Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Sermão XVIII – Maria Rosa Mística, do Padre Antônio Vieira


Edição de Referência:
Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.

Maria, de qua natus est Jesus, qui vocatur Christus[1].

§1

Diferença entre o nome de Jesus e o nome de Cristo. Porque se declara a dignidade do Filho de Deus e da Virgem com o nome de Ungido. Propriedade e correspondência maravi­lhosa com que a arquitetura da primeira página de todos os Evangelhos se compõe dos varões mais ilustres da prosápia de Cristo. Primeira questão: Se por Cristo, Filho da Virgem Maria, ser Rei, e Rei universal do mundo, pertence também à Senhora o mesmo título e dignidade real. Segunda questão e argumento do sermão: Se Cristo, enquanto Pontífice Sumo, por ser Filho da mesma Senhora, comunicou à mesma Mãe a dignidade pontifical, o que, segundo o autor, não se deu senão depois de a Virgem Maria ser Senhora do Rosário.

Esta é a última cláusula do Evangelho, e esta havia de ser, para concordar o fim com o
princípio. No princípio tinha dito o Evangelista que escrevia o Livro da Geração de Jesus Cristo: Liber generationis Jesu Christi; e depois de contar quarenta e um ascendentes, todos sucessivamente con­tinuados de paia filho, chegando, finalmente, à Virgem Maria, Senhora nossa, conclui que de Maria nasceu Jesus, que se chama Cristo: Maria, de qua natus est Jesus, qui vocatur Christus (Mt. 1, 16).


Entre o nome de Jesus e o de Cristo há esta diferença: Jesus, que quer dizer Salvador,
é o nome da pessoa; Cristo, que quer dizer o Ungido, é o título da dignidade. E porque desta
dignidade do Filho havemos de tirar a da Mãe, em cuja solenidade estamos, será bem que saibam, os que o ignoram, por que se declara a dignidade do Filho de Deus e da Virgem com o nome de Ungido. A razão brevemente é porque na pessoa de Cristo, Senhor nosso, enquanto homem, estiveram juntas as duas supremas dignidades de Rei e de Sumo Pontífice; e era cerimônia sagra­da daqueles tempos, em parte observada também nos nossos, que os reis e os pontífices fossem ungidos. Saul, que foi o primeiro rei, foi ungido por Samuel; e Arão, que foi o primeiro pontífice, foi ungido por Moisés: porém Cristo, Senhor nosso, Rei sobre todos os reis, e Pontífice sobre todos os pontífices, não foi ungido por mão ou ministério de homens, senão imediatamente por Deus, como diz o Profeta: Unxit te Deus, Deus tuus, oleo lactitiae, prae consortibus tuis[2].

               Esta é a propriedade e correspondência maravilhosa com que a arquitetura desta primeira página de todos os Evangelhos, assim como as fachadas dos grandes edifícios se ornam e enobrecem de formosas estátuas, assim ela se compõe dos varões mais ilustres da prosápia de Cristo, e as perso­nagens entre eles de maior vulto, ou são reis, de que o primeiro foi Davi, ou pontífices, de que o primeiro foi Zorobabel. E por que o ordenou assim Deus, de quem mais que dos pais depende a sucessão dos filhos, e, sendo Filho seu, o que nesta geração se deduzia? Para que se visse claramente, diz Santo Agostinho, na mesma descendência natural de seus primogenitores, que assim a unção da coroa como a da tiara, assim a dignidade de rei como a de pontífice, e toda a propriedade e significação de ungido, porque se chama Cristo, não só lhe competia direitamente por Filho de seu Pai, senão também pelo nascimento de sua Mãe: De qua natus est Jesus, qui vocatur Christus[3].

              

Isto posto, em que não há dúvida, entram agora duas questões, uma antiga e já tratada, outra nova, e tão nova, que hoje é a primeira vez em que será ouvida. Pergunta a primeira questão: se por Cristo, Filho da Virgem Maria ser Rei, e Rei universal do mundo, pertence também à Senhora o mesmo título e dignidade real? E posto que alguns, demasiadamente espirituais, duvidaram antigamente de ajuntar na Virgem Santíssima o real com o Santo, a sentença afirmativa é hoje comum de Teólogos e Padres, dos quais só quero alegar dois. Ruperto, falando da mesma Senhora: Haec in caelis Regina Sanctorum, et in terris Regina Regnorum est: quanddoquidem est Mater Regis coronati, quem constituir Dominus super omnia opera manuum suarum, ac proinde Regina constituía totum possidet Filii Regnum. E S. Bernardino, com a mesma clareza, e sobre o mesmo fundamento: Virgo Beatissima omnem hujus mundi meruit Principatum et Regnum, quia Filius ejus in primo instanti suae conceptions monarchiam totius promeruit et obtinuit universi,sicut propheta testatur, dicens: Domini est terra, et plenitudo ejus, orbis terrarum, et universi qui habitant in eo. De maneira que a Virgem Maria assim no céu, como na terra, é Senhora e Rainha universal de todos os anjos, de todos os homens e de todas as criaturas quantas contém e abraça o mundo universo. E a razão por que lhe compete este direito, e tem o domínio, posse e exercício dele, é por ser Mãe de um Filho, Rei e Monarca universal do mesmo mundo, que é Cristo: De qua natus este Jesus, qui vocatur Christus. E isto baste quanto à primeira questão.

                   Agora se segue a segunda, que é muito não entrasse ao menos em pensamento depois da resolução da primeira. Cristo, segundo as duas unções, que vimos, não só é Cristo e Rei Supremo, senão Cristo e Pontífice Sumo. Logo, se enquanto Rei Supremo, por ser Filho de Macia, comunicou a sua Mãe a dignidade real, poderemos dizer também que, enquanto Pontífice Sumo, por ser Filho da mesma Senhora, comunicou à mesma Mãe a dignidade pontifical. Esta é a nova questão que trago hoje, não para disputar, senão para decidir. E para que me ajudeis a pedir eficazmente a muita graça que me é necessária para uma decisão tão dificultosa, digo resolutamente, que antes de a Virgem Maria ser Senhora do Rosário, não se podia provar com efeito que Cristo seu filho lhe tivesse comunicado a dignidade pontifical; mas, depois de ser Senhora do Rosário, sim. Isto é o que haveis de ouvir.

§II

As três propriedades ou excelências que constituem o perfeito pontífice na Epístola aos Hebreus se acham com eminência na Virgem Santíssima, Senhora nossa: a excelência da eleição, a excelência da mediação e a excelência dos sacrificios e oblações.

O apóstolo S. Paulo, definindo as obrigações da dignidade pontifical, em ordem a declarar a soberana perfeição do pontificado de Cristo, diz assim: Omnis pontifex ex hominibus assumptus, pio hominibus constituitur in às, quae sunt ad Deum, ut offerat dona, et sacrificia pro peccatis[4]. Sobre as quais palavras o doutíssimo Cornélio A Lápide - o qual na exposição de S. Paulo, por não dizer que excedeu a todos os comentadores, digo que se venceu a si mesmo - dividindo esta definição do apóstolo em suas partes essenciais diz que nela se contém três propriedades, ou excelências, que constituem o perfeito pontí­fice. A primeira pertence à eleição da pessoa, as outras duas à execução do ofício, e todas três, digo eu, se acham com eminência na Virgem Santíssima, Senhora nossa.

Prima est, ut pontifex ex hominibus assumatur, quasi selectus, caeterisque dignior: A primeira propriedade é que a pessoa que houver de ser assunta à dignida­de pontifical seja escolhida entre todas, e a mais digna; isso quer dizer ex hominibus assumptus. E que pessoa há, ou pode haver, ainda que a eleição se fizesse, não só entre os homens, senão entre os Anjos tão merecedora de ser unicamente a escolhida, e tão infinitamente digna sobre todas as criaturas, como a que mereceu ser Mãe do mesmo Criador? Por isso o Espírito Santo lhe chama: Una et electa (Cânt. 6, 8): Uma e escolhi­da - porque na sua eleição foi única sem controvérsia, única sem oposição, sem parelha, sem semelhança. Una, et electa - diz Ruperto - quia nec inter angelos, nec inter homi­nes, similem vel primam habet, vel sequentem habitara est, Não sei se reparais bem na energia desta eleição e na excelência dela. A excelência da eleição da Senhora não está em ser escolhida, senão em ser escolhida como urna: Una et electa. A eleição ou escolha comumente diz unidade e supõe multidão, porque de muitos se escolhe um; porém, quando o escolhido é tão singular e único, que não tem oposição, a glória da eleição é a unidade: é ser escolhido, não como um de muitos, senão como um e só. Se no céu entre os astros se houvera de fazer eleição, como havia de ser escolhido o sol? Não havia de ser escolhido como comparado, senão como único. Pois, assim foi escolhida Maria: Electa ut sol: Una, et electa[5]. E como a Senhora no céu e na terra não só é a mais digna, que isso seria ter comparação, mas única e incomparavelmente digníssima sobre todas as criaturas, vede, se pelo merecimento da pessoa lhe compete a dignidade pontifical? Assim o entenderam e disseram todos os que ouviram este único e incomparável elogio, porque tanto que o Espírito Santo lhe deu o nome de una et electa, logo, imediatamente, foi aclamada de todos por beatíssima, que é o título pontifical: Viderunt eam filiae, et beatissimam praedicaverunt eam[6]. A Senhora tinha dito de si: Ex hoc beatam me dicent omnes generationes[7]; mas, os que do merecimento da pessoa passaram à consideração da dignidade que lhe era devida, não só lhe chamaram beatam, senão beatissimam.

Secunda est, ut hominum causam agat apud Deum, tanquam eorum mediator, pro eis que ores et interpellet: A segunda propriedade, e primeira obrigação do ofício pontifical, é ser o pontífice mediador ou medianeiro público entre Deus e os homens, e, diante da Divina Majestade, orar e advogar por suas causas. - Isso quer dizer: Pro hominibus constituitur in iis, quae sunt ad Deum[8]. E que mediação se pode desejar nem imaginar entre Deus e os homens, nem mais íntima, nem mais eficaz, nem mais podero­sa, que a daquela mesma Senhora que, dentro em suas entranhas, uniu a natureza divina com a humana, e do homem e de Deus fez uma só pessoa? Ouvi a S. Bernardo: Advoca­tam praemisit peregrinatio nostra, quae tanquam Judicis Mater, et Mater misericordiae suppliciter et efficaciter salutis nostrae negotia pertractabit[9]. Somos peregrinas na terra - diz Bernardo - mas nem por isso as nossas causas estão desamparadas no céu, porque no céu temos por advogada delas quem as há de tratar com tanta eficácia e poder, como a que é Mãe do Juiz, e com tanto amor e piedade, como a que é Mãe da misericór­dia. - Grande razão e singular prerrogativa, que só no pontificado de Cristo se acha semelhante. Cristo foi Pontífice sobre todos os pontífices: por quê? Porque os outros pontífices são somente homens, e Cristo é Homem e Filho de Deus juntamente. Como Homem, intercede pelos homens; como Filho de Deus, pode tudo com Deus. Assim o pondera S. Paulo, sinalando a diferença que há de Pontífice a pontífice entre Cristo e os outros. Aos outros fá-los Deus pontífices como Deus: a Cristo fê-lo Deus Pontífice como Pai. Aos outros como Deus: Nec quisquam sumit sibi honorem, sed qui vocatur a Deo, tanquam Aaron[10]; a Cristo como Pai: Christus non semetipsum clarificavit, ut pontifex fieret: sed qui locutus est ad eum: Filius meus es tu[11]. E desta diferença que se segue? Segue-se - acrescenta logo o mesmo S. Paulo - que as suas orações e interces­sões não são só ouvidas pelo benefício da causa, ou pela autoridade do ofício, senão pela reverência da pessoa: Qui in diebus carnis suae preces, supplicationesque ad eum... offerens, exauditus est pro sua reverentia[12]. Esta é a prerrogativa singular de Cristo enquanto Pontífice. E que a mesma concorra na Virgem Mãe sua, quem o pode duvidar? Porque, se Cristo como Homem intercede pelos homens, e como Filho de Deus pode tudo com Deus, também a Senhora, pelo que tem de humana, intercede pelos homens, e porque é verdadeira Mãe de Deus, poderá e pode tudo com ele. E se as orações e inter­cessões de Cristo são ouvidas de Deus pela reverência do Filho, não menos serão ouvi­das as da Senhora, antes em certo modo mais, pela reverência de Mãe. Assim, o conclui noutra parte o mesmo S. Bernardo: Advocatam vis habere erga ipsum? Ad Mariam recurre: nec dubius dixerim: exaudietur et ipsa pro reverentia sua[13] : Se quereis ter advogada diante do Supremo Juiz, recorrei - diz - a Maria confiadamente, porque, assim como o Pai ouve a Cristo por reverência de Filho, assim Cristo ouve a Senhora por reverência de Mãe. - Com tanta eminência resplandece em Maria Santíssima a segunda condição que se requer para a dignidade pontifical.

Tertia est, ut Deum peccatis, et peccatoribus iratum placet, et reconciliet per dona et sacrificia: A terceira propriedade e último ofício do pontífice, é aplacar a Deus ofendido dos pecados, e reconciliá-lo com os pecadores, por meio das oblações e dos sacrifícios; isso quer dizer: Ut offerat dona et sacrificia pro peccatis[14]. E que ministro sagrado houve jamais nem haverá no mundo, tão apto e apropriado para este soberano ministério de aplacar a Deus ofendido pelos pecados como aquela puríssima criatura em que nunca houve pecado? Os outros pontífices e sumos sacerdotes, diz o Apóstolo, primeiro oferecem os sacrifícios pelos seus pecados, e depois pelos do povo; porém, Cristo, em quem nunca houve pecado, não tem essa necessidade: Qui non habet neces­sitatem... quemadmodum sacerdotes, prius pro suis delectis hostias offerre, deinde pro populi[15]. E assim como Cristo só oferecia sacrifícios a Deus pelos pecados do povo, e não pelos seus, porque os não tinha, e por isso eram mais gratos e mais aceitos a Deus os sacrifícios de seu Filho, o mesmo devemos nós não só entender e dizer dos de sua Mãe, mas, deste altíssimo princípio inferir quão decentemente assentaria na pessoa da Virgem puríssima a dignidade pontifical, Assim o inferiu o mesmo S. Paulo: Talis enim decebat ut nobis esset pontifex, sanctus, innocens, impollutus, segregatus a peccatori­bus, et excelsior caelis factus[16]. As quais palavras ou excelências todas, assim como se dizem do Filho, se podem e devem afirmar igualmente da Mãe, santa, inocente, pura, imaculada, separada e excetuada do número dos pecadores, e levantada sobre todos os céus. Logo; talis decebat ut nobis esset pontifex. E para as ofertas e sacrifícios: Ut offerat dona, et sacrificia - quem jamais presentou tal oferta a Deus, como a que a Senhora lhe ofereceu no Templo, quando lhe presentou seu próprio Filho nascido de quarenta dias? E quem jamais lhe fez tal sacrifício, como o do mesmo Filho no monte Calvário, mais crucificado na alma e no coração da Mãe, que na mesma cruz? Não chegou Abraão a ver morrer Isac, e contudo diz S. Pedro Crisólogo, que de tal sorte se sacrificou nele a si mesmo, que ele era o sacrifício e o sacerdote, ele a vítima e o pontí­fice: Abraham se immolabat in filio, ut esset idem victima et pontifex, sacrificium et sacerdos. E se isto bastou em Abraão, porque era pai, para ser sacerdote e pontífice, aquela Mãe, cuja obediência e caridade foi infinitamente maior que a de Abraão, e cujo Filho e sacrifício era infinitamente maior que Isac, quem se atreverá a lhe negar ou a duvidar a dignidade pontifical?

§ III

O nome de mulher não se opõe totalmente à dignidade pontifical. Como Maria, irmã de Moisés e figura da Virgem Santíssima, é contada entre os três pastores do povo hebreu?

               Vejo, porém, que da mesma cruz, e das palavras do mesmo Filho crucificado, se tira o argumento com que sobre tantas prerrogativas de merecimento se nega à San­tíssima Mãe esta dignidade. As palavras do Filho foram: Mulier, ecce filius tuus[17]; e este nome de mulher é o que se opõe totalmente à dignidade pontifical. Mas não é de tanto peso esta instância, que não tenha fácil solução na Escritura, nos santos e na razão.


No capítulo onze do profeta Zacarias, diz Deus que matou três pastores do seu povo em um mês: Succidi tres pastores in mense uno (Zac. 11, 8). E, posto que o profeta não declare ali quem foram estes três pastores, S. Jerônimo, S. Remígio, Alberto Magno, Hugo Cardeal, e todos os que entenderam este lugar mais própria e literalmente, dizem que foram Moisés, Arão, e Maria Profetisa, irmã de ambos. Chamam-se três pastores, porque por meio de todos três livrou Deus o seu povo do cativeiro do Egito, e o governou e guiou pelo deserto até à Terra de Promissão, como depois lhe fez cargo pelo profeta Miquéias, nomeando todos três na mesma forma: Quia eduxi te de terra Aegypti... et misi ante faciem tuam Moysen, et Aaron, et Mariam[18]? E dizer Deus que os matou a todos em um mês: in mense uno, é maior e mais clara confirmação de serem estes, porque, como consta do Livro dos Números (Núm. 20, 1), Maria morreu em

março do ano quarenta da peregrinação no deserto, e neste mesmo mês sucedeu a incredulidade e desobediência de Moisés e Arão (Núm. 20, 12), em pena da qual os senten­ciou Deus no mesmo ato à morte, e que não entrassem na Terra de Promissão, de que já estavam tão perto. E essa é a propriedade da palavra succidi, porque lhes cortou a vida, e mais os passos.

               Mas, se neste número entrava Maria, como lhes chama Deus três pastores? Arão era pastor no espiritual, e eclesiástico, porque era sumo pontífice; Moisés era pastor no temporal e civil, porque era governador supremo com autoridade real; porém, Maria que, por ser mulher, nem tinha, nem parece que era capaz tanto de uma como de outra dignidade, como lhe atribui Deus igualmente o mesmo nome ou título? E sendo os ofícios pastorais só dois, como eram os pastores três: Succidi tres pastores? Eram os pastores três, sendo os ofícios dois - respondem os mesmos autores - porque assim Arão como Moisés, ambos governavam juntamente com Maria, e cada um a tinha por companheira, e fazia participante da sua dignidade. Maria, sobre ser profetisa muito alumiada de Deus, era também de maior idade que Moisés e Arão, como consta uma e outra coisa da História Sagrada, e por estas duas razões, posto que Moisés e Arão fos­sem somente irmãos de Maria, o respeito e veneração com que a tratavam era de mãe, e como tal, nem Arão no eclesiástico nem Moisés no civil, obravam coisa alguma em que Maria não tivesse parte. E porque esta dobrada autoridade comum com ambos lha tinha dado Deus, por isso, sendo dois os ofícios pastorais, diz o mesmo Deus, que eram três os pastores: Succidi tres pastores; e por isso fez cargo aos hebreus de lhes ter dado a liber­dade do cativeiro do Egito, não só a Moisés e Arão, senão igualmente a Maria: Misi ante faciem tuam Moysen, et Aaron, et Mariam?

               Ao nosso ponto agora: Maria, irmã de Moisés e Arão, como lemos em S. Jerônimo e Santo Ambrósio, foi figura da virgem Maria; e não só pela semelhança do nome, único em todo o Testamento Velho, nem só pela graça de profetisa, nem só pelo triunfo de co-redentora do povo, mas singularmente pela prerrogativa da virgindade, em testemunho da qual se não lê na Escritura matrimônio nem sucessão da mesma Maria; e Santo Ambrósio expressamente lhe dá o título de Virgem: In Veteri Testamento clausum Hebraeorum populum Virgo per Maria pedes duxit: in Evangelio Aucthorem mundi, et Redemptorem Virgo generavit. Sendo logo aquela Maria virgem, vede se era expressa figura da Virgem Maria! Do mesmo modo Moisés e Arão em duas pessoas foram uma só figura de Cristo, no qual se uniram as duas dignidades, a real, como em Moisés, e a pontifical, como em Arão. E se estes dois irmãos cada um comunicou a sua dignidade a Maria, por ser irmã e maior, por que não comunicaria também ambas as dignidades Cristo a Maria, de quem aquela só foi figura, sendo ele Filho e ela Mãe? E se lá o ordenou assim, aprovou e afirmou Deus, cá, por que se há de negar ou duvidar?

               Da dignidade real ninguém duvida que Cristo, como Rei, a comunicasse a sua Mãe; e daqui infiro eu, com a mesma e muito maior razão, que também o mesmo Cristo como Pontífice lhe comunicou a pontifical. E provo, porque a dignidade real não a teve Cristo por sua Mãe, e a pontifical sim. Não é menos bem-fundada esta ilação, que na teologia de S. Paulo no segundo capítulo da Epistola ad Hebraeos: Quia ergo pueri communicaverunt carni, et sanguini, et ipse similiter participavit eisdem: ut per mor­tem destrueret eum, qui habebat mortis imperium: et liberares eos, qui timore mortis per Lotam vitam obnoxii erant servituti. Nusquam enfim angelos apprehendit, sed semen Abrahae apprehendit. Unde debuit per omnia fratribus similari, ut misericors fieret, et fidelis pontifex ad Deum[19]. Dá a razão S. Paulo, porque o Filho de Deus se fez homem, e não anjo, e diz que foi para que sendo homem, pudesse ser verdadeiro e perfeito Pontífice, o que não podia ser sendo anjo. E por que não podia ser Pontífice, sendo anjo? Porque os anjos não têm carne nem sangue: são imortais e não têm pecado. E para Cristo fazer o ofício de perfeito Pontífice, havia de sacrificar sua vida e morrer pelos homens, e para isso era necessário ter carne e sangue e ser mortal, E havia de interceder eficazmente com Deus pelos pecadores, e para isso era necessário ser semelhante a eles, não no pecado, senão na natureza e nas misérias que dele se seguiram; e essa carne, esse sangue, essa mortalidade, essa natureza sujeita e capaz das penalidades humanas, que era todo o cabedal e aparato necessário para ser perfeito Pontífice: Ut misericors fieret, et fidelis pontifex ad Deum - de quem a recebeu o Filho de Deus, senão de sua Mãe? De sorte que a dignidade real não a teve Cristo só de sua Mãe, porque, já sendo Deus, era Rei: Tu es ipse Rex meus, et Deus meus[20]: porém a dignidade pontifical sim, porque se não fora seu Filho, não seria Pontífice. Excelentemente S. Dionísio Alexandrino: Inha­bitavit in sancto suo tabernaculo, quod est Deipara Maria; illic enim in ipsa Rex noster, Rex gloriae factus est pontifex[21]: Habitou Deus no tabernáculo virginal do ventre san­tíssimo de Maria, e sendo já Rei da glória, e Rei nosso, ali, onde o Verbo se fez carne, ali foi feito Pontífice: Illic in ipsa factus est pontifex. Logo, se Cristo porque foi Rei - o que não recebeu de sua Mãe - lhe comunicou a dignidade real, com muito maior razão, porque foi pontífice -o que recebeu da mesma Mãe - lhe devia comunicar a dignidade Pontifical.

               Nem vale finalmente em contrário a objeção de ser mulher a bendita entre todas as mulheres, e exceção de todas, não só porque foi Mãe e Virgem, e por isso com dobrada autoridade de Mãe e de Pai juntamente em respeito de seu Filho - por onde, em sentença de grandes teólogos, é chamada Matripater - mas porque se esta diferença do sexo em Maria, irmã de Moisés, não foi impedimento para participar com Arão a digni­dade pontifical, muito menos o deve ser em Maria, Mãe de Jesus, que por isso se cha­mou Cristo: De qua natus est Jesus, qui vocatur Christus. E para que não fique só a força desta ilação no argumento da paridade, assim o disse expressa e milagrosamente ao intento S. João Damasceno: Tu es quippe Summa Christianorum Antistes, hinc te magna laudum contentione veneramur[22]: Veneramos-vos, Senhora, e louvamos-vos com toda a intenção de nossos afetos - diz Damasceno - porque vós sois a Suma Pontí­fice dos cristãos: Summa Christianorum Antistes. Antistes pela dignidade pontifical, summa, e não sumo, pela diferença do sexo. E Santo Arnesto, Arcebispo Praguense, unindo e distinguindo na mesma Senhora ambas as dignidades, real e pontifical, nos exorta a que recorramos a um e outro tribunal de Maria, seguros de que a sentença que der em nosso favor, não poderá ser revogada, porque, ou como real, ou como papal, levará, por ser sua, a cláusula non obstante, em respeito de qualquer outro juízo. Mari­am invoca, Mariam appela - diz o Santo - et in omne sententia, quam pro te dabit, apponet illam clausulam gloriosam, imperialem, atque papalem: non obstante[23].

§IV

Maria Santíssima, pelas prerrogativas do seu Rosário, não só é própria, mas singularmente pontífice: pontífice na etimologia do nome, nas insígnias da dignidade e na potestade das chaves. A misteriosa visão que teve um bispo de França, inimigo da devoção do Rosário. O Rosário, ponte que passa os homens da terra ao céu. Maria Santíssima na passagem milagrosa do Jordão.

               Removido, pois, o impedimento aparente do sexo, com a autoridade dos san­tos, com o exemplo da Escritura, e com a eficácia da razão, e demonstrado o mereci­mento sobreeminente da pessoa por todas as qualidades que requer a definição de S. Paulo para o perfeito pontífice, como fizemos no primeiro discurso, segue-se que do direito passemos ao fato, e que vejamos praticado na Senhora do Rosário, ou no Rosário da Senhora, o título, poder e exercício da dignidade pontifical. Isto é o que agora farei; e para que a prova e demonstração proceda com toda a clareza, a divido em três partes. Em cada uma delas veremos a Santíssima e Beatíssima Mãe, pelas prerrogativas do seu Rosário, não só própria, mas singularmente pontífice. Pontífice na etimologia do nome; pontífice nas insígnias da dignidade; pontífice na potestade das chaves.

               Marco Varro, mais antigo que Marco Túlio, e o maior e mais erudito mestre da língua latina, declarando no livro quarto a etimologia donde foi tomado e teve sua origem este nome pontifex, diz que pontífice é o mesmo que pontem faciens: o que faz ponte, e que a ocasião de chamarem assim aos sumos pontífices, instituídos em Roma por Numa Pompílio, foi a Ponte Sublícia, edificada pelo sumo pontífice Anco Márcio, obra tão celebrada naquele século ainda rude, que a ele lhe deu o nome, e depois se perpetuou em seus sucessores. Donde também o tomou, com a língua, depois da vinda de Cristo, a Igreja Romana. Teodoro Estudita chamou à Virgem, Senhora nossa: Pons securus christianorum: Ponte segura dos cristãos. Venâncio Fortunato: Pons ad pene­trandos polos: Ponte que chega e alcança de pólo a pólo. S. Proclo: Pons, per quem Deus ad hommes descendit: Ponte pela qual Deus desceu aos homens.[24] - E bastam estas autoridades, tão graves e tão justamente aplicadas à Senhora com o nome expresso de ponte, e tantas vezes repetido, para prova do meu intento? Não bastam, porque ne­nhum destes autores chega a dizer o que eu digo. Para ser pontífice não basta ser ponte, é necessário fazer ponte: pontem faciens; e esta é a que a Senhora fez quando instituiu o seu Rosário, e não só disse que a fizera, senão que a mostrou feita.

               O primeiro a quem a mesma Senhora comunicou a idéia desta sua obra, foi o grande patriarca S. Domingos, encarregando-lhe que a publicasse e pregasse, como logo começou a pregarem França, com espírito e eloqüência mais que humana, de que se segui­ram dois efeitos, ambos notáveis mas muito encontrados. Convertiam-se os homens a mi­lhares, assim os hereges à fé católica, como os maus católicos à virtude e vida cristã, e não poucos a deixar o mundo e seguir a perfeição evangélica: e este era geralmente o primeiro efeito da pregação e devoção do Rosário, O segundo, e contrário, foi que, vendo o inimigo do gênero humano as muitas almas que por meio da mesma devoção se livraram da sua tirania, tratou de desacreditar e desautorizar o Rosário por tal arte, que todos os que o rezavam, o desestimassem primeiro, e depois o deixassem. Para isto tomou o demônio por instrumento, quem vos parece? Porventura algum daqueles hereges mais obstinados? Por­ventura algum leigo dos de consciência mais livre e mais estragada? Porventura algum sacerdote ou religioso ordinário, êmulo de S. Domingos? Ainda subiu mais alto, ainda fortificou mais a indústria, ainda enfeitou mais a tentação. Havia naquela província um bispo muito presumido de seu saber, mas de muito pouco zelo e espírito. Este, em lugar de agradecer ao santo o pasto tão divino que dava a suas ovelhas, e o ajudar na pregação e propagação daquelas novas do céu, a que podemos chamar o Evangelho da Virgem Maria, começou em público e em particular a desfazer e desacreditar os sermões do grande Após­tolo, dizendo que, em vez de pregar pontos mui subidos do Evangelho, pregava aquelas vulgaridades, em vez de levar ao púlpito estudos e pensamentos novos, que ninguém tives­se ouvido, ia ensinar o Padre-Nosso e Ave-Maria, que os meninos sabiam, Vede quanto a

paixão é cega e a presunção ignorante! Como se houvera pontos mais subidos que os mistérios da Encarnação ¿o Verbo eterno e da redenção do gênero humano! Como se houvera meditações mais divinas que as da vida e morte do Filho de Deus! Como se hou­vera orações mais excelentes que o Padre-Nosso, ditado por Cristo, e a Ave-Maria, por um Arcanjo! Como, finalmente, se houvera doutrina mais evangélica que a memória das gra­ças e benefícios altíssimos, que Deus em Pessoa nos veio trazer e fazer ao mundo, a qual memória ele no fim de sua vida nos encomendou e encarregou sobre tudo! Nada disto via nem considerava o cego e ignorante prelado; e como a natureza dos homens é mais inclina­da ao mal que ao bem, e mais à vaidade que à verdade, se S. Domingos por uma parte fazia grande fruto, o bispo por outra parte o desfazia, sendo muitos, principalmente dos mais prezados de entendidos - que praza a Deus não tenham imitadores - os quais o deixavam totalmente, ou, para o dizer com nome mais próprio, apostatavam da devoção do Rosário.

               Triunfante sobre esta infernal vitória estava uma noite dormindo o que tão pouco vigilante pastor era do seu rebanho, quando arrebatado em visão se achou subitamente no meio de um rio largo, profundo, escuro e furioso, cuja corrente a espaços por penhascos e rochas talhadas se despenhava estrondosa e medonhamente. Aqui andavam nadando, ou, mais verdadeiramente, naufragando grande multidão de homens e mulheres de todos os estados: uns que soçobrados das ondas se afogavam, e iam logo a pique; outros que mortos já de muitos dias, saíam acima aboiados em horrendas figuras; outros que arrebatados da corrente, eram arremessados com fúria nos penhascos, onde se espedaçavam; outros que lutavam com toda a força e grandes ânsias com o peso do ímpeto das águas; e outros que ao som delas, onde mais mansamente corriam, se deixavam levar brandamente: e este era o estado mais perigoso, porque quase sem se sentir se achavam perdidos, sendo finalmente muito raros os que com grandíssimo trabalho chegavam à outra banda da ribeira, e todos despidos. No meio desta aflição, já desmaiado, levantou o bispo os olhos ao céu, e viu que à mão direita havia uma formosa ponte, que atravessava o rio de parte a parte, pela qual caminhavam seguros outro grande concurso de gente, homens, mulheres, meninos, todos alegres e cantando. E como advertisse que diante os ia guiando uma pessoa venerável, e, pelo hábito branco e manto preto, reconhecesse o mesmo pregador, que ele perseguia: - Valei-me, santo, que já vos confesso por tal - disse a grandes brados - Valei-me que me afogo! - Pois afoga-te, e chama agora pelos teus pensamentos subidos, que te subam à ponte. - Assim lhe pudera dizer, e com muita razão, o pregador das vulgaridades. Mas como os santos se vingam fazendo bem a quem lhes faz mal, ele foi o que subiu milagrosa­mente, e o introduziu na ponte com os demais.

               Era a formosa ponte larga, e bem defendida por ambos os lados, donde se viam com lástima, mas sem temor, os perigos e naufrágios dos que se fiavam do rio. Estava fundada sobre três grandes arcos de mármore, cada um dos quais se rematava em cinco torres muito altas, e entre elas, repartidas de dez em dez, outras cinqüenta meno­res, que por todas faziam número as mais altas de quinze, as menores de cento e cin­qüenta. No fim se levantava um palácio de admirável arquitetura, por cuja portada, igual na largura à da ponte, eram admitidos todos os que tinham passado por ela, e dali levados a uma grande sala interior, onde em trono de pedras preciosas cercado de res­plendores, assistia assentada uma rainha de celestial majestade e formosura, a qual to­dos adoravam, Aqui recebia cada um da soberana mão uma coroa de rosas, e este era o sinal, ou passaporte real, com que só se podia entrar no jardim do mesmo palácio, cha­mado o Paraíso das delícias, mais ameno e deleitoso que o que Deus tinha plantado no princípio do mundo. Chegou-se finalmente o bispo, quando se seguia por ordem o seu lugar, para também receber a coroa; mas trocada a majestade da Rainha em severidade, lhe disse com aspecto irado: - Que atrevimento é este? Se tu és o maior inimigo, e perseguidor do meu Rosário, como tens ousadia para pretender à coroa, que só aos devotos dele se concede? Aparta-te logo de minha presença e de todo este lugar, e agradece à minha piedade não te mandar dar o castigo que tuas culpas merecem. - Estas palavras, e muito mais o semblante com que foram ditas, causaram tal perturbação e horror ao pobre bispo, que, tremendo e assombrado, espertou no mesmo ponto e tornou em si. Em si tornou, mas tão outro do que dantes era, e tão reconhecido do seu erro e ignorância, que daquele dia em diante foi o mais zeloso pregador do Rosário, e o maior apregoador de suas grandezas.

Esta é, pois, a ponte que traçou e fabricou a Virgem Santíssima. Os três grandes arcos de mármore são as três diferenças de mistérios em que se funda o Rosário - Gozosos, Dolorosos, Gloriosos - os quais, se se não consideram nem me­ditam, ainda que se rezem as orações, é Rosário sem fundamento sólido. As quinze torres mais altas são os quinze Padre-Nossos, e as cento e cinqüenta menores dividi­das de dez em dez entre uma e outra, são as cento e cinqüenta Ave-Marias; e todas elas são torres, porque todas, espiritual e temporalmente, nos defendem de nossos inimigos. O rio arrebatado é o curso da vida presente, que nunca pára, cheio de tantos perigos e precipícios, e as duas ribeiras, a que a ponte se estende, e, sendo tão distan­tes, abraça e une, são este e o outro mundo, são os dois horizontes do nascer e morrer, são o tempo e a eternidade. Vede se merece o nome de pontífice quem fez esta ponte? A Igreja grega em dois hinos, falando com a Senhora, lhe diz: Pons traducens omnes de morte ad vitam: Ponte que passa a todos da morte à vida; Pons homines a terra traducens in caelum: Ponte que passa os homens da terra ao céu. - E esta é a ponte do seu Rosário.

               Desta passagem da terra ao céu foi figura a passagem do deserto à Terra de Promissão, e o rio Jordão que se passou, figura também do rio que nós passamos. E quem fez esta milagrosa passagem, senão a Virgem Senhora nossa, figurada na Arca do Testamento, a qual de tal sorte secou o rio, o qual se não podia vadear, que homens, mulheres e meninos, sendo tantos mil, o passaram a pé enxuto? E não faltou nesta passagem o mistério e propriedade do Rosário, porque diz o texto sagrado que, quando os filhos de Israel passaram o Jordão, levavam os olhos em Jericó, que lhes ficava da outra banda: Populus autem incedebat contra Jericho: et sacerdotes, qui portabant arcam... stabant, super siccam humum in medio Jordanis[25]. No meio do rio estava a Virgem Maria, como verdadeira Arca do Testamento, que teve dentro em si a Deus, fazendo das areias do fundo uma nova ponte e imóvel, por onde, sem impedimento das águas, o passassem a pé e seguramente. E da outra banda da ponte, como no nosso caso, estava em Jericó a mesma Virgem como Senhora propriamente do Rosário, que por isso a compara o Espírito Santo à planta da rosa, não em outra parte ou terra, senão na de Jericó: Quasi plantatio rosae in Jericho[26]. E por que mais no terreno de Jericó, que em outro fértil de rosas? Porque as rosas de Jericó, entre todas as do mundo, são compostas de cento e cinqüenta folhas, quantas são as saudações angélicas, com que veneramos e invocamos a Virgem no seu Rosário. Assim comenta o mesmo texto Ricardo de Sancto Laurentio: Dicitur Maria Rosa, non quaelibet, sed Jericuntina, quia in Jericho crescunt rosae speciosissimae, habentes centum quinquaginta folia[27].

§V

Maria, pontífice pelas insígnias da dignidade. Notável diferença entre o pontifi­cado de Cristo e o de Arão. O reino sacerdotal e o sacerdócio real. A semelhança e significação da tiara pontifical. As três coroas da Senhora do Rosário: os mistérios gozosos, os dolorosos e os gloriosos. A admirável visão relatada por Cesário. Por que chama Deus a Senhora três vezes quando a chama para ser coroada? Os três outeiros do Monte Líbano.

               Provada na Virgem Santíssima a significação de pontífice pela etimologia do nome, vejamos a substância da mesma significação, ou o significado do mesmo nome pelas insígnias da dignidade. A insígnia que, entre todos os que se chamam pontífices, distingue deles e sobre eles o sumo pontificado, é a tiara. Coroa a tiara uma só cabeça, mas compõe-se de três coroas. E por que de três? Para significar que é coroa sobre coroas, e que todas as do mundo lhe estão sujeitas. Assim o confessam e protestam com humilde adoração todos os reis católicos, beijando o pé ao Sumo Pontífice. E esta é uma diferença muito notável e muito digna de se saber entre o Pontificado de Cristo e o de Arão. Ouçamos a Moisés e a S. Pedro. Moisés, falando do reino e sacerdócio da lei velha, chama-lhe Regnum sacerdotale, reino sacerdotal: Vos eritis mihi in regnum sa­cerdotale[28]. S. Pedro, pelo contrário, falando do reino e sacerdócio da lei da graça, troca as mesmas palavras de Moisés, e chama-lhe sacerdotium regale, sacerdócio real: Vos autem genus electrum, regale sacerdotium[29]. Pois, se na lei velha havia pontífices e reis, e na lei da graça há reis e pontífices, por que aquela se chama reino sacerdotal, e esta, não reino sacerdotal, senão sacerdócio real? Porque na lei velha a dignidade real era superior aos pontífices, e na lei da graça a dignidade pontifical era superior aos reis: Quia scilicet in synagoga Judacorum Regnum eminebat Sacerdotio; in Ecclesia vero Christi Sacerdotium eminet Regno diz, com Ascânio Martinengo, Cornélio A Lápide[30].

               Dentro na mesma cristandade temos mais expressa esta semelhança e sig­nificação da tiara, e a razão das suas três coroas. Os imperadores coroam-se três vezes com três coroas diferentes, e, assim como a dignidade imperial, por ser temporalmente a suprema do mundo, se recebe por três coroas, assim a pontifical, que espiritualmente é a suprema e a suma, se compõe e representa com outras três. E tal é a tiara pontifícia, que à Virgem, Senhora nossa, lhe compete por Senhora do Rosá­rio. As três coroas dos imperadores, uma é de ferro, outra de prata, outra de ouro, e as da Senhora do Rosário também poderão ser formadas dos mesmos metais. A primei­ra de prata, nos mistérios Gozosos, a segunda de ferro, nos Dolorosos, e a terceira de ouro, nos Gloriosos, Por esta mesma ordem as conta e distingue S. Bernardino na cabeça humana do divino Autor dos mesmos mistérios, sendo tanto do soberano Fi­lho, que os obrou, como da soberana Mãe, que o acompanhou em todos: Prima coro­na est carnea, qua conformatus fuit ab utero; et haec corona contexto fuit de purissimis sanguinibus Virginis[31]: A primeira coroa - diz o Santo - é a da Encarnação, e esta foi formada das puríssimas entranhas da Virgem Maria, com que a mesma Mãe San­tíssima coroou ao Filho de Deus e seu. Secunda est spinea, qua coronatus fuit a noverca synagoga; et contexta fuit peccatorum nostrorum aculeis: a segunda coroa é da Paixão, e esta foi tecida de espinhos, com que cruelmente o coroou sua madrasta, a Sinagoga. Tertia fuit gemmea, qua coronatus fuit in Resurrectionis triumpho; et haec contexta fuit ex dotibus pretiosissimis sui corporis gloriosi: a terceira coroa é da Ressurreição, e essa foi lavrada de pedras preciosas pelos dotes celestiais do Cor­po glorioso, com que o coroou seu Eterno Padre. - E quem não vê que estas três coroas, uma de gosto, outra de dor, outra de glória, não são outras, senão as mesmas três de que se compõe a tiara pontifical da Senhora do Rosário?

               Cada uma destas coroas primeiro foi do Filho, porque o Filho obrou os mistérios; mas depois, ou logo, foi também da Mãe, porque a Mãe os obrou juntamente com ele, não havendo algum em todo o Rosário, em que a Senhora não tivesse parte e lhe fizesse companhia, e por isso participante da mesma coroa. Conta Cesário no Livro Sétimo uma visão admirável. Estava em um altar uma imagem da Virgem Maria com seu bendito Filho nos braços, e tanto que o sacerdote começava a cantar o Evangelho, o Menino tirava a coroa da cabeça da Senhora e punha-a na sua. Vede qual seria a admi­ração dos que isto viam, e ainda o sentimento dos devotos da Virgem! Mas tanto que o Credo chegava àquelas palavras: Et incarnatus est de Maria Virgine, et homo factus est[32], logo o Menino tornava a tirar a coroa de sua cabeça, e punha-a na de sua Mãe[33]. De sorte que a coroa, que era de Cristo, era também da Senhora, primeiro do Filho, e depois da Mãe, mas de ambos, não diversa, senão a mesma. E isto é o que se verifica em cada uma das três coroas dos mistérios do Rosário. A coroa da Encarnação primeiro foi de Cristo concebido, e depois da Virgem que o concebeu em suas puríssimas entranhas, e criou a seus peitos: e estes são os mistérios Gozosos. A coroa da Paixão primeiro foi de Cristo crucificado e morto, e depois da afligida e piedosa Mãe, que o assistiu ao pé da cruz: e estes são os mistérios Dolorosos. A coroa da Ressurreição primeiro foi de Cristo, que, ressuscitado, subiu ao céu, e depois da Senhora, também ressuscitada, que triun­fante o seguiu na mesma subida: e estes são os mistérios Gloriosos. E destas três coroas, finalmente, se compôs a tiara pontifical do Rosário, transformadas ou transfiguradas todas três em coroas de rosas.

               Não me detenho em referir ou estender exemplos desta transformação - como fiz na matéria do discurso passado, e pode ser faça no seguinte - por ser coisa vulgar em toda a História Eclesiástica as muitas vezes que da boca dos devotos do Rosário, a cada Ave-Maria que rezavam, foram vistas sair rosas, as quais a Mãe de Deus, com soberano agrado, recolhia, e, enfiadas em ouro tecia delas coroas. Destas coroas, pois, que nem são mais nem menos de três, conforme as três partes do Rosário, se compõe, e aperfeiçoa a tiara pontifical da Senhora dele. A primeira coroa é de rosas encarnadas, pertencente aos mistérios da Encarnação, pela cor do Verbo feito carne; a segunda é de rosas vermelhas, pertencente aos mistérios da Paixão, pela cor do sangue derramado na cruz; a terceira é de rosas brancas, pertencente aos mistérios da Ressur­reição, pela cor própria da imortalidade, de que apareceram vestidos os anjos naquele dia. Mas ouçamos a Salomão, que viu as coroas, a matéria, o número, e a mesma tiara:

Veni de Libano, Sponsa mea, veni de Libano, veni: coronaberis (Cânt. 4, 8): Vinde do Líbano, Esposa minha, vinde do Líbano, vinde, e sereis coroada. - Duas coisas são as sabidas nestas palavras, e duas não. A Esposa todos sabem que é a Virgem Maria, e quem lhe chama Esposa sua, Sponsa mea, também se não ignora que é Deus. Mas, se Deus chama a Senhora para a coroa, coronaberis, por que a chama, não uma, nem duas, senão três vezes: Veni, veni, veni? E se o Monte Líbano não é rico de minas de ouro ou pedras preciosas, mas fértil somente de flores, e cultivado dos jardins famosos de Salo­mão, por que se diz que do Líbano hão de sair as coroas: de Libano coronaberis? Assim constroem o texto os que melhor o concordam. E tudo é o que queremos dizer.

               Chama Deus a Senhora três vezes quando a chama para ser coroada, porque a mesma Senhora foi coroada três vezes, e com três coroas. E porque estas coroas não foram de ouro, ou pedraria, senão de rosas, por isso não saíram das minas de outros montes, senão dos jardins do Líbano. Mais diz o texto. Não só diz que saíram estas três coroas do Líbano, senão de três outeiros ou cabeços do mesmo monte: De capite Amana, de vertice Sanir et Hermon[34]. E com que mistério? Com todos os três do Rosário e sua distinção. Todo o Monte Líbano, insigne pai: sua altura e pela singular candidez que lhe deu o nome, significa toda a vida de Cristo, sublime, celestial, puríssima; os três outeiros distintos e mais eminentes do mesmo monte, denotam os passos e mistérios da mesma vida de Cristo, mais notáveis, de que a Vir­gem compôs e dividiu em três partes o seu Rosário, e dos quais, transformados em rosas, se teceram as três coroas. Uma coroa, como lauréola de Virgem, pelos mistérios da Encarnação; outra, como lauréola de Mártir, pelos mistérios da Paixão; e a terceira, como lauréola de Doutora, pelos mistérios da Ressurreição. E o fundamento desta terceira lauréola, como afir­mam comumente os Santos Padres e Doutores sagrados, é porque desde a Ascensão de Cristo até a Assunção da Senhora - que foi o tempo dos terceiros mistérios - ficou a Soberana Mãe neste mundo substituindo a ausência de seu Filho, como Mestra dos Apóstolos e de toda a Igreja, alumiada sobre todos do Espírito Santo, magistério que também pertence ao caráter e ofício próprio de pontífice. Em suma, que dos três mistérios do Rosário se formaram as três coroas, não unidas, senão distintas, nem juntas, senão sucessivas, uma sobre a outra: Vem, veni, veni, coronaberis; e destas três coroas pela mesma ordem se compôs, ornou e aperfei­çoou a tiara pontifical da Senhora do Rosário. Assim o tinha eu imaginado sem autor, quando achei que muito antes o tinha escrito o doutíssimo Del Rio, comentando literalmente este mesmo texto dos Cantares. As suas palavras são estas: Tres coronae de tribus lectae collibus unius montis promittuntur, ut tribus virtutibus correspondeant. Unde fortassis et caput visibile Ecclesiae, Romanum Pontificem, triplicis coronae tiara exornari receptum: Prometem-se à Esposa três coroas, colhidas dos três outeiros do mesmo monte, que respondem às três virtudes dos mistérios referidos. E daqui parece, diz este eruditíssimo autor, se tomou na Igreja Romana o uso da tiara do Sumo Pontífice, composta de três coroas, - De sorte que, quando os Pontífi­ces de Roma puseram sobre a cabeça a tiara de três coroas, já havia mil anos que a mesma tiara pontifical, e com a mesma forma, estava profetizada, traçada e destinada para a Virgem Santíssima do Rosário.

§ VI

A potestade das chaves. O poder e a limitação das chaves de Pedro. O amor, medida de poder. Comparação entre o amor de Maria e o amor de todos os justos e espíritos angélicos.

               Segue-se agora o que só falta para complemento do nosso discurso, que é a potestade das chaves. O que contém esta potestade dos Sumos Pontífices, é o que decla­rou Cristo, Senhor nosso, ao primeiro de todos, S. Pedro, quando lhe prometeu: Tibi Babo claves regni caelorum. Et quodcumque ligaveris super Cerram, erit ligatum et in caelis: et quodcumque solveris super terram, erit solutum et in caelis (Mt. 16, 19): Dar­te-ei as chaves do reino do céu na terra, com potestade tão plena e absoluta, que tudo o que as tuas chaves abrirem ou fecharem na terra, infalível e irrefragavelmente será aberto ou fechado no céu. - Toda esta delegação - se bem com poder ordinário - é fundada na primeira e suprema potestade de Cristo, a qual o mesmo Senhor intimou ao mesmo S. Pedro e aos outros Apóstolos, quando os mandou pregar a sua nova lei a todo mundo: Data est mihi omnis potestas in caelo et in terra[35]. E como estas palavras declaratórias da potestade de Cristo são tão parecidas com as das chaves que deu a S. Pedro, perguntam aqui os teólogos, se deu Cristo e deixou aos Sumos Pontífices todos seus poderes? E resolvem concordemente que não. Alegam-se em prova desta limitação muitos exemplos e casos, em que os pontífices não podem o que pode Cristo; mas a melhor e mais relevante exceção de todas, é a que o mesmo Cristo publicou em voz no Apocalipse, e mandou a S. João, como seu secretário, que a escrevesse autenticamente: Ego sum primus, et novissimus, et vivus, et fui mortuus: et ecce sum vivens in saecula saeculorum, et habeo claves mortis, et inferni. Scribe ergo[36]. Contrapõe o Senhor em próprios termos chaves a chaves, e declara que ele não tem só as chaves do céu, como Pedro e seus sucessores, senão também as chaves da morte e do inferno, em que ele não tem poder ou jurisdição alguma.

               Isto posto, pergunto eu agora: A potestade das chaves da Senhora do Rosá­rio, qual destas é? É como a das chaves de S. Pedro, ou como a das chaves de Cristo? Se é somente como a das chaves de S. Pedro, pouco deu o Filho de Deus a sua Mãe. Esses poderes são para o anel do pescador, mas não para o anel da Esposa, em cujo nome se lhe deram as três coroas da tiara: Veni, Sponsa mea, veni, veni: coronaberis. Quando Cristo deu a tiara a S. Pedro, exprimindo também as três coroas nas três vezes que lhe encomendou as suas ovelhas, sucessivamente lhe perguntou primeiro outras três vezes se o amava mais que os outros apóstolos que estavam presentes: Diliges me plus his[37]? E se a potestade das chaves, e a diferença dos poderes se há de medir com o excesso do amor, injúria seria do amor de Mãe se se houvesse de remunerar como o amor de Pedro. Entrem no exame do amor de Maria, não só os apóstolos, senão os santos de todas as três leis, e os anjos de todas as três jerarquias; entre na lei da natureza Adão, com novecentos anos de rigorosa penitência; entre Abel com todos os inocentes; entre Enos, entre Set, entre e apareça o extático e arrebatado Enoc; entre Noé, o mais justo de todo o mundo no seu tempo, e por isso reparador do mesmo mundo; entrem Abraão, Isac e Jacó, dos quais Deus se chamou singularmente Deus. E não fiquem de fora Melquisede­ que, nem Jó, que é tudo o que produziu grande a lei da natureza. Na lei escrita, entre Moisés com as tábuas da mesma lei, depois de ver como Deus ama e como se deve amar, nas labaredas da sarça; entre Josué, entre Gedeão, entre Samuel, entre o homem cortado pelo coração de Deus, o evotíssimo Davi; entrem Josias e Ezequias, exceção de reis; entre Elias com todo o fogo do seu carro; entrem Isaías e Jeremias, com todos os profe­tas; entrem Judas e Eleazaro, com todos os Macabeus; entre tudo o que teve heróico e notou com letras grandes a lei escrita. Na lei da graça, enfim, entre João, o Precursor, e João, o Amado, entre o mesmo S, Pedro com os demais Apóstolos; entre, ou desça do terceiro céu o grande Paulo; entre com toda a aljava do amor a Madalena; entrem os Basílios, os Agostinhos, os Bernardinos; saiam dos desertos os Arsênios, os Antônios, e das cartuxas os Brunos; venham com todos seus esquadrões os Bentos, os Domingos, os Franciscos, e, com o nome de Jesus, ambos os Inácios; venha Inês, venha Cecília, ve­nham as duas Catarinas, venha Teresa, nome e coração singular, e venham finalmente todos os que com a vida nos rigores, ou com a morte nos tormentos, provaram a Cristo a fé e a verdade de seu amor: Diligis me plus his?

Não digo tal, Virgem Santíssima, que não sou tão descomedido. Com o imenso de vosso amor, nenhum humano se pode comparar, ainda que entrassem nesta conta, Ana, Joaquim, e o mesmo esposo José, toda a soberana Trindade do vosso sangue. Mas subamos ao céu, onde todos são espíritos. Amam muito, na primeira jerarquia, os anjos, os arcanjos, as virtudes; amam mais, na segunda jerarquia, as potestades, os principados, as domina­ções; amam sobre todos, na terceira e suprema, os tronos, os querubins, os serafins, chama­dos por antonomásia os fogosos, os abrasados, os ardentes. Mas que comparação ou semelhança tem todo esse amor com o amor de Maria? O céu, onde eles vêem a Divina Essência, chama-se Empíreo, que quer dizer céu de fogo, porque tudo lá são incêndios, tudo é arder em fogo de amor de Deus; mas, comparado o amor dos servos com o amor da Mãe, todo esse arder é frieza, todo esse fogo é neve. Mais ama Maria em um só ato a Deus do que todos os espíritos angélicos juntos o amam e amarão por toda a eternidade. E se a potestade das chaves se mede pelo excesso do amor, claro está, que a potestade pontifical de Maria há de ser maior que a das chaves de Pedro. Quando Cristo deu as chaves a S. Pedro, chamou-lhe Barjona, filho de João; e se ao filho de João se deu tão grande potestade, qual é a que se deve dar à Mãe do Filho de Deus?

               Respondendo, pois, à nossa questão, digo que a potestade pontifical da Senho­ra do Rosário não é como a de S. Pedro, senão como a de Cristo. Porque não só lhe deu o mesmo Cristo as chaves do céu, como a S. Pedro, senão também as chaves da morte e do inferno, que ele reservou para si, e são somente suas: Habeo claves mortis et inferni[38]. E para que se veja que lhe foram dadas à Senhora, como Senhora particularmente do Rosário, e em razão e respeito dos seus mistérios, notai o que diz imediatamente antes o mesmo Cristo, como Autor deles: Et vivus, et fui mortuus, et ecce sum vivens in saecula saeculorum (Apc. 1, 18): Eu, que tenho as chaves da morte e do inferno, fui vivo, e depois fui morto, e agora sou outra vez vivo para toda a eternidade. - Não sei se caís já na conseqüên­cia, que não pode sei mais própria. Que coisa são os mistérios do Rosário, senão uma morte de Cristo entre duas vidas? A primeira vida mortal, em que nasceu e viveu, que são os mistérios Gozosos, a segunda vida imortal, em que ressuscitou e subiu ao céu, e vive eter­namente, que são os mistérios Gloriosos; e, no meio destas duas vidas, a morte de cruz, em que padeceu por nós, que são os mistérios Dolorosos. Os primeiros: et vivus; os segundos: et fui mortuus; os terceiros: et ecce sum vivens in saecula saeculorum. E depois de referir o Senhor estes três mistérios no mesmo número e pela mesma ordem, e todos obrados em si mesmo, então diz que tem as chaves da morte e do inferno. E se estas chaves, e esta potes­tade lhe foi dada a Cristo enquanto homem, porque obrou estes mistérios, a sua Santíssima Mãe, que tanta parte teve neles, como Senhora do Rosário, porque se lhe não daria a mes­ma potestade e as mesmas chaves: Claves mortis et inferni? E para que ninguém o duvide, vamos ao fato.

§ VII

Cristo, não só deu à Senhora do Rosário as chaves do céu, como a Pedro, senão também as chaves da morte e do inferno, que ele reservou só para si. O milagroso caso de Alexandra de Aragão. Quão grandes danos são os que causa em uma república uma mulher pouco honesta. As duas jurisdições da potestade do sola a luz e o calor, e os poderes da Virgem Santíssima.

               Houve no reino de Aragão uma mulher moça e nobre, por nome Alexandra, a qual pelas pregações de S. Domingos tomou por devoção rezar todos os dias o Rosá­rio. Estes foram os bons propósitos, mas não foi este inteiramente o efeito, porque, se muitas vezes rezava, muitas vezes também deixava de o fazer, sendo a principal virtude da oração a perseverança. Não deixava de rezar Alexandra porque a pobreza a obrigasse a trabalhar todo o dia e parte da noite, porque era rica; nem porque lhe levasse todo o tempo o governo da casa e o cuidado dos filhos e da família, porque não era casada. Pois, porque não rezava? Ainda o porquê era pior que o não rezar. Era muito prezada da gentileza, e o espelho e a janela eram as duas peças da casa que lhe ocupavam todas as horas do dia. O espelho para se ver e enfeitar, a janela para aparecer e ser vista. Se ela entendera bem a devoção do Rosário, soubera que em cada um de seus mistérios nos deixou Cristo um espelho. Fecisti, Domine, de corpore tuo speculum animae meae - dizia aquele grande Bispo de Óstia, o devotíssimo Drogo.[39] De seu sacratíssimo Corpo fez Cristo este espelho, não para o corpo, senão para a alma, no qual ela se vê tão desfigurada, quantas são as figuras diversas, em que o mesmo Senhor se nos representa em cada mistério do Rosário. Nos mistérios Gozosos se olha a alma para Cristo em um presépio: naquela pobreza está vendo a sua cobiça, naquela humildade a sua soberba, naquele desabrigo e desamparo a sua comodidade e o seu regalo. Nos mistérios Doloro­sos se olha a alma para Cristo atado a uma coluna: naquela coluna está vendo a sua inconstância, naquelas cordas as suas liberdades, naquela desnudez as suas galas, na­queles cinco mil e tantos açoites, os milhares de seus pecados. Nos mistérios Gloriosos se olha a alma para Cristo subindo ao céu: naquela formosura está vendo a fealdade de seus vícios, naqueles resplendores as trevas da sua cegueira, naquela agilidade o peso de suas paixões, e naquele entrar no céu o perigo de o perder para sempre. Se as vezes que Alexandra tomava o Rosário nas mãos se vira nestes espelhos, eu vos prometo que ela tratara mais de parecer bem a Deus que aos homens.

               Como esta louca mulher aparecia tanto, não faltaram homens tão loucos como ela, que a passeavam e pretendiam. Foram os príncipes pretendentes dois mance­bos nobres dos melhores da cidade, entre os quais cresceu a competência, e se atearam os ciúmes com tal fúria, que determinaram resolver a contenda pelas armas; e assim se foram um dia desafiados ao campo. Tiram pelas espadas sós por sós, e depois de se baterem e ferirem, não como homens, mas como duas feras assanhadas, cansados já, e envoltos em sangue, retiraram-se ambos atrás, para se investirem com maior ímpeto; parte um para o outro, metem as espadas pelos mesmos fios, alcançam-se no mesmo tempo pelo peito esquerdo, e caem ambos mortos. Sabido o caso e a causa, juntam-se os parentes para verem o que se devia fazer, e, aconselhando-se mais com a dor, que com a lei de Deus e com a razão, vão-se de tropel à casa de Alexandra, resolutos a vingarem na sua vida as mortes dos que por amor dela a tinham perdido. Lança-se a triste mulher a seus pés, pedindo-lhes que ao menos a deixem confessar; mas um deles, em que a cólera foi mais cruel e menos cristã, pega-lhe pelos cabelos, e bradando Alexandra: Virgem do Rosário, valei-me - com o mesmo golpe lhe cortou a cabeça e as palavras que ia pro­nunciando. Havia no pátio da casa um poço, e, lançada nele a cabeça se saíram os matadores, tomando cada um o caminho que melhor lhe pareceu para escapar à justiça. Nós, que faremos?

               Paremos um pouco à vista deste lastimoso espetáculo, e consideremos quão cego, quão precipitado e quão horrendo vício é o da sensualidade, e quão grandes danos são os que causa em uma república uma mulher pouco honesta. Se se pegasse o fogo àquela cidade, raro podia ser o incêndio que levasse tantas casas, como este levou. Levou a casa da mesma Alexandra, levou as casas dos dois competidores, que morre­ram no desafio, levou as casas de todos os parentes, que por vingar sua morte se dester­raram para sempre das suas. A tantos levou este raio, não do céu, mas do inferno. E se bem advertirmos, acharemos que a que menos mal livrou foi a mesma Alexandra. Os seus matadores, ainda que escaparam as vidas, perderam a pátria, perderam o descanso de suas casas, e, sobretudo, perderam a graça de Deus, que é o maior de todos os bens, cometendo aquele grande pecado. Os dois competidores perderam a vida, porque se mataram; perderam a alma, porque morreram subitamente em pecado atual, e ainda os miseráveis corpos incorrendo as penas do duelo, perderam a sepultura eclesiástica, e, como excomungados, foram sepultados no campo, entre os brutos. Alexandra, ainda que perdeu a vida, porque a degolaram, só ela naquele fracasso não cometeu pecado algum, que é o que mais importa, antes pediu confissão para eles, posto que a não alcançou, que é assaz grande mal.

               Estava ausente S. Domingos nesta ocasião, mas de lá viu toda aquela tragé­dia, porque Deus lha revelou com todas suas circunstâncias. Daí a alguns tempos veio à mesma cidade, perguntou pela casa de Alexandra, e a novidade da pergunta e a memória do caso passado fez que fosse após o santo muito mais gente da que por toda a parte o acompanhava e seguia. Entra no pátio da casa, chega ao poço, e, inclinando-se para baixo, começa a bradar: Alexandra! Alexandra! Acudiram todos os que puderam a ver o eco que faziam na profundidade do poço aquelas vozes e a resposta que de lá lhe davam, quando vêem subir pelo ar uma cabeça com os cabelos estendidos, os olhos abertos, a cor do rosto muito viva, e chegando mais perto reconheceram todos ser a cabeça de Alexandra. Nesta prodigiosa forma, posta sobre o bocal do poço, começou a falar, e a primeira coisa que disse foi: - Padre frei Domingos, ouça-me vossa reverência de confissão, que a isso venho. - Não se pôs de joelhos, nem bateu nos peitos a peniten­te, porque não tinha mãos nem pés; mas, como tinha olhos, chorava muitas lágrimas, e, como tinha língua, confessou muito miúda e muito declaradamente todos os pecados de sua vida. Acabada a confissão geral, e recebida a absolvição, mandou recado S. Domin­gos à paróquia, que trouxessem o Santíssimo Sacramento; e veio ao poço de Alexandra aquele Senhor que no poço de Sicar tinha convertido a Samaritana, para matar em am­bas a sede que tem de nossas almas. Não morreu logo Alexandra - se assim se pode chamar a que da garganta para baixo estava convertida em cinzas - porque quis Deus que para admiração de sua onipotência, e exemplo daquele povo, estivesse assim dois dias, vendo-a e ouvindo-a todos.

               Perguntada o que lhe sucedera quando a degolaram, respondeu que a Virgem Santíssima, em prêmio dos Rosários que rezava, posto que tão imperfeitamente, e não continuados, lhe fizera dois estranhos e milagrosos favores: o primeiro, que para não ir ao inferno, como por seus pecados merecia, lhe alcançara um ato de contrição; o segun­do que, apartando-se a alma do corpo, não morresse de todo, e se conservasse na cabeça e na língua, para se poder confessar. Finalmente, que pela vaidade e incontinência de sua má vida, e pelos escândalos e males que com ela tinha causado, estava condenada a duzentos anos de Purgatório; porém, que pela graça dos sacramentos que tinha recebi­do, e pelos sufrágios que pedia, principalmente aos confrades do Rosário, esperava que aquela sentença da Divina Justiça se moderasse, e as penas lhe fossem diminuídas. Ditas estas coisas, e outras de grande edificação e espanto, cerrou os olhos, emudeceu a língua, perdeu as cores, e acabou de morrer a venturosa Alexandra. Dali foi levada a prodigiosa cabeça com extraordinária pompa, e mais como em triunfo que como enter­ro, a ajuntar-se com o corpo no mesmo lugar onde trágica e lastimosamente fora sepul­tado. Fizeram-se muitos sufrágios em toda a cidade, e ao cabo de quinze dias - número sagrado dos mistérios do Rosário - apareceu a alma de Alexandra vestida de glória a S. Domingos, dando-lhe as graças de lhe haver ensinado aquele soberano meio que na vida, na morte, e depois da morte, tinha sido a causa de todas as suas felicidades, e agora o era da eterna, para onde, tomando-a pela mão, a levou consigo a mesma Virgem Santíssima.

             Assim exercitou a Senhora do Rosário neste caso - como em outros - a potestade das suas chaves sobre a morte e sobre o inferno: Claves mortis et inferni. Sobre a morte, fazendo que Alexandra degolada, e com o corpo já sepultado, se conser­vasse viva; sobre o inferno, impedindo com a mesma vida, e com a graça da contrição e dos sacramentos, que não fosse condenada ao inferno, como seus pecados mereciam. Esta potestade pontifical, e estas chaves sim, que não são como as de Pedro, senão como as de Cristo. As chaves de Pedro só têm jurisdição sobre a terra: Quidquid solveris super terram; quidquid ligaveris super terram[40]; porém as da Senhora do Rosário, não só sobre a terra, senão debaixo da terra, Debaixo da terra, nas partes vizinhas a nós, onde se abrem e cerram as sepulturas, que são os cárceres da morte: claves mortis; e debaixo da terra, nas partes mais inferiores e remotas do centro dela, onde penam eter­namente os condenados, que são os cárceres do inferno: claves inferni.

              

A potestade que Deus deu ao sol: Solem in potestatem diei[41]: tem duas jurisdi­ções: a da luz, e a do calor, mas a do calor muito maior que a da luz, porque a da luz pára na superfície da terra, onde alumia os homens; a do calor penetra as entranhas e centro da mesma terra, onde gera, purifica e enriquece os metais. Essa é a energia com que disse elegantemente Davi, falando do mesmo sol: Nec est qui se abscondat a calore ejus (SI. 18,7): Não há quem se esconda do seu calor. - Parece que não havia de ser do seu calor, senão da sua luz, porque a luz é a que descobre tudo. Mas diz nomeadamente do seu calor, distinguindo-o da luz, porque tudo o que está debaixo da terra esconde-se à luz do sol, porém ao seu calor nenhuma coisa se pode esconder, por mais que a esconda e cubra a terra. Lá se estende a sua eficácia, lá penetra, lá obra maravilhosos efeitos. Tais - diz S. Bernardo - são os poderes da Virgem Santíssima: Cujus radius universum orbem illuminat, cujus splendor, et perfulget in supernis, et inferos penetrat, nec est, qui se abscondat a calore ejus: Não há, nem sobre a terra, nem debaixo da tenra, quem se possa esconder a este soberano sol, porque, se com os raios de sua luz alumia todas as partes superiores da terra, com a eficácia de seu calor penetra até os infernos: Perfulget in supernis, et inferos penetrat. É verdade que o profeta quando disse: Nec est qui se abscondat acalore ejus, falou literalmente de Cristo; mas por isso mesmo perten­cem os mesmos efeitos e os mesmos poderes à Mãe, de quem é Filho. Porque se Cristo, por ser ungido em Supremo Rei, lhe comunicou a dignidade real, também por ser ungi­do em Pontífice Sumo, lhe havia de comunicar a pontifical. Pontifical no nome, pontifical nas insígnias, pontifical nos poderes, como deixamos provado: e não por outra razão nem por outro título, senão por nascer da mesma Senhora o mesmo Jesus, que se chama Cristo: De qua natus est Jesus, qui vocatur Christus.

§ VIII

Os dois documentos do sermão: não seguir nem o exemplo de Alexandra nem o do bispo presumido. Conhecer e temer o vício da sensualidade, conhecer e estimar a devoção do Rosário. Os bens que a sensualidade tirou a Alexandra e os bens que a devoção do Rosário lhe tornou a restituir. O rio da perdição e aponte do Rosário, salvo-conduto com que seremos admitidos ao paraíso interior das delícias.

               De tudo o que fica dito neste largo discurso, só tiro dois documentos contrários aos que se costumam tirar de todos os sermões. Nos outros sermões exortam os pregadores a imitação dos exemplos que têm pregado; eu o que vos peço, é que de nenhum modo os imiteis. Pode ser que esteja neste auditório e me ouvisse alguma alma de tão pouco juízo, ou algum juízo de tão pouca alma, que com o exemplo de Alexandra diante dos olhos, fizesse uma resolução. Ora, eu de hoje por diante quero rezar o Rosário, ao menos algumas vezes, e sobre esta carta de seguro viver muito a meu gosto, e a meus gostos, como ela vivia; porque quando o mal seja muito, aí está a Virgem do Rosário, que na hora da morte me não faltará com um ato de contrição. Deus nos livre de tal discurso, e de tal exemplo, porque assim corno o do Bom Ladrão tem levado muitos ao inferno, assim o fará o de Alexandra. O fruto que devemos tirar da sua vida e da sua felicidade são dois conhecimen­tos, um de temor, outro de estimação: conhecer e temer o vício da sensualidade, conhecer e estimar a devoção do Rosário. É tão grande mal o vício da sensualidade, que todos os bens tirou a Alexandra, e é tão grande bem a devoção do Rosário, que todos os bens lhe tornou a restituir e todos os males lhe remediou. Tirou-lhe todos os bens a sensualidade, porque lhe tirou a honra, infamando-a em toda a cidade; tirou-lhe a vida, sendo causa de que lhe cortassem a cabeça; tirou-lhe a consciência, porque a trouxe enredada e perdida em tantos vícios, e quase lhe tirou e condenou a alma, porque a teve pendente de um fio tão delgado, corno é um ato de contrição no instante da morte, e esse por milagre. Isto fez a sensualidade. E a devoção do Rosário, que fez? De todos estes males a livrou, e todos estes bens lhe restituiu. Restituiu-lhe a honra, porque de infame a fez famosa em todo o mundo; restituiu-lhe a vida, porque com a cabeça cortada lhe conservou a alma naquela tão peque­na parte do corpo; restituiu-lhe a consciência, porque naquele último instante, em que é tão dificultoso, lhe deu a graça pela contrição, e, depois de morta, pelos Sacramentos; e, final­mente, restituiu-lhe a alma, porque, caminhando direita ao inferno por seus pecados, por meios tão extraordinários e milagrosos a levou à bem-aventurança, que está gozando e gozará por toda a eternidade. Mas porque uma felicidade destas mais é para admirar, que para esperar, rezar o Rosário sim, e melhor do que Alexandra o rezava, mas guardar de viver como ela.

               O segundo exemplo é o bispo presumido, que perseguia a S. Domingos e despre­zava os sermões do Rosário. Se o mesmo fizerdes a estes meus, eu vos perdôo; e se algum deles vos persuadir a ser devotos do Rosário, que é o fim para que os escrevo, a Deus e a vós darei muitas graças, e haverei o trabalho por bem empregado. O documento que só tiro deste exemplo, é que vos guardeis de que o vosso entendimento ou a vossa presunção vos lance no rio, e que vos pergunteis a vós mesmos, se é melhor ir pelo rio ou pela ponte. Aquele rio largo, escuro, profundo e furioso é o mundo; os que se vão logo a pique, são os que morrem de morte súbita; os que andam aboiados em figuras disformes, são os que morreram em tempos passa­dos, de que temos tão lastimosos exemplos; os que vão arrebatados da corrente dar nos pe­nhascos, são os que morrem de mortes violentas e desastradas; os que se deixam levar das águas, são os que vivem neste mundo sem consideração do outro, e no fim da vida se acham perdidos; os que, finalmente, chegam à ribeira vivos, são poucos, e todos despidos: poucos, porque são raros destes os que se salvam; e despidos porque de tudo quanto cá se adquiriu com tanto trabalho, com tanto desvelo e com tantos perigos da alma, tudo cá fica, e nenhuma coisa se leva, senão os encargos. Vede agora, se é melhor nadar forcejando sempre, quando não seja naufragar neste rio, ou caminhar descansado por cima da ponte com toda a segurança que nos promete o ser obra daquela poderosíssima e riquíssima Senhora que, para Deus remir e salvar o mundo, lhe deu todo o preço e cabedal, tirando-o das mesmas piedosíssimas entranhas com que sumamente deseja nos salvemos todos. Só por ser obra da Virgem Maria e lhe dar gosto devêramos ser muito devotos do seu Rosário, quanto mais, que não só devemos esta contínua memória aos mistérios que nele se representam, sob pena de sermos ingratíssimos a Deus e a sua Mãe; mas, pondo somente os olhos na nossa necessidade e no nosso perigo, nenhum outro meio podemos tomar mais seguro em uma passagem forçosa e tão incerta, como desta para a outra vida. Entremos, pois, sem temor, e com grande confiança por esta firmíssima ponte do Rosário: sem temor porque as torres, de que está fortificada, nos defenderão de todos nossos inimigos; e com grande confiança, porque no fim dela está com as portas abertas o formosís­simo palácio da Rainha da Glória, de cuja soberana mão, se perseverarmos, receberemos a coroa de rosas, que é o caráter, o penhor e o salvo-conduto com que, sem dúvida, seremos admitidos ao paraíso interior das delícias, onde Deus se deixa ver e gozar, e nós o veremos e gozaremos por toda a eternidade.

FINIS

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística



[1] Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo (Mt. 1,16).

[2] Por isso te ungiu Deus, o teu Deus, com óleo de alegria sobre teus companheiros (SI. 44, 8).

[3] Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo (Mt. 1, 16).

[4] Todo o pontífice assunto dentre os homens é constituído a favor dos homens naquelas coisas que tocam a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados (Hebr. 5, 1).

[5] Escolhida como o sol: Uma e escolhida (Cânt. 6, 8 s).

[6] As filhas a viram, e elas a apregoaram pela mais bem-aventurada (Cânt. 6, 8).

[7] De hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações (Lc. 1, 48).

[8] É constituído a favor dos homens, naquelas coisas que tocam a Deus (Hebr. 5, 1).

[9] Bernard. Serm. I de Assumpt.

[10] E nenhum usurpa para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Arão (Hebr. 5, 4).

[11] Cristo não se glorificou a si mesmo, para se fazer pontífice, mas aquele que lhe disse: Tu és meu Filho (Hebr. 5, 5).

[12] O qual nos dias da sua mortalidade, oferecendo a ele preces e rogos, foi atendido pela sua reverên­cia (Hebr. 5, 7).

[13] Bernard. Serm. I de Nativit.

[14] Para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados (Hebr. 5, 1).

[15] Que não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer sacrifícios primeiramente pelos seus pecados, depois pelos do povo (Hebr. 7, 27).

[16] Porque tal pontífice convinha que nós tivéssemos, santo, inocente, imaculado, segregado dos peca­dores, e mais elevado que os céus (Hebr. 7, 26).

[17] Mulher, eis aí teu filho (Jo. 19, 26).

[18] Porque eu te tirei da terra do Egito... e te enviei diante de ti a Moisés, e a Arão, e a Maria (Miq. 6,4)?

[19] E porquanto os filhos tiveram carne e sangue comum, ele também participou igualmente das mesmas coisas, para destruir pela sua morte ao que tinha o império da morte- isto é, ao diabo-e para livrar aqueles que, pelo temor da morte, estavam em escravidão toda a vida. Porque ele em nenhum lugar tomou aos anjos, mas tomou a descendência de Abraão (Hebr. 2, 14 ss).

[20] Tu mesmo és o meu rei e o meu Deus (SI. 43, 5).

[21] Dionysius Alex. contra Paulum Samosat.

[22] D. Damasc. in Moeneis Graec. die 1 Januar.

[23] D. Arnest.   in Mariali, cap. 26.

[24] Theod. Stud. in Canon. Ode 8; Venant. Fortun. lib. I de Partu Virg.; Proclus, Orat, de Nativit. Domini.

[25] E o povo caminhava em direitura a Jericó; e os sacerdotes que levavam a Arca ... se conservaram quedos e prestes sobre a terra seca no meio do Jordão (Jos. 3, 17).

[26] Como as plantas das rosas de Jericó (Eclo. 24, 18).

[27] Maria é comparada não a qualquer rosa, mas à rosa de Jericó, porque em Jericó crescem belíssimas rosas de cento e cinqüenta folhas.

[28] Vós sereis o meu reino sacerdotal (Êx. 19, 6).

[29] Vós sois a geração escolhida, o sacerdócio real (1 Pdr. 2, 9).

[30] Cornelius ibi. Ascanius Martineng. ab eo relato, Exod. 19, 6.

[31] D. Bernardin. ad illud Apoc. 6: Data est ei corona.

[32] E nasceu de Maria Virgem, e se fez homem.

[33] Caesarius, lib. 7. cap. 47.

[34] Do alto de Amaná, do cume de Sanir e de Hermon (Cânt. 4, 8).

[35] Tem-se-me dado todo o poder no céu e na terra (Mt. 28, 18).

[36] Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou eu vivo por séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno. Escreve pois (Apc. 1, 17 ss).

[37] Amas-me mais do que estes (Jo. 21, 15)?

[38] Tenho as chaves da morte e do inferno (Apc. l, 18).

[39] Drog. Ostriens. de Passion.

[40] Tudo o que desatares sobre a terra: tudo o que ligares sobre a terra (Mt. 16, 19).

[41] O sol para presidir ao dia (SI. 135, 8).