Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Sermões vários, do Padre Antônio Vieira


Edição referência:

Sermões, Padre Antônio Vieira. Vol. XII. Erechim: Edelbra, 1998

SERMÕES VÁRIOS E TRATADOS AINDA NÃO IMPRESSOS DO GRANDE PADRE ANTÔNIO VIEIRA, da Companhia de JESUS.

OFERECIDOS À MAJESTADE DE EL-REI D. JOÃO V, NOSSO SENHOR,

PELO P. ANDRÉ DE BARROS, da Companhia de JESUS.

LISBOA,

Na Oficina de MANOEL DA SILVA

MDCCXLVIII

Com permissão dos Superiores, e Privilégio Real.

SENHOR.

O ALTO e soberano trono de V. MAJESTADE, que tantas vezes com real benevolência ouviu as vozes de P. Antônio Vieira, admite ainda agora com a mesma dignação estas suas. São elas póstumas sim, mas vivas: são de um orador morto, mas imortal. Esta fortuna lhe faltava, de que chegasse a ter nessa obra sua a V MAJESTADE por seu Augusto Protetor. Não chegou ele a pôr nestas preciosas jóias a última lima e buril, mas são tão dignas de que as vejam os olhos da pátria, quanto custou aos meus o ler uns manuscritos originais tão antigos, gastados, e quase sumidas as letras pela longa idade. São estimadas as obras de insignes artífices, ainda que não estejam acabadas: um faciebat Appelles em um quadro dava o último preço à pintura. Pois, que diremos de uma obra em que começara a trabalhar Vieira, quando pelas primeiras linhas se começam a ver elevados pensamentos e sublime idéia? São estes discursos, uns meramente espirituais, sagrados; outros obsequiosos, em que seu Autor, assim como exprimiu a sua gratidão, assim referiu nas honras da sepultura, com dolorida eloqüência, as virtudes de seus e nossos príncipes, sempre saudosos, e nas memórias de Portugal imortais. E para que não aparecessem aqui só os retratos de príncipes tão raros, acompanha-os o de um heróico e ilustre conde, que, não faltando às obrigações da corte da terra, soube merecer também ser grande na do céu. Estas Vozes, enfim, do grande Vieira, ainda que só escritas, me infundiram espíritos, e me animaram a que subisse aos pés de V. MAJESTADE, a cujo real coração espera que sejam gratas a profunda reverência com que as ofereço.

André de Barros

LICENÇAS DA RELIGIÃO

Eu, João de Seixas, da Companhia de JESUS, prepósito provincial da Província de Portugal, por comissão que para isso tenho de N. M. R. P, geral Francisco Retz, Prepósito Geral, dou licença para que se possa imprimir o livro Vozes Saudosas do P. Antônio Vieira, que quer dar à luz o P. André de Barros, da mesma Companhia, o qual foi revisto e provado por religiosos doutos dela. Em testemunho de verdade, dei esta subscrita com meu sinal, selada com o selo de meu ofício. Dada em Lisboa, aos 14 de julho de 1747.

João de Seixas

DO SANTO OFÍCIO

CENSURA DOM. R. R M. Fr. JOSÉ PEREIRA DE SANTA ANA, religioso da Ordem de Nossa Senhora do Carmo, Jubilado na Sagrada Teologia, e na mesma Faculdade doutor pela Universidade de Coimbra, consultor do Santo Oficio, ex-provincial, e cronista geral da sua Ordem nestes reinos, e seus domínios.

Emmo. e Revermo. SENHOR.

Vi o livro intitulado Vozes Saudosas, do grande Padre Antônio Vieira, esplendor — como sabemos — da Sagrada Religião da Companhia de JESUS, e desta Lusitana Monarquia glória imortal. Aparecem agora estas Vozes, não preferidas naturalmente com a respiração necessária, porque o seu autor já está sepultado, mas escritas com a naturalidade com que sempre falou nas matérias este insigne varão, a quem o orbe literário respeita como a oráculo vivente nas memórias, e os pios o aplaudem como a benemérito de haver triunfado da morte, sendo credor da glória que os justos merecem na pátria dos que vivem. Contêm-se as tais Vozes em vários sermões e tratados, até aqui nunca impressos; mas, por zelo e diligência do M. R. P. M. André de Barros copiados dos próprios originais, que para o mundo eram inúteis enquanto o tesouro deles esteve escondido, e agora lhe serão proveitosos, depois que este não menos benemérito filho da mesma religião, do mesmo reino — com o trabalho que só conhecem os que se aplicam a semelhantes exames — os faz públicos no presente volume, digníssimo do mesmo apreço que todas as obras deste insigne escritor souberam sempre fazer os sábios. Cada uma destas Vozes é um novo raio, que reproduz aquele sublime talento que tantas vezes, e por engenhos tão excelentes, foi aplaudido com as propriedades emuladoras das do sol. No meu conceito, a mais idêntica e recomendável é a facilidade com que a sua heróica fama sobressai vencedora dos orgulhosos críticos, que, quanto mais porfiados, tanto mais parecidos às névoas, que só se podem opor, mas nunca prevalecer contra as luzes do brilhante planeta. Por mais que o pretendam escurecer, nunca se livram de que, desfeita a matéria de que se formava o impedimento, lhe reprovem a tenuidade das suas máquinas. Destas há de sempre triunfar o autor, que soube preferir ou escrever estas Vozes com tal discrição, tanta honestidade e pureza, que nelas não se encontra coisa alguma contra a nossa santa fé e bons costumes, fazendo-se por essa razão este livro merecedor de ser impresso. Real Convento de Nossa Senhora do Carmo de Lisboa, 18 de maio de 1747.

Doutor Fr José Pereira de Santa Ana

Vista a informação, pode-se imprimir o livro intitulado Vozes Saudosas, do grande Padre Antônio Vieira, e depois de impresso, tornará para se conferir e dar licença que corra, sem a qual não correrá. Lisboa, 19 de maio de 1747.

Fr. R. de Alenc. Silva. Abreu. Alm.

DO ORDINÁRIO.

CENSURA DO M. R. DOUTOR D. JOÃO EVANGELISTA, Cônego Regular de Santo Agostinho, Mestre Jubilado na Sagrada Teologia, consultor do Santo Ofício, e pároco da igreja de Nossa Senhora do Socorro, desta corte.

Exmo, e REVmo. SENHOR.

Manda-me V. Excelência ver as Vozes Saudosas, que em vários sermões e tratados, ainda não impressos, do grande P. Antônio Vieira, pretende publicar o M. R. P. M. André de Barros, ambos filhos beneméritos e glória imortal da Sagrada Companhia de JESUS. E sem dúvida que, se o mesmo grande Vieira me não ensinara, mal poderia eu obedecer a este preceito de V. Excelência, porque, sendo as Vozes objeto dos ouvidos, como se havia de estender a estas a limitada esfera dos meus olhos? Mas por isso mesmo quisera eu ter a liberdade de chamar a estas vozes divinas, porque só vozes divinas se podem ver, como ele prova com evidência na sua Voz Retórica.

Seja pois só por participação esta divindade, que ainda assim é a que basta para eu não tanto me desculpar, como me desvanecer de se me fazerem incompreensíveis umas tais Vozes. E nesta consideração, posto que eu as pudesse ver, não posso, contudo, informar delas a V. Excelência, porque a sua lição me arrebatou de maneira que, cego com tantas luzes, tudo que li se me figurou sombra, não porque haja alguma neste livro, mas porque, assombrado com ele o meu discurso, se impossibilitou para o exame que V. Excelência me manda fazer de um tesouro tão estimável como este, que desentranhou da sua mina o incansável trabalho do M. R. P. M. André de Barros, cuja perspicácia mais que aquilina é só a que podia examinar umas Vozes, como as do Sinai, todas luzes, ou todas fogo, e por isso inacessíveis à minha compreensão. Porém, achando-as ele tão puras, que no-las quer comunicar, não é justo que V. Excelência lhe negue a licença para as imprimir nos nossos corações. Este o meu parecer. Lisboa, em 4 de julho de 1747.

D. João Evangelista C. R.

Vista a informação, pode-se imprimir o livro de que trata a petição, e, depois de impresso, torne conferido, para se dar licença para correr. Lisboa, 5 de julho de 1747.

D. J. A de Lacedemônia

DO PAÇO

CENSURA DO M. R. R M. Fr. HENRIQUE DE SANTO ANTÔNIO, religioso da Ordem de São Paulo, primeiro eremita, lente jubilado na Sagrada Teologia, qualificador do Santo Oficio, consultor da Bula da Cruzada, geral absoluto, e cronista da mesma Ordem nos Reinos de Portugal e Algarves.

SENHOR

Obedecendo ao real preceito de V. Majestade, li com igual atenção e admiração o segundo tomo das Vozes Saudosas em vários Sermões e Tratados, ainda não impressos, do grande Padre Antônio Vieira, da Companhia de JESUS. Confesso ingenuamente, Senhor, que só este admirável e inimitável herói, verdadeiro Salomão, e apóstolo dos nossos tempos, poderia satisfazer plenamente à obrigação de censurar as suas obras, e dar-lhes aquele justo valor, e digno louvor que merecem, e não acabam ainda hoje de explicar as mais eloqüentes penas de todo o orbe literário, as quais tanto exaltam a profundidade dos escritos, é grandeza das virtudes deste a todas as luzes claríssimo varão, julgando que só na dilatada esfera do seu entendimento — onde existiram as mais preciosas e copiosas imagens de tantos segredos divinos, e a literal inteligência de todas as letras sagradas e profanas — podia ter lugar o conhecimento qüiditativo daquela maravilhosa exaltação, a que Deus o elevou sobre a natureza dos mortais. Mas porque esta censura era tão oposta à sua rara humildade, e ao notório desprezo que sempre fez de si, e das mais altas dignidades e honras da terra, a reservou para os que, como eu, nem podem, nem sabem medir com a curta vara do próprio discurso a desmedida grandeza deste gigante, que, depois de dar tantos e tão seguros passos no dilatado caminho do céu, ainda dele — qual outro inocentíssimo Abel — está dando repetidas e saudosas vozes nestes seus escritos, cheios de doutrinas celestiais, e de assombros para os que sem paixão os lerem. Neles não se divisa uma só letra oposta às leis e regalias deste reino, porque, sendo o seu Autor o que melhor que todos as adiantou e defendeu com os seus ditames, claro fica que em nada as podia ofender com estas suas doutíssimas produções; e, como destas resultam tanto crédito a Portugal, tanto esplendor à Sagrada Companhia de JESUS, e tão conhecidos interesses espirituais a todo o mundo cristão, justíssima me parece a licença de V. Majestade para se darem ao prelo, e também o mandar ao Padre André de Barros continue o louvável trabalho de estampar todos os outros preciosos fragmentos do grande Vieira, porque, ainda que informes, basta serem seus, para se avaliarem por tesouros da maior estimação. Este o meu parecer, V. Majestade ordenará o que for servido. Lisboa, Convento do Santíssimo Sacramento, da Ordem de São Paulo, primeiro eremita, 12 de julho de 1747.

Fr. Henrique de Santo Antônio

Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Ofício e Ordinário, e, depois de impresso, tornará a esta mesa, para se conferir e taxar, e dar licença para correr, e sem esta não correrá. Lisboa, 23 de fevereiro de 1747.

Vaz de Carv.

Carvalho

Castro

DO SANTO OFÍCIO

Visto estar conforme com o original, pode correr. Lisboa, 11 de junho de 1748.

Abreu Amaral Almeida Trigoso

DO ORDINÁRIO

Pode correr. Lisboa, 15 de junho de 1748.

D. J. A de Lacedemônia

DO PAÇO

Pode correr, e taxam em 50 réis em papel. Lisboa, 17 de junho de 1748.

faz de Carv. Almeida

Castro Mourão

PRÓLOGO, NOTÍCIA PRÉVIA AO LEITOR.

Passado desta à vida imortal o Grande P. Antônio Vieira, e deixado o Mundo suspenso na expectação, em que estava, de ver a grande obra De Regno Christi in terris consummato, repetida fadiga daquele portentoso engenho, se pôs preceito do M. R. P. Geral no Colégio da Bahia , para que quem tivesse composição alguma do P. Antônio Vieira, a restituísse logo, e tudo se recolhesse com os mais papéis, que no seu cubículo se achassem, em uma arca. Era o intento examinar aqueles preciosos manuscritos, e ver o que neles havia, que pudesse dar-se à luz pública. Esteve em várias mãos este tesouro, sem vermos o desejado fim: eis que chegou aos Superiores daquela Província preceito Soberano, para que fossem remetidos a Lisboa os papéis do P. Antônio Vieira.

Obedeceu-se prontamente: veio a dita arca, cofre mais precioso , e estimável, do que aqueles, em que toda a América se tem desentranhado em ouro. Chegada a Portugal esta carregação de joias, foi por Real ordem entregue ao Eminentíssimo Senhor Cardeal da Cunha , cujo coração sempre elevado na estimação dos singulares talentos do P. Antônio Vieira, fez ver, e rever aquelas relíquias do Sol. Ali se deteve a arca, como a Argo dos Heróis com o Velo de ouro, até que o Eminentíssimo a fez arribar à Casa Professa da Companhia de Jesus, onde poderia haver, quem entre tantas peças informes, descobrisse ainda preciosos fragmentos, que comunicar à Pátria.

O zelo particular, de quem isto escreve, se dedicou voluntariamente a esta empresa a alternados espaços. Ali viu nove volumes de apontamentos vários, e neles tantos , e tão diversos pensamentos; tantas , e tão graves matérias; tantos, e tão engenhosos conceitos; uns tocados, outros alguma coisa expendidos; algum porém ultimamente perfeito, e acabado: viu mais outros miúdos papéis, uns já impressos, outros informes, e todos tão dignos de admiração, que na variedade dos assuntos, uns graves, outros jocosos, e todos sempre tão elevados, que fazem romper em admirações diante de Deus, por criar um entendimento tão portentosamente fecundo.

De toda esta junta de estrelas, o que pudemos divisar é, o que agora oferecemos; mas atraindo-nos tudo o coração, nos levou também os olhos; porque em papéis tão antigos, estavam. em muitas partes as letras escurecidas, fugindo-nos dos olhos por descoloridas, gastadas, e miúdas: outras tão embaraçadas nas abreviaturas, emendas, riscas, e reforma, que delas fazia o estupendo Autor, que cansada a vista, era preciso adivinhar; o desejo porém de alcançarmos aqui o Grande Vieira, que nos fugia, venceu toda a contrariedade. Receba pois , a Pátria, e o Mundo estas últimas, e póstumas

Vozes do imortal Vieira, e o que de cada uma achamos, aqui fielmente o vamos a dizer já, dando a cada uma seu título.

VOZ GRATULATÓRIA.

Ia o P. Antônio Vieira fechando os trinta e três anos de idade, quando foi ouvida esta Voz no Colégio da Bahia. Entre os seus originais, que vimos, este Sermão de dia de Reis estava totalmente em limpo, e assim o oferecemos aqui: nele se verá não só o zelo do seu grande espírito no bem das almas, senão também o quanto suspirava pelo crédito, e honra de Portugal. P. 1.

VOZ RETÓRICA.

Esta Voz jucundíssima, e discreta, em que se mostra o Menino Deus feito Retórico Orador no Presépio, é Sermão feito para ser pregado domesticamente por um Religioso de poucos anos, na experiência, que dele se queria fazer do talento, que tinha para o ministério do púlpito. Como era tal o sujeito, que havia de proferir esta Voz , acomodou-se o Grande Vieira ao gênio, estado, e idade do novo Orador. Estava em papéis soltos, e no primeiro borrador. P. 48.

VOZ FILOSÓFICA.

Esta Voz (que também foi ouvida domesticamente) disse a semelhante Orador ao antecedente, para o mesmo fim, e em iguais circunstâncias. Esta (como a antecedente) achamos entre os mencionados manuscritos no seu primeiro original, de que a pudemos com certeza transcrever. P. 70.

VOZ ENTERNECIDA.

Esta Voz, diarticulada no idioma castelhano, não sabemos, onde o nosso ilustre Orador a proferiu. Achamo-la por ele perfeitamente escrita; e sem o trabalho, que tivemos em outros papéis, a damos. Achamo-la também meia traduzida de seu próprio punho em Português; mas como não levou até o fim a tradução, tivemos por sacrilégio acaba-la, e a juntar palavras nossas com as suas. Qual seja o assombro desta Voz, só o poderá dizer, quem a souber admirar. P. 101.

VOZ COMPADECIDA.

Esta Voz, que foi ouvida no Maranhão, é uma das Práticas Espirituais, que nas noites das sextas-feiras da Quaresma fez com extraordinária comoção daquele povo o apostólico espírito do P. Antônio Vieira. Não tivemos pouco trabalho em a ler pelas razões acima. Todas as outras estam muito mais informes , interruptas , e omitido nelas o muito, que deixava para o dizer no púlpito. De tudo se está vendo a pressa, com que escrevia, atendendo na composição principalmente à história, e às fortíssimas considerações, e morais reflexões, que dela tirava, para penetrar os corações dos ouvintes; que segundo a energia, e intimativa toda fogo, com que falava, assim eram no auditório os suspiros, e o pranto. P. 109.

VOZ ASCÉTICA.

Esta Voz nos deixa, como outras mais, o sentimento de a não alcançarmos toda. Das moralidades, reflexões, e sentidos, que vai engenhosa, e doutrinalmente extraindo do profundo das palavras do texto, nos causa um ancioso desejo do restante, que podíamos lograr. Goze porém o público desta preciosa parte, já que não pode do todo; que nós culparemos sempre as mãos, que se meteram neste tesouro de escritos tão estimáveis, que por diversos modos nos deixaram justos motivos à dor. P. 143.

VOZ PRIMEIRA OBSEQUIOSA.

Esta grande Voz com as seguintes justamente levam o nome de Obsequiosas, que são as últimas honras, que a saudade dos vivos faz, aos que nos levou a morte. Fez-nos admiração, o que neste manuscrito achamos. Duas vezes repisou o raríssimo Autor o Sermão destas Exéquias: na primeira composição são tantas as interlinhas, as emendas, e os reclamos às margens, que só quem a ordenou, ou urdiu, poderia desembaraçar-se de tal labirinto. Não contente pois aquele vasto entendimento com a primeira produção, como rio , que rompe, e não cabe no alveo, por onde corre, pegou na pena, e em folhas soltas escreveu outro Sermão, compondo-o de novo, e valendo-se do antigo; mas com pena tão veloz, que este, não já rio, mas mar, necessitava de um destro nadador para se vadear: ajustamos enfim, como nos foi possível, este saudoso discurso, todo fogo, e todo luz; uma, e outra coisa forte, e viva demonstração do amor à Pátria, e a nossos Soberanos, e naturais Príncipes. P. 164.

VOZ SEGUNDA OBSEQUIOSA.

Nessa Voz, ouvida em S. Luiz do Maranhão, se reconhece, qual foi a afetuosa veneração do P. Antônio Vieira ao Príncipe D. Teodósio, devido tributo à honra, com que aquele incomparável Príncipe o estimava. Não achamos nos manuscritos mais que estes saudosos fragmentos, que julgamos nâo deviam ficar em esquecimento, pois contém ilustres exemplos de virtudes raras daquela grande alma. Neste pouco têm os Príncipes muito que imitar, para se fazerem maiores; e os que o não são muito que admirar, para se fazerem grandes. Foi tanta a afluência de coisas, que para elogiar este Príncipe teve o fecundo entendimento do nosso incomparável Orador, que escrevendo no ano de 1654 ao P. André Fernandes, nomeado Bispo do Japão, diz o seguinte.

Preguei as Exéquias de Sua Alteza, fazendo-lhe nesta Casa um Ofício aniversário, que o Estado, e República lhe não tinham feito. No Pará se fizeram Exéquias públicas; mas nem a mim, nem a nenhum da Companhia convidaram para o Sermão. O meu me saiu tão grandeque faço conta de fazer dele sete, ou oito: então os mandarei a Suas Majestades, para que escolham, o que menos lhes descontentar.

Como os manuscritos deste Grande homem correram tantas mãos, quando chegaram às nossas, veio deles, o que só como por esmola nos quiseram deixar. Vai esta Voz à p. 253.

VOZ TERCEIRA OBSEQUIOSA.

Damos esta fúnebre Oração com o mesmo sentimento que as outras, nem acabadas, nem com a última lima de seu Autor polidas. Vivia então o P. Antônio Vieira totalmente entregue às suas Missões com o ânimo tão divertido de livros, e estudos, e com tantos desgostos, que lhe causavam os inimigos da conversão, e liberdade dos índios, que faz assombro poder pegar em pena, e compor discursos; mas aquele sublime entendimento, e coração sempre superior a tudo, era maior que todos os empregos.

A dor, que lhe causou a notícia de ter passado desta vida o seu Soberano Monarca, foi à medida do grande lugar, que teve naquele Real Coração: por isso lerão aqui os leitores expressa a mágoa nos termos, com que fala, nos sentimentos, com que se explica; e enfim todo o estilo desta composição é uma preciosa cadeia, já de reverente amor, já de saudosa dor. Não tem mais que a primeira Parte este discurso, e ainda está em partes defeituosa: é toda digna de seu Autor, e grandemente estimável pelas notícias, que dá do seu Soberano objeto. P. 279.

VOZ QUARTA OBSEQUIOSA.

Foi ouvida esta Voz na Vila de Santarém nas Exéquias do Conde de Unhão D. Fernão Teles de Menezes, e é digna de ser ouvida no teatro do Mundo para pregão eterno das virtudes do Conde. Foi este ilustríssimo Fidalgo Padrinho no Batismo do P. Antônio Vieira. Pagaram-se ambos as honras com rara correspondência: o Conde deu-as ao Afilhado ao entrar na vida; e o Afilhado ao Padrinho ao sair dela: um recebeu-as ao tomar o feliz estado da Graça, e o outro ao tomar o eterno da Gloria. Assim enlaçou a Divina Providência estes dous Heróis, tomando logo posse os Grandes Ilustríssimos de Portugal de honrar ao Grande Vieira desde o Batismo.

Com grande trabalho pudemos extrair do seu primeiro original esta digníssima Oração: o miúdo dos caracteres, o apagado das letras, e o delido do papel, se em alguma escritura necessitou de paciência, foi nesta. O que se vir interrupto, ou quebrado, servirá aqui não só de demonstração, do que não se podia divisar, senão também de expressiva interjeição da nossa dor, sentindo perder de qualquer obra do P. Antônio Vieira uma só letra. P. 306.

VOZ APOLOGÉTICA.

Foi esta Voz só escrita. É uma doutíssima resposta, e judicioso parecer sobre a devoção da Via Sacra, que naquele tempo se começava a introduzir. Sobre esta matéria foi consultado por pessoa de grande distinção na Corte: mas desta singularíssima obra damos, o que unicamente achamos, que é uma mínima parte, do que promete. Pelo que assim como aqui admirará o leitor, no que vê escrito, a fecundidade, e erudição Sagrada de entendimento tão sublime, assim se encherá de mágoa em não lograrmos completo este Tratado, que se verá à p. 306.

Goze pois a Pátria destas últimas luzes, que tirámos, como da sepultura; e entenderá o Mundo, que luzes são, ainda as que parecem cinzas, do ilustre, e sapientíssimo Vieira. Ouça estas supremas Vozes o elevado Coro dos Sábios, e nelas sem dúvida achará ainda a alma daquele Varão imortal, a quem Deus fez Mestre dos Oradores Sagrados, Exemplar vivo de Apostólicos Missionários, e Pai da eloquência, e majestoso idioma Português, Honra da Pátria, e em tudo Herói consumado.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística