LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários
em meio eletrônico
Quarta parte, Sermões do
Padre António Vieira
Edição de Referência:
Sermões, Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.
QUARTA PARTE
EM LISBOA
NA OFICINA DE MIGUEL DESLANDES
À CUSTA DE ANTÔNIO LEITE PEREIRA,
MERCADOR DE LIVROS
MDCLXXXV
Com todas as licenças e privilégio real
Frei Tomé da Conceição
CENSURA DO M. R P. M. FREI TOMÉ DA CONCEIÇÃO, da Sagrada Ordem do Carmo, Qualificador do Santo Ofício.
ILUSTRÍSSIMO SENHOR
Por mandado do Conselho Geral do Santo Ofício vi esta Quarta Parte dos Sermões do Padre Antônio Vieira, da Sagrada Religião da Companhia de Jesus, e digníssimo pregador de Sua Majestade. Todos li com o cuidado que pude e pede a obrigação de qualificador de tão reto tribunal. Confesso que nos sermões deste grande talento e admirável pregador, não tem que censurar a atenção mais crítica e escrupulosa, pois, sendo o autor tão sutil na elevação dos pensamentos, tão claro e elegante nas palavras com que os exprime, tão persuasivo assim pregando como escrevendo, tão desentranhador da verdade das Escrituras e dos Santos Padres, acho que em nada discrepa da pureza de nossa santa fé, e que tudo quanto diz, encaminha à reformação dos costumes. Só uma censura se pode dar a este autor, não pelos sermões com que sai à luz, mas porque não tem saído à luz com todos os seus sermões, pois, prometendo no prólogo do Primeiro Tomo doze, se acham impressos três somente, e agora é este ainda o quarto. E será lástima que pela dilação do tempo se sepultem no esquecimento obras que merecem eternizadas em caracteres de ouro. Podendo dizer-se do autor nestes sermões, o que do grande Jerônimo disse Cassiod. de Divin. Lect. cap. 21: Planus, doctus dulcis, parata copia sermonum ad quamcumque partem convertit ingenium: totum explicans, totum exornans, et er diversa disertus, semper aequalis incedens. Acabo dizendo que o autor em nenhum dos seus sermões tem palavras demais nem de menos, e não soube dizer menos porque em tudo diz tudo o que se pode dizer. Este é o meu parecer Carmo de lisboa, em lide fevereiro de 1684.
CENSURA DO M. R. P. M. FREI MANOEL DE SANTIAGO, da Seráfica Ordem de São Francisco,
Qualificador do Santo Ofício.
ILUSTRÍSSIMO SENHOR
Vi este livro, que se intitula Quarta Parte dos Sermões do R. P. M. Antônio Vieira, religioso da Sagrada Companhia de Jesus, pregador em tudo régio. Em cada qual deles se acha grande substância, mas espiritualizada a alegoria, singular o método, eficaz, pura e ajustada a doutrina com que ilustrou a fé na América, repreendeu os costumes na Europa, e acreditou a Nação Portuguesa na Itália. No primeiro, do pecador resoluto a nunca mais pecar, que o autor pede que com mais atenção e paciência se veja, assim agrada, como se se abstivera de repreender, e assim repreende como se procurara não agradar. E em todos, com a doçura da linguagem, suaviza o amargoso da repreensão, e com a eficácia da doutrina se livra de toda a censura de lisonja. Porque uma e outra coisa faz com liberdade, eloqüência, modéstia e sutileza. A liberdade não se opõe à modéstia, nem à modéstia cede a liberdade. Nesta obra têm os oradores, os teólogos, os pregadores e os estadistas em que se entreter e de que se aproveitar, sem que tenham mais que desejar os doutos, nem que censurar os maldizentes intrometidos a bons ouvintes. E ultimamente, por serem estes sermões que contém o livro conformes à inteligência dos Santos Padres, à pureza denossa Santa Fé, e úteis para a reformação dos maus costumes, me parecem digníssimos da licença que se pede a Vossa Ilustríssima para os dar à estampa, e de que sejam de ouro as letras da imprensa. Lisboa, São
Francisco da Cidade, em 14 de fevereiro de 1684.
Frei Manoel de Santiago
CENSURA DO M. R. P. M. FREI JOSÉ DE JESUS MARIA, Religioso Capucho da Província da Arrábida.
SENHOR.
Mandou-me Vossa Majestade que visse esta Quarta Parte dos Sermões do Padre Antônio Vieira, da Sagrada Religião da Companhia de Jesus, digníssimo pregador de Vossa Majestade. E por esta comissão conheço que me fez Vossa Majestade substituto do Arcebispo da Bahia, na aprovação deste livro do autor. E avaliando o meu agradecimento esta honra, pelo juízo que já fez aquele grande prelado, digo que é muito maior do que a que ele logra, com uma vantagem mui conhecida, porque se a ele deu Vossa Majestade no seu Arcebispado uma mitra, a mim neste livro me deu uma coroa, que assim o reconhece a minha estimação: Coronam mihi (Jó 31, 36). Depois que o Padre Antônio Vieira pôs de assento na Bahia o seu engenho, vêm incomparavelmente mais ricas as frotas daquele Estado, porque todas até agora, por carga de maior peso, valia e preciosidade, trazem um volume seu, que sendo de tanta sabedoria, como este, se acaso se cativara na alfândega, para se haver de tirar por despacho, não se pudera resgatar por todo o ouro do mundo. Porque esta foi a taxa que na mesa do seu paço lhe pôs o rei mais entendido: Quoniam omne aurum in comparatione illius arena est[1]. Neste volume, por ser quarto, acho eu – ainda que em distância infinita – uma luzidíssima semelhança, que espero seja profecia. Para ilustrar o mundo, diz a Escritura Sagrada que foi feito ao quarto dia o sol; e para o Padre Antônio Vieira obrar em edificação e admiração do mundo, e em maior glória de Deus, lançou este volume como sol, também ao quarto dia. O que faz o sol, disse Salomão, e o Salomão deste nosso século há de fazer o que faz o sol com este seu livro: Lustrans universa in circuitu[2]. E ainda há de fazer mais, com o favor divino, porque há de satisfazer pontualmente o Instituto da sua sagrada Companhia, fazendo repetir muitas vezes a empresa gloriosa do seu grande Patriarca: O Instituto, em chegar com a viveza das suas palavras até os confins da terra, onde tem chegado já com grande admiração o harmonioso das suas vozes, que é a ocupação contínua dos filhos da sua religião sagrada: Et in fines orbis terrae verba eorum[3]; e a empresa gloriosa, porque há de incitar a todos que lerem este seu livro, a que dêem muitos louvores a Deus, por haver criado um tão singular ministro do Evangelho na sua Igreja. E é o que o seu Santo Patriarca por tudo e com tudo continuamente repetia: Ad majorem Dei gloriam. O primeiro sermão está disposto com um espírito tão elevado nas doutrinas, com um desejo tão eficaz na melhora das consciências, com um zelo tão empenhado na conversão das almas, que nele nos pôs o autor em prática tudo o que no do Primeiro Volume nos deixou por advertência. Naquele disse com Isaías (Is. 6, 8) que os pregadores haviam de ser nuvens, de que saíssem relâmpagos, trovões e raios. E tudo é, e tudo faz neste primeiro sermão. Despede relâmpagos, que alumiem aos pecadores as cegueiras, trovões, que lhes atemorizem as vidas, e raios, que lhes matem as culpas. Grande, tremendo e admirável sermão! E tão admirável, que sendo, por primeiro, a face deste Quarto Volume, bem se pudera dizer por ele, que como águia de Ezequiel, a si e aos três excede com grande propriedade: Facies aquilae desuper ipsorum quatuor[4]. E não fora este meu parecer muito culpável – se a sua igualdade não fora tão conhecida – porque é o autor tão único, que só de si mesmo podia ser excedido. Nos dois Mandatos me parece que perdeu a aposta um grande cortesão e ouvinte, que assistindo a ambos, lhe pareceu melhor o da manhã, fundando o meu receio na razão de outro entendido, que atrevendo-se a afirmar que havia nesta corte quem pregava melhor que o Padre Antônio Vieira, acudiu logo dizendo que era o mesmo padre, quando pregava segunda vez. E eu tenho por impossível que possa haver juízo que o faça na diferença, onde os maiores juízos se rendem à suspensão. Mas, para concordar os pareceres, conservando o respeito ao autor, digo que todos os sermões são grandes, porque todos são seus, que como é tão rica de erudição a mina donde nascem estes doutíssimos partos, não deixa aos segundos que vivam de alimentos dos primeiros, porque todos são morgados, conservando o excelente apelido do seu insigne orador, que, por remorsos de consciência, nos restitui no espírito dos seus escritos a falta que nos fazia a sua voz nos púlpitos, observando para esta substituição, tudo o que advertiu Sêneca, ponderando os escritos de Valério Máximo; Tribus modis homines aggreditur: penetrando oures, demulcendo oculos et animos invadendo. Com o douto e entendido, aplica a si os ouvidos para ensinar com clareza; com o político e discreto, atrai a si os olhos para divertir com doutrina; com o doutrinal e católico, penetra os corações para converter com eficácia, sendo admirável em tudo, na sutileza do seu engenho, na fineza do seu discurso, no eloqüente do seu estilo, no peso das suas razões, na propriedade e pureza das suas palavras. Porque com as espirituais enleva, com as discretas agrada, com as compassivas enternece, com as amorosas atrai, com as temerosas compunge, e com todas persuade, maravilhoso em tudo sobre as hipérboles de toda a admiração. E assim espero que sejam os seus livros, brevemente, em todos os idiomas da Europa traduzidos, e em todas as suas línguas impressos – como o andam já muitos de seus sermões em muitas. – E dirão com Cassiodoro, em um e outro sentido: Habent haec distributa praeconium, conjuncta miraculum. Não se acha neste livro coisa alguma que encontre o serviço real, tendo muitas que acreditam o Reino. Pelo que a licença que pede, é devida à pontualidade com que tem obedecido ao que Vossa Majestade lhe mandou. E tenho por sem dúvida que Vossa Majestade lha há de conceder, por conhecer como rei tão ajustado, que se as petições de graça têm só da regalia toda a sua dependência, nos requerimentos de justiça parece que não tem a Majestade regalia. Isto é o que me parece. Vossa Majestade mandará o que for servido. Convento da Boa Viagem, em 27 de fevereiro de 1684.
Frei José de Jesus Maria
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
[1] As riquezas nada valiam em sua comparação (Sab. 7, 8).
[2] Visitando tudo em roda (Ecl. 1, 6).
[3] E as suas palavras se estenderam até as extremidades do mundo (SI. 18, 5).
[4] E rosto de águia no alto dos mesmos quatro (Ez. 1, 10).