Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Aprovação e censura


Edição de Referência:

Sermões.Vol. XI Erechim: EDELBRA, 1998.

APROVAÇÃO, E CENSURA QUE O Padre Antônio Vieira fez por ordem de Sua Alteza à Terceira Parte da História de S. Domingos da Província de Portugal, reformada pelo P. Frei Luís de Sousa.

SENHOR:

Intitula-se este livro, Terceira Parte da História de S .Domingos particular do Reino, e Conquistas de Portugal, reformada em estilo, e ordem, e amplificada em sucessos particulares por Frei Luís de Sousa, filho do Convento de Benfica: e posto que sem mais exame bastavam para a qualificação de toda a obra os dois nomes, que se leem na fachada: um tão esclarecido no mundo, e tão benemérito da universal Igreja, como é o do Patriarca S. Domingos, e é, e será sempre o de sua sagrada Religião: outro tão conhecido em Espanha, e tão benemérito da nação, e língua Portuguesa, como é o do Padre Frei Luís de Sousa: obedecendo contudo à or-dem de V. Alteza, li com particular atenção esta Terceira Parte, e me parece tão digna de sair logo à luz, como o julgaram com maior suficiência os Censores da Primeira, e da Segunda. E se me fora lícito estranhar alguma çoisa, é só o tempo, em que ela até agora, depois dos dias de seu Autor, esteve sepultada com ele. Toda a história é Mestra da vida : esta é Mestra da vida, e da história. Da vida, porque todos os Estados do Reino têm muito que aprender nos exemplos gloriosos, que aqui se referem, não estrangeiros, mas próprios, e naturais, e daqueles mesmos, a quem sucedemos, e por isso de mais fácil imitação, e sem desculpa. Para as Religiões é esta História espelho, para os Religiosos estímulo, e para todos os que professamos observância Regular, ou repreensão, ou louvor. Nem se encerra só o fruto dela dentro dos claustros , e muros das Religiões; porque também o podem colher mui copioso, os que vivem fora deles. Aqui verão os Ministros de V. Alteza os grandes progressos, que as Bandeiras de Cristo igualmente com as Armas de Portugal faziam em todo o século passado nas Conquistas do Oriente: cuja memória se não pode ler sem dor. E é a maior de todas a conhecida insensibilidade com que ou se desprezam tamanhas perdas, ou se lhes dificultam os remédios. Crescia aquela Monarquia enquanto crescia a Fé: e crescia a Fé enquanto os Ministros dela eram assistidos dos que o são dos Reis: e enquanto os mesmos Reis tinham por tão suas as Conquistas da Igreja, como a dilatação do próprio Império. Por onde disse com muita razão o Autor desta mesma História na Dedicatória da Primeira Parte, ser tão própria toda dos Reis Portugueses, que se lhe tirassem o título de S .Domingos , ficaria mais deles , que dele. Assim entenderam os Religiosíssimos Príncipes, que tudo o que se dá a Deus, se recebe com usura: sendo pelo contrário política não só errada, mas ímpia, cuidar que se podem aumentar os Estados com o que se tira a quem os dá. Isto é o que ensina, e persuade a presente História, enquanto Mestra da vida. É também como dizia, Mestra da mesma história; porque nela se veem juntamente praticadas todas as suas leis, na verdade da narração, na ordem dos sucessos, na pontualidade dos tempos, dos lugares, das pessoas, e na notícia, e ponderação dos motivos, e causas de tudo o que se obrou, ou omitiu: louvando sem ambição, nem lisonja, o que é digno de louvor, (que é quase tudo) e castigando sem sangue alguns defeitos, dos quais se compõem não menos a perfeição da história. O estilo é claro com brevidade, discreto sem afetação, copioso sem redundância, e tão corrente, fácil, e notável, que enriquecendo a memória, e afeiçoando a vontade, não cansa o entendimento. Faltam geralmente nas Histórias das Religiões aqueles casos,        e nomes estrondosos, que por si mesmo levantam a pena, e dão grandeza, e pompa à narração: por onde notou o Mestre da facúndia Romana, ser mais fácil dizer as coisas sublimes com majestade, que as humildes com decência. E nesta parte é admirável o juízo, discrição, e eloquência do Autor; porque falando em matérias domésticas, e familiares, (como são particularmente as que se obram, e executam à sombra da clausura Monástica) todas refere com termos tão iguais, e decentes, que nem nas mais avultadas se remonta, nem nas miúdas se abate: dizendo o comum com singularidade, o semelhante sem repetição, o sabido, e vulgar com grande novidade; e mostrando as coisas (como faz a luz) cada uma como é, e todas com lustre. A linguagem tanto nas palavras, como na frase, é puramente da língua em que professou escrever sem mistura, ou corrupção de vocábulos estrangeiros, os quais só mendigam de outras línguas, os que são pobres de cabedais da nossa tão rica, bem dotada, como filha primogênita da Latina. Sendo tanto mais de louvar esta pureza no Padre Frei Luís, quanto a sua lição em diversos idiomas, e as suas largas peregrinações em ambos os mundos o não poderão apartar das fontes naturais da língua materna, como acontece aos rios, que vêm de longe, que sempre tomam a cor, e sabor das terras por onde passam. A propriedade com que fala em todas as matérias, é como quem a aprendeu na escola dos olhos. Nas do mar, e navegação fala, como quem o passou muitas vezes: nas da guerra , como quem exercitou as armas: nas das Cortes, e Paço, como Cortesão, e desenganado: e nas da perfeição, e Virtudes religiosas, como Religioso perfeito. Por isso a sua Religião sapientíssima neste Reino, como em toda a parte, entre tantos sujeitos eminentes nas outras letras, escolheu, com alto conselho, um tal Cronista; entendendo que a arte de falar com propriedade em tudo o que abraça uma história , não se estuda nas Academias das ciências, senão na Universidade do mundo. O grande conhecimento, que o Padre Frei Luís de Sousa teve no mesmo mundo, se mostra bem em o haver finalmente deixado. E este é o documento geral, que se lê em toda a sua História: tão digno de ser imitado dos que nasceram, e se criaram com semelhantes obrigações, quanto é certo, que assim nos primeiros estudos, como nas ultimas resoluções terá poucos imitadores. Servirá porém este exemplar para confusão dos que o lerem. E como ele escreveu na Primeira, Segunda, e Terceira Parte desta História as ações de tão heroicos sujeitos, assim será um dos mais excelentes, que andaram escritos na Quarta. Este é o meu parecer. Neste Colégio de Santo Antão da Companhia de Jesus em 28 de setembro de 1677.

Antônio Vieira.