Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Voz de Deus a Portugal, do Padre Antônio Vieira


Edição referência:

Sermões, Padre Antônio Vieira. Vol. XII. Erechim: Edelbra, 1998

VOZ DE DEUS A PORTUGAL

A primeira coisa que diz a Portugal a voz de Deus, é que entenda o mesmo Portugal que este cometa fala particularmente com ele: Para prova desta proposição, importa que nos ponhamos com a memória um pouco mais atrás, e vejamos o cuidado que tem a suma Providência de anunciar a este reino seus acontecimentos com sinais do céu.

No ano de mil quinhentos setenta e sete, preparando-se em Portugal a jornada de el-rei D. Sebastião a África - como no tempo de Jeroboão, também rei moço - estava o reino e a corte dividida em duas opiniões: a dos moços e aduladores, que seguisse o rei a deliberação ou apreensão de seus grandes espíritos; e a dos velhos e sisudos, que reconheciam as perigosas conseqüências, lhe aconselhava o contrário; senão quando aparece neste tempo um grande cometa, como mandado por Deus para decidir a questão: todos o viam, e a cada um parecia da cor dos seus olhos e do seu afeto. Os aduladores, fazendo do nome verbo, diziam que o mesmo cometa desde o céu estava bradando ao rei que cometesse a empresa, e dizendo-lhe Deus por ele: Cometa, cometa. - Assim se creu, e com tão cegos aplausos que, partido o escudo das sagradas quinas, já iam bordadas ao lado armas imperiais de Marrocos. Partiu, enfim, a armada, e deuse a infeliz batalha; sucedeu a morte de el-rei Dom Sebastião, ou a falta dele, que é o mesmo, e este foi o efeito daquele cometa, que durou até o fim do ano.

Sustentava-se ainda Portugal com o nome de reino na velhice de Dom Henrique, e esperava que na morte nomeasse sucessor natural. Mas para a catástrofe da tragédia, e para o triste e lamentável fim da fatalidade, faltava segundo aviso do céu, e segundo cometa.

Assim apareceu outro no ano de mil quinhentos e oitenta. Morreu Dom Henrique, e o reino, que em outro Dom Henrique tinha começado com cinco coroas nos pés e uma na cabeça, herdado sem direito, comprado sem preço, e conquistado sem guerra por estes três títulos - ou por outros, no tribunal divino mais justos - ficou cativo e sujeito ao rei estranho, não por menos espaço que de sessenta anos inteiros, nos quais, com tantas quebras e perdas da defunta monarquia, foi pagando lentamente nos ossos dela toda a dívida dos castigos a que os dois cometas fatais a tinham condenado.

Se eu, ó Portugal, te não conhecera, à vista do presente cometa te não havia de dizer outra palavra, senão que te lembrasses somente das lágrimas ainda mal enxutas que por aqueles dois mal-entendidos, e pior interpretados, choraste. Mas porque quinze anos antes deste fui testemunha ocular do pouco caso que fazes destes avisos do céu e vozes de Deus, só te trarei à memória os escândalos do teu juízo, os erros da tua ignorância, e até de tua presumida fé a pouca coerência.

No ano de mil seiscentos e oitenta apareceu no meio da barra de Lisboa, como entrando por ela, o cometa da mais agigantada estatura de quantos tinham assombrado o mundo, segundo a descrição de todas as histórias, e as medidas e instrumentos da Matemática. E que efeitos causaria naquele maior povo de Espanha aquele prodígio ou monstro do céu? Disse povo, por reverência e desculpa de tamanha cabeça, cujo juízo ficou então dissimulado ou encoberto. O efeito foi, como se aquela figura fora a celeste nau Argos, ou nela entraram em Portugal, pela barra do seu famoso Empório, os primeiros descobridores do Oriente carregados das riquezas do Indo e Ganges. Celebraram os poetas o novo assunto com versos panegíricos e festivos, fazendo gala ou desprezo dos medos a que chamavam do vulgo, se algum havia, prognosticando triunfos e felicidades; e porque era insigne no burlesco aquele autor, que até nos novíssimos do juízo e inferno tinha sonhado chistes e motivos de riso, foi festejado com particular aplauso este soneto, que antes de arrependido fez aos cometas:

A venir el cometa por coronas,

Ni clerigo ni frayle nos dejara,

Y el tal cometa irregular quedara

En el ovillo de las cinco zonas.

Tienenle si porque las mas personas

Por malquisto del sceptro y la tiara,

Y he visto gran cometa de luz clara,

No hartarse de lacayos e fregonas

Yo he visto diez cometas veniales,

A quien desesperados los doctores

Maldixeron, porque eran cordeales.

Tres cometas he visto de aguadores,

Uno de ricos, siete de oficiales,

Y ninguno de suegros y habladores.

Quem cuidara que escreveu esta afronta, por não dizer blasfêmia, dos sinais do céu, uma pena cristã, posto que jocosa, falando tão timoratamente dos cometas os poetas gentios que deixamos alegados? Ao menos desta sua incredulidade deveram inferir os poetas portugueses, como o Mantuano; os - ocultos juízos de Deus, com que permite que não sejam cridas as Cassandras, quando quer que sejam abrasadas as Tróias:

Ora Dei jussu nonnunrquam credita Teucris.

Mas também disse Davi em verso, que as significações destes sinais do céu e vozes de Deus só as entendem os que o temem: Dedisti timentibus te significationern, ut fugiant a facie arcus[1].

Não faltavam então - como eu também vi - não só como timoratos, mas como sábios, alguns que choravam o de que estes loucos se riam; porém, estes também se alargavam com a filosofia moderna de Júlio César Escalígero, sem reparar que os dogmas que vêm do Setentrião, só pela influência do clima e terra donde nascem, raramente são seguros. Zomba este, mais gramático que filósofo, de todos os que até agora chamamos efeitos dos cometas, e lhes dá nome não só ridículo, mas de gente de pouco juízo. E porque também sei que alguns, que têm grande presunção do seu, e rebentam de prudentes, ou seguem ou ostentam o mesmo ditame, e o argumento em que se fundam não deixa de ter aparência, justo será que o desfaçamos. Diz, pois, assim Escalígero na exercitação setenta e nove, contra Cardano: Multi itaque sunt a nobis cometae vi si, quos nulla usquam toca in Europa secuta est pernicies mortalium: et multi clarissimi viri suo fato functi sunt, multi eversi principatus, pessumdatae familiae illustrissimae sine ullo cometae indicio. - Quer dizer que muitos cometas foram vistos em Europa, sem que nela se seguissem mortes de príncipes, nem as outras calamidades referidas; e, pelo contrário, que morreram muitos príncipes, e se arruinaram muitos estados, e extinguiram famílias ilustríssimas, sem indício de algum cometa. Segue-se, logo, demonstrativa e experimentalmente que os cometas não são causa dessas calamidades e mortes.

Primeiramente, digo que de acontecerem semelhantes mortes, calamidades e guerras, sem precederem cometas, não se segue que os cometas não sejam sinais delas, porque Deus não é obrigado a dar sempre sinais do que determina fazer; antes, quando o faz sem dar sinais, é sinal de que está mais irado; e de que seus decretos são absolutos. Nem menos se segue esta conseqüência de não se verem os efeitos dos cometas quando os cometas se vêem, porque muitas vezes do mesmos cometas são causa e ocasião de se impedirem os seus efeitos. E isto acontece quando os castigos que Deus ameaça são condicionais, e nos avisa primeiro com estes sinais do céu, para que por meio da penitência - ou das orações de algum justo - os evitemos. Assim se viu no pregão de Jonas contra Nínive, o qual ninguém dirá que não era verdadeiro sinal da sua assolação, porque lhe faltou o efeito. Demais disto, a eficácia dos cometas é como a dos venenos, que uns matam logo, outros mais tarde, posto que logo influem no corpo natural ou político o que depois se há de colher e seguir. E quanto à demonstração ou experiência de que vimos o cometa em Europa, e não vimos em Europa esses efeitos, bem se vê quão ridículo argumento é, e quão indigno de um homem cosmógrafo, como se no resto do mundo, que excede dez vezes a grandeza de Europa, não houvera reis, reinos e províncias, em que se experimentem as calamidades que em Europa não se vêem ou sabem, e como se Deus o não fora mais que dos europeus. Mas esta doutrina, e suas inferências, são mui próprias da escola escalígera, na qual aprendeu seu filho, José Escalígero, a dizer no livro da emenda dos tempos que Cristo não nascera em dezembro, senão no equinócio autunal, isto é, em setembro, e o prova do Evangelho de São Lucas, em que se diz que na noite do nascimento estavam os pastores guardando os seus gados no campo, o que não podia ser em tempo de tanto frio. Assim julgam os escalígeros os climas do mundo pelos da sua Germânia, e o que lá não se vê nem usa cuidam que não pode ser em outra parte. Pudera aqui ajuntar a autoridade de São João Damasceno a respeito da morte dos príncipes, a de Santo Tomás, a de São Boaventura, os dois doutores da Igreja de maiores experiências do mundo, como mais chegados aos nossos tempos, os quais ensinam o mesmo. Mas como os escalígeros são tão evangélicos, já me contentarei com que creiam o que disse Cristo pelo mesmo São Lucas, que alega: Surget gens contra gentem, et regnum contra regnum. Et terraemotus magni erunt per loca, et pestilentiae, et fames, terrores que de caelo, et signa magna erunt[2].

Com estas palavras pode desenganar a fantasia humana os seus discursos, e crer a olhos abertos que as guerras, fomes, pestes, e as outras calamidades, são efeitos dos terrores e sinais do céu, com que ele nos ameaça e avisa, para que temamos a Deus.

Referidos desta forma os que chamei escândalos do juízo e erros da ignorância, não me esqueço que também acusei a pouca coerência da presumida fé portuguesa. E esta é a que, estando vendo com os olhos abertos os sinais do céu, ela contudo nos cega e nos engana. Desde o ano de mil seiscentos e quarenta, tendo-se acreditado os nossos antigos vaticínios com a experiência dos sucessos, de tal maneira cremos os futuros alegres e felizes que, estando juntamente escritos e estampados os tristes e calamitosos, havendo estes de preceder primeiro, e sendo muito para temer, o amor-próprio, sempre cego, ou os não ve ou não quer ver, que é a maior cegueira. Muitos dos vaticínios alegam as Escrituras Sagradas e seus autores, mas um só nota o livro e capítulo, que é o vinte e quatro de Isaías, muito notável pelo que profetiza, e muito mais por dizer nele o mesmo profeta que contém um segredo que só guarda para si. Este segredo, como consta do mesmo texto, se contém nas palavras do número catorze e dezesseis, que são: Hi levabunt vocein suam, atque laudabunt: cum glorif icatus, fireritDomin s, hinnientde mari. Propterhoc in doctrinis glorificate Dominunn; in insulis maxis nornen Domini Dei Israel. A finibus terrae laudes audivimus, gloriam jusoi. Et dixi: Secr etum meum mihi, secretum rneum inibi (Is. ,  ss). - Até aqui as palavras do profeta. Quer dizer que, depois de ficarem poucos homens no mundo, estes poucos levantarão a sua voz, e louvarão a Deus, quando for glorificado, rinchando os seus cavalos no mar; e que nas ilhas do mesmo mar pregarão a fé do mesmo Deus, e que toda esta glória de Cristo, por antonomásia o justo, sairá dos fins da terra, e que nisto está encoberto e consiste o segredo de Isaías.

Decifrando, pois, este segredo, dizem os nossos vaticínios que os fins da terra são Portugal, como verdadeiramente é; que os cavalos que hão de rinchar no mar são os seus navios, cavalos de madeira, que com a sua artilharia hão de atroar o Mar Mediterrâneo; que as ilhas onde hão de pregar a fé de Deus e glórias de Cristo são as do arquipélago do mesmo mar, fronteiras a Constantinopla; e que tudo isto se cumprirá quando os portugueses forem a conquistar os turcos, de cuja conquista estão cheios os ditos vaticínios. Concorda com eles Solitivo, que profetizou com evidência a desunião de Portugal, e encontro do seu embaixador com o de Castela em Roma, em dia de São Bernardo, e expressamente diz que de Lisboa há de ir a ruína do turco; e o mesmo diz Esdras, falando literalmente dela no livro quarto, capítulo doze, notando que de um reino pequeno, cheio de perturbação, hão de sair aqueles que Deus tem guardado para o fim desta empresa: Hi sunt quos servavitAltissimus in,finern suurn, hoc estregnum exile, turbationis plenum[3].

As esperanças destes fins tão gloriosos são as que enganam aos portugueses, não lendo nem fazendo caso do que fica antecedente ao mesmo capítulo de Isaías, nem fazendo a devida consideração da causa por que, além de o seu reino ser tão pequeno, hão de ser eles tão poucos. Começa o dito capítulo com um horrendo exórdio, dizendo: Ecce Dominus dissipabit teriam, et nudabit eam (Is. , ): Saibam todos que Deus há de assolar a terra, e despovoá-la de seus habitadores. - E, certamente, Portugal, que o que depois deste prólogo se segue folgara eu muito de to não dizer, nem descobrir a teus olhos um retrato tão triste e lastimoso, corno é o das trabalhosas disposições por onde hão de começar estas tuas futuras felicidades; mas os mesmos oráculos e predições, donde colhemos este ultimado fim, tão glorioso e para desejar, nos estão juntamente dizendo ou ameaçando alguma tribulação e castigo muito para temer.

Se olhares, Portugal, para ti, achar-te-ás muito cheio de vícios e pecados, que te fazem totalmente merecedor de seres digno instrumento de tão santa empresa, como a conquista da Terra Santa; e por esta causa, a primeira disposição para ela será algum castigo geral, com que purifique Deus, e purgue este tão enfermo corpo de viciosos humores, com que está corrupto.

Antes de Josué entrar na conquista, não de outra, senão desta mesma terra, que nós havemos de conquistar, mandou fazer alto a todo o povo de que se havia de formar o exército, e que todos se circuncidassem. Assim fará Deus nesta ocasião, cortando primeiro com a espada, que mostra já desembainhada, e circuncidando os vícios dos portugueses, para que vão santificados à Terra Santa.

Aos que Deus mandava executar obras grandes de seu serviço, chamava-os seus santificados: Ego mandavi sanctificatis meis. - E tais é bem que sejam os que hão de ser instrumentos da maior obra que sua divina Providência tem destinado, e guardou para os poucos que há de escolher dos mais.

Para a mesma empresa desta conquista escolheu Deus a Moisés, e antes disso lhe apareceu em uma sarça de fogo, que ardia e não se queimava, donde lhe disse que, antes de chegar àquele lugar, descalçasse primeiro os sapatos, porque aquela terra era terra santa: Terra enim, in qua stas, terra sancta est[4]. - O mesmo nos está Deus dizendo desde a sarça ardente deste cometa, para que nos dispamos de tudo o que ofende seus divinos olhos, e descalços, penitentes, compungidos e humildes vamos pisar aquela Terra Santa que ele pisou com seus sagrados pés, e regou com seu preciosíssimo sangue.

Horrendas são as calamidades que neste capítulo anuncia o profeta; mas não é justo se calem, para que todos tenham notícia delas, e delas se colha o fruto que Deus pretende.

Diz, pois, o profeta Isaías que a terra estará infeccionada de seus habitadores, por não quererem guardar as leis divinas: Terra infecta est ab habitatoribus suis, quia transgressi sunt leges, inutaverunt jus, dissipaverunt ,fóedus senpiternurn (Is. , ). - Declara que por esta razão de os homens não guardarem as leis de Deus, a maldição virá sobre a terra, e a tragará e assolará, e ficará reduzida a muito poucos homens: Propter hoc maledictio vorabit terram, et peccabunt habitatores ejus, ideoque insanient cultores ejus, et relinquentur homines pauci (ibid. ).

Diz mais, que haverá fome e esterilidade, e que estarão secos e tristes os campos, e que se ouvirão pelas ruas os clamores sobre quem há de alcançar um pouco de sustento, descrevendo tudo isto o profeta com amplificações notáveis, debaixo do nome das vinhas e das vindimas: Luxit vindemia, infirrnata est vitis, ingemuerunt omnes qui laetabantur corde; clamor erit super vino in plateis, translatum est gaudium terrae (ibid. ,  s).

Diz mais, que será abatida, e passará grande detrimento a cidade da vaidade - veja Lisboa se lhe quadra o nome no tempo e luxo de hoje - e que na mesma cidade se fecharão as portas das casas, não havendo quem entre por elas, e que toda será reduzida a uma solidão, com que parece significa peste:Attrita estcivitas vanitatis, clausa estomnis domus, nullo introeunte. Relicta est in urbe solitudo, et calainitas opprimet portas (ibid.  s).

Diz, finalmente, que os efeitos destas calamidades serão ficarem depois delas tão poucos homens vivos, quão poucas são no olival as azeitonas depois da colheita, e na vinha os cachos depois da vindima: Quia haec erunt in medio terrae, in medio populorum, quomodo si paucae olivae, quae remanserunt, excutiantur ex olea, et racemi, cum fuerit finita vindemia (ibid. ).

A estas palavras se segue imediatamente o segredo de Isaías, revelado depois em Jerusalém e em Roma, e descoberto por particular providência aos que Deus há de dispor para tão alto fim, com os antecedentes castigos, nos quais perecerão os muitos que o mesmo profeta chama doidos: Insanient cultores ejus - e ficarão os poucos que tiverem e obrarem com juízo, como homens: Et relinquentur homines pauci - para que veja cada um entre a esperança futura e perigo presente, em que atualmente estamos, se lhe está melhor emendar-se, e ficar vivo, com os poucos, ou acabar e perecer com os muitos.

Isto é o que me pareceu advertir a Portugal, de tão longe, por ocasião do cometa que estamos vendo, tão irmão do que ele viu e desprezou na grandeza, na cor e na espada. E se acaso me disser alguém da sua parte que vêm estas advertências tarde, depois de quinze anos, respondo que outros quinze anos antes se representaram a Faraó as visões das vacas e das espigas, em que se seguiram aos sete anos da fartura os outros sete de fome, e no fim deles não foi intempestivo nem inútil o conselho de José a Faraó, que o repetir Deus o mesmo sucesso futuro em duas visões era confirmação de ser infalível o efeito do que anunciavam, e de não haver de tardar muito:

Quod autem vidisti secundo eamdem rem, firmitatis indicium est, eo quod,fiat sermo Dei, et velocius impleatur[5].

mesmo digo do primeiro e segundo cometa, e da primeira e segunda espada. É verdade que a mortandade que profetiza Isaías, de que hão de escapar poucos, mais parece que demonstra fome e peste que guerra, mas tudo o que mata e tira a vida, ainda que não seja na guerra, é espada. Assim Davi, no meio da peste, que escolheu por menos mal, viu o anjo no ar com a espada desembainhada. O cometa, que nós estamos vendo em forma de espada, nasce no Oriente; o que Portugal viu, também em forma de espada, assim em respeito do céu como da terra, nascia no Ocidente, e por tudo parece que falou a Sibila quando disse:

Sole sub occiduo vero vocitante cometa.

Stella relucebit gladii mortalibus index

Et famis, et mortis, praeclarorumque virorurn,

Atque ducum interitus magnorurn nobiliumque[6].

As novas que aqui chegaram ultimamente de Portugal são de esterilidade e fome; mas, como a fome faz os seus efeitos e estragos nos pobres e nos pequenos, e a Sibila fala dos grandes, poderosos e ilustres, fique a explicação e aplicação deste oráculo a Lisboa, que a pode fazer de mais perto, como eu pela mesma razão me passo à Bahia.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística



[1] Deste aos que te temem um sinal, para que fugissem da face do arco (SI. 59, 6).

[2] Levantar-se-á nação contra nação, e reino contra reino; e haverá grandes terremotos por várias partes, e epidemias, e fomes, e aparecerão coisas espantosas, e grandes sinais do céu.(Lc. 10 s).

[3] Esdi: 12, 30.

[4] O lugar em que estás é uma terra santa (Êx. 3, 5).

[5] E quanto ao segundo sonho que viste, e que diz respeito a uma mesma coisa, é um sinal certo de que se há de executar a palavra de Deus, e que mais prontamente se cumprirá (Gên. 41, 32).

[6] No ocidente. luzirá uma estrela, a que chamam cometa, sinal de guerra, de fome, da morte, e do desaparecimento de muitos grandes reis e nobres.