Retumbe in novissimo loco[1].
§1
Os documentos morais e políticos do presente Evangelho. O convite do príncipe dos fariseus a Cristo em dia de sábado. As razões que tinha o Senhor para se não escusar A contenda dos lugares. Assunto do sermão: As qualidades e prerrogativas do último lugar:
Todas as vezes que o Filho de Deus se assentou à mesa dos homens, sempre foi o melhor prato a sua doutrina. Comia o que regulava a temperança, e ensinava o que ditava a prudência. A matéria era a que lhe dava a ocasião, e ele, sobre a ocasião, estendia, ilustrava e definia a matéria. Os documentos todos eram divinos, e não só morais, senão ainda políticos. E digo morais e políticos, por que tal foi a doutrina do presente Evangelho. Os que então com nome autorizado, e hoje com significação odiosa se chamam fariseus, eram os religiosos daquele tempo. Diz, pois, o evangelista S. Lucas que, convidando um príncipe dos fariseus, isto é, um prelado daqueles religiosos, a Cristo, Redentor nosso, para que quisesse honrar a sua mesa em um dia de festa, que era o sábado, aceitou o benigníssimo Senhor o convite. Aceitou, posto que não faltava quem murmurasse o aceitar. Parecia-lhes aos murmuradores que semelhantes convites eram menos conformes à austeridade da vida, e à autoridade e profissão de um Mestre descido do céu. Mas a razão que o Senhor tinha para se não escusar mostravam depois os efeitos muito diversos, e de outra mais levantada esfera, como também se viu no caso presente.
A tenção dos fariseus era farisaica, porque lhe armaram a Cristo com um hidrópico, a ver se o curava naquele dia, para o poderem caluniar de quebrantador do sábado: Sabbato manducare panem, et ipsi observabant eum[2]. Não os levou ali a observância, senão a observação: não a observância do dia, mas a observação do convidado. E que fez o Senhor, que lhes conhecia os corações? Aceitou a mesa como homem, dissimulou a malícia como Deus: e no que obrou como Deus, e repreendeu e ensinou como Mestre, mostrou que era Deus e homem. Curou ao hidrópico, e depois tratou de os curar a eles: ao hidrópico tocando-o com a mão, e a eles pondo-lhes as mãos, e muito bem postas. Não há vício mais descortês que a soberba, nem mais descomedido que a ambição. Como carece da modéstia por dentro, também lhe falta a urbanidade por fora. Não diz o evangelista o lugar que dessem na mesa a Cristo, mas diz, que os convidados, sem cortesia nem urbanidade, todos procuravam e ainda contendiam sobre os primeiros lugares. Esta foi a ocasião e este o ponto da doutrina, por isso moral, e juntamente político.
Fez Deus este mundo em forma circular, como a mesa ou tábula redonda dos pares de França, para evitar a contenda dos lugares, não sendo justo que desigualasse o lugar os que tinha feito iguais a natureza. Mas, como a soberba e ambição pervertesse a igualdade desta ordem com outra ordem desordenada de primeiros, segundos, até últimos lugares, e os fariseus na mesa afetassem os primeiros, este foi o vício que o Senhor observou nos seus observadores. Intendens quomodo primos accubitus eligerent (Lc. 14, 7): Olhava - diz o evangelista - com particular atenção para o que faziam os convidados, e para o modo com que o faziam: o que faziam era tomarem por própria eleição os primeiros lugares: Primos accubitus - e o modo como o faziam: quomodo-era introduzindo-se neles sem nenhum modo de modéstia, respeito nem cortesia. Na eleição dos lugares notava-os o Senhor de pouco juízo, e no modo de cada um se preferir e antepor aos outros, de pouca urbanidade; e estes dois desprimores, nascidos ambos do mesmo vício da ambição e soberba, repreendeu e emendou o soberano Mestre também com um só documento: Cum vocatus fueris ad nuptias, retumbe in novissimo loco (Lc. 14, 10): Quando fores convidado à casa e à mesa alheia, não deveis tomar os primeiros lugares, senão o último. - E por quê? Porque não suceda vir o senhor da casa, a que pertence a repartição dos lugares, e vos mande levantar do que tomastes, e o dê a outro melhor e mais honrado que vós. - Então vos achareis com afronta no último lugar, porque fostes tão descomedido que vos atrevestes a tomar o primeiro: Et incipias cum rubore novissimum locum tenere (ibid. 9).
Esta foi a história daquele caso e daquele dia, a que o mesmo evangelista também chama parábola: Dicebat autem et ad invitatos parabolam[3]. Mas, se era história, como era parábola? Tudo era. Era história quanto ao sucesso, e era parábola quanto à doutrina. Quanto ao sucesso era história particular para os presentes, e quanto à doutrina era parábola universal para todos. A todos e a cada um prega hoje Cristo: Retumbe in novissimo loco[4]. E haverá neste mundo quem escolha por própria eleição, e se contente com o último lugar? Dificultoso ponto para se entender, e muito mais dificultoso para se persuadir. Por isso tomei por tema esta única e admirável sentença, e ela só será toda a matéria do meu discurso. Ave Maria.
§II
O desejo de melhorar de lugar nasceu no céu com os primeiros racionais, que são os anjos, e desde Adão não há um filho seu que não herdasse dele a altiveza sempre inquieta desta mesma paixão. Os discípulos de Cristo e a contenda sobre qual fosse o maior.
Retumbe in novissimo loco.
Todo o homem neste mundo deseja melhorar de lugar. E nenhum se acha em tal posto, por levantado e acomodado que seja, que não procure subir a outro melhor. É própria esta inclinação da natureza racional, como se fora razão, e não apetite. Primeiro nasceu no céu com os primeiros racionais, que são os anjos, e depois se propagou na terra com os segundos, que somos os homens. Lúcifer no céu tendo a suprema cadeira entre as jerarquias, não aquietou naquele lugar, e quis igualar o seu com o do mesmo Deus: Exaltabo solium meum; similis ero Altissimo[5]. Adão na terra, tendo o absoluto domínio de todas as criaturas dos três elementos, não coube nem se contentou com um império tão vasto, e em uma corte tão deliciosa, como o Paraíso, também quis melhorar de lugar: Eritis sicut dii[6]. E que filho há deste primeiro pai, de que todos nascemos, que não herdasse dele a altiveza sempre inquieta desta mesma paixão? O letrado, o soldado, o fidalgo, o título, o de grande nome, e o que não tem nome, com o cuidado e desejo nunca jamais satisfeito nem sossegado, todos trabalham e se desvelam por adiantar e melhorar de lugar. Só parece que deviam viver isentos de semelhante sujeição os que deixaram o mundo e professam o desprezo dele; mas lá os segue e sujeita o mesmo mundo a que lhe paguem este duro e voluntário tributo.
Coisa foi digna de admiração que os discípulos de Cristo, antes de descer sobre eles o Espírito Santo, contendessem sobre qual era o maior: Quis eorum videretur esse major[7]. A ocasião, porém, e o motivo desta contenda ainda é muito mais admirável. E qual foi? Acabava o Senhor de lhes revelar que ia a Jerusalém a morrer, e no mesmo ponto contenderam todos sobre a maioria, porque logo aspirou cada um a lhe suceder no lugar. Do imperador Trajano disse Plínio que ninguém o conhecia tão pouco a ele, nem se conhecia tão pouco a si, que tivesse ousadia de lhe suceder: Nemo est tam tui, quam ignarus sui, ut locum ipsum post te concupiscat[8]. E tiveram atrevimento doze pescadores para quererem suceder ao mesmo Filho de Deus, e lhe pleitear o lugar ainda em vida.
§ III
Três suposições gerais com que se impugna a ambição dos melhores lugares: Não há lugares: não há lugares melhores; há lugar, e melhor lugar, mas não na terra senão no céu. Davi e o ambicioso levantado sobre os outros como os cedros o Líbano. A definição do lugar físico. Por que diz Davi que não achou o lugar do que estava levantado sobre os outros homens? Os homens são os que dão a bondade ou melhoria aos lugares, e não os lugares aos homens. O lugar de Lúcifer, o lugar de Adão e o lugar de Judas. Advertência de Sócrates aos peregrinos: Não vos leveis a vós convosco. A razão por que Cristo consolou aos apóstolos saudosos de sua ausência com a promessa de lugares futuros.
Para refutar e convencer este abuso universal, não só das guerras e competências, mas ainda das pretensões pacíficas do melhor lugar, não deixarei de referir primeiro três opiniões ou suposições tiradas da Sagrada Escritura, as quais não só condenam esta ambição tão profundamente arraigada nos corações humanos, mas totalmente cortam as raízes a toda a nossa questão. A primeira nega absolutamente o que supomos, e diz que não há lugares. Por quê? Porque tudo isto que no mundo se chama lugar, por alto e levantado que pareça, bem examinado é nada: Vidi impium superexaltatum, et elevatum sicut cedros Libani: transivi, et ecce non erat, et non est inventus locus ejus (SI. 36, 35 s): Vi ao ambicioso - diz Davi, - levantado sobre os outros homens, e como os cedros do Líbano sobre as outras árvores: dei dois passos adiante, e quando voltei os olhos para o tornar a ver, já o não achei a ele, nem ao seu lugar. - Aqui está o ponto da admiração: Et non est inventus locus ejus. Que Davi a tão poucos passos não achava ao ambicioso que tinha visto tão levantado, aninguém deve admirar, porque, para fazer semelhantes mudanças, nem a morte nem a fortuna hão mister muito tempo. Não o achou: et non erat- porque, ou tinha caído do estado, ou tinha acabado a vida; mas que não achasse Davi o lugar onde o tinha visto: Non est inventus locus ejus? Sim - responde Cartusiano - e o prova com Aristóteles: Locas enim, et locatum sunt simul, secundum Philosophum, subtracto ergo locato, et locus non manet: O lugar, e quem está nele, segundo a verdadeira filosofia, são tão reciprocamente dependentes um do outro que, faltando o que estava no lugar, nem ele, nem o mesmo lugar podem subsistir, e por isso disse bem Davi que tanto que desapareceu o ambicioso e poderoso, nem a ele o pode ver, nem achar o lugar onde estivera: Et non est inventus locus ejus.
E se esta conseqüência é verdadeira no lugar que chamam físico, no lugar moral, de que falamos, ainda é mais certa, segundo a definição do mesmo filósofo. Aristóteles definindo o lugar, diz que é a superfície ambiente do que está ele. E quando o lugar não é o ambiente do homem, senão o homem o ambiente do lugar, como no nosso caso, muito melhor se segue que, faltando a superfície ao chamado lugar, nem é lugar, nem coisa alguma. E se não é coisa alguma, como o havia de achar Davi? Mas, tornemos a apertar mais esta proposição, pois o mesmo Davi no mesmo salmo a repete duas vezes: uma vez dizendo que buscou, e não achou o lugar: Quaesivi, et non est inventus locus ejus[9] - e outra vez dizendo que, se nós o buscarmos, também o não acharemos: Quaeres locum ejus, et non invenies[10]. Pergunto: este mesmo lugar, que Davi buscou e não achou, não é o mesmo que o ambicioso ocupou antes de morrer ou cair? Sim. E este lugar que ocupou antes de morrer, ou cair, não é o mesmo que herdou ou pretendeu antes de o ocupar? Sim, também. Pois, se pretendido, ocupado e deixado era o mesmo lugar, por que o não achou Davi depois de deixado? Porque depois de deixado era o mesmo que dantes tinha sido: e pretendido, possuído e deixado, sempre foi nada. Elegante e doutamente Hugo Cardeal: Non est inventus locus ejus, quod sua dignitas nulla erat, et suum esse non esse erat: Não se achou o lugar do que estava levantado como os cedros do Líbano, porque o ser dos que neste mundo se chamam lugares, não é ser, é não-ser: Suum esse non esse eras. E se os mesmos chamados lugares, ou pretendidos, ou possuídos, ou deixados, não são coisa alguma, bem se conclui que neste mundo não há lugares, E isto que não é nem há, é o que com tanto desvelo amam e buscam os pretendentes da vaidade e da mentira: Ut quid diligitis vanitatem, et quaeritis mendacium[11]
A segunda suposição, seguindo o sentimento vulgar e comum admite que no mundo há lugares, mas nega que haja lugar melhor. E por quê? Porque a melhoria não está no lugar, senão na pessoa que o ocupa. Por alto ou baixo que seja o lugar, se sois bom, será o vosso lugar bom, e se sois melhor, será melhor; mas se fores mau e pior, também será mau e mais que mau o vosso lugar. Diz Cristo, Senhor nosso, que sobre a cadeira de Moisés se assentaram os escribas e fariseus: Super cathedram Moysi sederunt scribae, et pharisaei (Mt. 23, 2). - E quem foi Moisés, e quem eram os escribas e fariseus? Moisés foi o maior santo do seu tempo, e os escribas e fariseus eram os mais maus homens do seu. Pois, se estavam assentados na mesma cadeira de Moisés, por que não eram como ele? Porque os homens são os que dão a bondade ou melhoria aos lugares, e não os lugares aos homens. Se fordes bom, ainda que a cadeira seja dos escribas e fariseus, será bom o vosso lugar; e se fordes mau, ainda que a cadeira seja de Moisés, nem por isso o vosso lugar será bom, Que melhor lugar que o céu e o paraíso? E nem o céu fez bom a Lúcifer, nem o paraíso fez bom a Adão. Jeremias tão bom era no cárcere como no púlpito, e Jó tão bom no muladar como no seu palácio. Melhor lugar era no mar o navio que o ventre da baleia, e Jonas foi melhor no ventre da baleia que no navio. Assim que os lugares, por si mesmos, não são maus nem bons, nem há lugar melhor ou pior. O lugar que hoje tem S. Matias não foi o mesmo de Judas? O mesmo, e não outro. Se fordes como Judas, não vos há de fazer bom o lugar de S. Matias, e se fordes como S. Matias, não vos há de fazer, mau o lugar de Judas. Se quereis ter o melhor lugar de todos fazei por ser o melhor de todos e logo o vosso lugar, qualquer que seja, será também o melhor. Mas todos querem melhorar de lugar, e ninguém quer melhorar de vida.
Sucede-lhes aos ambiciosos o que aos peregrinos, diz Sócrates. O peregrino sempre anda mudando de lugar em lugar, e nunca melhora, porque sempre se leva a si consigo: Quia miraris nihil tibi peregrinationes prodesse, cum te circumferas[12] ? Como quereis melhorar de lugar, se vos levais a vós convosco? - Deixai-vos a vós, e como vós fordes outro, logo o vosso lugar será melhor. Se sois o mesmo, ainda que subais ao pináculo do templo, nunca saireis do lugar onde estais; e se fordes outro, e muito outro, sem sair do lugar onde estais, vos vereis subido ao mais alto do templo. Em conclusão, que não há lugares melhores nem piores, para que ninguém se descontente do seu, senão de si.
A terceira suposição admite melhores lugares, mas diz que estes só os há no céu, e não na terra. E por quê? Porque todos os lugares da terra, por melhores que sejam ou pareçam, mais são alheios que nossos, mais para os possuir, mais para os perder que para os lograr. Os lugares da terra são passagem, só o do céu é assento: os da terra são de poucos dias, o do céu há de durar para sempre. Quando Cristo, Senhor nosso, partiu deste mundo para o céu, a razão com que consolou aos apóstolos saudosos de sua ausência, foi dizendo que ia adiante a preparar-lhes o lugar: fiado parare vobis locum (Jo. 14, 2) - sendo, porém, o motivo desta consolação o lugar, mais perto estavam os lugares em que o Senhor os deixava, que o lugar que lhes havia de preparar; porque, sendo este futuro e distante, parece que vinha a se consolar uma ausência com outra. Naquela última hora em que Jacó, morrendo, se apartou de seus filhos - que também eram doze - a consolação com que lhes enxugou as lágrimas foi a repartição das terras em que os deixava acomodados a todos. E se para os doze patriarcas eram motivos de consolação na ausência de seu pai tão pequenos lugares da terra, quais podiam caber a cada um dividida a Judéia em doze partes, quanto maior podia ser para os apóstolos todo o mundo, quão grande é repartido entre eles? Diga pois Cristo a Pedro que lhe deixa Roma e a Itália, diga a Jacó que lhe deixa as Espanhas, a João a Ásia, a André a Grécia, a Filipe a Cítia, a Bartolomeu a Armênia, a Mateus a Etiópia, a Tomé a índia, a Simão o Egito, a Tadeu a Arábia e a Pérsia, e ao outro Jacó, o Menor, Jerusalém e a mesma Judéia, de que era cabeça. Pois, se eram tão imensamente grandes os lugares em que Cristo deixava aos seus apóstolos, e com tão suprema dignidade e jurisdição sobre todos eles, por que os não consola o Senhor com a consideração destes lugares presentes, senão com o lugar futuro que lhes ia preparar? Porque este era lugar no céu, os outros na terra. E nesta só palavra se encerram ambas as razões que no princípio apontamos. Os lugares da terra são passagem, o do céu é assento. Por isso, quando S. Pedro perguntou a Cristo: Quid ergo erit nobis[13]? - o que o Senhor lhe respondeu foi: Sedebitis super sedes duodecim, judicantes duodecim tribus Israel[14]. Não lhes respondeu às barcas e redes, que tinham deixado, com as dignidades que haviam de ter neste mundo, senão com as cadeiras em que se haviam de assentar no dia do Juízo, porque só o de que se há de tomar posse naquele dia tem assento: o de cá tudo é passagem.
E por que mais? Porque só o lugar que então nos couber é nosso, e os desta vida mais são alheios que próprios, por mais larga que seja a mesma vida. Ninguém logrou nem há de lograr o pontificado mais anos que S. Pedro, e, contudo, já têm sucedido no mesmo lugar duzentos e trinta e sete pontífices, e não se sabe quantos virão depois, para que vejais se era mais alheio que seu. Só é nosso, ou seja no céu ou fora dele, o lugar que houvermos de ter para sempre. Esse foi o documento e energia tremenda com que o mesmo príncipe dos apóstolos disse que Judas perdera o apostolado. Para quê? Ut abiret in locum suum (Act. 1, 25): Para ir ao lugar que era seu. - O que teve neste mundo, e entre os apóstolos, era alheio, porque era de S. Matias, e dos que lhe haviam de suceder; o que tem no inferno entre dois demônios, esse era o seu, porque esse é o que há de durar por toda a eternidade. E se isso sucedeu a um homem chamado por Deus e eleito por Cristo, onde irão parar as negociações, os subornos, as adulações e as simonias com que se procuram e alcançam os lugares que hão de durar poucos dias, sem memória da eternidade nem temor da conta?
§ IV
Contra as suposições do parágrafo anterior, afirma o autor que há lugares, que há lugar melhor, e que este melhor lugar não está no céu, senão na terra. O parecer dos fariseus e o conselho de Cristo.
Estes são os três fundamentos, ou as três suposições gerais, com que não só se impugna a ambição dos melhores lugares, mas se cortam as raízes a quanto ela deseja, Porque a primeira, como vimos, diz absolutamente que não há lugares; a segunda concede que há lugares, mas nega haver algum que seja melhor; a terceira defende que há lugar, e melhor lugar, mas não na terra, senão no céu. Isto posto, com razão, e também com curiosidade, estarão esperando todos qual destas partes é que eu pretendo persuadir. Primeiramente respondo que nenhuma delas, porque contra a primeira digo que há lugares; contra a segunda, que há lugar melhor; e contra a terceira, que este melhor lugar não está no céu - de que agora não falo - senão na terra. Admitindo, pois, com o comum sentimento que há lugares, e uns melhores que outros, o que pretendo hoje declarar é entre todos os lugares do mundo qual seja o melhor. Não pode haver matéria mais digna de toda a atenção, e tanto mais quanto já cada um a tem resoluto consigo, e lhe parece sem controvérsia. No Evangelho temos o parecer dos fariseus e o conselho de Cristo. Os fariseus têm para si que o melhor lugar do mundo é o primeiro: Quomodo primos accubitus eligerent[15]. Cristo, pelo contrário, aconselha que tomemos o último lugar: Recumbe in novissimo loco. E, posto que a sentença de Cristo, por ser de Cristo, não se pode contrariar, e a dos fariseus, por ser dos fariseus, parece que já está convencida, contudo, a de Cristo todos a rejeitam, e a dos fariseus todos a seguem. Assim o vemos hoje, e já em seu tempo, com ser tão vizinho ao de Cristo, o provava como a experiência Tertuliano: Ad primum locum certamen omnium contendit: secundum solamen habet, victoriam non habet: O desejo, a pretensão e a vontade de todos os homens, é sobre quem há de levar o primeiro lugar, e tão porfiada e unicamente o primeiro, que o segundo lugar, ainda que seja alguma consolação, de nenhum modo é vitória. - E se ninguém se contenta com o segundo lugar, porque não é o primeiro, posto que acima de si veja um só, e abaixo de si todos os outros, quem haverá que se contente com o último? Nos famosos jogos olímpicos que se celebravam na Grécia, eram provocados à contenda todos os homens do mundo, havia primeiros, segundos e terceiros prêmios; e, contudo, diz S. Paulo que um só levava o prêmio: Omnes in stadio currunt, sed unus accipit bravium[16] - porque o prêmio a que todos aspiravam era o primeiro, e só os que se adiantavam na carreira aos demais, e conseguiam o primeiro lugar, eram os estimados por vencedores, e laureados com a coroa. E se S. Paulo depois de Cristo, e escrevendo a cristãos, quais eram os Coríntios, lhes propõe este exemplo, posto que nascido entre os gentios, quem se atreverá a persuadir a qualquer homem que o melhor lugar é o último? Digo a persuadir, e não a crer, porque basta ser conselho de Cristo para que o creiamos. Mas este ponto, que não persuade a fé, como o persuadirá a razão?
Ora, esta será hoje a minha empresa: demonstrar a todos os homens que o melhor lugar do mundo é o último, e não só para a outra vida, senão para esta; nem só para a virtude, senão para a comodidade; nem só para a mortificação, senão para o gosto; nem só para a humildade, senão para a honra. E tudo isto quer dizer:
Recumbe in novissimo loco.
§V
Primeira prerrogativa do último lugar: ser muito fácil de conseguir A proposta de Isaías a el-rei Ezequias: quer Vossa Majestade que a sombra suba ou que desça dez linhas? A corte, quarto elemento, onde é mais trabalhoso o subir A facilidade e felicidade com que a pedra de Daniel, sem mãos desceu do monte e derrubou a estátua de Nabuco. Quanto mais custa o alcançar que o merecer Os dificultosos e cansados degraus por onde sobem, quando não caem, os que alcançam, os primeiros lugares. É tanto o descanso dos últimos lugares que Cristo só fez menção do descansar, não do descer, que isto quer dizer recumbe.
A primeira prerrogativa do último lugar é ser muito fácil de conseguir. Aos outros lugares, ainda que não sejam os mais altos, chega-se tarde e com dificuldade ao último, logo e facilmente, Não é mais dificultoso o subir que o descer? Pois, esta é a razão ainda natural da grande facilidade com que o último lugar se consegue. Aos outros caminha-se a passo lento, subindo: ao último, quase sem dar passo, descendo. Quando el-rei Ezequias desejou que Deus lhe confirmasse os anos de vida que lhe prometera com algum milagre, pôs o profeta Isaías na eleição do mesmo rei que escolhesse um de dois: ou que o sol descesse dez linhas, ou que subisse outras tantas. E por que estando Ezequias na cama não podia ver o sol, e só podia ver a sombra no relógio do palácio, que desde a mesma cama se descobria, foi a proposta esta: Vis ut ascendat umbra decem lineis, an ut revertatur totidem gradibus (Rs. 20, 9)? Quer Vossa Majestade que a sombra suba, ou que desça dez linhas? - A mesma proposta, conforme o sítio em que o sol se achava naquela hora, mostrava bem que não seria menos milagre o de descerem as sombras que o de subirem. Contudo, o rei, sem mais especulação, respondeu em continente que não queria que descessem, senão que subissem, dando por razão que o descer era fácil: Facile est umbram crescere decem lineis: nec hoc volo ut fiat, sed ut revertatur retrorsum decem gradibust[17]. Assim respondeu Ezequias, não como matemático, segundo a observação particular daquele caso, mas como prudente príncipe, e tão amigo da fama como da vida, segundo as regras gerais da experiência: e disse bem, O seu intento era acreditar o milagre pela dificuldade do movimento do sol, e por isso disse, com tanta resolução, que não queria que descesse, senão que subisse, porque natural e experimentalmente tão dificultoso é sempre o subir como fácil o descer. A seta, para subir, segue violentamente as forças do arco e do impulso; mas para descer não tem necessidade de braço alheio: a mesma natureza a leva sem violência ao baixo, e quanto mais baixo, tanto mais depressa. A barquinha, posta na veia do rio, cem a vela tomada e os remos recolhidos, levada só do ímpeto da corrente, como em ombros alheios, tão descansadamente desce como apressada. Pelo contrário, ao subir pelo mesmo rio acima, seja o vento embora tão forte que quase rebente as velas, e os romeiros tão robustos que quebrem os remos, mais é a água que suam que a que vencem. Nós mesmos, para subir a um monte, é com tanta dificuldade e moléstia, que a própria respiração se cansa e se aperta; mas para descer ao fundo do vale o mesmo peso do corpo o ajuda, aligeira e move, e, mais levados que andando, chegamos sem cansar ao lugar mais baixo e último. Tão fácil é o descer, e tão dificultoso o subir!
Digam agora os que subiram aos primeiros lugares quão dificultosamente subiram. A seta nos deu o exemplo no ar, a barquinha na água, e nós mesmos na terra; mas nas cortes, que são outro quarto elemento mais de impedimentos e dificuldades, ainda é mais trabalhoso o subir. Também o podem dizer os que, cansados da mesma subida, tomaram por melhor conselho o parar; e muito mais os que, depois dos trabalhos e moléstias do subir, em vez de conseguir o lugar, só alcançaram, e tarde, o desengano. Não assim o pretendente do que ninguém pretende, e o estimador do que ninguém estima, o qual, contente com o último lugar, para descer com a seta não há mister arco, para descer com a barquinha não há mister remo, e para descer com o homem, e como homem, quase não há mister pés nem passos. As asas do favor, os impulsos do poder e os cuidados da diligência, tudo para ele são desprezos e riso; e quando os outros chegam cansados aos primeiros lugares, onde hão de começar a cansar de novo, ele, descansado, se acha no último, onde só repousa o verdadeiro descanso.
Não acho exemplo desta inclinação e desta facilidade entre os homens, porque a sua natural ambição, mais os leva a subir pelo dificultoso que a descer pelo fácil. Mas, se eles se lembrarem da facilidade e felicidade com que a pedra de Daniel desceu do monte e derrubou a estátua de Nabuco, e trocou com ela o seu lugar, de que a fez desaparecer com todos seus metais: Nullusque locus inventus est eis[18] naquele espelho tosco e insensível, verão estes mesmos dois erros do seu mal polido juízo. Desceu a pedra do monte, e não bateu a cabeça, nem os peitos, senão os pés da estátua, onde parou, porque este era o lugar último e o mais baixo, aonde a levava o peso da sua natural inclinação. E nota e pondera muito o texto que a mesma pedra se arrancou e desceu do cume do monte sem mãos: Abscissus lapis sine manibus (Dan. 2, 34). Por quê? Porque esta é a facilidade e diferença com que se desce ao lugar mais baixo, e se não pode subir ao alto. Aquela pedra não era pequena, como comumente se cuida, senão muito grande. Tão grande que, sendo a estatura da estátua de sessenta côvados, e os pés e espaço entre um e outro iguais a esta grandeza, ela com o mesmo golpe os alcançou e bateu a ambos. Agora pergunto: e quantas mãos e quantas máquinas seriam necessárias para subir esta grande pedra ao mesmo lugar do monte donde tinha nascido? Mas onde não podia subir, senão com muitas mãos e muitas máquinas, ela desceu por si mesma sem necessidade de mãos próprias nem alheias: sine manibus. Oh! cegueira da ambição humana! Dizei-me quantas mãos beijais, dizei-me quantas mãos encheis, dizei-me quantas maquinas fabricais para vos alar aonde quereis subir! E dizei-me também, quantas vezes desarmam em vão essas mesmas máquinas, e essas mãos beijadas e cheias, quantas vezes vos deixam com as vossas vazias, porque eles alcançaram o que pretendiam de vós, e não vós o que esperáveis deles. A pedra não derrubou a estátua para subir - como vós fazeis - pelas ruínas alheias; mas o lugar que ela, como soberba, pisava e tinha debaixo dos pés, esse mesmo, por ser o mais baixo e o último, é o que tomou para si a pedra, e nele descansou como em próprio centro.
Infinita coisa fora se houvéssemos de pôr em paralelo as dificuldades dos primeiros lugares e a facilidade do último. Os lugares que dependem da vontade e poder alheio, ou os distribui a justiça, ou são indulgências da graça, Para a justiça é necessário o merecimento, para a graça é necessário o favor. E bastam estas duas coisas tão dificultosas de ajuntar? Não bastam. Abel tinha o merecimento e o favor, e o mesmo merecimento e favor foram o motivo de Caim, seu irmão, lhe tirar a vida. Pois, se com o merecimento e com o favor, o lugar que veio a alcançar Abel foi o primeiro entre os mortos, não é melhor ter o último entre os vivos, sem o trabalho de o merecer, nem o perigo de o não lograr? E se isto aconteceu nos tempos em que os homens se matavam sem ferro, e a graça e o favor se alcançava sem ouro, que será no tempo presente? Depois que as dignidades se fizeram venais, os lugares mais se alugam do que se alcançam, e não se dão a quem melhor os merece, senão a quem mais caro os compra.O que se busca nos homens são os que antigamente se chamavam talentos; e os que hoje têm o mesmo nome, se não estão engastados no mesmo metal, por singulares que sejam, não têm preço. Só o último lugar, porque não tem compradores, se não vende, e por isso só ele se consegue sem cabedal e se logra sem despesa.
Considerai e medi bem os degraus, uns tão altos, outros tão baixos, por onde, tropeçando, ajoelhando e caindo, ou se perde a pretensão, ou se chega finalmente a tomar posse do lugar pretendido; e vereis quanto mais custa o alcançar que o merecer. A Davi, para merecer, bastou-lhe derrubar um filisteu, mas para alcançar o merecido foi-lhe necessário vencer a duzentos. E que ministro há, ou oficial de ministro, que mais pelo inteiriçado que pelo inteiro, não seja um filisteu carrancudo e armado? Estaturas tão desmesuradas debalde as conquistareis com mesuras, que já se acabou o tempo em que os negócios se adiantavam com fazer pés atrás. As habitações de pessoa, a fé dos ofícios, as certidões dos serviços e a justificação das certidões, tudo não tem tantas letras quantas são as dificuldades com que nelas topam, e sempre a sorte é sua, e vosso o azar. Aos menores haveis de dar, que é menos, aos maiores haveis de pedir e rogar, que, em quem tem honra, é muito mais, ficando pendente a vossa esperança do seu agrado, e da hora e humor com que fostes ouvido. Nos conselheiros haveis de solicitar a consulta, nos secretários a pena, e no príncipe não só a resolução, mas na resolução o efeito, para que tudo, depois de pagar os direitos, não venha a ser uma folha de papel selada com as armas reais, as quais haveis de conquistar de novo, para que chegue a ser alguma coisa, o que ainda depois do despacho é nada, Enfim, que estes são os dificultosos e cansados degraus por onde sobem, quando não caem, os que alcançam os primeiros lugares; e só aquele que se contenta com o último, nem serve, nem requere, nem pleiteia, nem adula, nem roga, nem paga, nem devem, e sem depender de ministros, nem de tribunais, nem do mesmo rei, ele é o que se consulta, e ele o que se faz a mercê, porque se despacha a si mesmo. E que, podendo-me eu despachar a mim, haja de requerer diante de outrem? Não é mais fácil o querer que o requerer? Ouvi ajusta exclamação de S. Bernardo neste mesmo caso: O perversitas! O abusio filiorum Adam! Quia cum ascendere difficilimum sit, descendere autem facilimum, ipse et leviter ascendunt, et difficilius descendunt[19] Oh! perversidade, oh! abuso dos filhos de Adão! Que sendo dificultosíssimo o subir, e facílimo o descer, eles, pervertendo as leis da razão e da natureza, antes querem subir com dificuldade e trabalho, que descer com facilidade e descanso. - E notai, que é tanta a facilidade e o descanso, que só fez Cristo menção do descansar, não do descer. Não disse como a Zaqueu: descende, senão: recumbe - porque o descer, ainda que fácil, demanda passos, e o retumbe, que é estar recostado, como os hebreus estavam à mesa, só significa descanso com gosto e sem trabalho: Recumbe in novissimo loco.
§ VI
Segunda prerrogativa do último lugar: ser mais seguro. Entre os sinais do dia do Juízo, por que só as estrelas hão de cair, e o sol e a lua escurecer-se somente? Não há altura neste mundo que não seja precipício. Por que escolheu o demônio para tentar a Cristo as alturas de uma torre e de um monte? Os exemplos de Daniel e de Amã. As duas seguranças dos latinos. Como consolou Jeremias a Jerusalém, no caso da transmigração de Babilônia? Só é verdadeiramente bem afortunado quem não pode cair; e só não pode cair quem não tem para onde.
A segunda prerrogativa do último lugar é ser o mais seguro. Os outros lugares quanto mais altos tanto menos segurança têm, e a sua mesma altura é o prognóstico certo da sua ruína. Não quero que vejamos esta pouca segurança em outro lugar, senão naquele mesmo que, por ser o mais firme do mundo, lhe pôs Deus o nome de firmamento. Anunciando Cristo, Senhor nosso, os sinais do dia do Juízo, diz que o sol se escurecerá, que a lua não dará a sua luz, e que as estrelas cairão do céu: Sol obscurabitur, et luna non dabit lumen suum, et stellae cadent de caelo (Mt. 24, 29). Sobre este cair das estrelas se dividem os intérpretes em muito diferentes exposições, porque supõem que estando as estrelas fixas no céu, e sendo o céu incorruptível, não é possível caírem propriamente. - Mas a mim - diz Maldonado discretamente - quando Aristóteles nega o que Cristo afirma, parece-me que antes devo crer a Cristo que a Aristóteles: Magis enim Christo id affirmanti, quam Aristoteli neganti fieri posse, credendum esse arbitror. - Suposto, pois, que as estrelas verdadeira e propriamente hão de cair, e o sol e a lua escurecer-se somente, por que se não escurecem todos ou caem todos? Que culpa ou que causa têm as estrelas, para serem elas só as que hão de cair? Tem a culpa que tiveram desde que foram colocadas no céu, que é ser o seu lugar o mais alto. A lua está no primeiro céu, o sol no quarto, as estrelas no oitavo, que é dos que alcança a vossa vista o supremo; e não é necessária outra culpa, ou causa para serem elas as que hão de cair. Em todos os três sinais seguiu Cristo a natureza dos lugares. No eclipse da lua seguiu a natureza do lugar, porque no primeiro céu naturalmente a eclipsa a terra; no eclipse do sol seguiu a natureza do lugar, porque no quarto céu naturalmente o eclipsa a lua; e no cair das estrelas também seguiu a natureza de lugar, porque no oitavo céu, sendo este o mais alto, também é natural o cair.
Não há altura neste mundo que não seja precipício. Todo o lugar mais alto que os outros está sempre ameaçando a própria ruína, sem outra causa ou culpa que o ser mais alto. Que culpa têm as torres e os montes para serem eles os ameaçados dos trovões e os feridos dos raios? Nenhuma outra senão a sua própria altura, e serem os lugares mais levantados da terra. Parece que se dá por ofendido o céu de se avizinharem mais a ele, como se todas as torres foram de Babel, e todos os montes os dos gigantes. Quando Cristo, para nos dar exemplo, se desafiou com o demônio, a primeira eleição do lugar foi sua provocando-o ao deserto: Ductus est in desertum, ut tentaretur a diabolo[20]. Mas a segunda e terceira eleição foram do mesmo demônio, levando ele a Cristo aos lugares que lhe pareceram mais a propósito para a tentação. O primeiro foi a torre do Templo de Jerusalém: Assumpsit eum in sanctam civitatem, et statuit eum super pinnaculum templi[21]. O segundo foi um monte, o mais levantado que havia naquele distrito: Iterum assumpsit eum in montem excelsum valde[22]. E por que razão a uma torre e a um monte? Porque em um e outro lugar armava a derrubar a Cristo. Na torre, solicitando-o a que se precipitasse: Mitte te deorsum[23] - no monte, fazendo-lhe grandes promessas para que caísse: Si cadens adoraveris me[24], Os que tanto anelam à subida de semelhantes lugares já que não podem ver quem os leva, vejam ao menos aonde são levados. A torre era lugar eclesiástico e sagrado, o monte lugar secular e profano; na torre prometeu-lhe o demônio anjos, no monte ofereceu-lhe mundos: mas, como um e outro lugar eram os mais altos, ou as ofertas fossem do céu ou da terra, ou na Igreja ou fora dela, ambos eram igualmente os mais perigosos e os mais aparelhados para a caída.
Já muito antes tinha ensaiado o demônio esta mesma tragédia em duas grandes figuras de um e outro estado. Daniel era pessoa eclesiástica dedicada ao serviço de Deus; Amã era ministro secular ocupado nos negócios do mundo. Amã tinha o primeiro e maior lugar na corte de el-rei Assuero, Daniel também o primeiro e maior na corte de el-rei Dario: mas quem é aquele que na praça da metrópole de Susa, pregado em uma cruz de cinqüenta côvados, com a mais infame morte está acabando a vida? É Amã. E quem é aquele que na famosa cidade de Babilônia, levado por ministros da justiça, é lançado no lago dos leões, para morrer espedaçado de suas unhas? É Daniel. Pois, Daniel tão estimado de Dario, e Amã tão valido de Assuero, ambos tão de repente caídos, e mais, sendo tão diferentes na vida como na profissão? Sim. Daniel servia a Deus, Amã servia ao mundo; Daniel era justo e santo, Amã era mau e perverso: mas, levantados ao cume dos primeiros lugares, nem a Amã lhe valeu a sua indústria para se sustentar, nem a Daniel a sua virtude para se defender da caída. Mais admirável foi ainda a de Daniel que a de Amã. Amã caiu, porque perdeu a graça do rei; Daniel, tendo por si toda a graça do rei, toda ela lhe não bastou para que não caísse. E parou aqui? Não. Livrou Deus milagrosamente a Daniel das garras dos leões, e canonizado seu merecimento com um tão público e estupendo pregão do céu, o rei o restituiu outra vez ao lugar que dantes tinha. Mas o que agora se segue ainda foi maior prodígio. Foram tão poderosas e tão astutas as máquinas de seus inimigos que obrigaram ao mesmo rei a que ele o tornasse a meter no lago, e o entregasse outra vez à fome e voracidade das feras.
Oh! bem-aventurado e só bem entendido aquele que, entre todos os lugares do mundo, sabe escolher um tal lugar, do qual ninguém o possa derrubar nem ele cair. Dos lugares altos é verdade que nem todos caíram; mas também é certo que os mesmos que não caíram podiam cair. E basta o poderem cair para não estarem seguros. Como pode ser segurança a do mar, se sempre está sujeito à inconstância dos ventos? Os latinos têm dois nomes com que declaram dois gêneros de segurança muito diversa: tutus e securus. Tutus significa a segurança do que não periga; securus a segurança do que não periga nem pode perigar. O doente que não há de morrer está tutus na febre aguda; mas não está securus, porque não está sem perigo, sem temor e sem cuidado, que isso quer dizer: securus, hoc est, sine cura. Esta é a energia e elegância daquela sentença de Sêneca: Scelera tuta esse, secura non possunt[25]. E este gênero de segurança segura, não só do perigo, senão também do temor e do cuidado, a qual nunca pode haver nos lugares altos, é a que só se acha no último. Quem está no lugar alto pode não cair, mas quem está no último não pode cair, que é só a verdadeira segurança. E por quê? Porque se do lugar último se pudera cair, não seria o último. Do lugar alto podese cair ao baixo, do baixo pode-se cair ao ínfimo, mas do ínfimo, que é o último, não se pode cair, porque não há para onde.
Este foi aquele evidente argumento com que o profeta Jeremias consolou a Jerusalém no caso da transmigração de Babilônia. Chorou o profeta eloqüentissimamente aquela transmigração com quatro abecedários de lágrimas, sinalando a cada letra um novo motivo de dor; e, chegando ao último verso e à última letra, acabou com esta breve sentença: Filia Sion, non addet ultra ut transmigret te (Lam. 4, 22): A tua transmigração, ó Jerusalém, foi o non plus ultra dos males que te podia fazer Babilônia. - Mas, agora que estás padecendo essa transmigração, tu a deves consolar não com outra coisa, senão com a mesma transmigração. Porquê? Porque, se ela foi o non plus ultra e o último dos males, não pode passar daí: Non addet ultra ut transmigret te. - Tão altamente exagerou Jeremias o mal, quão sutilmente lhe excogitou o alívio. É propriedade dos males últimos isentarem de si mesmos a quem oprimem. A morte, que é o último de todos os males, isenta da morte e faz imortais aos que mata, porque nem ela os pode já matar, nem eles morrer. E este privilégio é o que logra na vida quem conheceu o bem do último lugar, e se contenta com ele. Antes de se recolher a este fortíssimo asilo, pode descer por vontade, pode cair por desgraça e pode ser derrubado por força; mas, depois de estar no último lugar, nem a força alheia, nem a mesma vontade própria, nem todo o poder da fortuna o pode fazer cair nem descer. Acrescente a fortuna um degrau além do último, e outro abaixo do ínfimo - o que Deus não pode fazer - e só então poderá descer quem está no ínfimo lugar e cair quem está no último.
Só quem soube fazer esta eleição desarmou a fortuna. Oh! que glorioso troféu! A fortuna despida de suas armas, e ao pé desses despojos aquele verso: Major sum quam cui possit fortuna nocere[26]. Assim se desarma a fortuna, que só é forte com as armas que nós lhe damos. Todos os poderes da fortuna em que consistem? Em levantar e abater; e se eu me contento com o último lugar, nem ela me pode levantar, porque não quero, nem abater, porque não pode. Antes, digo que nem abater-me, nem levantar-me pode a fortuna, ainda que queira, porque temos os conceitos trocados. Levantar-me não, segundo o meu conceito, porque o que ela tem por melhor lugar, esse é o que eu desprezo. E abater-me também não, segundo o seu conceito, porque o que ela tem por pior lugar, esse é o que eu estimo. Abra os olhos a fortuna cega, e emende a falsa aparência dos seus errados conceitos, e só então poderá fazer bem afortunados, tendo pelo melhor lugar do mundo, não o primeiro e mais alto, senão o mais baixo e último. Só é verdadeiramente bem afortunado quem não pode cair, e só não pode cair quem não tem para onde. E por que não pareça que dissimulo a sutileza de uma instância que tem esta filosofia, dirá alguém que no mesmo lugar último, sem haver outro inferior e mais baixo, pode cair quem está nele: Qui se existimat stare, videat ne cadat (1 Cor. 10, 12): Quem está em pé olhe não caia - porque quem está em pé pode cair dentro no mesmo lugar, sem cair para outro. É o que disse judiciosamente o poeta: In se magna ruunt[27] . Mas esta instância não tem lugar no nosso caso: quem está em pé pode cair no mesmo lugar, mas não quem está deitado, e isso quer dizer recumbe. Os que subiam e desciam pela escada de Jacó podiam cair, mas ele, que jazia ao pé da mesma escada no último lugar, e deitado, estava seguro de poder cair, e por isso dormia a sono solto: Recumbe in novíssimo loco.
§ VII
Terceira prerrogativa do último lugar. ser o mais seguro e o mais quieto. A opinião e imaginação matemática dos que afirmam que não é o sol o que se move e dá volta à' terra, Qual a razão por que só a terra no mundo goza de perpétua quietação e sossego? A inquietíssima servidão dos lugares altos. As competências dos primeiros lugares no nascimento de Jacó e Esaú e no nascimento de Farés e Zarão. Com que tenção pediram os filhos de Zebedeu as duas cadeiras da mão direita e esquerda do reino de Cristo? Os baixos, onde naufragam os navegantes, são os lugares mais altos do mar, e por isso neles naufraga o mesmo mar As árvores e a lisonja das virações. Que vale é o de que fala Davi, onde só o homem assistido da graça de Deus pôs o seu lugar?
A terceira prerrogativa do último lugar sobre mais fácil e mais seguro, é ser também o mais quieto, ou só ele quieto. Nesta perpétua roda em que se revolve o mundo, tudo se move, tudo se altera, tudo se muda, tudo está em contínua agitação, sem consistência nem firmeza, nem há lugar algum em que se goze de quietação e sossego, senão unicamente o último, e só por ser o último. Opinião foi antiga de muitos filósofos que não era o sol o que se movia e dava volta ao mundo, senão que, permanecendo sempre fixo e imóvel, esta terra em que estamos é a que, sem nós o sentirmos, se move e nos leva consigo, e quando nos aparta do sol, faz a noite, e quando no-lo torna a mostrar, o dia. Mas esta opinião, ou imaginação matemática, assim como ressuscitou em nossos tempos, assim foi também condenada como errônea, por ser expressamente encontrada com as Escrituras divinas. Do sol diz o texto sagrado, com palavras tão claras como a luz do mesmo sol, que ele é o que dá volta ao mundo, alumiando-o: Oritur sol et occidit, gyrat per meridiem, et flectitur ad aquilonem, lustrans universa in circuitu[28]. E, pelo contrário, da terra diz que ela está imóvel e firme, sem se mover nem haver de mover jamais: Terra autem in aeternum stat[29]. Pois, se o sol, príncipe dos planetas, se move, e todos os astros e corpos celestes, de dia e de noite, estão em perpétuo movimento, e abaixo do céu, arrebatada com ele, se move a esfera de, fogo, e abaixo do fogo o ar e os ventos, e abaixo do ar a água, ou correndo perpetuamente nos rios e nas fontes, ou indo e tornando às praias no mar duas vezes no dia, ainda quando as tempestades o não levantam às estrelas ou abismam às areias qual é a razão por que a terra, no meio de todas as estas agitações e tumultos da natureza, só ela está firme e imóvel, só ela em perpétua quietação e sossego: Terra autem in aeternum stat? Não vedes como neste imenso globo do universo só à terra, como centro dele, coube o último lugar do mundo? Pois, essa é a razão por que só ela no mesmo mundo goza de quietação e sossego: Causa stabilitatis et immobilitatis terrae est ejus gravitas, quae exigit infimuni mundi locum - comenta Cornélio. - Em suma, que todos os outros lugares mais ou menos altos são naturalmente inquietos, e só o ínfimo, o último e mais baixo de todos é o assento firme e o centro imóvel da segura e perpétua quietação.
Oh! se a terra tivera olhos e entendimento, e olhasse cá debaixo para o céu, e para tudo o que se move entre o céu e a mesma terra, que contente estaria do seu último lugar, e que graça daria por ele ao Autor da natureza, vendo o curso e revolução sempre inquieta do sol, da lua e das estrelas, e a contínua batalha dos elementos, comendo-se uns aos outros, sem paz nem quietação, mas em perpétua conquista de dilatar cada um a própria esfera, e só ela pacífica e quieta, por beneficio da última baixeza, em que Deus a fez a base do mundo e lhe deu por base o seu próprio centro: Fundasti torram super stabilitatem suam[30] ! Mas o homem, que é terra com entendimento e olhos, se o mesmo Deus lhos abriu de maneira que soube não querer outro lugar senão o último, ele é o que verdadeiramente logra a quieta paz e pacífica quietação do seu tão feliz como desconhecido estado, sem quem lho perturbe nem altere. Batalhem os outros, e comam-se sobre quem há de subir e alcançar os lugares mais altos, que eu - dirá - quanto mais olho para eles, e vejo de fora os seus perigos e naufrágios, tanto mais me satisfaço da minha paz que das suas batalhas, da minha retirada que das suas vitórias, e da minha segura baixeza que das suas inquietas alturas. Olhai que bem entenderam a inquietação de todas elas vivos e mortos. Quando Saul, depois de morto Samuel, o tirou do fundo da terra e o fez vir a este mundo, posto que por tão breve espaço, a razão por que Samuel se queixou dele não foi outra, senão porque o inquietara: Quare inquietasti me ut ascenderem[31]? E Sidônio Apolinar, refutando o parabém de certo lugar eminente a que fora promovido um seu amigo, escreveu estas notáveis palavras: Sed sententiae tali nunquam ego assentior, ut fortunatos putem qui reipublicae praecipitibus et lubricis culminibus insistunt, hoe ipso, sacis miseriores, quod parum intelligunt inquietissimo se subjacere famulatui[32].. Notai a palavra superlativa inquietissimo, com que um varão de tão alto juízo, como Sidônio, não só chama servidão à dos lugares altos, mas inquietíssima servidão: Inquietissimo famulatui.
As causas naturais desta inquietação dos lugares altos, ou são as competências dos que os procuram, ou as invejas dos que os desejam, ou o próprio desassossego dos mesmos lugares que, ainda depois de adquiridos, nem eles aquietam, nem deixam aquietar a quem está neles. Quanto às competências, por que pelejavam Jacó e Esaú nas entranhas de sua mãe, e Farés e Zarão, que lhes sucederam, não pelejavam nas entranhas da sua? Porque Jacó e Esaú ambos pretendiam o primeiro lugar, e entre Farés e Zarão tão fora estava de haver a mesma contenda que, tendo Zarão já na mão, com a púrpura, a investidura do primeiro: Hic exiet prior[33] - tornou a retirar o braço para o dar a Farés. De sorte que nas mesmas entranhas maternas, onde houve dois que competiram sobre o primeiro lugar, tudo foram inquietações e batalhas, e onde houve um só que quis antes o último que o primeiro, tudo foi paz e quietação. Isto quanto às competências.
E quanto às invejas? Maior caso ainda. Pediram os filhos de Zebedeu as duas cadeiras da mão direita e esquerda do reino de Cristo; e com que tenção as pediram? - Com tenção, diz S. João Crisóstomo, que S. Pedro, de quem só se temiam, lhes não levasse o primeiro lugar ou primazia do reino: Primatum hujus conses sus impetrare, et praeponi quidem se caeteris sciebant, Petrum vero sibi praeferri formidantes dicere ausi sunt, ut unus a dextris alter a sinistris sedeat[34]. Os outros discípulos, a quem os dois irmãos se viam preferidos, não lhes davam cuidado, e só de Pedro se temiam, Mas, se João e Diogo eram os dois mais virtuosos do apostolado e os dois maiores amigos de Pedro, como o queriam excluir por esta via? Porque onde entra a inveja e a ambição de lugares não há virtude nem amizade segura: o maior amigo vos há de desviar, e o mais virtuoso se há de introduzir. Os primeiros lugares leve-os João e Diogo: e a S. Pedro? Nenhum lugar. Por certo que não havia de haver esta inquietação no apostolado, se o lugar fora o último. O último lugar não tem invejosos, nem quem o escolheu por melhor tem que invejar; e onde não há invejoso, nem invejado, tudo está quieto.
E basta isto? Não basta. Porque, ainda que não haja competência nem inveja que inquiete os lugares altos, é neles tão natural a inquietação, como dizia, que eles mesmos se inquietam e a quem está neles. Lúcifer foi criado no céu, donde caiu: Quomodo cecidisti de caelo, Lucifer[35] - e, contudo, dizia a sua ambição que havia de subir ao céu: Qui dicebas in corde tuo: In caelum conscendam[36]. - Pois, demônio, se tu estás no céu, como anelas a subir ao mesmo céu? Como desejas o que já tens? Como pretendes o que já alcançaste? Como te inquieta o que já gozas? Como queres subir onde já subiste, e estar onde já estás? Porque o mesmo lugar em que estava o inquietava de sorte que, estando nele, não podia aquietar nele. Por isso, sem competência nem inveja de outrem que o derrubasse, ele se derrubou a si mesmo. A Adão derrubou o demônio, ao demônio ele mesmo se derrubou, porque tanto o inquietou o lugar que tinha como se o não tivera.
Só o último lugar está livre destas inquietações e perigos, e não por outro privilégio ou imunidade, senão por ser o mais baixo. Erradamente se chamam baixos aqueles em que naufragam os navegantes. Não são baixos senão os lugares mais altos do mar, que em penhascos ou areias se levantam no meio dele. Por isso neles naufraga o mesmo mar, e se quebram e espedaçam as ondas, Ditosas as que, sem querer sair nem subir, se deixam estar no seu fundo, que essas só se conservam em paz e gozam de inteira quietação; e se lá chegam os ecos das que perigam e quebram, elas descansam e dormem ao som das outras. Desta mesma quietação segura e firme nos dá outro documento a terra naqueles grandes corpos a que concebeu a vida e negou os sentidos. Todas as árvores têm uma parte firme e outra movediça. A firme, que são as raízes, está no baixo, e a movediça, que são os ramos, no alto. Só ali tem jurisdição e império, ou a lisonja das virações, ou o açoite dos ventos. Todas na cabeça leves e inquietas, e só no pé seguras e firmes. No alto quebram-se os ramos, voam as folhas, caem as flores e perdem-se antes de amadurecer os frutos; e só no baixo sustentam as raízes o tronco, e nele as esperanças de recuperar em melhor ano todo o perdido. Oh! mal-ensinado juízo humano, que nem as plantas insensíveis, nem os elementos sem vida, bastam a te fazer sisudo! Aprende ao menos das criaturas sensitivas, e sejam as menores as que te ensinem.
O pardal e a rola - diz Davi - souberam buscar e achar o lugar mais conveniente à sua conservação: Etenim passer invenit sibi domum, et turtur nidum sibi, ubi ponat pulos suos[37]. E a que fim traz Davi este exemplo, e o põe em dois animalinhos de tão pouco vulto? Para que se envergonhem os homens, com todo o seu uso da razão, de não saberem escolher o lugar que mais lhes convém. E são tão esquecidos e descuidados todos em fazer esta escolha que, se algum houve que a fizesse, foi por especial auxilio da graça divina. Assim continua o mesmo Davi com estas admiráveis palavras: Beatus vircujus estauxilium abs te: ascensiones in corde suo disposuit, in valle lacrymarum, in loco quem posuit(SI, 83, 6 s): Bem-aventurado, Senhor, aquele homem a quem vós assistis com particular auxilio de vossa graça, porque este considerou todas as ascensões, isto é, todos os modos de subir com que os outros procuram alcançar os lugares mais altos, porém, ele escolheu para si o mais baixo de todos, e pôs o seu lugar no vale das lágrimas: In valle lacrymarum, in loco quem posuit. Mas que vale de lágrimas é este? O mundo vulgarmente chama-se vale de lágrimas; porém, nem todo ele é vale, nem todo de lágrimas. Não é todo vale, porque tem campos, outeiros e montes, e não é todo de lágrimas, porque também é de gostos, delícias e passatempos. Que vale é logo este, onde só o homem assistido da graça de Deus pôs o seu lugar: In valle lacrymarum, in loco quem posuit? É o vale que fazem os montes das ascensões, isto é, os lugares altos onde todos desejam subir, que ele considerou muito atentamente: Ascensiones posuit in corde suo. - Os que subiram a estes lugares altos estão nos montes da alegria, por que conseguiram o que desejavam, e os que não puderam subir, estão no vale das lágrimas, por que todos choram e se choram de lhes não chegar o dia da sua ascensão, de não serem promovidos aos lugares que desejam. Neste vale, pois, que é de lágrimas e tristeza para os demais, neste mesmo, e no mais fundo dele, que é o último e mais baixo, pôs o seu lugar aquele a quem Deus assistiu, porque não basta só para esta valente resolução, o entendimento e juízo próprio, mas é necessário o auxílio da graça divina: Cujus est auxilium abs te: auxílio de luz para o conhecer por melhor, auxilio de valor para o preferir a todos, e até auxílio do amor-próprio para descansar sem engano unicamente nele: Recumbe in novissimo loco.É todo o lugar último como o que coube a Benjamim na mesa de José. O engano dos que reputam o último lugar não só por menos honroso, mas por afrontoso. O último lugar merecido por distribuição alheia ou tomado por eleição própria. Assim como o que tem o último lugar na casa é o senhor da casa, assim o que voluntariamente tem o último lugar no mundo é o senhor do mundo. Por que criou Deus o homem em último lugar? Por que escolheu Cristo o último lugar, sendo sua a eleição? O que disse Aristipo a el-rei Dionísio, quando este o colocou no último lugar de sua mesa?
Temos visto como o último lugar, entre todos os do mundo, para alcançar é o mais fácil, para conservar o mais seguro, e para lograr o mais quieto, prerrogativas nele singulares, pelas quais deve ser preferido a todos os outros. Nem o nome de último lhe deve tirar nada de estimação, porque, se não fora o último, não as tivera. É todo o lugar último como o que coube a Benjamim na mesa de José, Como os irmãos se assentaram à mesa conforme as suas idades, a Benjamim, que era o mais moço, coube-lhe o último lugar. Foi, porém, coisa que os mesmos irmãos e todos os egípcios muito admiraram, que, fazendo José os pratos, o de Benjamim se avantajava sempre com notável excesso a todos. Olhamos para o lugar, e não olhamos para o prato. Oh! se soubéssemos tomar o sabor aos gostos e regalos puros e sinceros, que só no último lugar se acham, livres das amarguras e dissabores que em todos os outros lugares, por altos e soberanos que sejam, ainda com os olhos cerrados, mal se podem tragar! Lá disse Demócrito que aquele que se resolvesse a não desejar, poderia competir de felicidade com Júpiter; e esta felicidade sobre-humana só a depositou não o falso, senão o verdadeiro Deus, nos tesouros escondidos do último lugar. Só ali se vive sem desejo, sem temor, sem esperança, sem dependência e sem cuidado algum, nem ainda leve pensamento que a perturbe. Só ali o sono é descanso, o comer sustento, a respiração vital, e a vida, vida, porque só ali está a alma, não dividida, mas inteira, e toda consigo e dentro em si mesma, como também o homem todo em si, e fora do mundo, porque não quer nada dele. E que não baste tudo isto para que o último lugar seja o mais estimado, o mais querido e o mais pretendido dos homens? Tanto pode com eles a falsa apreensão daquele nome de último com que, reconhecendo-o no demais por tão avantajado e melhor, o reputam contudo não só por menos honrado, mas por afrontoso, e por isso o desprezam e fogem dele.
Este é o último engano que só nos resta por refutar, cuja inteligência consiste em saber distinguir no mesmo lugar uma grande diferença de último a último. O último lugar, merecido por distribuição alheia, pode ser afrontoso; tomado por eleição própria, é o mais honrado. Quem voluntariamente e por própria eleição escolhe o último lugar do mundo, esse só usa do mesmo mundo como senhor dele. Dê-nos a primeira prova o mesmo mundo, não como vão e errado, mas como cortês e entendido. Vistes passear na praça de palácio uma cochada de fidalgos: e qual deles é o senhor da carroça? O que vai no último lugar. Vistes os mesmos, ou outros, em conversação ou visita: e qual é o senhor da casa? O que está na última cadeira. Pois, assim como o que tem o último lugar na carroça é o senhor da carroça, e assim como o que tem o último lugar na casa é o senhor da casa, assim o que voluntariamente tem o último lugar do mundo é o senhor do mundo. Não ponhamos a decisão na vontade dos homens, que pode ser errada, mas na do mesmo Deus, que é a regra de toda a razão e verdade. Começou e acabou Deus a grande obra da criação deste mundo em seis dias: mas por que ordem? Depois de criar no primeiro dia a luz, no terceiro criou as árvores e plantas, no quarto o sol, lua e estrelas, no quinto, os peixes e aves, no sexto os animais que andam ou se arrastam sobre a terra, e, depois de povoados por este modo o céu, o ar, a água e a mesma terra dela formou e criou o homem, para dominar, como senhor de tudo o que tinha criado. Assim o disse o mesmo Deus no mesmo ato em que o formou: Faciamus hominem ad imaginem et similitudinem nostram, ut praesit piscibus maris, et volatilibus caeli, et bestiis, universaeque terrae[38]. Pois, se o homem era a primeira e mais nobre de todas as criaturas deste mundo, e criado para senhor delas, por que o não criou Deus no primeiro lugar, senão no último? Por isso mesmo. Por que a honra e dignidade do último lugar do mundo só competia e era devida ao senhor e dominador dele. Vede agora se é honrado, e quão honrado é o último lugar: Merito ergo postremus, quasi Tinis naturae formatus: recte ergo novissimus, quasi totius summa opens, quasi causa mundi, propter quem facta sunt omnia[39] - diz Santo Ambrósio. Mas ainda não está dito o que excede quanto se pode dizer.
Deus, enquanto Deus, por ser infinito e imenso, é incapaz de lugar; porém, depois que desceu do céu a este mundo, e se fez homem, havendo de ter lugar entre os homens, que lugar tomaria? O de Nazaré? O de Belém? O do Egito? O do Calvário? Tal foi o lugar que tomou sempre e em toda a parte, que, vendo-o o profeta Isaías, não teve outro nome com que se explicar, senão chamando-lhe o último dos homens: Novissimum virorum (Is. 53, 3). E por que razão o último, sendo sua a eleição do lugar? Não porque tivesse para si que a igualdade que tinha com o Eterno Padre fosse alheia ou roubada, e não natural e própria, como notou S. Paulo mas porque sendo tão Deus e tão supremo Senhor do universo como o mesmo Padre, nem outro lugar era capaz de sua grandeza, nem outro mais decente à sua soberania, nem outro, enfim, mais conforme à sua doutrina, senão aquele mesmo a que hoje nos exortou: o último. Em um banquete a que el-rei Dionísio de Sicília convidou as maiores personagens do seu reino, como pusesse no último lugar da mesa a Aristipo, oráculo daquela idade, o que lhe disse o grande filósofo foi: Hunc plane locum decorare et illustrem reddere voluisti: - Sem dúvida, ó Dionísio, que hoje quisestes enobrecer e fazer ilustre este lugar. - E se assim honrou e ilustrou Aristipo o último lugar, só com se assentar nele, que diremos depois que Deus o escolheu e tomou para si? O novissimum et altissimum! - exclama S. Bernardo. Antes de Deus escolher este lugar entre os homens, podia andar em opiniões se era honrado ou não o último lugar; mas, depois que Deus o escolheu e tomou para si, intolerável blasfêmia seria dizer que não é o mais honrado de todos.
§ IX
A conclusão da parábola de Cristo parece desfazer tudo o que se disse do último lugar, Se o último lugar se dá por castigo, e o primeiro por prêmio, melhor parece que é o primeiro lugar que o último. Em que gastou e empregou Deus o segundo dia da criação? A exaltação da água e a queda de Lúcifer O que devem fazer os que têm os primeiros lugares? A renúncia dos imperadores Maximiano e Diocleciano. Os escribas e fariseus e os que, por amor dos primeiros lugares, põem a Cristo em uma cruz.
Por fim só resta satisfazer à conclusão da parábola, na qual parece que desfez o divino Mestre tudo o que temos dito, dando o Senhor a razão por que se não devem procurar os primeiros lugares, senão o último: - Porque virá - diz - o dono da casa e do convite, e se vos vir no último lugar, dir-vos-á: Amice, ascende superius(Lc. 14, 10): Amigo, subi para cima. - E, pelo contrário, se tiverdes tomado o primeiro, o que ouvireis será: Da huic locum (ibid. 9): Levantai-vos desse lugar, e dáo a este - e com grande confusão e vergonha vossa ficareis no último: Et incipias caiu rubore novissimum locum tenere (ibid. 9). - Este dono da casa e do convite no fim da parábola, é Deus que, segundo as nossas ações e deliberações as há de premiar ou castigar: e não pondero que só ao que escolheu o último lugar chamou amigo: amice - nem pondero que o que tinha tomado o primeiro lugar não ficou no segundo nem no terceiro, mas desceu ou foi lançado no último; mas o que pondero e reparo é que ao que elegeu o último lugar o premiou Deus com o primeiro, e ao que tomou o primeiro o castigou com o último; logo, se o último lugar se dá por castigo, e o primeiro por prêmio, melhor parece que é o primeiro lugar que o último.
Assim parece porque não consideramos nos mesmos lugares o onde e o quando. Onde e quando foi a eleição que os homens fizeram dos lugares? Neste mundo. E onde e quando há de ser a mudança com que Deus o há e trocar? No outro. Pois essa é a razão da diferença e da troca. No outro mundo é melhor o primeiro lugar: neste o último. E por quê? Porque o céu é a Pátria de todos os bons e de todos os bens, a terra a de todos os maus e de todos os males. Na terra, tudo são soberbas, ambições, invejas, discórdias, contendas, cavilações, enganos, falsidades, traições, violências, e tratar cada um de subir, ainda que seja pelas ruínas alheias; e para, escapar de todos estes males, maldades e malícias, não há outro lugar seguro e quieto, senão o último. Pelo contrário, no céu tudo é claridade, paz, concórdia, amor, contentamento, bem-aventurança e estimar e gozar-se cada um do bem do outro como do próprio, e por isso os primeiros lugares, de ninguém invejados nem pretendidos, mas de todos aprovados e venerados, sem receio que os inquiete de dentro,nem perigo que os perturbe de fora, são tão firmes e perpétuos, como os mesmos bens e felicidades que logram.
E para que vejamos estas duas diferenças estabelecidas por Deus desde o princípio do munido, uma na terra entre os elementos, e outra no céu entre os anjos, ouçamos a Escritura Sagrada. Na criação do mundo gastou seis dias, mas só cinco deles foram propriamente de criação. No primeiro criou, no terceiro criou, no quarto, no quinto e no sexto criou, e somente, no segundo não criou coisa alguma. Pois, se o segundo dia foi totalmente estéril e infecundo, sem produção de nova criatura, em que gastou e empregou Deus todo aquele dia? Empregou-o todo em honrar e exaltar o último lugar quanto ele merece. Diz o texto que no segundo dia dividiu Deus o elemento da água, e levantou uma parte dele, e a pôs sobre o firmamento, a que chamou céu. Estas são aquelas águas de que diz Davi: Et aquae omnes quae super caelos sunt, laudent nomen Domini[40] - onde declara que o céu sobre que foram colocadas é o supremo e mais alto de todos. E donde lhe veio ao elemento da água ser assim exaltado, o que Deus não fez a algum outro? Porque, sendo a água por natureza superior à terra, e sendo o lugar da terra o último, ela, deixando o sítio mais eminente em que fora criada, correu espontaneamente a encher as concavidades da mesma terra, e se abraçou de tal sorte com ela no mesmo lugar, que da água e da terra se formou um só globo. E foi tão grata aos olhos de Deus esta ação, posto que natural do elemento da água, que, havendo de lhe compensar, como autor da natureza, um lugar com outro lugar, pelo último a que se abateu na terra o levantou ao supremo do céu. Mas pois estamos no céu, vejamos quão contrário foi lá a este exemplo da água elementar o do fogo racional, que isso quer dizer serafim. Tinha o primeiro lugar no céu, entre o coro dos serafins, Lúcifer, não se contentando com menos sua altiveza que com subir ao supremo sobre todas as criaturas. Isto é o que revolvia no pensamento quando disse: Super astra Dei exaltabo solium meum: similis ero Altissimo[41]. E que lhe fez o mesmo Altíssimo a quem afetou ser semelhante? Veruntamen ad infemum detraireis, in profundam laci[42]. Do céu o precipitou no inferno, e do supremo lugar que afetou no empíreo, ao ínfimo dos abismos. Assim castiga ou premia Deus, e assim troca os lugares, sublimando até o supremo a quem se abateu ao último, e derrubando até o último a quem afetou o supremo. Tanto monta na parábola do nosso Evangelho ou: Amice, ascende superius[43] ou: Inmipias cum rubore novissimum locum tenere[44]
À vista deste eterno desengano não é necessário inferir qual deve ser a resolução nesta vida dos que ainda têm livre a eleição dos lugares. Mas, que farão os que já conseguiram a sua, e por nascimento ou negociação, ou qualquer outra fortuna, estão postos nos primeiros? Fácil é de dar o conselho, se não for dificultosa a resolução. Mas esta não corre por minha conta. Por que não farão os que têm menos que deixar o que fizeram tantos reis e imperadores? Não tinham fé do céu nem do inferno Diocleciano e Maximiano, e só pela experiência que tinham dos primeiros lugares do mundo, cansados de o governar e mandar, ambos de comum consentimento renunciaram o império em um mesmo dia - que foi o de dezessete de fevereiro do ano de trezentos e quatro - Diocleciano em Nicomédia, e Maximiano em Milão. E quem não exclamará neste passo: Oh! cegueira do juízo humano! Oh! fraqueza grande da nossa fé! Que dois gentios, e de má vida, tivessem valor para uma resolução como esta, e que sendo a medida dos lugares, com que nos levantamos sobre os nossos iguais, tão curta, baste a lisonja desta preferência tão trabalhosa e incerta para a antepormos nesta vida à quietação e descanso da temporal, e a segurança da eterna!
Razões pode haver tão urgentes, e obrigações tão fortes, que não permitam romper estes laços; mas nos tais casos, que não podem ser senão muito raros, já que se não possam renunciar os lugares, ao menos se deve renunciar o amor. Mais estranhava Cristo nos escribas e fariseus o amor que tinham aos primeiros lugares que os mesmos lugares. Amant autem primos recubitus in coenis, et primas cathedras in synagogis[45]. Para serem tão arriscados, como vemos, os primeiros lugares, basta serem primeiros, ainda que se não amem. Os santos não os amavam, e, contudo, se lê de todos que os repugnavam e fugiam deles; mas se forem primeiros, e juntamente amados, então são muito mais perigosos e perniciosos, assim para os mesmos a quem incham e enganam, como para a república que arruínam. Estes mesmos escribas e fariseus, amadores dos primeiros lugares, foram os solicitadores da morte de Cristo, e os que puseram o Filho de Deus em uma cruz. Por quê? Só por não perderem os lugares que tanto amavam: Venient romani, et tollent nostrum locum[46]. Enfim, que os primeiros lugares senão amarem, serão menos os danos que causarão, próprios e alheios, mas, ou amados ou não amados, se os que estão neles os não renunciarem de todo, e trocarem generosamente pelo último, de nenhum modo poderão gozar a liberdade, a quietação e o descanso seguro que tão largamente tenho mostrado, porque este privilégio só é concedido por Deus ao último lugar: Recumbe in novissimo loco[47]
[1]Vai tornar o último lugar (Lc. 14, 10).
[2]Num sábado, para tornar a sua refeição, ainda eles o estavam ali observando (ibid. 1).
[3]Propôs-lhes uma parábola (ibid. 7).
[4]Vai tomar o último lugar (ibid. 10).
[5]Exaltarei o meu trono, serei semelhante ao Altíssimo (Is. 14, 13 s).
[6]Sereis como uns deuses (Gên. 3, 5).
[7] Qual deles se devia reputar o maior (Lc. 22, 24).
[8] Plinius in Panegyr.
[9] Busquei-o, e não foi achado o lugar dele (SI. 36, 36).
[10] Buscarás o lugar dele, e não o acharás (ibid. 10).
[11] Por que amais a vaidade, e buscais a mentira (SI. 4, 3)?
[12] Apud Senecam, lib. 3, Epist. 38.
[13] Que galardão pois será o nosso (Mt. 19, 27).
[14] Estareis sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel (ibid. 28).
[15] Como escolhiam os primeiros assentos (Lc. 14, 7).
[16] Todos correm no estádio, mas um só é que leva o prêmio (I Cor. 9, 24).
[17] É fácil que a sombra se adiante dez linhas: não quero que isto se faça, senão que volte atrás dez graus (4 Rs. 20, 10).
[18] E eles desapareceram de todo o lugar (Dan. 2, 35).
[19] Bernard. Serm. 2, de Ascens.
[20] Foi levado ao deserto, para ser tentado pelo diabo (Mt. 4, 1).
[21] 0 levou à cidade santa, e o pôs sobre o pináculo do Templo (ibid. 5).
[22] De novo o subiu o diabo a um monte muito alto (ibid. 8).
[23] Lança-te daqui abaixo (ibid. 6).
[24] Se prostrado me adorares (ibid. 9).
[25] Os crimes podem ter segurança, mas não segurança absoluta.
[26] Sou maior que aquele ao qual a fortuna pode causar danos.
[27] As grandes coisas caem por si mesmas.
[28] O sol nasce e se põe, faz o seu giro pelo meio-dia e se dobra para o norte, visitando tudo em roda (Ecl. 1,5s).
[29] Mas a terra permanece sempre firme (Ecl. I, 4).
[30] Fundaste a terra sobre a sua própria estabilidade (SI. 103, 5).
[31] Por que me inquietaste, fazendo-me subir (I Rs. 28, 15 - Text. Hebr.).
[32] Não sou da opinião dos que têm por afortunados os que lutam para conseguir os mais altos cargos da república; antes, por isso mesmo são dignos de grande lástima, pois julgam pouca coisa submeterse à essa inquietíssima servidão (Sidon. Apollinaris, lib. 2, Epist. 13).
[33] Este sairá primeiro (Gên. 38, 28).
[34] Chrys. Ho,nil. 66, in Match.
[35] Como caíste do céu, ó Lúcifer (Is. 14. 12)?
[36] Que dizias no teu coração: Subirei ao céu (ibid. 13).
[37] Ainda o passarinho acha casa para si, e a rola ninho para si, onde ponha seus filhinhos (SI. 83, 4).
[38] Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, o qual presida aos peixes do mar, às aves do céu, às bestas e a toda a terra (Gên. 1, 26).
[39] Com razão foi o homem formado em último lugar, quase como o fim da natureza; com razão foi o último, quase como a súmula de toda a criação, a causa do mundo, por quem tudo foi feito.
[40] E todas as águas que estão sobre os céus louvem o nome do Senhor (SI. 148, 4 s).
[41] Exaltarei o meu trono acima dos astros de Deus: serei semelhante ao Altíssimo (Is. 14, 13 s).
[42] E, contudo, no inferno serás precipitado, até ao profundo do lago (ibid. 15).
[43] Amigo, senta-te mais para cima (Lc. 14, 10).
[44] E tu, envergonhado, vás buscar o último lugar (ibid. 9)
[45] E gostam de ter nos banquetes os primeiros lugares, e nas sinagogas as primeiras cadeiras (Mt. 23, 6).
[46] Virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar (Jo. 11, 48).
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Sermão da Dominga Décima-Sexta Post Pentecostem, de Padre
António Vieira.
Edição
de Referência:
Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim:
Edelbra, 1998.
Editoração
eletrônica:
Verônica Ribas Cúrcio