e blasfema, e creia, e confesse com as mãos atadas a verdade daquele vere: Vere est cibus, vere est potus.

V

§V

Quarto inimigo: o filósofo. O filósofo usa contra a Eucaristia argumentos tirados da natureza, e com a mesma natureza, mestra da fé, replica o autor Iª obje­ção: as substâncias das coisas são imutáveis? Resposta: na nutrição do corpo hu­mano os alimentos se transformam em substância de carne e sangue em menos de oito horas: o que a natureza faz devagar, Deus faz depressa, e nisto é que está o milagre. IIª objeção: o todo é maior que a parte e a parte menor que o todo, logo Cristo não pode estar todo em uma parte da hóstia. Prova em contrário: o espelho quebrado. Comparação de Davi. IIIª objeção: o entendimento julga pelos sentidos. Mas se a vista se engana nas obras da natureza, como o arco-íris, como não se enganar nas que são sobre a natureza?

0                     O filósofo (que é gente tão cega pela presunção, como os que até agora vimos pela infidelidade) cuida que tem fortíssimos argumentos contra este mistério, e diz que não pode ser verdadeiro por muitos princípios. Primeiro, porque as naturezas e substâncias das coisas são imutáveis: logo o que era substância de pão, não se pode converter em substância de Cristo. Segundo, porque o todo é maior que a parte, e a parte menor que o todo: logo, se todo Cristo está em toda a hóstia, todo Cristo não pode estar em qualquer parte dela. Terceiro: porque o entendimento deve julgar conforme as espécies dos sentidos, que são as portas de todo o conhecimento huma­no: os sentidos cheiram, gostam e apalpam pão, logo pão é e não corpo de Cristo o que está naquela hóstia. Com a natureza argumenta o filósofo, e com a mesma natu­reza o há de convencer a razão, e muito facilmente e sem trabalho, porque com a fé ser sobrenatural, a melhor ou mais fácil mestra da fé é a natureza. Os profetas, que foram os que pregaram e ensinaram os mistérios da fé aos homens, não os mandou Deus ao mundo no tempo da lei da natureza, senão no tempo que se seguiu depois dela, que foi o da Escrita. E por quê? Douta e avisadamente Tertuliano: Praemisit tibi naturam magistram submissurus et prophetiam, quo facilius crederes propheti ae discipulus naturae: Deu Deus primeiro aos homens por mestra a natureza, haven­do-lhes de dar depois a profecia, porque as obras da natureza são rudimentos dos mistérios da graça, e muito mais facilmente aprenderiam os homens o que se lhes ensinasse na escola da fé, tendo sido primeiro discípulos da natureza: Quo facilius crederes prophetiae discipulus naturae. Se queres ser mestre na fé, faze-te discípulo da natureza, porque os exemplos da natureza te desatarão as dificuldades da fé. Ouça pois o filósofo, discípulo da natureza, por mais graduado que seja nela, e verá como lhe desfaz a razão com os princípios de sua mesma escola todos os argumen­tos que tem contra a fé daquele mistério.

A primeira dificuldade responde a razão que não tem a filosofia que se espantar de lhe dizer a fé que a substância do pão se converte na substância do corpo, e a substância do vinho na substância do sangue de Cristo, porque este milagre vemos sensivelmente cada dia na nutrição natural do corpo humano. Na nutrição natural do corpo humano a substância pão e do vinho não se converte em substância de carne e sangue? Pois, se a natureza é poderosa para converter pão e vinho em carne e sangue em espaço de oito horas, por que não será poderoso Deus a converter pão e vinho em substância de carne e sangue em menos tempo? Para confessar este milagre, não é necessário crer que Deus é mais podero­so que a natureza; basta conceder que é mais apressado. O que a natureza faz devagar, por que o não fará Deus um pouco mais depressa? Os dois milagres célebres que Cristo fez em pão e vinho, foram as bodas de Caná e o do deserto: nas bodas converteu a água em vinho; no deserto, com cinco pães, deu de comer a cinco mil homens.[26] Um reparo a ambos os casos. Para Cristo dar pão no deserto, não tinha necessidade de se aproveitar dos cinco pães; para Cristo dar vinho nas bodas, não tinha necessidade de que as jarras se enchessem de água Pois por que não quis dar vinho, senão convertido de água? Por que não quis dar pão, senão multiplicado de pães? A razão foi, diz Santo Agostinho, porque quis que nos exemplos da natureza se facilitasse a fé das suas maravilhas.[27] Na multiplicação dos pães, fez o que faz a terra; na conversão do vinho, fez o que fazem as vides. Na multiplicação dos pães, fez o que faz a terra, porque a terra, semeiam-lhe pouco pão, e dá muito; na conversão do vinho, fez o que fazem as vides, porque as vides, a água que chove do céu, convertem em vinho. Isto fez Cristo no deserto, isto fez Cristo nas bodas. No deserto, de pouco pão fez muito; nas bodas, de água fez vinho. Mas se Cristo fez o que faz a terra, se Cristo fez o que fazem as vides, em que esteve o milagre? Esteve o milagre em que Cristo fez em um instante o que aterra e as vides fazem em seis meses. Oh! que boa doutrina esta, se fora hoje o seu dia! De maneira que o que distingue as obras de Deus, enquanto autor(26) sobrenatural das obras da natureza, é a pressa ou o vagar com que se fazem. Milagres feitos devagar são obras da natureza: obras da natureza feitas depressa são milagres. Isto é o que passa no nosso mistério. Converter pão e vinho em carne e sangue, assim como o faz Cristo no Sacramento, assim o faz a natureza na nutrição, mas com esta diferença, que a natureza fá-lo em muitas horas, e Cristo em um instante. Pois, filósofo, o que a natureza faz devagar, o autor da natureza e da graça, por que o não fará depressa?

O impossível de estar todo em todo, e todo em qualquer parte, também o descrerá o filósofo e confessará facilmente que é possível, se tornar à escola da natureza. Tome o filósofo nas mãos um espelho de cristal, veja-se nele, e verá uma só figura. Quebre logo esse espelho, e que verá? Verá tantas vezes multiplicada a mesma figura quantas são as partes do cristal, e tão inteira e perfeita nas partes grandes e maiores, como nas pequenas, como nas menores, como nas mínimas. Pois assim como um cristal inteiro é um só espelho, e dividido são muitos espelhos, assim aquele círculo branco de pão, inteiro é uma só hóstia, e partido são muitas. E assim como se parte o cristal sem se partir a figura, assim se parte a hóstia sem partir o corpo de Cristo. E assim como a figura está em todo o cristal, e toda em qualquer parte dele, ainda que seja muito pequena, assim em toda a hóstia está todo Cristo, e todo em qualquer parte dela, por menor e por mínima que seja. E assim, finalmente, como o rosto que se vê no cristal, dividido em tantas partes, é sempre um só e o mesmo, e somente se multiplicam as imagens dele, assim também o corpo de Cristo, que está na hóstia dividido em tantas partes, é sempre um só corpo, e somente se multiplicam as suas presenças. Lá o objeto é um só e as imagens são muitas; cá da mesma maneira as presenças são muitas, mas o objeto é um só. Pode haver seme­lhança mais viva? Pode haver propriedade mais própria? Parece que criou Deus o mistério do cristal só para espelho do sacramento. Assim o disse Davi e o entendeu a Igreja: Mittit crystallum suam sicut bucellas: Deita Deus os seus cristais do céu à terra como bocados de pão.[28] Notável, como peregrina comparação! Que seme­lhança têm os bocados de pão com o cristal, ou o cristal com os bocados de pão? Com os bocados do pão usual da vossa mesa, nenhum; mas com os bocados do Pão Sacramental da mesa eucarística, toda aquela semelhança maravilhosa, que vistes. Porque tudo o que no cristal se vê como por vidraças, é o que passa dentro no Sacramento com as cortinas corridas. Assim como no cristal se vê por milagre mani­festo da natureza o todo sem ocupar mais que a parte, a divisão sem destruir a intei­reza, e a multiplicação sem exceder a singularidade, assim na hóstia, com oculta e sobrenatural maravilha, o mesmo corpo de Cristo é um e infinitamente multiplicado, dividido, e sempre inteiro, e tão todo na parte como no todo.

E que não haja o filósofo de crer aos olhos, ainda que lhe digam contentemen­te que ali está pão, a mesma natureza lho ensina com um notável exemplo. Na íris, ou arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedade de cores, e contudo ensina a verdadeira filosofia que naquele arco não há cores, senão luz e água. Pois se a filosofia ensina que não há cor onde os olhos estão vendo cor que muito que ensine a fé que não há pão onde os olhos parece que vêem pão? Por isso dizia Davi, falando de seus olhos, uma coisa muito digna de reparar, em que nin­guém repara: Revela oculos meos, et considerabo mirabilia de lege tua (Sl. 118, 18): Senhor, revelai-me os olhos, e considerarei vossas maravilhas. Parece que ha­via de dizer o profeta: Senhor, revelai-me vossas maravilhas, para que eu as conhe­ça, mas revelai-me os olhos para que conheça vossas maravilhas! Sim, porque mui­tas vezes os olhos contradizem as maravilhas de Deus, como se vê no mistério da Eucaristia. E para entender semelhantes maravilhas, são necessárias duas revela­ções: uma revelação nas maravilhas, para que o entendimento as conheça, outra revelação nos olhos, para que a vista as não contradiga. Mas esta segunda revelação não é necessário que a faça Deus; basta que a faça a razão. Se a vista se engana nas obras da natureza, nas que são sobre a natureza, como se não há de enganar? E se em um arco de luz e nuvem assim erram e desatinam os olhos, em um círculo de nuvem sem luz, que crédito lhes há de dar? Emende logo o filósofo a vista com o discurso, e confesse ensinado da natureza e convencido da razão a verdade indubitável daque­le Vere: Vere est cibus, vere est potus.

VI

§ VI

Quinto inimigo: troca-se mui acertadamente o político pelo demônio. Obje­ção: é impossível que os homens que comungam a Cristo no sacramento sejam como Deus, visto como o demônio apenas querendo assemelhar-se a Deus foi por isso castigado. Se o maná era pão de anjos, como o corpo do Filho de Deus há de ser pão de homens? – Deus unindo-se à natureza humana, e não à angélica, prefe­riu os homens aos anjos. O primeiro inventor da Eucaristia foi o próprio demônio no Paraíso terrestre. Cristo apenas fez verdadeira a sua mentira, consagrando de­baixo das espécies de pão o que ele fingira debaixo das aparências de pomo.

Agora se seguia o político, mas fique para o fim, e entre em seu lugar o diabo, que talvez não seria desacertada esta troca. Tempos houve em que os demônios falavam e o mundo os ouvia; mas depois que ouviu os políticos, ainda é pior mundo. O diabo como soberbo e como ciente, que é dobrada soberba ou dobrada inchação, como lhe chamou S. Paulo. Scientia inflat (1 Cor. 8, 1), argumenta assim: Se os homens comungaram a Cristo no Sacramento, foram como Deus: os homens não podem ser como Deus, logo não comungam a Cristo no Sacramento. A conseqüên­cia, diz o diabo, é tão evidente como minha; a suposição, não a podem negar os homens, porque é sua. Se os homens comungaram a Cristo, foram como Deus; o seu mesmo texto o diz: In me manet, et ego in illo.[29] E que os homens não possam ser como Deus, eu o digo e eu o padeço, diz o demônio; que se eu não intentara no céu ser como Deus, não pagara hoje este impossível, como o estou pagando. Pois se a mim, se a Lúcifer, se à mais nobre de todas as criaturas é impossível a semelhança do Altíssimo: Similis ero Altissimo (Is. 14, 14), ao homem vil, feito de barro, como há de ser possível, não só a semelhança, mas a transformação, que isto quer dizer: Ele em mim e eu nele? Crerem os homens esta loucura é não se conhecerem a si, nem nos conhecerem a nós. Nós, ainda que perseguidos, somos anjos, que quem nos pode roubar o lugar, não nos pode tirar a natureza. E se o maná, que tanto era menos nobre, se chamou pão de anjos, o corpo do Filho de Deus, que excede ao maná com infinita nobreza, como há de ser pão de homens (Sl. 77, 15)!

A última parte deste soberbo argumento do demônio responde a razão com a causa de sua mesma caída. Depois que Cristo uniu a si a natureza humana, e não a angélica: Nusquam an gelos apprehendit, sed semen Abrahae apprehendit,[30] não há que espantar que os homens sejam em tudo preferidos aos anjos. Nesta primeira admiração e neste primeiro assombro se sumirão todos os espantos. E quanto ao impossível de os homens, comendo, poderem ser como Deus, não argumenta o dia­bo contra nós, argumenta contra si. O primeiro inventor, ninguém se espante do que digo, o primeiro inventor da traça, ou do desenho do mistério da Eucaristia, foi o demônio. Quando o demônio tentou a Eva, disse-lhe assim: In quocumque die co­mederitis, eritis sicut Dii (Gên. 3, 5): Comei do pomo vedado, porque no dia que comerdes, ficareis como Deus. – Eis aqui o mistério da Eucaristia, não só quanto à substância, senão também quanto aos efeitos. Quanto à substância, porque diz o demônio que está a divindade em um pomo; quanto aos efeitos, porque diz que, comendo, o homem há de ficar como Deus. Pois vem cá, diabo: De ore tuo te judico.[31] Se tu dizes que o homem comendo ficará como Deus, e que no pomo daquela árvore está encoberta a divindade, como negas que pode estar encoberta a divindade debaixo das espécies de pão, e que comendo o homem pode ficar como Deus? O que Cristo nos concedeu neste mistério é o que 'o diabo nos prometeu no paraíso. Fez Cristo verdadeira a mentira do diabo, para desta maneira o vencer a ele e nos desa­frontar a nós. Naquele encontro do paraíso ficou o demônio vencedor e o homem afrontado; vencedor o demônio porque enganou; afrontado o homem porque ficou enganado, despojado, perdido. Pois que remédio para desafrontar o homem e o vin­gar do demônio? O remédio foi fazer Cristo da sua promessa dádiva, e da sua tenta­ção sacramento: e assim o fez. Da promessa do demônio fez dádiva, porque nos deu a comer a divindade que ele nos prometera comendo: e fez da sua tentação sacra­mento, porque consagrou debaixo das espécies de pão o que ele fingira debaixo das aparências do pomo. De sorte que o demônio ficou vencido, porque a sua mentira ficou verdade, e o homem desafrontado, porque o seu engano ficou fé. O que creram nossos primeiros pais no paraíso é o que nós cremos no Sacramento: eles errada­mente ao diabo, nós acertadamente a Deus.

Daqui se segue que neste mistério, nem o diabo pode ser tentador, nem o homem tentado. O diabo não pode ser tentador, porque se o diabo me quiser tentar na fé do mistério da Eucaristia, respondo-lhe eu assim: Quando tu, diabo, falaste a Eva, ou mentiste, ou disses­te verdade. Se mentiste, não te devo crer, porque quem mentiu então, também mentirá agora. E se falaste verdade, também te não devo crer, porque se falaste verdade, pode Deus pôr divindade naquele pomo. Pois se Deus pode pôr divindade em um bocado, isso mesmo que tu concedes, é o que eu creio. Vai-te embora, ou na má hora. Também o homem não pode ser tentado porque, se o homem é pensamento de Ruperto; se o homem creu ao diabo quando lhe disse que comendo seria como Deus, como há de deixar de crer a Deus quando lhe diz o mesmo? Principalmente que o que o diabo dizia, não cabia na esfera da onipotência, e o que diz Cristo sim. A onipotência de Deus enquanto autor da natureza, tem menor esfera que a mesma onipotência de Deus enquanto autor da graça, porque a onipotência de Deus, enquan­to autor da natureza, só pode produzir efeitos naturais, e por virtude natural não podia estar a divindade em um pomo. A onipotência de Deus, enquanto autor da graça, pode produzir efeitos sobrenaturais, e por virtude sobrenatural pode a divindade estar em um bocado. Pois se os homens foram tão inocentes que creram um impossível ao diabo, porque hão de sertão irracionais, que neguem um possível a Deus? Desengane-se logo o demônio que neste mis­tério não só nos não pode vencer, mas nem ainda nos pode tentar, e confesse obrigado de sua mesma tentação a verdade daquele Vere, que como pai da mentira tem feito negar a tantos. Vere est cibus, vere est potus.

VII

Sexto inimigo: o devoto. Mais por excesso de amor que por falta de fé, quei­xa-se o devoto dos acidentes que encobrem Cristo a seus olhos. Razão: os homens amam mais finamente a Cristo desejado por saudades do que gozado por vista. O desejo de S. Paulo.

O devoto, não por falta de fé, mas por excesso de amor, e mais queixoso dos acidentes que duvidoso da substância, por parte do seu afeto argúi assim como mesmo Cristo: a minha fé com os olhos fechados crê firmemente, Senhor, que estais nesse Sacramento; mas o meu amor com os olhos abertos não pode entender, nem penetrar, como seja possível esta verdade. Se, partindo-vos da terra, quisestes ficar na terra, foi para satisfação do vosso amor e para alívio do nosso; para crédito de vossas finezas e para remédio de nossas saudades. Assim o disse aquele grande intérprete dos segredos de vosso coração neste mistério: De sua contristatis absentia solatium singulare reliquit.[32] Pois se ficastes para nossa consolação, como vos encobris a nossos olhos? Se foi amor o ficar, como pode ser amor o ficar desse modo? Ficar, e ficar encoberto, antes é martírio do desejo que alívio da saudade. Por certo que não eram esses antigamente os estilos de vosso amor, nem da sua paciência. En ipse stat post parietem nostrum respiciens per fenestras, prospiciens per cancellos.[33] Havia sim, entre vós e a alma vossa querida, uma parede, mas com a parede ser sua, havia nela uma gelosia vossa por onde a víeis, e por onde vos via. Para não podermos ver vossa divindade, é nossa a parede deste corpo; mas para não vermos vossa humanidade, vossa é a parede desses acidentes. Pois, se os impedimentos e estorvos da vista são vossos, e vosso amor é onipotente, como quereis que creia o meu amor uma tão grande implicação do vosso, como é amar-me tanto e não vos deixardes ver? A fé o crê muito a seu pesar, mas o amor não o sofre nem o alcança, nem o pode deixar de ter por impossível.

Assim argúi amorosamente queixosa a devoção, mas tem fácil e mui inteira respos­ta a sua piedade. A um afeto amoroso da alma responde a razão com outro afeto mais amoroso de Cristo, e diz que maior amor é em Cristo o não se deixar ver, do que na devoção o desejar vê-lo. Ainda que Cristo se não deixa ver de nós, é certo que se deixou conosco, mas deixou-se de maneira que o não possamos ver, porque fiou mais seu amor de nossos desejos que de nossos olhos. O fim para que Cristo se deixou no Sacramento, foi para que os homens o amássemos. E sendo que o maior conhecimento é causa do maior amor, amam os homens mais finamente a Cristo desejado por saudades, do que gozado por vista. Se eu me não engano, tenho bem imaginada a prova desta verdade. Saudoso S. Paulo de se ver com Cristo, dizia assim: Desiderium habens dissolvi et esse cum Christo.[34] Oh! quem me dera que a minha alma se desatara e desunira do corpo, para poder estar com Cristo! Tendo isto assim, se perguntarmos aos teólogos, se as almas que estão vendo a Cristo têm algum desejo, resolvem todos que sim, e que desejam unir-se com seus corpos. Pois, dificulto agora e parece que apertadamente, se as almas que estão vendo a Cristo desejam unir-se a seus corpos, por que diz a alma de S. Paulo que desejara desatar-se de seu corpo para ir ver a Cristo: Desiderium habens dissolvi et esse cum Christo (Flp.1, 23)? A razão é porque Cristo, em respeito das almas dos bem-aventura­dos, é gozado por vista, e em respeito da alma de S. Paulo, era desejado por saudades, e o amor de Cristo desejado por saudades é muito mais eficaz nesta parte, ou mais afetuoso, ou mais impaciente, que o mesmo amor de Cristo gozado por vista. Cristo gozado por vista, ainda deixa amor a uma alma para desejar unir-se a seu corpo; mas Cristo desejado por saudades, até a união de seu próprio corpo lhe faz aborrecível: Desiderium habens dissolvi et esse cum Christo. E como a Cristo lhe vai melhor com as nossas saudades que com os nossos olhos, por isso se quis deixar em disfarce de desejado, e não em trajos de visto. Descoberto para os olhos, não; encoberto sim para as saudades. Conheça logo a nossa devoção que é fineza, e não implicação do amor de Cristo, o deixar-se invisível naquele mistério, e confesse não só a nossa fé com os olhos fechados, senão o nosso amor com os olhos abertos, a verdade amorosa daquele Vere: Vere est cibus, vere est potus.

VIII

§ VIII

Sétimo inimigo: o político. Os políticos argumentam com a autoridade: Como é pos­sível que o monarca do universo se exponha assim a todos, cercado só de uns acidentes de pão! –Razão: Onde se conquistam venerações, não se perde autoridade. A lançada do lado de Cristo e a Igreja. A construção da igreja de Santa Eustáquia, e os muros de Lisboa.

Ultimamente argumenta o político, e do mesmo caso que deu ocasião a esta solenida­de infere não estar a pessoa soberana de Cristo naquela hóstia. Os príncipes de nenhuma coisa são nem devem ser mais zelosos que de sua autoridade. Já arriscar e expor a soberania da própria pessoa a poder vir às mãos de seus inimigos, antes perderá um príncipe a vida e mil vidas, que consentir tal afronta. E se não, lembre-se a fé do primeiro rei de Israel. Perdida a batalha dos montes de Gelboé contra os filisteus, achava-se Saul tão malferido, que nem se podia retirar nem defender. E que resolução tomou neste caso? Tira-me por esta espada, disse ao seu pajem da lança, e mata-me: Ne forte veniant incirc umcisi isti et interficiant me illuden­tes mihi: Por que não venham estes infiéis, e me tirem a vida, perdendo o respeito (1 Rs. 31, 4). Pelo respeito e pela autoridade o havia, e não pela vida, pois se mandava matar. Não teve ânimo o criado para o executar, e lançando-se o mesmo Saul sobre a pontada sua espada, caiu morto por não cair nas mãos de seus inimigos. Assim estimam os príncipes, e assim devem estimar mais a autoridade que a vida Pois se tanto preço tem na estimação dos monarcas supremos a autoridade e soberania de suas pessoas, se antes quer um rei generoso tirar-se a vida por suas mãos, que poder vir às de seus inimigos, como é possível nem crível, que o príncipe da glória, Cristo, que o rei dos homens e dos anjos, que o monarca universal do céu e da terra, deixasse tão mal guardada sua autoridade, e tão pouco defendido seu respeito, como é força que o esteja, cercado só de uns acidentes de pão? Como é possível, nem crível, que deixasse tão arriscada e exposta a majestade divina de sua pessoa a cair nas mãos infiéis e sacrílegas de seus inimigos, como publicam as memórias deste dia, e a ocasião e o nome destes desagravos?

Aos outros argumentos respondi pela razão, com o que estudei; a este respondo com o que vejo. Onde se conquistam venerações não se perde autoridade. Estes são os ditames de Deus, esta foi sempre sua razão de estado. Permitiu o que choramos para conseguir o que vemos. Que maior exaltação de fé, que maior confusão de heresia, que maior honra de Cris­to? Tanto rende a Deus uma ofensa, quando é a cristandade a que sente, e a nobreza a que a desagrava. As majestades e altezas do mundo, os grandes, os títulos, os prelados, as religiões, todos prostrados por terra, todos servindo de joelhos, todos confessando-se por escravos humildes, e adorando como a supremo Senhor, aquela soberana majestade, sempre venerável e sempre veneranda, mas muito mais quando ofendida. Veja agora o político se perde Deus autoridade, ouse conquista honra e glória quando permite uma indecência? Dizia esse mes mo Senhor (que sempre é o mesmo, e sempre se parece consigo): Si exaltatus fuero a terra, omnia traham adme ipsum: Quando eu for levantado da terra em uma cruz, hei de trazer tudo a mim (Jo. 12, 32). A afronta da cruz foi a maior que padeceu, nem podia padecer Cristo a mãos da infidelidade e temeridade humana, mas as conseqüências dessa mesma afronta, diz o Senhor que haviam de ser as suas maiores glórias, trazendo tudo asi. Assim o mostrou e vai ainda mostrando o cumprimento desta profecia pelo discurso dos tempos da fé universal do mundo, quase todo já trazido ao conhecimento, obediência e veneração de Cristo. Mas, se quisermos apertar mais a significação e energia daquele Si: Si exaltatus fuero a terra, nos obséquios de José e Nicodemos, se verificou na mesma cruz o Omnia traham ad me ipsum. José, como notou S. Marcos, era nobre: Nobilis decurio (Mc. 15, 43); Nicodemos, como notou S. João, era príncipe: Princeps judaeorum (Jo. 3, 1). E como Cristo desde a sua cruz havia de trazer a si a nobreza e os príncipes, por isso diz que havia de trazer a si tudo: Omnia traham ad me ipsum, porque os príncipes e a nobreza é o tudo dos reinos. Escolheu Cristo aos nobres e senhores para que o tirassem do afrontoso suplício e fizessem as honras a seu corpo, porque honrar o corpo de Cristo afrontado, é ação que anda avinculada à nobreza. E quando assim trouxe a si a nobreza, diz que havia de trazer a si omnia, e não omnes; tudo, e não todos, porque os nobres não são todos, mas são tudo. Bem se cumpriu esta promessa então, mas muito melhor cumprida a vemos agora Omnia traham ad me ipsum. Tudo o que há em Portugal, aqui o tem Cristo a seus pés.

Que fez este dia tão solene, e esta igreja tão célebre, senão uma injúria a Cristo? Quando o soldado infiel deu a lançada a Cristo, saíram do lado ferido todos os sacramen­tos. E disse judiciosamente Tertuliano: Utde injuria lateris ejus tota formaretur Ecclesia: Que de uma injúria do corpo de Cristo, se formou toda a Igreja. O que Tertuliano disse da Igreja universal, podemos nós dizer desta material: que se fundou esta nova igreja de uma injúria do corpo de Cristo. Mas são muito de reparar os termos de Tertuliano, que da injúria do corpo de Cristo, não diz que se formaram só os fundamentos, senão toda a Igreja: Tota formaretur Ecclesia. Vemos levantados os fundamentos desta nova igreja muito nobres, muito suntuosos, muito magníficos e muito conformes aos ânimos generosos de seus ilustres fundadores; mas sente muito a piedade cristã e portuguesa ver a fábrica parada há tantos anos. Quando no interrompido ou ameaçado desta obra se pudera presu­mir descuido, assaz desculpado ficava com a variedade e estreiteza dos tempos, mas quan­to esta estreiteza é mais pública e conhecida, tanto maior louvor merece o novo e presente zelo com que se trata de levar a fábrica por diante e não parar até se pôr em sua perfeição, sendo o primeiro exemplo o de sua majestade, que Deus nos guarde, cuja real liberalidade quer ter uma grande parte nesta obra, como em todas as de piedade.

Os tempos parece que estão pedindo que se edifiquem antes muros e castelos, que templos, mas esse privilégio têm nomeadamente os templos do Santíssimo Sacramento, que são as melhores fortificações dos reinos. Edificou a divina Sabedoria um templo: Sapientia aedificavit sibi domam (Prov. 9, 1). Dedicou este templo ao Santíssimo Sacramento: Miscuit vinum, et proposuit mensam. E que se seguiu daqui? Misit ancillas suas ut vocarent ad arcem et ad moeria civitatis. [35] Os que serviam naquele templo, como os que servem neste, era com nome de escravos, e aesses escravos mandou o Senhor que chamassem para a fortaleza e para os muros da cidade. Pois como? O que se edificou era templo ao Santíssimo Sacramento, e o recado com que se convocava a gente para o templo dizia que viesse para os muros e para as fortalezas da cidade: Ad amem et ad moenia civitatis? Sim; que os templos do Santíssimo Sacramento são os mais fortes muros, são as mais inexpugnáveis fortalezas das cidades e dos reinos. Edifique-se, leve-se por diante esta fábrica, que ela será os mais fortes muros de Lisboa, ela será a mais inexpugnável fortaleza de Portugal. E acabará de conhecer o político a razão de estado de Deus, que quando se expõe a cair nas mãos de seus inimigos, é para mais nos defender dos nossos, e para fundar sobre suas injúrias o edifício de suas glórias, apren­dendo e confessando na política deste altíssimo conselho de Cristo a verdade secretíssima e sacratíssima daquele Vere: Vere est cibus, vere est potus.

IX

§

Súplica em favor dos inimigos da Eucaristia.

Diviníssimo Sacramento, real e verdadeiro corpo de Cristo, Deus encoberto debaixo de substância de carne, homem encoberto debaixo de acidentes de pão, o filósofo, o devoto, o político, como cristãos e católicos, e com o filósofo toda a nossa ciência, e todas as ciências; com o devoto toda a nossa piedade e todos os nossos afetos; com o político toda a nossa conveniência e todos os nossos interesses, e todos os que estamos presentes com tudo o que sabemos, o que amamos e o que esperamos, obedientes à fé e guiados pela razão, às escuras, e com luz, com os olhos fechados, mas abertos, profundamente prostrados ante a majestade tremenda de vosso divino e humano acatamento, cremos, confessamos e adoramos a verdade infalível de vossa real presença debaixo da cortina sem substância desses acidentes visíveis. E com confiança, Senhor, da clemência com que nos sofre vosso amor, e da benig­nidade com que aceita a tibieza de nossos obséquios, nos oferecemos, nos dedica­mos, nos entregamos todos a ele em perpétua obrigação de o servir como escravos, posto que indigníssimos, desse soberano Sacramento. Aumentai, Senhor, pela gran­deza de vossa misericórdia, esta família vossa, e pois que o judeu obstinado, o here­ge cego, e o gentio ignorante não sabem, nem querem orar por si, nós oramos, e pedimos por eles a vós, soberano pastor, que de todos haveis de fazer um rebanho. Ensinai, Senhor, a ignorância do gentio, alumiai a cegueira do herege, abrandai a obstinação do judeu. E para que a maldade e astúcia do demônio tentador os não engane, chegue já a execução de vossa justiça e acabe o mundo de ver atada sua rebeldia naquelas cadeias e fechada naquele cárcere que há tantos anos lhe está ameaçado e prometido para que desta maneira, unidas todas as seitas do mundo na concórdia de uma só fé e religião, [36] se forme de todas essas seis vozes uma total consonância e perpétua harmonia, cantando todas em todas as quatro partes do mun­do, até o fim dele, e confessando alternadamente a muitas vozes, e juntas em uma só voz, a sagrada e consagrada verdade daquele Vere: Vere est cibus, vere est potus.

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Núcleo de Pesquisas em informática, Literatura e Lingüística



1 Minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida (Jo. 6, 56).

[2] Tendes convosco a Arão e a Hur: se sobrevier alguma disputa, consultá-los-eis (Êx. 24, 14).

[3] Gên. 19,26— Êx. 4, 3; 7, 17.

[4] Suar Gên. 1, 4; Ita S. Basil. Naz. Theodoret et ali  apud. de op. sex dier.

[5] Ex. 16,18.

[6] Jos. 10, 12. Obediente Deo voci hominis: Núm. 20, 8.

[7] Fazei isto em memória de mim (Le. 22, 19).

[8] Sen. in Tyest. Act. 4

[9] Tertul. Apol., Cap. 21 et 23.

[10] Tare, pai de Abraão e de Nacor, serviram a deuses estranhos (Jos. 24, 2). Ita Masius hic. Phi/. de Abrah. Genebra cd, et Hebraei.

[11] Ovid. I et 3 Metamorph. Stat, in Sylv. – Ovid. 10 Metamorph. – Lib. 4 Fast.

[12] Virg. Aeneid. 8.

[13] Ovid. de Remed. L. 2.

[14] Virg. Aeneid. 4.

[15] ) Horat. L. 3, Ode 16.(16)

[16] Ovid. 14, Metamorph.

[17] Contaram-me os ímpios coisas frívolas, mas não como tua lei (Sl. 118, 85).

[18] Na Vulgata:.Non comi doctas fabulas seduti notaio fevirtutem et praesentiam: cimus vobis Domini nostri Jesu Christi. Porque não vos temos feito conhecer a virtude e a presença de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas engenhosas (2 Pdr. 1, 16).

[19] Aqui está o pão que desceu do céu. O que come deste pão viverá eternamente (Jo. 6, 59).

[20] Porque um anjo do Senhor desceu do céu, e chegando revoltou a pedra, e estava sentado sobre ela (Mt. 28, 2).

[21] Bebiam da pedra misteriosa que os seguia, e esta pedra era Cristo (1 Cor. 10, 4).

[22] Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis aqui o que tira o pecado do mundo (Jo. 1, 29).

[23] Eu sou a videira, vós outros as varas (Jo. 15, 5).

[24] Este é o meu corpo, que se dá por vós (Le. 22, 19).

[25] Na Vulgata: Este cálice é o Novo Testamento em meu sangue, que será derramado por vós (Le. 22, 20).

[26] Jo 2, 1; Mt 14,19.

[27] Aug. Tract. 24 in Joan.

[28] SI. 147, 17. Eccles. in Officio de Sacramento.

[29] Esse fica em mim, e eu nele (Jo. 6, 57).

[30] Ele em nenhum lugar tomou aos anjos, mas tomou a descendência de Abraão (Hebr. 2, 16).

[31] Pela tua mesma boca te condeno eu (Lc. 19, 22).

[32] Deixou um consolo singular aos que se entristeciam com sua ausência (D. Thomas, Opusc. 57).

[33] Ei-lo aí está posto por detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, estendendo a vista por entre as gelosias (Cânt. 2, 9).

[34] Tendo desejo de ser desatado da carne, e estar com Cristo (Flp. 1, 23).

[35] A Sabedoria edificou para si uma casar.. preparou o vinho e dispôs a sua mesa. Enviou as suas escravas a chamar à fortaleza e às muralhas da cidade (Prov. 9,1 ss).

[36] E ele tomou a serpente antiga, que é o diabo e Satanás, e meteu-o no abismo, e fechou-o, para que não engane mais as gentes (Apc. 20, 2 s).

— Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a estado de varão perfeito, etc. (Ef. 4, 13)