Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

Et ubera quae suxisti[1].

§I

Ricardo a Santo Laurentio e dois lugares dos Cânticos. Se a Senhora nos negasse a nutrição docíssima de seus peitos, não seria Mãe inteira nossa, senão meia Mãe. O leite virginal da virgem, convertendo-se no sangue de Cristo, como havia de ser só seµ e não também nosso, enquanto leite de Mãe? Os peitos virginais da Esposa dos Cânticos e a comparação de Salomão. Três casos de aparições milagrosas em que a soberana virgem se dignou regalar visivelmente a seus devotos com o néctar celestial de seus sagrados peitos. Assunto do sermão: a todos os devotos do Rosário comunica a Virgem, Senhora Nossa, o leite especial de seus piedosíssimos peitos, não para a vida e saúde temporal, que é pouco, mas para a eterna, por que o Rosário é uma nova Via Láctea a qual abriu e regou a Senhora com seu próprio leite na terra, para que por ela subamos facilmente ao céu.

Ricardo a Santo Laurentio - um dos autores mais devotos e mais beneméritos da Virgem Mana, Senhora nossa, que com igual estudo e engenho aplicou a seus louvores quase toda a Escritura Sagrada - combinando dois lugares dos Cânticos, diz assim: Christus dicit: Bibi vinum meum cum lacte meo virginali, quod totum fuit meum, et de quo nullus alius bibit. Item cum dicatur beatae Virgini: Oleum effusum nomen tuum, non tamen dicitur quod ejus ubera sint effusa[2]. Quer dizer que ao leite virginal da Senhora chama Cristo própria e singularmente seu: cum lacte meo - porque de tal sorte foi somente seu que nenhuma outra pessoa o gostou, nem participou dele. E que sendo comparado o nome da mesma Virgem ao óleo derramado pela largueza com que se comunica dos sacratíssimos peitos da Senhora não se diz tal comunicação ou efusão: Non tamen dicitur quod ejus ubera sint effusa - porque também não foram comunicados mais que ao próprio Filho de Deus e seu: Et ubera quae suxisti.

Assim o diz este grave autor, comumente aplaudido e alegado de todos. Porém a mim - que nos peitos da Virgem Maria considero duas fontes de misericórdia, e a mesma misericórdia estilada no seu leite - nem a razão, nem a Escritura, nem a experiência me consente aprovar estas limitações. A razão não; porque, sendo propriedade do Sumo Bem ser sumamente comunicável, como podiam ser incomunicáveis os peitos que criaram o mesmo Sumo Bem, o qual quando criou todas as coisas, a todas deu virtude de se comunicarem? É certo que com o leite se bebem juntamente as inclinações e afetos. Donde se segue que não só foi conveniente e decente, mas necessário que a segunda geração do Verbo se parecesse com a primeira, e que o mesmo Verbo criado trouxesse dos peitos da Mãe a propensão natural de se comunicar, que tinha recebido incriado do seio do Pai. A mesma Virgem não só foi Mãe de Cristo, cabeça da Igreja, senão também Mãe de todos os membros do mesmo Cristo, que são os féis; e se a Senhora nos negasse a nutrição dulcíssima de seus peitos, não seria Mãe inteira nossa, senão meia Mãe, como o são, diz S. Crisóstomo, as que geram os filhos e os dão a criar a outrem. Finalmente, o leite virginal dos mesmos peitos, foi aquele que se converteu no mesmo sangue, o qual se derramou até a última gota pela salvação do gênero humano; e, se foi nosso, e se derramou por nós enquanto sangue do Filho, como havia de ser só seu, e não também nosso, enquanto leite da Mãe?

Passando da razão à Escritura, a Esposa ou pastora principal do mesmo livro dos Cânticos alegado, é a Virgem, Senhora nossa. E falando o divino Esposo dos peitos virginais, que o criaram e alimentaram Menino, diz que são semelhantes a dois cabritinhos monteses, filhos gêmeos da mesma mãe: Duo ubera tua sicut duo hinnuli capreae gemelli (Cânt. 4, 5). É comparação pastoril própria daquele gênero de poesia. E com ser o autor dela Salomão, parece não só pouco acomodada, senão contrária ao que quer dizer. Os filhinhos são os que tomam os peitos, e os peitos, como duas fontes ou esponjas de neve, são os que docemente espremidos se destilam no licor vital com que os alimentam. Da parte dos peitos está o leite, e da parte dos filhos a fome ou sede impaciente, com que tiram por eles. Pois, se os afetos e os efeitos, assim nos peitos da mãe, como nos filhos que deles se sustentam, são tão diversos e verdadeiramente contrários, como diz Salomão que os peitos da Senhora são semelhantes, não aos que dão e comunica o leite, senão aos que o recebem e se alimentam com ele? Não se pudera encarecer com maior elegância e energia a liberalidade maternal com que os peitos da Senhora se nos comunicam, e o desejo e gosto que têm de se comunicar. Se os filhos sedentos e famintos, correndo e saltando - como é próprio daqueles animalinhos, mais que de que nenhuns outros - buscam os peitos da mãe com fome e sede ardente, muito maior é a fome e muito mais ardente a sede com que os peitos da Mãe de Deus e nossa, se comunicavam ao Filho natural, que é Cristo, e se desejam comunicar aos adotivos, que somos nós. Por isso nos mesmos Cânticos se compara a mesma Senhora a uma fonte cerrada: Fons signatus (Cânt. 4, 12) - porque assim como a água na fonte fechada está rebentando por sair, e padece violência enquanto se não desafoga no manancial da corrente, assim o leite da Virgem, represado nos sagrados peitos está violento, e quando este se comunica, então eles se aliviam, e como de um peso amorosamente impetuoso se descarregam e descansam.

Até aqui a razão e a Escritura; só resta a experiência, a qual, porém, se tem visto em muitos casos e aparições milagrosas, em que a Soberana Virgem se dignou regalar visivelmente a seus devotos com o néctar celestial de seus sagrados peitos. Quando S. Bernardo, na igreja de Espira prostrado por terra entoou: Monstra te esse Matrem, passando a imagem da Senhora o Menino Jesus de um braço para o outro, com um raio de leite estilado na boca melíflua de Bernardo, bem claramente lhe mostrou que também era Mãe sua. Do santo Abade Fulberto refere Barônio que ainda gozou de mais perto este soberano favor, porque não só lhe concedeu a Virgem que gostasse a suavidade do leite, com que tinha criado a Deus, como orvalho da aurora caído do céu, mas apartando a roupa de sobre os peitos, lhe permitiu que o bebesse nas próprias fontes. Quase expirando estava um sacerdote muito devoto da mesma Rainha dos Anjos, com acerbíssimas dores, e conta S. Pedro Damião que a Senhora lhe apareceu visivelmente, e fazendo-lhe o lenitivo de seu próprio leite, no mesmo instante não só se abrandaram, mas cessaram totalmente as dores, e resti tuído à vida, de que já tinha perdido as esperanças, conservou sempre nos beiços a cor do medicamento com que fora curado. O mesmo refere Vincêncio Belvacense de outro também sacerdote e também agonizante, não permitindo a Mãe de misericórdia que a boca e língua com que era louvada, a acabasse de comer o câncer, de que já estava emudecida e corrupta; e, pagando com o leite vital de seus virginais peitos a devoção com que o mesmo sacerdote, todas as vezes que via alguma imagem da Senhora, a saudava, dizendo: Beatus venter qui te portavit et ubera quae suxisti[3]. Em suma, que não só a razão e a Escritura, senão também a experiência nos ensina que o leite com que a Virgem Maria sustentou ao Filho de Deus, não é somente seu, senão também nosso, e também nossas as duas fontes suavíssimas de seus peitos, as quais, quando a mesma Senhora é servida, se desfecham liberalmente e manam para nosso remédio.

Mas porque este soberano favor, como mostram as mesmas experiências referidas, é particular e de poucos, o meu intento hoje será provar que também pode ser universal e de todos, se nós quisermos. E não quero que me pergunteis o como, por que já se entende que há de ser por meio do Rosário. Digo pois - ou direi - que a todos os devotos do Rosário comunica a Virgem, Senhora nossa, o leite celestial de seus piedosíssimos peitos, não para a vida, ou saúde temporal, que é pouco, mas para a eterna. E por quê? Agora vai o assunto em próprios termos. Porque o Rosário é uma nova Via Láctea, a qual abriu e regou a Senhora com seu próprio leite na terra, para que por ela subamos facilmente ao céu. A novidade e dificuldade da proposta necessita de muita graça. Ave Maria, etc.

§II

Como tudo o que disseram filósofos, matemáticos e poetas da Via Láctea se verifica com admirável propriedade no Rosário. O círculo lácteo e o círculo do Rosário.

Da Via Láctea, famosa entre filósofos e poetas, parte a filosofia em ver, so, e parte a poesia em fábula, dizem elegantemente assim:

Est via sublimis caelo manifesta sereno;

Lactea nomen habet, candore notabilis ipso:

Hac iter est superis ad magni tecla Tonantis[4]

Vem a dizer na nossa prosa que no céu há um caminho claro e manifesto, ao qual, pela brancura, tomando o nome de leite, chamaram Via Láctea, e que esta é a estrada por onde os habitantes do céu sobem aos altos palácios do grande Tonante, isto é, gentilicamente, de Júpiter, e, cristãmente, de Deus. Vamos agora dividindo este pequeno ou grandíssimo mapa, e veremos como tudo o que dele disseram filósofos, matemáticos e poetas, se verifica com admirável propriedade no Rosário.

Primeiramente, deixando o nome de via para seu lugar, assim como os gregos pela cor lhe chamaram galáxia, assim todos pela figura lhe chamam círculo; e com particular razão[5] Porque sendo onze os círculos em que os matemáticos, por várias partes e com diferentes considerações cortam e dividem o céu, os dez todos são imaginários, e só o círculo lácteo, real e visível. E tal é o Rosário, formado em figura circular, o qual trazemos nas mãos, não só visível, mas palpável. Ptolomeu observou que a Via Láctea não é simples, senão-composta de duas como ametades sensivelmente divididas, mas sempre continuadas e uniformes. E estas são as duas partes de que tantas vezes temos dito se compõe o Rosário, uma vocal, outra mental, de tal modo, porém, diversas e distintas, que sempre se acompanham, porque nem a voz sem a meditação, nem a meditação sem a voz, fazem perfeito Rosário. Teofrasto, com opinião singular, teve para si que a via ou círculo lácteo, é a união com que na esfera celeste se ajuntam os dois hemisférios, superior e inferior, dos quais assim juntos e unidos resulta e se faz um só globo. E quem não vê nesta semelhança que tal é a matéria mental do Rosário, disposta toda e ordenada pelos mistérios da Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, em quem o hemisfério superior, que é a natureza divina, e o inferior, que é a humana, se ajuntam inefavelmente em um só suposto? Aristóteles, filosofando diversamente sobre a mesma matéria, diz que não é outra coisa senão as exalações da terra que, subidas e elevadas ao alto, concebendo fogo, se acendem, e deste incêndio natural e contínuo, se difunde ou reverbera a claridade que vemos. E que outra coisa é com a mesma propriedade a parte vocal do Rosário, cujas orações, se as rezamos com aquele fervor a que as suas mesmas palavras nos excitam, sobem ao céu acesas e ardentes, qual é o estado do coração donde devem sair? Porque, se o coração está frio se convertem em regelo, se distraído, em fumo, e se fervoroso, em fogo. Finalmente, S. João Damasceno com a sentença mais recebida nas escolas, diz que a Via Láctea é no oitavo céu um agregado ou multidão de estrelas, umas grandes que se distinguem e vêem, e outras pequenas, que por sua menoridade, número e distância, se não podem ver nem contar. Nós, porém, no círculo do Rosário que vemos de mais perto, as distinguimos e contamos, porque as grandes e as pequenas se reduzem nele a certo número, sendo as pequenas as AveMarias, a que vulgarmente chamamos contas, e as grandes os Padres-nossos, a que chamamos extremos. De sorte que quanto os sábios disseram, ou afirmando com certeza, ou opinando com probabilidade, ou imaginando e fantasiando sem ela, ou na matéria, ou na forma, ou na figura da Via Láctea, tudo com as mesmas propriedades se verifica no Rosário.

§ III

As causas por que é via e por que é láctea. O que diz Aristóteles. Assim como o sol fez aquela via, deixando nela os vestígios dos seus passos, assim Cristo fez a via do Rosário, deixando nele expressos os mesmos passos e os mesmos vestígios. A admirável metáfora de Davi. As três vias que Salomão disse serem muito dificultosas de entender

Passando agora às causas porque é via e porque é láctea, em ambas veremos o mesmo Rosário, mais naturalmente ainda e mais ilustremente retratado. Alguns filósofos da escola de Pitágoras, como refere Aristóteles, dizem que por aquela parte, onde hoje se mostra o círculo lácteo, passou antigamente um astro, cujos vestígios ficaram impressos e sinalados no céu, e deles, sem nunca mais se apagarem, se formou a via ou estrada que por sua brancura se chama láctea. Não convêm, porém, entre si estes mesmos filósofos, na declaração de que astro fosse este, porque uns dizem que foi o sol, outros que foi nascido do mesmo sol, e por isso deu ocasião à fábula de Faetonte. As palavras de Aristóteles, no seu melhor e mais claro parafraste, são estas: Sententia es t quorumdam pythagoraeorum, qui dixerunt galaxiam esse viam per quam aliquando suum cursum peregit aliquod astrum, quod suo transitu hanc caeli partem exurens, vel alio modo alterans, lacteo candore signatam reliquit. Verum isti auctores non conveniunt in explicando quodnam astrum per hanc viam transierit. Aliqui enfim dicunt aliquod novum astrum ortum ex sole, quod occasionem dederit fabulae Phãethontis, alii e contrario asserunt solem ipsum aliquando per talem circulum transiisse[6].

De maneira que na sentença dos pitagóricos a causa e origem da Via Láctea, ou foi o sol ou o filho do sol, o qual, passando circularmente por aquela parte, e deixando nela impressos os vestígios de seus passos, estes são os que sinalaram e propriamente fizeram o mesmo caminho ou via. E quem é o sol, e o filho do sol, senão Cristo? Ele o sol, porque é Deus, e ele o filho do sol, porque é filho do mesmo Deus. Pois, assim como a filosofia pitagórica, dividida em duas opiniões, diz que o sol ou o filho do sol com seus passos fez a Via Láctea, assim a fé católica, unida em uma verdade, nos ensina que os passos de Cristo Deus, e do mesmo Cristo Filho de Deus são os que, formando outra nova via semelhante àquela, fizeram o Rosário. O círculo da Via Láctea, como diz Manílio, começa na Cassiopéia e acaba na Cassiopéia: Orbemque ex illa caeptum concludit in illa[7]. E Cristo diz, falando de si, que o círculo do seu caminho começou no Padre e acabou no Padre: Exivi a Patre, et veni in mundum: iterum relinquo mundum, et vado ad Patrem[8]. Assim, pois, como o sol fez aquela via, deixando nela impressos os vestígios dos seus passos, assim Cristo fez a via do Rosário, e deixando nele expressos os mesmos passos e os mesmos vestígios: Vobis relinquens exemplum ut sequamini vestigia ejus[9].

Tudo disse admiravelmente Davi, debaixo da mesma metáfora do sol: In sole posuit tabernaculum suum; et ipse tanquam sponsus procedens de thalamo suo[10]. Assim como o sol, saindo do oriente, começa o seu caminho circular, assim Cristo, encarnando, começou o seu, e começou-o como Esposo: Tanquam sponsus - porque o primeiro passo com que deu princípio ao círculo do Rosário, foi o mistério da Encarnação, em que se desposou com a natureza humana. Depois deste primeiro passo foi continuando a sua carreira, e de que modo e a que fim? O fim foi com notável propriedade, até no nome, para fazer outra via como aquela do sol: Ad currendam viam[11]. E o modo foi também como o do mesmo sol, com igual correspondência: A summo caelo egressio ejus, et occursus ejus usque ad summum ejus[12]. Assim como o sol fez a Via Láctea caminhando circularmente até tornar ao mesmo lugar donde saíra, assim Cristo fez a via do Rosário, começando-a quando saiu do seio do Padre, e acabando-a quando se assentou à destra do mesmo Padre. O sol passou por diferentes constelações, que são as que se mostram na Via Láctea, umas benignas e humanas, como Gêminis e Perseu, outras monstruosas e feras, como o Escorpião e o Centauro, outras canoras e sublimes, como o Cisne e a Águia. E nos passos com que Cristo fez a via do Rosário, também se vêem e distinguem as mesmas diferenças, umas humanas e benignas, que são os mistérios Gozosos, outras monstruosas e feras, que são os da Paixão e Dolorosos, outras canoras e sublimes, que são os da Ascensão e Gloriosos. Mas por que podia causar dúvida e estranheza que, sendo os passos e mistérios do Rosário só quinze, bastassem tão poucos passos para fazer uma via tão comprida, a esta objeção acudiu o mesmo Davi, advertindo que os passos com que Cristo fez este grande círculo e correu esta grande via eram passos de gigante: Exultavit ut gigas ad currendam viam[13].

É gigante Cristo, porque não só é homem, senão homem e Deus juntamente. Mas, posto que os seus passos, por serem de tão estranha e agigantada medida, pudessem igualar a grandeza do círculo, contudo, para o sinalarem e mostrarem aos que haviam de caminhar por ele, ainda lhe faltava o serem impressos e estampados como estão no Rosário, porque na mesma Via Láctea, assim como foi necessária a cor para ser láctea, assim foram necessários os vestígios para ser via: Viam, per quam aliquando suum cursum peregit, signatam reliquit[14]. Diz Salomão que três coisas ou três vias lhe são muito dificultosas de entender: a via da serpente na pedra, a via da nau no mar, a via da águia no ar: Iria sunt difficilia mihi: Viam aquilae in caelo, viam colubri super petram, viam navis in medio mari (Prov. 30, 18 s). E que dificuldade têm estas três vias, para que a sabedoria do mesmo Salomão as não entenda? A dificuldade é uma só e a mesma em todas três, porque todas são via sem rasto nem vestígio. A via da serpente na pedra é via sem rasto nem vestígio, porque a pedra o não admite, por ser dura e sólida; a via da nau no mar é via sem rasto nem vestígio, porque o mar o não conserva, por ser inquieto e confuso, e a via da águia no ar é via sem rasto nem vestígio, porque o ar o não demonstra, por ser diáfano e invisível. E tudo isto, que assim havia de suceder naturalmente, se venceu e trocou na via do Rosário.

Neste mesmo texto, como comenta Santo Ambrósio em diferentes lugares, Cristo é a serpente, Cristo a nau e Cristo a águia. A serpente: Sicut Moyses exaltavit serpentem in deserto[15]; a nau: Navis institoris de longe portans panem suum[16] : a águia: Aquila grandis magnarum alarum[17]. A serpente nos mistérios da Encarnação, em que Deus se fez visível para nos dar vida: Qui percussus aspexerit serpentem, vivet[18]. Nau nos mistérios da Paixão, em que a tempestade dos tormentos o meteu no fundo domar: Verti in altitudinem maris, et tempestas demersit me[19]. Águia nos mistérios da Ressurreição e Ascensão, em que, subindo, nos abriu o caminho do céu, e no-lo mostrou voando: Sicut aquila provocans ad volandum pullos suos, et super eos volitans, expandit alas[20]. E porque há muitos corações, nem cristãos, nem ainda humanos, uns duros e rebeldes, como as pedras, outros inquietos e perturbados, como o mar, outros leves e inconstantes, como o ar, nos quais os passos da Vida, Morte, e Ressurreição do Filho de Deus não imprimem os vestígios que na passagem que fez por este mundo, deixou seu exemplo nele, para acudir a este descuido, a este esquecimento e a esta grande ingratidão, a soberana Mãe do mesmo Senhor os tornou a estampar pela mesma ordem, no seu Rosário, abrindo nele de novo o caminho do céu, e fazendo daquelas três vias cerradas uma via patente e manifesta.

Est via sublimis caelo manifesta sereno[21]

Viam aquilae in caelo, viam colubri super petram, viam

navis in medio mari (Prov. 30, 18 s).

§ IV

Ainda na parte em que o Rosário se compõe dos mistérios Dolorosos, propriissimamente é Via Láctea, e não sangüínea, porque, assim como todo o leite é sangue branco, por ser sangue convertido em leite, assim o sangue da Paixão de Cristo, por ser sangue também convertido em leite, é propriissimamente sangue branco. Os vestidos de branco, que S. João viu no Apocalipse, lavaram suas estolas no sangue de Cristo.

Mas, porque o apóstolo S. Pedro, fazendo menção destes mesmos vestígios, insiste mais nos da paciência, que são os mistérios Dolorosos e da Paixão: Passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum ut sequamini vestigia ejus[22] - ainda que no Rosário temos bem sinalada e expressa a via, parece que esta não pode ser láctea. Via sim, mas láctea não, senão sangüínea, porque os vestígios que a sinalaram foram estampados em sangue. Se Cristo remira o mundo morrendo a mãos de Herodes quando, pendente dos braços e peitos da Virgem Mãe, se alimentava de seu leite, no tal caso a via, que juntamente começava e acabava com a vida, bem se podia chamar láctea. Mas isto nem foi nem havia de ser, porque já estava vedado na lei em que Deus mandava que o cordeiro se não cozesse no leite de sua Mãe: Non coques agnum in lacte matris suae[23] - no qual preceito, como notaram S. Crisóstomo e Santo Agostinho, se declarou o decreto divino, de que Cristo não morresse na infância, senão na idade de varão perfeito[24]. Logo os vestígios que o mesmo Senhor nos deixou de sua Paixão, ainda que nesta parte sinalam e demonstram bem a via como estampados em sangue, com a cor, porém, do mesmo sangue, parece que lhe tiram o nome de láctea.

Assim parece, mas não é assim. Ainda na parte em que o Rosário se compõe dos mistérios Dolorosos, e da Paixão e sangue de Cristo, digo que propriissimamente é Via Láctea, e por quê? Porque assim como todo o leite é sangue branco, por ser sangue convertido em leite, assim o sangue da Paixão de Cristo, por ser sangue também convertido em leite, é propriissimamente sangue branco. Viu S. João no seu Apocalipse uma grande multidão de todas as nações e gentes do mundo, todos vestidos de estolas ou roupas brancas: Amicti stolis albis (Apc. 7, 9) - e a razão desta brancura dos vestidos, lhe disse um dos vinte quatro anciãos que era porque todos tinham lavado as suas estolas no sangue do Cordeiro, e as tinham branqueado nele: Qui laverunt stolas suas, et dealbaverunt eas in San guine agni (Apc. 7, 14). A dúvida que traz consigo a palavra dealbaverunt até os olhos a estão vendo. Os vestidos de branco que S. João viu, são todos os bem-aventurados, dos quais se diz, com grande propriedade, que lavaram as suas estolas no sangue do Cordeiro, porque o sangue de Cristo nos lavou e lava das manchas do pecado, com as quais não pode haver graça, nem glória; mas que se diga que o mesmo sangue, sendo vermelho, as branqueou: Dealbaverunt eas in sanguine Agni? Sim. Porque o sangue, com que Cristo nos remiu na cruz, é sangue convertido em leite. Assim responde Alberto Magno, comentando o mesmo texto, e dá a razão desta sua filosofia: Quia sanguis per multam decoctionem fit lac, ut patet in naturali generatione lactis, quando generatur ex sanguine in mamillis, et quia sanguis Christi maxime fuit decoctus in Passione, ideo dicitur habere naturam lactis: O sangue - diz o grande Alberto - converte-se em leite pela muita decocção, como se vê na geração natural do mesmo leite; e porque o sangue de Cristo teve esta muita e última decocção na cruz, por isso nela adquiriu a natureza e cor de leite, com que se pode fazer branco. -O mesmo pensamento tinha já declarado S. Bernardo-que foi o primeiro autor desta sutileza-dizendo em mais breves palavras, que aquelas estolas se fizeram brancas no sangue do Cordeiro porque é sangue lácteo: Candidas in sanguine Agni novelli, sanguine lacteo[25]. E se o sangue de Cristo, por virtude do leite que recebeu dos peitos de sua Mãe, quando recém-nascido - que a isso  alude o  adita mento de Agni novelli - foi sangue convertido em leite e sangue lácteo, os vestígios que nele imprimiram os mistérios da Paixão, de nenhum modo impedem a cor nem o nome de láctea à via do Rosário, antes também nesta parte a fazem láctea.

§V

A origem da Via Láctea nos versos de Manílio. Quem é a Rainha do céu, de que fala o poeta? O Beato Alano, restaurador da devoção do Rosário. Quando a Virgem, Senhora nossa, manda pregar e apregoar o Rosário em todo o mundo, como via e caminho certo do céu, não só dá ao pregador de sua mão o mesmo Rosário, senão também o leite de seus peitos. O caminho do céu nos poetas pagãos e em Davi. Os sacrifícios oferecidos a Deus, o Rosário e as vítimas da boca, de que fala o profeta Oséias.

Removido, pois, este impedimento, e vindo à ocasião e origem por que a antigüidade deu à Via Láctea um tal sobrenome, derivado mais do leite que da neve ou açucena, ou de alguma outra espécie igualmente branca, mais parece o caso inventado e fingido por mim, que referido pelos autores da mesma antigüidade, entre os quais o já alegado Manílio o conta desta sorte:

Nec mihi celanda est fama vulgata vetustas

Mollior, e niveo lactis fluxisse liquorem

Pectore reginae divum, caelumque colore

Infecisse suo: quapropter lacteus orbis

Dicitur, et nomen causa descendit ab ista[26]

Torno a repetir que mais parece a propriedade do caso, e as mesmas palavras com que se refere, fingidas e inventadas para o presente assunto, que escritas, como foram, mil e quinhentos anos antes. Querem dizer: que a origem da Via Láctea, e ocasião de se chamar assim o círculo celeste, de que falamos, foi porque a rainha do céu e dos santos a fez e sinalou com o leite dos seus peitos:

...Lactis fluxisse liquorem

Pectore regime divum:

E que este mesmo leite lhe deu o nome de láctea

...Quapropter

lacteus orbis

Dicitur, et nomen causa descendit ab ista.

Quem é, pois, a Rainha do céu e dos santos, senão a Virgem Maria, Senhora nossa? E qual é o círculo da Via Láctea, senão o do seu Rosário? E qual é ou foi o leite, com que deu princípio a esta via, senão o que, manando de seus benditíssimos peitos sustentou o Filho de Deus nos gozosos rudimentos de sua infância, que foram os primeiros mistérios do mesmo Rosário? Por isso disse judiciosamente Tertuliano que na crença dos acontecimentos fabulosos dispôs Deus a gentilidade para a fé dos mistérios verdadeiros.

E para que se veja quão propriamente se correspondem no mesmo Rosário a falsa crença com a fé, o fingimento com a verdade e a pintura fabulosa com a realidade do caso, ouçamos o que fez a mesma Senhora do Rosário para o tomar a introduzir no mundo, quando o viu quase esquecido e apagado da memória dos mesmos homens, que com tanta devoção e aplauso o tinham abraçado em seus princípios. Elegeu por restaurador dele ao Beato Alano, religioso da sagrada família dos Pregadores, natural da Baixa Alemanha; e, constituindo-o por sua própria pessoa naquela grande dignidade, cuja soberania só conhecia quem a dava, quais vos parece que seriam as cerimônias de um ato tão solene? Primeiramente, tirando a Senhora um colar, de que vinha adornada, em que as jóias preciosíssimas, e o número delas, formavam um Rosário de inestimável valor, o lançou ao pescoço de Alano, o qual, mais prostrado que de joelhos, o recebeu com profundíssima humildade. Então, abrindo a Rainha dos Anjos, como sai o sol de entre as nuvens, um e outro peito sacratíssimo, com o mesmo leite com que tinha criado o Criador, copiosamente estilado de ambos, melhor que o serafim de Isaías, lhe purificou a boca e língua com que havia de pregar o Rosário. Por fim, com breves palavras, e de grande majestade, lhe declarou como aquele era o caminho do céu, e lhe encarregou que assim o ensinasse a todo o mundo. Com isto desapareceu a visão, e se acabou o ato. De maneira que quando a Virgem, Senhora nossa, manda pregar e apregoar o Rosário em todo o mundo, como via e caminho certo do céu, não só dá ao pregador de sua mão o mesmo Rosário, senão também o leite de seus peitos, para que ele e todos entendamos que aquela via, não só tem da mesma Senhora o ser via sua, senão também o ser Via Láctea.

E quanto a ser caminho do céu, também esta observação não faltou à antigüidade tão fabulosa como crédula. Criam os antigos que aquela deidade, entre todas as femininas suprema, a quem eles chamavam rainha dos deuses, tinha feito a Via Láctea, para que por ela subissem os que fossem dignos do céu. Assim o diz o mesmo Manílio, acrescentados aos versos que recitei, estes:

Hac fortes animae, dignataque nomina caelo

Corporibus resoluta suis, terra que remissa

Huc migrant ex orbe[27].

É o que disse com a mesma crença Ovídio: Hac iter est superis ad magni tecta Tonantis[28],

Mas antes deles o tinha já dito e profetizado Davi, com o próprio sentido, e quase com as próprias palavras: Et illic iter quo ostendam illi salutare Dei[29] Eles falaram do caminho e via fabulosa, e Davi da verdadeira e certa, pela qual sem dúvida se sobe ao céu, se consegue a salvação e se vai ver a Deus. Mas qual é este caminho, e via certa? Ouçamos todo o texto, e ele nos dirá que é o Rosário: Intelligite haec, qui obliviscimini Deum; nequando rapiat, et non sit qui eripiat. Sacrificium laudis honorificabit me; et illic iter quo ostendam illi salutare Dei (SI. 49, 22 s): Entendei - diz - este grande segredo, vós, que tão esquecidos andais de Deus, para que vos não aconteça ir ao inferno, donde não haverá quem vos livre. Honrai a Deus com o sacrifício de seus louvores, porque este é o caminho que vos levará ao céu. - Já no mesmo salmo tinha Deus renunciado os sacrifícios de sangue, que eram bezerros e cordeiros mortos, os quais não tinham virtude de levar ao céu. Porém, agora que ensina o verdadeiro caminho do mesmo céu: Et illic iter quo ostendam illi salutare Dei - comuta o mesmo Deus todos aqueles sacrifícios em um só sacrifício, que chama sacrifício de louvor: Sacrificium laudis honorificabit me[30] - o qual sacrifício consistia, em quê? Consistia na memória de Deus e dos benefícios divinos - que por isso se queixa do esquecimento: Qui obliviscimini Deum[31]-e no louvor e ação de graças, com que reconhecemos, veneramos e louvamos a Deus como autor dos mesmos benefícios, que são os dois atos de religião, em que se contém o próprio e total instituto, assim vocal como mental do Rosário.

Depois de perdido o gênero humano, os benefícios inefáveis com que Deus o restaurou e restituiu ao fim altíssimo para que o tinha criado foram três: fazer-se homem como nós, morrer por nós e franquear-nos por este meio o caminho e portas do céu, onde o gozássemos. E na consideração e agradecimento destes três benefícios, se empregam e dividem as três partes de todo o Rosário. A primeira nos mistérios Gozosos, que são os da Encarnação; a segunda nos Dolorosos, que são os da Paixão; a terceira nos Gloriosos, que são os da Ressurreição e Ascensão. A cada um destes benefícios divinos levantou o Rosário cinco altares, em que se vêem historiados os cinco principais mistérios e passos deles. E em cada um oferece o mesmo Rosário o sacrifício que Deus antepôs e estima sobre todos: mentalmente, na memória e consideração de cada mistério, e vocalmente no louvor e ação de graças por cada um em particular. E por que não pareça que, ao menos na parte vocal e exterior das palavras e vozes, com que em uma e outra oração do Rosário louvamos a Deus, se não verifica com propriedade o nome de sacrifício, a estas mesmas palavras chamou o profeta Oséias, com singular energia, e maior do que cabe na nossa língua: Vítulos labiorum (Os. 14, 3): Vítimas da boca. - Levai convosco aos altares - diz o profeta - não bezerros ou cordeiros, senão palavras somente: Tollite vobiscum verbas - e estas palavras, nas quais vos ofereceis a vós mesmos - que por isso diz: tollite vobiscum - serão as vítimas e sacrifícios, com que melhor pagareis a Deus todo o bem que receberdes de sua divina mão: Accipe bonum, et reddemus vitulos labiorum nostrorum[32]. A razão desta diferença e vantagem é manifesta, porque nos outros sacrifícios derrama-se o sangue de animais sem alma, e nestes - segundo o texto: Effundite coram illo corda vestra[33] - derramam-se os corações e as almas em afetos de gosto, de dor, de júbilo, de louvor e ação de graças, que são os que mais honram a Deus, e de que Deus mais se honra: Sacrificium laudis honorificabit me. Assim declara a preferência deste sacrifício o Doutor Máximo, S. Jerônimo, mas eu ainda tenho outro doutor maior que o Máximo, que é S. Paulo, o qual, com o mesmo texto de Oséias, declarou o nosso de Davi: Per ipsum ergo offeramus hostiam laudis semper Deo, id est, fructum labiorum[34]. O hostiam laudis é o sacrificium laudis de Davi: o fructum labiorum é o vitulos labiorum de Oséias; e um e outro juntos, com S. Paulo, nos asseguram na Via Láctea do Rosário o caminho certo do céu: Et illic iter quo ostendam illi salutare Dei (SI. 49, 23).

VI

Jeremias e os caminhos ou estradas do céu. A via larga e espaçosa, e a via estreita e apertada. O Rosário, terceira via entre a larga e a estreita. O leite racional dos recém-nascidos, de que fala S. Pedro. A visão do Beato Leão, companheiro de S. Francisco. Favores da Virgem à beata Paula Florentina, discípula de S. Roque.

Temos mostrado como o Rosário, trazendo sua origem dos peitos e leite puríssimo da sempre Virgem, é a verdadeira Via Láctea, em que a Rainha dos Anjos nos abriu um novo caminho ou estrada real, por onde todos os que quiserem podem ir ao céu. Mas, porque o mesmo céu, em que S. João viu muitas portas, pode ter outros caminhos, agora entra aqui o preceito ou conselho de Jeremias, em que, a todos os que fazem conta de ir ao céu, exorta desta maneira: State super vias, et videte, et interrogate de semitis antiquis quae sit via bona, et ambulate in ea; et invenietis refrigerium animabus vestris[35]: Homens cristãos, que tendes fé e esperança, que sabeis que haveis de morrer, e que depois da morte podeis ir ou não ir ao céu, vede o caminho que levais, e antes que façais eleição do que deveis seguir: State super vias, et videte: parai a vista dos caminhos que se vos oferecem, e vede bem quais são. Interrogate de semitis antiquis: perguntai quais foram os caminhos que seguiram os antigos que viveram antes de vós, e qual foi também a sua vida e a sua morte. Perguntai - diz - interrogate - e pode ser que não seja necessário perguntar, porque as nossas experiências e os nossos olhos nos podem bem informar dos que vimos, se acaso não formos tão cegos como eles. Finalmente, examinai bem quae sit via bona: qual é a boa e melhor via; Et ambulate in ea: e caminhai por ela, e ela vos levará ao bom fim e descanso de vossas almas: Et invenietis refrigerium animabus vestris.

Isto é o que Jeremias aconselha a todos os que têm fé, se têm juízo, e este é o ponto em que estamos à vista da Via Láctea do Rosário da Virgem, Senhora nossa, caminho muito menos antigo e muito diverso dos que nos mostrou o próprio Filho de Deus e seu, mil e duzentos anos antes. Cristo, Redentor e Mestre do mundo, distinguindo os vários caminhos por onde todo ele vai ou é levado, reduziu-os a duas estradas gerais, ou vias. Lata porta, et spatiosa via est, quae ducit ad perditionem, et multi sunt qui intrant per eam. Quam angusta porta, et arcta via est, quae ducit ad vitam: et pauci sunt qui inveniunt eam (Mt. 7, 13 s)! Neste mundo, diz o Senhor, há duas portas e duas vias: uma via muito larga e espaçosa, que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela; outra via muito estreita e muito apertada, que guia à vida eterna, e são poucos os que a acham! - Notai que da via larga e da perdição, que é a de muitos, diz o Senhor que entram por ela: Et multi sunt qui intrant per eam - e da via estreita e da salvação, que é a de poucos, diz que a acham: Et pauci sunt, qui inveniunt eam - porque o achar é ventura, e estes são os venturosos: os outros, desventurados. Sendo, pois, tão grande e tão clara a diferença destes dois caminhos, e sendo forçoso fazer eleição de um deles, nenhum homem há nem pode haver, se tem uso de razão, que não haja de escolher o da via estreita. Se é cristão, porque assim o resolveu Cristo neste mesmo lugar, dizendo: Contendite intrare per angustam portam[36]; se é gentio, porque assim o entenderam e ensinaram os filósofos, em que é famoso o bívio de Pitágoras; e se ama, e não se tem ódio a si mesmo, porque a via estreita tem por fim a salvação, e a larga a perdição. Pois, se os motivos e razões desta eleição são tão evidentes e manifestos, como há tantos que caminhem pela via larga, e tão poucos pela estreita? Porque tanto pode, e tanta é a força que tem contra a fraqueza humana o presente e o deleitável. A fé olha para o futuro, os sentidos para o presente: o deleitável da fé representa-se ao longe, o dos sentidos goza-se de perto; e como este na via larga se gozam, e na estreita se mortificam - posto que na via larga não faltem pesares, como na estreita consolações - são poucos aqueles em que com prudência e valor prevaleça o espírito contra a carne, e a sujeite aos rigores da via estreita, e muitos, pelo contrário, os fracos e cegos, em que a carne prevalece contra o espírito, e não já cativo e violento, mas voluntário e contente, os leva aos falsos gostos da via larga.

Tudo isto significa aquela grande palavra de Cristo: Cotendite intrare per angustam portam (Lc. 13, 24). Não diz entrai pela via estreita, mas contendei a entrar por ela. E onde se faz esta contenda, e entre quem? Dentro em nós mesmos, e entre a carne e o espírito. Como os caminhos são somente dois, sobre a eleição de qual se há de seguir é que se arma esta contenda, estando o espírito com o anjo da guarda por parte da via estreita, e a carne com o demônio por parte da larga. Mas aqui entrou a Virgem, Senhora nossa, a partir a contenda com seu Rosário. Compadecida a Virgem Maria, como Mãe de piedade e misericórdia, dos poucos que caminham à Salvação pela via estreita, e dos muitos que se precipitam à perdição pela via larga, fez outra terceira via, que é a láctea do seu Rosário, da qual se pode fazer nova eleição, sem os receios de uma e outra. Como se dissera a Senhora: Adhuc excellenpiorem viam vobis demonstro[37]. É o Rosário uma via meia, entre a larga e a estreita, a qual, abraçando as conveniências de ambas, não padece os inconvenientes de cada uma. Na via larga receia-se o perigo, na estreita receia-se o trabalho; e a via do Rosário tem o útil da estreita, sem o trabalho, e o fácil da larga, sem o perigo. O útil da estreita, que é a salvação, sem o trabalho, porque é muito fácil; e o fácil da larga sem o perigo, que é a perdição, porque não é trabalhosa, senão suave, por isso mesmo láctea.

Para aceitar esta terceira via, e entrar por ela, não são necessárias contendas nem disputas entre a carne e o espírito, porque cessam as razões da via estreita e as da larga, e sem discurso, nem ainda uso da razão, a podem abraçar até os mais fracos e mais mimosos. Notáveis são os termos com que o Príncipe dos Apóstolos, S. Pedro, exorta aos novos cristãos do Ponto, Galácia, e Capadócia, a abraçar o jugo suave da lei de Cristo e crescer na perfeição dela: Sicut modo geniti infantes, rationabile, sine dolo lac concupiscite, ut in eo crescatis in salutem: si tamen gustastis quoniam dulcis est Dominus (1 Pdr. 2, 2 s): Como infantes recém-nascidos apetecei o leite racional da lei e doutrina de Cristo, para que com ela cresçais, se é que tendes gosto para perceber quão suave é o Senhor. - Em duas coisas reparo aqui: a primeira, em chamar ao leite racional: rationabile lac - a segunda, em dizer que o apeteçam, sendo homens adultos, como meninos recém-nascidos: sicut modo geniti infantes. Os meninos recém-nascidos não têm uso de razão: pois, se quer que eles apeteçam o leite sem uso de razão, por que chama ao leite racional? Porque é tão racional o mesmo leite em si mesmo, que não é necessário uso de razão para o apetecer. O mesmo digo da Via Láctea do Rosário. As outras duas vias, larga e estreita, cada uma tem suas razões para serem ou não serem apetecidas; porém, o Rosário é tão racional em si mesmo, por abraçar as utilidades e conveniências de ambas, que não é necessário discurso nem uso da razão para se apetecer e para se antepor na eleição a cada uma das outras. Não é necessário o discurso, basta o gosto: Si tamen gustastis. S. Pedro diz: Quoniam dulcis est Dominus[38]: e nós digamos: Quoniam dulcis est Domina.

E para que isto se julgue com a experiência dos olhos, sendo a via que Cristo antepõe à estreita, comparemos a via estreita de Cristo com a láctea de sua Mãe, e vejamos qual se deve mais seguramente seguir. O beato Leão, que foi um dos companheiros de S. Francisco, teve uma visão, a que assistiu o mesmo patriarca seráfico, desta maneira. Representou-se-lhe o grande teatro do dia do juízo, e que de uma e outra parte estavam arrimadas desde a terra ao céu duas escadas, uma vermelha, no alto da qual se via inclinado Cristo, e outra branca, e nela do mesmo modo a Virgem Maria: Alteram purpuream, cui Christus incumbebat, alteram candido colore, cui Maria Virgo Christi Mater innitebatur[39]. Vendo pois S. Francisco estas duas escadas, como ele sempre fora o mais exato seguidor da aspereza e da cruz, exortou a todos seus religiosos que subissem pela escada vermelha, o que eles também fizeram com grande resolução. Mas com que sucesso? Alius ex tertio, alius e quarto gradu, alius ex alto misere decidebant. Turbados com o aspecto terrível do supremo juiz que no fim da escada os esperava, uns caíam logo ao terceiro degrau, outros ao quarto, outros, tendo subido mais alto, também caíam todos miseravelmente. E que fez então a caridade e prudência de Francisco, à vista desta ruína de seus filhos? Mudou com a experiência de parecer: disse-lhes que todos se passassem à escada branca, e foi com tanta felicidade que, recebendo-os por ela com grande benignidade a Virgem Santíssima, todos, sem nenhum cair, subiram ao céu: Qua clade commotus Franciscus eos ad candidam revocat, ubi blandissime a Virgine suscepti ad unum omnes in caelum evaserunt. - Aqui não temos necessidade de antepor o nosso juízo, pois temos, e tão declarado, o do maior serafim da terra. A escada vermelha é a via estreita de Cristo: a branca é a Via Láctea de sua Mãe; e na comparação de uma e outra, depois de S. Francisco escolher a estreita, convencido da experiência, o mesmo S. Francisco escolheu a láctea.

O tempo em que sucedeu esta visão, foi o mesmo em que S. Domingos, irmão e companheiro de S. Francisco, começava a publicar o Rosário. E que este fosse a Via Láctea da Senhora se prova por dois argumentos. O primeiro, a cor branca da escada: alteram candido colore - que é a que deu o nome de láctea à mesma via:

Lactea nomen habet, candore notabilis ipso[40],

A segunda, e mais própria e sem metáfora, o modo com que a mesma Senhora encaminhou para o céu, por outra semelhante escada, a Beata Paula Florentina. Era muito devota esta santa do Menino Jesus aos peitos de sua Santíssima Mãe, e pagoulhe a Virgem esta devoção com dois notáveis favores. Não só lhe deu a gostar a suavidade do leite de seus peitos, senão que da boca do mesmo Menino o passasse à sua, e logo lhe disse que Saluctoro Camaldulense lhe mostraria o caminho do céu, o qual caminho foi uma escada, pela qual subiam vestidos de branco os discípulos de S. Romualdo, de que ela também se fez discípula, e subiu pela mesma escada. De sorte, que o leite da Senhora foi a disposição do caminho do céu, e o caminho do céu a conseqüência do leite da Senhora, para que ninguém duvide ser esta a verdadeira Via Láctea, e a mais fácil e segura de todas as vias. Da via larga nota Santo Ambrósio que nela, como no mar largo, são grandes as tempestades; na via estreita, como nos estreitos do mar, se levantam também muitas ondas, e andam os mares cruzados: só pela Via Láctea da Senhora, que é o seu Rosário, se navega sempre por mar de leite, e com maré de rosas.

VII

Quando Cristo tomava os peitos de sua Mãe, juntamente bebia com ele o esquecimento de nossos pecados. Por que diz o Senhor nos Cânticos que, quando tomava os peitos de sua Mãe, o leite que bebia tinha para com ele os efeitos da doçura do vinho: fazer esquecer e trocar o juízo? Por que meio se consegue a segunda purificação ou batismo do leite da Senhora?

Mas, porque estes dois exemplos, o do beato Leão, entre os homens, e o da Beata Paula, entre as mulheres, por serem ambos de almas justas e santas, não façam algum escrúpulo ou causem alguma desconfiança aos pecadores, saibam que se o estado da graça e do pecado são dois, e tão diferentes, os peitos da Mãe de Misericórdia também são dois, mas sem diferença alguma. Beata Virgo habet duo ubera geminae charitatis lac fundentia, quia reis impetrat veniam, et justis gratiam - diz Ricardo Victorino[41]: Os dois peitos da Virgem puríssima são duas fontes de piedade e amor, que igualmente comunicam o leite a justos e pecadores: aos pecadores, alcançando-lhes o perdão, e aos justos a graça. - E se alguém me perguntar: donde tem o leite da Senhora esta grande virtude sobre os pecados, os quais só pode perdoar seu Filho, respondo que é qualidade natural e própria do mesmo leite, o qual, quando Cristo tomava os peitos de sua Mãe, juntamente bebia com ele o esquecimento de nossos pecados. Grande dito é este, se se provara, mas a prova não é de outra boca, senão da mesma que gostou o leite, e do mesmo Filho que se nutriu com ele.

No capítulo quinto dos Cânticos em que se manifestam os afetos, e os efeitos mais interiores do amor de Cristo e sua Mãe - que são o Esposo e a Esposa daquele epitalâmio - diz Cristo que no tempo em que se alimentava dos peitos virginais, com o seu leite bebia juntamente vinho: Bivi vinum cum lacte meo (Cânt. 5, 1). Estas palavras tão notáveis podem ter dois sentidos: ou que o vinho e o leite fossem dois licores distintos, ou que o leite por si só tivesse o sabor e efeito de ambos. Esta segunda inteligência é mais própria e natural, e se prova de outros dois textos dos mesmos Cânticos: Pulchriora sunt ubera tua vino. Memores uberum tuorum super vinum[42]. E melhor ainda do terceiro: Ubera tua sicut botri[43] - onde os peitos da Senhora, com outra semelhança também camponesa, se comparam a dois racimos de uvas, para significar que o leite e o vinho se espremiam e bebiam juntamente das mesmas fontes. Isto posto, que é o certo e literal, saibamos agora qual é o mistério, e por que diz Cristo que os efeitos que causava nele o leite de sua Mãe, não só eram de leite, senão também de vinho: Bibi vinum cum lacte meo[44]? Porque o leite tem só por efeito alimentar e nutrir, e o vinho tem de mais, subir e alterar o juízo, e fazer perder a memória do que dá desgosto e pena. Assim o diz e receita o melhor intérprete das qualidades naturais, Salomão: Date vinum his qui amaro sunt animo. Bibant, et obliviscantur egestatis suae, et doloris sui non recordentur amplius (Prov. 31, 6 s): Aos que têm: desgosto e pena, dai-lhes vinho, para que bebendo, se esqueçam, e não se lembrem mais da sua dor. - E como nenhuma coisa pode causar dor, e desgostar e dar pena a Deus, senão aquela que só o ofende, que são os pecados, por isso diz o mesmo Senhor que, quando tomava os peitos de 0sua Mãe, o leite que bebia tinha para com ele os efeitos da doçura do vinho: Bibi vinum cum lacte meo - porque é qualidade e virtude natural daquele néctar puríssimo causar em Deus um como esquecimento total dos pecados dos homens, e trocarlhe de tal modo o juízo, que os não haja de castigar, como se nunca foram. Não é o comento e declaração minha, senão do Cardeal Hailgrino, por estas excelentes palavras: Potentioris et uberioris efficatiae sunt ubera Mariae Virginis quam vinum. Nam vinum inebriare potest hominem, ut praeteritarum immemor sit injuriarium, et sit facilis ad condonandum, largus ad dandum. Ubera vero Virginis, Deum quasi inebriare potuerunt, nam postquam de Matris uberibus lac suxit, ac si cum lactis dulcedine dulcedinem bibisset misericordiae, projecit ab oculis suis peccata nostra post tergum, et factos est largos ad dandam peccatorum veniam, largus ad dandam gratiam, et operum justitiam. É o que dos dois peitos da Senhora tinha dito Ricardo em duas palavras: Peccatoribus veniam, justis gratiam.

Assim que não só os justos, senão igualmente os pecadores, subindo pela Via Láctea, que com seu leite começou e com seu leite aperfeiçoou a verdadeira Rainha do céu, seguros podem estar de que por graça e merecimento do mesmo leite, e purificados nele, chegarão a ver e gozar no mesmo céu, a clara e bem-aventurada vista, que só se concede aos olhos puros. Destes olhos - falando do corpo místico de Cristo, que são todos os fiéis - diz assim o Espírito Santo: Oculi ejus sicut columbae rivulos aquarum, quae lacte sunt lotae (Cânt. 5, 12): Os seus olhos são como as pombas, que sobre as correntes das águas se lavaram em leite. - De sorte que estes olhos, semelhantes na brancura e pureza às pombas, não só se lavaram uma vez, senão duas: uma vez nas correntes das águas, e outra vez sobre esta, em leite. E que dois lavatórios são estes, um depois do outro? O primeiro, e de água, é o do batismo, o qual basta para os olhos verem a Deus, mas somente os dos justos que, depois de batizados, conservaram a graça; o segundo, e de leite, é o dos peitos e piedade da Virgem Santíssima, o qual, como segundo batismo, é necessário aos olhos dos pecadores, para que outra vez purificados e perdoados, possam também gozar da mesma vista. Mas ainda resta saber por que meio se consegue esta segunda purificação, ou segundo batismo do leite da Senhora? Digo que caminhando pela Via Láctea do seu Rosário. Assim o disse sem querer ou sem saber o que dizia, este lugar, o doutíssimo Cornélio. Diz que o texto se entende de qualquer alma: Quae uni Deo, orando et meditando, intendit. E que almas são estas que atendem e se ocupam em meditar e orar a Deus, senão as dos devotos do Rosário, cujo exercício própria e totalmente consiste em orar a Deus e meditar seus mistérios? Estes olhos, pois, que orando se levantam, e meditando se fixam em Deus, posto que tenham sido pecadores, são os que, purificados no leite da Senhora, e caminhando pela sua Via Láctea, sobem a o ver no céu.

§ VIII

A alegoria da fábula, melhor cumprida nos que por virtude do Rosário obraram heroicamente maiores maravilhas. A admirável vitória de Barac contra Sisara. As novas e infinitas estrelas da Via Láctea, e os santos canonizados pela Igreja.

Eu bem sei que os primeiros intérpretes da Via Láctea só concederam o privilégio desta estrada aos heróis e varões famosos, que por ela subiam a ser semideuses, como Hércules, os dois Atridas, alguns dos Césares, por lisonja, e os Cipiões, por façanhas. Mas a alegoria desta fábula - da qual falou mais sisudamente Marco Túlio - muito melhor se vê cumprida nos que, por virtude do Rosário, obraram heroicamente maiores maravilhas. É admirável a este propósito a vitória de Barac contra Sisara, por todas suas circunstâncias. O nome de Barac, capitão do exército israelítico, quer dizer raio, no sentido em que disse o poeta:

Duo fulmina belli, Scipiadas[45]

Mas não lhe bastaria ser raio na guerra para alcançar uma tão prodigiosa vitória, se não fosse socorrido e ajudado do céu e mais da terra, como conta a Escritura no epinício do seu triunfo. Do céu diz que pelejaram contra os inimigos as estrelas postas todas por sua ordem: De caelo dimicatum est contra eos: stellae manentes in ordine suo[46]. Da terra diz que, fugindo da batalha Sisara vivo Jael, com o leite que lhe deu a beber, o matou a seu salvo: Aquam petenti lac dedit. Percussitque Sisaram[47]. Agora saibamos que estrelas foram aquelas, e quem é esta Jael? Jael, que por meio do leite acabou de consumar a vitória é a Virgem, Senhora nossa, diz S. Bernardo. E antes dele, e com maior elegância, o tinha já dito o mesmo texto, o qual chama a Jael bendita entre todas as mulheres: Benedicta inter mulieres Jahel[48]. Donde o anjo tomou as palavras com que saudou a Senhora no primeiro mistério do Rosário, e nós a saudamos em todos. E as estrelas, que pelejaram postas em sua ordem: Stellae manentes in ordine suo - são as contas e orações maiores e menores, enfiadas e ordenadas no círculo do mesmo Rosário, com que ele admiravelmente representa a Via Láctea, e se vê na mais certa e recebida sentença de S. João Damasceno: Lacteus circulus magnarum et splendidarum copia abundat, arque idcirco tum ob situm, tum ob stellarum earum quae in ipso sunt, multitudinem, et magnitudinem, lac in ipso effici dictitarunt[49].

Esta é, pois, a verdadeira Via Láctea, por onde os mais insignes heróis da Igreja Católica, tão famosos pelos exemplos de suas virtudes, como admiráveis pelos prodígios de seus milagres, carregados de gloriosos despojos, não só subiram ao céu, mas nos ensinaram o fácil e mais seguro caminho. Quando na morte de alguma notável personagem, como se viu na de Júlio César, aparecia no céu algum novo meteoro, daqueles sinais inferia a gentilidade que estava tresladado às estrelas, e colocado entre os deuses[50]. E que diremos nós, se advertirmos, como notou o doutíssimo Ricciolo, que todas as estrelas novas que neste século e no passado apareceram no céu, foram vistas e no-las mostrou Deus dentro do círculo da Via Láctea? Perinde - diz ele - ac si Galaxia promptuarium esses, unde lucida haec protenta Deus in inferiora hujus mundi, cum voluerit, destines[51]: Como se a mesma Via Láctea fosse o prontuário ou tesouro onde Deus tem depositados estes portentos de luz, para os mostrar ao mundo quando é servido. - Isto diz este grande matemático, feliz reformador do antigo Almagesto. Mas nós digamos, alegorizando com grande fundamento estas mesmas novidades, que nelas e com elas nos quis significar o Autor da natureza e da graça, que o Rosário de sua Santíssima Mãe é a verdadeira Via Láctea, pois todos os santos que a Igreja, pelos infalíveis decretos da canonização, colocou no céu e nos mandou venerar neste mesmo século, e no passado, todos, sem excetuar nenhum, foram particulares devotos do Rosário. Meu santo patriarca Inácio, tendo sete horas de oração cada dia, o Rosário era a primeira, por onde começava. S. Francisco Xavier, quando mandava a saúde aos enfermos ausentes, com o seu Rosário lha mandava. S. Francisco de Borja, com três novos atos de confusão, de admiração e de ação de graças, o meditava e oferecia. Em S.Luís Beltrão e Santa Rosa, não só era devoção o Rosário, mas profissão. A Santa Madre Teresa, como mestra do mais elevado espírito, o ilustrou com seus comentários. S. Filipe Nery, que todo era oração, e vivia dela, Santo Tomás de Vila Nova, S. Caetano, S. Francisco de Sales, S. Felipe Benisi, devotíssimos todos da Santíssima Virgem e seus mistérios, todos pregavam o Rosário com a voz, todos o ensinavam com a pena, todos o persuadiam com o exemplo. Mas, assim como na Via Láctea umas estrelas são grandes e notáveis, que se vêem, outras pequenas e inumeráveis, que se não podem ver nem contar, assim no céu, além destes grandes astros canonizados, que conhecemos e veneramos, há infinitas outras almas bem-aventuradas, que lá subiram pela Via Láctea do Rosário, as quais, prostradas diante do trono da soberana Rainha dos anjos, e não esquecidas dos que ainda militamos neste vale de lágrimas, a nós nos dizem: Haec est via, ambulate in ea[52]; e à mesma Senhora, e a seu bendito Filho, cantam e cantarão eternamente: Beata ubera quae suxisti[53].

                     FINIS



[1] E os peitos a que foste criado (Lc. 11, 27)

[2] Richard. a S. Laurent. Ibi.

[3] Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste criado (Lc. 11, 27).

[4] Ovid. Metamorphos. I, 170.

[5] Vide Arsitotel. Conimbricens. Ricom. Et reliquos in Met.

[6] Aritóteles apud. P. Manium.

[7] Manilius, Astronomicon, lib. I, 698.

[8] Eu saí do Pai, e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo, e torno para o Pai (Jo. 16, 28)

[9] Deixando-vos exemplos para que sigais as suas pisadas (1 Pdr. 2, 21).

[10] No sol pôs o seu tabernáculo, ele é como o esposo que sai do seu tálamo (Sl. 18, 6).

[11] Para correr o caminho (ibidem).

[12] A sua saída é desde uma extremidade do céu, e corre ate a outra extremidade dele (ibid. 7)

[13] Deu saltos como gigante para correr o caminho (Sl. 18, 6)

[14] Aristóteles supra, § 515

[15] E como Moisés no deserto levantou a serpente (Jo. 3,14).

[16] Como a nau do negociante, que traz de longe o seu pão (Prov. 31, 14).

[17] Uma águia corpulenta de grandes asas (Ez. 17, 3)

[18] Todo o que, sendo ferido, olhar para ela, viverá (Num. 21, 8).

[19] Cheguei ao alto mar, e a tempestade me submergiu (Sl. 68, 3).

[20] Como uma águia provoca seus filhos a voar, e de contínuo voa sobre eles (Dt. 32, 11).

[21] Ver § 513

[22]Padeceu por nós, deixando-vos exemplo para que sigais as suas piadas ( 1 Pdr. 2, 21).

[23] A vulgata traz haedum, cabrito, em vez de agnum, cordeiro, como está na versão do Setenta: - Não cozerás o cabrito no leite de sua mãe (Ex. 23, 19).

[24] August. q. 90, Crysost, Homil. de Innocentibus.

[25] Bernard. Serm. 1, de Die Paschae.

[26] Manilius, Astronomicon, lib. 1, 750.

[27] Manillus, ubi supra.

[28] Esta é a estrada por onde os habitadores do céu sobem aos altos palácios do grande Tonante. (Ver nota 4)

[29]E ali o caminho onde lhe mostrarei a salvação de Deus. (Sl. 49, 23)

[30] O sacrifício de louvor me honrará (ibidem).

[31]Os que vos esqueceis de Deus (ibid. 22).

[32]Recebe este bem, e nós te oferecemos novilhos em sacrifício, com os louvores do nossos lábios – na versão do Pe. Antonio Pereira de Figueiredo . Outros, porém, traduzem assim: Nós ofereceremos em vez de novilhos, os louvores de nossos lábios (Os. 14, 3).

[33]Derramai ante ele os vossos corações (Sl. 61, 9).

[34]Ofereçamos pois ´por ele a Deus, sem cessar, sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios (Hebr. 13, 15)

[35] Tende-vos sobre os caminhos, e vede, e perguntai quais são as antigas veredas, para conhecerdes o bom caminho, e andai por ele, e achareis refrigério para as vossas almas (Jer. 6, 16)

[36]Porfiai a entrar pela porta estreita (Lc. 13, 24)

[37]mas eu ainda vou a mostrar-vos outro caminho mais excelente (1 Cor. 12, 31)

[38] Quão doce é o Senhor (1 Pdr. 2, 3).

[39]Uvandigus in Annalib and na. 1232. Plati de Statu Religioso, lib. 1, cap. 14.

[40] Ver nota 4.

[41]Richard. Vict. ad illa verba cantic. Duo ubera, in 4 sensu.

[42] Os teus peitos são mais formosos do que o vinho (Cânt. 4, 10).

   - Lembrados de que os teus peitos são melhores do que o vinho (ibid. 1, 3)

[43]Os teus peitos serão como dois cachos de uvas (ibid. 7, 8).

[44]Bebi vinho com o meu leite (Cânt. 5, 1).

[45]Aqueles dois raios de guerra, os Cipiões. (Virg. Aeneid. lib. 6, 844).

[46] Do céu se pelejou contra eles: as estrelas persistindo na sua ordem (Jz. 5, 20).

[47] Ela deu leite ao que pedia água. Feriu a Sisara (ibid. 25 s).

[48] Bendita seja entre as mulheres Jael (ibid. 24).

[49] Damasc. Physic. 15, cap. 4.

[50] Sueton. in Julio Caesar. cap. 85.

[51] Racciolus in Metheoris.

[52] Este é o caminho, andai por ele (Is. 30, 21).

[53] Bem-aventurados os peitos a que foste criado (Lc. 11, 27).



 

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
 

Apoio
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LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Sermão Vigésimo Nono, de Padre António Vieira.


Edição de Referência:
Sermões , Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.

Editoração eletrônica:
Verônica Ribas Cúrcio