Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Sermão pelo bom sucesso de nossas armas  do Padre Antônio Vieira.


Edição de Referência:

Sermões.Vol. VIII Erechim: EDELBRA, 1998.

SERMÃO PELO BOM SUCESSO DE NOSSAS ARMAS,

Tendo El-Rei D. João o IV passado a Além-Tejo,

Na Capela Real, Ano de 1645, com o Santíssimo Sacramento exposto.

Erige brachium tuim sucia Ba unutuo, et allude vurtiaem eorum vurtiae tua: cadat vurtus eorum in uracundua tua. Non enum in multutudune est vurtus tua, Domine, neque in equorum vurubus voluntas tua est. Deus caelorum, creator aquarum, et Domunus totuus creaturae, exaudu me museram deprecantem, et de tua muserucordua praesumentem. Memento, Domine, testamentu tui[1].

§I

A oração da Judite de Israel e a oração da Judite de Portugal.

Divina e humana Majestade, Rei dos reis, Senhor dos exércitos. Posto em caso o de Nabucodonosor, à vista da cidade de Betúlia, com estas palavras fez oração à vossa divina misericórdia a famosa Judite de Israel, tão famosa pelo excesso de seu valor como pelo extremo de sua santidade, e com as mesmas ora também na ocasião presente, prostrada a real coroa aos pés de vossa Divina Majestade, a soberana Judite de Portugal, senão menos valorosa, nem menos pia, mais poderosa hoje para obrigar vossa infinita clemência. A Judite de Israel orava como pessoa particular, ainda que pelo bem comum; a Judite de Portugal ora como rainha e senhora nossa, pelo bem e conservação de seus vassalos, cuja oração, como pública, sempre teve mais lugar na aceitação de vosso acatamento divino. A Judite de Israel alegava exemplos antigos, quando a virtude de vosso braço onipotente assistiu aos hebreus contra os egípcios; a Judite de Portugal alega o exemplo que vimos com nossos olhos no primeiro dia da restauração deste reino. E assim diz, com mais propriedade que a outra Judite: Erige brachium tuum sicut ab initio: Levantai, Senhor, vosso poderoso braço como no princípio - e confundi o poder que temos contra nós, com a virtude de vossa despregada mão. Os outros afetos da oração de Judite são todos aqueles que nas circunstâncias do caso presente podem atentar nossa esperança, e obrigar vossa misericórdia. Para que eu os saiba ponderar, e acerte a os persuadir como convém, desse trono do Diviníssimo Sacramento, que é a fonte de todas as graças, sede servido, Senhor, de atentar a tibieza de minhas palavras com aquela eficácia de espírito, e dispor os corações dos que me ouvem com aquele conhecimento da verdade que pede a importância de causa tão grande e tão vossa.

§II

A grande empresa a que se vê empenhado o Reino de Portugal. A grande importância da opinião na fundação e consolidação dos reinos.

Grande causa, Senhora, é a que põe hoje a Vossa Majestade aos pés de Cristo; grande causa, portugueses, é a que nos chama hoje a este lugar: tão grande, que não pode ser maior; tão grande, que ainda é maior do que parece. O que nesta matéria vêem os olhos, é muito, o que discorre o entendimento, é tudo. É tão grande o empenho desta empresa, que não sei como declarar o que entendo dele. Deus nos dê o sucesso que esperamos, porque vejo nesta jornada empenhado todo o reino em corpo e em alma. Já acertei a o dizer: explicar-me-ei agora.

Primeiramente está empenhado o reino com todo o corpo, porque não só se abalou a cabeça, não só temos em campanha a el-rei, que Deus guarde, que basta para pôr o mundo em grande expectação, como a nós em grande cuidado. Mas para ser total o empenho, seguiram o exemplo e a cabeça, por união natural, todos os membros da monarquia; os grandes, os títulos, a nobreza, a casa real, a corte, os requerentes, os letrados, as universidades inteiras, as pessoas particulares de todas as cidades e vilas, os auxiliares das comarcas, os presídios das províncias, enfim, tudo. De maneira que havemos de considerar que temos em campanha, não um exército de Portugal, senão Portugal em um exército. De tal sorte é esta causa comum, que toca a todos em particular, e no mais particular de cada um. Lá vão os pais, lá os filhos, lá os maridos, lá as casas, lá os herdeiros, lá os corações, lá o remédio de todos. Os que cá ficamos estamos fora do exército para o trabalho, mas marchamos com os demais para o perigo. Assim que todo o corpo do reino temos empenhado nesta empresa, e para que ao corpo lhe não faltasse o sangue, considerai as grandes despesas públicas e particulares que se têm feito, e quanta desgraça seria ficarem mal logradas.

Menos fora estar empenhado o corpo do reino, se não levara também nesta ocasião empenhada consigo à alma, que no juízo dos que adiantam os olhos ao futuro, importa mais que tudo. A alma dos reinos, principalmente em seus princípios, é a opinião. Esta vai hoje buscar a Castela o nosso exército. Dificultosa empresa, em que não imos só conquistar as forças de um reino, e muitos reinos, senão os juízos do mundo. Este ponto é o que nos deve pôr em maior cuidado que a mesma guerra. Quando Cristo, Senhor nosso, profetizou as guerras, que da sua até a nossa idade têm inquietado todos os séculos, disse que se haviam de levantar umas nações contra outras nações, e uns reinos contra outros reinos: Surget gens contra gentem, et regnum adversus regnum (Lc. 21, 10); - e para encarecer o perigo das mesmas guerras que anunciava, acrescenta - coisa muito digna de se notar - que então não só havia de haver batalhas, senão também as opiniões das mesmas batalhas: Audituri enim estis praelia et opiniones praeliorum[2]. - A mais perigosa conseqüência da guerra, e a que mais se deve recear nas batalhas, é a opinião.

Na perda de uma batalha arrisca-se um exército, na perda da opinião arrisca-se um reino. Salomão, o rei mais sábio, dizia que melhor era o bom nome que o óleo com que se ungiam os reis: Melius est bonum nomen, quam oleum unctionis, quo ungebanitur capita regum[3] - porque a unção pede dar reinos, a opinião pode tirá-los. E se não, vede a quanto mais, nos empenha a reputação do reino, do que nos empenhou a restituição do rei. Para aclamar o rei, bastou a resolução de poucos homens; para reputar o reino, ajuntamos exércitos de tanto mil. Para o primeiro bastaram poucos corações e poucas vozes, para o segundo são necessários tantos braços e tantas vidas. Oh! que grande peso de conseqüências se abala hoje com o nosso exército! O respeito dos inimigos, a inclinação dos neutrais, a firmeza dos aliados; tudo isto está hoje tremulando nas nossas bandeiras: Spectaculum facti sumus mundo[4]. - A batalha será nos campos de Badajoz, o sucesso está suspendendo os olhos e as atenções de todo o mundo. Roma, Holanda, Castela, França, todos estão à mira, com a mesma atenção, posto que com intentos diversos. Roma se há de receber, Holanda se há de quebrar, Castela se há de desistir, e até França, em cujo amor e firmeza não pode haver dúvida, está suspensa com os sobressaltos de amiga e interessada, que ainda que não façam mudança no coração, causam alteração no cuidado. A dieta de Alemanha não é a que menos observa este sucesso, para fundar os respeitos de suas resoluções, que por mais que o nosso direito seja tão evidente, e a nossa causa tão justa, os reinos não os pesa a justiça na balança, mede-os na espada.

Esta opinião tão importante é a que vai buscar o nosso exército; e para que deste lugar da verdade a confessemos, não só a vai buscar, senão também a recuperá-la pelo sucedido na próxima campanha. Bem sei, e tenho ouvido, a sutileza dos discursos com que os nossos políticos querem negar à mesma campanha o nome de vitoriosa, como se as sentenças de Marte se fundaram em discursos ou arrazoados. Custar-lhe - dizem - uma ponte de Portugal um exército, antes é desengano que esperança. Cortar o passo aos rios, antes é desconfiar da defesa que aspirar à conquista. Fazer-se a guerra às pedras, e não aos homens, antes foi ação de receio que de poder. Se nos quis entreprender uma aldeia, as armas, de que ficou semeado o terreno, provam a pressa com que se recolheram, e o sangue e corpos mortos, o valor com que resistimos. Renderam-nos uma atalaia em que vigiavam dez soldados; mas entre os seus houve quem disse, que antes quisera ser tão bizarramente vencido que com tanta desigualdade vencedor. Oito mil homens eram os que sitiaram tão poucos, e depois de não admitirem embaixadas, depois de se não renderem abafarias, depois de rebaterem duplicados assaltos, tendo-lhes levado um caso grande parte de tão pequeno número, primeiro desprezaram a morte, querendo ser voados, do que consentirem a vida, aceitando partidos. Enfim, as armas agressoras, sem oposição ofensiva, campearam livremente, e nem por isso nos deixaram com grandes danos, ou se recolheram com grandes vantagens.

Mas as matérias da opinião são muito delicadas, e a consciência da honra não admite escrúpulos. É certo que o seu exército entrou sem resistência, e se recolheu sem oposição; e basta que entrasse e saísse para que nos não deixasse a casa airosa. As batalhas são desafios grandes, e ter aguardado no posto nunca deixa acreditado a quem não saiu. Destruir e edificar são dois grandes argumentos de poder. Por estes termos explicou Deus o poder que dava ao profeta Jeremias: Ut destruas, et dissipes, et aedifices, et plantes[5]. - Vede se terão ocasião para brasonar que entraram em Portugal vitoriosos os que deixam um forte demolido, e outro edificado. Um arco triunfal edificou Saul pela vitória de Amalec, e quantos arcos levantaram as trombetas da sua fama por dois que nos quebraram de uma ponte? Que escreveram, que publicaram pelo mundo? Se de duas aldeias, que nos entraram, fizeram suas gazetas duas grandes cidades, muito havemos mister para nos livrar de suas penas, posto que nos desembaracemos de suas mãos. Esta é a injustiça da fama, que tanto desacredita com o presumido, como ofende com o verdadeiro.

Doze bandeiras acharam em um carro comboiado de lavradores, que levaram, e têm em seu poder; e, posto que não foram tomadas em guerra, quem há de distinguir nelas o que é tafetá do que é insígnia? Quem há de provar ao mundo que foram roubo, e não vitória? São hoje estas bandeiras de Portugal como a capa de José nas mãos da egípcia. Ali estava a fraqueza da parte de quem mostrava a capa, e o valor da parte de quem a perdera. Mas José padecia os desares da opinião, e a egípcia lograva os aplausos da fama, que não merecia, porque quem pode mostrar em sua mão os despojos, sempre tem por si a presunção da vitória, e mais quando não podemos negar aos olhos do mundo a grande desigualdade dos compassos com que a geometria mede nos mapas as suas e as nossas fronteiras.

§ III

A prudência da Rainha em segurar o sucesso com Deus, rendendo o céu com orações, enquanto o exército português defende a terra com as armas.

E como os empenhos da ocasião presente são tão grandes, com muita razão trata hoje a piedade da Rainha nossa Senhora, de segurar o sucesso com Deus, e render o céu com orações, enquanto o nosso exército defende a terra com as armas. A el-rei Davi lhe aconselharam os seus que não saísse à campanha em certa ocasião de guerra, persuadidos - como diz Lirano - que mais os podia ajudar ausente, com as orações, que presente com as armas: Plus enfim poterat adjuvare existentes in praelio suis orationibus absens, quam viribus praesens, - Assim o fez Davi, mas não o fez assim el-rei, que Deus guarde. Dividiu-se entre as orações e as armas, porque, se está ausente na campanha, também o temos presente na melhor e na mais prezada parte de si mesmo. Lá como Josué, assistindo ao governo dos exércitos, cá como Moisés, levantando as mãos a Deus. De el-Rei D. Afonso V lemos que quando entrou por Castela tinha consigo nos arraiais a Rainha D. Joana e o príncipe D. João; e o sucesso foi que, ficando vencido o troço do exército que governava el-rei, o que pertencia à rainha e ao príncipe ficou vitorioso. O que eu espero na ocasião presente é que se não há de dividir a fortuna, mas que se há de unir a vitória. Serão vencedoras as armas de Barac, mas atribuir-se-á o triunfo às orações de Débora: Hac vice victoria non reputabitur tibi, quia in manu mulieris tradetur Sisara[6].

E para que se conheça a prudência da nossa valorosa e santa Judite nesta sua oração, vejamos nas palavras que propus como acode a todas as circunstâncias que hoje nos podem inquietar o cuidado. Três dificuldades se nos podem representar nesta empresa. A primeira, aquela razão geral de pelejar Portugal contra Castela, o menor poder contra o maior; a segunda, ser este superior na sua cavalaria, que na campanha faz mui desigual o partido; a terceira, ser inverno, em que as chuvas e inundações dos rios podem atalhar o passo e impedir as operações ao exército. A todas estas dificuldades está satisfazendo Judite nas palavras da sua oração, falando com Deus como se falara conosco.

§ IV

Primeira dificuldade da empresa de Portugal: pelejar contra Castela, isto é, o poder menor contra o maior. A heresia dos que afirmam que sempre Deus se põe da parte dos mais mosqueteiros. Os exemplos da Escritura. Segunda dificuldade: o número superior da cavalaria inimiga, e a vitória de Judite sobre Holofernes. A cavalaria de el-rei Faraó no Mar Vermelho e a vara de Moisés. Terceira dificuldade: o inverno. Por que chama Judite a Deus criador das águas, e não se lembra dos outros elementos? Os reis de Portugal, senhores do elemento da água. Os quatro modos por que se apostou o elemento da água a salvar e favorecer a Davi na revolta de Absalão.

É verdade que sai a pelejar o menor poder contra o maior, mas a isso responde Judite: Non enim in multitudine est virtus tua, Domine (Jdt. 9, 16): que as vitórias de Deus não dependem da multidão nem do número dos soldados. - É prática mui ordinária entre os políticos, que sempre Deus se põe da parte dos mais mosqueteiros. Esta proposição nasceu nas guerras de Flandres, e não é muito que seja herética. Dias há que a desejo tomar entre mãos, para a confutar; agora o farei brevemente. Dizer que Deus ordinariamente se põe da parte dos mais, não só é ignorância das histórias humanas, mas heresia formal contra as Escrituras Sagradas. Quem isto diz é herege. Vão os textos. No primeiro Livro dos Reis, cap. 14, diz a Escritura: Non est Domino difficile salvare, vel in multis, vel in paucis[7]. - No Segundo Livro do Paralipômenon, cap. 14: Domine, non est apud te ulia distantia utrum in paucis auxilieris, an in pluribus[8]. - No Primeiro Livro dos Macabeus, cap. 3: Facile est concludi muitos in manu paucorum, nec est differentia in conspectu Dei caeli liberare in multis, et in paucis[9]. - Todos estes textos querem dizer conformemente que Deus para dar as vitórias, não atenta para o número dos soldados, e que com tanta facilidade faz vencedores aos poucos como ao muitos. Assim que, dizer e entender o contrário é erro, é impiedade, é heresia. E para que esta verdade lance firmes raízes em nossos corações, e nos resolvamos de uma vez que pode Portugal prevalecer e vencer, ainda que sejamos menos em número, vamos aos exemplos.

El-rei Roboão pôs em campo contra o reino de Judá oitenta mil homens; saiu-lhe ao encontro El-rei Abias só com quarenta mil. E quem venceu? Sendo o exército do reino de Judá ametade menor, inclinou Deus para a parte dos menos, e ficou Abias com a vitória. Contra Acab, rei de Israel, vie Benadad, rei de Síria, a quem acompanhavam outros trinta e dois reis, e eram tantos os soldados em seus exércitos, que disse soberbo Benadad que em toda Samaria não havia um punhado de terra para cada um. Não tinha el-rei Acab na sua corte mais que sete mil duzentos e trinta e dois homens, e com estes, confiado em Deus, saiu fora dos muros, e ensinou a Benadad que havia bastante terra em Samaria para sepultura de seus exércitos. Mas ainda nestas vitórias se contavam os soldados por milhares. Vamos a menor número. Só com quatrocentos soldados venceu Davi o exército vitorioso dos amalecitas, não ficando vivos mais que quatrocentos, que fugindo escaparam. Só com trezentos e dezoito homens de sua casa venceu Abraão em batalha a cinco reis. E só com trezentos, e esses desarmados, desbaratou Gedeão os exércitos orientais dos madianitas, que não cabiam nos campos. Há maior desigualdade? Pois, ainda aqui os vencedores se contam a centenas. Vamos a unidades. Armaram os filisteus contra el-rei Saul tão poderoso exército, que só os carros -em que naquele tempo se pelejavam -eram trinta mil, e a gente de pé tanta em número, que, diz a Escritura, igualava às areias do mar. Que poder vos parece que seria bastante para vencer tal exército?

Acometeu-o uma noite o príncipe Jônatas, acompanhado só do seu pajem de lança; e porque Deus os ajudava, bastaram só dois homens, para meter em confusão e pôr em fugida a tantos mil. Chama a Escritura a isto, não milagre, senão quase milagre: Et accidit quasi miraculum a Deo[10] - porque é Deus tão costumado a se pôr da parte dos menos que, ainda em semelhantes maravilhas, não excede ás leis ordinárias de sua providência. Ainda não disse tudo. Menos é que dois homens um homem, menos é que um homem uma mulher, e um só Davi com uma funda venceu o exército dos filisteus, e uma só Jael com um cravo desbaratou o poder de Jabin. E como Deus, e não o número dos soldados, é o que dá as vitórias, bem pode Portugal, posto que menor, fiado no braço de Deus, sair a campo, não só com parte do poder contrário, senão com todo. Acontecer-nos-á nos campos da Estremadura o que nos de Ourique com os mouros, e nos de Aljubarrota com os mesmos castelhanos, que vencer com número igual nem é vitória de Deus nem de portugueses: Non enim in multitudine est virtus tua, Domine.

A segunda consideração que podia dificultar esta empresa era o número superior da cavalaria, em que somos excedidos. Mas a isso acode também Judite na sua oração, dizendo: Neque in equitibus voluntas tua est: A vossa vontade, Senhor, com que dais a vitória a quem sois servido, não está posta em cavalos nem em cavaleiros. - Isto mesmo tinha dito Davi muito tempo antes, como experimentado, e, o que é mais para a nossa confiança, o mesmo tinha prometido como profeta para os tempos vindouros: Non in fortitudine equi voluntatem habebit, negue in tibiis viri beneplacitum erit ei[11]. - A maior fortaleza dos exércitos, diz Davi, consiste na cavalaria, e a maior fortaleza da cavalaria consiste em cavalos fortes, e em homens fortes a cavalo: In fortitudine equi, in tibiis viri - mas, como Deus é o Senhor dos exércitos, e dá as vitórias a quem quer, e quer que só a ele se atribuam, pelo mesmo caso não põe ou porá jamais nem a sua vontade na fortaleza dos cavalos, nem o seu beneplácito na dos cavaleiros: Non in fortitudine equi voluntatem habebit, neque in tibiis viri beneplacitum erit ei.

E para que não vamos mais longe, na mesma cavalaria do exército de Holofernes, e no mesmo caso de Judite temos a prova. A cavalaria do exército de Holofernes, que sitiava os muros de Betúlia, constava de vinte e dois mil cavalos: Equitum viginti duo millia (Jdt. 7, 2) - diz o texto sagrado. E com que venceu Deus toda esta cavalaria? Com mais e melhores tropas? Com mais e melhores cabos? Com mais e melhores soldados, mais bem montados e armados? Não. Com uma só mulher a pé. E já pode ser que esse foi o mistério e a energia cai que notou o mesmo texto que os pés de Judite foram os que renderam a Holofernes: Sandalia ejus rapuerunt oculos ejus[12] - querendo mostrar Deus que, para vencer muitos milhares de homens a cavalo, basta uma só mulher, e essa a pé. Esta é a cavalaria, e estas são as cavalarias, de Deus. Agora entendo eu um lugar dos Cantares, que não sei se o entendem todos. Equitatui meo in curribus Pharaonis assimilavi te, arnica mea (Cânt. 1, 8): Sabeis com que vos pareceis, amiga minha? - diz Deus - pareceis-vos com a minha cavalaria: Equitatui meo assimilavi te. - Pois, com a sua cavalaria compara Deus uma mulher? Sim. Porque, para desfazer vinte e dois mil cavalos, como os que estavam sobre Betúlia, parece que era necessário grande número de cavalaria, e o que havia de obrar toda essa cavalaria, obrou só Judite, em uma sortida que fez a pé, porque era amiga de Deus: Equitatui meo assimilavi te, arnica mea.

Mas é muito mais dificultoso neste passo que não fala Deus de qualquer cavalaria sua, senão da cavalaria com que desbaratou o exército de el-rei Faraó no Mar Vermelho: Equitatui meo in curribus Pharaonis assimilavi te. - Deus, quando venceu a Faraó, não pelejou com cavalaria, porque o seu povo vinha fugitivo do cativeiro, todos a pé, ninguém a cavalo. Pois, se não havia cavalos da parte do povo, por quem Deus pelejou e venceu, que cavalaria é esta sua: equitatui meo? Responde Ruperto Abade - e é a razão literal – que a cavalaria de Deus nesta vitória foi a vara de Moisés, porque com ela abriu caminho ao povo pelo Mar Vermelho, e com ela se suspenderam as ondas que sepultaram a Faraó e seus carros. Pois, uma vara é a cavalaria de Deus? Sim, uma vara. Porque dependem tão pouco as vitórias de Deus da mais ou menos cavalaria dos exércitos, que uma vara, que pudera servir, quando muito, para açoitar um cavalo, bastou para romper e desbaratar toda a cavalaria do Egito. Façamos por ter a Deus por nós, e seja embora o poder, que temos contra nós, superior na sua cavalaria. Quem tem por si o braço de Deus, não lhe são necessários para vencer muitos cavalos, nem um só cavalo. Com uma queixada de um animal, que não chegava a ser cavalo: in mandibula asini[13] - venceu Sansão exércitos inteiros, porque tinha por sua parte a cavalaria de Deus, que é a sua vontade: Ne que in equitibus voluntas tua est.

A terceira dificuldade é o inverno tão entrado. Mas que bem acode a esta dificuldade na sua oração a nossa Judite! Domine Deus caeli, creator aquarum: Senhor Deus do céu, criador das águas. - Parece que só para esta ocasião foram feitas estas palavras. Por que chama Judite a Deus criador das águas, e não se lembra dos outros elementos? Por que lhe não chama criador da terra, criador do ar, e muito mais, criador do fogo, que na guerra é o mais ativo e mais poderoso instrumento? A razão é porque os inimigos tinham quebrado os aquedutos de Betúlia, os canais por onde se comunicavam as fontes à cidade, para que os sitiados se entregassem obrigados da sede. E como os inimigos queriam fazer a guerra com água, por isso particularmente alegava Judite a Deus ser criador e senhor deste elemento: Domine Deus caeli, creator aquarum. - Com o mesmo elemento, posto que por diferente traça, nos querem hoje fazer a guerra as disposições contrárias bem conhecidas. Esperam pelas inundações do Guadiana, para sitiar as nossas praças, e têm quebrado a ponte, para impedir o passo aos nossos socorros. Mas, se Deus é o Senhor e o criador das águas, que importa que com elas nos determine fazer a guerra, quem, por grande que seja, o seu império o não tem sobre as nuvens? Que importa que espere contra nós pelos dilúvios de Noé, se Portugal tem a chave de Elias para fechar ou abrir as fontes do céu? Bem se vê em todos estes meses, e bem se viu o ano passado no intententado sítio de Elvas, pois, precendendo antes, e seguindo- se depois um verão extraordinário de muitos dias, só nos oito em que o exército sitiador aturou a campanha, foram tais as lanças de água que continuamente estava chovendo o céu, que ele, mais que a nossa artilharia, o fez retirar com tanta perda de gente e reputação, como vimos.

A Jó perguntou Deus uma hora se tinha entrado nos seus armazéns de neve e chuva, que ele tem reservado para o tempo da guerra: Numquid ingressus es thesauros nivis, et grandinis, quos servavi mihi in tempus pugnae, et in diem belii (Jó 38, 22). - As chaves destes armazéns parece que as tem Deus dado a Portugal, pois tanto se serve destas armas em suas vitórias. Os reis de Portugal são senhores do mar Oceano, direito contra o qual se têm composto tantas apologias nas nações estrangeiras. E assim, servir o elemento da água aos nossos reis não é maravilha, senão obrigação. Bem se tem visto e experimentado na ocasião presente, em que o mar tanto a seu tempo nos veio trazer os tributos para esta guerra. Aquela chuva tão rara no dia da coroação de el-rei, que a muitos pareceu prodigiosa, foi oferecer-se desde então o elemento da água a militar debaixo de nossas bandeiras. E não tenhais por encarecimento ou lisonja esta interpretação, porque os reis dados por Deus costumam trazer a seu soldo este elemento. Quando Absalão fez guerra a Davi, rebelando-se tantos de seus vassalos contra um rei ungido e dado por Deus, sempre o elemento da água lhe foi fiel e propício. É caso notável.

Quis Cusai, confidente de Davi, avisá-lo secretamente do conselho de Aquitofel, para que se pusesse em salvo. E para este recado de tanta importância e risco, diz o texto que achou a Jônatas e Aquimás junto da fonte de Rogel: Juxta fontem Rogel (2 Rs. 17, 17). - Foram vistos estes dois embaixadores por uma espia, e para escaparem, entraram em uma casa, e meteram-se em um poço: Descenderunt in puteum (ibid. 18). - Chegaram os soldados de Absalão para os prender, respondeu o dono da casa que ali chegaram aqueles homens, mas que não fizeram mais que beber um púcaro de água, e passarem: Transierunt, gustata paululum aqua (ibid. 20). - Finalmente, chegou o recado a Davi, o qual, passando da outra banda do rio Jordão, ficou em salvo, ele e todos os seus soldados: Transierunt Jordanem, t ne unus residuus fuit, qui non transisset fluvium[14]. - De sorte que de quatro modos se apostou o elemento da água a salvar e favorecer a Davi. Favoreceu­o a água nos rios: transierunt Jordanem; favoreceu-o a água nas fontes: juxta fontem Rogel; favoreceu-o a água nos poços: descenderunt in puteum; favoreceu-o a água nas mãos e na boca: gustata paululum aqua. - Assim serve o elemento da água aos reis dados por Deus; assim serviu a Davi, assim serve e assim há de servir ao nosso rei nesta ocasião. Já nos serviu no mar, há-nos de servir no rio, há-nos de servir nas nuvens, há-nos de servir na terra, que ainda que o tempo nos prometa chuvas e inundações, Deus é senhor dos céus, e criador das águas: Dominus caeli, creator aquarum.

§v

Se a cidade de Betúlia estava prevenida de fortificações, e aparelhada à defensa, por que se chora tanto Judite, e não duvida de representar a Deus o seu estado com o nome ínfimo de miséria? Razões por que Portugal deve ter confiança em seu rei, em sua nobreza e em seu exército. A justiça da guerra empreendida por Portugal. Se a morte entrou no mundo em castigo do pecado, por que não quis Deus que o primeiro morto fosse Adão pecador, senão Abel inocente? Os bons prognósticos da vitória dos portugueses. A vitória de Judas Macabeu sobre os amonitas, e a vitória de Jônatas sobre os filisteus.

E como o fim da presente empresa, sempre dificultoso e contingente em qualquer poder humano, só na virtude do braço divino pode estar seguro, por isso a nossa Judite, tão pia como prudentemente na sua oração, não fazendo conta das forças humanas, põe toda a sua confiança na misericórdia divina: Exaudi me miseram deprecantem, et de tua misericordia praesumentem[15].

Mas ou estas palavras as entendamos de Judite; quanto à letra, ou de nós, quanto à acomodação parece que entre o rendido da piedade envolvem o pusilânime da desconfiança. A cidade de Betúlia estava prevenida de fortificações, provida de bastimentos, e aparelhada à defensa. Pois, por que se chora tanto Judite, e não duvida de representar a Deus o seu estado com o nome ínfimo de miséria: Exaudi me miseram deprecantem? - Em nós serão ainda mais de estranhar estes termos, porque verdadeiramente neste caso, falando do céu abaixo, temos as maiores razões que pode haver para estar muito confiados, e esperar uma grande vitória. E se não, discorrei um pouco comigo antes que responda.

Primeiramente, que exército entrou nunca em campanha com a confiança mais bem fundada no valor de seus soldados, e muito mais na qualidade deles, que o nosso? A Josué disse Moisés que escolhesse, e não que ajuntasse exército: Elige viros, et egressus, pugna contra Amalec[16]. - O número faz multidão, o valor e o exercício faz exército. Assim que, posto que sejam tantos mil, não havemos de estimar os nossos soldados por quantos, senão por quais são. São aqueles exercitados soldados, que, tendo dilatado a pátria em suas conquistas, hão de mostrar agora quanto mais é pelejar nela, e por ela. São aqueles valorosos portugueses, que nos mesmos ombros, em que tomaram o reino, há cinco anos que sustentam as armas, tendo já tanto a guerra por exercício, como a vitória por costume. São aqueles - para deixar exemplos maiores - que, sitiados por um exército, sessenta em Santo Aleixo, primeiro renderam todos a vida que a praça, e, acometidos por outro exército, oitenta em Jorumenha, defenderam a dez assaltos a praça e mais as vidas. Para que entendam os exércitos de Castela, ainda que foram de romanos - o que nós não podemos negar nem ao seu valor, nem à sua ciência militar, nem ao seu grande poder, nem ao nosso mesmo respeito com que tudo isto reconhecemos, - para que entendam; digo, que a menor aldeia de Portugal quando se rende é Numância, e quando se defende, Cartago.

Ao passar do rio Pado contra Aníbal, para meter em confiança Cipião aos seus, lembrou-lhes que os soldados, com que iam pelejar, eram aqueles que tantas vezes tinham vencido, e de quem já tinham por prêmio da guerra Sicília e Sardenha: Cum üs est vobis, milites, pugnandum, a quibus canta belli praemia Siciliam et Sardiniam habetis. - Daqui inferiu o famoso capitão: Erit igitur in hoc certamine is vobis, illisque animus, aui victoribus et victis esse solet[17] Se a mesma confiança pode levar por conseqüência o nosso exército. Vão pelejar os portugueses com aqueles que muitas vezes, em tempos passados, e algumas já nos presentes, têm vencido, e de quem possuem por reféns da vitória duas praças fortes, conquistadas e conservadas em suas, próprias terras. Finalmente, os nossos soldados são todos portugueses, os contrários de nações diversas, e vai muito de pelejar com corações amorosos a resistir com braços comprados. A Davi disse Saul que lhe daria a desejada posse de Micol, a quem muito amava, se lhe trouxesse cem cabeças. de filisteus. Entrou na batalha, e como pelejava com amor, trouxe duzentas. Que português haverá que não seja Davi, se para cada um a pátria é a sua Micol? Neles se cumprirá o que disse Platão, que se se formasse um exército de namorados seria invencível.

Esta só consideração bastava para segurar a nossa confiança de todo receio. Mas que direi da nobreza, e tanta nobreza, de que se compõe e ilustra o nosso exército? Quando Davi se ofereceu para sair a desafio com o gigante, perguntou el-rei Saul a Abner de que geração era aquele moço: Ex qua stirpe descendit hic adolescens[18]? - E que importava a geração para o desafio? Importava muito, porque cada um obra como quem é, e para Saul julgar se sairia vencedor, quis-se informar se era honrado. Já Davi tinha dito a Saul que partira ursos e desqueixara leões, e sobre tudo isto pergunta-lhe ainda o rei pela geração, porque era melhor fiador da vitória o sangue nobre que tinha que o sangue bruto que derramara. Os homens de inferior condição, ainda que sejam valorosos, pelejam sós; o nobre sempre, peleja acompanhado, porque peleja com ele a lembrança de seus maiores, que é a melhor companhia. Em Ascânio pelejava Enéias e Heitor; em Pirro pelejava Aquiles e Peleu; nos Décios, nos Fábios, nos Cipiões, pelejavam os famosos primogenitores de seus apelidos; e com tão animosos lados quem não há de ser valente? A S. José disse o anjo quando o viu temeroso, que se lembrasse que era filho de Davi: Joseph, fili David, poli timere[19]. - Como há de ter medo no coração quem tem a Davi nas veias? Até Cristo, quando houve de tirar a capa para entrar na batalha, diz o texto que se lembrou de quem era Filho: Scieps quia a Deo exivit, popit vestimenta sua[20]. - E como Cristo entrou na campanha com estas considerações, ainda que o amor da vida lhe fez seus protestos no Horto, enfim pelejou, derramou o sangue, morreu, mas morrendo triunfou da morte. Grandes premissas de confiança tem logo Portugal nesta ocasião, pois tem toda a sua nobreza empenhada na glória desta empresa. Com os ossos do grande Afonso de Albuquerque dizia el-rei D. João o III, que tinha segura a índia. E se estava segura a índia com os ossos mortos de um capitão, quão seguro estará Portugal com o sangue vivo de tantos? Todos os que morreram nas conquistas de Portugal vivem hoje no sangue dos que assistem à defensa dele.

Acrescenta imensamente esta esperança, como razão da maior e mais alta esfera, a presença e assistência de Sua Majestade, que Deus guarde, que para dar calor e alento a suas armas, as quis governar de mais perto. Quando o exército de el-rei Davi houve de dar batalha ao de Absalão, diz o texto que se deixou o rei ficar na corte, e que não saiu à campanha, como costumava. Pois, Davi, que era tão belicoso, e não perdia ocasião de guerra, por que não quis esta vez dispor a batalha, e que o exército se governasse por suas ordens? Divinamente Santo Ambrósio: David metuebat vipcere: Davi nesta batalha tinha medo de sair com vitória, por isso não saiu. - Notai. Está batalha era contra Absalão, filho do mesmo Davi; e como os pais sentem mais as perdas dos filhos que as suas próprias, ainda que Davi mandava dar a batalha, como rei, temia que Absalão ficasse vencido, como pai. E porque Davi antes temia que desejava a vitória, por isso nesta ocasião se deixou ficar na corte, e não quis sair em campanha. Ficar o rei na corte, é diligência para ser vencido, sair o rei à campanha é certeza de haver de ser vencedor. E como temos a EI-Rei na campanha, e não na corte, bem nos podemos prometer a vitória. Temos tudo o que os israelitas desejavam, quando pediram rei a Deus: Egredietur ante nos, et pugpabit bella postra pro pobis[21]. - Grave caso é que, tendo aqueles homens a Deus, que os governava na paz e na guerra, se não dessem por contentes, e que sobretudo instassem ainda, e pedissem um rei que saísse com eles às batalhas; mas o motivo que tiveram foi porque, ainda que conheciam que Deus é o Senhor das vitórias, parecia-lhes que humanamente desta maneira as seguravam melhor. Ter a Deus no céu, e o rei no campo, é ter a primeira causa, e mais as segundas.

Sobretudo vai conosco, e marcha no nosso exército a justiça da nossa causa. Não sei se tendes reparado que o primeiro homem que morreu neste mundo fosse Abel. A morte é de fé que entrou no mundo em castigo do pecado: Per peccatum mors (Rom. 5, 12) - diz S. Paulo. - Suposto isto, parece que o primeiro morto havia de ser o primeiro pecador, e não o primeiro inocente. Pois, se Abel era o primeiro inocente, e Adão o primeiro pecador, por que não quis Deus que fosse o primeiro morto Adão, senão Abel? A razão foi - diz S. Basílio de Selêucia - porque na injustiça, com que a morte se introduziu no mundo, traçava Deus a vitória, com que a havia de lançar dele. O fim para que Deus veio ao mundo foi vencer a morte: se a morte se introduzia por Adão, fazia guerra justa aos homens; pois por isso dispôs Deus que a morte começasse tiranicamente pela inocência de Abel, para que sendo da parte da morte injusta a guerra, ficasse da parte de Cristo segura a vitória. Tão certa é a vitória na justiça da causa, que o mesmo Deus parece que não podia vencer a morte se ela nos fizera guerra justa. Oh! que seguro temos nesta parte o bom sucesso de nossas armas! Não há guerra mais justa que a que hoje fazemos; justa pelo legítimo direito do reino, justa pela satisfação dos danos passados, justa pela defensa natural, e antecipada prevenção do futuro, e mais justa ainda na presente ocasião, por sermos provocados. Como poderá logo faltar a vitória a tantas razões de justiça? Assim o assegurava S. Bernardo aos cavaleiros templários, e assim o podemos nós assegurar aos de Cristo, Sant'Iago, e Aviz, e ao Grão-Mestre de todos.

Finalmente, os dois últimos fundamentos que temos para esperar vitória, são as ações contrárias e as nossas. Isto que agora direi parece que toca em arte de adivinhar; mas, se é mágica, a Sagrada Escritura ma ensinou. Primeiramente digo que os nossos opositores hão de ficar vencidos, porque quando vieram com o seu exército, ficaram da banda de além, e não passaram o rio. Vai a prova. Estava Timóteo, capitão general dos amonitas, com o seu exército da banda daquém de um rio, esperando pelo exército de Judas Macabeu, que marchava contra ele; e disse assim a seus capitães: Cum approprinquaverit Judas, et exercitus ejus, ad torrentem aquae: quando Judas e seu exército chegar à ribeira - si transierit ad nos prior, non poterimus sustinere eum: se passar desta banda do rio, é sinal que lhe não poderemos resistir - si autem timuerit transire, et posuerit castra extra flumen: porém, se ele recear passar, e aquartelar o seu exército da outra parte -transfretemus ad eos, et poterimus adversus illos (1 Mac. 5, 40 s): passemos o rio da outra banda, porque é sinal que os havemos de vencer. - Assim o disse Timóteo, e assim aconteceu, porque, passando Judas primeiro o rio, foram vencidos os amonitas. Pois, se não se atrever o inimigo a passar o exército da banda daquém do rio é sinal de haver de ficar vencido, vede se tem bons prognósticos a nossa vitória, pois ele esteve tão fora de passar o seu exército a esta parte, que antes impossibilitou a passagem quebrando a ponte. E assim como não passar ele o rio é sinal de haver de ficar vencido, assim irmo-lo nós buscar a ele é sinal de havermos de ser vencedores.

Como a matéria é tão nova, e ao parecer difícil, quero ajuntar segunda prova. Quando Jônatas estava à vista do exército dos filisteus, disse ao seu pajem da lança desta sorte: Se os inimigos nos disserem: Manete donec veniamus (1 Rs. 14, 9): Esperai que nós imos - não os acometamos; porém, se disserem: Ascendite ad nos (ibid. 10): vinde-nos buscar a nós - em tal caso: Ascendamus, quia tradidit eos Dominus in manibus nostris, hoc erit nobis signum (ibid.): Acometamos animosamente, porque isto, é sinal que nos quer Deus entregar o inimigo em nossas mãos. - Da maneira que Jônatas o disse sucedeu, porque, esperando os filisteus que ele os fosse buscar, acometeu Jônatas, e ajudado da noite e da confusão, alcançou a mais prodigiosa vitória que viu o mundo. O mesmo digo no nosso caso. Como o exército filisteu, posto que o seja em respeito de nós, vindo a Portugal nos não acometeu nas nossas praças, e espera que nós o busquemos nas suas, razão temos e bom anúncio de o fazer assim, e entrar confiadamente, porque isto é sinal que Deus os quer entregar nas nossas mãos: Ascendamus, quia Dominus tradidit eos in manibus nostris; hoc nobis signum.

§ VI

Se Portugal tem tantas e tão bem fundadas razões -para confiar, como se representa sua Judite diante de Deus com tantas desconfianças. humanas? Como entendia Davi as matérias da guerra? A necessidade da humildade para a vitória. Os exemplos da Escritura. As causas do longo cativeiro de Portugal. O exército de que mais se devem temer os portugueses: os pecados.

Pois, se Portugal - torne agora a nossa dúvida - se Portugal nesta ocasião tem tantas e tão bem fundadas razões para confiar no poder do exército, no valor dos soldados, na nobreza e obrigações dos que o seguem, na assistência do rei, na justiça da causa, e ainda nas mesmas ações contrárias e nossas, como se representa a nossa Judite diante de Deus com tantas desconfianças humanas, como as que pudera ter no caso do maior desamparo e da maior miséria: Exaudi me miseram deprecantem, et de tua misericordia praesumentem[22]? - Oh! que prudente oração! Até agora vos falei, senhores, Como a portugueses; agora e daqui por diante, como a Cristãos. Em todas as razões que tenho dito, tiradas pela maior parte da vossa boca, posto que as tenhais por verdadeiras, nenhum fundamento havemos de fazer, senão confiar somente da misericórdia de Deus: De tua misericordia praesumentem - porque esses aparatos, esses exércitos, essas forças humanas sem a misericórdia divina tudo é miséria: Exaudi me miseram deprecantem.

Davi, aquele rei que de ambas as fortunas da guerra deixou ao mundo os maiores exemplos, estava em uma ocasião de batalha com exército superior em tudo ao de seus inimigos, e, prostrado diante de Deus, fez esta oração: Domine Deus meus, in te speravi, salvum me fac ex omnibus persequentibus me, et libera me, ne quando rapiat ut leo animam meam, dum non est qui redimat, neque qui salvum faciat (SI. 7, 2 s): Deus meu e Senhor meu - diz Davi - só em vós espero: defendei-me e livrai-me de meus inimigos, para que me não despedacem, e tirem a vida como leões, pois vedes que não tenho quem me ajude nem me defenda. - Repara muito S. Crisóstomo nesta última cláusula da oração de Davi, e contra ela e contra ele replica assim: Collegit exercitum, et muitos secum habuit: quomodo ergo non est qui redimat, neque qui salvum faciat? Se Davi tinha feito as maiores levas de gente, se Davi tinha consigo o mais florente e poderoso exército, se Davi - que isso só bastara - se tinha a si mesmo, o seu valor, a sua experiência, a sua espada, como diz que não tem quem o ajude nem o defenda? - Bem diz Davi, responde Crisóstomo: Quoniam ne universum quidem orbem terrarum auxilii toco habet, nisi opem divinam fuerit assecutus: Sabia Davi, como santo e como soldado, que ainda que tivesse consigo conjuradas e unidas todas as forças do mundo, se não tivesse a Deus de sua parte, nada lhe podiam valer; por isso, cercado de guardas e de batalhões, e no meio do mais poderoso exército, diz e protesta a Deus, com muita razão, que não tem quem o livre nem o defenda: Dum non est qui redimat, neque qui sal~ faciat. - Assim entendia Davi as matérias da guerra, e assim as devemos nós entender, se queremos ter bom sucesso.

De tua misericordia praesumentem. Ponhamos toda a nossa confiança na misericórdia divina, e façamo-nos dignos dela, se queremos sair com vitória. Humilhemo-nos diante de Deus; reconheçamos que de sua onipotente mão depende todo nosso remédio; reverenciemos com temor seus ocultos juízos; lembremo-nos de quantos reinos e monarquias se perderam em um dia e em uma batalha; pesemos bem quão ofendida temos a infinita bondade, depois de tantas mercês; consideremos e considere cada um quanto está provocando sua divina justiça o desconcerto de nossas vidas; e procuremos todos, com verdadeiro arrependimento e firme propósito de emenda, aplacar e pôr da nossa parte o céu. Se assim o não fizermos - o dia é de falar com toda a clareza - se assim o não fizermos, temamos e tremamos, que nos poderá castigar a ira divina justissimamente, e dar-nos um muito infeliz sucesso. Não nos fiemos em exércitos, nem em valor, nem em experiência, nem em vitórias passadas, nem ainda na justiça da causa, e, o que é mais, nem nos favores do céu e milagres da nossa restauração, porque quanto maior é de nossa parte o empenho, tanto mais geral pode ser a desgraça, e quanto mais, conhecidas são as mercês do céu, tanta será mais justificado o castigo.

Maior exército era que o nosso o dos filhos de Israel, que constava de seiscentos mil soldados; e porque ofenderam a Deus com as madianitas, foram vencidos de bem poucos homens. Mais valoroso e mais experimentado capitão, sem fazer agravo aos nossos, era Davi que eles; e pelo adultério de Bersabé e homicídio de Urias permitiu Deus que fugisse de um rapaz com umas gadelhas louras. As mais prodigiosas vitórias com que nenhum homem assombrou o mundo foram as que Sansão tinha alcançado aos filisteus, e depois andava moendo em uma atafona, preso, e arrancados os olhos, porque se deixou prender e cegar do amor de Dalila. Ninguém fez nunca guerra tão justa como Josué, quando entrou pela Terra de Promissão, porque as escrituras, de que constava ser sua, eram as mesmas Escrituras Sagradas, e por um soldado se atrever aos despojos de Jericó, que estavam consagrados a Deus, foi vencido o exército nos muros da Hai. Nenhuma liberdade foi confirmada com mais evidentes milagres, nem continuada com maiores favores do céu, que a dos filhos de Israel, quando saíram do cativeiro de Faraó, e porque foram ingratos a estes benefícios divinos, só dois homens, de tantos mil, entraram na Terra de Promissão. Eis aqui como não há razões humanas, nem ainda divinas, em que possamos fundar seguramente a esperança de uma vitória, se nossos pecados a desmerecem. Muitas prendas temos de Deus para esperar um grande sucesso, mas muito mais causas temos em nós para temer um grande castigo.

Confiamo-nos em que a nossa restauração é obra de Deus, e que Deus que a fez, a há de conservar, e eu assim o creio e o espero; mas Deus é o mesmo agora que foi desde o principio do mundo. Quisera que me respondera Portugal a dois exemplos. Também Deus tinha posto a Adão no Paraíso, e, porque foi desobediente, o lançou dele em três horas. Também Deus tinha libertado o povo do cativeiro do Egito, e, porque lhe foi ingrato, o sepultou todo em um deserto. Pois, se Deus é este, e nós não somos melhores, que vã confiança é a nossa? Nós não nos mudamos, e queremos, que se mude Deus? Cuidamos que há de dispensar Deus conosco no atributo de sua justiça? Cuidamos que para nós e por nós há de mudar as leis de sua providência? Dizei-me - que o não quero perguntar a outrem - qual foi a razão da parte de Deus, e qual a causa da parte nossa por que nos tirou o mesmo Deus o rei e a liberdade, e nos teve cativos sessenta anos? Todos dizemos e confessamos que pelos pecados de Portugal. Pois, se Portugal se tem emendado tão pouco, como vemos, se os pecados são hoje os mesmos, e pode ser que maiores que dantes, logo queremos que nos favoreça hoje Deus pelas mesmas culpas por que ontem nos castigava? Cuidamos que a justiça divina não tem mais que um castigo? Sete vezes libertou Deus o povo de Israel no tempo dos Juízes, e sete vezes o tornou a cativar, porque sete vezes reincidiram em seus pecados.

Ah! Portugal, que te não temo de Castela, senão de ti mesmo! Pôs Deus a Adão no Paraíso: Ut operaretur, et custodiret illum (Gên 2, 15): para que trabalhasse, e o guardasse. - E de quem o havia de guardar – pergunto eu? Dos homens? Não, porque os não havia. Dos animais? Não, porque lhe eram sujeitos. Pois, de quem havia de guardar Adão o Paraíso? Sabeis de quem? De si mesmo. E porque ele o não guardou de si, por isso o perdeu. Todos nos cansamos em guardar Portugal dos casteleanos, e devêramo-nos cansar mais em o guardar de nós. Guardemos o nosso reino de nós, que nós somos os que lhe fazemos a maior guerra. Por um pecado perdeu Adão o Paraíso, por um pecado perderam os anjos o céu, por um pecado perdeu. Saul o reino; por um pecado perdeu Absalão o exército, e nós cuidamos que com tantos pecados temos a conservação segura. Entramos por Castela com confiança de grandes vitórias, e não sabemos quão grandes exércitos e quão poderosos lá estão prevenidos e armados contra nós. EI-rei pôs um exército em Portugal contra Castela, e cada um de nós tem posto um exército em Castela contra Portugal. E que exércitos são estes? Os pecados de todos, e os de cada um. Não são isto conceitos nem encarecimentos, senão verdades de fé. E se Deus nos abrira os olhos, nós veríamos os montes cobertos destes exércitos,  como os viu Giesi onde os não imaginava: Circumdederunt me mala quorum non est numerus; comprehenderunt me iniquitates meae, et non potui ut viderem (SI. 39, 13): Eu - diz o rei penitente - estava cercado de inumeráveis exércitos, que eram os pecados meus e de meus vassalos, mas tão cego que os não via. - Estes são os exércitos que temos contra nós em Castela; os pecados de cada um de nós, os pecados de toda Lisboa, os pecados de todo Portugal.

Mas vejo que me dizeis que, se da parte de Castela estão contra nós os pecados de Portugal, também da parte de Portugal estão contra eles os pecados de Castela. A razão e paridade é muito boa, porque a justiça divina é muito igual; mas, contudo, não me consola. Se da parte de Castela, como da parte de Portugal, há pecados, também da parte de Portugal, como da parte de Castela, haverá castigos. Antigamente estavam unidos os reinos de Israel e de Judá debaixo do mesmo rei, como nós o estávamos; dividiu-se do reino de Judá o de Israel, como nós também fizemos, seguindo as partes de Roboão. E que se seguiu daí? Seguiu-se que um e outro começaram a ter guerras entre si, e, como em ambos os reinos havia pecados, castigava-os Deus a ambos, não com exércitos estrangeiros, senão a um com o outro. A Judá castigava-o com Israel; e a Israel castigava-o com Judá. Isto é o que eu receio, que como em Castela e Portugal há pecados, queira Deus castigar a Castela com Portugal, e a Portugal com Castela. E nós estamos tão confiados que, não sendo o que era Judite, esperamos de Deus o que ela pedia. Notai. Judite, para si e para os seus pedia misericórdia: De tua misericordia praesumentem - e para os inimigos pedia ira: Cadat virtus eorum in iracundia tua[23] - e a sua petição era muito justa, porque os inimigos eram grandes pecadores, e os de Betúlia estavam muito arrependidos.

Porém, que Portugal, tendo tantos pecados como Castela, para Castela peça a ira, e para si a misericórdia, é querer que Deus seja injusto. Se Deus está castigando pecados em Castela, queremos que premie pecados em Portugal? Se ambos temos pecados, ambos teremos castigos. E acrescento eu que mais deve temer Portugal dos seus pecados do que Castela dos seus. E por quê? Porque os pecados de Castela são pecados de gente castigada, e os pecados de Portugal de gente desagradecida: E estes provocam muito mais a ira dita. Tantas ingratidões sobre tantos benefícios! Tantos esquecimentos de Deus sobre tantas mercês de Deus! Deus quebrando as leis da natureza, e fazendo milagres por nós, e nós faltando a todas as leis da razão, cometendo tantas ofensas contra Deus! Não conhece a Deus quem o não teme em tal estado. Que importa que Cristo despregasse o braço, se nós lho tornamos a pregar com nossos pecados: Iterum crucifigentes Filium Dei[24]?

§ VII

Conclusão: de que modo pode Portugal ajudar as armas de seus soldados? Oração.

Este é, senhores, sem afetação, e com a sinceridade devida a este lugar, o perigo em que estamos. Se o queremos remediar, como devemos querer todos, o remédio é um só, mas que está em nossa mão. E que remédio é este? Emendar a vida, arrepender, e chorar muito de coração nossos pecados. Se matarmos estes inimigos, logo venceremos os outros. Cessem as paixões malditas da carne, que tantos exércitos têm perdido; cessem os ódios, cessem as invejas, cessem as guerras intestinas da emulação; amemo-nos como próximos, com uma caridade muito verdadeira e muito cristã. Ajudemos as armas dos nossos soldados com as da penitência, do jejum, da oração, da esmola. Suas Majestades e o reino façam algum voto a Deus, à imitação dos santos reis antigos, que por este meio propiciaram a misericórdia divina. Sobretudo, façamos pazes com o mesmo Deus, e ponhamo-nos todos em sua graça, com resolução e firmíssimos propósitos de o não ofender mais. E se assim o fizermos, eu prometo daqui, em seu nome, que nos há de dar a vitória e feliz sucesso que desejamos. Não é este empenho meu, senão da mesma verdade divina, que não pode faltar, e assim o tem prometido no capítulo 26 do Levítico: Si in praeceptis meis ambulaveritis, et mandata mea custodieritis, persequemini inimicos vestros, et corruent coram vobis (Lev. 26, 3, 7). - Se fizéreis a minha vontade - diz Deus - e guardáreis os meus preceitos, vencereis a vossos inimigos, e cairão vencidos a vossos pés. - E se o não fizermos assim? Ouvi agora, e tremei: Quod si non audieritis me, et non feceritis omnia mandata mea, ponam faciem meam contra vos: corruetis coram vestris, et subjiciemini his qui oderunt vos (Lev. 16, 14, 17): E se não me obedecêreis, nem guardáreis minha lei, sereis vencidos de vossos inimigos, e ficareis sujeitos e cativos daqueles que tanto ódio vos têm. Todas estas palavras são de fé; vede se podem faltar, tanto pela parte da promessa, como do ameaço. Pelo que, fiéis portugueses, se o amor da pátria, se o amor do rei, se o amor das prendas que todos tendes naquele exército, os irmãos, os pais, os filhos, se estes e os outros parentescos, ainda mais estreitos, vos merecem alguma coisa, não sejamos tão cruéis contra eles e contra nós mesmos, que com os nossos pecados estorvemos as misericórdias divinas. Em nossas mãos está a vitória, pois em nossa liberdade está o não ofender a Deus. Amemos a Deus ao menos por amor de nós, e tomemos por devoção todos, para que Deus nos dê vitória, não o ofender mortalmente jamais, e muito particularmente enquanto andar o nosso exército em campanha.Quem há tão imprudente que ofenda aquele de quem depende, e no mesmo tempo em que mais depende? Pois, se nesta ocasião dependemos tanto de Deus, por que nos atreveremos a ofendê-lo? Se fazemos pazes com Holanda, para nos defender de Castela, por que não faremos pazes com Deus, para que o tenhamos por nós na mesma guerra? Façamos estas pazes, que não têm as dificuldades das outras, e estão na nossa mão. Ponhamo-nos todos na graça e debaixo da proteção deste único Senhor dos exércitos, e nenhum haja de nós, que nesta hora, com todo o coração e toda a alma, não capitule esta paz e amizade perpétua, com um propósito muito firme e irrevogável de nunca mais ofender a Deus, e sempre o amar e servir.

Mas porque não é segura a confiança a que se põe em corações humanos, ainda que se funde nos interesses de sua própria conservação, quero, Senhor, tornar-me só a vós como Judite, e esperar só em vossa infinita misericórdia, e obrigá-la com vossas mesmas palavras, que são as últimas da sua e nossa oração: Memento, Domine, testamenti tui: Lembrai-vos, Senhor do vosso testamento, lembrai-vos de vossas promessas. - Hoje faz quatrocentos e cinqüenta e dois anos que acabou a vida mortal el-rei D. Afonso Henrique, fundador do Reino de Portugal, e hoje faz cinco anos - sem se advertir em tal concurso de tempo - que foi recebido nesta corte, e começou a reinar El-Rei D. João o Quarto, restaurador do mesmo reino. Dia é este, Senhor, muito para vos trazer à memória as promessas que então fizestes ao primeiro rei, e nele ao último que também agora é o primeiro. Prometestes a el-rei D. Afonso - como ele testemunhou e jurou no seu testamento - que depois de atenuada sua descendência poríeis os olhos de vossa misericórdia na décima-sexta geração sua: Usque ad decimam sextam generationem, in qua attenuabitur proles, et in ipsa sic attenuata ego respiciam, et videbo. - Sendo, pois, o rei por quem nos restaurastes, a mesma geração décima-sexta, tempo é, Senhor de pordes nela e em nós os olhos de vossa divina misericórdia, senão por nossos merecimentos, pelos muitos e grandes daquele santo rei que tanto vos soube servir então, e obrigar para o futuro. Ponde os olhos, Senhor dos exércitos, no nosso exército, e lembrai-vos que todo é daqueles portugueses que no mesmo testamento escolhestes para conquistadores de vossa fé, e para debaixo de suas armas levarem vosso santíssimo nome às gentes tão remotas e estranhas, que antes de nós o não conheciam: Ut portent nomem meum in exteras nationes.

Este é, Senhor, o vosso testamento, e testamento e também vosso, que assim lhe chamastes, esse diviníssimo Sacramento, em que estais presente. Sobre o testamento de vossa palavra, lembrai-vos também do testamento do vosso amor: Memento, Domine, testamenti tui - e mereça-nos esta lembrança, quando em tudo o mais nos falte o merecimento, o muito que esta cidade e este reino, entre todos os do mundo, e em todas as partes dele, se assinala na veneração e culto desse soberano mistério. Em virtude desse sagrado Pão, sendo visto descer do céu, foi tão forte a espada de Gedeão, que venceu os exércitos sem número dos madianitas. E este mesmo foi o exemplo com que animastes o primeiro rei, na mesma hora em que vos mostrastes descoberto a seus olhos, e lhe mandastes tomar a coroa, cuja perda e restituição logo então lhe anunciastes. Os soldados e capitães que a defendem, todos vão armados com esse divino escudo que levam dentro no peito: dele só esperam a fortaleza e o valor, e a ele só prometem referir a vitória. Vossos são, e vosso o reino por que pelejam. E, pois, o rei que está em campanha é o mesmo descendente de quem dissestes: Voli in te, et in semine tuo imperium mihi stabilire[25] - para estabelecimento e conservação deste reino, até que chegue à grandeza que lhe promete o nome de império vosso: Memento, Domine, testamenti tui.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística



[1] Levanta o teu braço, como outrora fizeste, e com a tua força quebra a sua fortaleza; diante da tua ira caia a força destes. Porque o teu poder, Senhor, não está na multidão, nem tu te comprazes na força dos cavalos. Deus dos céus, criador das águas, e Senhor de todas as criaturas, ouve esta miserável, que te suplica, e que espera tudo da tua misericórdia. Lembra-te, Senhor, da tua aliança (Jdt. 9,11,16 s).

[2] Haveis pois de ouvir guerras, e rumores de guerras (Mt. 24, 6).

[3] Melhor é o bom nome do que o óleo com que se ungia a cabeça dos reis (Ecl. 7, 2 - ex vers. Chald.).

[4] Somos feitos espetáculos ao mundo (1 Cor. 4, 9).

[5] Para destruíres, e dissipares, e para edificares e plantares (Jer.1,10).

[6] Desta feita não te será atribuída a vitória, porque Sisara será entregue nas mãos de uma mulher (Jz. 4, 9).

[7] Não é difícil ao Senhor dar vitória, ou com muitos, ou com poucos (1 Rs. 14, 6).

[8] Senhor, não há diferença alguma para contigo, quando tu queres socorrer, ou com poucos, ou com muitos (2 Par. 14, 11).

[9] É coisa fácil virem a cair muitos nas mãos de poucos; pois, quando o Deus do céu quer salvar, diante de seus olhos não há diferença entre o grande número e o pequeno (1 Mac. 3, 18).

[10] E este sucesso foi como um milagre de Deus (1 Rs. 14, 15).

[11] Não se agradará da força do cavalo, nem se comprazerá nos pés robustos do varão (SI. 146, 10)

[12] As suas sandálias arrebataram-lhe os olhos (Jdt. 16, 11).

[13] Com a queixada de um jumento (Jz. 15,16).

[14] Passaram o Jordão, e não ficou nem um só que não passasse o rio (2 Rs. 17, 22).

[15] Ouve esta miserável que te suplica, e que espera tudo da tua misericórdia (Jdt. 9, 17).

[16] Escolhe gente, e saindo, peleja contra Amalec (Êx. 17, 9).

[17] Tit. Liv. Dec. 3, L.1.

[18] De que geração descende este rapaz (1 Rs. 17, 55)?

[19] José, filho de Davi, não temas (Mt. 1, 20).

[20] Sabendo que saíra de Deus, depôs suas vestiduras (Jo. 13, 3 s).

[21] Marchará à nossa frente, e pelejará por nós nas nossas guerras (1 Rs. 8, 20).

[22] Ouve esta miserável que te suplica, e que espera tudo da tua misericórdia (Jdt. 9,17).

[23] Diante da tua ira caia a sua força (Jdt. 9,11).

[24] Crucificando de novo ao Filho de Deus. (Hebr. 6, 6).

[25] Quero fundar em ti e em tua descendência um império para mim.