Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Sermão XX – Maria Rosa Mística, do Padre Antônio Vieira


Edição de Referência:
Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.

 

Jacob autem genuit Judam, et fratres ejus.[1]

§I

A festa da irmandade dos pretos e da irmandade dos brancos. Até nas coisas sagradas primeiro buscamos homens a distinção que a piedade, Jacó e seus irmãos. O fim por que Jesus Cristo veio ao mundo na Epístola aos Colossenses. Os brancos, os pretos e os pardos, e as três cores da Senhora do Rosário. A nobreza do dia em relação à noite. As reses brancas e pretas dos rebanhos de Jacó e Labão. Os louvores dos dias e das noites. Assunto do sermão: Qual das duas irmandades religiosas é mais grata e mais favorecida da Mãe de Deus: a dos pretos ou a dos brancos, a dos senhores ou a dos escravos?

Quem negará que são os homens filhos de Adão? Quem negará que são filhos daquele primeiro soberbo, o qual não reconhecendo o que era, e querendo ser o que não podia, por uma presunção vã se perdeu a si e a eles? Fê-los Deus a todos de uma mesma massa, para que vivessem unidos, e eles se desunem; fê-los iguais, e eles se desigualam; fê-los irmãos, e eles se desprezam do parentesco; e, para maior exageração deste esquecimento da própria natureza baste o exemplo que temos presente. O domingo passado, falando na linguagem da terra, celebraram os brancos a sua festa do Rosário, e hoje, em dia e ato apartado, festejam a sua os pretos, e só os pretos. Até nas coisas sagradas e que pertencem ao culto do mesmo Deus, que fez a todos iguais, primeiro buscam os homens a distinção que a piedade.

Jacob autem genuit Judam, et fratres ejus (Mt, l, 2). Jacó, diz o nosso tema, gerou a Judas e a seus irmãos; e que irmãos eram estes? Uns eram filhos de Lia e de Raquel, outros eram filhos de Bala, escrava de Raquel, e de Rasfa, escrava de Lia Pois, se entre as mães havia uma diferença tão grande e tão notável na estimação dos homens, quanto vai de senhoras a escravas, como não distingue o evangelista os filhos, e a todos, sem distinção nem diferença, chama igualmente irmãos: et fratres ejus? Olhai para o livro de onde se tirou este texto: Liber generationis Jesu Christi (Mt. 1): Livro da geração de Jesus Cristo. - O fim por que Jesus Cristo veio ao mundo, foi para reformar os erros de Adão e seus filhos, e para os restituir à igualdade em que os tinha criado, desfazendo totalmente e reduzindo à primeva e natura união as distinções e diferenças que a sua soberba entre eles tinha introduzido. Tanto é de fé esta razão como o mesmo texto. Ouvi a S. Paulo: Expoliantes vos veterem hominem cum actibus suis, et induentes novum, qui renovatur secundum imaginem ejus, qui creavit illum: ubi non est Barbarus, et Scytha, servus et liber (Col. 3, 9, 10 e 11): Despi-vos - diz o apóstolo - do homem velho - que é Adão - com todos seus abusos, e vesti-vos do novo - que é Cristo - o qual veio renovar e reformar em todos os homens a imagem a que Deus os tinha criado, na qual não há bárbaro ou cita, escravo ou livre, mas todos são iguais. - Faz menção entre os bárbaros nomeadamente dos citas, porque a Cítia era a Angola dos gregos, com quem falava. E porque na lei de Cristo, onde há um só Deus, uma só fé e um só batismo, como diz o mesmo S. Paulo, também não há nem deve haver distinção de escravo e senhor, nem de cativo a livre; por isso o evangelista aos filhos de Lia e Raquel, que eram as senhoras, aos de Bala e Rasfa, que eram as escravas, a todos, sem diferença de condição ou nascimento, igual e indistintamente chama irmãos: Judam, et fratres ejus.

Isto é o que diz e ensina o Evangelho, mas o que vemos no nossa república, não em alguns, senão em todos, é tudo o contrário. Consta esta grande república de três sortes ou três cores de gentes: brancos, pretos, pardos. E, posto que todos se prezam e professam servir à Virgem Maria, Senhora nossa, e se puderam reduzir a uma só irmandade, como na casa de Jacó, da qual é descendente a mesma Senhora, seguindo, porém, todos mais a diferença das cores que a unidade da profissão, não só os não vemos unidos em uma irmandade, ou divididos em duas, mas totalmente separados em três. Os em que acho menos razão são os pardos, porque não só separaram a irmandade, mas mudaram o apelido. Os brancos e os pretos, sendo cores extremas, conservaram o nome do Rosário, e os pardos, sendo cor meia entre as duas, por mais se estremarem de ambas, deixado o do Rosário, tomaram o de Guadalupe, Por certo que foram mal aconselhados, porque a Senhora do Rosário igualmente abraça todas estas três cores: Quae est ista quae progreditur quasi aurora consurgens, pulchra ut luna, electa ut sol[2]? Compara-se a Senhora à aurora, à lua e ao sol, por quê? Porque igualmente como Mãe, e como a filhos e irmãos, abraça com seu amor os brancos, os pretos e os pardos, e alumia com sua luz todas estas diferenças de cores: como sol aos brancos, que são o dia, como lua aos pretos, que são a noite, e como aurora aos pardos, que são os crepúsculos.

Bem puderam os pardos agregar-se aos pretos pela parte materna, segundo o texto geral: partus sequitur ventrem, mas eu não quero senão que se agregassem aos brancos, porque entre duas partes iguais, o nome e a preferência deve ser da mais nobre. Nas mesmas duas cores temos a prova. Fez Deus o dia e a noite com tal igualdade que, segundo diversos tempos do ano, nem em um minuto de tempo excede o dia à noite, ou a noite ao dia. E a este espaço de vinte e quatro horas, que se compõe de dia e de noite, como lhe chamou Deus desde seu nascimento? Chamou-lhe dia: Factum est vespere et mane, dies unus[3]. Pois, se no mesmo espaço de tempo, composto de duas ametades iguais, tanta parte tem a noite como o dia, por que se chama dia, e não se chama noite? Excelentemente S. Basílio Magno: Farta est vespera, factum est mane, quibus diem, noctemque significat: non tamen diem, et noctem nuncupavit, sed praestabiliori totani tribuit appellationem[4]: Ainda que no círculo que faz o sol, do Oriente ao ocaso e do ocaso ao Oriente, tanta parte tenha a noite como o dia, e o dia seja claro e a noite escura, contudo, aquele espaço, que se compõe destas duas partes iguais, chama-lhe Deus dia, e não lhe chama noite, porque o nome e a preferência sempre deve seguir a parte mais nobre: Praestabiliori totam tribuit appellationem. Por esta regra, que não é menos que divina, ainda que a cor parda se componha igualmente da preta e da branca, se devia agregar, como digo, à branca e não à preta. Mas, pois os pardos se quiseram antes distinguir de ambas, e com tanta diferença, que até o apelido da Senhora trocaram, e deixaram o do Rosário, contanto que o rezem, como os outros devotos dele, a soberana Virgem, que invocada debaixo de qualquer nome é a mesma, se dará por satisfeita da sua devoção.

Excluídos assim, porque se quiseram excluir, os pardos, ficam só os brancos e pretos, cujas cores, ainda que extremas, se poderão muito bem unir na mesma irmandade. Naquele contrato que Jacó fez com Labão, sobre as reses pretas e brancas, e as de cor misturada e vária, sempre estas ficaram separadas a uma parte, e as brancas e pretas a outra: Separavit varios, atque maculosos: cunctum autem gregem unicolorem, id est, albi et nigri velleris, tradidit in manu filiorum suorum[5]. E por mais que este contrato se trocou dez vezes, é coisa muito notável, que as reses brancas e pretas, ou passassem de Jacó a Labão, ou de Labão a Jacó, sempre andaram unidas. Logo, bem puderam também andar unidos, e debaixo da mesma irmandade, os brancos e os pretos. E se quisermos tornar à metáfora do dia e da noite, assim puseram uns e outros juntos no mesmo coro os cantores de Babilônia: Benedicite, noctes et dies, Domino[6]. Respondiam-se alternadamente os dias às noites e as noites aos dias, e com uniformes vozes, posto que umas mais claras e outras menos, todos juntamente louvavam e bendiziam a Deus. Mas, ainda que esta união fora muito própria da lei evangélica, em que a diferença das cores não dirime a irmandade, nem faz distinção entre senhores e servos, contudo Davi, como profeta, viu isto mesmo que nós temos diante dos olhos. Por isso fez dois coros diferentes e separados, de brancos e pretos, um em que pôs os dias, que não respondiam às noites, senão aos dias: Dies dici eructat verbum[7], e outro em que pôs as noites, em que também não respondiam aos dias, senão às noites: Et nox nocti indicar scientiam[8].

Suposta, pois, esta distinção e separação de irmandades, uma dos brancos, outra dos pretos, uma dos senhores, outra dos escravos, ou meu assunto, ou questão muito digna de se disputar, será hoje esta: qual destas duas irmandades é mais grata e mais favorecida da Mãe de Deus: se a dos pretos ou a dos brancos, a dos escravos ou a dos senhores? Uns c outros estão presentes, e a todos toca igualmente ajudarem a pedir a graça.

Ave-Maria, etc.

§II

Três causas que têm os senhores para a grande distinção que fazem entre si e os seus escravos. o nome, a cor e afortuna. Um exemplo pouco favorável aos escravos. Sara, mulher de Abraão, figura imperfeita da Senhora, e a escrava Agar Testemunho da Mãe de Deus em favor dos escravos. Maria, quando se viu Senhora do mundo, então se chamou de escrava. A intenção da Senhora no que disse, e no tempo e modo em que o disse. Os antigos rigores de Sara contra os escravos eram profecia dos favores com que neste tempo a Senhora os havia de admitir.

Jacob autem genuit Judam, et fratres ejus.

Três causas têm nesta nossa república os que se chamam senhores para a grande distinção que fazem entre si e os seus escravos: o nome, a cor e a fortuna. O nome de escravos, a cor preta e a fortuna de cativos, mais negra que a mesma cor. Agora veremos se são bastantes estas três causas para que na estimação da soberana Rainha dos Anjos tenham melhor lugar os senhores que os escravos, os brancos que os pretos, e a humilde fortuna desta segunda irmandade que a nobreza da primeira.

Começando, pois, pela comparação dos escravos com seus senhores, no primeiro patriarca desta mesma genealogia do Evangelho, que foi Abraão, têm os escravos um exemplo que, por todas suas circunstâncias, favorece pouco o seu partido. Havia naquela família dois escravos, uma mãe chamada Agar, e um filho chamado Ismael, os quais representavam com grande propriedade as duas diferenças dos que temos presentes. Agar, que quer dizer peregrina, era trazida da África, porque, como diz o texto sagrado, era egípcia: Ancillam aegyptiam nomine Agar[9]; e Ismael era nascido em casa do mesmo Abraão, como consta do mesmo texto: Peperitque Agar Abrae filium[10]. Tais são uns e outros escravos, os de que se compõe esta irmandade: uns chamados angolas, que são trazidos da África, outros que se chamam crioulos, e são nascidos e criados no Brasil, em casa de seus senhores. É o que tinha prometido Isaías à nova Igreja convertida da gentilidade, que uns filhos lhe viriam de longe, e outros se levantariam do seu lado: Filli tui de longe venient, et filiae tuae de latere surgent[11]. Isto posto, vamos ao caso. Primeiramente, diz a Escritura que Sara, mulher de Abraão, tratava com tanto rigor a Agar, que a obrigou a fugir, e, tornando outra vez para casa, não menos apadrinhada que por um anjo, finalmente disse a Abraão que lançasse de casa a escrava e a seu filho: Ejice ancillam hanc, et filium ejus (Gên. 21,10) - e assim se fez. Saibamos agora: e esta Sara, quem era? Dizem as alegorias que era figura da Virgem Maria, Senhora nossa, e se confirma com o seu próprio nome, porque Sara quer dizer domina, a senhora. Logo, pouco favor parece que podem esperar da Senhora, não só alguns escravos, senão todos, ou sejam os de longe, como Agar, ou os de perto, como Ismael.

Nunca vistes uma figura mal pintada? Pois assim é Sara, figura da Virgem Maria, As figuras bem-pintadas mostram a semelhança: as mal pintadas encarecem a diferença. Quereis ver bem pintadas as nossas senhoras no rigor e pouca piedade com que tratam os escravos? Olhai para Sara. E se quereis ver o encarecimento de piedade e amor, com que a Senhora das senhoras os trata, ponde os olhos na Virgem Maria. Para prova de quanto a Virgem Maria ama e estima os escravos, e não despreza este nome, não tenho menos que três testemunhos, todos três divinos: o de Deus, o do Filho de Deus e o da Mãe de Deus. Comecemos por este último. E para que apareça melhor o encarecimento da diferença, não tiremos os olhos da figura de Sara.

Quando o Anjo trouxe a embaixada à Senhora, depois de lhe chamar cheia de graça e bendita entre todas as mulheres, lhe disse que seria Mãe de um Filho tão grande, que se chamaria Filho de Deus e herdaria o cetro de Davi, seu pai. E a Virgem que, sobre todos os títulos, estimava o de Virgem, depois de replicar o que podia fazer dúvida à sua pureza, as palavras com que aceitou a embaixada foram: Ecce ancilla Domini (Lc.1, 38): Eis aqui a escrava do Senhor. - Pois, agora, quando pela herança do Filho, como Filho de Davi, lhe pertencia o senhorio de Israel, e agora, quando pela herança do mesmo Filho, como Filho de Deus, lhe pertencia o senhorio do mundo, se chama a Virgem Maria escrava? Sim, agora. Quando se viu Senhora do reino e Senhora do mundo, então se chamou escrava, para que julguem os senhores e os escravos se estimará mais os escravos ou os senhores. Sara também mudou o nome, mas nunca deixou o de senhora, porque dantes chamava-se Sarai, que quer dizer senhora minha, e depois chamou-se Sara, que quer dizer senhora. E quem tão pegada estava ao nome e domínio de senhora, não é muito que fosse de tão dura condição e tão rigorosa com os escravos; porém, Maria, que levantada sobre os dois maiores domínios e senhorios da terra e do céu, troca o nome de senhora pelo de escrava, vede se amará e estimará muito aqueles de quem tanto lhe agrada o nome?

Esta é a conseqüência que naturalmente se infere de a Senhora tomar o nome de escrava; mas, ainda não está declarada a causa por que o tomou. Para a Senhora aceitar o que o anjo lhe propunha, e para encarnar o Verbo Divino em suas entranhas bastava dizer: Fiat mihi secundum verbum tuum[12].

E assim foi, porque, no mesmo ponto em que pronunciou estas últimas palavras, se obrou o mistério da Encarnação. Pois, se bastava dizer: Fiat mihi secundum verbum tuum, por que não só acrescentou, mas antecipou ao fiat o ecce ancilla, e antes de ser mãe se chamou escrava? É reparo de Santo Tomás, arcebispo de Valença, ao qual com novo e esquisito pensamento satisfaz desta sorte: Grandi ergo mysterio, altissimoque Deitatis instinctu conceptura Deum sui meminit ancillatus, ut orientem a se Filium mundi obsequio manciparet[13]. Sabeis por que a Virgem Maria se reconheceu e confessou por escrava antes de conceber ao Filho de Deus? A razão e mistério altíssimo foi porque o parto, segundo as leis, não segue a condição do pai, senão a da mãe: Partus sequitur ventrem - e quis a Senhora por esta declaração antecipada, que o Filho, que havia de ser seu, como Filho de escrava, nascesse também escravo nosso. Enquanto Filho de seu Pai, é Senhor dos homens; mas, enquanto Filho de sua Mãe, quis a mesma Mãe que fosse também escravo dos mesmos homens. Este foi o intento da Senhora no que disse, e no tempo e modo em que o disse; e isto é o que significa a palavra forense mancipavit, da qual se deriva mancipium: Ut orientem a se Filium mundi obsequio manciparet.

Quando a Senhora disse: Ecce ancilla Domini, acabava de ouvir ao anjo que o Filho que dela havia de nascer reinaria na casa de Jacó: Et regnabit in domo Jacob[14]. E daqui se vê na matéria de escravos outra grande diferença entre uma senhora e outra senhora, entre Maria e Sara. Sara, porque Ismael é escravo, não quer que trate com seu filho, sendo seu irmão; e Maria, porque seu Filho há de ser irmão dos homens, para que os trate e sirva melhor, quer que seja seu escravo. Sara, para estabelecer a casa de Abraão em Isac, lança a mãe escrava e mais o filho escravo fora de casa; e Maria, para estabelecer a casa de Jacó em Cristo, mete a Mãe escrava, e mais o filho escravo dentro na mesma casa. Digo na mesma casa, porque a casa de Jacó era a mesma de Abraão. E daqui podemos entender, com novo pensamento, que os antigos rigores de Sara contra os escravos, eram profecia dos favores com que neste tempo os havia de admitir e tratar a Virgem Maria. Notai as palavras: Ejice ancillam hanc, et filium ejus. Não diz que deite fora de casa a escrava, senão aquela escrava: ancillam hanc, porque havia de vir tempo em que houvesse outra ancilla e outra escrava, a qual tivesse outro filho, também escravo, os quais se não haviam de lançar da casa de Abraão, senão conservar-se e venerar-se nela, para que por seu meio se conseguissem as bênçãos e felicidades que Deus ao mesmo Abraão tinha prometido. E isto baste quanto ao primeiro testemunho.

§ III

O testemunho do Filho de Deus: de quanto Deus tinha criado na terra, tomou o melhor, que era a natureza humana, e de quanto os homens tinham inventado na mesma terra, tomou o pior, que era a condição de escravo. Quem haverá, se tem fé, que se atreva a desprezar no seu escravo, o que se vê no seu Deus? Bem pudera o Filho de Deus contentar-se com se fazer homem do predicamento dos senhores. Se o Verbo se não fizesse homem na forma de escravo, seria furto que faria à divindade de seu Pai e à vontade e exemplo de sua Mãe, Grande caso é que, cabendo a forma de Deus e a forma de escravo em uma Pessoa divina, um homem com nome de senhor, e outro com nome de escravo não caibam em uma grande congregação.

Ao testemunho da Mãe de Deus, segue-se o do Filho de Deus. Sendo o Filho de Deus iguala seu Etemo Padre em tudo, para mostrar que esta igualdade era própria, não alheia, natural e não adquirida ou roubada, quis por amor de nós, não fazer, senão fazer-se o que não era. E para se fazer o que não era, que forma tomaria fora de si mesmo? De quanto Deus tinha criado na terra, tomou o melhor, que era a natureza humana, e de quanto os homens tinham inventado na mesma terra, tomou o pior, que era a condição de escravo: Qui cum informa Dei esset, non rapinam arbitratus est esse se aequalem Deo, sed semetipsum exinanivit formam servi accipiens, in similitudinem hominum factus[15]. São palavras do apóstolo S. Paulo nas quais, com razão, encarece tanto este fazer-se Deus escravo, que lhe não chama fazer-se, senão desfazer-se: Exinanivit semetipsum. Não porque Deus deixasse de ser o que era, mas porque uniu o que infinitamente era ao que não só infinitamente, mas mais ainda que infinitamente, distava do seu próprio ser. O ser do homem dista infinitamente do ser de Deus, e o ser ou não ser do escravo, de outra segunda distância pouco menos que infinita. E quando o Filho de Deus se não desprezou de ser escravo, quem haverá que se atreva a desprezar os escravos?

Tudo o que no escravo pode causar desprezo, soube em Deus, porque quando tomou a forma de escravo -formam servi accipiens - não a tomou, como dizem, pro forma, senão com todas as formalidades. No Cenáculo, servindo como escravo a homens de baixa condição, no exercício mais baixo: Misit aquam in pelvim, et caepit lavare pedes[16]; na prisão do Horto, sendo reputado por escravo fugitivo e ladrão: Tanquam ad latronem existis comprehendere me? Quotidie apud vos eram[17]; na traição de Judas, vendido como escravo, e por vilíssimo preço: Constituerunt ei triginta argenteos[18]; na remissão a Caifás, manietado como escravo, ou, como cá dizeis, amarrado: Misit eum ligatum ad Caipham[19]; no Pretório, açoitado como escravo, e crudelissimamente açoitado: Flagellis caesum[20]'; nas ruas públicas de Jerusalém, como escravo com a carga mais pesada e mais afrontosa às costas: Bajulans sibi crucemt[21]; no Calvário, como escravo despido: Acceperunt vestimenta ejust[22]; e, finalmente, como escravo e mau escravo, pregado e morto em uma cruz, que era o suplício próprio de escravos. E se estes são os maiores abatimentos a que pode chegar o estado da servidão, quem haverá, se tem fé, que se atreva a desprezar no seu escravo o que vê no seu Deus?

Para remir o gênero humano bastava que o Filho de Deus se fizesse homem, e como os homens, pervertendo a igualdade da natureza, a distinguiram com dois nomes tão opostos, como são os de senhor e escravo, bem pudera o Filho de Deus contentar-se com se fazer homem do predicamento dos senhores. E por que não quis? Pela razão que deu S. Paulo: Non rapinam arbitratus est esse se aequalem Deo, sed semetipsum exinavivit, formam servi accipiens[23]. O apóstolo diz que, se o Verbo se não fizesse homem na forma de escravo, seria furto que faria à Divindade de seu Pai, e eu acrescento que também faria furto à vontade e exemplo de sua Mãe. Ora vede. Quem visse que o Filho de Jesus recebia a natureza humana, e se recebia com ela na forma e condição de escrava, poderia bem cuidar que se casara a furto; mas, nem foi a furto do Pai, nem a furto da Mãe. Não a furto do Pai, porque no mesmo entendimento - que era do Pai, e mais do Filho - saiu o arbítrio com que o Filho tomou a forma de escravo: Non rapinam arbitratus est, formam servi accipiens; nem a furto da Mãe, porque assim o confirmou a Mãe, assinando o contrato com a firma de escrava: Ecce anilla Domini. E se o Filho de Deus, por arbítrio de seu Pai, por eleição de sua Mãe, e por inclinação e vontade própria, havendo de se fazer homem, se não fez do predicamento dos senhores, senão das condições dos escravos, vejam lá os que ainda no serviço da Mãe de Deus, se separam dos escravos, se favorecerá mais a mesma Senhora àqueles com quem se quis parecer seu Filho, ou aos que se desprezam de se parecer com eles? Grande caso é que, cabendo a forma de Deus e a forma de escravo em uma só pessoa, e essa divina - Cum informa Dei esses, formam servi accipiens - um homem, com nome de Senhor, e outro, com nome de escravo, não caibam em uma grande congregação, e por isso se houvessem de separar em duas confrarias?

§ IV

O testemunho de Deus Padre. Qual perfeição e qual graça foi a que mais cativou a vontade divina para que Maria fosse a bendita entre todas as mulheres? Visão de Santa Gertrudes em Delfes, A palavra humilitatem, do texto bíblico, não significa humildade enquanto é virtude da pessoa, senão humildade enquanto é baixeza da condição pessoal. Se os filhos de Lia eram quatro, e os de Bala só dois, como diz Raquel queigualou a sua irmã e que a venceu?

Depois do testemunho da Mãe de Deus e do Filho de Deus, só resta o do mesmo Deus, isto é, de Deus Padre. Quis Deus Padre que assim como seu Filho tinha Pai, tivesse também Mãe, e para achar em todo o mundo e em todos os séculos pessoa digna de tão alta e soberana assunção, já sabemos que a não buscou nas cortes dos assírios, persas, gregos ou romanos, entre as princesas de sangue imperial, nem a achou na mesma Jerusalém, cabeça da verdadeira fé naquele tempo, senão em Nazaré, povo de poucas casas, e na mais humilde dele. Ali estava escondida aos olhos do mundo aquela donzela mais divina que humana, que só mereceu ser digna Mãe de Deus Homem. Mas, por que motivos? Nela tinha o mesmo Deus depositado e juntas todas as perfeições e graças que, divididas, fazem bem-aventuradas no céu e ilustres na terra ambas as naturezas, humana e angélica. Qual destas perfeições, pois, e qual destas graças foi a que mais encheu o entendimento e cativou a vontade divina, para que Maria unicamente fosse a bendita entre todas as mulheres, e entre todas a escolhesse Deus para Mãe de seu Filho? A mesma Senhora o disse: Quia respexit humilitatem ancillae suae (U. 1, 48): Porque pôs Deus os olhos na humildade e baixeza de sua escrava. - Vede que diferentes são os olhos de Deus dos nossos. Mas, agora pergunto eu: e poderia a Mãe de Deus desprezar o que Deus estimou, e reprovar o que Deus elegeu, e onde Deus pôs os olhos, deixar ela de pôr também os seus? Claro está que não. Logo, se Deus não pôs os olhos na majestade e grandeza das senhoras, senão na humildade e baixeza da escrava, seguro têm os escravos, ainda em comparação de seus senhores, o maior favor e o maior agrado dos olhos da Mãe de Deus.

E se vos não contentais com a razão desta conseqüência, que todos vêem, eu vos hei de dar ainda outra, que ninguém imagina. A razão que todos vêem, é que não podem os olhos da Senhora deixar de imitar e seguir os olhos de Deus. E a que eu digo, que ninguém imagina, qual será? É que quando a Mãe de Deus põe os olhos, olha pelos olhos de seu Filho. É caso verdadeiramente admirável, e de grande consolação para todos os devotos da Virgem Maria, o que agora direi. Em Delfes, cidade de Holanda, no dia do nascimento da Senhora, cantavam a Salve Regina no coro certas religiosas, de que era uma Santa Gertrudes, e quando chegaram àquelas palavras: Illos tuos misericordes oculos ad nos converte, em que pedimos à Mãe de Deus incline a nós seus misericordiosos olhos, viu a Santa que, tendo a imagem da Senhora seu bendito Filho no braço esquerdo, movia o direito, e, aplicando os dedos aos olhos, que o Menino Jesus tinha levantados, os inclinava brandamente, para que os pusesse nas monjas que a invocavam. E por que não ficasse em dúvida o que significava a visão, disse a soberana Virgem a Gertrudes: Isti sunt misericordiosissimi oculi, quos ad omnes me invocantes salubriter possum inclinare, ut et uberrimum fructum consequantur salutis aeternae: Estes são os misericordiosíssimos olhos, que eu posso inclinar e inclino sobre todos os que me invocam, para que por meio de sua saudável vista alcancem a vida eterna. - De sorte que, quando a Mãe de Deus põe os olhos em nós, não só imita e segue os movimentos e inclinações da sua vista, mas olha pelos olhos do mesmo Filho Deus. E se os olhos de Deus, como diz a mesma Senhora, não olharam para a nobreza e soberania das senhoras, senão para a humildade e baixeza da escrava: Respexit humilitatem ancillae suae - ditosa a humildade e baixeza dos que sois escravos, pois não podem deixar de se inclinar piedosamente a ela os olhos de Deus e de sua Mãe.

Só pode ter esta verdade uma réplica, não para vós, senão para os que sabem mais que vós. Dirão que o respexit humilitatem ancillae suae se entende da virtude e excelência da humildade, e não da humildade e baixeza da condição. E, posto que a humildade e baixeza da condição se acha em todos os escravos, a virtude e excelência da humildade, que na Mãe de Deus foi sumamente perfeita, ainda nos que professam perfeição é muito rara. Logo, ainda que sejais escravos, como a Senhora se chamou escrava, não basta a humildade e baixeza da condição que traz consigo este nome, para que os olhos de Deus e da Mãe de Deus se ponham mais benignamente em vós. Ora não vos desconsoleis, que se esta réplica tem por si muitos e graves autores, o sentido em que eu vos expliquei as palavras da Senhora, é fundado no mesmo Texto, cuja autoridade prevalece a todas. Onde a Vulgata lê: humilitatem, ancillae suae, o texto original tem exiguitatem, parvitatem, e, como verte Vatablo nihileitatem. De maneira que a palavrahumilitatem não significa humildade enquanto é virtude da pessoa, senão humildade enquanto é baixeza da condição pessoal e vileza dela. Assim o entendem, fundados na propriedade do texto, o mesmo Vatablo, Isidoro Clário, Jansênio, Caetano, e todos os expositores modernos mais literais, como já o tinha entendido Eutímio, conforme a significação natural da palavra e língua grega, em que escreveu o Evangelista S. Lucas, e a quem ditou o seu cântico a mesma Virgem Maria. E ser esta a verdadeira inteligência, se confirma com a razão, porque o intento da Senhora, como sumamente humilde, não foi engrandecer a sua virtude, senão abater a sua indignidade. Assim, que a baixeza e vileza própria da condição dos escravos, essa é a que levou após si os olhos de Deus, quando a Senhora se chamou escrava: Quia respexit humilitatem ancillae suae.

E para que se veja, finalmente, o lugar que têm na estimação da mesma Senhora os escravos, não obstante a baixeza de sua condição, ainda comparados com o nascimento e nome dos que se chamam seus senhores, nos irmãos do nosso tema o temos: Judam, et fratres ejus. Vendo Raquel que a fecundidade de Lia lhe tinha dado quatro filhos, e que ela era estéril, para suprir este desar, que naquele tempo era afrontoso, pediu a Jacó que admitisse ao tálamo a sua escrava Bala, para que dela ao menos tivesse filhos. Assim como Raquel o traçou, assim sucedeu. E como desta substituição nascessem dois filhos a Bala, um chamado Dá, outro Neftali, a mesma Raquel, que a propósito do sucesso lhe tinha posto os nomes, disse estas notáveis palavras: Comparavit me Dominus cum sorore mea, et invalui (Gên. 30, 8): Ora, graças sejam dadas a Deus, que me igualou com minha irmã, e eu prevaleci. - Quem não soubesse que Lia tinha já quatro filhos, e não adotivos, senão naturais e próprios, faria bem diferente conceito desta, que Raquel chamou primeiro igualdade, e depois vitória. Mas, se os filhos de Lia eram quatro, e os de Bala só dois, como diz Raquel que igualou a sua irmã, e que a venceu? Para igualar, era necessário que fossem tantos os filhos de Bala como os de Lia; e, para vencer, era necessário que fossem mais, pois, se não eram mais, nem tantos, senão ametade menos, como diz Raquel, não só que igualou, senão que venceu: Comparavit me Dominus cum sorore mea, et invalui? O pensamento com que isto disse Raquel ela o saberia: eu só sei que a mesma Raquel era figura da Virgem Maria, e que os filhos de Lia eram filhos de senhora, e os de Bala filhos de escrava; e era tal a conta e a diferença que Raquel fazia entre os filhos da escrava e os filhos da senhora que, sendo os da senhora quatro e os da escrava dois, estes dois para com ela no número eram outros tantos, e na estimação muitos mais: no número outros tantos, e por isso disse que Deus a igualara; e na estimação muitos mais, e por isso disse que ela prevalecera. Aplicai vós, que eu não quero fazer mais largo este primeiro ponto.

§V

Segunda causa da grande distinção entre senhores e escravos: a cor preta. Duas notáveis prerrogativas da cor preta. A união dos pretos e a desunião dos brancos. Asrazões do nome Adão. As quatro letras de que se compõe o nome de Adão e as quatro partes do mundo. Igualdade das cores na lei escrita. O casamento de Moisés com a Etiopisa e o castigo de Maria, sua irmã. Quantas brancuras se prezam de muito brancas, que são como a da irmã de Moisés!

O segundo, e segunda causa da grande distinção que fazem entre si e os escravos os que se chamam senhores é, como dizíamos, a cor preta. Mas, se a cor preta pusera pleito à branca, é certo que não havia de ser tão fácil de averiguar a preferência entre as cores, como a que se vê entre os homens. Entre os homens dominarem os brancos aos pretos é força, e não razão ou natureza. Bem se vê onde não tem lugar esta força, nem a cor é vencida dela. Quando os portugueses apareceram a primeira vez na Etiópia, admirando os etíopes neles a polícia européia, diziam: Tudo o melhor deu Deus aos europeus, e a nós só a cor preta. - Tanto estimam mais que a branca a sua cor! Por isso, assim como nós pintamos aos anjos brancos e aos demônios negros, assim eles, por veneração, aos anjos pintam negros, e aos demônios, por injúria e aborrecimento, brancos. Deixando, porém, os que podem parecer apaixonados, ninguém haverá que não reconheça e venere na cor preta duas prerrogativas muito notáveis. A primeira, que ela encobre melhor os defeitos, os quais a branca manifesta e faz mais feios; a segunda, que só ela não se deixa tingir de outra cor, admitindo a branca a variedade de todas; e bastavam só estas duas virtudes para a cor preta vencer e ainda envergonhar a branca. Mas, das cores só os olhos podem ser juízes. Vejamos o que eles julgam ou experimentam. Os filósofos, buscando as propriedades radicais com que se distinguem estas cores extremas, dizem, que da cor preta é própria unir a vista, e da branca disgregá-la e desuni-la. Por isso a brancura da neve ofende e cega os olhos. E não é isto mesmo o que com grande louvor dos pretos, e não menos afronta dos brancos, se acha em uns e outros? Dos pretos é tão própria e natural a união, que a todos os que têm a mesma cor, chamam parentes, a todos os que servem na mesma casa, chamam praceiros, e a todos os que se embarcaram no mesmo navio, chamam malungos. E os brancos? Não basta andarem nove meses juntos no mesmo ventre, como Jacó e Esaú, para se não aborrecerem, nem basta serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe, como Caim e Abel, para se não matarem. Que muito, logo, que sendo tão disgregativa a cor branca, não caiba na mesma congregação os brancos com os pretos?

E para que vejamos quão diferentes é a distinção que a Virgem, Senhora nossa, faz entre uns e outros, ouçamos também neste ponto a Deus, ao Filho de Deus e à mesma Mãe de Deus. Havendo Deus criado o primeiro homem, pôs-lhe por nome Adão, que quer dizer ruber: vermelho, por ser esta a cor do barro do Campo Damasceno, de que o formou. Tão importante é à altiveza humana a lembrança de seus humildes princípios. Mas, se o intento de Deus era formar-lhe o nome da mesma matéria de que o tinha formado, e a matéria era o barro vermelho, por que lhe não deu o nome do barro, senão o da cor, ruber? Porque no barro não havia perigo de se desigualarem os homens, na cor sim. No barro não, porque todos os filhos de Adão se haviam de resolver na mesma terra; na cor sim, porque uns haviam de ser de uma cor, e outros de outra. E não quis Deus que aquela cor fosse alguma das extremas, quais são a branca e a preta, senão outra cor meia e mista, que se compusesse de ambas, qual é a vermelha, para que na mesma mistura e união da cor se unissem também os homens de diversas cores, ainda que fossem tão diversas como a branca e a preta. Por isso no mesmo nome de Adão lhe distinguiu também Deus as terras, em que, segundo a qualidade de cada uma, se lhe haviam de variar as cores. É advertência engenhosa de Santo Agostinho[24], o qual notou que as quatro letras, de que se compõe o nome de Adão, são as mesmas que no texto grego dão princípio às quatro partes do mundo, Oriente, Ocidente, Setentrião, Meio-dia. E, como os homens divididos pelas mesmas quatro partes do mundo, os da Europa, os da África, os da Ásia e os da América, conforme os diferentes climas, haviam de nascer de diferentes cores, traçou a sabedoria do Supremo Artífice que, assim como em todo o nome de Adão: Ruber, estava rubricada a memória do Pai e sangue comum de que descendiam, assim a cada letra do mesmo nome respondessem os diversos climas do mundo que lhes haviam de variar as cores, para que na variedade da cor se não perdesse a irmandade do sangue.

Por espaço de dois mil anos foram da mesma cor todos os homens, até que, habitando as duas Etiópias os descendentes do segundo filho de Noé, começaram muitos deles a ser pretos. Mas, acudindo Deus à diferença que podia causar nos ânimos esta diferença das cores, logo na lei escrita, e no mesmo legislador dela honrou com tal igualdade a ambas, que nem os pretos tivessem que invejar na branca, nem os brancos que desprezar na preta. Na lei mandava Deus que o cordeiro, ou cordeiros, que se lhe oferecessem, fossem inviolavelmente imaculados. Assim se prescreve em todos os ritos do Êxodo, do Levítico, dos Números. E em que consistia o ser imaculado o cordeiro? Cuidam muitos que consistia em ser extremamente branco, que nem sinal nem mancha alguma tivesse de preto. Mas não eram estas as manchas ou máculas que Deus proibia. Não estava a mancha na cor, senão no corpo da vítima. Se a inteireza natural do corpo do cordeiro não tinha defeito ou deformidade alguma, ainda que fosse em uma só unha, era imaculado. E quanto à cor, ou fosse todo branco, ou todo preto, ou branco com parte de preto, ou preto com parte de branco, igualmente era aceito a Deus e digno de seus altares: lmmaculatus esse debebat, id est, integer, et sine vitio corporis: poterattamen esse albus, niger, et habere maculas albas, vel nigras[25], comenta o douto A Lápide. De sorte que, por ser branco ou preto, ou em todo, ou em parte, não deixava o cordeiro de ser imaculado, sendo figura do mesmo Deus feito homem, para que os homens se não desonrassem, ou tivessem por mancha em si, o que Deus não tinha por mancha no seu retrato. Isto quanto à lei.

Quanto ao legislador, ainda foi maior o exemplo, não só da providência, mas da severidade divina, no rigor com que castigou o desprezo desta indiferença das cores. Não reparando nela Moisés, como homem de tão sublime juízo, casou-se com a filha de um rei da Etiópia, que ele tinha vencido em batalha, por isso chamada Etiopisa. Não levando, porém, a bem este casamento Maria, irmã do mesmo Moisés, e murmurando dele com Arão, que era o irmão maior, Deus, que costuma acudir pelos que não acodem por si, como vos parece que emendaria ou desfaria esta murmuração? É caso verdadeiramente notável! Não tinha bem acabado de murmurar Maria, quando apareceu de repente coberta de lepra, e, como leprosa, conforme a lei, foi lançada fora dos arraiais. As palavras do texto são estas: Et ecce Maria apparuit candens lepra quasi nix (Núm. 12, 10): E subitamente Maria apareceu coberta de lepra, branca como a neve. - Reparai muito nesta brancura e nesta neve. Bem pudera Deus castigar a murmuração de Maria na língua, emudecendo-a, ou com outro castigo e enfermidade maior e mais perigosa que a lepra; mas, por que quis que fosse lepra particularmente e tal lepra que a fizesse branca como a neve: candens quasi nix? Para que respondesse a pena direitamente à culpa, e para que aprendesse Maria na sua brancura a não desprezar a pretidão da Etiopisa. Como se dissera Deus: já que nela desprezais a sua cor, olhai agora para a vossa: nela a sua pretidão é natureza, em vós a vossa brancura é lepra. - Ó quantas brancuras se prezam de muito brancas, que são como a da irmã de Moisés! Quanto melhor lhes fora ser negras sem lepra, que brancas e leprosas! Assim castigou Deus naquela Maria os desprezos da Etiopisa, e assim nos ensinou, pelo contrário, quanto preza e quanto estima a todos os etíopes a outra soberana Maria, que, como bendita entre todas as mulheres, nasceu para emendar os erros de todas.

§ VI

Quanto estimou e estima Cristo aos pretos, Mil anos antes de tomar o nosso sangue, deu aos pretos o seu, no primeiro rei da Etiópia, filho de Salomão e da Rainha de Sabá. O livro da geração de Jesus Cristo e o livro das gerações dos etíopes. Os etíopes, os primeiros entre todos os gentios que receberam a do verdadeiro Deus. O eunuco da rainha Candaces, primeiro apóstolo de sua pátria. De que terra ou nação era o rei preto que veio adorar a Cristo em Belém? No culto e veneração pública de Cristo e sua Santíssima Mãe se adiantaram os pretos aos portugueses e aos mesmos apóstolos.

Dos exemplos de Deus passemos aos de seu Filho, e vejamos quanto estimou e estima Cristo os pretos. É observação, em que porventura não tendes reparado, a que agora direi. Digo que estima tanto o Filho de Deus os pretos que, mil anos antes de tomar o nosso sangue, deu aos pretos o seu. Vejamos primeiro a verdade do caso, e depois iremos ao cômputo dos tempos. O Filho de Deus tomou o nosso sangue quando encamou e se fez homem, e deu o seu aos pretos quando lhes deu o sangue que ele havia de tomar, que era o de Davi. E foi desta maneira[26]. Reinando Salomão, filho de Davi, levada da fama de sua sabedoria, veio a vê-lo e ouvi-lo a Rainha Sabá, que o era da Etiópia. E como Salomão tivesse por mulheres setecentas rainhas, recebeu também no número delas, posto que de cor preta, a mesma rainha Sabá, de quem houve um filho, o qual nasceu depois, na Etiópia, e a mãe lhe pôs o nome de seu avô, e se chamou Davi. Sendo já de vinte e dois anos este príncipe, desejoso de ver e tomar a bênção a seu pai, veio a Jerusalém, onde Salomão não só o reconheceu por filho, mas, com todas as cerimônias e insígnias reais, o fez ungir no Templo por rei da Etiópia, sendo os ministros desta solenidade Sadoc e Joás, em quem estava o sumo sacerdócio naquele tempo. Esta é a origem dos imperadores da Etiópia, mil anos, como dizia, antes da Encarnação do Filho de Deus, porque o mistério altíssimo da Encarnação foi obrado no ano quarenta e um do império de Augusto César, quando se contavam quatro mil e cinqüenta e um anos da criação do mundo, e a vinda da rainha Sabá a Jerusalém tinha sido no ano vinte e quatro do reinado de Salomão, quando o mesmo mundo, desde sua criação, contava somente três mil e cinqüenta e três anos[27], De sorte que quando o Filho de Deus, fazendo-se homem, tomou o sangue da geração de Davi, já havia mil anos que tinha dado o mesmo sangue aos pretos da Etiópia, no seu primeiro rei ou imperador - porque até então eram governados pelas rainhas - em memória desta descendência, pois tradição antiquíssima e sempre continuada, se intitula hoje o mesmo imperador Fillius David, filius Salomonis, filius columnae Sion, filius de semine Jacob, filius magnus Mariae[28]

Esta última cláusula de grande filho de Maria acrescentaram os imperadores da Etiópia depois do nascimento de Cristo, o qual tantos séculos antes tinha honrado os etíopes com os mesmos nomes ou títulos com que hoje se intitula no livro de sua geração, Que diz S. Mateus, ou que nome dá ao livro da geração de Cristo? Liber generationis Jesu Christi, filii David, filii Abraham: Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi e filho de Abraão. - E deste mesmo Davi, e deste mesmo Abraão, de que Cristo hoje se chama filho, por descender deles por quarenta e duas gerações, destes mesmos, e não de outros, se chamavam também os etíopes, filhos de Davi e filhos de Abraão, não por quarenta e duas gerações, senão por quinze somente, que tantas conta o mesmo S. Mateus até Salomão. Filhos de Davi, porque todos os etíopes conservaram sempre o nome de Davi, como hereditário em seus príncipes; e filhos de Abraão, porque todos tomaram dele a circuncisão.

E se buscarmos a razão, motivo ou merecimento destes tão antecipados favores do Filho de Deus aos etíopes, o mesmo Davi o tinha já cantado, quando disse: Aethiopia praeveniet manus ejus Deo[29]. Onde a palavra praeveniet é o mesmo que prima veniet, porque a Etiópia e os etíopes seriam os primeiros, entre todos os gentios, que receberiam a fé do verdadeiro Deus. E declara o profeta com excelente propriedade e energia este reconhecimento e aceitação da fé, dizendo, como se lê no hebreu, que estenderiam a Deus as suas mãos, porque este é o estilo ou ação natural, como vemos, como o que os mesmos etíopes, novamente trazidos das suas terras, reconhecem o domínio dos que têm por senhores, estendendo para eles as mãos e batendo-as. Grande prerrogativa, e singular, por certo, desta nação que, quando todas as outras adoravam muitos deuses - chegando esta multidão em todo o mundo a número de trinta mil, como refere Hesíodo[30], ela só reconhece a unidade em Deus, sem a qual não pode haver divindade. E que direi da mesma divindade unida à humanidade em Cristo, em cuja notícia e pregação se anteciparam os etíopes aos mesmos apóstolos? Quando os apóstolos repartiram entre si o mundo, coube a S. Mateus a Etiópia; mas, quando lá chegou S. Mateus, que foi no ano quarenta e quatro do nascimento de Cristo[31], já havia nove anos que o eunuco da rainha Candaces, guarda-mor do seu erário, convertido e batizado por S. Filipe, lhe tinha levado e mostrado os tesouros do Evangelho, sendo ele o primeiro apóstolo da sua pátria, da mesma nação, da mesma língua e da mesma cor que os outros etíopes.

Mas não foi esta ainda a primeira e mais antecipada diligência com que os pretos se adiantaram a pregar a fé e veneração de Cristo e sua Santíssima Mãe. Os três reis orientais, que vieram adorar o Filho de Deus recém-nascido em Belém, é tradição da Igreja que um era preto[32]. Mas de que terra ou nação fosse, andou em opiniões muitos séculos, até que no ano de mil quatrocentos e noventa e nove descobriram os nossos argonautas da índia, que tinha sido o rei de Cranganor. Este rei, pois, tão preto como o pintam, mudando o nome que dantes tinha, se chamou Queriperimale, que quer dizer terceiro, por ser ele o terceiro que, seguindo a estrela, se ajuntou aos dois naquela prodigiosa viagem. Chegaram, acharam o Rei que buscavam, e como a rei, como a Deus e como a homem, lhe ofereceram, prostrados a seus pés, os misteriosos tributos. Voltando para suas terras e reinos, o que fez o de Cranganor foi edificar logo um templo, e, no meio dele, uma capela, a que se subia por muitos degraus, na qual colocou uma imagem da Virgem Maria com o Menino Deus nos braços, como refere S. Mateus que o acharam: Invenerunt puerum cum Maria matre ejus[33]. A este monumento de religião acrescentou por lei ou rito perpetuamente estabelecido, que todas as vezes que se nomeasse o santíssimo nome de Maria, todos se prostrassem por terra; e assim o fizeram os sacerdotes do mesmo templo em presença do nosso Gama, e de todos os que com ele desembarcaram na mesma cidade. Agora vede se tenho eu razão para dizer, que no culto e veneração pública de Cristo e sua Santíssima Mãe, se adiantaram os pretos aos mesmos apóstolos. O primeiro templo que os apóstolos levantaram à Virgem Maria em sua vida, foi o do Pilar de Saragoça, pelo apóstolo Santiago[34]. Mas quando? No ano vinte do império de Tibério, que era o ano trinta e seis do nascimento de Cristo. De maneira que quando o primeiro apóstolo, à instância da mesma Mãe de Deus, lhe edificou a primeira capela em Espanha, já o rei preto, com seus vassalos da mesma cor, lhe tinham edificado templo na índia. Para que se veja, se esta antecipada devoção dos pretos mereceu tão antecipados favores de Cristo, e, se à vista deles, merecem ser desprezados dos que se chamam seus senhores. E senão, digam-me os mesmos portugueses qual era a sua religião naquele tempo, e muitos anos depois. O que se acha em pedras e inscrições antigas é que dedicaram templo a Otaviano Augusto, templo a Trajano e a todos os deuses, templo a Ísis, templo e estátuas a Tibério e sua mãe Lívia, templo e estátuas a Nero e sua mãe Agripina[35]. E, quando os portugueses, sem se lhes fazerem as faces vermelhas na sua brancura, reconheciam divindade nestes monstros da ambição e de todos os vícios, os pretos nos seus altares adoravam o verdadeiro Filho de Deus e a verdadeira Mãe do mesmo Filho.

§ VII

A estimação que faz da cor preta, não só nos escravos, mas em si, a mesma Mãe de Deus. O que diz a pastora dos Cantares. Assim como as tendas de Salomão são pretas e formosas, assim pode haver grande formosura em couros pretos. A visão de Dionísio Areopagita e a pintura de S. Lucas. A brancura dos cisnes e dos sepulcros caiados. Os quatro filhos de Lia senhora, e os dois filhos de Rasfa escrava.

Mas ouçamos por fim a estimação que faz da cor preta, não só neles, mas em si, a mesma Mãe de Deus: Nigra sum, sed formosa, filiae Jerusalem, sicut tabernacula Cedar, sicut, pelles Salomonis[36]. Nestas palavras se defende a pastora dos Cantares, respondendo às filhas de Jerusalém, as quais, como criadas na corte, e ela no campo, e, como prezadas de muito brancas, a notavam de preta. Diz, pois, que ainda que preta nem por isso deixa de ser formosa, e o prova principalmente com as famosas tendas de Salomão, quando, saindo da corte, morava no campo: sicut pelles Salomonis. Assim como as peles que cobrem as tendas de Salomão são pretas e muito formosas, assim pode haver formosura, e grande formosura, em couros pretos. E se este dote da natureza, filhas de Jerusalém, não está vinculado à cor branca, de que tanto vos prezais, notaime embora de preta, mas não de feia, porque ainda que sou preta, sou formosa: Nigra sum, sed formosa. Até aqui a que em trajo pastoril representava a Virgem, Senhora nossa, a qual com as mesmas palavras confessa ser a cor preta natural da sua pátria e sua, porque a Palestina, como vizinha ao Egito e à África, por razão do clima mais exposto aos ardores do sol, participa da cor com que ele costuma tostar e escurecer a brancura, como logo acrescentou a mesma pastora: Nolite me considerare quod fusca sim, quia decoloravit me sol[37]. Assim lemos em Nicéforo, que aquele soberano rosto, em que Dionísio Areopagita reconheceu raios de divindade, entre as duas cores extremas propendia mais para a preta. O mesmo diz Santo Epifânio, e mais claramente o demonstra o retrato natural da mesma Virgem Maria, pintura da mão de S. Lucas, que hoje se vê e venera em Roma, na Basílica de Santa Maria Maior, como um dos mais preciosos tesouros daquele famosíssimo santuário.

Coisa é porém muito digna de reparo, que neste epitalâmio, escrito pela sabedoria de Salomão, nunca a Senhora se chamasse formosa, senão depois de se chamar preta. Catorze vezes, por diversos modos e com diversos encarecimentos, celebra o esposo a sua formosura e lhe chama formosa, mas a Senhora não se atribuiu este louvor, de que tanto se gloriam, ainda as que o não merecem, senão uma só vez, e quando juntamente disse que era preta: Nigra sum, sed formosa. Seria porventura para escurecer com estas sombras a mesma formosura? Não, diz Santo Ambrósio, senão para a engrandecer e realçar mais: Praemisit nigram, ut augeret decoram[38]. E, se buscarmos a razão desta conseqüência, que não parece fácil, na semelhança das mesmas tendas de Salomão a temos excelentemente declarada, Porque, sendo por fora lavradas com todos os primores da arte na cor preta, e por isso muito formosas à vista, por dentro eram recamadas de ouro, pérolas e diamantes, cujos reflexos na oposição daquela cor brilhavam mais e faziam um admirável composto de maior graça e formosura. E, desta maneira, sendo o preto esmalte do branco e o escuro realce do claro, se pareciam muito vistosas no que mostravam por fora, muito mais formosas e preciosas eram no que cobriam por dentro: Praemisit nigram, ut augeret decoram.

Notem isto as pretas e os pretos, para que os não desconsole ou desanime a sua cor, e notem também o mesmo as brancas e os brancos, para sua confusão, se, tendo a brancura só por fora, forem negros por dentro. Mandava Deus no Levítico, que o cisne, como ave imunda, se lhe não sacrificasse, nem ainda se comesse (Lev. 11,18). E em que defeito se fundava esta lei, se o cisne, cantor de suas próprias exéquias, é tão branco como a mesma neve? Porque por fora tem as penas brancas, e por dentro a carne negra: Cujus plumas licet albae sint, et molles, caro tamen est dura, nervosa, et nigra[39]. Olhe para si a brancura, e veja se responde ao interior, ou se é hipocrisia. O carvão coberto de neve, nem por isso deixa de ser carvão, antes, junto dela é mais negro. Por isso Cristo, Senhor nosso, comparava os escribas e fariseus às sepulturas branqueadas: Vae vobis scribae et pharisei hypocritae: quia similes estas sepulchris dealbatis[40]. E em que consistia a hipocrisia daquelas sepulturas vivas? Em que a brancura de fora lhes dava aparências de formosura, e por dentro estavam cheias de corrupção e horrores: Quae a foris parem hominibus speciosa, intus vero plena sunt ossibus mortuorum, et omni spurcitia[41]. Vede agora se a Mãe de Deus, para estimar mais os brancos que os pretos, se deixará enganar das aparências ou hipocrisias da cor?

Lá disse Deus a Samuel que ele não era como os homens, porque os homens olham para o rosto, e Deus para os corações: Homo videt ea quae parem, Dominus autem intuetur cor[42]. Pois assim como nos olhos de Deus, assim também nos de sua Mãe, cada um é da cor do seu coração. E para que vejamos quão pouco importa, para maior estimação da Senhora, a cor ou aparência do rosto, na história do nosso tema o temos. Vendo Lia que Raquel tinha filhos de sua escrava Bala, quis ela também ter filhos da sua escrava Rasfa, e parece que sem razão. Que Raquel vendo-se estéril, busque esta consolação ou alívio à sua fecundidade, perdão merece a sua dor; mas que Lia, achando-se com quatro filhos legítimos de Jacó, os queira também ter da sua escrava Rasfa, apetite parece alheio de todo o bom juízo. Quanto mais que as cores e feições do rosto de Rasfa eram tão pouco para estimar, como significa o seu próprio nome, que quer dizercontemplum oris: desprezo do rosto[43]. Pois, de uma escrava, que na cara e na cor trazia o próprio desprezo, quer Lia ter filhos? Sim. Porque entendeu e esperou que os filhos da escrava, posto que de tão desprezada cor, podiam fazer mais ditosa a sua casa que os da mesma senhora. E assim foi. Nasceu, primeiro filho a Rasfa, e pôs-lhe Lia por nome Felicidade, chamando-lhe Dá: Dixit féliciter, et appellavit nomen ejus Dan. Nasceu o segundo filho à mesma Rasfa, e pôs-lhe a mesma Lia por nome Bemaventurança, chamando-lhe Aser: Dixit: Hoc pro beatitudine mea: Beatam quippe me dicent mulieres: propterea appellavit eum Asert[44]. Comparai-me agora os quatro filhos de Lia senhora, com os dois de Rasfa escrava, e escrava de cor e rosto tão desprezado. Os quatro filhos de Lia senhora eram Rubem, Simeão, Levi e Judas, e destes quatro os primeiros três foram amaldiçoados de seu pai e privados do morgado; e os dois de Rasfa escrava nasceram com tão diferente estrela, que o primeiro a fez feliz, e o segundo bemaventurada entre as mulheres: Hoc pro beatitudine mea: Beatam quippe me dicent mulieres. E parou aqui o encarecimento desta grande diferença? Não. O que depois dele se seguiu daí a muitos séculos, é a mais forte e apertada conclusão com que se pode rematar este ponto. Porque, quando a Virgem, Senhora nossa, no seu cântico disse que pelo Filho, de que Deus a tinha feito Mãe, lhe chamariam todas as gerações bem-aventurada, foi tomando da boca de Lia as mesmas palavras com que ela se chamou bem-aventurada pelos filhos da sua escrava Rasfa: Huc allusit Beata Virgo Deipara, cum cecinit: Beatarn me dicent omnes generationes - diz o doutíssimo Cornélio. E, se a mesma Mãe de Deus mediu os seus louvores pelos da escrava Rasfa, desprezada pelo rosto e pela cor, bem claramente se deixa ver, se pela diferença das cores estimará mais os brancos e menos os pretos.

§ VIII

Última razão por que os senhores desprezam os escravos: a vileza e miséria da sua fortuna. A história do rico sem nome e do pobre chamado Lázaro. Por que se compadeceu Deus da caída dos homens, e não reparou a ruína dos anjos? Gerson, cancelário de Paris, e a descrição do templo que os atenienses dedicavam à misericórdia. Os escravos na passagem do Mar Vermelho. A bênção de Jacó aos quatro filhos das escravas: Neftali, Dá, Gad e Aser

Só resta a última razão, ou sem-razão, por que os senhores desprezam os escravos, que é a vileza e miséria da sua fortuna. O fortuna! E que mal considera a cegueira humana as voltas da tua roda? Virá tempo, e não tardará muito, em que esta roda dê volta, e então se verá, qual é melhor fortuna, se a vil e desprezada dos escravos, ou a nobre e honrada dos senhores. Muitas vezes tendes ouvido a história daquele rico sem nome e do pobre chamado Lázaro. O rico vivia em palácios dourados, e Lázaro ao sol e à chuva jazia na rua; o rico vestia púrpuras e holandas, e Lázaro, se estava coberto, era de chagas; o rico banqueteava-se esplendidamente todos os dias, e Lázaro, para matar a fome, não alcançava as migalhas que caíam da sua mesa. Pode haver maior diferença de fortunas? Todos os que passavam, e viam as delícias do rico, invejavam a sua felicidade, e todos os que não tinham asco de pôr os olhos em Lázaro, tinham compaixão da sua miséria. Senão quando chegou ali de repente a morte, deu um pontapé na roda da fortuna, e foi tal a volta em um momento, que Lázaro se achou descansado no seio de Abraão, e o rico ardendo no inferno. Clamava o triste por remédio, quando já não era tempo de remédio, e pedia uma gota de água a quem não tinha dado uma migalha de pão. Mas que resposta tiveram os seus clamores? Respondeu-lhe Abraão com este último desengano, e tão justa como tremenda sentença: Fili, recordare quia recepisti bona in vita tua, et Lazarus similiter mala: nunc autem hic consolatur, tu vero cruciaris (Lc. 16, 25): Lembra-te, filho, do outro tempo, e do outro mundo, e não estranharás que na tua fortuna e na de Lázaro vejas uma tão grande mudança. Tu na tua vida

gozaste os bens, e Lázaro padeceu os males; agora tu padeces os males, e ele logra os bens: Fili, recordare. - Ó se os ricos e os Lázaros não esperaram pela outra vida para se lembrarem do que agora são, e do que podem ser depois!

Digam-me os ricos quem foi este rico, e os pobres, quem foi este Lázaro? O rico foi o que são hoje os que se chamam senhores, e Lázaro foi o que são hoje os pobres escravos. Não são os senhores, os que vivem descansados e em delícias, e os escravos em perpétua aflição e trabalhos? Os senhores vestindo holandas e rasgando sedas, e os escravos nus e despidos? Os senhores em banquetes e regalos, e os escravos morrendo à fome? Que muito, logo, que acabada a comédia desta vida, a fortuna troque as mãos, e que os que neste mundo lograram os bens, no outro padeçam os males, e os que agora padecem os males, depois também eles vão lograr os bens? E se alguém me disser que os escravos, que nesta vida padecem os males, também têm pecados, e os senhores, que logram os bens, também têm boas obras, respondo, que tais podem ser as boas obras de uns, e os muitos pecados dos outros, que uns e outros sejam a exceção desta regra. Mas, geralmente falando, a sentença de Abraão é fundada no que ordinariamente sucede. Dá a razão muito adequada S. Gregório Papa: Mala Lazari purgavit ignis inopiae: bona divitis remuneravit felicitas transeuntes vitae: Lázaro também teria alguns pecados, como têm os escravos, mas esses purgaram-se pela sua pobreza, pela sua miséria, pelos seus trabalhos; e o rico também teria algumas boas obras, como hoje têm os senhores, mas essas pagou-lhas Deus com os bens que logram nesta vida. - De sorte que os ricos e os senhores têm nesta vida o seu paraíso, e os Lázaros e os escravos o seu purgatório. Ensoberbeçam-se agora os senhores com a sua fortuna, e desprezem a dos seus escravos.

Qual destas fortunas haja de ter mais de sua parte o favor e amparo da Virgem, Senhora nossa, a mesma Senhora o declarou canora e canonicamente, quando disse: Dispersit superbos mente cordis sui. Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles. Esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes[45]. A razão manifesta desta diferença, e que não tem réplica, é porque a Virgem Maria é Mãe de misericórdia, o objeto da misericórdia é a miséria, logo, para a parte da miséria e dos que a padecem, há de propender a Mão da misericórdia. Cada um dos outros dois pontos provamo-los com Deus, com o Filho de Deus e com a mesma Mãe de Deus, e também o faremos neste, mas brevissimamente, pois não permite mais o tempo.

Pecou o anjo no céu e o homem no paraíso: e que resolveu Deus nestes dois casos tão semelhantes? Aos homens remiu, e aos anjos não: aos homens, como diz Zacarias, abriu as entranhas da sua misericórdia, e com os anjos executou toda a severidade de sua justiça. Pois, se os anjos são as mais nobres de todas as criaturas, e os homens formados de barro, os anjos de tão sublime entendimento, e os homens ignorantes, os anjos por natureza imortais, e os homens sujeitos a todas as misérias da mortalidade, por que se compadeceu Deus da caída dos homens, e não reparou a ruína dos anjos? Por isso mesmo. Porque a vileza, a ignorância e a miséria estava só da parte dos homens, como cá da parte dos escravos, e para onde carregou o peso da miséria, para ali inclinou a balança da misericórdia: Propter miseriam inopum, et gemitum pauperum, nunc exurgam, dicit Dominus[46]. Isto é o que fez Deus Padre, sem perdoar ao sangue de seu próprio Filho.

E o Filho do mesmo Deus, que fez? Ele - bendito seja- o escreveu com a pena do profeta Isaías: Spiritus Domini super me, eo quod unxerit Dominus me[47]. O Filho de Deus feito homem é Cristo, que quer dizer ungido, e diz que o ungiu o espírito do mesmo Deus. E para quê? Ut mederer contritis corde, et praedicarem captivis indulgenciam, ut consolarer omnes lugentes[48]: para remediar, para livrar, para consolar a todos os afligidos, a todos os cativos, e a todos os que choram suas misérias. Bem está. Mas os que não têm misérias, nem trabalhos, nem cativeiros, nem aflições que chorar, não veio o Filho de Deus ao mundo também para eles? Sim, veio, mas como o seu espírito é de piedade, de compaixão e de misericórdia, os tristes, os afligidos, os cativos e os miseráveis, são os que mais lhe movem e levam o coração, como se só para eles viera. E se esta é a inclinação e propensão do Filho de Deus, qual podemos considerar que será a da Mãe do mesmo Filho?

Gerson, aquele famoso cancelário de Paris, mais santo ainda que político, diz que a Mãe de Deus se chama Mãe de misericórdia, porque é propriedade particular, que a Senhora tomou para si, favorecer os miseráveis: Maria Mater ideo dicitur misericordiae, quia quadommodo sibi proprium est misereri miseris[49]. E acrescenta, que a figura que a ele lhe parece mais própria desta misericórdia da Virgem Maria, é a que pintou o poeta Estácio na descrição do templo que os atenienses dedicaram à mesma misericórdia: Tu ipsa es verum Templum Misericordiae in templo msericordiae figuratum, de quo loquitur Statius poeta. E que diz Estácio? Diz que naquele tempo pôs seu assento a clemência, e que os miseráveis são os que lho consagraram:

Posuit clementia sedem,

Et miseri fecere sacram(52) [50].

Diz mais, que de dia, e de noite tem as portas abertas, e que as queixas e petições de todos os que a ele concorrem são ouvidas:

Auditi quicumque rogant, noctesque, diesque

Ire datum, et sous Numen placare querelis.

Diz mais, que não se vêem ali fumos de incenso, nem sangue de vítimas, porque os sacrifícios que se oferecem, são somente lágrimas e gemidos:

Non thurea flama, nec altus

Accipitur sanguis, lacrymis altaria sudant

Finalmente, conclui que o templo da misericórdia está sempre cheio de pobres e miseráveis, todos tremendo, e que só os felizes e bem-afortunados não conhecem aqueles altares:

Semper habet trepidos, semper locus horret egenis

Coetibus, ignotae tantum felicibus arae.

Oh! se os que se têm por felizes e bem-afortunados, reparassem bem nesta última cláusula! Os miseráveis são os que consagraram o templo à misericórdia; os miseráveis os que têm nele sempre as portas abertas; os miseráveis os que ali oferecem seus gemidos e sacrificam suas lágrimas; os miseráveis são aqueles cujas queixas e deprecações sempre são ouvidas; e só os felizes e bem-afortunados os que não são admitidos àqueles altares nem os conhecem: Ignotae tantum felicibus arae.

Tal é, senhores, os que assim vos chamais, a vossa fortuna, e tal a que desprezais nos vossos escravos; eles, por miseráveis, têm sempre abertas as portas de misericórdia da Mãe de Deus, e abertos e prontos a suas queixas seus piedosos ouvidos; e vós, com as vossas fortunas, pode ser que nem ouvidos nem conhecidos sejais em seus altares. E se me disserdes que isto são encarecimentos poéticos, praza a Deus que o experimenteis assim, quando a morte der a volta à roda da fortuna. Mas eu tenho outra figura mais verdadeira que a de Estácio, e outra aplicação mais certa que a de Gerson, a qual tão admirável, como temerosamente, concorda com ela. A passagem do Egito para a Terra de Promissão significa a deste mundo para o céu: os filhos de Israel todos eram escravos dos egípcios; Faraó e os egípcios eram os senhores destes escravos, e na passagem do Mar Vermelho, qual foi o sucesso? Os senhores, todos ficaram afogados; os escravos, todos passaram a salvamento; e quem celebrou este triunfo, foi Maria, irmã de Moisés, figura da Virgem Maria. Eu confesso que não reconheço nos escravos geralmente tais virtudes, às quais se possa prometer uma segunda fortuna tão notável como esta; mas também sei, que é tão poderosa a misericórdia da Mãe de Deus, que, compadecida das misérias que eles padecem em toda a vida, lhes pode converter as mesmas misérias em virtudes. E para que também neste último ponto nos não falte a história do nosso tema, ouçamos o que ela nos diz.

O primeiro nos confirmaram os dois filhos de Bala, escrava de Raquel; o segundo, os dois filhos de Rasfa, escrava de Lia; e este último nos confirmarão todos quatro. Chegado à hora da morte, Jacó lançou a bênção a todos os seus filhos, a qual bênção juntamente foi profecia do que eles haviam de ser, E se bem notarmos a bênção e profecia de cada um, acharemos que nestes quatro filhos das escravas repartiu Deus aquelas quatro virtudes, a que os filósofos chamam morais, porque compõem os costumes, e os teólogos, cardeais, porque são os quatro pólos de que depende toda a vida racional e felicidade humana. In his quator virtutibus tota boni operis instructura consurgit, diz S. Gregório Papa[51], A primeira é a prudência, e esta coube a Neftali: Nephtali, cervus emissus, et dans eloquia pulchritudinis[52]. A segunda é a justiça, e esta coube a Dá: Dan judicabit[53]. A terceira é a fortaleza, cesta coube a Gad: Gad, acicatas praeliabitur[54], A quarta e última é a temperança, e esta coube a Aser: Aser, pingais panis ejus[55]. Comparai-me agora aqueles filhos das senhoras com estes das escravas, e naqueles achareis imprudências e ignorâncias, nestes a prudência; naqueles injustiças e tiranias, nestes a justiça; naqueles fraquezas e inconstâncias, nestes a fortaleza; naqueles intemperanças e graves excessos, nestes a temperança. Não há dúvida que o senhorio e liberdade é mais aparelhada para os vícios, e a obediência e sujeição mais disposta para as virtudes. E se aquela é a condição e fortuna dos senhores, e esta a dos escravos, por certo que, se alguns irmãos se deviam desprezar da irmandade dos outros, antes haviam de ser os filhos de Bala e Rasfa, que os de Raquel e Lia. Por isso o Evangelista não só não distinguiu os irmãos por esta diferença, mas igualmente contou os da fortuna mais baixa, que eram os escravos, com os da mais nobre e mais alta, qual era a real de Judas: Judam, et fratres ejus.

§ IX

Os motivos ou sem-razões por que os senhores desestimam o nome, a core a fortuna de seus escravos, são as mesmas razões por que a Senhora mais os estima e favorece. A separação do vento áquilo e do vento austro nos Cânticos. Conclusão: os brancos e senhores não se deixam vencer dos pretos, e os pretos e escravos de nenhum modo consintam ser vencidos deles no exercício mais perfeito da religião e culto divino.

Temos visto como os motivos ou sem-razões por que os senhores desestimam e desprezam o nome, a cor e a fortuna de seus escravos, são as mesmas razões por que a Virgem, Senhora nossa, mais os estima, favorece e ama. E pois o mesmo desprezo entre os desprezadores e desprezados foi causa da separação de uns e outros, dividindose brancos e pretos em duas irmandades do Rosário, muito temo que a mesma Senhora, em castigo deste agravo da natureza e seu, tenha aprovado a mesma separação, e que nela fiquem de pior partido os brancos. No capítulo quarto dos Cânticos, diz o autor deles, Salomão, que a Virgem Maria foi ao seu jardim, e mandou ao vento àquilo que se apartasse dele, e ao vento austro que viesse, para que o mesmo jardim exalasse com maior abundância a fragrância e suavidade de seus aromas: Surge, aquilo, et veni, auster; perfla hortum meum, et fluant aromata[56]. O jardim da Virgem Maria já se sabe que é o seu Rosário, e também não é dificultoso entender quais sejam neste texto os dois ventos, áquilo e austro. Na Sagrada Escritura pelos quatro ventos principais se entendem as quatro partes do mundo, e pelas mesmas partes ou regiões do mundo, os habitadores deles. Quem são, pois, os habitadores do áquilo, e quem os do austro? Não há dúvida que os do áquilo, que é o norte, são os europeus, mais brancos de todos, e os do austro, que, em respeito da Palestina, era a Etiópia, são os etíopes e os pretos, que por isso a Rainha Sabá no Evangelho se chama Regina Austri[57]. Diremos, logo, que a mesma Senhora do Rosário manda separar dele os brancos, e admite e chama os pretos? E mais a fim de lhes comunicar com maior abundância os seus aromas, isto é, a suavidade de seus favores e graças? Verdadeiramente o sentido mais comum e literal do texto assim o significa. È -não seria maravilha que a Mãe de misericórdia, que tanto favorece os miseráveis, fizesse esta justiça. Como se dissera: Já que vós - ó brancos - tanto desprezais o nome de escravos, tendo-me eu chamado escrava, e tanto abateis a cor preta, tendo-me eu honrado da mesma cor, e tão pouco vos compadeceis da fortuna dos miseráveis, sendo eu sua protetora, venham os miseráveis, venham os escravos, venham os pretos para o jardim do meu Rosário, e separem-se dele os brancos.

Isto é o que significa naturalmente e com grande propriedade o texto, no primeiro e mais comum sentir dos intérpretes. Mas porque Beda, Cassiodoro, Justo Urgelitano, Apônio, Ruperto, e outros dizem que nas palavras surge, aquilo, veni, auster, igualmente se chama o austro, e se esperta o áquilo a que cada um, segundo suas qualidades, com o calor e movimento das rosas, excitem nelas maior fragrância, seguindo este segundo sentido, mais conforme à benignidade universal da Mãe de misericórdia, que a nenhum exclui, e a todos abraça, digo por última conclusão que, assim aos brancos, significados no áquilo, como aos pretos, no austro, a uns e outros convida e excita a Senhora a que venham ao seu jardim do Rosário, posto que de partes opostas, e que essa mesma oposição sirva só de contenderem entre si, a quem com maior afeto, devoção e fervor se há de esmerar em seu serviço. Lá disse S. Paulo, que dividiu Deus o gênero humano em dois povos, gentílico e judaico, para que o gentio, por emulação do hebreu, e o hebreu, por emulação do gentio, se animassem e provocassem reciprocamente, não só a receber e conservar a fé do verdadeiro Deus, mas a se vencer a porfia no exercício mais perfeito da religião e culto divino (Rom. 10, 19). Seja este, pois, o fim desta separação de irmandades entre brancos e pretos. Os brancos e senhores não se deixem vencer dos pretos, que seria grande afronta da sua devoção; os pretos e escravos procurem de tal maneira imitar os brancos e os senhores, que de nenhum modo consintam ser vencidos deles. E desta sorte, procedendo todos como filhos igualmente da Mãe de Deus, posto que diferentes na cor, não só conservarão a irmandade natural, em que Deus os criou, mas alcançarão a sobrenatural e adotiva de seu Filho, herdeiro, enquanto homem, do cetro de Judá: Judam, et fratres ejus.

FINIS

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística



[1] E Jacó gerou a Judas e a seus irmãos (Mt. 1, 2).

[2] Quem é esta que vai caminhando como a aurora quando se levanta, formosa como a lua, escolhida como o sol (Cânt. 6, 9)?

[3] E da tarde e da manhã se fez o primeiro dia (Gên. 1, 5).

[4] D. Basil. in Examer.

[5] E separou os que eram vários e manchados, e entregou nas mãos de seus filhos todo o rebanho que era de uma só cor (Gên. 30, 35).

[6] Noites e dias, bendizei o Senhor (Dan. 3, 71).           

[7] Um dia diz uma palavra a outro dia (SI. 18, 3).

[8] E uma noite mostra sabedoria a outra noite (SI. 18, 3).

[9] Uma escrava egiptana, chamada Agar (Gên. 16, 1).

[10] Agar pariu um filho a Abraão (Gên. 16, 15).

[11] Teus filhos virão de longe, e tuas filhas se levantarão de todos os lados (Is. 60, 4).

[12] Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc. 1, 38).

[13] D. Thomas a Villanova ibi in Serra. B. V.

[14] E reinará na casa de Jacó (Lc. 1, 32).

[15] O qual, tendo a natureza de Deus, não julgou que fosse nele uma usurpação o ser igual a Deus, mas ele se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo, fazendo-se semelhante aos homens (Flp. 2, 6 s).

[16] Lançou água numa bacia, e começou a lavar os pés (Jo. 13, 5).

[17] Como se eu fora algum ladrão viestes a prender-me? Todos os dias estava eu convosco (Mc. 14, 14,48 s).

[18] Eles lhe assinaram trinta moedas de prata (Mc. 26, 15).

[19] Enviou-o maniatado ao pontífice Caifás (Jo. 18, 24).

[20] Depois de o fazer açoitar (Mc.15,15).

[21] Levando a sua cruz às costas (Jo. 19, 17).

[22] Tomaram as suas vestiduras (Jo. 19, 23).

[23] Não julgou fosse nele uma usurpação o ser igual a Deus, mas ele se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo (Flp. 2, 6 s).

[24] August. tract. 9 in Joann.

[25] Cornei. in Cap. 28 Num. v. 8.

[26] Damian. Goez. Franc. Alvar. Abrah. Hortel. Barius, Genebrard. et alii.

[27] Spondan. in Annal. lib. a Creat. Mundi.

[28] Hortel. in Theat. tabul. 68.

[29] A Etiópia se adiantará para levantar as suas mãos a Deus (SI. 67, 32).

[30] Hesiodus relas. a Ravisio in Theatr. Pril. lib. 1, cap. 9.

[31] Baron. eo anuo.

[32] Osorius, lib. 5 de gest. Emunan. Navar. lib. 21, de Orat. et Hor Canon. Maffaeus, lib. 2, Hist. Indic. (331 Acharam o menino com Maria, sua Mãe (MI 2, 11).

[33] Acharam o menino com Maria, sua Mãe(Mt. 2,11).

[34] lta Bouther. in Chron. Hispan., cap. 23.

[35] Sousa et Faria ab August. usque ad Trajanum.

[36] Eu sou trigueira mas formosa, ó filhas de Jerusalém, assim como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão (Cânt. 1, 4).

[37] Não olheis para o eu ser morena, porque o sol me mudou a cor (Cânt. 1, 5).

[38] Ambros. in Psal. Serin., 18.

[39] Cornelius ibi.

[40] Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros branqueados (Mt. 23, 27).

[41] Que parecem por fora formosos aos homens, e por dentro estão cheios de ossos de mortos, e de toda a asquerosidade (ibidem).

[42] Porque o homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração (1 Rs. 16, 7).

[43] Arias Montan. in Apparat. Bibl. Reg.

[44] Isto é por dita minha, porque as mulheres me chamarão ditosa. Por isso o chamou Aser. (Gên. 30, 13).

[45] Dissipou os que no fundo do seu coração formavam altivos pensamentos. Depôs do trono os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os que tinham fome, e despediu vazios os que eram ricos (U. 1, 51 ss).

[46] Pela miséria dos desvalidos e o gemido dos pobres, agora me levantarei, diz o Senhor (SI. 11, 6).

[47] O Espírito do Senhor repousou sobre mim, porque o Senhor me encheu da sua unção (Is. 61, 1).

[48] Para curar os contritos de coração, e pregar remissão aos cativos, para consolar a todos os que choram (Is. 61, 1 s).

[49] Gerson, Tract. 6, in Magn.

[50] Statius, Thebaid. 12,

[51] D. Greg. Moral. 9.

[52] Neftali será qual veado despedido, e dará belas palavras (Gên. 49, 21).

[53] Dã julgará (ibid. 16).

[54] Gad, exército armado pelejará (ibid. 19). (57)' Aser, abundando em pão (ibid. 20).

[55] Aser, abundando em pão (ibid. 20).

[56] Levanta-te, aquilão, e vem tu, vento do meio-dia, assopra de todos os lados no meu jardim, e corram os seus aromas (Cânt. 4, 16).

[57] A rainha do meio-dia (Mt. 12, 42).