LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
A República vista do meu canto, de Duarte Schutel
Texto-fonte:
Duarte Paranhos Schutel, A República vista do meu canto, org. de Rosângela Cherem,
Florianópolis: IHGSC, 2002.
Ora, eis-me aqui feito não sei bem o quê.
Cronista não; que não seria fiel narrador dos fatos na ordem de sua sucessão.
Historiador muito menos; que minha vaidade nunca subiria a tais alturas.
Simples noticiarista poderia fazer bom papel, destacando de tudo isso, para o limbo essas apreciações e essas tiradas que só de mim se ocupam.
Não sei do que sou feito; também não me importa muito sabê-lo.
Cumpro a vontade de alguns amigos e possam eles agora ficar satisfeitos, que contente logo eu serei.
Antes de começar a dizer o que me parece do que se passou de novembro de oitenta e nove para cá, com respeito aos públicos negócios, é indispensável mostrar a disposição do espírito em que então me achava para que bem se possa compreender a feição do ânimo que ditou as apreciações, os juízos, a escolha do assunto e até o estilo do que escrevi.
Conquanto as minhas ideias, os princípios que sempre professei, sejam bem conhecidos, pois não os escondi nunca nos tribunais da imprensa, do parlamento e dos comícios, em artigos, programas e discursos de cerca de trinta anos, tão emaranhadas andam hoje as opiniões políticas, tão revirados os crentes e tão falsos os rótulos assim como os próprios conteúdos, que não será demasiado o meu propósito.
15 DE NOVEMBRO DE 1889 – SEXTA-FEIRA
Cerca de (...)* da tarde foi visto na Assembleia um designatário da Corte que dizia no governement, no exchange. Grande impressão, dúvidas sérias, sentido impossível de perceber. Ideia primeira: morte do Imperador, levantamento República.
Às três e mais, o Presidente Provincial chama a pressa chefes Liberal.
Às cinco, antes, telegrama: (Scharf) prisão, ministros depostos, Imperador preso, Ladário morto – Deodoro à frente das tropas proclamação, República amanhã.
Às sete – Bocaiuva, telegrama ao comandante do 25: toda prudência.
Às oito – Cidade pacífica: poucos grupos. Clube Republicano aberto, poucos membros – Palácio quase fechado. Duvida-se geralmente da segurança e estabilidade do golpe.
Às sete, chega vapor do Sul – Gaspar recebe a bordo cópia telegrama do Sul e Norte e outros vêm chegando. Desembarca. Fala-se na volta Gaspar ao Sul.
16 DE NOVEMBRO DE 1889 – SÁBADO
Ver telegrama Jornal do Comércio. Fala-se prisão Gaspar. Movimento tropa – praça. Gaspar preso, Estado-Maior Quartel do Campo. Continuam autoridades policiais. Presidente e repartições suspendem expediente. Ver nota (...) do Conservador. Não houve sessão. Falta número Assembleia.
17 DE NOVEMBRO DE 1889 – DOMINGO
Comandante 25 levado ao Clube Republicano (...) deste, que o foi buscar no Hotel, sai (...) por seus membros e vai ao Palácio. Intima Presidente a entregar-lhe o poder e se empossa com mais dois membros: Raulino Horn, Chefe Clube, e Bayma, Chefe Conservador. Manda abater bandeira imperial e içar bandeira Clube e quebrar a alavanca coroa nas armas brasileiras ático Palácio. Presidente, seguido amigos e membros novo Poder segue Praia de Fora.
Antes, da janela Palácio Presidente, há trinta ou quarenta pessoas na rua, gritam Viva a República! – Foguetes -
Demitido Comandante polícia e nomeado Firmino, pai de duas raparigas?
Chefe polícia Capitão Firmino – Chefe poder Comandante 25, ajudantes ou membros, dito Raulino e Bayma– Gaspar incomunicável – A tarde passeata militar exclusiva, música, foguetes pela cidade. Ver Boletim.
Consta Imperador embarcado para a Europa – na despedida foi-lhe dado cinco mil e oitocentos contos mensais -
Consta ordem embarque Gaspar preso para Rio de Janeiro.
Gaspar (insultado na prisão pelo) comandante policial – Consta (denúncia do Inspetor Alfredo) – (Diretor) Conservador se apresenta Palácio, declara aderir (e oficializa) seu concurso.
Partido Liberal passivo.
18 DE NOVEMBRO DE 1889 – SEGUNDA-FEIRA
Repartição (...) comunicação – Governo Provisório a Tesouraria Provincial, incorporado vai apresentar-se a Palácio.
Câmara reúne sessão extraordinária e adere. Foi por ato Governo Provisório extinta a Assembleia Provincial – Abateu-se a Coroa na Alfândega e na Tesouraria Geral.
Ordem às repartições para vigorarem as Leis e regulamentos respectivos. Continuam ainda os Empregados.
Telegrama anuncia nomeações. Lauro Muller Governador (?) do novo Estado.
Ver boletim intimação e resposta Imperador que ontem seguiu Europa vapor Alagoas.
Banquete Clube Republicano oficiais à noite, hoje oficiais – Major 25, assume comando Batalhão, Alcino ajudante – Ordem da Tesouraria Geral aceitar bilhetes Banco -
Trabalhador (Alfredo) despedido por não querer subir (perigo) e abater Coroa .
19 DE NOVEMBRO DE 1889 – TERÇA-FEIRA
Pela manhã cedo espalha-se notícia revolta parte tropa Batalhão 25 – Fala-se mortos, feridos e fugidos – População assustada – Continuam os empregados.
Diversas Câmaras Municipais do Estado de Santa Catarina declaram aderir à nova forma do Governo (Ver Jornal do Comércio de hoje).
A declaração de extinção da Assembleia Provincial não atinge a Secretaria da mesma (repartição), segundo explica o Governo Provisório -
Chega vapor inglês do Rio de Janeiro e parte às três horas levando Camargo que estivera acompanhando Gaspar.
Testemunha (Alexandre Ignácio) narra ocorrência (…) – Há cerca de cento e vinte e seis praças do Batalhão 25, o resto destacamentos pelo interior. Voltou a música e o comandante (Major 25) ao quartel – às dez horas mais ou menos. Em motim estavam os soldados que aí ficaram de prontidão, quase todos armados porém sem munição, que por acaso não havia sido distribuída nesse dia.
Major fala para os soldados se acomodarem e recolherem: querem eles também fazer uma passeata. Major repreende e manda que se recolham – desobedecem e exigem que a música os siga. Major, para (desviá-los), concorda no passeio: ele irá, mas em ordem, como militares.
Querem a bandeira: mas já não temos. Nós queremos, está bem, iremos ver a bandeira: essa não, não é nossa é dos paisanos; queremos a nossa, nacional. Vem a bandeira – Saúdam-na com vivas ao Imperador, obrigando Major a saudar – Vão sair – Major de acordo, manda numerar e formar: cedem, numeram até quarenta, formam e toca o hino nacional.
Dão volta Rua do Vigário, praça, Rua da Cadeia, Menino Deus e Campo do Manejo. Chegando, já oficiais eram reunidos e armados, arrecadamento acautelado, munição passada à casa particular.
Recebem voz de prisão: resistem, um volta ao Major e o diz traidor e vai feri-lo. Ordenança desvia o golpe – Major manda afastar a música e ordena fogo: caem alguns, fogem outros, muitos presos. Um atira sob alferes Olympio, salvo por Capitão Firmino que mata o soldado.
No xadrez, outro vai sobre o mesmo cadete sustado pelo mesmo Capitão que ameaça revólver. Até de manhã ainda se prendem. Na praça um cadete é atirado por um soldado, mas não acertou – Na Polícia um soldado é espancado e mal ferido -
Alfredo Gama D'Eça, chamado, custa a ir e encontrando a passeata foge para casa. Toda a família vai dormir no Mato Grosso .
Sai a tarde o primeiro número do República – jornal oficial, artigo Conservador e da mesma oficina. Liga e influência manifesta do artigo Partido Conservador no poder – representado Bayma.
(Consta reservado figura armada especial soldado leva causa do comércio)
20 DE NOVEMBRO DE 1889 – QUARTA-FEIRA
Não houve ato Governo Provisório. Chegou o paquete do Rio – Notícias – Câmbio – telegrama 27, ½ , comenta-se fugida Alfredo Gama D'Eça. Estavam presos os soldados menos cinco ou seis.
Afirmam reservado Elyseu B. que não existe influência conservador. Sai número dois do República.
21 DE NOVEMBRO DE 1889 – QUINTA-FEIRA
Atos Gerais e daqui, vide República. O jornal oficial não toca no negócio dos soldados, apenas narrado sucintamente Jornal do Comércio – Boatos: que receando-se qualquer tentativa do Rio Grande, resolvera-se apressar a saída de Gaspar, ordem pois, Laguna seguir diretamente para o Rio de Janeiro levando Gaspar mas temendo (...) Vilella e Souza, contra – ordem; esperado o Vapor Guerra trazendo Governador e voltando Gaspar; povo (...) força terra do Sul apoio Gaspar (senso) -
Jantar ou almoço: governador recebe telegrama. "Vamos ver quem é essa boa pessoa, e o que quer". Abre, lê e pergunta a Firmino "Conhece essa peça?" "– É um homem distinto, digno, considerado, importante". "É boa pessoa, já devia estar enforcado".
Souza e outros deputados se despedem. "Os Srs. são boas pessoas, e como ainda quero lhes aproveitar os serviços, vou mandá-los meter no xadrez".
Quando o filho de Gama D'Eça fugiu, (...) estava com o pai, e todos fugiram Mato Grosso.
Decreto n° 1 – de 15-11-1889 -
República federativa Descentralizada.
Integridade da Nação.
Autonomia e independência dos Estados.
Liberdade completa e soberania do município.
Governo do povo pelo povo.
Constituição definitiva de cada Estado – Eleição de seus corpos deliberativos e seus governos locais.
07 DE JANEIRO DE 1890
Era isto o que se esperava? Seria isto o que estava planejado?
Na verdade é preciso confessar que por mais esforço que se empregue, talento, boa-fé e calma em compreender as relações da causalidade, lógica e combinação racional, no conjunto dos fatos que se têm sucedido de 16 de novembro até hoje, nunca se poderá tirar outro resultado se não a convicção da mais completa desordem.
Bem havia eu suposto quando asseverava que tudo marchava naturalmente, todas as vezes que a minha vista censuravam os atos estranhos do Governo Provisório – Natural, tudo isso é bem natural.
É incontestável que um golpe de Estado não deve, não pode se prolongar: de sua essência é ser efêmero. Uma vez dado, tem de cessar, desaparecer, retirar-se e ceder o lugar às suas consequências, ao fim para que surgiu.
Sempre que assim não for, segue-se-lhe a desordem, a anarquia, e daí o absolutismo
Hoje (19 agosto) pela manhã, mais um espetáculo ridículo deu o Comandante Militar.
Pela manhã cedo, chovia bastante, o tempo barracoso de há 8 dias continuava frio e escuro. Foram com aparato usado, trazidas as duas peças da fortaleza e formou-se no campo do quartel, de uniforme de brim, toda a força militar da guarnição.
Debaixo de constante aguaceiro fizeram algumas evoluções, correndo o comando de um lado para outro sem necessidade ou disposição de manobra.
Afinal, vem ele colocar-se ao lado de um fotógrafo ai postado para tirar a vista desse grande grupo.
Mandava o fotógrafo com a mão esquerda que os praças se arrumassem para a direita, mandava o comandante com o braço que passassem para a direita; e não se conseguira nada; por fim o fotógrafo fez sinal de firme e lá se tirou a vista.
Somente o comandante tinha feito afastar e recuar os oficiais que se lhe aproximava para sair bem destacado!
Até onde irá esta gente?
O comandante do distrito militar, um coronel do Exército, manda seu ajudante de ordens ao Palácio queixar-se ao Presidente do Estado de... terem algumas praças do guarda do Palácio mofado , rindo-se de um soldado que ali fora levar ofícios!
Outras quejandas anedotas referem-se ao mesmo comandante.
Causa lástima que se deixe assim cobrir de ridículo aquele que tem por dever rigoroso realçar o prestígio, o respeito e o pundonor de tão importante posição.
Mas é que, em geral, os homens que não sabem zelar aqueles brios, são sempre dotados de outras qualidades procuradas e aproveitáveis aos tiranos.
Nem um escrúpulo, subserviência inconsciente, brutal execução nas ordens a cumprir, rancor, crueldade, superstição e pusilanimidade são os dotes que tomam tais homens útil instrumento nas mãos do despotismo.
14 DE DEZEMBRO DE 1890 – A CORRUPÇÃO
Tenho repetido que o maior mal que nos deixou a Monarquia foi a corrupção: todos os outros podiam ser extirpados rapidamente, aquele, porém, só de geração em geração se irá consumindo.
E não fosse a corrupção, a República viria suave e naturalmente, como já é própria da civilização atual nos povos cultos.
Nascida muito embora de uma sublevação militar, a instituição da República, se a sua testa estivessem homens de caráter sério e tino político, de convicções bem firmadas e planos assentados, – não se acharia hoje comprometida e na difícil luta com o absolutismo, sem que se possa prever qual o resultado de tantos embaraços.
A corrupção desceu do alto da corte e invadiu uma por uma todas as camadas sociais.
Ao atravessar as diversas classes, encontrou a corrupção um aliado natural e já com trabalho adiantado por conta própria: o mercantilismo.
A DITADURA
Muita curiosidade fornecerá a história se registrar os fatos como eles se vão passando nesta terra, sob o domínio da ditadura militar.
Entre tantos, não convém esquecer o seguinte que bastante me impressionou e que referirei dizendo as coisas como elas são, e deixando de lado essas ficções que tanto prejudicaram a monarquia.
A ditadura vendo que encontrava resistência invencível para tornar-se efetiva forma de governo, convocou um Congresso, anunciando-o como Assembleia Constituinte.
Ao mandá-lo, porém, eleger-se, faz um projeto de constituição e o decreta, declarando, entretanto, não entrar em vigor senão na parte eleitoral ou que diz respeito à organização do Congresso.
Já aqui começa o imbróglio.
O mesmo decreto manda que só funcionasse o Congresso como constituinte no ato de julgar o projeto apresentado, não podendo como tal tomar outra qualquer deliberação.
Ora, qual foi o primeiro ato do Congresso?
Investir o Chefe do Governo chamado provisório, de todos os poderes nacionais: isto é, a ditadura .
CONTRASTE
Depois de imposta a chamada República do Brasil, no Estado de Santa Catarina tivemos desde logo o governo de uma junta de três membros, composta do comandante do batalhão, um médico militar e um paisano.
Tratou-se então de indicar o Clube da República, de nome um para ser nomeado pelo Governo Geral.
Foi assim nomeado o oficial de curso Lauro Muller, tenente governador deste Estado.
A imitação do que se fez no Rio, expediu ele um regulamento eleitoral e encomendou uma Constituição, feito o que convocou uma Constituinte, que foi incumbida de aprovar a Constituição e de eleger o governador e seus substitutos.
Tudo isso se arranjou e Lauro Muller ficou no poder, inventando festas, distribuindo propinas, cantando glórias, a descansar na vanglória do palácio. O golpe de Estado, a ditadura de Deodoro, fez estremecer o Brasil todo.
Rio Grande do Sul levantou-se.
A ditadura estendeu o braço para o sul. Santa Catarina sofreu os efeitos do estado de sítio, a pressão do despotismo, pois o governador aderiu à ditadura.
O movimento do sul estendeu-se.
No Rio de Janeiro estalou a Armada e o Ditador foi deposto.
Os governadores que haviam acompanhado a ditadura baquearam; Lauro Muller voltava a aderir ao novo estado de causas, e já preparara terreno, desbravado pela representação no Congresso, toda sua.
Foi então que tomou vulto a oposição. Sua causa era a mesma da revolução do sul. Deu-se o movimento popular. Lauro Muller deixou o poder ante a vontade do povo.
Imparcialmente, observados os fatos e a situação do Estado nesse momento, pode-se com segurança afirmar que a opinião pública era francamente contra o governador.
Deixando de lado agora tal estudo, consideraremos só o fato da deposição .
Convidado o povo para um meeting e exposto o motivo dessa reunião, todas as razões pelas quais se julgava impossível a continuação de Lauro Muller no governo, tornado ele impopular e incompatível, foi essa reunião por unanimidade declarada permanente.
Com efeito, o povo se aglomerou na praça e aí crescia de hora em hora, chegando grandes grupos de fora da cidade.
Diversos oradores arengavam ao povo e eram aclamados com entusiasmo e o movimento redobrava constantemente, multiplicando-se os manifestantes e exaltando-se já com violência os ânimos.
A praça toda, até a frente do Palácio as praias e ruas adjacentes estavam repletas de povo.
A MENTIRA
Desde 89 têm sido em minha terra os fatos públicos acompanhados de uma circunstância que por fim já me causa uma repugnância e enojo invencíveis.
Horas depois da sedição militar no Rio de Janeiro, começou a prática de um vício que com pretensão à tática tornou-se pelo seu bom efeito circunstância indefectível de qualquer movimento político ou simplesmente ato público com alcance político.
Essa circunstância é a mentira.
Parece impossível, mas a mentira não só se tornou habitual e foi despida daquelas hesitações, daquele temor que sua natureza lhe impõe, mas até alcançou produzir os mesmos efeitos da verdade, roubando-lhe sua força e virtude.
A apreciação do papel que a mentira tem representado no Brasil durante todo o período da chamada República, a não encher um livro que chegaria a enjoar, dará para um capítulo que não deve ser esquecido pelo historiador, e que oferecerá curiosas e peregrinas considerações ao estudo da corrupção dos povos e a análise do espírito público debaixo da influência dos princípios filosóficos desregrados da civilização moderna.
Já de há mais tempo a mentira se tinha insinuado sorrateiramente na imprensa, tomando diversas formas, disfarçando-se como o medo e recuando, e escondendo-se o melhor que podia, quando apercebida e denunciada.
Ainda um certo receio, de descrédito obrigava a imprensa a fechar suas portas à mentira descarada.
Subsistia por enquanto alguma coisa de sério no meio da crescente invasão do vício; e a mentira só conseguia vida e triunfos efêmeros.
Vem porém o momento de ser necessária a mentira para a salvação pública, e ela iniciou o seu reinado, assenhoreando tudo, tudo invadindo.
Daí não tem mais sido possível contê-la, nem há forças que lhe resista: os fatos, a razão, a evidência, tudo ela avassala e rende.
Se acaso o absurdo ou o extremo ridículo a ferem... é tarde, já ela tem produzido seus efeitos desastrosos.
Como pode a mentira de tal forma elevar-se?
Que meio empregou para destruir aquelas cadeias que a prendiam ao posto de malfeitor?
Como tão de súbito fundou tamanho império?
Foi em novembro de 89 que se fez essa revolução. Já o disse nos meus artigos do Gazeta do Sul.
Aqui o movimento republicano foi mentira.
Quem fez a República neste Estado como em todo o Brasil, foi o telégrafo: a sedição militar apossou-se em primeiro lugar do telégrafo e entregou-o a mentira.
O primeiro telegrama daqui passado foi mentira, mentirosos foram daí por diante todos os recados.
A SEDIÇÃO
De longe vinham preparados os acontecimentos que desgraçadamente acabamos de presenciar. Depois da revolução que fez cair a Lauro Muller, ficando ela incompleta pela subsistência da representação na Câmara e no Senado, dos mesmos que formavam parte do governo deposto, em torno desse foco de reação começou a se formar um grupo de partidários sem bandeira, sem programa, sem ideia, mas que se iam ajuntando levados pelo mesmo motor, unidos pelo interesse pessoal que o acaso ligava.
Nem a escolha de meios, nem o sacrifício de dignidade e de honra, serviam de embaraço a essa ligação do mais heterogêneo e híbrido pessoal.
As circunstâncias anormais da sociedade, os erros da alta administração pública da União, o descalabro dos caracteres foram circunstâncias as mais favoráveis a dar bastante coesão àquele grupo a fazer nele nascerem ideias que deviam germinar enfim satisfatórias para todos.
Enfim, era o poder que dá as propinas, que sacia as ambições e contenta os interesses.
Lenta e gradualmente foram obtidos mil pequenos favores, que bem explorados se transformavam em elementos proveitosos, e de concessão em concessão, de compromisso em compromisso se organizou esse conjunto de força que pareceu suficiente para a ação.
Se os meios para obter tais elementos não se pejavam de baixeza e servilismo, a argamassa que os ligava não eram menos indignos a mentira a mais assombrosa e disfarçada, a aleivosia e o cinismo foram gastos em profusão e exclusivamente.
Assim se formou a oposição. E uma vez julgando-se completa e forte, lançou-se no terreno da ação.
Mas vejamos antes a posição dos lutadores, seus recursos, as almas de que dispunham, vejamos o ânimo e as crenças que dominavam em cada campo.
De um lado, o Governo do Estado confiando, ainda que suspeitoso, na letra da lei constitucional, sentindo os efeitos da manifesta hostilidade do Governo da União; assistindo ao fornecer dos meios e a animação dos adversários, e limitando-se ao calmo protesto e à exígua preparação de sua pequena força, só descansando na opinião e apoio do povo. A opinião pública sustentava o Presidente do Estado.
[Programa autonomia federalismo independente. Sua defesa era a pequena polícia] .
Do outro lado, a oposição só animada, só amparada pelas forças da união. Os elementos com que contava eram tirados do Exército; do Exército saiam muitos de seus chefes. Aos protestos dos adversários respondiam com insultos, e a mentira e a intriga, alienando do Estado qualquer inclinação do Governo Geral, desafiando todos os ódios, azedando todas as relações de seus adversários. A intervenção do Exército animava a oposição.
Sem meios de ação e sem soldados. Qualquer manifestação na Capital era impossível porque a causa da oposição é aqui impopular.
Uma arruaça fora sem efeito pela falta de povo: o grupo é diminuto. Foi pois preciso começar o movimento pelos municípios do interior.
OS TRIBUNAIS
Se nos países regularmente constituídos, o poder judiciário tem necessidade de ser o distribuidor da mais íntegra e cabal justiça, posto que a marcha normal dos outros poderes não lhe exija grande sacrifício para isso: — nas épocas de comoções políticas, de crises e durante os trabalhos de organização das sociedades, a justiça se torna de extrema importância.
Os abalos e movimentos atropelados dos poderes organizadores lançam o povo em tal desordem e dificuldades, que é indispensável haver um ponto de apoio firme, poderoso e seguro para não deixar desmoronar-se o edifício social.
A justiça então tem o seu mais brilhante, mais necessário e mais profícuo papel.
Nas lutas abertas pela política nas revoluções, se do adversário, se do inimigo nada há a confiar, nada a esperar, na justiça se há de encontrar aquelas garantias de segurança e de liberdade que não podem faltar na humanidade e são certas no seio da civilização.
Nas sociedades modernas há o cuidado de erguer bem alto, bem sólido o trono da justiça, inabalável, livre e seguro em sua ação, e ai daquele que não se vê no seu seio levantar-se sobranceira essa guarida dos direitos de seus membros.
Podem, muito embora, a opressão, o arbítrio, a perseguição, a violência, até o crime, todas as armas do despotismo e da tirania, alcançar e ferir o povo: ele lutará, repelirá, vencerá se puder, — ou cederá, cairá e será esmagado. Mas, antes de emudecer no embrutecimento da escravidão, os seus brados de dor e indignação, os seus gritos de desespero, o seu tremendo clamor de vítima irão vibrantes reclamar, levar aquele trono à justiça e depositar em suas mãos a punição do crime e a desafronta de sua liberdade.
Confiados na justiça os membros de sociedade, descansam sobre seus direitos naturais e sociais, cuja guarda a ela entregam.
Daí vem a suprema majestade do poder judiciário, daí a liberdade, independência e força dos tribunais de justiça.
Ali eles esperam, eles querem encontrar o juízo imparcial, igual e severo de todos e para todos; é a esperança para suas atribulações, é a consolação para suas dores, é a reparação para suas ofensas, a garantia para seus direitos e sua liberdade.
Quebre-se tudo, subsista a justiça, o homem ainda se acha seguro, se sente forte e espera, e a esperança é a vida.
Mas, tirai-lhe aquele paládio, e a consciência estremecerá aterrada: que outro poder a salvará?
Ora, mais cruel, mais bárbaro do que tirar-lhe a justiça, é dar ao povo falsos juízes.
O tribunal em que ao lado dos juízes se não assenta a sã razão, a imparcialidade, a liberdade e severa observância da lei, é mais do que um perigo para a sociedade, é a sua destruição.
Entretanto, foi em um tribunal, e no supremo tribunal do Estado que se desencadeou a paixão vulgar dos partidos, daí banindo todos os sagrados atributos da justiça.
Foi no Supremo Tribunal que partiu o mais fundo golpe na moral pública, o mais pungente desafio ao espírito público.
DESPOTISMO
Será isto governo?
O que quer o Marechal Floriano?
Também não sei, se fale dele ou de seus ministros fazem eles o que quer o vice-presidente, ou faz este o que resolvem seus ministros?
Entrarão eles em acordo?
Não parece nada disto exato.
Os disparates nos despachos, as respostas desencontradas, as resoluções singulares e contraditórias, deixam ver que cada um vai para seu lado e governa como lhe parece. Somente, vê-se preponderar, vigorar por fim, a vontade do vice-presidente, qualquer que tenha sido a decisão ministerial, e até o precedente juízo do próprio chefe do executivo: sua vontade de hoje anula todas as ordens dadas.
Plano, não existe.
O que agora se julga indicar um cálculo, é desfeito logo por outro ato que indica nova intenção.
É viver por dia.
É caminhar aos trambolhões, é andar por não estar parado; não olhar para diante; saltar aos tropeços ou quebrar os obstáculos, custe o que custar; aprontar instrumentos para combater empecilhos e destruí-los depois; atordoar e atordoar-se; vencer uma dificuldade criando duas... a vertigem, o turbilhão, a loucura!
FALSA REPRESENTAÇÃO – FALSO PODER
Quando uma vez no tempo da Monarquia, ouvi no Diretório Liberal de que fazia parte, propor-se a abstenção nas eleições o que se ia proceder, opus-me com todas as minhas forças entendendo que o partido que se abstém, suicida-se.
Mais tarde, vencido pelas circunstâncias, tirei da abstenção a que fui forçado, as vantagens possíveis; por uma curiosa estatística, na Capital feita nominalmente, demonstrei que o senador então escolhido havia sido eleito pela quarta ou quinta parte apenas do eleitorado, pois tanto era o que tinha ascendido às urnas: não podia portanto representar-se a vontade do povo.
Isso porém, nenhum efeito produziu, visto como a lei não dispondo na casa, o eleito foi reconhecido e ocupou com a maior naturalidade sua e de todo o mundo, aquele cargo até sua morte.
Lancei mais essa nota no capítulo da corrupção na Monarquia.
Tempos depois, já na República, tratava-se da primeira eleição.
Na imprensa, aconselhei ao povo toda a hombridade, aproveitando a liberdade que prometia o governo e os homens da situação.
Era preciso que começasse desde logo a educação do povo, a democracia devia implantar-se na sociedade partindo de baixo para cima, o centro da resistência, nas massas populares.
Adoeci. Conquanto não podendo trabalhar, fui procurado pelos antigos companheiros. Mas já eu tinha estudado a situação e vira que a mentira estava dominando e que tudo era falso; o regulamento eleitoral desmascarou o poder.
Havia então só um meio.
Era a abstenção.
Mas, abstenção absoluta completa, universal. Considerando a situação extrema, não hesitei, aconselhei abstenção, e eu próprio dei o exemplo: nem votar nem ser votado.
Isto quanto às urnas.
Quanto ao mais, nada aceitar cargos, empregos, nomeações.
Renegar todas as funções públicas. O meu princípio era obedecer e não reconhecer.
Não fui compreendido, não tive companheiros. O futuro me justificou.
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Quando foi deposto Lauro, Paula Ramos aliciou entre os colonos alemães mercenários a tanto por dia para vir à Capital defender o Governador contra as manifestações desarmadas do povo que pedia resignasse o poder.
Por ocasião de acudir ao ferimento de Severo, falando com os médicos que em casa dele se achavam, eu disse: "o maior mal que esta gente podia fazer a nossa terra, era este: acender o ódio de raça; chamar alemães, para combater brasileiros é da mais malvada barbaridade!"
Daquela vez foram frustrados os planos desses loucos; agora porém eles surtiram efeito.
O bom senso do povo havia conseguido destruir toda aquela planta que já ia germinando e uma natural e louvável harmonia com os alemães, fez com que os criminosos se servissem de outra taça.
Já agora foram Polacos.
Engajados também a tanto por dia vieram para desta vez atacar o governo e depô-lo. A animosidade que despertou este erro fatal estendeu-se ao coração dos alemães.
INQUÉRITO
Vejamos.
Até 2 horas da noite no sossego, em silêncio, o palácio recebeu um fogo nutrido vindo em distância dos quatro lados do edifício: tiros de espingarda.
Vinte minutos depois, cessou o fogo. Clareando o dia, o edifício, a praça, as ruas adjacentes estavam cheias de povo que fazia causa comum com o governo.
Até aí ninguém se havia apresentado em palácio, senão oficiais do Exército: não se tinha ouvido um "viva" – um "morra"; não se tinha visto um vulto paisano.
Quem atacou o Palácio?
Quem fez fogo?
Sabe o comando militar? Por que não o impediu?
Do Palácio respondera ao fogo corajoso, heroicamente, atirando ao acaso na direção que traziam as balas recebidas; algum ferido, senão algum morto devia se ter dado.
Não houve soldado ferido: não foram soldados que atiraram.
Não houve guarda cívico ferido: não foram os guardas cívicos que atiraram.
Não houve paisano ferido, nem foram os paisanos que atiraram.
Quem fez fogo então?
Do quartel ao 25 saiu aviso ao Presidente de que uma hora da noite o Palácio seria atacado.
Os tiros acabaram ao toque de cessar fogo pela corneta do Quartel General.
Quem mandou dar esse toque?
Para quem se mandou tocar?
Quem obedeceu a esse sinal?
O fogo cessou.
Às 2 horas da noite o batalhão estava em quartéis. Ninguém viu passar do quartel para a praça o batalhão, um pelotão, uma companhia.
Às 2 horas e 25', isto é 5' depois do fogo, pela praça e pelas ruas patrulhas de soldados infantes e de cavalaria, em diversas diligências.
Ao começar o fogo tocou alarme ou a reunir no Quartel General: acudindo a este toque foram vítimas os médicos militares Dr. Cordeiro e Freitas.
Pela frente do Quartel General se estendia uma linha de atiradores, o comandante militar não os viu?
Não foram vistos os grupos armados no canto sul do jardim, adro da matriz, rua dos Ilhéus, Vigário e outras?
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O fogo partiu da Tolentino e da frente do Palácio do Governo, o comando não viu?
Se as patrulhas já rondavam, como não prenderam os atiradores do canto do jardim, da esquina das ruas Ilhéus e Vigário e adro da matriz?
O que andaram conduzindo desde as 2, 30' até às 7 horas para a Enfermaria Militar?
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A 2 pela manhã 8 horas telegrama .
A 1º — governo militar?
A 31 – governo Eliseu até 9:00 horas da noite
A 30 – 2 madrugada – assaltos
Dia 2 – 8 às 10 Escola de Marinha
10 horas manhã capitania. A tarde Itapemirim
Pela manhã guardas de polacos substituídos por tropa de linha
Dia 3 – Eliseu, para evitar novo assalto, no dia 31 à noite escreveu a Serra declarando que ele Eliseu conservava o poder, sua posição de Presidente e todo o direito, e que ele Serra guardasse a segurança das repartições e edifícios conforme se comprometera. Serra atraiçoando, instala em palácio Hercílio e este aí esteve toda a noite do dia 31, dia 1º e 2 até às 8 ou 9 da noite.
Dia 1º – guardas, câmara, cadeia. Palácio dos polacos.
Dia 2 – guardas da tropa. A 2 da manhã telegrama – Rio que continuaram todo dia. Um a noitinha resolveu afinal a evacuação do palácio.
Dia 3 – Chegada do vapor com a polícia. As 10 e meia foi Eliseu dar contas ao (Comandante) . Mudados os guardas para policiais. Papel Capitania dos Portos.
Ao chegar o Dr. em frente à sapataria, dirigindo-se para o passeio fronteiro do jardim, um dos estrangeiros que dali atiravam sobre Palácio gritou, "alto... quem vem"?
– "O médico, militar..."
E não disse mais: caiu morto.
– "Mataste o Doutor do batalhão, canalha... toma!
E o estrangeiro caiu, como caíra o Doutor.
– "Oh, oh!"
E um outro tiro partiu, e outro corpo tombou nas pedras... era o soldado.
Outro estrangeiro vingara seu patrício .
Um polícia que, andando na figueira acudira ao fogo, presenciou a cena ao chegar à esquina, puxou o corpo do médico para a calçada e correu ao quartel.
Acabara o fogo. Três praças montados foram vistos por mim vir daquele ponto a trote largo, ir ao Quartel General e já voltarem com dez praças em fuzil e logo estes, voltaram no caminho trazendo dois corpos feridos ou mortos, não sei.
Durante aquela cena, deu-se o ferimento do outro médico..
CÔMICO E CRUEL
Um dos conspiradores, e saliente, disse, poucos dias depois em uma roda: — Estive no fogo, não o nego, andei de arma ao ombro, mas não dei um só tiro que fosse. Quando me deram a arma, me recomendaram "cuidado com isso, não vá se pisar".
— "Como?" Perguntei. "Carrega-se assim; porque se você não o fizer direito, em vez do tiro partir para a frente, vem por trás e mata-o". — "Bom, disse eu comigo, já não darei um tiro que seja; nada de arriscar-me a morrer, — e andei só com a espingarda largando-a logo que pude".
Tudo isso era pronunciado com o tom de quem contava uma façanha, que se o não enobrecesse, ao menos o fizesse simpático!
De sobre malvado, covarde.
É o mesmo que em São Francisco. Todo cheio de valentias e fanfarronadas pelo telégrafo teve de embarcar fugindo às corridas.
NOTA
— Não era para admirar que os praças que agora chegaram fossem fazer fogo ao governador (sic) em Palácio; mas os que já estavam aqui há mais tempo, os do 25°, ... atirar sobre uma gente tão boa, que trata tão bem os soldados... para matá-los...
— Mas então...
— Nós somos dos últimos chegados, mas eu e mais uns companheiros não demos um tiro; olhe recebemos cada um cinquenta cartuchos e mal tocou a cessar-fogo, corremos pela praça abaixo e fomos na praia do mercado atirar ao mar toda a munição inteirinha. Matar esta gente assim nossos patrícios brasileiros...
— Meus filhos, da janela, viram algumas pessoas, de pardo, chegarem da praça correndo, no momento de cessar o fogo, e atirarem uns na praia, outros n'água, alguma coisa que não puderam conhecer. De dia acharam-se cartucho na praia do Mercado.
O luar estava bem claro. A ação boa reserva o acaso sempre uma testemunha, por mais oculta que se faça.
FIGURANTES
É um inepto vulgar.
Não podendo se fazer notável em coisa alguma, ainda moço, por gracejo, dizia-se republicano. Casou, em cada filho pôs nome de um cabecilho rebelde ou revolucionário, mais ou menos histórico.
Tornou-se maníaco e original.
Chegava ao escândalo e ficava satisfeito, achando graça no exagero de suas parolices.
Na Monarquia, só falava gritando no dinheiro que recebia a Família Imperial; os ministros eram lacaios, os senadores e deputados barrigudos, ladrões de cofres públicos.
Tinha uma loja de papel com prateleiras vazias. Andava pelos secretários dos ministros pedindo pequenos fornecimentos que emprestava a outros para ter algum lucro.
Ultimamente era liquidante de um banco quebrado e disso vivia prolongando a liquidação por muitos anos.
Decorou as passagens mais cruas da Revolução Francesa e o romance histórico de Tiradentes.
Tinha fundado um clube com esse título; foi do tal clube que veio sua posição no levante de 89.
A vaidade é o seu característico.
Vaidoso e pretensioso.
Sem experiência, sem critério, é susceptível com todo o enfatuado vazio de mérito.
Talhado para cortesão de antecâmara, viu-se envolvido no levante militar de onde saiu a República.
Mole, efeminado, tendo vivido na escassez da pobreza, tornou-se avarento e ambicioso; nenhum escrúpulo desde que não ficasse prova.
Na Monarquia surgiam frequentemente vultos destes; alguns com talento faziam certa carreira na política, os outros em geral eram lançados ao ostracismo e o desprezo público os consumia.
A República achou na turba de suas conspirações grande cópia de tais indivíduos, os quais têm sido aproveitados na falta de homens sérios.
A concentração não é, como na França, o arregimentar das forças puras para ressalvar a ideia republicana. Contra a monarquia aqui a concentração é o monopólio dos interesses nas mãos dos da ocasião e dos confessos de antes para gozar os proventos, contra os outros republicanos.
Há homens que são como certos artigos ou transcrições – matéria de encher na paginação do jornal.
CINISMO OU ...?
O abaixamento do nível moral de uma sociedade, não é, com certeza, obra de pouco tempo.
Esse medonho fenômeno que parece à primeira vista protestar contra a lei geral do progresso, é antes um argumento em seu favor.
A natureza apressa a morte do tuberculoso para que se não propague o mal. Os desastres que aniquilam tais sociedades são um beneficio para a humanidade.
O que tem se passado no Brasil há cerca de 3 anos chega bem para justificar a ideia de que o nível moral deste povo baixou tanto que se apresentam possíveis, e quem sabe se prováveis, as maiores calamidades públicas.
Em todo caso, tais apreensões não têm deixado tranquilo o espírito dos homens sérios e observadores que ainda sentem bater-lhes o coração por aquele antigo amor da pátria tão sagrado e puro.
Uma esperança nos anima entretanto, e se falaz no futuro, que nos alente até deixarmos esta tão tormentosa como ingrata peregrinação da vida.
Para que sobre a sociedade possa recair o juízo daquele grande mal, nos parece necessário que seus sintomas irrompam em todas as camadas, de modo a não se poder extirpá-lo.
E isso o que ainda, cremos, não se dá, posto que em todos os Estados de tão vasta nação se possa verificar sintomas bem claros da presença do vício.
MECANISMO
Há três anos e meio que foi mudada a forma de governo no Brasil, e ainda não pude entender o mecanismo do que se sucedeu à monarquia.
Toda a minha boa vontade de democrata antigo e de sangue, toda minha prática política veterana, não dão para tanto.
Por muito boa que fosse, a Carta trazia já em si um pecado original; os poderes que se constituíam eram filhos espúrios da escolha do povo.
A federação começou pela ditadura, e nos Estados, como junto aos incapazes de dirigir sua fazenda, está a espada da União no papel de curador.
A centralização é mais cruel e tirânica do que na Monarquia.
O estado foi lançado entre duas alternativas: a servidão, território da União, ou a anarquia.
A SEPARAÇÃO
Poderão porventura fazer duradouro um tal estado de coisas?
Mas a anarquia pode ser um estado social?
Por muito que reflita sobre os negócios públicos do Brasil, não vejo uma solução natural que comporte a existência de uma nação grande e importante e unida, como a constituída pelo Império.
Ao contrário, quanto mais penso, quanto mais estudo a marcha dos acontecimentos, mais me convenço de que tudo caminha para o fracionamento deste imenso país.
É verdade que sempre cuidei ser este o futuro do Brasil, isto é, que em uma época que se me afigurava muito remota ainda o Império cederia o lugar à formação de várias nações, regularmente constituídas, conforme estava indicando as condições geográficas de tão vasta porção da América do Sul.
Longe porém estava de imaginar que dentro de tão pouco tempo, ainda em minha vida, se tornasse iminente semelhante fato. E o que mais é, tornar-se uma espantosa catástrofe, aquilo que devera ser a mais natural e louvável evolução.
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Bem dizia eu muito que ainda teríamos de ver, quando há meses se queria achar um plano preconcebido, estudando o procedimento do governo do Brasil.
Nem há planos, nem princípios, nem há programa nem coisa alguma definida. Há só a vida dia por dia, o intento de vencer todos os obstáculos, o propósito firme de conservar o poder.
Para isto, a cada dificuldade se opõe um meio enérgico e à medida da resistência se chega facilmente aos extremos com a ideia de que esse extremo é transitório e, vencido o óbice, tudo entrará na marcha normal: a questão é vencer.
O que porém acontece é que essas crises vão se repetindo tão amiúde e tão filiadas umas às outras que o estado normal já se tem tornado crítico extremamente.
Apenas terminava a cruel e injustificável tentativa de deposição do governo do Estado de Santa Catarina pelo Governo Geral, rebenta a revolta da Armada na Capital da Federação.
O governo lança mão imediatamente do recurso que tem caracterizado a força da nova forma de governo do Brasil: o telégrafo.
Por dois ou três dias fechou-se a comunicação para o Rio de Janeiro, sem se saber porquê. Depois, ordem para não despachar navios para fora do Estado; mais tarde a comunicação fechada para todo o país; e finalmente, notícia da revolta da Esquadra, causa de todas aquelas ordens.
Os disparates que desde então se têm reproduzido chegam a provocar o riso no meio dos transes por que passam o coração e o espírito e tão tristes condições.
Notícias de bombardeios na capital, mortes e desgraças, bloqueio da cidade; ordens de resistência, de meter a pique qualquer navio dos revoltados, os preparativos bélicos, a ausência completa de notícias outras, a ignorância de todos os atos e resoluções dos governos e da sua atitude, tendo isto fazendo suspender em absoluto o giro do comércio e as demais relações da vida exterior, lançou a população em um estado de pânico e sobressalto tais que o espírito mais calmo e refletido não encontra maneira de incutir tranquilidade nos ânimos esmorecidos.
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Uma das frases que hão de ficar de Napoleão III é esta:
– Imperador, foi visitar o castelo de Ham, onde tinha estado encarcerado como revoltoso, e disse ao sair:
– Compreendo agora que é um crime atacar um governo estabelecido. " Agora..." quer dizer hoje, atualmente, que eu sou esse governo.
E Robert-Macaire, preso pelos gendarmes, lhes fez uma proposição análoga: "Vamos, que todo o mundo se abrace e que isto se acabe". (A. Karr – 1875 – ...Plus c'est la même chose).
01 DE DEZEMBRO DE 1893
Desguarnecido completamente o Estado, só as circunstâncias extremas em que nos achávamos justificou obedecer ao impulso patriótico de sacudir o jugo da tirania, aceitando o auxílio da armada revolucionada.
As forças de Floriano renderam-se no Desterro e o Estado consentiu na instalação do Governo Provisório que lhe garantiu a autonomia .
A capital ficava ao abrigo de qualquer violência.
Havia porém uma pequena força em Lages, a título de guardar-se a fronteira por parte da União, e no Araranguá outra maior com seu comandante, que comunica ao resto do Estado, estar em completa paz e abandono.
Não se submeteu aquele comandante e recolhido o destacamento de Lages, fez-se forte e hostil em insulto à Laguna.
A Revolução do Sul andava perto; emissários chegaram aos Governos Provisórios e do Estado, dali passaram à fronteira em Lages.
Unificou-se a Revolução da Esquadra e da campanha, sob o Governo Provisório.
Levantada alguma força para ajudar no sul, fugindo à gente de Floriano, recebe valioso reforço da tropa de Castilho e volta a assentar-se, fortificado no Tubarão e amparado por Torres.
A fronteira do norte, ameaçada pelo Paraná, é invadida por exploradores de Floriano. Lauro veio a São Bento e fez-se proclamar governador sendo corrido horas depois.
Argollo, com maior força, invade o Estado e proclama-se governador, mas é rechaçado e passa a fronteira de regresso, indo nossas forças no seu encalço.
Para acudir ao norte, desce de Lages a Cavalaria Saraiva, e mal se afasta é Lages invadida por Pinheiro, é proclamado governador P.L.
Está pois o sul invadido por A. Oscar com Firmino contido no Tubarão.
Está Lages invadida por Pinheiro Machado, somada às descidas da serra.
A rendição do Paraná desafrontaria este Estado, ou a chegada de novas forças da Campanha, que meteriam entre dois fogos Lages e Tubarão.
5 DE DEZEMBRO DE 1893
Assim como em 89 no levante militar, o governo do país ressentiu-se do vício pernicioso de uma seita perniciosa, assim no Governo Provisório da Revolução de 93, a mesma seita inocultou vício incurável.
O movimento de 15 de novembro trouxe no bojo um elemento mais nefasto, mais fatal e mais repugnante aos povos do que o elemento militar: o domínio de uma seita apoiada no poder da espada. É a tentativa absurda de fazer a civilização recuar muitos séculos atrás.
O despotismo, a tirania de que tal domínio provém são de rápida duração.
Ora bem.
Já Pinheiro Machado está em Blumenau; mais um ponto ocupado pelos Castilhistas.
Nas campanhas de recurso, é assim.
As revoluções porém não podem ficar nessa marcha improdutiva, a menos que não seja auxiliada por outra campanha que vá reduzindo as forças inimigas.
Daí a revolta da Esquadra chamando a colaborar o Exército Libertador.
Daí o estabelecimento do Governo Provisório para a unidade de ação, e a adesão de nosso Estado para centro de operações.
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Da luta que se abate no Rio Grande tem de resultar uma fecunda consequência para todo o Brasil.
Vão se medir no campo de batalha as tropas de linha, o Exército, com as forças civis, os paisanos.
As condições do terreno, da moralidade e do número, são superiores da parte dos revolucionários.
O Exército há de ser vencido.
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O vício de origem deixou estragado todo o organismo do País no novo sistema de governo.
A deposição do monarca e do seu governo, ficou modelo e exemplo, como solução natural para as crises políticas, não só dos estados como também no poder central.
Se muitas vezes a primeira deposição foi provocada naqueles, pelo despotismo e tirania, nem por isso se julgam menos autorizadas as outras em represálias.
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Em (...)de (...)189(..) sem um tiro, a pressão da vontade popular fez fugir, abandonando o governo, um comparsa da primeira ditadura .
Em julho de 93 abortou a sedição armada da segunda ditadura; já o sangue catarinense foi derramado.
Qual era a situação do Estado quando chegou a Esquadra?
Como foi recebida?
Em que posição ficara os dois governos entre si? Perante a ditadura?
Qual a atitude do Estado para com a Revolução Rio-Grandense?
O Estado foi conquistado?
Foi invadido?
Constituiu-se o território da ocupação militar? Procedimento do governo geral revolucionário. Procedimento do governo do Estado.
Razões do auxílio que deu o Estado à Revolução.
7 DE DEZEMBRO DE 1893
A revolução de 93 tem gradualmente perdido a sua feição primitiva.
Iniciada no Rio Grande do Sul pela revolta popular contra o governo de Castilhos, passou de estadual que era, a bater-se para sacudir o jugo do poder central que chamaria a si a sustentação daquele governo.
Nessa luta, o despotismo se foi desmascarando, e, com o apoio da Assembleia, firmou-se ele desassombradamente.
Levantou-se então a Esquadra intimando o Vice-presidente a retirar-se do poder.
As duas revoltas mostraram o mesmo fim: a queda do déspota.
Elas se uniram no Estado cujo governo repeliu de si o poder despótico do centro e o Governo Provisório estabelecido no Desterro foi reconhecido e aceito com a constituição já promulgada e para mantê-la derribando o despotismo.
Já dois fenômenos vinham indicando uma nova feição, quando de simples revolta se fez a revolução.
Em terra era o povo armado que combatia a tropa de linha ao serviço do governo.
No mar, era a Armada que jurava a queda do déspota e nada aceitava para si.
Marchando os acontecimentos, do meio desses horrores da Guerra Civil, a nova feição se tem ido desenhando e hoje bem se pode distinguir a ideia da destruição do poder da espada no governo do país, como o resultado de toda esta sangrenta e desoladora campanha.
Mais nobre, mais honrosa, mais justificativa é esta feição, que torna política e correta a Revolução de 93.
Realize ela esse escopo, de proveito serão para a pátria os tremendos sacrifícios que está custando.
Não é o soldado revoltado que combate o soldado da tirania – é o povo armado que repele o soldado quando ele o embaraça.
Não é a Marinha que se levanta para partilhar o poder: é a Armada Nacional que derriba o governo para que nele entre o possuidor de direito.
O verdadeiro soberano sente que se vai quebrar a espada que o afastava do governo e prepara-se para tomá-lo em suas mãos.
É o povo que marcha para o poder.
12 DE DEZEMBRO DE 1893 – A CORTE
Ou seja, a tirania de Rosas, o absolutismo de um Czar ou a Monarquia, a Teocracia, ou a República de qualquer forma, sempre ao poder acompanha a sua corte.
Gera a corte a intriga e da intriga vive ela, espalhando-se no ar que nutre o poder, de maneira que este não mais subsistirá sem a corte.
Improvise de súbito o mais isento e desconhecedor de tal vício, e dentro de poucos dias a corte aí estará declarada e em ação plena.
Parece que o poder menos sujeito a ser atacado desse vício, seria um governo provisório – uma revolução por exemplo.
Sua existência efêmera, a rapidez do reduzido número das ambições logo satisfeitas a incerteza, o risco e o pouco efeito das posições, parecem afastar então as condições do aparecimento da corte.
Não é porém, assim.
Ainda em tais governos, o poder tão depressa se estabelece, sente na sua vida logo os efeitos do grande mal que ele aspira no ar ambiente.
Como ai se introduziu?
Viria já com o próprio governo quando se organizou?
18 DE DEZEMBRO DE 1893
Deodoro dissolveu as Câmaras: assumiu a ditadura.
Castilhos aceitou-a no Rio Grande.
Armou-se uma revolução no Sul contra os ditadores: no Rio, a Esquadra se levanta e cai Deodoro e é deposto Castilhos .
Sobe Floriano e aceita as deposições nos diversos Estados, a exemplo do Sul.
Castilhos prepare uma deposição, assalta o governo: Floriano tergiversa, Castilhos vence. A reação foi tremenda.
Do seio das vítimas ergue-se nas mãos tremulas das vítimas o lábaro da vingança.
A esse punhado de heróis revoltados nos campos, acudiam os perseguidos e os exilados.
Cresceram, tomaram vulto e já os soldados, o Exército não os podia conter.
Interrogados responderam que sua questão era estadual: luta interna, nada tinha a União com eles: seu fim era depor o governo despótico e ilegal do Estado e ai paravam.
Castilhos pede auxílio a Floriano.
Este invoca a Constituição e envia forças e empenha-se na luta.
Declara-se então a revolução.
Expelir Castilhos e toda sua gente, era o fim, e para isso iriam até a separação.
O movimento era popular, civil.
Combatia o Exército, se os soldados lhe faziam frente.
Eis que a adesão de Wandenkock impressionou a Marinha, e a prisão deste e a oposição dos deportados de Cucuhy, fez lavrar no Rio o fogo abafado de uma revolta .
As desgraças no Estado de Santa Catarina repercutiram em todo o país e a deposição preparada por Floriano foi sustada violentamente.
Dias depois a Esquadra levantou-se no Rio e abriu as hostilidades ao governo de Floriano .
Onde está a soberania popular?
Como se manifesta?
Nos levantes, nos pronunciamentos?
Não. São rebeliões.
Nas revoluções?
O que é a revolução?
20 DE DEZEMBRO DE 1893 – CRISE
A Revolução nega o poder ao Positivismo.
O Governo Provisório nas mãos do positivismo.
As forças do Sul querem voltar atrás se o governo não sai dos positivistas.
O governo quer sustentar-se e a obediência de todas as forças e direções revolucionárias.
A revolução do Sul já tem um chefe e uma comissão diretora.
Ciúmes.
A Armada fez a revolta no Rio e o Governo Provisório: o povo fez a revolução no sul.
Cada um, ao se encontrarem, trazem seus compromissos
Condições da campanha no momento da crise.
Conluio positivismo no Estado.
Pretende-se fazer Machado assumir a Previdência.
Nada decidido no Governo Provisório. Salgado segue deixando representante seu.
Reuniões partido federalista.
Erros partidários do Presidente.
Falta de pessoal político.
Há fatos que nos abalam de tal modo a alma, que ainda muito tempo depois não sentimos o espírito bastante calmo para analisá-los.
Ao lembrá-los com violência e tumulto irrompem mil sensações em tropel estrondoso que nos lança no silêncio e no desânimo como atordoados por vertiginoso turbilhão.
Em 89 houve quem dissesse que o povo ficou bestificado.
Foi uma frase; foi uma grande verdade.
A reação vem sempre mais tarde; em regra espera que acabe a ação, quando esta é grande, súbita. 89 faz esperar 93.
A República do Brasil feita no Rio de Janeiro por uma sedição militar impôs-se a todo o país pelo telégrafo e pelos soldados; foguetes e flores cobriram o fasto ao nascer.
A organização da República foi entregue à ditadura militar, e a sociedade começou a estremecer em todo o país, aproximava-se a época do batismo.
As festas próprias já se anunciavam; aqui e ali sem nexo, ao acaso levantes, sedições, pronunciamentos ensaiavam já as forças.
Onde quer que a ação ia já fraca a reação começava a sentir-se.
Um dia a criança recebeu um nome pelo qual já era tratada.
O golpe de Estado de 3 de novembro de 1891 declarou chegada a hora do batismo; a ditadura ia resignar o poder que caiu nas mãos do substituto legal, ficando o ditador no posto de primeiro magistrado.
A República na sua fase de organização tem destas esquisitices.
Estava dado o primeiro passo.
Em todo o país o movimento foi iniciado, começando no Sul.
Empregados da alfândega que ficaram:
– Inspetor Ernesto Manoel da Silva conservou-se na Alfândega desde a entrada do Cruzador "República" a 27/set/93 até 11 de outubro, data em que passou a Inspetoria ao seu substituto, por doente. Ordenou em setembro pagamento entre eles a entrega de 4.000 (...)
– 1º escriturário Alexandre Magno Aducci, requereu ao Governo Revolucionário, ipso facto reconheceu-o, a quantia de 100.000 contos de ajuda de custo, de sua comissão como administrador da mesa de rendas fiscais a São Francisco a então Capital e além disto ordenou a dar pagamentos aos revolucionários pela referida estação.
– 2º Dr. Álvaro Gentil conservou-se com os demais empregados na repartição. Foi cumprimentar ao chefe do Governo Revolucionário, Frederico Lorena, por ocasião da instalação do Governo Provisório no Estado.
– (Fiscal) de amanuense, Julio (...) . Também conservou-se na repartição e cumprimentou ao Sr. Chefe Revolucionário.
– Guardas: Comandante Antônio Paulo da Silva, João Carlos Marquesi, Arthur, Olympio Eduardo e Francisco José Coelho.
Esses todos se conservam na repartição e não foram demitidos.
RELAÇÃO DOS EMPREGADOS DA REPARTIÇÃO DE TELÉGRAFOS QUE PRESTARAM SERVIÇOS À REVOLUÇÃO NO ESTADO DE SANTA CATARINA E QUE AINDA SE ACHAM EM EXERCÍCIO .
Vasconcellos, Luiz da Silva Pinto 1, Doroteia Mascarenhas 2, Gervásio Antônio Vieira 3, Victor de Souza Formiga 4, Alfonso Ladislau Gama de Camargo 5, João Cândido da Silva 6, Álvaro Dias de Lima 7, Otávio Cardoso da Costa 8, José Alíbio Lopes 9, Manuel da Costa Pereira 10, Casimiro José Ribeiro 11, Manuel Joaquim de Araújo Góes 12, Oscar Azambuja 13, Germano Augusto Thieme 14, Teodoro Wedekin 15, Patrício Rogério da Maia 16, João de Souza Dutra 17, Manuel da Silva Flores 18, João de Mesquita Saldanha 19, Antônio Joaquim Gonçalves Lima 20, Theodoro Claine ( Inspetor dos telégrafos) 21, Gentil (Álvaro) – alfândega*22, José Basílio* 23, Alexandre M. Adduci (administrador Correio São Francisco) 24, Wenceslau Freislebem (Capitão G. N. )*25 , Henrique de Abreu (Major da G. N.) * 26, Antônio Blum (Oficial da G. N.) * 27 , Ouvídio S. Oliveira (Cirurgião da G. N.)* 28, Emílio Meyer (Capitão da G. N.) * 29, Trajano Firmino (Escriturário de delegacia)* 30, Gouveia (Alfândega) – (repartição de terras) * 31 , Pedro José de Sousa Lobo (engenheiro da estrada Dona Francisca)* 32, José da Silva Santos (delegado de terras)* 33, Dr. Altino (Juiz distrito de Joinville) 34, Dr. Euclides Fausto de Sousa (Juiz Distrito São Francisco) 35.
09 DE JANEIRO DE 1894
Conhece porventura a Europa moderna os horrores da guerra civil?
Cruel fatalidade das leis que regem a marcha do espírito humano!
Todas as vezes que um povo experimenta juntar-se ao lento e gradual caminhar do progresso, comete uma temeridade, e muito embora alcance dar algum passo mais largo, paga-o com os mais acerbos e cruentos sacrifícios.
Valerá a pena o que sofre para o que alcança?
E ainda quando alcança!
Da Monarquia, a mais democrática que registra a história, um só passo havia para a República. Deu-se: num salto – O que está custando esse passo? O que ainda custará até que se firme?
Dada a árvore viçosa e carregada de maduros frutos: – dados vários rapazes sôfregos, entregues a si e a seus desejos: – dá-se o assalto em tumulto à árvore, e ela esgalhada, partidos os ramos, perdidos os frutos, ameaça secar.
É fatal.
No assalto de 15 de novembro no Rio de Janeiro, só houve uma coisa grandiosa: o procedimento de Pedro II.
De então para cá só têm governado loucos!
A loucura domina em toda a vastidão do Brasil.
A História o deixará bem patente e classificará o gênero da perturbação mental.
Registre-se cronológica e imparcialmente toda a série desses fatos públicos de novembro de 89 até hoje, e descobre-se sem o mínimo esforço o predomínio da loucura.
No Governo Central, como no dos Estados a ausência do bom senso, da reflexão, da calma, já não do estudo, se torna bem sensível.
22 DE JANEIRO DE 1894
A medida que a revolução ganha terreno, vai-se pronunciando mais e mais a divisão que separa seus elementos.
Um, só visa a queda do tirano e obtida ela, desaparece.
Outra tem como alvo o poder local, cuja questão lhe deu origem.
Este, julgando conveniente o edifício que ajudara a levantar, quer dele apossar-se desalojando os seus moradores.
Aquele tem por fim levantar novo edifício aproveitando as mesmas bases ou cavando novos alicerces.
Estes dois últimos são antagônicos: a revolução triunfante dirá qual foi o vencido.
No seio porém deste movimento há germes de grandes questões que podem ao desenvolver-se trazer as mais perigosas agitações no país.
Ficará o elemento militar no poder?
Continuará a Constituição promulgada pela União?
Será substituída a Federação pela República unitária?
Subsistirá o sistema Presidencial ou vira o Representativo?
Ficará o Norte unido ao Sul, ou virá a separação no final?
Qualquer destas soluções terá causa de grandes males.
Com a destruição da monarquia cessou a propaganda doutrinária a qual entretanto, apenas ia nascendo em 89.
O espírito público aturdido pelo golpe foi precipitado revolto em um caos.
Daí a imprensa livre cessou até hoje, desapareceu a opinião.
Não há partidos, portanto não há programas nem princípios.
Não há sistema, nem método, nem escolas. As leis não obrigam, porque não são fixas.
A autoridade é sem prestígio porque só vem da força.
A justiça não se exerce pela sua intermitência e o vício de sua origem.
A verdade não se impõe porque ninguém a conhece.
A desordem, o caos alastrou todo o país, porque: Tudo isso que se fez, tudo o que está feito, tudo o que se está fazendo é falso, não tem base.
Falta o – Contrato -
Neste estado de coisas, fácil é prever que qualquer daquelas conclusões será causa de grandes males.
27 DE JANEIRO DE 1894
O mais arrojado dos pensamentos que tem surgido com a Revolução é decerto o da extinção do Exército.
O desarmamento que tanto tem neste século preocupado o espírito público na Europa, não pode, e não poderá tão cedo ali ganhar terreno, as condições ordinárias das diversas nações opõem invencível barreira à semelhante evolução.
Nem parece o mais seguro o caminho que a propaganda tem seguido; pelo contrário o exemplo da Suíça está mostrando que só a subdivisão dos países tornados grandes pelas nacionalidades, favoreceria os desarmamentos nas pequenas regiões.
Daí vem a ideia da possibilidade desse imenso melhoramento no Brasil.
Suas antigas Províncias de tal forma se educaram que a separação não fora muito difícil, hoje os novos Estados com as regalias que lhes são outorgadas (ainda que na prática sejam usurpadas) mais facilmente podem criar vida própria e autônoma.
Ora, de um lado, o princípio centralizador tem por principal elemento de segurança o Exército que conserva os Estados sujeitos à ação absorvente do Centro.
Em vez de laço poderoso da União pela sua violência, o absolutismo é um gerador perene da dissolução e provocador constante das reações extremas.
De outro lado, a disposição geográfica dos Estados opõe-se praticamente à subsistência desse meio forçado de união, tornando-a ineficaz ou inútil; veja-se a história da Revolução.
Para conter a força, unidos em uma só Nação os dez milhões de brasileiros, fora preciso manter as mãos do governo um Exército de quatro ou cinco milhões de soldados.
A posição topográfica dos Estados, a falta de comunicação, as distâncias, os meios de locomoção, tudo entorpece e embaraça a ação do centro, e o braço do governo mal pode apontar e lentamente se dirige para regiões tão longínquas sem que lá faça sentir conjunta e utilmente o peso de sua vontade.
Para que pois um Exército cujo movimento é tão desastrado?
O recurso do telégrafo a quem teve o levante de 89 sua vitória e de que desvairado por esse prazer tem a República abusado, vai sendo destruído para essa mesma exploração abusiva.
10 DE FEVEREIRO DE 1894
"Os horrores da guerra civil" é a frase banal a que se não liga a mais leve ideia nem de horror, nem de guerra.
Eis que de levantes à manifestação, de pronunciamentos à deposições, de revoltas à guerrilhas, chegamos às revoluções e finalmente estamos com a guerra civil.
É incrível não foi o que se conta, mas o que se lê na imprensa: tão incrível que se passa sobre a narração das mais atrozes barbaridades, exclamando apenas: "que gente ruim!" É que a incredulidade tirou a tais monstruosidades todo o caráter de realidade, preferindo o espírito amparar-se atrás de exageração, a sofrer o choque de tanto horror.
Horror, sim, o que de mais hediondo conhece a história, e talvez pior pelo requinte que a civilização moderna lhe presta.
A imaginação desvairada do louco não criaria mais estupendos crimes – a mente abraseada, vingadora e fecunda do velho Dante.
Os enviados pela Revolução para parlamentar com os situados na Lapa, foram recebidos a balas.
Duas mulheres que conseguiram escapar do sítio foram mortas.
Toma-se o Quartel-General.
Barracas, munições, armas são arrecadadas, depois abandona-se a posição suspeita e perigosa.
Aproveitam essa ocasião quarenta e tantas famílias e fogem da praça – ainda o terror, o medo e a esperança e a alegria de escapar...
"Fogo!"
Descargas partem da praça sobre essa multidão de mulheres e crianças!
"Amém!"
E uma trincheira de valentes cavalheiros cobre com seus peitos a retirada das famílias!
Vilania.
Covardia – Grandeza d'alma.
13 DE FEVEREIRO DE 1894
Tomada a Lapa oficiais tiveram licença para retirar-se de suas casas sob promessa não pegar em armas contra a Revolução.
Colheu-se toda a artilharia, armas de mão, munição, que ali encontraram.
Deu-se, de certo, comida a todo esse povo, armados e inermes, que se renderam pela fome, ... e a liberdade plena aos que lá estavam presos e dos que os prendiam.
Eis como acabou a Lapa.
Eis a coroa com que a Revolução engrinalda a Pátria.
Aqueles monstros que receberam os parlamentários a tiros de espingarda, aqueles réprobos que negaram a saída da praça das famílias para que tivesse lugar o combate, aqueles bárbaros que fuzilavam mulheres que conseguiam fugir, aqueles selvagens que por trás das mulheres nas janelas atirava sobre o inimigo, aqueles vilões que faziam rebentar minas de dinamite onde não podiam resistir ao braço possante do adversário, aqueles perjúrios que, perdoados, voltaram a atacar seu vencedores ... todos eles renderam-se: e como se renderam, – foram perdoados.
Rendeu-se Lapa.
Os oficiais foram para suas casas.
Ali estavam Serra Martins, Napoleão Poeta, Campos e tantos outros notáveis na negra história de Santa Catarina sob o domínio de Floriano.
O que tem o Governo Provisório com essa história do Estado?
Deve-lhe alguma coisa? Não lhe garantiu sua autonomia?
Não lhe deu subida honra em ser a sede do Governo?
Não concedeu uma pasta a um catarinense?
Que mais quer?
Lapa caiu: – alegrai-vos, aí tendes a reforma da Alfândega.
Não há vencidos nem vencedores! – disse o Marechal Vermelho, e tirou daqui o Eliseu e deu-nos novas ordens a Serra Martins.
Não há vencedores nem vencidos! – pratica o Governo Provisório "– Seguindo o preceito do mestre, ... porque, afinal, parece que com tal arte o poder tem sido difícil de se lhe arrancar das mãos – e, quando o for – terá de passar às da Revolução Triunfante.
Oh, homens, homens, por toda parte os mesmos, em todos os tempos semelhantes!
É este o progresso?
Tantos séculos de sacrifícios só nos dão isto?
O que mais quer o Estado?
Porventura há de o Governo Provisório ingerir nos negócios do Estado?
"O Governo já crê que há aqui mais políticos do que patriotas – !"
Nada temos que ver com os partidos no Estado: não satisfazemos vinganças partidárias.
Temos uma ideia ... (A Constituição ?)
A Revolução tem um fim: por fora do Governo Floriano; o meio, é substituir-se a ele.
A Revolução não pôde arrancar-lhe a Capital, porque a população não se levantou para acompanhá-lo, experimentou Santos e veio à Santa Catarina.
Aqui, achou a Revolução já feita e capitulou a força da União que fez-se um governo e descansou.
O Estado pedira garantia de sua autonomia -: tinha a administração local mais ou menos peada, e continuava em estado de sítio, e seus portos mais ou de todo bloqueados.
Enquanto se organizava, reforçando-se a coluna de Firmino no Araranguá, punha-se em contribuição a Polícia, a Guarda Nacional e o Batalhão Patriótico saídos desta Capital.
A fronteira do Paraná estava ameaçada; Blumenau se prevenia em auxílio dos inimigos, Joinville estabelecia uma neutralidade de território bem curiosa.
Em delongas e dificuldades, sem armas, e sem o menor conhecimento das localidades, e pior, sem conhecimento do pessoal, e das lutas que o Estado sustentava para não cair o poder nas mãos dos florianistas, chegou-se a ver uma perigosa situação.
Tubarão ocupado por forte coluna de A. Oscar reforçando Firmino: daí a Torres todo o território em mãos inimigas.
Lages ocupada pelas grandes forças de [...]
Rendeu-se Lapa.
Ali, como no Tubarão, como em Blumenau, como aqui na Capital, os chefes do partido que sustenta o déspota, escapam-se incólumes das mãos da Revolução e são tratados como se foram revolucionários.
No Tubarão, deixou-se fortificar Firmino que graves perdas e desgraças causou, e deixou-se escapar para o Sul por improvável inépcia, tolerância ou proteção, então criminosa.
Em Blumenau, o mesmo sucedeu a Paula Ramos e seus companheiros dos quais muitos estão folgadamente cuidando de seus negócios.
Aqui, na Capital, o ridículo das prisões, e em geral das medidas preventivas, só desperta vergonha.
Lá, na Lapa, Serra Martins, Poeta, Campos e outros, rendem-se... e são livres.
Lauro e Hercílio retiram-se tranquilamente para São Paulo.
Pegados com as armas na mão, são soltos sob promessa de se conservarem neutros; fogem, armam-se, são vencidos em combates, são postos em liberdade sob igual promessa: a promessa com a República de 89 substituía o juramento.
14 DE FEVEREIRO DE 1894
A Revolução é patriótica: não é guerra.
Procura-se o inimigo, bate-se os piquetes de reconhecimento, ataca-se as avançadas, corta-se as retaguardas, surpreende-se acampamentos, sitia-se posições, derrota-se colunas inteiras e toma-se praças, os que morreram, caíram no pó: – os que escapam são livres.
Não há vencidos nem vencedores.
É luta entre irmãos.
No combate, na peleja, na refrega, são bestas feras, são monstros na campanha... derrotados, vencidos, são livres; – basta prometer não pegar em armas contra a Revolução.
Livres, correm a surgir em novos combates, e o destino é o mesmo.
Qual é pois o inimigo que se procura e se combate?
Em que consiste a vitória?
Em tomar armas, gado, munições e barracas?
Em nomear autoridades que se correspondam com o Governo Provisório e lhe obedeçam ... mas que não são obedecidos e fique livre reconhecer ou não o Governo Provisório a quem que o hostilizou e ainda o hostilizará se achar ensejo.
Como o capinador estonteado que, cavando com a enxada mal arranca a erva daninha, ora fazendo inúteis buracos, ora fincando as raízes ainda pregadas – se voltasse sobre o campo lavrado teria necessidade de novo trabalho. – Assim a Revolução se volver sobre seus passos encontrará já vicejando as moitas que tanto lhe custou abater.
Mais.
Em mãos de hábil adversário, os elementos que solta generosa, a Revolução vê aproveitados dias depois mais adiante.
Que inimigos – são todos irmãos.
No poder formam batalhões de crianças menores arrebatadas nas ruas, enchem imundas prisões de numerosos presos, e os votam a morte e os mandam fuzilar: não são irmãos.
No combate são ferozes e bárbaros.
Vencidos – são irmãos, são livres.
16 DE FEVEREIRO DE 1894
Como compreender o Governo Provisório vindo da Revolução da Esquadra?
Chegada a divisão expedicionária, rendeu-se a guarnição federal ou da União: o Estado se declarou livre do Governo Central sob Floriano, fez-se revolucionário.
Instalou-se aqui o Governo Provisório, assumindo as prerrogativas, atribuições e poderes do Governo da União, e garantiu a autonomia do Estado.
Começaram a funcionar duas administrações, não sem embaraço.
Procurando dar-lhe a forma de um governo regular, a Revolução aproveitou os atos do Poder Legislativo, que não tem, investido um Poder Judiciário, não podendo dispor do que ficara com Floriano.
Regem as leis já existentes, e serve-lhes de base a Constituição em vigor.
Prevalecendo, ora o estatuído nas leis ordinárias, ora o arbítrio casuístico das revoluções ou suspensão de garantias do estado de guerra civil: difícil é conhecer a posição que escolheu o Governo Provisório, e a marcha que traçou para sua administração dos públicos negócios. – [Ver O Estado de 18 de fevereiro – 94.]
São pois numerosas as dúvidas que surgem ao espírito ao considerar estas coisas.
Este Governo nascido espontaneamente e instalado de acordo com um só Estado, terá o direito de impor-se a toda a região revolucionada?
Já da Direção da revolução do Sul, sobrevieram-lhe dificuldades que o puseram em risco, e que não parecem removidas.
Marchando a Revolução subleva simplesmente novas regiões, outros Estados, ou força-os à mão armada arrancando-as ao governo de Floriano?
Corre a Revolução em auxílio de povos revoltados, ou conquista-os e os força a reconhecer o novo governo?
É a ocupação militar.
Mas a revolução que originou este governo, já encontrou outra revolução, vasta poderosa, e muito mais antiga.
As forças desta primeira revolução vieram auxiliar a da Esquadra e dar-lhe o elemento de que ela carecia.
Entretanto a revolução do Sul não obedece ao Governo Provisório, tem a sua direção.
Essa direção e um outro governo.
Não se hostilizam, porque concorrem para o mesmo fim, combatem o mesmo inimigo.
E qual será a posição de ambos, por fim?
17 DE FEVEREIRO DE 1894
Que o patriótico povo catarinense sabe respeitar a sua palavra de honra, os seus compromissos. Jamais quebrará a sua palavra de honra empenhada. [Ver, Estado, 350]
De sobre a crueldade do golpe o insulto!
Quem são esses que assim nos ferem e ofendem?
De onde saíram, como aqui estão? Com que direito se alçam sobre nosso seio e nos pisam com suas botas?
Pobres catarinenses, a estulta ambição e tola vaidade de alguns de teus filhos, são a origem de todas os teus males atuais.
O governo de 89 entregou esta pátria nas mãos da inépcia e do pedantismo; não tardou que a especulação e a fraude se chegassem ao poder, e daí, de loucura em loucura, de crime em crime se formou o tremendo estado de dissociação em que se acha hoje o povo.
Há homens impossíveis para outros homens, há grupos impossíveis para outros grupos: esses homens, esses grupos não podem coexistir na vida pública.
Sustentar a ambos é matar um deles.
Ai do que dormir na boa-fé!
A bandeira branca da paz e da concórdia...
Haverá paz e concórdia para esse tigre, esse sanguinário Marechal vermelho quando vencido promete não pegar em armas contra a Revolução?
E esses crimes nefandos, essas monstruosas barbaridades cometidas por tamanho celerado, ficarão perdoados esquecidos pela bandeira branca da paz e da concórdia?
Paz..., com quem?
Paz com a hiena que torva espreita, aguçando manhosa as unhas, o momento azado de nos saltar ao colo?
Concórdia... com quem?
Concórdia com os bandidos que a sombra da noite, de emboscada traiçoeira nos matam e saqueiam?
Paz com traidores refeces que prometem, juram, pranteiam e assinam obrigações e fogem e são de novo vencidos em cruenta refrega, réus de vis atrocidades?
Concórdia com malvados que trazem ainda as mãos tintas no sangue de nossos irmãos, em cujos ouvidos ainda ressoam os últimos estertores das vítimas inocentes e inermes de mulheres e crianças imoladas a sua sanha?
Não há vencedores nem vencidos...
Disse o tirano do Rio de Janeiro e repetem os que o combatem nas trincheiras da Lapa.
Sim, não há vencidos nem vencedores – mas há criminosos e vítimas.
É de cavalheiro, nobreza e gentil generosidade, estender a mão ao adversário que tombou vencido em luta igual, rasa e leal.
É de general bem avisado e que preza sua tropa, perdoar e fazer seguir em paz com armas, o inimigo que venceu, depois de fugido ao primeiro perdão, rendido em crua peleja sem quartel?
Antes destes combates, antes desta campanha, houve aqui um crime hediondo mandado executar pelo tirano.
Como não conseguiu seu fim, bradou logo; não quero vencedores nem vencidos, juntando benemérito é o executor: e assim decretou a impunidade e assumiu a responsabilidade.
Mais tarde essa assembleia de mercenários por ele conservada concedeu a anistia geral!
E foram premiados os criminosos.
Mas aquelas palavras chegaram cedo demais e quando saíram do Palácio passaram sobre os cadáveres da madrugada de 31 e vieram escrever-se com seu sangue no peito do povo.
O soldado esquece a ferida e dela tira glória, se foi recebida em combate leal e franco, e perdoa o soldado que o feriu.
Mas a justiça não esquece o bandido, o assassino fugido que reaparece na sociedade onde cometeu o crime.
O ladrão que apunhala para roubar, se não consegue o roubo, é perdoado e esquece-se o crime.
Não; não há vencedores nem vencidos.
São irmãos que se batem por uma ideia, ardentes de patriotismo, valentes heróis!
São soldados escravos do dever, patriotas arrastados pelo civismo.
A bandeira branca a todos reúne na paz e na concórdia.
O povo saberá respeitar aqueles compromissos dos vencidos, – por mais justos e profundos que sejam os brados de castigo que, do fundo dos túmulos, erguida a laje pela indignação, se levantam tremendos e reboam lúgubres dos cadáveres de Berlinck, Povoas, Coutinho, F. F.
Perdão a todos! Concórdia ... na guerra civil!
19 DE FEVEREIRO DE 1894
O programa anunciado por Saldanha da Gama foi aceito pela direção da revolução do Sul, e pelos comandantes dos navios da Esquadra.
O Governo Provisório protestara, mas foi retirado a protesto por intimação dos vasos de guerra.
A Constituição pela revolução – essa sutileza positivista do Governo Provisório (já tem sido gradualmente e a força golpeada) , e as necessidades da campanha e a força da opinião farão o resto.
A seita tem sensivelmente perdido terreno, já pela nulidade de seus atos, já pela retirada de seus agentes desastrados.
O poder não lhes ficará nas mãos.
Porque os aliados naturais desses juristas modernos hão de ser afastados da administração.
O poder militar tombará.
A espada não mais governará.
A ocupação militar do Rio de Janeiro dará o último golpe.
A revolução do Sul sustentará a bandeira da consulta.
Liberdade ou separação.
É preciso que desapareça a mentira.
É preciso ouvir o povo: – ele ainda não falou.
Rasguem-se essas falsidades das leis.
Tire-se essa grande mentira da bandeira.
A solução que da Revolução parece melhor encaminhada é sem dúvida a da consulta ao povo.
Em verdade, não tendo isso ainda sido feito, e havendo a gente de 89 esgotado todo seu pessoal e tentativas, parece a consulta o meio único de regularizar o país.
Assim seria dada uma base sólida a forma republicana; assim a instituição ganharia o prestígio de que carece, a confiança indispensável, e a sua firmeza lhe daria força para arrastar consigo todas as adesões.
Todos os elementos morais e políticos, todos os contingentes sociais e particulares, os talentos, as aptidões, as experiências e as virtudes – virão desassombrados trazer seus benefícios, sua real influência ao poder cercado de tal arte dos verdadeiros atributos da majestade.
A democracia tem o seu modo de ser.
A forma republicana tem suas exigências.
O povo para reinar precisa obedecer.
A República está mais perto do absolutismo do que da Monarquia.
E a anarquia vive rosnando em roda do palácio dos tiranos.
O Brasil de 89 já teve dois presidentes: o primeiro morreu ditador, – o segundo vai cair ditador.
A anarquia vai colhendo sua presa.
20 DE FEVEREIRO DE 1894
Ainda hoje, depois de um ano de cruenta guerra civil, apenas dois estados se acham fora do governo de Floriano.
Os outros dezoito, isto é, a grande maioria da nação obedece ao governo do Rio de Janeiro.
Poderá corretamente Floriano deixar a vice-presidência da República?
A Revolução não tomou pé em todo o Norte, entretanto não têm estes Estados sido mais poupados pela tirania do que o Sul.
Essa indiferença não tem suficiente explicação, ao menos a ausência de notícias traz o espírito público mal disposto a respeito.
Será possível que se o quisessem fazer aqueles Estados não pudessem ter tido a mínima comunicação com o Sul durante um ano inteiro?
Não encontrariam uma embarcação qualquer, pequena que fosse, mercante que viesse mesmo arribada, até nosso porto, trazer-nos notícias e levar informação reais de nossas coisas?
Não lhes será de interesse o que por aqui têm os brasileiros sofrido?
Não lhes trará alguma parte dos nossos males?
Há um ferimento perigosíssimo que parece transpirar de sob essa pesada camada de indiferença.
"Que tem por fim a defesa da Constituição ..." [Ver Ata sobre Capitulação da Lapa – Jornal do Comércio n. ° 1-94]
Insiste o Governo Provisório na sua mania: revolução pela Constituição: revoltam-se para defender a constituição e as leis.
Uma vez triunfante a Esquadra na Capital cai Floriano. (ou derribado, fugido, ou resignando como seu antecessor, para não ver correr o sangue de brasileiros, o que faz estremecer seu velho coração) .
A revolução venceu. O Governo Provisório alcançou seu fim.
A Constituição portanto está livre, e restabelecido integral, afetiva e rigorosamente a execução de todas as suas determinações e em pleno vigor todos os seus artigos sem que a ninguém seja dado nem de leve infringi-los.
O domínio da lei se fará sentir em todos os poderes públicos.
Írritos e nulos serão os atos imanados do poder ou autoridade não constitucional, e os que de si, não de sua origem firam a Constituição.
O almirante Saldanha da Gama empossará desde logo o substituto legal na vice-presidência da República.
Serão convocadas as Câmaras...
As eleições...
Os governadores...
O Governo Provisório será dissolvido...
E as coisas voltarão ao mesmo que dantes, entrando tudo na paz e na concórdia .
E depois de um Deodorus, um Florianus e depois de Florianus um.... Termidorus. [E reinará a sagrada Constituição. E Carlos V cantará a grande ária do "Perdono a tutti"] .
21 DE FEVEREIRO DE 1894
Poderá Floriano, levado pelas circunstâncias, chamar, um por um, os seus substitutos e passar o governo?
Não é plausível essa hipótese.
Para fazer isso, não fora preciso esperar até agora, deixando e provocando tanta desgraça.
Mas, se o fizesse, não seria de seu caráter, impor, então, o célebre lema "não há vencedores nem vencidos" e a anistia geral não viria restituir o país às mãos desses vampiros que se cobririam com as mesmas leis e a mesma Constituição que os gerou?
É, não obstante, o que pretende o Governo Provisório com a sua defesa da Constituição.
Mas, como conciliar essa guarda inteira de uma Carta, quando o primeiro e o mais reclamado estatuto da Revolução é à destruição do Governo da espada, vedando a influência no poder ao elemento militar ?
Não está ele consagrado na Carta e até com regalias especiais sobre outras classes?
Como chegar aquele resultado sem alterar a Constituição?
Como alterá-la sem uma Constituinte?
Só com a revolução, e a revolução o fará, porque a revolução quer a consulta .
O que parece pois é que o Governo Provisório não representa o pensamento da Revolução.
Os seus trabalhos como revolucionário são dignos de louvor, mas seus serviços políticos são desastrosos.
Seus homens sabem combater, – não sabem vencer.
Desprezam a força moral e barateiam as forças materiais.
Acreditam no frio critério da fúria das paixões – no manso cordeiro do ódio rancoroso.
Embalde de entre os neutros sigam muitos a tomar armas contra o Governo Provisório, se voltam sem armas, são outra vez considerados neutros, para de novo correr às armas.
Embalde oficiais e paisanos, capitulando prometem não hostilizar o Governo Provisório, se são vencidos em outro combate, tomam novo compromisso, para faltar a este como ao primeiro.
Em vão generais derrotados, rendidos à discrição, obtêm todas as honras militares, e quebra a espada, se compram outra e são vencidos, têm as mesmas honras e quebram a nova espada para comprar outra.
Tamanha indiferença, tanto desprezo pela vilania e pelo crime, é muito pouco amor à virtude.
22 DE FEVEREIRO DE 1894
Cada vez mais difícil se há de tornar a missão do historiador imparcial, se ele não foi testemunha dos fatos ou contemporâneo bem inspirado.
Essa mesma super abundância de documentos fornecidos pela imprensa periódica, será a fonte fecunda de todas as falsidades.
A imprensa livre e séria é quase impossível subsistir, porque só em assunto bastante restrito, nas letras, ele pode, ainda que manca, medrar.
Os dados ou documentos oficiais, estão e vão sendo tão eivados de mentira e sonegações adrede preparadas, que ao historiador só restaria a narrativa ou crônica perturbada na atualidade pelo interesse das paixões, e mais tarde abastardada pelas legendas e fantasias.
Todo o critério, o maior escrúpulo no discernimento da origem das notícias não parece ainda bastante aos que vivem na mesma região e no mesmo tempo dos acontecimentos.
Terrível reverso dos dois mais estupendos e úteis inventos dos tempos modernos; a imprensa e a eletricidade, o jornal e o telégrafo!
Uma coisa das mais fáceis de suceder e que é muito de esperar, é que triunfante a Revolução do Sul, ao tomar Porto Alegre aí se renda Castilhos, depois de em seu último desespero, haver completado a série horrorosa dos mais nefandos crimes de que se fez coberto.
"Não há vencedores nem vencidos"– rezará o telegrama ao dar-nos aquela nova?
Serão todos perdoados, e sairá Castilhos, e os seus asseclas da praça ou nela ficarão, de espada e cinto, com todas as honras militares e... livres?
Assim deve ser, e... será, quem sabe?
Assim deve ser, porque a luta é entre brasileiros, todos são irmãos.
A Revolução hasteou a bandeira da paz e da concórdia.
E por cima dos cadáveres, dos irmãos assassinados na defesa de sua honra e de sua família e de seus lares, tremulará o pavilhão branco, já todo salpicado de rubro do sangue das vítimas do assassínio e do roubo.
E o sonho desse pavilhão estenderá sobre todos o perdão, em favor de... da Constituição!
23 DE FEVEREIRO DE 1894
"A mocidade lança-se num abismo". [Ver Estado de hoje]
Naquelas mesmas lições que tanto exaltaram o coração da mocidade enchendo-lhe o espírito com o clarão dessas ideias absolutas é que se vai encontrar os dementes da corrupção e perdição daqueles que devem ser a pátria futura.
Em germes, alimentou-os e desenvolveu-os essa chusma de ambiciosos sem escrúpulo, de petulantes sem critério, de viciosos sem pudor, de ruins homens que barateiam: o brio, honestidade, virtude; e tudo empenham, crime, más paixões e bárbaras crueldades.
A degradação moral propagou-se aqui, como na França; aqui os micróbios de A. Karr tem uma cultura especial: a mentira.
A mentira atraiu a mocidade, a mentira a exaltou, de mentira se nutriu e de rojo com a mentira ela há de cair no abismo.
É muito tarde para salvá-la.
A geração toda está tocada.
Os micróbios invadiram todas as camadas desse organismo.
Força é sucumbir. – A nova geração verá escoimada desse terrível mal?
Há outros a esperá-la.
28 DE FEVEREIRO DE 1894
A série de disparates a que se vai assistindo que parece não se interromper senão para fazer emenda com disparates maiores, leva o espírito a pensar que é próprio das revoluções inutilizar nelas o juízo.
Quem conhece e relembra como se formaram as lutas partidárias neste Estado, que acompanhou o movimento das coisas públicas, as mudanças da administração e o pessoal que em tudo isso se tem agitado, a cada momento se sente presa de espanto e de indignação impossíveis de disfarçar.
Não há ainda realmente partidos e muito tarde se poderão eles formar, tão sem ideias andam os movimentos políticos.
Há somente grupos, bem pequenos, reunidos pelo interesse, pela ambição ou pelo ressentimento e despeito, e esses grupos se têm revezado no poder andado a força pública como joguete ora nas mãos de um, ora nas de outro.
Se algum ânimo bem disposto é atraído e cai nesse redemoinho infernal ou é despedaçado ou segue a vertiginosa carreira do sorvedoiro.
Esses grupos, sendo movidos pelos mesmos incentivos, obedecem à mesma lei de vitalidade, e sustentam-se pelos meios; empregando para isso sempre as mesmas máximas.
Infeliz a Nação na qual se prolonga essa crise desoladora; se não tiver em si elementos fortíssimos de conservação não poderá resistir e o país será esfacelado desaparecendo a nacionalidade.
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Depois que a Divisão Expedicionária da Esquadra aqui entrou, os acontecimentos tomaram desde logo outra feição.
O Estado assumiu posição definida e se declarou em revolta contra o Governo de Floriano Peixoto.
A Revolução da Esquadra firmou-se, achando um ponto de apoio em um Estado revoltado como ela, com os mesmos princípios, os mesmos fins, e pode dispor do melhor porto, da chave da navegação do Sul do Brasil.
A aliança era natural.
O Estado recebia da Marinha o apoio e a defesa contra o despotismo dispondo das forças da terra.
Estabeleceu-se então o Governo Provisório.
E foram ligados todos os pontos levantados, tornando-se uma só e vasta Revolução.
O Estado inteiro de Santa Catarina, todo o Estado do Rio Grande do Sul a exceção da Capital, a oposição do Paraná e de São Paulo entenderam-se no levantamento, obrando de comum acordo os dois primeiros Estados.
Em Santa Catarina, sobretudo, as coisas tomaram um vulto excepcional.
Se no Rio Grande o sangue de seus filhos regando os campos, a bravura dos combates, os atos de heroísmo, a grandeza da luta por nove longos meses eleva o Estado cheio de glórias, entre
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Chegais aos nossos mares inimigos, e nós vos recebemos amigos, e vos entrega-nos os vossos adversários.
Entrais em nossa terra hóspedes bem-vindos, e aqui assentais tendas de guerra, e
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Já o clarão dos Krupps mal rompe a claridade do alvorecer; a fumaça mais densa embranquece; e mais se amiúda o chato estampido das peças de campanha.
Já ao incessante estalar da fuzilaria se mistura à múltipla descarga das metralhadoras.
Mal se avista, ora aqui e ora ali, entre a espessa nuvem de fumaça a trincheira.
O rufo dos tambores e o surdo vozear das ordens de comando, dos gritos, imprecações, ais e estertores, deixam desconfiar do que vai de dores, de raiva, de fúria nessa lúgubre e sangrenta cena de morte.
Vai clareando o dia.
Do lado dos assaltantes, soa um clarim: toca uma, duas, três vezes.
Que estranho soar é esse?
A terra que suportou impassível o abalo dessas possantes máquinas de guerra, parece agora estremecer de repente.
As bocas de fogo suspendem por um instante sua voz estertora.
Que toque é esse de clarim?
O que quer dos combates naquela hora extrema? O que lhes vêm dizer?
Por que assim tudo estacou?
Pelo campo, já perto ecoa o estrépito estridente do galope de cavalos.
A aurora já vai tudo iluminando.
Já se levanta o pó nas patas dos corcéis, já brilham os ferros das lanças...
Recomeça o estrondear da artilharia, a fuzilaria rola nutrida; redobra o furor.
Um raio, uma faixa de luz deslumbrante clareia de súbito o campo de batalha.
De novo, ainda um toque de clarim.
Ei-lo... é ele!
Guapo cavalheiro se adianta audaz, temeroso e sereno na sua bravura.
De seus flancos estendem-se as linhas de lanceiros, que a toda brilham, num atacar insano, numa intrepidez sobre-humana, a queima roupa, descarregam os mosquetes, e de lança em viste, investe a artilharia, a infantaria, a cavalaria, tudo que se opuser a sua corrida vertiginosa e precipitante.
E os Krupps emudecem.
As trincheiras derrocadas, os pastos cobertos de vencidos deixam escancarados ao sol brilhante todos os horrores do campo de batalha.
A luta então é medonha.
Não é mais a pesada massa de ferro, o pequeno cone de aço, que inconsciente de longe, fatais, traiçoeiros vomitam essas máquinas, que substituem os homens.
Não é mais o jogo cruel em que, não a coragem, mas o acaso decide.
Não; a peleja travou-se agora; à rinha, de homem para homem, corpo a corpo, face a face. Jaz o fuzil por terra e a espada, e a lança terrível, que obedecem à bravura, à coragem à força desses homens.
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Ainda reboa nos morros o estampido da artilharia; a fumaça dos últimos tiros de canhão, ainda [...]
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Poderão porventura fazer duradouro um tal estado de coisas?
Mas a anarquia pode ser um estado social?
Por muito que reflita sobre as coisas públicas do Brasil, não vejo uma solução natural que comporte a existência de uma Nação grande e importante e unida como a constituída pelo Império.
27 DE FEVEREIRO A 17 DE MARÇO DE 1894 – PRÓLOGO
Ainda não sei bem como cheguei a este ponto, de todos os dias tomar apontamentos e escrever algumas tiras ao menos.
Simples curiosidade a princípio, me fez juntar boletins e jornais, depois algumas notas lhes ia lançando na margem; mais tarde, para lembrança apontara em sumário alguns fatos, e de interesse em interesse, impressionado por extraordinários episódios, desabafava o espírito escrevendo as reflexões que mais me abalaram.
Mas para que isso tudo?
Que valor têm essas considerações sem nexo, desligadas muitas vezes dos fatos que as originaram e sem alcance algum, visto que secretas nascem e secretas morrerão?
Só o gênero de vida que adotei desde o levante de 89, pode dar alguma explicação a isto.
Retirado desde logo dos partidos e da política, limitei-me à vida privada.
Não aderi à coisa alguma do que fez a chamada República: não intervi, não aceitei, não entrei enfim na sociedade que se formou depois de rota a carta estatuto daquela em que nasci.
Obedeci, é verdade, mas não reconheci.
Nesse propósito tenho vivido, não obstante todos os estímulos, todas as seduções que vinham provocar minha natural paixão e o inveterado vício da política que tanto me dominou.
Não quer, porém, isso dizer que morto esteja um coração de tão sincero e profundo amor da pátria; não quer dizer que cego e indiferente, um espírito nascido e criado nos mais ativos e constantes lutas políticas, deixe passar esses estranhos movimentos, estas violentas comoções, toda esta medonha tormenta desencadeada sobre a pátria.
Que não sinta a incoercível necessidade de escrever já que não falar, reservado já que não publicado, o transbordamento das sensações, os gritos de revolta, as duras controvérsias da polêmica, a censura e a ferrenha nota do crime – só por acaso e raro, descansando o ânimo atribulado, na contemplação de alguma ação generosa e santa, de algum quadro de levantado heroísmo e virtudes descomunais.
É assim que irão ficando essas tiras apenas servindo para me despertarem cenas que no passado só acreditava pela imaginação reproduzidas de outros países.
14, 15, 16 E 17 DE MARÇO DE 1894
Pesar tenho eu de não poder quando me pede o ânimo me estender e escrever longamente dizendo com a abundância natural todo esse turbilhão de ideias, levantado pela presença de tanto fato peregrino.
Porque talvez a natural condescendência e a inclinação pronunciada que nós, os do Brasil, temos para nos conformarmos com todos os fatos consumados, me fará amanhã, passada a tormenta, enxergar por outro prisma, e esquecer ou apagar muita nota digna de memória.
Nunca pensei que pudesse ser testemunha de acontecimentos como os que tenho presenciado há quatro anos.
Quando lia as narrações da história moderna e ainda da contemporânea, me parecia que estava fora da grande e agitada sociedade só na qual surgiam tais movimentos e comoções.
Parecia que tinha nascido em um país onde todas as crises se resolviam pelo consenso mais ou menos geral; onde os habitantes satisfeitos com o esplendor da natureza e a suave e fraca pressão social não era sentida; país em que os embates das aspirações e da resistência se resolviam pela campanha incruenta da palavra e da razão; país enfim cujo caminho na civilização e no progresso já estava traçado na gradual e incessante evolução do aperfeiçoamento moral e material.
Pensar em guerra!
A do Paraguai nos havia colocado em tais condições na América do Sul, que o espírito mais susceptível não se receava de semelhante emergência.
Pensar em Revolução!
A dos Farrapos de tão dolorosa memória, já havia deixado crescer sobre os túmulos das vítimas a benéfica sombra dos ciprestes, já o fraternal perdão tinha apagado a incandescente paixão e o fecundo labor do tempo já havia feito brotar mansas e úteis plantas onde agrestes e daninhas urzes só vegetavam.
Pelo contrário, tão pacífico, tão indolente, sofredor e descuidado se mostrava o povo, que todos os estrangeiros nos julgavam e o diziam incapazes sequer de uma arruaça um tanto séria.
15 DE MARÇO DE 1894
As notícias que de outras nações nos chegavam narrando essas lutas armadas, esses combates, essas campanhas mortíferas, os crimes, depredações, incêndios e saques, todas essas medonhas cenas de cruel maldade de que o volver dos séculos, a civilização e todo o aperfeiçoamento não tem livrado a humanidade; quando essas notícias vinham até nós, era com certo ar de comiseração, com a oculta e íntima satisfação, que fazíamos seus comentários lamentando em que os povos tão adiantados tais coisas se dessem, e talvez bem dizendo nosso atraso, mas sempre com o ar seguro de quem nada disso temia.
Com efeito, quem comparasse a vida irrequieta dessas populações turbulentas, agitadas sempre, ora em multidões festivas e estrondosas, ora em iradas massas e desenfreadas lutas – com a existência pacífica e quase monótona de nosso povo, com a tranquila facilidade de nossos usos e costumes, não poderia jamais conceber que aqui tivesse lugar nenhum desses atos revoltantes que têm a abundar de 89 para cá.
Afeito, meu espírito, por mais de 30 anos de vida pública, educado nas doutrinas democráticas nas lutas ativas do Partido Liberal, e finalmente, já formado pela experiência e o estudo, não me surpreendeu o grito da República, senão pela maneira com que se apresentou.
16 DE MARÇO DE 1894
Eu a esperava, não porém como ela veio.
Também, 24 horas depois, interpelado, disse "três dias são para hóspede, no quarto dia eu falarei".
No quarto dia, a minha resposta foi "Era uma vez, a Nação brasileira...".
Daí em diante tudo foi surpresas.
Por mais tolerante e benévolo que fosse o ânimo e empenhado em buscar a razão, o critério, o bom senso, não era possível descobri-los nos sucessivos atos que os governos, nos seus diversos ramos, foram praticando.
Disparates, absurdos, monstruosidades, necessidades, ridículos e loucura caíram como chuva em todos os pontos do país: Arbitrariedades, prepotência, fraudes, especulações, iniquidades, roubo e até crimes derramaram-se como incandescente lava, em toda direção, pela face de tão formosa terra.
A princípio o inesperado da coisa me causava admiração e me faziam rir os contra-sensos e o ridículo.
Depois os absurdos me foram impressionando e o abuso do poder, a vaidade, a petulância e os vícios que se iam desmascarando, e as paixões que se desenfreavam, me confrangeram o ânimo e amarguraram o coração.
Não tardaram, por fim, os crimes as iníquas barbaridades a completar a formação do meu espírito.
Pouco a pouco, do meu natural benévolo, condescendente e sociável me fui tomando desconfiado; perscrutador, incrédulo; daí apoderou-se de mim a mais displicente indiferença me retraindo no silêncio e na observação; seguiu-se então uma irritação nervosa, constante disposição para a censura e a crítica; uma severidade implacável e sem reservas, até que, ao embate de tantas e violentas emoções, e tão extraordinários acontecimentos, meu espírito experimentou uma completa mudança e entrou a viver uma vida toda nova e estranha.
Frio, calmo e severo, nem os homens nem os fatos passam por mim sem que os submeta a rigoroso exame, e com o interesse de um jogador de xadrez procuro antever as consequências de qualquer movimento das peças no tabuleiro.
17 DE MARÇO DE 1894
Sinto algures aquecer-me o ânimo e referver-me o sangue quando vejo a dignidade, os brios, a felicidade de minha terra e dos meus patrícios sofrer um golpe que pudera ser evitado.
Doem-me os erros dos que se ocupam dos negócios públicos, e enchem-me de exasperação o cinismo, a baixeza, a vilania de tantos caracteres repugnantes que têm surgido à tona na quadra lamentável que atravessamos.
As minhas ideias democráticas não as escondo; a minha simpatia por esta Revolução com o programa que lhe acredito, não o disfarço, mas já me não é dado intervir, trabalhar, concorrer ativamente nessas lutas.
Reconheço a sua necessidade, elas são fatais, já as havia previsto e anunciado: não podiam ser evitadas, dado o que foi o primeiro passo em 89.
A mim, hoje só me resta ir consignando nestes apontamentos as reflexões íntimas e sinceras que por aí ficam a esmo sem destino.
Tais me parecem a origem e a razão de ser dessas tiras que todas as noites vou enchendo.
Por vezes houve lapsos em que nada escrevi; agora um tédio invencível, logo a moléstia, antes o desprezo, e a esperança de ver efêmera vida de certos assuntos, mais logo a violência e extrema comoção que alguns fatos horrorosos despertavam, determinaram lacunas no papel, porém não no sentimento e na disposição do espírito.
A imaginação vivaz, a memória fiel daquelas cenas e daqueles acontecimentos dificilmente me serão tirado: aproveitarei portanto alguma bonança nos sucessos atuais para preencher aquelas lacunas.
Bem que me sangre o coração ao relembrar tão tristes coisas, e torne a sentir, narrando as mesmas cruciantes dores e os mesmos amargurados transes, eu os contarei, humilde e mesquinho, abrigado na admiração do divino Alighieri, ao ouvir no inferno bradar-lhe o Conde Ugotino... Partare e lacrimare vedrai me insieme .
ABRIL DE 1894 – NOTAS – QUEDA
Dia 17 – Ontem: Ao amanhecer de 15 foi atacada a barra por navios de Floriano.
Constou serem repelidos, ainda um navio com avarias.
Ao amanhecer de 16 novo e renhido combate.
Desastre do Aquibadan.
Viagem do Itapemirim a Santa Cruz.
A noite abandono da Fortaleza e do encouraçado.
Abandono do Itapemirim.
Retirada das autoridades civis e militares.
Hoje pela manhã entrada nas posições oficiais dos adversários: ocupação militar.
Dia 18 – Pela manhã entrada de parte dos navios.
Chegada do Almirante Gonçalves.
Volta à última forma.
18 a 22 – Ver os boletins de 17 a 22 de abril.
Desregramento dos alunos nas ruas.
Chega a 21, alta noite, vapor com tropa do Rio; – desembarque soldados pela manhã.
Antes à noite, alunos efetuam prisões – invadem casas.
A 22 César anuncia tomar posse.
Félix* , Cogoy*, Caetano Demoro, Dr. Freitas, Batovi, Elesbão, Romualdo, Paranhos, Dr. Barata, Fausto Werner, Alfredo Batovi, Veiga Jr., Antônio Pires, Júlio Lima, Conceição*, Luiz Ignácio, Coelho, Dr. Lobo, Camisão*, Oscar*, A Castro*, Villas – Boas.
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Batovi, Alfredo, Luiz Caldeira, Caldas, Castello, Miguel Cascaes, Lorena, Sobrinhos (2), Caetano de Moura, Engenheiros (2), Romualdo, Becher, Filhos de Trajano (2), Elesbão, Alferes Olímpio, Dr. Barata, Dr. Paulo Freitas, Júlio Lima, Capitão Leal.
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Cândido Freire, Ernesto, Gentil – Alfredo Benjamim, Adduci, Henrique Abreu – (G.N)
Cristovão – (G. N.), Ouvídio – (G. N.), Genuíno (?), W. Freinsleben, (G.N.), Enil Meier – (G. N.), Portela – São Francisco – Carvão, Paulino Gouveia– (G.N.), Santos (José da Silva) – delegado de terras, Trajano – delegado de terras, Pedro Lobo, o Grego.
Provincial Secretaria: Juliano Firmin Oliveira, Tomaz Cardoso Caldas Jr., Horácio Nunes Pires.
Tesouro : Miguel Vitor Cardoso Caldas, Sérgio Vieira de Souza, Antonio Luiz Livramento, Eduardo Nunes Pires, Geraldino Feijó, Juliano Vieira de Souza.
Henrique Paiva, Antônio Paselo, Antônio Blum – (G.N.), Boiteux – (G.N.)
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Villas-Boas, Batovi (...) , Alfredo Batovi( . ), Luiz Inácio, Alferes Emigídio, João Fausto, Alferes Telles, Capitão Coelho, Romualdo(. ), Lulu Caldeira(. ), Elesbão(. ), Lili François, Higino, Genro Maurício* , Luiz Crispim*, Poticarpo, Miranda, Gualberto Vilela, Cogoy*, Paranhos*, Cabral, Raul Natividade, Miguel Cascaes(. ), Manoel João*, Nicolau Padeiro*, Fábio Faria*, Antônio – café, Fausto Werner, Belisário, Teotônio, Chico Berto, Alferes Olímpio(. ), Liberato José, Aníbal Carvalho*, Veiga Júnior, Mendonça, Eduardo Saltes, Dr. Barata( . ), Dr. Paulo Freitas (. ), Caetano De Moura(. ), Oscar Capela*, Júlio Lima(. ), Cadete Dutra, Hercílio Duarte*, Séptimo Werner, João Gualberto, Dr. Francisco Lobo*, Conceição*, Camisão*, A. Castro*, Gordílho*, Dr. Teixeira*, Alfredo Albuquerque*, José Cândido Silva*, Chico Magano*, Loló Gama, Lídio Barbosa, João Cândido, José Narciso, José Honório*, Major Alexandre, Rios – delegado, Manuel Serafim, Sabbas Costa, Capitão Leal.
Presos 50 paisanos. Presos 21 militares. Ocultos – total 75.
Alferes Valério Barbosa Falcão
Alferes Mariano José Pereira de Carvalho.
Segundo Tenente João Lopes Oliveira e Souza.
23 DE ABRIL DE 1894 – O RESPONSÁVEL
Ao Presidente da República Chefe do Executivo, cabe toda a responsabilidade dos desastres que aqui se têm dado.
A ele incumbe velar direta e eficazmente pela segurança pública, garantir com efetiva defesa a liberdade e os direitos dos cidadãos, fazer respeitar e cumprir a Constituição e as leis.
Ao Presidente, pois cumprirá repelir o ataque da Esquadra revoltada e preservar o Estado da invasão das forças revolucionárias.
Em vez disso o que fez?
O Estado foi entregue a Revolução, sem resistência.
A força presidencial rendeu-se porque não podia resistir, tão insuficiente era: nem um navio guardava o porto.
As tropas da Revolução transbordaram do Sul e se derramaram sobre todo o Estado assoberbando tudo até o vizinho Estado Paraná.
A ocupação militar investiu a Revolução de todos os soberanos direitos e poderes, tão inteiros como os do governo a que tinha pertencido o território.
Daí a sujeição, a obediência do povo a este poder.
A Revolução organizou o seu governo e dispôs de todos os meios a seu alcance para administrar os povos que se achavam sob sua guarda, e utilizou todas as forças que pode obter para garantir a posse do território adquirido.
A imposição e o constrangimento mais ou menos arbitrários que esse governo empregou apoiava-se no mesmo direito e poder que arma o governo do Rio – do arbítrio e da violência no estado de sítio – É o mesmo direito da força.
O povo é sempre passivo, venha de onde vier o despotismo.
A força superior exclui a responsabilidade do violentado.
As autoridades, os funcionários, o povo que vergavam ao poder arbitrário do estado de sítio, entregaram-se ao arbítrio mais suportável do poder revolucionário.
Abandonado pela Revolução, a seu turno, o Estado, inflige-lhe o Presidente da República, o mais cruel castigo, antes vingança atroz.
Com que direito?
Por que a Revolução esteve aqui? Por que o Estado se governou regularmente durante esse tempo? Por que as repartições públicas funcionaram normalmente, por que as Câmaras Municipais, a Justiça, por que todos os ramos do serviço público foram exercidos pelo seu completo pessoal, por que o comércio continuou no estreito círculo, que já o apertava, sua vida própria? Por que o povo conforme as dificuldades do momento prosseguiu nas suas indústrias, artes e lavoura?
Por que viveu, enfim?
E o que queria ele que fizesse?
Que procedimento esperava dos habitantes de todo um Estado em tal emergência, e onde, em que manual em que doutrina, em que lei se encontra norma para esses casos?
Pretendia que a Revolução concedesse ao povo liberdades que ele nunca lhe permitiu?
Queria que as autoridades legítimas, os funcionários legais abandonassem as Repartições, que o comércio fechasse suas portas, e todas as famílias deixassem suas casas, e a população fugisse ... para os sertões?
E como não o fez, o Estado é revolucionário, cometeu o crime de rebelião contra a República, e toda a população está sujeita aos castigos que a Lei Marcial, o estado de sítio, entregam discricionariamente nas mãos do arbítrio.
Cometeram o crime...
Mas quem é aqui o criminoso?
Criminoso é o Presidente da República que levanta nos Estados a animosidade, o desespero, a raiva, pela opressão, pela tirania, pela afronta aviltante.
Criminoso é aquele que tendo a obrigação, o rigoroso dever de velar pela segurança do território do Estado, deixa-o a mercê do primeiro ocupante e o entregue inerme nas mãos do Revolucionário triunfante.
Criminoso é aquele que incumbido de conservar a paz, a tranquilidade, o bem-estar do povo, – tudo sacrifica para acender a discórdia, para agitá-lo, para lançá-lo na desgraça.
Criminoso é o Presidente da República que manda seus soldados espingardear as dez horas, traiçoeiramente, o Governo do Estado e que declara reconhecer legítimo esse governo – confessando suas ordens covardes.
Criminoso é o Presidente da República que galgou o poder, que assumiu a Presidência à frente de uma revolução armada, que fez deposições de governo nos estados à força de armas, – e que pune com a Lei Marcial essa mesma revolução que depôs o seu antecessor e o elevou, a ele, ao poder.
Esse, sim é criminoso.
Não esse povo generoso que afogado em ondas de indignação e desespero, abriu os braços, sentindo-se abandonado pela tirania, aquelas legiões de bravos que vinham, combatendo pela liberdade e em desafronta da pátria oprimida.
Não, não são criminosos esses que aceitaram a Revolução e a serviram.
Soltos dos braços de ferro do despotismo que os dobrava por terra, – sentiram bater-lhes o coração ao grito de liberdade, e expandir-se o peito as quentes auras do patriotismo.
Levantar-se contra a tirania, tomar as armas pela liberdade, bater-se pela pátria, defender os lares, a família, a vida, é crime?
Crime o amor dos mais sacrossantos sentimentos do homem?
Maldita a sociedade, maldita a Nação, maldito o país que aceita, que sanciona, que aprova o absolutismo de déspota.
24 DE ABRIL DE 1894 – MACABRA
Como explicar tudo isto? O Estado de sítio, quando muito desculpa o arbítrio das violências.
Debalde se tem procurado motivar estas ou aquelas prisões com certos preceitos regimentais: alguns não abrangem todos os casos, outros são extensos demais.
O que fica provado realmente é que só o mais livre arbítrio tem presidido a tais atos do Governo Militar.
Têm sido presos militares e paisanos.
Militares que serviram ativamente na Revolução e outros que nela não serviram; paisanos que tomaram armas como voluntários e outros como Guarda Nacional, e ainda outros que nada fizeram.
Presos têm sido telegrafistas uns em serviço outro em disponibilidade.
Desses presos quase todos têm sido embarcados com destino para o Rio de Janeiro.
Com que fim?
Responder a Conselho de Guerra, ou ser julgado pela Comissão da Lei Marcial?
Ou simplesmente para mudarem de prisão?
Ou finalmente para se efetivar assim sua deportação?
Como fixar ideia no meio de tamanho poder discricionário?
25 DE ABRIL DE 1894 – O CASTIGO
O que parece ressaltar mais proximamente dos fatos acontecidos, desde o abandono do Governo Revolucionário, é mais um traço característico da feição que tomou a tirania ou despotismo.
O poder central, quando menos pensava, sentiu arrancarem-lhe das mãos um Estado, com o qual contava para reprimir a marcha da Revolução e contê-la no Rio Grande do Sul.
A irritação que lhe causou semelhante fato, o consequente desastre, e a afronta que sofria nesse golpe, enviazou-lhe no profundo rancor o firme propósito da vingança.
Múltiplas e variadas causas se haviam acumulado aqui, para atrair a animosidade daquele poder.
A sentença parece ter sido terrível.
Tomada à viva força, nos horrores dos sanguinolentos combates, de bombardeio e desembarque: tudo seria arrasado, sem piedade, sem distinção, sem tréguas.
Ocupada sem resistência, nas violências das prisões, nas mais cruéis e angustiosas cenas de encarceramento e deportação – todos seriam feridos atrozmente, sem compaixão, sem dó, homens e mulheres, velhos e crianças.
Não houve resistência, nem um sinal de despeito: abandono completo de tudo.
Derramou-se a vingança à meia noite sobre toda a cidade; foi medonho e ao amanhecer, o sol iluminava cenas de prantos, de dores, aflições, 3 – 2 – 1, e o silêncio e o medo, a fuga, nas casas e nas ruas, como da praça vencida entregue à vindita do estrangeiro vitorioso.
Estrangeiros com efeito foram esses vencedores.
Estrangeiro é este ditador elevado ao poder por uma sedição militar que derribou outro ditador, erguido ele também por uma sedição militar.
Estrangeiro, que não sente queimar-lhe as mãos o sangue brasileiro que derrama.
Estrangeiro, que nunca viu o azul de nosso céu, que nunca sentiu afagar-lhe o peito a brisa suave de nossa terra.
Mas esse estrangeiro... é o poder e o poder armou-se da ditadura, é o despotismo, é a tirania.
O despotismo não podia deixar sem castigo esta mísera terra.
Como?
Essa misérrima e fraca Cidade, sem renda, sem população, sem forças, desarmada e exausta teve o atrevimento de sacudir de seus ombros o jugo do poder central?
Essa população de pobres ilhéus e mesquinhos lavradores teve a ousadia de revoltar-se contra a ditadura?
Esse pequeno e insignificante Estado teve a veleidade de declarar-se independente?
Esse punhado de homens, quase todos crianças, bisonhos, sem roupas, sem almas, tiveram a coragem de se arrojar contra as tropas do Exército de linha?
Era demais.
Ao chegar a hora do castigo, caro haviam de pagar todos esses crimes.
Mísera plebe, vergada e conduzida ao látego dos feitores que do centro a vinha governar, que tinha essa gente de revoltar-se contra os que lhe dão o salário e o pão?
Quem lhe deu o direito de sentir afrontas e perceber opressões, quem a autorizou a enrubescer de brio, quem lhe deu licença de pensar em liberdade, de conhecer o amor da pátria, de reclamar de direitos?
Tais crimes não podiam ser perdoados.
O castigo será exemplar e lhe há de tirar por muito tempo a ideia de levantar-se contra o poder que a domina.
Abatido, prostrado, cortado pelas dores, pelas lágrimas, enfraquecido pela pobreza, – só recebendo a vida pelas esmolas que lhe venham do Centro, este Estado subjugado aprenderá a arrastar a existência servil que o poder lhe concede.
Então terá a paz e lhe será permitido alegrar-se, cantar hosanas à magnificência e esplendor do divino poder que o felicita.
É esta a explicação.
Explicação tremenda, que ao mais íntimo da alma leva o horror e desânimo.
Ainda sangrava a ferida na noite de 31 e já se completava a obra espalhando sobre toda a pátria catarinense o opróbio e a ruína.
Caiam sobre o malfadado estado todos os males e desastres, que se esse povo de escravos fugir ou perecer, outro será enviado para reviver e conservar do senhor sempre este burgo podre.
26 DE ABRIL DE 1894 – AUTONOMIA
Quando a Divisão Revolucionária entrou no porto, proclamou em claro manifesto que respeitava e garantia a completa autonomia do Estado, em cujos negócios não interviria, – restabelecendo assim os direitos e prerrogativas usurpadas pelo Estado, contra o estatuído na Constituição que impuseram ao país.
E continuou na administração o governo que então estava.
Feito um Governo Provisório para a revolução, esse governo deixou ao Estado as regalias todas concedidas pelo chamado pacto fundamental.
O Governo do Estado seguiu livremente sua administração até o último dia de liberdade.
Quando a Revolução deixou o poder do Estado, dele se apossou uma Comissão. Entrados os navios do Ditador foi investido no Governo um militar. Começou a administração dispondo nova formação dos poderes estaduais.
De súbito, chega um chefe militar e às dez horas da noite assume o governo, prende o antecessor e à essa mesma hora solta pela cidade a soldadesca a efetuar as mais arbitrárias e violentas prisões, com todo o aparato de cerco e varejo nos domicílios.
Este governo pôs na Galícia um militar e está administrando o Estado em comum nos seus e nos negócios federais.
27 DE ABRIL DE 1894
A Revolução não foi sufocada.
Do Sul, ela derramou-se majestosa até bater nas fronteiras de São Paulo.
Terrível, ameaçadora, ela iria até a cidade fatal de todos os tempos, a corte de todas as tiranias, e lá nos paços do despotismo, quebraria por uma vez essa espada, que inconsciente, desembainhada em 89, tem entregue a Nação desgraçada nas mãos da anarquia.
Os azares da guerra fizeram-na perder o apoio das forças do mar. Sua Esquadra inutilizou-se.
Sem esse apoio, a disposição de seus planos mudava.
28 DE ABRIL DE 1894
O Governo militar aqui estabelecido neste Estado tem trazido afastados da administração os corifeus do partido que caiu com a ditadura de Deodoro.
A maneira com que se instalou no Governo o Coronel enviado pelo Presidente da República [...]
29 DE ABRIL DE 1894
O Estado do Paraná está nas mãos do Governo do Rio.
Mais vergonhoso do que a triunfal vitória do Desterro, foi esplêndido feito de armas[...]
30 DE ABRIL DE 1894 – CALDAS
Mais uma cena desoladora vem hoje reabrir as feridas ainda gotejantes do coração catarinense [...]
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De sua casa fez-se nutrido fogo.
Pretexto de buscar fugitivos – (fugistes).
Passeata militar Domingo.
Varejo casa carcereiro.
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Por hora nada de novo, está tudo parado, e não há remorsos de sair o Boi.
Vamos esperar mais um pouco.
Estava escrevendo quando vieram dizer-me que querem os lambizas tomar o Lomba e o Itapemirim para fazerem fogo para a terra e já anda tudo em movimento, inclusive o capitão do Porto, segundo me informam.
Estou com tanto medo que não escrevo direito.
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Eis que prossegue o trabalho de desmoronamento.
No turbilhão dessa voragem, tudo se precipita, tudo rola, tudo se despedaça e some.
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Córrego que atravessa
Rua da Carioca – 22-
Aumento do (líquido alcoólico)
João Regis -R
João Barbosa – R
João Sic – R
Delminda
Caetano Demoro
Coutinho
Saturnino
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Perguntar ao Dr. Motta quais os companheiros que foram do Paraná para Desterro no Vapor e quais os que morreram.
1894 – Chegada Paula Ramos.
Fuzilado Cemitério da Capital
Pedro Lopes de Mendonça.
1º cadete – 2º– Sargento
Vapor Santos. Era do Aquibadan.
Bellerophonte – Processo de defloramento.
30 de Abril de 1894
– Relação nominal dos doentes que por ordem superior baixam no Hospital da Santa Casa de Misericórdia
A saber: Exército Revolucionário – Bazar aqui: Vicente Marques Goulart (Alferes) - Alta em 24 de dezembro de 94; Domingos Lopes (Tenente Coronel); Antônio Ajara– faleceu infecção pútrida; Eliseu Ajara– alta – passou a servente; Emiliano Manuel (Primeiro Sargento)
– alta a 7 de setembro; Severino – seguiu para o sul a 4 de outubro; Alberto Bonafuentes (Alferes) alta 9 de novembro de 94 – foi para o sul; Severino de Almeida Lima – alta a 12 de Fevereiro de 95 – seguiu com Emiliano para o Sul; (Fidêncio) Fidéles Alexandre Dutra (Alferes) – alta; os policiais: Pedro Pierre Oronante – alta 13 de setembro de 94 – seguiu para São José; Simplício Estanislaus – alta; Luiz Eduardo Mozogo – alta 21 de maio de 94.
Ass.: João Claudino da Rosa, enfermeiro militar
[João Marques – oculto na mata
Prático Serafim (da orelha) – é falso, delator
Vicente Marques Goulart, (Paciente), Fernando Marques Goulart.
No Rio Grande do Sul, Bruno, 20 anos, veio do Hospital Militar – ferido.
Exército Libertador (revolucionário)
Alta – Curado a 24-Dez-94.
Baixa – 30 – abril.
Um tal João Gaspar, em Biguaçu, que serviu de guia ao Dr. Caldas, foi depois seu denunciante. Preso este e trazido com as mãos amarradas, cuspiram-lhes na face; tiraram-lhe as botas, relógio, dinheiro.
Os arreios ainda estão guardados em uma casa ali.
De Castelo Branco um tal Ventura roubou uma valiosa mala que com uma faca arrombou, sacando quanto continha: farda, roupa, dinheiro. A mala está em casa de uma senhora em Biguaçu.
Não é só o Rio Grande, Santa Catarina tem o seu heroísmo.
(Reclamação.)
Liberal de todos tempos, na ditadura Deodoro venceu.
Assalto S.Martins. Foi o primeiro que denunciou Floriano. Foi o único independente da Ditadura.
01 DE MAIO DE 1894
Se era grave durante estes últimos meses a situação do Brasil, agora que se nos apresenta muito mais delicada e cheia de perigosas complicações.
O novo aspecto da Revolução nascido de imprevistos acontecimentos e certos fatos, também inesperados, que vão acentuando aquela nova feição, não entravam decerto nos cálculos e nas combinações que determinaram o procedimento do governo com relação a sua política interna.
Muitos dos elementos com que contava seguro o governo em seus planos tem faltado completamente.
As Nações estrangeiras não acertam a qualificação de piratas para a Esquadra revoltosa;
A marinha revolucionária abandonando a posição na baia do Rio, sem ser combatida pela frota do governo, e sua proteção de bandeira estrangeira;
O acolhimento em extremo significativo dos revoltosos, no Rio da Prata:
As fáceis vitórias sobre Estado de todos abandonados:
O acontecimento destes fatos, logo após a eleição presidencial sob a pressão, homicida, do Estado de São Paulo.
Tudo isto deve ter abalado muito fundamente os alicerces em que o Governo vai levantando o edifício do militarismo e talvez da ditadura declarada.
Conhecido porém, como se tem empenhado em demonstrar o governo, o seu intento firme de sustentar o elemento militar na direção do país, não há razão para duvidar de quanta contrariedade lhe foram aqueles fatos, mas também não serão para estranhar os novos e maiores esforços que venham a aparecer.
Curioso, entretanto, será o caminho que terá de tomar o chefe do militarismo.
02 DE MAIO DE 1894
Entre tantas ruínas que o observador tem de encontrar no serviço público ao terminar o estado deplorável de guerra civil, – uma das mais completas será a das forças armadas de mar e terra.
Vencida a Revolução, por que preço ficará esse triunfo?
Mas também conseguindo a Revolução derribar o governo de Floriano, não serão menores as dificuldades.
A Esquadra, reduzida a três ou quatro navios, vêm todos eles prontos para servir; o pessoal da Marinha, no primeiro caso limitado a um ou dois oficiais superiores e alguns novos encarreirados, além da falta de segurança profissional, tocados de suspeição e dúbia confiança, sem tripulação marítima, não poderá a Armada prestar serviço algum real, antes que se passem muitos anos.
O Exército, é porém onde se reúnem os mais insuperáveis embaraços para o governo qualquer que ele venha a ser.
Se na Guerra do Paraguai a Monarquia achou-se em dificuldades com os voluntários, cuja leva o governo teve a fortuna de realizar com invejável regularidade, o que não produzirá de obstáculos, a turba-multa armada de um momento para outro, em grupos e lugares diferentes e sucessivamente, sem uma ideia, sem nexo algum entre si, conservados fiéis tão somente a peso de dinheiro e prontos sempre a abusar das armas pela inconsciência da própria disciplina?
Esses corpos de Exército sem organização, esses batalhões incompletos, inominados, dissolvidos pelas derrotas, levantados sobre os restos de uma companhia, formados civis uniformizados, sem assentamentos, compostos só de oficiais, confundidas as armas em profunda promiscuidade; esses homens armados, enfim, entregues a chefes de posição precária e mando efêmero, aos quais só se manda combater o inimigo e combater até a morte, aos quais se ensina que ser vencido é ser degolado, esses homens, que destino terão, os oficiais de improviso que classificação obterão, uma vez terminada a luta quando já não for necessária tanta tropa?
Esses braços arrancados à indústria, às artes e à lavoura, voltarão tranquilos a seu antigo labor, salpicados ainda de sangue de seus irmãos?
Esses homens tirados do comércio, das repartições públicas, irão deslocar os que os substituíram, armados com os galões obtidos a combater seus irmãos?
Esse rebotalho das praças e dos cais será de novo entregue às suas antigas pocilgas, mais desenvoltos os vícios e apurada a crueza no saque de seus irmãos?
Ou, com todos esses elementos se constituirá uma força pública, se reorganizará o quadro do Exército brasileiro, elevando, se preciso for, a cem ou duzentos mil homens o efetivo para dar lugar a todos esses galões profusamente derramados?
Com os claros deixados pelos inimigos revolucionários não se poderá contar, em tão pequeno número são os graduados do Exército que entre eles andam.
As forças revolucionárias são compostas de paisanos, sem aspiração militar sem outro fim senão derribar a tirania, para voltar em paz a amparar a família e lar, à sombra da liberdade.
Daí não virá certamente embaraço a nenhum governo.
03 DE MAIO DE 1894
Qual será a nova feição do movimento revolucionário?
A revolta da Esquadra havia mudado o caráter da Revolução.
De puramente civil e política, ela tinha acolhido o concurso de um dos elementos armados da Nação, que se rebelava contra o despotismo da ditadura.
Logo depois esse elemento expandindo-se desenvolveu uma vasta bandeira políticas.
Abandonada a ação da Esquadra sem que o seu pessoal se retirasse da revolução, ressume-se o movimento na campanha de terra.
Mas porventura o papel desses Chefes da Armada está terminado com a suspensão das hostilidades por mar?
Ficarão ociosos repousando sobre seus louros tantos heróis, deixando em meio a pugna a que se arrojaram com tamanho valor?
Acolhendo-se sob a proteção de uma bandeira estrangeira esses, valentes conservaram a sua posição de revolucionários, não tiraram da cinta sua espada.
04 DE MAIO DE 1894
A recepção feita tanto em Montevidéu, como em Buenos Aires aos inimigos brasileiros, tem uma alta significação política.
Não morriam de amores pela Revolução os Governos Oriental e Argentino; aqueles até se tornaram tão antipáticos à causa federalista, que seus atos atingiram as raias da intervenção.
Como explicar pois os procedimentos, não já do povo, mas dos próprios governos?
Como entender o empenho extremado em prestar todos os socorros, em cumular de benefícios, de favores, de sinais de amizade, não só os brasileiros que nos navios revolucionários ali aportaram, como aos que por terra se abrigaram à sua bandeira?
05 DE MAIO DE 1894 – DÚVIDAS
Alguma coisa de duvidoso parece encerrar o aspecto das coisas públicas neste Estado.
A administração está como suspensa, o expediente limitando-se a demissões e nomeações simplesmente partidárias.
Nem um andamento em os diversos ramos do serviço público: tudo parece suspenso à espera de algum acontecimento.
Ocupados a presidência e a polícia militarmente, os seus atos são expedidos e praticados com o caráter puramente militar.
As fórmulas e praxes civis estão suspensas.
Há quinze dias que começou este governo ainda se não falou em voltar à direção do Estado os poderes criados pela sua Constituição, apesar de se achar ele completamente livre da Revolução segundo logo foi declarado.
O jornal único que se publica, não parece muito na intimidade do poder: o expediente é atirado para lugar secundário e somemos; o governo ainda não obteve uma única menção laudatória nem na sua instalação simplesmente anunciada.
O Palácio vive isolado das figuras civis que mostravam repugnância ou contrariedade em ai se apresentarem, não só o desgosto, mas um sério desânimo se patenteia na feição e nos modos de cada uma dessas figuras.
Nada é claro; nada é tranquilo, nenhuma segurança se conhece no povo.
Pelo contrário, ao pânico produzido pelos dias de terror, com que se inaugurou o poder militar, tem sucedido um torpor, uma reserva, uma sombria tristeza, que facilmente denunciam a concentração de ânimo do povo subjugado pela força, e nunca a resignação do vencido nos azares da política.
De vez em quando, ainda alguma cruel violência fere a sociedade em um de seus membros, e então um surto estremecimento se adivinha percorrendo todas as camadas, e logo adormecido no fundo daquele torva prostração.
O comércio e o tráfego da vida na cidade perdeu de todo a animação, e nas praças, nas ruas o maior movimento é devido aos soldados que em toda parte e em grupos parecem os únicos habitantes; ainda bem, não se esconde o sol e já as casas comerciais se fecham e as ruas se tornam desertas.
As linhas telegráficas foram declaradas livres para a norte e para o sul: e mal e custosamente e se obtém um outro recado do sul, fechada a comunicação para o vizinho Estado do norte.
Os portos do Estado se anunciou abertos para toda a Nação e para o estrangeiro, e nem um navio, a não ser da própria divisão em operações de guerra, entrou ainda em nossos portos.
As evoluções desses vasos armados têm sido incessantes e inexplicáveis, saiu de súbito e apressadamente, e voltou do caminho daí a horas, não formando outros ao ancoradouro.
A mudança da força armada que aqui primeiro chegou, a irrupção de uma outra força logo retirada depois de feita a reação, a saída de grosso contingente para a noite do Estado, trazem a população em constantes surpresas.
Do vizinho Estado do Paraná, nada se sabe: apenas foi publicada a notícia de que abandonados literalmente, os portos e Capital haviam sido ocupados pela força da União, e nem mais uma palavra até hoje: silêncio que o jornal guarda tão estritamente sobre o Rio Grande como sobre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao mesmo tempo outros fatos vêm tomar mais inexplicável a observação à atual situação.
Tornou-se público que o oficial militar que assumiu o governo se acha contrariado, pois esperava ser substituído em poucos dias e não conseguia que aceitassem o poder os chefes políticos ao quais quis passá-lo.
Esses chefes são conservados em completa ignorância das vistas, planos e intenções do governo: seu papel é muito secundário e humilhante.
O fato da entrada à meia noite em palácio, o coronel, apenas tenha chegado do Rio, e a essa hora assumir ex-abrupto o governo prendendo o oficial que se achava funcionado como governador investido do poder pelo chefe da Esquadra incumbida de retomar o Estado para o governo do Centro: causou estranha sensação em todos os espíritos.
É notório que depois desse proceder, que não se acompanhou de nenhuma satisfação ao Chefe da Esquadra, este não voltou mais à terra.
É sabido que não só nenhuma diligência se fez, nem mesmo nenhuma palavra se pronunciou a respeito, para a prisão de qualquer dos oficiais da Armada que aqui se achavam implicados na revolução, sendo dela aliás os mais importantes chefes.
Lançando-se, com atenção, a vista sobre tudo isso, notando-se a confusão e atropelo dos fatos, a indecisão, irresolução, o segredo das revoluções; torna-se firme a ideia de que alguma coisa de duvidoso paira sobre a situação política do Estado e quiçá da Nação.
06 DE MAIO DE 1894
Varejo à noite em casa Vasco Gama.
Conferência – Dona Rita Gama e filha com o governador.
A 8 – fuzilamento no cemitério de um grumete.
Apreensão de cavalos a pretexto de terem pertencido aos revoltosos.
Prisão de calabouço na Fortaleza Santa Cruz.
Opinião do Almirante sobre Alexandrino.
Teoria sobre os funcionários públicos no caso de revolução em um Estado.
Teoria sobre os militares neutros.
08 DE MAIO DE 1894
Como se fará a restituição do Estado à vida normal, ao exercício das funções de sua existência legal?
Antes de tudo, o que se entenderá por legal?
Será o que constitui o status quo no momento em que entrou a Esquadra revolucionária neste porto?
Mas já então existia o estado de sítio.
Será o status quo de antes da deposição de Lauro, o qual retirou de toda as posições oficiais o grupo ou partido que agora se apossou do poder?
E como se fará essa evolução?
Por ora nem um fato, nem um escrito no jornal, dá indício sequer de se haver cogitado em tal.
Parece antes que vivendo-se à mercê das circunstâncias do momento, tudo se fará ao acaso.
Enquanto a autoridade suprema do Estado se conserva nas mãos de um agente militar, armado de completo arbítrio, no estado de sítio, com a compreensão ditatorial do despotismo, escusado é pensar em Constituição, em leis.
A própria justiça foi arrancada das mãos da magistratura e sem que subsista o estado de guerra, o julgamento militar anda em vigor, dispensando mesmo a Lei Marcial.
Qual será a transição para uma regular organização social?
Ou entrará nos planos da ditadura destituir o Estado, e incorporá-lo como território do centro?
Todas as hipóteses são admissíveis hoje, quando os mais estupendos e tresloucados decretos têm chovido sobre tão desgraçado país.
O efêmero governo de Villas-Boas, apresentou-se prometendo entregar o poder aos delegados da soberania do povo apontado em próxima escolha.
Também curioso.
Que legalidade viria a ser essa?
Não importaria isso na mais pura e simples deposição?
Por ocasião da nefasta noite de 31, não havia clara e peremptoriamente declarado o Presidente da República, único legal o governo que tentavam depor os mesmo, que hoje se constituem poder?
Não havia com toda a força de sua autoridade mandado a ele só reconhecer e obedecer, garantindo-o com o seu apoio militar?
Seria esse então o poder legal e legítimo, seriam todos os atos dele emanados até o primeiro dia do domínio revolucionário.
E terminado que fosse esse período anormal, seria o poder chamado a entrar no exercício de suas funções.
Não teria pois lugar a mudança do pessoal efetuada, isto é, do partido ou grupo[...]
– Floriano assumiu o poder a 23/nov/1891 ás 9 horas da manhã
– Dissolução do Congresso por Deodoro em 3/nov/91
– Reclamação dos 13 generais pedindo a eleição do Presidente da República em abril de 1892. Foram reformados todos a 7 de abril.
– Conspiração e prisão, Desterro (Caruí) abril/92
– Lulu Caldeira fuzilado a 25.
– Começo da Revolução no Rio Grande a 4 de fevereiro de 1892 – Combate de Salsinho?
– Revolta da Esquadra – Madrugada de 6-9-1893 abandonou o Rio de Janeiro a 13-março-1894
– Entrada da Esquadra em Santa Catarina em 29 de setembro de 1893
– Desastre Aquibadan
– Revolução Lauro
– Ataque dos Polacos
– Estado de sítio
– Passe Hercílio Governador
– Entrada da Esquadra no Paraná – 20-01-94
– Tomada da Lapa: 18 – fev.
– Desastre de Melo no Rio Grande.
12 DE MAIO DE 1894 – QUESTÃO FEDERALISTA
[12 de maio – 94. A capital é federalista e a maioria do Estado também.]
É impossível deixar de reconhecer a feição profundamente partidária da população desta Capital.
Nunca se manifestou ela tão claramente como agora desde o dia da retomada do governo.
A observação, a mais superficial, vê-se forçada a conhecer a opinião que domina o espírito público.
Se tantas vezes, já desde os antigos tempos, em estrondosas festas, em brilhantes demonstrações nas quais tomam parte todas as classes, que abalavam todas as matizes partidárias e ainda os mais indiferentes habitantes, se tantas vezes, por ocasiões e motivos tão diversos e poderosos, pareceu declarar-se franca e abertamente a opinião pública, – jamais se pronunciou tão solenemente a palavra majestosa e grave de uma população inteira
Jamais se acentuou com tão fundos e vivos traços a alma do povo.
É preciso que na memória dos homens não empalideça essa imagem majestosa, ao perpassar rude e áspero
Durante os primeiros dias foi o terror que encheu de pânico a Cidade.
As praças, praias e ruas cheias de soldados estranhos, despejados pelos vapores, armados e equipados em campanha, de punhal e revólver, sôfregos, arrogantes, desabridos e insultantes como se entravam em praça rendida em combate, os vivas, os passeios desrespeitosos em carros descobertos, as prisões violentas, os arrombamentos e varejos nas casas a horas mortas da noite, o aparato bélico, a fuga de quantos receavam sofrer, as notícias da multiplicidade de prisões, enchendo-se os cárceres de onde se levava para bordo dos navios os presos, a fim de enchê-los de novo, e isto sem explicação, sem uma razão que pusesse em segurança qualquer classe de cidadãos; tudo incutiu rapidamente nos habitantes um tal pânico que o comércio e as casas particulares se fecharam e ninguém mais ousou sair à rua.
Se a soldadesca não abundasse, dir-se-ia uma cidade abandonada na presença da peste.
Passados alguns dias, se foram pouco a pouco arriscando os habitantes, forçados pelas necessidades da vida, recolhendo-se a seus domicílios tão depressa se desembaraçavam de seus deveres.
Está a completar um mês dessa [...]
14 DE MAIO DE 1894 – RETIRADA SALDANHA DO RIO
Tradução da "El Siglo" – 10-5-94 – Montevidéu [Ver Diário de Santos – 18-4-94]
E Ver Gazeta de Notícias – 16 – 4 -941 Bordo da Corveta Afonso Albuquerque
Surto na baía do Rio de Janeiro – 14 -3 -94
Resumo extraído da ata da última conferência celebrada no dia 10 e terminada no dia 11 a bordo da Mindello, corveta da Armada real portuguesa, atualmente em água da baía do Rio de Janeiro, entre o comandante Capitão da Fragata Conselheiro Castilho, e os Chefes das estações navais europeias, inglesa, francesa, italiana e alemã (faltando das marinhas estrangeiras que têm navios ancorados neste porto, a americana, cujo almirante comunicou previamente que dava por aprovado e ratificado todo e qualquer ato resolvido na deliberação desta conferência).
"Aos onze dias do mês de março de 1894 neste porto do Rio de Janeiro, e reunidos a bordo do navio de guerra Mindello, da Marinha de Sua Majestade Fidelíssimo El Rei de Portugal, todas altas categorias dos diversos navios de guerra ancorados nestas águas, legalmente autorizados pelos ministros plenipotenciários que na última reunião diplomática (consequência de outras que se efetuaram) e no dia dez de março concordaram em garantia dos interesses materiais e das vidas dos seus concidadãos, na previsão de um próximo bombardeio cujas consequências seriam forçosamente funestíssimas.
Resolveu; dar asilo ao temerário e leal Sr. Contra-Almirante Saldanha da Gama, a toda sua oficialidade, e a valente marinhagem que sempre deu provas de bravura, coração e disciplina, resistindo nas duas fortalezas que estavam em seu poder e com o pequeno número de navios a seu serviço, ao governo legal vinte vezes superior em forças, durante seis meses.
O asilo será escolhido pelo Senhor Almirante, que será atendido e garantido por todos os navios estrangeiros, atento o heroico sacrifício por ele realizado, e estes auxiliarão moralmente ao referido Sr. Almirante, para que uma vez a bordo com sua falange de bravos, possa sair barra fora para um porto dentro ou fora do Brasil, qualquer que seja o escolhido pelo mesmo senhor Almirante.
Documentar a história de com esta conferência, lavrar a ata que deve acompanhar o protocolo que vai ser enviado à Europa a fim de ser concedido em boa e devida formação o direito de beligerantes aos revolucionários federalistas e da Marinha, preenchendo assim uma formalidade de máximo alcance para a Revolução.
E aprovados todos os preliminares e discutidos os pontos mais controvertidos de direito marítimo internacional, aplicáveis ao fato de que se tratou, especialíssimo em sua espécie, o Senhor Conselheiro Castilho, depois de haver firmado esse documento mandou transcrevê-lo no livro de quarto da Corveta Mindello, que foi também remetido (o original) para ser registrado no livro de quarto do Afonso d'Albuquerque, assim como será registrado em todos os livros de quarto dos diversos navios de guerra, cujos chefes compareceram nesta conferência.
O Senhor Saldanha da Gama bem merece da pátria da humanidade, seguem-se doze assinaturas".
15 DE MAIO DE 1894 – VER 12 DE MAIO
[Da reação se aproveita o espírito partidário para extinguir o Partido Federalista. Efeito contrário.]
É preciso que se extinga o Partido Federalista. Duas feições traz a reação aqui mandada fazer pelo governo da União.
A extinção do movimento revolucionário nesta capital e nas outras cidades do Estado não justificaria medidas de repressão, tirando-lhe o objeto, e abandono completo por parte dos que na Revolução tomaram parte, não só das forças e meios das armas, mas também de todas as posições oficiais e de todo o caráter político na vida pública.
A repressão portanto não tem lugar.
20 DE MAIO DE 1894 – MILITARISMO
[Golpes na Armada – Extinção da classe. Extinção do Exército – base e apoio do elemento militar.]
O elemento militar estabelece francamente o seu domínio.
Rompeu afinal a luta entre o Exército no poder e a Armada.
A ditadura não hesita mais: se for preciso novo golpe de Estado, ele se dará.
A Marinha foi entregue ao Exército.
Os arsenais, as escolas, os laboratórios, as farmácias e os hospitais, as repartições, companhias e os batalhões navais, tudo passa para a direção do Exército fundido em comum serviço.
Os navios de guerra são, não só guarnecidos por soldados, mas por eles tripulados.
Ao lado de cada oficial da Marinha velam dois soldados.
Um capitão do Exército é o ajudante de ordens do Ministro da Marinha.
Onde o soldado não pode chegar, na especialidade da profissão, o ouro põe o estrangeiro.
Se se tratasse de um testa coroado, era o caso para rir-se de tão estulta política, pois esses, hoje soldados, não serão amanhã marinheiros, e não ficará assim restaurada a Marinha de guerra, a Armada Nacional, que então sentirá no peito rebentar o sagrado fogo da vingança pela agora sua classe? Não seria essa uma dolorosa herança aos sucessores no trono?
Mas as presidências são efêmeras, e no curto espaço de alguns meses não se faz de um soldado bisonho, nem um bisonho marinheiro.
Ainda com um golpe de Estado que só faria renovar a ditadura, nulo seriam os resultados desse disparate para os fins que o leva em vista.
O absurdo de semelhantes atos só deixam claro o ódio, a sede de vingança contra a Marinha.
Aquelas ordens se forem cumpridas mostrarão dentro de poucos dias a nulidade de seus efeitos e a inexiquibilidade de sua maior parte.
A instrução técnica, a manobra, a prática, não fazem dos destinados ao serviço do mar simples marítimos? Ou serão teoria e prática comuns a todo o militar, a todo o cidadão armado pela Nação?
E, se começando aos quinze anos, a vida quase não chega ao homem para se fazer um bom almirante da Armada, ou um bom general do Exército, o que pode sair desse incompreensível misto de profissões antagônicas?
A divisão, a distinta especialidade traz fatal separação, e a Armada sem demora há de surgir poderosa e altiva do seio desse caos em que a querem sufocar.
A extinção da classe da Armada é impossível; no Brasil pode se dispensar os Exércitos de terra, mas não se pode dispensar a Marinha de guerra que exige até, a todo custo, o maior e o mais perfeito desenvolvimento.
Esse procedimento portanto para com as forças de mar significa sem rebuço uma hostilidade rancorosa e implacável, com o propósito firme de multiplicá-las, de tornar a Armada incapaz de resistir e mesmo de criar o menor embaraço ao poder.
De outro lado toda a animação, todos os favores, engrandecimento e prestígio entregues às forças de terra, denunciam facilmente o intento de fazer delas o apoio, a garantia eficaz ao poder em qualquer eventualidade, sustentáculo que nada poderá abalar.
Juntando-se tudo isto à militarização contínua e progressiva de todos os ramos dos poderes públicos, não pode espírito algum hesitar um momento em ver assentar-se em sólida base o elemento militar no governo do país.
E poderá esse elemento subsistir com o representante do elemento civil, que dentro de cinco meses deve suceder ao atual poder?
Do conflito então inevitável, não surgirá a Ditadura?
Ou...? -
22 DE MAIO DE 1894
Difícil é por certo, pelas notícias até agora conhecidas, formar um juízo seguro sobre o estado político do país e muito menos aventurar qualquer hipótese sobre a marcha da Revolução.
As complicações que muito naturalmente irromperam do desastre marítimo que completou a retirada da Esquadra em ação contra o governo da União, lançou tal obscuridade na cena política que nada se pode asseverar sem receio de próximo desmentido.
As repetidas surpresas, os frequentes absurdos, a constante inconsequência nos atos do governo, fazem baquear todos os raciocínios.
A precipitação, o atropelo das ordens, o terminante rigor e violência das execuções, fazem cessar toda a reflexão.
De onde resulta o poder absoluto e de puro arbítrio e a obediência passiva e cega.
No interior, governar com a tirania e reduzir tudo ao servilismo rigoroso.
No exterior, a vida a todo transe e dia a dia, sem uma única orientação política.
Como fim no interior, e meio no exterior a ditadura.
Sob a imediata proteção do norte americanos fazer frente às pequenas Nações e ameaçar as grandes potências com o espantalho do americanismo.
Prendendo pelo monstruoso excesso de interesses os mercados da Inglaterra e da Alemanha a contê-las em forçada tolerância.
As necessidades do povo, a luta pela vida obrigarão ao trabalho e as rendas virão, filhas dessa violência.
A história de todas as Repúblicas latinas fornecem exemplos de tais crises.
Não é necessário estudá-los, visto que são produtos naturais de certos caracteres em certas circunstâncias: dadas estas e existindo aqueles, fatal é o sucesso.
Por mais, porém, que se busque conhecer uma ligação entre os atos ainda os mais transcendentes do governo, não é possível descobri-la.
23 DE MAIO DE 1894 – JOGO
Logo que tomaram conta do poder neste e no Estado do Paraná, os homens do Governo Central, entre aplausos (apenas impressos) anunciaram alegres que com a volta da legalidade, estavam reabertas todas as portas, e livres todas as comunicações, para o norte e sul da República, como para o estrangeiro.
Há mais de um mês decorrido e apenas alguma correspondência para Santos e Rio, é facultada ao comércio e poucos particulares, e a maior dificuldade se opõe ao transporte das famílias.
Paraná acha-se tão interceptado como quando no domínio da Revolução ele estava em poder de Floriano.
Rio Grande continua fechado quase completamente.
Os exilados do Sul não obtêm saída do Estado.
O comércio não tem transportes: a navegação continua a ser feita por navios de guerra.
Dos acontecimentos bons ou maus, dos sucessos ainda os mais estranhos à luta revolucionária, à administração, à política, todos em Santos e Estado de São Paulo, Paranaguá e Estado do Paraná, em Porto Alegre e campanha do Rio Grande do Sul se conservam vedados ao telégrafo e só um ou outro jornal dessas localidades, em datas desastradamente atrasadas nos dão inúteis e adrede preparadas notícias.
O que significa isso?
Será receio ainda de alguma coisa em Santa Catarina? Ou necessidade de encobrir fraquezas e desastres naqueles outros pontos?
Como quer que seja, é bem evidente que a luta não terminou, o levante, a rebelião, já que lhe negam o seu nome de Revolução, não está sufocada, não está vencida.
Tranquilo não está o país, tranquilas não estão as populações, e com certeza os governos também não estão tranquilos.
A Revolução do Sul, o exemplo dos dois Estados levantados, abalaram mais do que se pensa, o resto do país: a convulsão foi muito profunda e muito duradoura.
O fogo que incendiou tão vastas regiões não foi lançado pela mesquinha mão acusada na mensagem: os ateamentos, o material que arderam, não foram os apontados pelo Presidente da República – na sua raiva e escárnio.
Em meio desse horroroso acervo de fome e fogo, de sangue e heroísmo e até de crimes, havia, agitando-se rubras, como se tecidos de amianto fossem, as mais preciosas e inextinguíveis fibras do coração do povo.
Revoando nas flamas, essas fibras candentes iam levar, não já a cor, mas o calor e as vibrações aos lares e coração de outros povos: o incêndio foi apagado, o braseiro dispersado, mas as brasas ainda continham fogo, o fogo há de se propagar.
Não, – a revolução não foi extinta.
Não, – o país não está tranquilo.
Os Estados do Centro, os do Norte não podem ter assistido nem indiferentes nem inteiramente contrários, a existência da Revolução tão repleta de comoções políticas, tão irradiante de interesses e elementos populares que a toda parte levou os compromissos, em todos os Estados despertou e agitou os problemas graves e perigosos da política.
Se a mão de ferro do despotismo tem obtido por acaso conter esses Estados debaixo de uma pressão suficiente para que não estale a Revolução, se o isolamento, a divisão, a violência têm alcançado até agora ao poder central o domínio sobre esses Estados: – não é permitido imaginar que tal compreensão, por mais incessante, por mais duradoura consiga restabelecer a tranquilidade precisa para estabelecer a vida normal no país.
Todos os germens semeados pelas populações nestes últimos tempos são de sua natureza entumescentes e expansivos e sua força de dilatação é tal que se multiplica à medida que a compreensão aumenta.
O momento do equilíbrio dessas forças há de chegar, se a estabilidade atual já não é sem efeito e, daí por diante, ou mais um grau de pressão, ou a simples demora desse estado, a expansão vencerá todos os obstáculos e darão passantes e multiplicados os tremendos frutos de sua esplêndida vegetação.
25 DE MAIO DE 1894 – SERVILISMO
Causa tédio o servilismo desses homens ao soldo da ditadura.
O cuidado com que buscam esconder tanta baixeza que praticam, furtaria à história o meio de conhecê-los, se não ficasse inconscientemente talvez, uma prova irrefragável, uma espécime exatíssima que eles chamam – a imprensa.
O jornal – único – traduz fielmente o governo e os seus homens.
Apareceu com o primeiro dia do governo endeusando-o e aclamando, batendo palmas à legalidade.
Três dias depois inseria o boletim anônimo que mudara o seu governo, e dava ainda por já estar composta uma apologia do seu benemérito governador quando ele já se achava na prisão.
Por muitos dias, nenhuma palavra sobre o Governador militar; de súbito rebenta sem motivo um empolado encômio.
No interregno, pediam o esquecimento, a conciliação, o congraçamento de todos para auxiliar a tranquilidade e a ordem.
Depois concitavam ao governo a ser implacável em perseguir e prender sem descanso os malditos que não fossem seus íntimos.
28 DE MAIO DE 1894
Sus, guerreiro indômito!
Que tua voz nos chegue animadora e forte, aos nossos ouvidos enfraquecidos pelo desânimo.
Que teu braço se estenda e nos aponte o terreno da salvação.
Nós os que sofremos, nós os que gememos outra vez aos martírios que nos inflige o bárbaro despotismo, nós as vítimas da tirania, te acompanhamos com o olhar e te seguimos com a esperança.
Alenta tuas hostes: que não descansem pois que o cansaço não atinge esses valentes.
Pelejar – é a sua vida; é um destino, é uma fatalidade: voto terrível e inquebrantável de pelejar, pelejar sempre, pelejar até tombar mortos.
Há vingança sem tréguas. Não há perdão para certos crimes.
Perguntai-lhes onde estão seus pais, onde suas mulheres, o que fizeram de suas filhas?
Perguntai-lhes pelos seus haveres, pela sua honra, pela sua liberdade?
Com os olhos afogados no pranto, com a voz embargada na garganta pela cruciante amargura, eles vos responderão com a mão convulsa a haste da possante lança – a vingança!
Ergue-te, arcanjo das pelejas.
Salta tuas vozes, que soem teus clarins de combate.
Espalha os teus guerreiros em linha as suas ardidas montarias, mal contidas, percorrem os campos vencedores.
Aí pampas!
Desce esses planaltos.
Esmaga com as patas dos teus corcéis essas hordas mercenárias da tirania e traze na ponta de tuas lanças a liberdade de nossa pátria.
Esta pátria que também é a tua, que te acolheu nos seus braços, esta pátria cuja sorte para todo o sempre está ligada à sorte das tuas.
A teu lado combatem nossos patrícios, nossos irmãos.
Desce às pampas, batalhador invencível.
Os que se levantam, os que tomam as armas pela honra, pela liberdade, pelo amor da pátria, não podem ser vencidos.
Não, nunca será derrotada a Revolução .
Esses heróis veem as suas fileiras engrossarem dia a dia.
A crueldade do despotismo, hora por hora envia novos heróis aqueles arraiais.
As legiões escravas recusam marchar ao encontro dessas bizarras cohortes de bravos lidadores.
O nome do Grande Chefe enche-as todas de pânico.
A vista dos seus guerreiros, faz-lhes percorrer pelas carnes o calafrio do terror.
O som de seus clarins toca a sua sentença de morte.
É o teu olhar é sempre plácido e manso, e o teu rosto sereno e bondoso, sempre calmo, e a tua segurança e a tua firmeza irresistíveis te envolvem em uma auréola de místico encanto e enlevo no meio de tuas hostes, com as rédeas refreando o ardor do teu ginete, a destrar e afagar suas crinas, dormente ao lado na bainha a lã-mina fatal cujo aço deslumbrante só brilhará ao sol ardente de nossa terra na hora da derradeira vitória!
Para o leste, para o norte, para o sul derrama os teus heroicos companheiros nessa cruzada sacrossanta.
Nós te saudamos.
Arcanjo das pelejas.
31 DE MAIO DE 1894 – DELAÇÃO
A delação já nada tem do crime da traição: é um composto de nojo e de vergonha.
O agente de polícia denuncia por força do ofício. A vingança, o ódio, as paixões violentas movem à traição.
O delator causa asco: Judas só provoca indignação.
Por que denuncia?
Com esse meio riso alvar, ele vem dar a sua denúncia: não sabe o que faz, e volta como o idiota, sem ligar importância e esquecendo o ato de tanta baixeza que praticou.
Pagaram-lhe? Mereceu mais alguma coisa? Cumpriu algum dever? Vingou-se? Satisfez algum ódio?
Por que denuncia?
Miserável!
E não tem ele consciência? Não lhe diz essa consciência que essas palavras saídas estupidamente de sua boca, levam a morte à pobre vítima de sua...
Ele o sabe talvez.
Sabe que uma vez preso, esse foragido será trucidado.
Sabe que enquanto oculto evita a morte e que, passado o perigo, poderá escapar e salvar-se.
Sabe que esse foragido pode ser um pai de família, pode ser um chefe cuja alta posição, cujos talentos importem ao país conservar-lhe a vida...
Que importa?
A mulher, os filhos, os irmãos, os pais, ele não os verá pranteando o morto nem lhe virão eles esmolar o pão que lhes faltará.
Talentos, posição social, ele despreza tudo isso; não fazem falta à Nação que tem esses outros que aí estão; não lhes deve nada, porque nunca lhes deram nada, nem deles espera coisa alguma porque a eles nunca poderão se chegar.
Outros não têm denunciado?
Ele também denuncia.
E volta para sua inútil e prejudicial ociosidade, pagando-se da importância que julgar reverter-lhe da importância da vítima que fez.
Duas vezes miserável!
Judas recebeu ao menos trinta dinheiros. De onde nasceu essa raça?
Não nasceu, não é raça felizmente.
Esse vício degradante é novo entre nós.
Ainda não há muito, a segurança da hospitalidade árabe dominava os usos e costumes dos povos de nossas localidades.
Depois, o exemplo da perfídia, da duplicidade, da má-fé, desceu com rapidez das primeiras camadas sociais e foi contaminar a última zona favorecida pela simplicidade e ignorância.
A perversidade não tem mais do que explorar essa abjeção.
01 DE JUNHO DE 1894 – QUEM É?
[Como são executados? Aonde e que fazem dos corpos? Silêncio absoluto e indiferente. Silêncio da imprensa. Ignorância do destino dos presos. Comprazer em animar os boatos de morte.]
Se a dor, se a amargurada aflição nos confrangem o coração, nos abatem e enlutam a alma, um surdo e mal contido brado de indignação e desespero percorre como elétrica vibração todo o nosso organismo procurando irromper, ao encarar as cenas de crueldade que dia por dia se estão renovando.
De onde vem esse poder?
Onde nasceu esse direito?
A esses atos que nome haveis de dar?
Pretendeis a irresponsabilidade do fatalismo?
Ou vos julgais instrumento de uma vontade superior e onipotente?
O poder da força é de sua natureza transitório. Nem um direito natural ou escrito dá guarida àqueles atos.
Não tendes a fatalidade dos cataclismas da natureza, nem a majestade dos bulcões, nem a grandeza das tempestades, nem o sublime da luta em que se estrangulam as forças da criação.
Vosso espírito vazio de crenças não percebe outra vontade além do instinto animal.
O que esperais então?
E, antes, esperais alguma coisa?
Vencemos – havemos de matar.
Matamos – porque somos os vencedores.
Morrem estes – porque não queremos matar os outros.
Matamos às ocultas – porque não temos contas a dar a ninguém.
Eis o direito – eis o poder.
O horror que causam essas execuções clandestinas, negando às vitimas até a sepultura, e cujos cadáveres são lançados às praias pelas ondas do mar revoltado contra esse depósito medonho, não despertará jamais um povo nem um outro sentimento que não seja a repugnância e o ressentimento contra o poder que as fez.
Esperais, porventura, com essas execuções impedir que se reproduzam as revoluções?
Mas, vós outros que de tal forma castigais não galgastes o poder por uma revolução igual?
Não vos dizeis os filhos e vingadores do sangue de Tiradentes, o vosso mestre da Revolução?
O que esperais?
Não sabeis que essas vítimas que ora fazeis, bem cedo hão de ser sagrados mártires?
Nada esperais, porque de sobra sabeis que o vosso poder é transitório: aos que vierem depois, – a herança tremenda.
Que vos importa a justiça? Quando ela vier, já estareis a abrigo dela, – e a da história – já vos não alcançará.
Contas dessas vítimas, quem vo-las pedirá e quando?
Quem sabe quantas e quais são tais vítimas? Como sacrificar, como provar?
E, por fim, onde encontrar os autores os responsáveis de tão nefandos atos?
O atordoamento da loucura nos vem zumbir no ânimo, ao pensar em tudo isso.
JUNHO DE 1894 – FALSIDADE
Mandou pela legação, fazer constar ao Rio da Prata que anistia e perdão eram dados aos que quisessem voltar ao Brasil.
JUNHO DE 1894
Duas invasões.
A Revolução – A tirania.
03 DE JUNHO DE 1894
Como pretenderá o Governo Central restabelecer a autonomia do Estado?
O costume nestas comoções adaptadas de 89 para cá, tem sido aclamar ou proclamar uma junta, a qual se incumbe de fazer mais ou menos leal uma eleição que vem justificar o governo chamado então legal.
Os consequentes fatos vão buscar nesse primeiro a sua legitimidade.
Ora, curioso é o que se hã de dar agora nas condições originais em que foram colocados, e em que nos declarou o Vice-Presidente da República oficialmente.
Por umas considerações que aprouve engendrar, investiu-se para o caso de atribuição especial, e nomeou para este Estado um governador militar.
Subsistia o estado de sítio; mas como se isto não bastava, foi o governador de franco poder ditatorial com ação plena em todos os ramos do poder público e abrangendo os negócios do Estado, como os da União.
Verdade é, que nestes últimos lhe tem sido cerceado o arbítrio.
O exame do exercício destas funções administrativas é digno de demorado estudo, e certamente há de ser feito.
Basta por ora lembrar que nem uma orientação de direito natural ou escrito, até mesmo de sã razão, e muita vez, de bom senso, se infere dos atos disparatados, do movimento desconjuntado, irregular e [...]
JUNHO DE 1894 – A VILA MALDITA
Preguiçosamente reclinada na margem da Ilha, estendendo o corpo quase a encontrar o continente, a tranquila e humilde cidade espelha-se nas duas majestosas baías cujas águas lhes beijam as plantas.
A pureza do céu, a frescura e limpidez do ar, e a luxuriosa vegetação que cobre suas terras dão à placidez de seus dias a formosura e amenidade de uma vida feliz.
Feliz, sim; ela já o foi.
Feliz aquele que partiu com a felicidade dela.
Debaixo daquele céu tão azul, cercado daquela natureza tão suave, naquela modesta cidade que se espelha nas mansas águas do mar do sul, a felicidade acabou.
Dali, o morno silêncio e aquietação do deserto, apenas indicam o cair de um povo que morre.
É uma população invadida, sufocada, manietada que indefesa e subjugada, caminha ao extermínio sem dar um gemido, sem fazer um movimento de resistência.
A morte do escravo.
Arrancados do seio da família, presos de qualquer forma, em qualquer lugar, embarcados, levados para os fortes, – desaparecem esses infelizes e nas praias vizinhas o mar arroja corpos sem cabeça, com as mãos decepadas.
Transportados outros para a capital da República deles não se encontra mais notícias.
Enchem-se as prisões da cidade e quando se esvaziam é para receber novos presos.
Os empregados são despedidos brutalmente de seus cargos e nega-se-lhes os meios de subsistência. O recrutamento força ao serviço militar.
As leis, os direitos não subsistem: o governo militar é absoluto.
Inexorável na sua mudez, violento nos seus atos de soldado, misterioso nas sombras da noite em que opera, o senhor dispõe dos escravos como o Régulo africano, apurado pela civilização da sociedade.
Não é um grupo, não é um partido, é uma população inteira, porque essa população foi amaldiçoada e deve ser extinta.
Nos tribunais, corridos os magistrados e metidos nos cárceres: – e a nova magistratura impassível e muda é incumbida de assistir a tudo com semblante satisfeito; agir não lhe é permitido, a justiça nada tem que fazer agora.
A polícia fuzila no cemitério o que julga réu do que lhe parece um crime.
Nos corpos cívicos da Guarda Nacional e da Guarda Policial, as prisões violentas até a caçada, nem são precedidas das destituições.
Nas repartições públicas fiscais e administrativas, os funcionários são despedidos como lacaios, tenham um ou trinta anos de exercício, nega-se-lhes o pagamento dos atrasados, sequestra-se-lhes as economias na Caixa, e para complemento de sua exclusão, veda-se-lhes a entrada nas Repartições Públicas, irrogando-se-lhes arbitrariamente o lábio de traidores à República.
Das Estações são in limine demitidos aos punhados os telegrafistas de qualquer classe e presos.
Da Alfândega, do Tesouro, da Capitania do Porto, dos Correios, da Delegacia das Terras, Mesas de rendas, Coletorias, Junta Comercial, Secretarias, – são excluídos os empregados sem atenção aos serviços, ao mérito, e sem causa, – e deles se enchem as prisões.
Das Câmaras Municipais são expelidos os edis, e forçados nos cárceres a entrar para os cofres públicos com quantias que o capricho ganancioso apraz-se em exigir.
No comércio, qualquer pretexto, ainda absurdo, chega para atroz perseguição.
Voz de prisão, casa invadida e cercada ou é tomada a vítima, ou foragida vive oculta nas matas, onde são buscadas como feras por escoltas de soldado.
A outros as extorsões violentas de somas importantes tomam a feição das tintas dos salteadores.
No povo, as prisões inexplicáveis, a ameaça constante, o pânico adrede sustentado pelos agentes do Poder, a liberdade de ação, a liberdade da palavra foram extintas.
De centenas é o número dos foragidos e ocultos; centenas somam os expelidos das funções públicas; por centenas se contam os presos, – sem que ainda se possa aproximar a cifra dos que capturados foram para de onde não voltaram, onde não estão, e de onde não seguiram.
Começam as famílias a se cobrir de luto.
A população parece sucumbir.
Chegados os soldados, começou o terror.
Poucos, bem poucos dos homens da tirania pareciam contentes, o susto também os tomara.
Imenso foi o choque, porque toda a cidade estava em prantos e brados de desespero.
Pusilânimes, aqueles poucos, ajudavam os executores da cólera do tirano, com medo de serem arrastados na confusão, a se tornarem cruéis.
A população sumiu-se e a cidade regurgitava de soldadesca atrevida e desenfreada.
Depois, os soldados diminuíram, os males continuaram e como se um tal estado se devesse tornar normal, o povo se foi habituando à desgraça, e o terror deu lugar ao aniquilamento.
Do norte, do sul vieram chegando os parasitas do poder que o calor da revolução afastara para longe.
Com aqueles poucos que aqui estavam formaram um grupo – separado da população por uma vala que, a cada hora, ele trata de tornar mais funda.
Esses espúrios alegram-se em riso nervoso e contrafeito, festejam-se entre si, embriagam-se nas suas mesas, todos agaloados, esses lacaios da ditadura, dançam nas suas folias.
Dançam e riem, os réprobos, enquanto no íntimo do lar de seus patrícios, de seus amigos, de seus parentes e até de seus irmãos, as lágrimas da mãe, da esposa, dos filhos rolam ardentes das faces desmaiadas pela dor da perda daqueles que eles mandaram matar, e que talvez ainda nesse momento estejam sendo mortos.
Esse tripudiar fúnebre acabou por perder o eco.
E em toda a cidade, é o silêncio, a reserva, a desconfiança e o abatimento, o que transparece em toda a população.
As queixas se tornaram soturnas e eivadas dos rancores vagos de incerta vingança.
Nem festas, nem os antigos e costumados folguedos, a convivência com a tranquilidade de outrora, se mostram na população.
JUNHO DE 1894 – A POLÔNIA BRASILEIRA
"É preciso que se extinga o Partido Federalista".
É preciso que desapareça a raça catarinense.
Esta raça, cuja destruição era votada, disfarçada e politicamente, pelo gênio mal desta terra, o Visconde de Taunay, é hoje o objeto dos mais rudes golpes da tirania em pertinaz e encarnecida luta.
Aquele inventor da grande naturalização, queria que a população germânica superabundasse de tal forma em Santa Catarina que fossem os brasileiros absorvidos e pelo cruzamento desaparecesse o sangue brasileiro.
Era a imigração alemã o meio.
O espírito centralizador sob a monarquia, continuava no surdo trabalho em que minava o nosso patriotismo, afastando da terra natal o que lhe podia valer e arruinando os filhos do norte para substituí-los .
Era a colonização das Províncias do norte, o meio...
JUNHO DE 1894 – O TERROR
Ninguém o vê, o tirano.
A ninguém fala.
O mudo e supersticioso terror: o cerco e de zona em zona se vai derramando por toda a cidade.
O Rio de Janeiro é a habitação de um Rosas.
Mas é preciso esconder o terror, é preciso que todos estejam contentes, é preciso que a satisfação se manifeste e ruidosa e geral, para que cheguem a seus ouvidos do tirano, sempre receosos de qualquer rumor de desagrado.
A espionagem segue a vida de cada habitante até no interior do lar do mestiço, mas é preciso que quem passe por ali, ou quem daí venha, não siga, não possa dizer outra coisa se não que: – "o Rio de Janeiro está na sua vida normal e antiga de paz, tranquilidade, atividade, agitação comercial, festas e distrações, entregue aos grandes melhoramentos do progresso no seio da felicidade".
E é isto o que diz a imprensa, o que dizem as epístolas, o que ainda dizem os que vindos de lá, ou por lá passando, aqui nos chegam [...]
JULHO DE 1894
Batismo de sangue.
JULHO DE 1894 – OS DOIS GOVERNOS
A que se acha reduzido este Estado?
O que tem feito o Governo militar?
Impossível era imaginar tamanha desorganização ao lado de tanta maldade.
É incompreensível este estado de coisas, desde que se queira buscar para determiná-lo um plano, um fim determinado, programa, nem mesmo uma vontade única, embora caprichosa e malévola.
Há em tudo isto um acervo do arbítrio e de rancor, um misto de despotismo e ignorância, cinismo, crueldade, mentira, arrogância, baixeza, fatuidade vaidosa, servilismo e luxúria, egoísmo, ganância e dilapidação.
E em tudo se manifesta, não o poder de um só, mas a vontade absoluta de diversos poderes, sem harmonia, sem conexão: camadas concêntricas de ditaduras; irregularmente distribuídos na sua espessura e fortaleza.
JULHO DE 1894 – EM PRESÍDIO
O governo militar apenas aqui se estabeleceu, a Ilha, e até todo o Estado foi reduzido a um simples presídio.
Rigorosamente vigiados os portos, o correio, e telégrafo, foram as comunicações fiscalizadas militarmente.
Nos navios armados, únicos meios de transporte por muito tempo, só era concedida a viagem sob salvo-conduto, negado sistematicamente aos que eram julgados suspeitos ou desafetos.
As notícias do norte só nos eram transmitidas pelos jornais, órgãos exclusivos e preparados da tirania, e mesmo, escassos e raros.
Aqui, a folha que o governo permite publicar-se está debaixo de tamanha pressão e censura que chegou a não dar nenhuma notícia local, por indiferente ou singela que fosse.
É uma verdadeira separação, um isolamento ou desagregação do resto do país uma das condições do presídio: a guarnição militar e a exclusão do governo civil completam o estado de prisão.
Na administração nem uma repartição pública funciona sem a inspeção militar e militares são a fiscalização incumbida de examinar a todos, do Estado, como da União.
JULHO DE 1894 – POLÍTICA DAS TREVAS – COVARDIA DE ASSASSINOS – JACOBINOS
Duas missões incumbem a imprensa: ou ela dirige a opinião ou exprime o pensamento público.
Quer em um, quer em outro caso, há um efeito constante debaixo do ponto de vista político, faz conhecer os governos e descobre a marcha ou caráter de suas ações.
O meio, pois, de esconder-se um governo é suprimir a imprensa.
Mas a supressão da imprensa significa que o governo precisa ocultar-se que não pode suportar a luz.
Por outro lado, aquela supressão é um perigo: a imprensa é a válvula por onde se escoam as superabundâncias dos vapores, que comprimidos dão a Revolução.
[Em vez, portanto, da supressão, criou-se a imprensa oficial].
Só se publicam os que apoiam o governo e neles só se insere o que o governo consente: considerações e comentários sujeitos à censura; dos atos oficiais só se conhece os que o governo manda publicar.
E permitiu-se uma certa classe de jornais oficiosos, cujo papel na opinião pública é nulo e no mundo nos deveres políticos é desprezível.
JULHO DE 1894
A segunda fase da revolução.
Concentração das forças no Rio Grande. Marcha esmagadora de Gumercindo para o Sul. Vitórias de Paiva, Cabedo e Tavares.
Notável aumento das forças revolucionárias. Defecções dos castilhistas.
Emigração dos habitantes do Sul.
Perigo em Pelotas; receios na Capital. Assassinato de Brasiliano: roubo.
17 DE JULHO
O Penedo na sua última viagem para o Vale deixou em Santa Cruz ou Ratones três presos importantes que aí foram fuzilados; Vinham do Rio. Um deles era L. Murat, o qual foi visto em Santos a bordo desse vapor passando para aqui (...) César remeteu para o Hospital de Caridade um mendigo que foi ao palácio pedir-lhe esmola.
20 DE JULHO DE 1894
Um novo pânico se vai pronunciando na cidade.
O movimento bélico desenvolvido nestes últimos dias tem feito a população tomar-se de susto e entregar-se às mais extravagantes fantasias de perigos e desastres.
A surpresa é tanto maior quanto mais repetidas e insistentes têm sido a publicação de empoladas notícias contando pomposas vistorias sobre as forças revolucionárias, completamente aniquiladas.
Ao passo que tais novas se espalham, começa uma aparatosa faina de armamento e fortificação.
As fortalezas, umas desarmadas, outras completamente abandonadas e trincheiras coloniais já há muito esquecidas, e de que nem restam vestígios, são agora objeto de cuidados.
Assentam-se canhões em Santa Cruz, na barra do norte, em Sant'Ana no Estreito e na barra do sul, prepara-se trincheira no extremo sul da enseada da cidade, no ponto fronteiro no continente, para a banda de leste da ilha da Lagoa, enfim até no antigo forte de S. Luiz da Praia de Fora, e nas ilhotas junto à cidade!
A artilharia que veio, parece não passar de uns seis canhões retrocarga comuns: como guarnecer tudo aquilo?
Entretanto, tem desembarcado muito armamento de mão, fardamento e munição.
A tropa aqui existente consta do 72 [...]
25 DE JULHO DE 1894
A ditadura Constitucional.
Prorrogação do Estado de Sítio – Sessão adiada. [Ver: A morte brasileira. Ver: A Notícia, jornal.] Aos pedaços tem caído a máscara com que a tirania pretendia encobrir a ditadura.
Pouco a pouco, de crime em crime, o poder da espada vai quebrando todas as forças da Nação.
A ditadura recebeu, sem lhe haver pedido, o poder absoluto das mãos do parlamento: ele saberá agradecer-lhe.
Eis–nos pois, na mais abjeta e humilhante das posições em que um país pode cair.
Para onde voltar os olhos?
Aonde achar um asilo seguro?
Até quando o Brasil sofrerá assim?
O que nos poderá salvar?
Estas interrogações se leem juntas, em uma só voz, num só olhar, na expressão estranha e contraída, do rosto de cada um dos malfadados filhos desta terra.
O desânimo pesa-lhes como barra de chumbo sobre o coração: não choram porém, também não riem.
O povo atônito, entrega-se maquinalmente aos mistérios de sua vida sem esperar no futuro, sem confiar no presente, sem ousar lembrar-se do passado.
Parecem todos tomados de indiferença.
Não era isto o que queriam?
Devem estar satisfeitos os que promoveram e que sustentam tamanha desgraça.
Se na ditadura todos os outros poderes públicos cessam por anulação, agora se conserva o poder judiciário cuja ação é submetida ao executivo, e o poder legislativo que entrega seu lugar, ausentando-se, mas autorizando, com sua existência, todo o despotismo do poder executivo.
O estado de sítio tantas vezes prorrogado pelo executivo, terminou quando há meses funcionava o parlamento, o qual disso se não ocupou e nem mesmo sabia se as suas imunidades estavam de exceção.
Quinze dias depois de terminada a última prorrogação, começa o parlamento a tratar do assunto, já no fim do mês decreta nova prorrogação e adia suas sessões.
Entretanto, continuava o governo a sustentar o estado de sítio, que ele não prorrogara nem a Assembleia decretara!
Quem é o responsável desse período?
A Assembleia assumiu-lhe a responsabilidade com o seu ato de prorrogação.
O executivo não pediu e deu disso a razão a lei de exceção; mas a Assembleia concedeu-a e pois é ela responsável pelos seus efeitos daqui em diante.
Suspende suas sessões não porque não pode funcionar durante o estado de sítio, visto havê-lo feito até o último de junho mas, para deixar toda a amplitude de ação ao poder executivo.
Conservar-se ao lado, testemunha [...]
CENAS – APREENSÕES
– Presos? Não; estão todos mortos!
– Não creio nisso.
– Olha, F. disse em casa e eu o acredito.
– Mas sabes que é um crime enorme, que é um atentado monstruoso, uma perversão de todos os sentimentos, uma responsabilidade, enfim, tremenda perante às leis, à religião, perante à sociedade... uma barbaridade sem nome, uma loucura estupenda, que não pode ser praticada, não acha quem a pratique numa sociedade civilizada. Não é possível.
– Pois, para mim, estão todos mortos.
– Ainda não creio. Dão-me essas notícias, constam diversos pormenores, citam as palavras dúbias de uns, as asserções de outros, a misteriosa confissão de alguns, narram circunstâncias delatoras, mais ainda me não apresentaram provas, e eu sem provas não acredito, tal é a repugnância do meu coração, tal a repulsa do meu espírito a tais perversidades.
– E, onde estão eles então? Para onde foram?
– Isso é a prova? Porque ignoramos onde estejam, seguem-se que foram mortos? Nas fortalezas, nas ilhas, aqui, fora daqui, a bordo; há mil modos e lugares onde em rigoroso segredo os conservam...
– E porque não aceitaram nem roupa nem qualquer objeto de uso para o preso? Por que lhe não consentiam prisão em terra? Para que respondiam a qualquer cuidado da família que "para onde ele ia, de nada carecia"?
– Mas é um jogo para conservar e avigorar o pânico proposital; o segredo absoluto é um plano...
– E os corpos que têm dado à praia, e as declarações de presos na Santa Cruz?
– Vamos; como foi a declaração?
A– Antônio Esteves, B– Lauro Muller, C– Raulino Horas, D– Gustavo Richard, E – Hercílio Luz, F– Francisco Tolentino.
Paula Ramos, Poeta Napoleão.
Coutinho, Genuíno, Margarida, Emilio Blum, Pereira Oliveira.
AGOSTO DE 1894 – ANHATOMIRIM
Na entrada da barra do norte, sobre uma pequena ilha, construíram antigamente os portugueses, um forte.
Bem escolhida a posição, era para aquele tempo um ponto de confiança: se os fogos se cruzam com uma trincheira na ponta da ilha de Santa Catarina; parecia de interesse conservar esse forte bem equipado.
Os longos anos de paz, ausência completa de movimento bélico no mar, fizeram esquecer e abandonar a fortaleza e a própria capela, em total ruína, apenas era visitada como o resto das obras e muralhas pela curiosidade de coisas antigas.
A revolução da Esquadra despertou a atenção do governo e uma ou duas peças ali foram arranjadas sem serventia.
Nas mãos dos revolucionários, a fortaleza foi objeto de cuidados e fortificou-se com alguns canhões modernos.
Veio enfim de novo o governo do Rio e um novo e nunca imaginado papel lhe foi reservado.
Ali se executavam as vítimas dos sicários da tirania.
Presos políticos mais ou menos implicados na Revolução, para ali eram conduzidos, de dia ou à noite, e sumiam-se para sempre, sem que transpirasse a notícia de como se dava esse desaparecimento.
Não foram poucos os que seguiram para a fortaleza, bem poucos, porém foram os que voltaram.
Aos ouvidos dos presos, nos cárceres da cidade, soava como sentença de morte, a ordem de embarcar para a Fortaleza.
Cemitério ou patíbulo?
Ninguém sabe!
O forte da ilha de Anhatomirim, chama-se Santa Cruz.
O que se passou naquela ilha durante alguns meses está envolto em tanto mistério, cheio de tantas narrações lúgubres, crivado de tantas dúvidas aterradoras, que ainda hoje evitam cautelosos as suas praias, ou trêmulos pisam seu terreno, os que a necessidade obriga a lá chegarem.
As sombras tumulares dos que ali foram mortos, morte afrontosa, vagueiam à noite sobre essas muralhas, ou nos blocos de pedras de suas praias.
Quando as lufadas quentes dos nordeste, ou o frio pampeiro não esbravece as escuras ondas, parece que, do seio dos mares no marulho da água no carcomido das rochas, soltam-se gemidos profundos, como estertor de quem morre.
E é nesse pedaço de terra abençoado pela invocação do sagrado símbolo do martírio de Golgotha que se mandou cometer tantos crimes?
Santa Cruz, Atalaia vigilante na entrada da majestosa baía, suas muralhas não serviram para afastar o inimigo, tua praça de guerra não ressoou com os brados entusiásticos dos soldados da liberdade, tua capela erma, despida de imagens a desmoronar-se, não teve um altar, uma prece sequer.
As muralhas, a praça, a própria capela, quem sabe? Só foram manchados pelo sangue de tantos assassinatos, só ouviram elevar pesado os últimos arrancos dos moribundos e dos beirais da capela as aves sinistras só viram o nefando sacrifício humano votado às paixões dos bárbaros sicários.
Pobre Ilha, a tua existência está para sempre infamada na memória dos homens, os crimes revoltantes que em teu seio foram praticados viverão eternamente – para eterno castigo dos assassinos.
Que sejam arrasadas essas muralhas que ao mar se lance quanto de arma ali houver, que nessa praça e por todo terreno, se abram covas, se erijam túmulos e se encostem lápides.
Que se reedifique a velha capela, se levantem altares.
E naquela ilha será o cemitério, onde cada carneira recolherá os restos que a justiça encontrar e será coberta pela lápide, condenará o nome que a piedade gravará com trêmula mão.
E dos braços dessa cruz cravado no céu do ático.
AGOSTO DE 1894 – COMEÇA O JOGO
Um jornal do sul dá Buette falecido em Santa Catarina.
Do Rio o jornal dá falecido de beribéri João Fausto. Faustino Alferes Olympia faleceu onde?
Esses e os outros foram aqui presos: é certo. Mas, que prova há disso? Onde pedir, e a quem, uma certidão?
Os que chegaram aos cárceres do Rio ainda poderão ter sido objeto de uma escritura falsa; mas os outros sobre os quais eles não possuem os dados indispensáveis?
Clemente, preso em ferros. Seguiu para Laguna a responder em júri.
Justiça militar – fuzila-se sem processo – põe-se a ferros – prende-se e solta-se sem dizer pelo que – dispõe-se da propriedade.
– Há ordens terminantes para prendê-lo; veja se o pega... Quer que o traga?
– Ele... há de resistir...
– E, se... resistir?
– Sabe a sua obrigação. Não deixe ferir praça nenhuma.
Procurou-se o fugitivo; uma vez foi visto, e – um tiro prostrou-o morto.
AGOSTO DE 1894
Villela saiu hoje (8 agosto) da prisão, pela segunda vez.
Por que foi preso?
Por que foi solto?
Em que reincidiu?
Que novo delito cometeu?
De que se deve coibir?
Esta prisão será um castigo?
Será um meio de afastar por alguns dias o indivíduo para deixar livre o campo o qualquer maquinação?
O mesmo, porém, se tem dado com os outros presos.
Examinando o procedimento havido para com os diversos presos, só se acha de invariável o tal mistério de causa da prisão e da soltura.
Nem mesmo a intervenção direta ou indireta, ou ainda suspeita na Revolução, é causa: pessoas rigorosamente alheias a todo aquele movimento têm sido presas.
O efeito moral sobre a opinião, causa não é, pois indivíduos sem a mínima importância na sociedade política foram presos.
Não é regra o modo de efetuar a prisão: ora, cheios de atenção, ora brutais e violando todas as leis da humanidade, os agentes, quase sempre os mesmos só mudando os soldados, prendem variadamente a mesma pessoa, se o fazem mais de uma vez.
AGOSTO DE 1894 – INQUÉRITO
Todos os visitados pelos oficiais da Companhia Francesa, ou os que com eles falavam, são logo presos pela polícia.
Um soldado de polícia seguiu sempre nos passeios pela cidade o Padre e os oficiais franceses.
Os presos foram interrogados pelo Chefe de Polícia e o depoimento tomado e assinado sem leitura permitida, nem feita.
Dias depois da chegada da Companhia inventou o Cônsul a fugida de Buette.
Nos depoimentos fazem incluir essa ideia de fugida. Foram chamados à polícia Lapagesse, Luiz Werner, M. Bridou, Bonassis.
Presos Chico Duarte, Zecca Pitanga, Eduardo Salles. Nos depoimentos não se escreve o que se diz, mas o que convém.
Imagina-se respostas, e a prisão apoia a insinuação.
Nt. – Quando Leopoldo E. estava preso, foram buscar duas malas pertencentes ao Engenheiro argentino Etienne, que os soldados levaram não se sabe para onde. – Etienne teve o destino de Buette.
Para contraditar as informações colhidas pelos franceses, arranja a Polícia aqueles depoimentos, arrancados sob pressão de prisão, escritos e não lidos à parte nem por ela lidos, mas assinados sob pena de[...]
20 DE AGOSTO DE 1894 – ILAÇÕES
Depois de estabelecida escandalosamente a ditadura constitucional, as coisas não têm marchado muito suavemente para o poder militar.
Transpirando fora daqui o conhecimento dos crimes aqui cometidos e começando a carregar-se a atmosfera do espírito público pelas mesmas causas e processos que acumulam nos céus as nuvens negras das grandes tempestades, a feição do parlamento foi mudando para com o executivo e acentuando-se uma certa oposição de caráter perigoso.
A criatura revolta-se contra o criador: é vulgar.
A discussão ao projeto prorrogando o estado de sítio, e o adiamento das sessões da Assembleia, obrigou a certos estudos e exames que não podiam deixar de ser desfavoráveis ao poder.
A situação do país em nada melhorava entretanto, pois a revolução não cedia terreno e a posição externa moralmente se arruinava a olhos vistos.
A pressão em que era forçoso conter todos os Estados não podia ser mantida no mesmo grau ainda por muito tempo: a todo o momento era de esperar qualquer explosão.
E, contudo, era indispensável conservar essa pressão sob pena de cair o poder militar afogado na anarquia.
A Assembleia chegava ao termo de suas sessões: uma prorrogação era inevitável pois nenhuma das leis de meios fora votadas.
A atenção era absorvida por aquele importante assunto, único que mais entende com a vida, a propriedade e a liberdade de todos.
Debaixo da máscara e das roupas de fantasia em que envolvem as figuras da segunda tirania, houve certamente alguma alteração nos homens.
Disfarçados avisos da imprensa, imprudentes insinuações da tribuna, revelam a luta, que parece manifestar-se no ocorrido com o decreto concedendo licença a um funcionário público e sobretudo com o decreto sobre o estado de sítio.
Observam-se e calculam suas forças os dois antagonistas: breve entrarão em combate.
Vejamos as posições.
A tirania não pode subsistir um só momento sem o estado de sítio; ela o sabe e já o disse.
Se lhe não cederem esse meio, entregará o poder. Mas nenhum dos três substitutos constitucionais o aceita: eles já o deram a conhecer.
Então, só resta o meio extremo: A Ditadura. O tirano a assumirá.
Os manifestos ao Exército e à Armada já estão prontos.
A tirania precisa agir, há de agir até 15 de novembro.
A hostilidade da Assembleia deixa patente que não lavrará novo Decreto sobre estado de sítio.
Tal decreto para aproveitar é preciso que seja dado até 31 do corrente.
As sessões, se não forem prorrogadas se encerram a 4 de setembro.
Logo, quatro dias sem estado de sítio.
Como resolver este conflito?
A ditadura!
Mas o ditador terá contra si os membros do parlamento, que será dissolvido.
Contará com o espírito público já cansado e agora irritado?
Contará com o Exército, então dividido pelo fato? Contará com a improvisada Armada brutalmente desmoralizada por ele?
O primeiro ditador pode resignar: como fará o segundo?
Só a Assembleia, curvando-se e obedecendo ao despotismo, despindo todo o brio e dignidade, salvará a tirania outorgando-lhe novo estado de sítio, e retirando-se a esconder sua vergonha no retiro das províncias.
Mas esta gente estará seriamente persuadida de que é coisa direita tudo o que se tem feito?
Dormirão descansados esses homens, em cuja consciência tumultuam os espectros de tantas mortes, visões de tantos crimes?
Julgarão eles que tudo está acabado, que a paz, a ordem, a tranquila satisfação estão abundando no seio da população?
Pensarão que só lhes cumpre cuidar nos trabalhos ordinários da vida comum, como em estado normal e louvável?
Há momentos em que nosso espírito é levado a considerá-los todos loucos; outras vezes hesitamos em tê-los por imbecis, estúpidos escravos, ou por membros exercitados de uma seita ou quadrilha que tem por fim o poder, culto ao cinismo, e meio todos os crimes.
Quando os vemos em faina, estufados na sua imprensa, se ocuparem com o conserto de uma ponte, com a mudança do nome de uma rua; quando os vemos repartirem entre si vanglórias e posições, e se enfatuarem em sua nulidade, como se alguém os respeitasse ou votasse consideração: e nisso tudo, esquecidos ou indiferentes ao estado do povo e da pátria – parecem-nos loucos.
Se os vemos, com um riso alvar, e a palidez da ignomínia nas faces, elogiar entre respeito e medo o tirano a quem servem: só nos parecem ignaros escravos.
Quando os encontramos de rosto contraído e frio, furtivos lampejos de olhar de hiena, nesse passo de ódio satisfeito, encolhendo os ombros diante dos mais atrozes crimes, disputando entre eles o poder dando à turba de suas bebidas e festas, mentindo a todos e a tudo e obedecendo e executando por si as crueldades dos chefes, com o descaro de lançar sobre eles a responsabilidade: nos sentimos revoltados como em presença de disfarçados sicários.
Esteja, pois, esta gente, ou não, persuadida de que tudo isto é direito, não resta dúvida de que se estão aproveitando de uma tal situação para a seu modo gozar e dela retirar a maior soma de proveito.
Depois,... que venha o dilúvio!
Tudo entrou em liquidação.
Não há princípios de lei nem de justiça – não há, pois, consciência.
Deve ser assim, há de ser assim, é assim. Retire-se quem não estiver por isso.
* – O ESTADO E A SUA AUTONOMIA
1ª– A antiga Província entregue em 89 como feudo a Antônio Esteves.
Domínio de Lauro Muller.
2ª– Governo de Machado: seu advento
Desenvolve-se o espírito democrático
Machado denuncia Floriano: a opinião pública acentua-se
Prepara-se a vingança do Centro: processo de Machado.
Rebenta a sedição; a tentativa de deposição de Elyseu é frustrada; o Centro volta atrás.
3ª– A revolução se apresenta por mar e por terra: o Estado aceita-a
Plena autonomia em plena revolução
Independência do Estado
4ª– Queda da Revolução
O Estado território – Governo Militar
Domínio de Hercílio: Oligarquia.
[Retirada do ditador
Novo Governo Republicano mensagem
Continua domínio Florianista
Parece fora de dúvida que o primeiro presidente civil não dará conta do recado, como o primeiro Presidente militar não o deu. Este caiu por haver assumido a ditadura, aquele não será derribado pela ditadura?
Mas, dissolveu o Congresso: o congresso não fará cair o outro?
Observando todas essas peças, mal acabadas e ao acaso mal misturadas, e as quais se pretende a força fazer funcionar, o que se encontra de seguro e estável?
A máquina, que se diz montada, atrasa, acelera, para, torna a agitar-se sempre irregular, sempre desorganizada: e enquanto a matéria-prima, os elementos que deviam alimentá-la acumulam-se, esperam, estragam-se e perdem-se de todo.
Ao produtor só resta: ou quebrar e mudar a máquina, se puder, ou não produzir mais!
O que é fato é que o Brasil entrou na fase das experiências, depois que foi rasgando o contrato da Monarquia.
Revolução Federalista: primeira forma: presidencialismo, primeira espécie: governo militar. Segunda espécie governo civil.
A continuar a República Federalista, teremos a Segunda forma; parlamentarismo, com as suas duas espécies.
Virá depois a República unitária, e toda essa louca série de ensaios, justificadas as teorias, em quanta variedade de doutrina a imaginação se apura no silêncio do gabinete dos sábios e filósofos.
Mas durante o curso dessas experiências, a todo momento pode sobrevir uma interrupção, que já se tem ensaiado: a ditadura.
SETEMBRO DE 1894
Suspenso o estado de sítio.
Começam as concessões do habeas corpus. A tirania no Senado e Câmara acentua-se em discursos violentos. Começam as narrações dos martírios dos presos. – Apresentam-se nas fronteiras do Sul as forças revolucionárias – Aqui, César prepara-se a entregar o cargo de Governador – Recrutamento.
OUTUBRO DE 1894
Governo de Hercílio, poder de César.
– Invasão dos Federalistas no Rio Grande. Jacobinismo escandaloso – Mais recrutamento aqui – Imprensa livre São Paulo.
Preparativos, festas Rio em novembro. Mensagem soldo militar. Cinismo destino presos fuzilados.
Floriano não deu ordem para fuzilar – diz estarem mortos cinco – não mandou fuzilar ninguém.
22 DE OUTUBRO DE 1894
Suplemento n° 8 do Tribuna do Povo, de São Paulo. Transcrição:
"O seu maior crime é o de ter inflamado a mocidade das escolas militares do Brasil, escolhendo dentre ela os seus carrascos e os executores de seus crimes...
Benjamim Constant corrompeu a inteligência da mocidade, ensinando-lhe a doutrina endeusadora da tirania que se chama positivismo; Floriano rematou a corrupção, transformando em agente das duas crueldades os alunos da Escola Militar...
E o novo congresso chegou já ao cúmulo da abjeção, aceitando o funcionar sob o estado de sítio...
O Partido Republicano Brasileiro não é só paupérrimo de capacidades políticas e administrativas: os seus escritores são de uma indigência intelectual, verdadeira lástima... O caráter dominante do republicanismo brasileiro, nascido do conluio do militarismo utilitário e do bacharelismo ignorante, é a sua antipatia à toda manifestação intelectual...
O sentimento dominante de todos os revoltosos, fossem quais fossem os intuitos de cada um, era o desejo de libertar o Brasil da tirania de Peixoto...
Haverá com certeza uma nova revolta, mas ninguém será capaz de adivinhar a nova forma que ela tomará...
A República vai, parece, criar uma outra Armada, ora os corpos coletivos não morrem. Um pessoal substitui o outro, mas o espírito de corpo subsiste sempre. Criada que seja a nova marinha, a sua aspiração invencível será a da desforra....
Se abstenha de criar uma nova Armada. Nesse caso, ficará o Brasil à mercê da República Argentina. Eis o dilema para a República: ou criar uma Armada que, mais tarde ou mais cedo, fará outra revolta, ou não criá-la e expor o país à certeza de uma derrota numa guerra estrangeira...
Há um ano e meio que os jornais anunciam as sucessivas vítimas do Rio Grande: onde estão os prisioneiros? ... Os federalistas aprisionaram... no Paraná muitos oficiais que andam passeando no Rio e São Paulo... Onde estão os federalistas aprisionados pelo governo?
No Rio são inúmeras as pessoas desaparecidas...
Os fuzilamentos clandestinos foram e são cotidianos.
Quem são os presos que enchem os calabouços do Rio de Janeiro? Por que foram presos? Quem são os seus juízes? Quando foram julgados? Quem foram os seus defensores? A que pena foram condenados?
Não – Peixoto não é o poder público punindo com severidade os inimigos das instituições.
O poder público deve ter a consciência e a responsabilidade de seus atos. O poder público pode brandir, à luz do sol, o gládio da justiça; o poder público não estrangula a vítima na treva e no silêncio. Peixoto não pune em nome da lei; vinga-se em nome dos seus instintos sanguinários.
Prudente, ou obedece ao militarismo ou é deposto por ele...
A política militarista de Floriano está ligada à sorte da República por tal modo que no Brasil não é possível republicano sem Floriano, ou pelo menos sem militarismo. A República para viver precisa de duas coisas.
Primeiro, suprimir toda a tentativa de oposição à sua política e até de exame de seus atos, segundo, pagar largamente, muito e em progressão crescente e contínua os militares que a sustentam."
(Entrevista de um dos redatores do Jornal do Comércio de Lisboa com Eduardo Prado.)
24 DE OUTUBRO DE 1894
O que será?
Há dois meses que não tenho podido nem pegar nas tiras destas minhas notas.
O coração ferido de tantas e tão profundas mágoas, o espírito entregue a um turbilhão de negras e revoltas ideias, impossível fora acompanhar sequer, o curso atropelado, monstruoso e disparatado de minhas impressões – A loucura deve ser assim.
Deixei passar a tormenta no seu primeiro período, e ao esforço continuado, readquiriu a vontade seu império, posto que não se apagassem as chamas do sentimento e da razão.
Encarar de face com tantos crimes, assistir a tantos atos de selvageria, ouvir a narração de horrorosas e brutais ações, e ver abafado, sufocado em torno qualquer grito, qualquer gemido, que a dor ou a indignação arrancasse: ver o tripudiar cínico dos bárbaros assassinos e escutar o lúgubre arfar do seio mal ferido da população, e não ter aqui, além, nem muito ao longe, um apoio, uma promessa, uma esperança de justiça: é horrível.
Com efeito, se os olhos úmidos de pranto volvem-se para um ou outro lado em busca de um remédio, de uma consolação ou pelo menos de um sinal da terminação desses males, nada encontravam de positivo que trouxesse a tranquilidade ao ânimo.
Os dois poderes mais respeitáveis da Nação se deixaram de tal forma solapar pelo terceiro, que impossível lhes é lutar.
O poder judiciário entregou-se nas mãos dos sátrapas nos Estados e do executivo no Centro: o supremo tribunal, tentando agora agir com sua natural independência, foi coagido a confessar-se, anulado e impotente para fazer justiça.
O poder legislativo causa pejo a alguns de seus membros que tentam despertar os brios e a dignidade do ramo mais sagrado e direto da soberania nacional; viciado na origem, sua queda foi tão funda que é absurda a ideia de soerguê-la.
O poder executivo absorveu os outros poderes: seu domínio é absoluto.
Ademais, já de há muito que a ditadura foi estabelecida.
Armada de força, nada poderá resistir à tirania, senão a força: de onde sairá esta?
Os Estados ou se entregaram estupidamente como os antigos africanos, convencidos de que foram criados para a escravidão, ou vergam ao jugo como na Sibéria, a viva força, sob pena de morte, ou finalmente, de um egoísmo sem nome, se enrolam na capa do mercantilismo – sórdido porto do progresso deste século – e encolhem os ombros a tudo, transigindo com a tirania para auferir-lhe as vantagens de seu interesse.
Um só atrai as vistas do povo sofredor; um só estado não dobrou ainda a nobre cerviz ao peso da tirania.
Contra toda a violência das armas, contra todas as legiões, os embustes, contra todo o poder desencadeado pelo ditador em quase dois anos, esses bravos sustentam a luta pela liberdade da pátria.
É para esse Estado, é para esses heroicos lutadores, que volta o povo seu olhar e seu ânimo.
Dos pampas sopram talvez tempestades temerosas mas, nas asas dos bulcões do sul, voa e reina a liberdade.
Mas, enquanto no campo das batalhas se joga a sorte de uma Nação, nos paços do déspota se executa uma negra conspiração contra a liberdade e soberania nacional : as trevas, o segredo, a máscara e o punhal, são as armas servidas nesta campanha sem nome e talvez sem exemplo.
Perto vem o dia em que deve descer do poder o ditador.
Se esse homem cruel e falso – qualidades únicas que manifestou na cadeia do supremo magistrado de um tão grande e importante país – se esse homem, que em tempos normais nunca teria pretendido um qualquer cargo, somenos administrativo, se ele ou os que com ele partilham o poder, resolveram investir da Presidência da República o novo eleito, esse fato fará tremer a alma de todos que cuidam nos destinos da Nação.
Anseia o povo por uma mudança externa; conta e espera anelante pela restituição de suas liberdades, de seus direitos e regalias; tem sede ardente de justiça.
Pois bem. Se o tirano entrega o cargo e não há a anistia completa, geral, absoluta – se o estado de sítio disfarçado subsiste servindo à todas as paixões, se pronta reparação não se faz a tantas selvagerias: se finalmente o tirano em tranquilo retiro for gozar do descanso e das coroas que ele próprio teceu – ao passo que o novo governo arruinado ao esquecimento das lutas passadas comece a administração, aceitando o princípio dos fatos condenados, como aberta uma época normal: se tal suceder, então deve ser perdida toda esperança.
Ai da Nação.
Mas não se trata simplesmente da Presidência da República, não se trata de uma ditadura qualquer, que pode ser transmitida, que pode ser extinta; o cargo pode passar, o poder porém, será entregue?
A ditadura é militar e seu poder está na espada, sua força nas armas.
A origem dessa força foi pela própria espada consagrada no pacto fundamental; só uma Constituinte poderá arrancá-la dali.
Que mundo de comoções violentas, que de sacrifícios, que de imprevistos acontecimentos todos pejados de ódio, de paixões desenfreadas, de crimes nefandos, não surgem ao pensamento ao imaginar só a luta que se vai travar entre o elemento civil e o militar.
O desconhecido é o plano da campanha, o ocioso é que há de dirigi-la: quem será vencedor?
Pobre Brasil, pobre povo?
Que sorte cruel te prepararam esses malvados insensatos, desvairados no espírito, empedernidos no coração – que, ao estalar uma revolta de quartel, tontos pelo efeito bestialmente gritavam pela República!
Bem caro te está custando, oh, povo, a tua bonomia, e quando cessará teu martírio?
Preza aos Céus que uma geração marque o prazo para tua liberdade!
25 DE OUTUBRO DE 1894
Pouco a pouco vai penetrando a luz nas misteriosas e lúgubres trevas em que foi envolvida a mísera Fortaleza de Santa Cruz; luz porém, fria, pálida e fumarenta como de brandões mortuários.
Cada feixe de luz alumia – não um túmulo – mas a terra revolta que mal cobre o cadáver apodrecido de um mártir: e quantas covas e quantos cadáveres não têm de ser, ainda, ali descobertos!
E como se essa hecatombe repugnante não bastasse, como se o sangue derramado não contentasse os assassinos, num requinte de maldade foram obter do tirano para prosseguir na destruição da Vila Maldita.
As brutais perseguições, até a caça nos matos, as prisões, as demissões, as extorsões de dinheiro, a pobreza e a miséria forçada, os ultrajes e ofensas e desrespeito; nada satisfaz essa turba ignara, escrava da tirania.
Recomeçam as perseguições – não já a ponta do sabre e coronha de espingarda – não mais com a violência do soldado: mas com a crueldade felina dos processos políticos, para matar aos poucos, lenta e continuadamente, ferindo sem cessar e rejubilando-se com as dores, com os sofrimentos que causarem.
Os processos vão começar para os infelizes que não foram fuzilados ou degolados.
14 DE NOVEMBRO DE 1894 – HERANÇA
Amanhã entrega o cargo de Presidente da República – o vice-presidente Floriano Peixoto.
Nada mais simples: esgotado o período, no dia marcado pela Lei, toma posse o novo eleito, e retira-se o que terminou seu tempo.
Para um, começa a árdua tarefa, a ingente luta, perigosa, tremenda que põe em ação todas as forças, todas as virtudes do homem público.
Para outro, cessam todas as responsabilidades, toda a pressão dos acontecimentos e dos homens que faz reagir toda a energia do poder.
O que entra vem ao lado do desconhecido, o que sai já não tem o que esconder.
Ambos, ao entrar para tão alto cargo, traziam uma pequena bagagem: não importa. Nestas formas novas, tudo é novo e os novos não têm passado.
O que vale é que, uma vez no poder, em muito pouco tempo arranjam uma bagagem incalculável: será das formas, será dos homens?
O passado político do novo Presidente curto e resumido: não tem escândalo na crônica denunciada até aqui.
O Vice-Presidente que deixa, trazia um passado cheio de sombras, que rasgaram de espaço sinistros clarões; era curto também esse passado, mas escandalizava.
Em regra o julgamento começa para o administrador depois que ele deixa o cargo: até aí a censura, a crítica apaixonada, a oposição.
Quando nada mais há a esperar, nada mais a temer, então o juiz é imparcial.
Para o Vice-Presidente, de amanhã por diante começa a análise que deixará os esclarecimentos apurados para a história. Floriano Peixoto vai assistir ao processo preparatório do seu julgamento como homem público.
Para isso, porém, para que desde já principie esse trabalho, é necessário que seu sucessor interrompa com braço vigoroso a marcha atual da administração.
Agora começam as interrogações ansiosas.
Deixará o presidente as coisas como elas estão? Impossível. Há incompatibilidades.
Floriano tem a grande maioria das Câmaras: tem um partido temeroso, o partido dos paletós, dirigido por Glicério; tem a nova Igreja, a Capela da humanidade sob as ordens do pontífice Miguel; tem o povo seu, aborto a que deu movimento, sem consciência, os jacobinos; tem finalmente, o Exército criado, assistido, educado e sustentado por ele, e que ele contém por meio de sua guarda de pessoa, sua quadrilha de confiança – os alunos.
O que há de fazer Prudente de tudo isto?
Floriano tem deposições armadas em três ou quatro Estados do Norte.
Essas deposições são um laço traiçoeiro: Floriano tomou os seus adversários e deu-lhes a força armada para derribar os governos amigos seus; que arrebente a bomba; ele já está longe.
O que pode fazer Prudente perante essas deposições?
Floriano tem a Revolução do Sul, refeita, ameaçadora, segura de sua vitória, – e a encenação completa de absoluta paz no sul, com a destruição total dos revoltosos.
O que há de fazer Prudente diante da Revolução?
Floriano tem um Exército, uma população de exilados, de foragidos, políticos em país estrangeiro: se os pegasse no Brasil consumia-os; são criminosos.
O que há de fazer Prudente desses exilados políticos?
Floriano tem nas fortalezas, nos cárceres, nos presídios milhares de presos ditos políticos a apodrecerem e sumir-se.
O que há de fazer Prudente desses míseros?
Floriano tem centenas de corpos sepultados uns; insepultos outros; estes em fundos abismos, no insondável oceano; aqueles – homens notáveis, considerados generais de terra e de mar, médicos, engenheiros, capitalistas, velhos, moços, chefes de numerosas famílias, ricos, pobres, políticos e estranhos à política, nacionais e estrangeiros – e ele, ou não sabe como e onde foram mortos, ou não o quer dizer, e as mães, as esposas, os filhos, os irmãos, os pais de todos esses homens aí andam perguntando onde estão eles.
O que há de fazer Prudente dessas famílias? Floriano é o governo da espada.
Floriano é a ditadura militar.
Prudente deixará o elemento militar no governo? Prudente será ditador?
Resumindo: Prudente encampará o governo de Floriano?
O novo engenheiro deixará que todas as peças do maquinismo fiquem colocadas e funcionem como se acham?
Finalmente, o que há de fazer Prudente do Marechal Floriano?
O que nos vai trazer o dia de amanhã?
Teremos a paz e a reparação, ou teremos a guerra e a destruição?
Uma ou outra, que venha – clara, positiva, franca. Senão, pior que tudo, pior que o extermínio das batalhas na guerra civil, teremos a traição.
A falsidade política, administrativa, a mentira oficial e pública, a tirania, o despotismo mascarado – e o domínio dos vícios, o poder da força armada, tudo continuará com os meios de que têm disposto, a aniquilar a Nação, a destruir a pátria.
De joelhos, as mãos postas em oração, espera o preso em sua masmorra, que lhe pronuncie sua sentença; a fronte perdida nas mãos, aguarda no banco dos réus o acusado, a palavra do juiz que vai decidir a sua sorte.
No Rio de Janeiro, o povo da capital, a orgulhosa população da maior cidade do Brasil, o grande e soberbo empório em festas esplêndidas, espetáculos, músicos, danças e banquetes, no meio das sedas, no ouro e nos brilhantes, ao estrugir dos foguetes, da mosquetaria das salvas da artilharia – dá vivas ao déspota que sai e saúda... o desconhecido que entra!
Panes et Circenses.
A República é dos novos.
15 DE NOVEMBRO DE 1894
O novo Presidente deve ter chamado hoje aqueles a quem incumbirá de organizar o ministério.
Consultas, combinações políticas, propostas e declarações se deve ter dado e se estarão dando ainda agora.
Pelos nomes convidados, pelo círculo que rodeia o novo Presidente, pela feição dos dois partidos das câmaras, pelo humor da reportagem da imprensa – já muito e muito se pode saber do que nos reserva a mudança do Presidente.
Aqui, porém neste Estado, ainda nas condições de Presídio em que nos achamos, nada sabemos até agora, nada saberemos tão cedo.
A imprensa está reduzida a um único jornal, nojento cartaz comprado para a mentira, o cinismo e o atrevimento: só noticia o que lhe faz conta e com licença ou ordem do governante.
O governo, filho da ditadura militar, Moreira César, educado nos mesmos princípios da faca e do fuzil, é delegado de Floriano, e vive sob o protetorado de César: nada dirá.
Quando, pois, viremos a saber o que deu ao país, a mudança de governo?
Completou hoje cinco anos a mudança da forma de governo no Brasil e ainda nada de bom devemos a República: pelo menos, em nosso Estado.
17 DE NOVEMBRO DE 1894 – MANIFESTO
Antigamente a fala do trono servia em geral para esconder o pensamento dos governos: eram por fim peças de mais febril banalidade, recebidos com indiferença e até com ridículo.
Mudou-lhe a República o nome, mas em nada melhorou o valor desses escritos oficiais.
As mensagens e os manifestos pretensiosamente recitados nem se prestam à análise quanto mais à discussão; incorretos e mal português, sem preceito de retórica não contém no fundo, ideia clara e positiva sobre nem um assunto.
No domínio da espada, a ditadura militar usou as bravatas e atrevidas asseverações da mentira e da hipérbole: era-lhe isso próprio e necessário.
Agora que sobe ao poder o primeiro representante do elemento civil o seu manifesto, esperado com ansiedade, nos sai uma antiga fala do trono, ambígua, vazia e banal, mesclada porém, com os caracteres da nova era: a mentira e as bravatas.
A ausência da gramática e da retórica nas palavras traçadas pela espada, não eram para notar a toga porém fazia esperar melhor estilo – será pela má companhia?
O espírito público havia posto diante do novo Presidente nossas quantas interrogações, cuja resposta daria ao povo ou a esperança e consolação, ou o desânimo e o desespero.
A norma de conduta seguida pelo governo passado estava bem conhecida e julgada por todo o país; daí os dois grupos em que se dividia a opinião, um a favor, outro contra essa conduta.
O novo Presidente não deixa perceber em seu Manifesto a que grupo se inclina, com quanto os louvores prodigalizados com ênfase a seu antecessor pareçam traduzir aprovação aos seus atos.
A nenhuma das interrogações responde, nem uma solução contém o seu Manifesto às urgentes e extraordinárias questões que comovem todo o país.
Não conhecemos a fala ou o que quer com que Floriano entregou o cargo a seu sucessor, nem ao menos sabemos se alguma coisa ele fez nessa ocasião.
Por consequência não estamos habilitados a julgar as qualidades políticas do Manifesto, que pudera ser calcado sobre aquela peça oficial como de bom conselho político fora no movimento.
Devemos então supor que o Manifesto é estranho a qualquer pensamento imposto pelos deveres públicos do cargo e recebê-lo como simples expressão das ideias e convicções do novo Presidente.
E deixaremos para mais tarde apreciar o seu valor político quando tivermos não só a fala com que recebemos rédeas do governo, como ainda a mensagem com que muito naturalmente se apresentou diante das Câmaras.
Por enquanto não podemos sufocar algumas reclamações que romperam bruscas a leitura do Manifesto de Prudente.
Há nele, sensivelmente demarcadas duas partes do discurso: a primeira que se refere ao estado do país e narra os acontecimentos importantes que agitaram quase todo o período do governo passado; a segunda, só se ocupa de fazer conhecidos os princípios e normas que pretende seguir.
Pois bem, na primeira parte sobressai a mentira; na segunda parte, o nariz de cera; vagos lugares comuns.
Vejamos.
Na primeira parte. Assume o poder em virtude da "resolução da soberania nacional soberanamente anunciada no escrutínio de 19 de março... "para corresponder à extraordinária prova de confiança – manifestada de modo inequívoco no pleito eleitoral mais estável da vida nacional".
A eleição de 19 de março nunca poderia exprimir a soberania nacional. O Estado do Rio Grande do Sul, onde Santa Catarina e Paraná, não fizeram eleição; a Capital da República e o Estado do Rio de Janeiro estavam em sítio, bem como diversas capitais dos Estados do Norte; as prisões estavam repletas, e elas haviam sido multiplicadas de homens da mais alta importância, influências políticas notáveis, e foragidos no estrangeiro se achavam chefes políticos que representam grande soma da opinião pública – e todo o país militarizado, militarmente ocupado, e sob ameaça dos tribunais militares: que soberania podia sair daí, a não ser a da espada?
Os três Estados do Sul, não deram um só voto para o Presidente da República: ele nos é imposto pelo centro; e a isto chamam autonomia, independência dos Estados, a isto chamam República federativa!
Melhor fora que o Sr. Presidente não tocasse nesse ponto: esse escrutínio foi um escândalo, se não foi um crime.
Ninguém hoje ignora a circunstância que deu lugar à essa eleição, votado o novo adiamento que será reproduzido até se precipitar na ditadura oficial.
O Estado de São Paulo sentia que em suas fronteiras se assentavam as tendas da Revolução. – O governo da espada estava condenado – a eleição embaraçava a ditadura – o candidato devia ser civil e de confiança, e a eleição se fez e o Presidente da República saiu de São Paulo.
O "pleito mais notável" é mais uma nódoa na vida nacional.
Adiante.
"O lustro de existência. "
18 DE NOVEMBRO DE 1894 – A POSSE – Entregou o tirano o poder
Entre festas e ruidosas pompas ressoaram hinos de glória ao déspota, e foi sagrada a ditadura pelas armas e pela corrupção dos áulicos.
Ali no centro, naquela cidade egoísta e mesquinha estrondava nas mais loucas e desvairadas manifestações de servilismo e faustosa vaidade, o completo esquecimento e desprezo pelo país inteiro que ainda vergava ao fogo da cruel tirania.
Reuniram, acumularam todos os pretextos, todas as sugestões para excitar um festivo entusiasmo, uma brilhante apoteose com que pretenderam glorificar o ditador ao qual no delírio da bajulação não poupou os delírios laudatórios.
Como se havia criado aquela falsa dedicação, aquela força bárbara, a custa do ouro e da mentira, assim se comprou a oração final desse reinado execrando.
Tremenda lição!
19, 20 DE NOVEMBRO DE 1894
Ei-nos ainda nas mesmas condições em que nos achávamos no dia 14 deste mês; nada nos vem significar que se efetuou a mais importante mudança que a República estabelece no seu regime – a mudança de Presidente.
O Manifesto publicado aqui, dois dias depois de lido na Assembleia, foi a única e inconsequente demonstração que nos coube até agora de um acontecimento ao qual o espírito público prendia, por todo o país, com a maior ansiedade, aspirações e sucessos inadiáveis.
A mesma pressão de ferrenho jugo, o mesmo abatimento, o mesmo segredo, a mesma condição de presídio, enfim, continua para nós sem que nada indique qualquer próxima alteração deste humilhante cativeiro.
Votado, pela ditadura, ao ostracismo, o povo catarinense ainda sente pisar o seu solo abjeto executor, e seus carrascos, dos assassinatos da tirania.
Ainda as vozes se abafam ao passar de algum soldado, tal o terror que a farda inspira.
Não há ainda garantia.
21 DE NOVEMBRO DE 1894 – DESENGANO
Começa o desengano.
As loucas esperanças que aguardavam da retirada do tirano uma notícia decisiva da sorte que haviam tido os infelizes presos de abril, vão se esvaecendo dia a dia.
As lágrimas já se juntam aos doídos soluços dessas mães que choram seus filhos, dessas esposas, desses filhos, que pranteiam seus maridos e seus pais: já o luto vai cobrindo essas tantas famílias e nas igrejas já vão as orações ressoando sentidas no oficio de defuntos.
Portas encostadas, encerrada a família, triste sinal de dor, lança na alma penoso sobressalto; naquela meia luz, naquelas meias- vozes, paira a fúnebre lembrança da morte.
Vamos. É preciso coragem; chegou o momento tantas vezes evitado, já foi dita a fatal nova...
Aquelas crianças vestidas de preto pálidas, em pranto, atiram-se em nossos braços e lembram entrecortados de soluços o nome de seu pai.
Seu pai!
Seu pai, repete a mísera viúva, ora de negro vestida no fundo do leito; seu pai que mataram, que não vi mais, que não cuidei, seu pai que nem ao menos se sabe onde ficou seu corpo!
As lágrimas embargam a voz.
O silêncio, silêncio atroz que ameaça estalar todas as fibras do coração, fala mais rápido, mais enérgico, mais vibrante tudo o que tamanha dor desperta na alma.
Encostando ao peito aquelas crianças, ouvindo o sussurro daquela respiração chorosa, sentindo todo o pungir do amargurado transe que oprimia todas aquelas criaturas – um lampejo de revolta me envolveu a mente.
Sicários!
Que não vejam esses malvados as cenas de desolação que promoveram!
Oh, que venha, que venha esse cruel matador; que chegue até essa porta por onde entra a desgraça.
Tomá-lo pela gola, empuxá-lo para o meio daquela cena e fazê-lo vergar-se, de joelhos, a cair-lhe sobre a cabeça no meio das sinistras imprecações da dor a tremenda maldição da viúva e dos órfãos naquele cruel momento!
E perguntar-lhe diante daquelas vítimas;
– Carrasco, que fizeste do esposo daquela viúva, do pai daqueles órfãos.
Caim, que fizeste do teu irmão?
DEZEMBRO DE 1894 – RUÍNAS
Há fatos que levam o desespero aos ânimos ainda os mais calmos e precavidos contra o desespero: o triste estado a que chegou este país atualmente é, com efeito, capaz de arrancar do peito qualquer vislumbre de esperança.
Será pois, impossível remediar a tantos males?
Terá de sucumbir a Nação aos repetidos golpes que lhe desfecha essa horda de especuladores que traiçoeiramente se apossam da sociedade brasileira?
Ou haverá um prazo para a reabilitação, mais ou menos próximo, mais ou menos difícil?
O que nos aguarda ainda no futuro?
Quantos desastres, quantos infortúnios que de ataques à liberdade, que de violências ao direito, ainda nos esperam?
Ainda nos estarão reservadas novas decepções, mais amargas contingências, maiores e mais vasto desmoronamento moral?
Quem sabe?
Por mais que o espírito inquieto examine, perscrute, estude, não logra discernir a menor base para assentar a esperança.
A paixão e o vício tudo minaram e corromperam.
Todas as camadas sociais foram contaminadas, todos os laços da união afrouxados, quebradas todas as molas: fé, crença, opinião e caráter ou honestidade pública vão se desfazendo apressadamente.
Como é triste viver em uma tal sociedade, como é doloroso ter nascido, fazer parte dela!
Ter nascido em um país livre, grandioso, florescente e respeitado e vê-lo esfacelar-se, cair e desmoralizar-se; assistir ano por ano, dia por dia a essa desorganização profunda, fatal, inconsciente dos grandes cataclismos sociais; que aflição!
A extinção do elemento servil foi uma revolução.
Para fazer-se, pôs a seu serviço todos os brios, talentos, nobres impulsos, todas as ideias generosas, enfim, que sempre desperta a sagrada palavra da liberdade.
Por outro lado, atacou todos os interesses, revolveu todas as camadas de onde se havia tirar aquela planta daninha. A perturbação foi imensa.
Tudo se deslocou, e daí abriu-se um vasto campo onde se podia plantar novas e estranhas semente.
Não foi assim porém, aproveitado o terreno.
De há mui longos anos, lenta e segura se propagava a grande crença da democracia, cujos princípios ainda eram servidos por espíritos graves e experimentados.
Veio aquela comoção, e os vícios, as ambições e todas as paixões, tendo-se adrede abrigado à sombra daquela propaganda, apoderaram-se da ideia, atirando para o lado todos os que lhe podiam embaraçar os planos.
Sem apoio no povo, foi para a classe militar que lançaram suas vistas e nela com efeito acharam fácil instrumento em mãos tão hábeis em manejar a intriga.
Tudo está claro e fixado, e haverá ainda lugar para o imprevisto?
Sob a tirania, no mais forte da luta com a Revolução, em nome de alguns Estados arranjou-se uma eleição de Presidente da República com o candidato imposto.
Terminado o período marcado, toma conta do governo o novo Presidente e faz seu todo o proceder do tirano e prossegue na mesma política.
Achou uma Assembleia (melhor é não macular essa memória), um Congresso que endeusando o despotismo de onde nasceram, aprovou todos os atos do governo passado, com ela viveu o novo Presidente como simples contemporizador.
No intervalo das sessões, tudo parecia remeter para o Congresso a abrir-se: chega o dia e sua mensagem declara ao país que nada será mudado no governo.
Eleito por imposição, impostos lhe foram as suas duas mensagens, imposto lhe é o traçado do governo.
Estacando no Senado a aprovação dos atos da ditadura, surge de novo, instrumento para nova imposição.
Fiquem de lado essas peripécias mais ou menos que prenderam a atenção pública durante este primeiro ano do governo chamado civil: são modos de viver variáveis segundo as circunstâncias e caráter de cada governador e observador, vêm de longe e mais de cima.
Qual é a situação do país?
Os triunfos em delírio conferidos ao ditador, firmaram porventura a segurança do princípio da autoridade?
As deposições continuam.
Têm as leis obtido o rigoroso cumprimento que lhes é devido?
Todos os atos que de face e violentamente as impingiram foram conservados.
A justiça tem acaso sido distribuída aos dela esbulhados pelo despotismo?
A indiferença ou a cínica mistificação deixam em abandono todo o direito (conculcado).
Finalmente, o novo Presidente fez efetivo o governo civil?
Pelo contrário: o elemento militar está pesando sobre o governo, não com a ostensiva arrogância da ditadura militar, porém com melhor vantagem pois lançou de si as responsabilidades.
O descrédito, a carestia, a falta de segurança, o desânimo estão minando em toda essa imensa população do Brasil, enquanto no estrangeiro, a mentira oficial não consegue senão enegrecer a situação do país.
E no sul, o governo civil manda sustentar a guerra.
E no Senado se vai aprovar a ditadura com todos os seus atos.
O que mais querer?
O futuro está claro.
Interrogue-se o espírito público.
Percorra-se friamente todos esses Estados: encontra-se em algum deles a opinião pública formada?
Que vida vivem esses simples departamentos do poder central?
O que é que os prende, não já uns aos outros, que em verdade não se prendem, mas todos ao Centro?
Em todos eles não se vê o mesmo desânimo, a mesma carestia, a falta de segurança, as mesmas características de União?
Qual tendência se pode descobrir nesses povos, hoje tão divididos, tão transformados pelas constantes perturbações, pelas incertezas, pelas dificuldades em que cada um se estorce, não lhe deixando asa para cuidar dos outros?
Não há opinião: o espírito público não se formou.
A angústia por toda parte, uma indecifrável ansiedade, prende o ânimo de cada um ao dia de hoje, não permite estender a vista ao dia de amanhã.
Em tais condições, só os vícios, a corrupção, o abatimento do nível moral pululam nas populações subjugadas e deturpadas pela escravidão.
Será daí, será desse meio que se poderá esperar tão cedo o germinar da paz, da tranquilidade, da prosperidade em suma, da felicidade do país?
Essas tentativas, embora cheias de digno esforço, esses brados postos que indigentes e heroicos, arrancados de generosos corações e repassados de grandioso amor da pátria aí ficou em vão, sem despertar mais do que efêmeras vibrações de alguma alma ainda não perdida na voragem.
Não; esperar o que?
No meio do naufrágio, o capitão de revólver em punho contém a tripulação em obediência para salvação comum: o navio se afunda ou espedaça... o revólver só tem seis balas, e os escaleres e os destroços contêm mais gente – quebrou-se a força.
12 DE DEZEMBRO DE 1894 – NOVO GOVERNO
O novo Presidente da República deixa por seus atos julgar que pretende manifestar inteira reprovação ao comportamento de seu antecessor.
Parece cuidar em persuadir, por obras que o governo passou as mãos de um poder civil.
Quer fazer acreditar que o militarismo vai acabar.
A feição política, nula em seu manifesto, vai-se lenta e levemente desenhando em sua administração.
Terá um plano concebido?
Qualquer que ele seja, não poderá eximir-se da influência fortuita das circunstâncias do momento.
Tal é o estado dos negócios públicos, tais são as perturbações políticas, as comoções sociais em quase todo o país, que nenhum programa de governo pode ser lançado de antemão.
A execução de qualquer movimento político ficará sempre sujeita às eventualidades que vão surgindo dos acontecimentos imprevistos em tão diversos pontos de uma sociedade (que se acha ainda em trabalho de organização) e cuja vida foi violentamente perturbada.
Parece entretanto que o novo governo tomou a resolução de não afrontar e bater de rijo os obstáculos que lhe deixou em pé, ou preparado a ditadura.
Evitando quanto possível os conflitos, contornando-se as passagens mais íngremes e difíceis, não se descuida de si cortando aonde pode, sem perder nenhum propício ensejo que se lhe proporciona de diminuir aquelas dificuldades.
Do mais feliz resultado foi o restabelecimento da liberdade de imprensa.
Aberta essa grande válvula por onde se escoa a demasia da opinião comprimida, as grandes comoções não terão lugar.
Franqueado esse terreno às lutas do espírito, os combates da força recuarão inúteis.
Erguida de novo essa majestosa tribuna todo o sofrimento.
O novo governo.
DEZEMBRO DE 1894 – JACOBINOS – PUBLICAÇÃO
"E nós aqui, quando veremos raiar a prometedora aurora de igual reivindicação?" [Ver Jornal República 30-10-94.]
Os Jacobinos, depois de alguns dias de silêncio, voltam de novo ao tablado de onde se mostram e falam ao público.
Pouco importa indagar se esses cínicos malfeitores ou porque andassem apavorados com receio de alguns golpes que a sua grei recebesse do alto ou por julgarem-se seguros, descansavam satisfeitos de suas obras.
Ei-los, pois, aí de volta: vede-os.
São sempre os mesmos!
Reparai suas vestes: a metade é vermelha de sangue, metade, o preto da morte. Nas mãos a espingarda, o punhal na cinta.
No rosto, a máscara do cinismo, um só para todos, a mesma forma em toda parte.
Caim foi um só; Judas tinha a mesma cara de Caim.
Têm os passos do chacal, o retraimento da hiena: só se mostram em bandos, como o lobo.
Não lhes pergunteis o que querem: o rugir daquelas feras não tem só uma significação?
Saciada a fome, dormitam com as pálpebras meio fechadas espreitando novo repasto.
Quantos são: De onde vêm? Quem sabe?
Das matas, do lodo, dos cemitérios, do escuro, onde nascem ou se escondem.
São muitos; ora mil, ora cem, ora três, ou um; quando atacam são muitos, quando atacados, somem-se.
A destruição dos cadáveres precisa dos vorazes carniceiros ou dos vermes na putrefação: a desorganização das sociedades tem o mesmo processo, é sempre a podridão.
Ei-los pois aí, os Jacobinos.
Em pouco tempo, pela terceira vez, agora soltam as suas palavras sinistras com a unção dos sanguinários sacerdotes nos templos da Índia pedindo sacrifícios. Querem mais vítimas: não estão saciados. Não ouvis? Eles gritam:
"Esses que aí andam pela cidade – os que arrastam uma existência penosa e triste – é preciso que desapareçam, porque a vida, a presença deles está afrontando a população.
Eles aí vivem e convivem na sociedade.
Eles aí caminham desembaraçados nas ruas e praças.
Eles aí trabalham para ganhar a subsistência de sua família.
Eles aí se reúnem em casa uns dos outros, à noite no descanso do trabalho.
Eles aí rumorejam pelas esquinas quando se encontram.
Eles à sombra de proteção que não se justifica, se acercam do poder e dos seus representantes.
Eles vão se insinuando no ânimo do povo complacente e generoso.
A sociedade catarinense anseia pela reivindicação de seus direitos, exige a reparação reclamada pelos patriotas."
O então, ouvis? Eles gritam assim.
Eles têm razão; os homens da noite de 31 de julho – o espingardeamento – têm razão os homens da noite de 21 de abril – o morticínio – é preciso ir adiante, ainda tudo não está acabado.
Aqueles que ainda ficaram por aí, aqueles que não foram mortos nem perseguidos, não fugiram nem se exilaram, são testemunhas perigosas e inoportunas.
Cada um que passa nas ruas tem no rosto, nos olhos, no som da voz, o aspecto, o olhar, a palavra da acusação implacável dos criminosos.
O crime tem necessidade de suprimir as testemunhas.
O assassino lança-se de punhal erguido sobre um transeunte.
– Que mal te fiz eu?
– Viste-me fazer mal. E mata-o.
É preciso que todos desapareçam.
Um que fique, é uma ameaça viva; ele contará aos filhos, contará ao estrangeiro a história nefanda daqueles crimes, e poderá dizer – eu vi – e é preciso que ninguém possa pronunciar essas duas palavras.
O ostracismo, a perseguição, os processos, a prisão, o terror forçarão ao absoluto silêncio ou à expatriação.
Nem uma raiz, nem uma semente deve subsistir. As coisas, como os homens, eram espectros ameaçadores.
Que tudo seja mudado, pois, para que essa memória se vá apagando e de todo se extingua.
Aquelas ruas, aquelas praças, os jardins, os edifícios, têm outros nomes que lembram os protetores do morticínio, aquela cidade infeliz entregue à noite aos massacres, foi entregue de dia, vil e servilmente ao padroado do déspota; as pedras daquelas ruas; manchadas de tanto sangue generoso, foram arrancadas. Aquele palácio, com os rombos das balas nas janelas e nas paredes, demolido. Aquela fortaleza onde tantas vítimas foram assassinadas, foi posta em obras para que tudo quanto um dia foi iluminado e aquecido pelo sol da liberdade, de tudo quanto viu um dia tanto crime horroroso nada ficasse.
Pois bem, ainda não basta.
Os Jacobinos querem mais: eles gritam.
Receiam porventura esses celerados algum poder superior?
Quem, o que lhes causa pavor?
Não o sabem, mas têm medo – as aves de rapina são desconfiadas – por isso eles guardam zelosos, esses soldados pedem que venham mais tropas, exigem mais perseguições, e conservam aqui a custa de todas as humilhações e subserviências esse preposto do Tirano, o executor sanguinário de tantos assassinatos.
Nada temem, estão seguros: mas, e não se podem separar do matador que lhes deu o poder.
E ele, o réprobo feroz, acabou sua faina cruenta, está tranquilo com os seus carrascos e não procura abandonar o matadeiro.
A providência das leis externas tem fenômenos estupendos: uma atração sinistra, um mistério fúnebre prende o assassino ao lugar do crime, à fossa onde sepultou sua vítima: há feras que escondem ciosas os cadáveres em que cevaram a fome e ficam girando em volta.
Vem de longe o tirano que mandou fazer o massacre, deu seu nome à terra ensanguentada da hecatombe e lá, vagueia por entre os cemitérios que fez entulhar de mortos.
O outro, aqui onde trucidou centenas de mártires, ronda zeloso os corpos que apodrecem escondidos.
Floriano não pode distanciar-se de Bagé, Sepetiba, Boqueirão.
César não pode afastar-se de Florianópolis.
Mariano vigia Santa Cruz.
Valério guardará a Barra do Sul.
E enquanto gritam torvos os jacobinos; não lhes devem sangue, embora o cárcere, as paredes negras da masmorra, a miséria, o desterro, tudo serve.
Enquanto essas figuras de encarnado e preto vão segregando ou atirando para estranhas plagas longínquas aqueles que viram.
É que vai crescendo a erva daninha e se enlaçam nas cruzes sobre o chão ainda revolto e mal sentado das coroas e das valas onde o crime soterrou as vítimas.
Mais sacrifícios!
DEZEMBRO DE 1894 – SAUDADES DA REVOLTA
[Publicação Apóstolo]
O Apóstolo em um de seus belos e enérgicos artigos verbera afeição asquerosa dos defensores da Ditadura – os quais não se pejam de patentear saudades do tempo da Revolta lembrando os lucros e até os roubos com que se locupletaram.
Bem dignos de aplauso são essas palavras do jornal católico e justas são as suas increpações àqueles especuladores.
Mas o Apóstolo estava no Rio de Janeiro – nessa grande capital do patriotismo e da legalidade – durante a Revolta, viu e sabe o que aí se acumulou de opressão, de falsidade e de crimes e pode portanto, amaldiçoar o tempo da Revolta e os que dela se lembram com saudade.
Lá, tinha o Apóstolo, a Revolta na baía e a tirania na cidade; eis sua razão.
Aqui, diremos a nosso turno, invertem-se os papéis, que invertidos foram de há muito.
Aqui, tínhamos a Revolta na cidade, e de longe surgiu ameaçador e sequioso de sangue o despotismo enraivecido.
A Revolta era a segurança, a proteção contra os crimes da tirania; sem ela, depois dela, era o martírio, o morticínio, a ruína que nos aguardava.
Diferença enorme.
Lá os desastres, os cárceres, a morte – a Ditadura. Aqui, a confiança, o direito, a liberdade, a Revolta. Daí as saudades da Revolta.
Quem aqui em nossa terra não as tem?
Quem não sente com os olhos quase rasos de lágrimas, saudades da Revolta?
Que catarinense, amante de sua pátria e voltado à liberdade não conserva bem vivas essas saudades?
Que homem de caráter honesto, de coração ainda não insensível, cheio de crenças, de nobreza d'alma e de sentimentos virtuosos não experimenta pungentes saudades daquele tempo?
A própria razão e a justiça e a verdade forçam ainda a fria indiferença a ter saudades da Revolta.
Nós, os catarinenses cobertos hoje de luto, transidos de dor, derramando amargurado pranto pelo assassinato de nossos irmãos, bendizemos aqueles curtos dias de felicidade que nos deu a Revolta.
Durante ela, aspiramos a longos tragos a aura benéfica da liberdade, sentíamos bater-nos o coração de generosos impulsos e o altivo entusiasmo do amor da pátria nos enchia a alma de inebriantes emoções.
O alegre arrebatamento de um povo que se sente livre e soberano derramava a satisfação e o orgulho sobre os filhos extremosos desta terra.
Quanta animação, quanto de vida, esperanças lisonjeiras de tranquila paz, quanto de imagens carinhosas de um futuro próspero e risonho não alentava o povo naqueles dias?
Oh, porque acabou a Revolução?
Ainda mal feridos pela atrocidade da noite de 31 de julho, ainda subjugados pelo brutal despotismo que nos roubara a liberdade e nos atirara inermes às violências de um assecla irresponsável – vimos surgir em nossas plagas como salvadora a falange da Revolta.
Os polacos de 31 tinham sido repelidos, mas havia ficado Serra Martins com os seus sequazes e o Ditador nos roubara Elyseu o eleito do povo e o conservava preso.
Declarado o estado de sítio, governava a espada e angustiados esperamos a cada instante os cruéis sofrimentos que padecia o Rio de Janeiro e que logo se desenvolveram no Paraná.
Foi então que partiu da Esquadra a Divisão Expedicionária do Sul.
Ela chega; capitulam os soldados da Ditadura e o Estado de Santa Catarina abraça ufano e com alegria a bandeira branca da Revolta.
Desde logo começaram os dias felizes aí, como foram poucos os dias ruins nos quais não sentíamos nos esmagar o pé arrogante do despotismo.
Éramos livres.
Acabaram-se os vexames, os insultos, as perseguições, acabaram-se as ameaças dos sicários, a iminência do massacre; e os ferozes monstros fugiram espavoridos, entregando-se uns, refalsados outros.
Respirava-se, enfim.
Todos os sentimentos comprimidos pela mão de ferro, expandiram-se alegres na pureza do seu primeiro voo.
Perigos, vinganças, castigos, quem nisso pensava?
A fraternidade, o perdão, a piedade santa irromperam brilhantes ao conhecer-se a mente, a palavra, as ações livres de uma vez.
Perigo?
Não os temeríamos já vendo os brios frescos do pampeiro desfraldar-se, o pavilhão branco no mastro dos heroicos República e Palias.
Vinganças?
Do peito nobre e generoso dos catarinenses não brotam paixões cruéis; só desprezo e compaixão desperta o vencido inimigo nessas almas grandes.
Castigos?
Aí voltava o império da Lei, e a calma justiça desafrontada da pressão do poder levaria a punição ao crime onde quer que o encontrasse.
Tudo mudara.
Naqueles dias felizes não havia o terror, porque essa revolta foi a vida, foi a luz depois das trevas, foi a ventura após a tormenta; abria-se a imensidade dos campos com suas florestas, com seus rios, com suas verdes serranias, depois das negras muralhas frias e úmidas do calabouço.
Como foi grandiosa a população nesses dias de glória!
As ruas, as praças, os cais eram sempre cheios de povo, a satisfação curva certa se fazia transbordar de todos os semblantes e de todos os grupos desprendia-se o entusiasmo, o valor e a dedicação.
Olhai esse tumultuar incessante, esse movimento ardente, essas aclamações, essas festas de improviso, essas músicas, toda essa multidão de homens, mulheres velhos e crianças; olhai esse mesclar de vestuários, de aspectos e de tez, tudo se agita, tudo se expressa, tudo trabalha.
Dos pampas do sul chegavam esses coortes cavalheirescos combatendo pela liberdade.
No mar os Vapores, as embarcações de toda a guerra, sulcam as ondas da baía, e abordam o cais e despejam na cidade milhares de bravos.
Em terra lidavam, de envolta, com os habitantes, esses gloriosos hóspedes de um dia, na sua passagem de vitórias.
Esses doirados, esses amarelos – fulvos sobre o azul-escuro, esses encarnados agoureiros não mais apareciam ali; misturando-se com a simplicidade do povo, andava o dólmen singelo dos salientes da Esquadra, andavam as variadas blusas, as bombachas dos heroicos gaúchos.
Não eram soldados, não eram tropas recrutadas sem fé, sem crença, que marchavam a combater sem única ideia sequer a não ser o soldo; a esses dava tudo o tirano armas, roupas, víveres e dinheiro.
Eram civis, eram legiões de voluntários, ardentes de fé, crentes no direito, que atiravam-se as pelejas com o entusiasmo do patriotismo com o amor da liberdade não tinham soldo, a eles todos davam tudo, o tirano só lhes dava a morte.
Era o povo que se erguia pujante e soberano, arrancando das garras do despotismo sua liberdade sagrada.
Era o povo que recebia a Esquadra e o Exército Libertador, era o povo que aceitava Revolta e se revoltava também.
O povo tem a sua intuição e a ciência das massas, tem a sua previdência e a sua razão.
A Revolta era a liberdade, ele a conheceu à primeira vista.
A Ditadura era o cárcere, o martírio, a morte, ele a anteviu.
Abraçou a Revolução e teve a Liberdade, depois veio a ditadura e ele pagou bem caro.
Mas o povo se tinha erguido pelos seus direitos e sua autonomia, e sua exaltação era nobre e justa. O entusiasmo é contagioso.
Com aqueles bravos do Sul partiram os nossos também, a engrossar essas fileiras populares levando consigo a gratidão e as benções da população.
Partiram esses briosos e valentes catarinenses e pela pátria, pela liberdade, pela defesa de seus lares e de seu sangue esqueciam todo o perigo de hoje, toda a ameaça de amanhã.
Ah, como foi portentosa a Revolta!
Naqueles dias as mães, as esposas, os irmãos, batendo-lhes o coração de elevado patriotismo, com suas mãos preparavam-lhes as roupas, com suas palavras exaltavam-lhes as virtudes, a esses batalhadores que partiam.
Com sacrossanta piedade, eles próprios desfiavam os fios e cortavam as ataduras para o curativo dos feridos, ao seio dos quais levavam a consolação de seu carinho e o conforto da sua fé.
E com a trêmula animação do jovem tudo bordavam em custosos lavores os brilhantes estandartes qual insígnias em legiões triunfantes nas suas campanhas generosas.
Quanto heroísmo, quanta majestade, dedicação (...)
E durante todo esse tempo, no meio de todo o tumultuar do forasteiro, atormentados de privações, trabalhados de todos os sacrifícios, que apenas chegavam hoje para partir amanhã e nunca mais volver, no meio dessas enormes circunvoluções de todas as classes, só reunidas pelo amor da liberdade e o patriotismo, nunca, jamais, num único distúrbio, um só ato de desrespeito ou de desacato, ou menos digno pode ser guardado de memória.
Era para admirar tanta ordem e segurança e respeito, como era para encantar tamanha satisfação e alegria no meio de uma população exaltada em foco abrasado de plena Revolução.
Oh, por que devia acabar a Revolta?
Mas, um dia, ela acabou! Acabou a Revolta e a liberdade.
Veio a Ditadura, veio o tirano, e nesse dia nefasto, ao retirar-se a Revolução, o povo sentiu que alguma coisa de enormemente lúgubre, de espantosamente cruel, ia tombar sobre a cidade.
A previdência do povo ia realizar-se.
Um desastre fortuito e estúpido nos entregava nas mãos do déspota.
No meio da noite, no silêncio da população, adormecida, derramou-se por todas as ruas o bando sinistro de possessos assalariados e começou logo a hedionda hecatombe que traz envolto em pesado luto toda essa malfadada região.
Ainda não cessaram essas lágrimas, essas dores profundas porque a viuvez e a orfandade não têm restituição.
Ainda não cessou o terror e a afronta, porque ainda passeiam soberbos e impunes entre as vítimas, os odiosos algozes.
Os bárbaros assassinatos, seguidos de roubos, as prisões acompanhadas de extorsão, os ultrajes, os insultos, as perseguições para lançar na pobreza e na miséria centenas de famílias, toda essa dolorosa notícia já corre desoladora para todos os Estados irmãos e por todas as Nações estrangeiras, foi a obra do Ditador entrando à noite na cidade inerme, abandonada, humilhada, sem uma resistência, sem um tiro.
A Revolta obrigada a retrair-se deixara indefesa a cidade, a tirania entrara então, segura da impunidade e covarde saciou-se de sangue.
Quando entrou a Revolta, não houve daquilo: veio a Ditadura, apareceu tudo isso.
Não aqui não foi a Revolta que fez as desgraças da pátria.
Não foi a Revolta que encheu as prisões e as solitárias, que carregou de ferros, que mutilou e lançou ao mar, degolou e fuzilou, transformando os cemitérios e as fortalezas em matadouros de homens.
Foi o poder constituído, foi o governo da espada, com quem estava a Nação, foram os bravos soldados e oficiais do Grande Marechal, foi a sentinela do tesouro, foi o excelso defensor da constituição, o invicto salvador da República, foi a legalidade.
Foi finalmente, porque a Revolta...
Junte agora o Apóstolo, os nomes, suas virtuosas orações por esses infelizes trucidados, una as nossas suas preces piedosas por essas desoladas mães e viúvas, por esses numerosos órfãos, e não mais maldiga a Revolta.
Tenha, antes, conosco "a coragem de escrever este atentado, esse crime de lesa legalidade".
Oh, quantas saudades da Revolta!
18 DE JANEIRO DE 1895
Enviou-nos uma amiga nossa o escrito junto que nos parece apreciara essa redação, visto dizer-lhe respeito.
Foi essa página obtida pela íntima amizade de um exilado brasileiro, há poucos dias chegado de Montevidéu, onde pretende publicar seu livro sobre a Revolução de 93-94.
A missão nobre e humanitária, de verdadeira virtude cristã, em que vos haveis empenhado para conforto de tantas vítimas, para esperança de tantos infelizes e reparação de tanta injustiça e perseguições, nos anima a nós, obscuros e humildes católicos a levar ao vosso conhecimento mais uma das armas com que a odiosa legalidade feriu este pobre Estado em beneficio dos seus seguidores.
Apenas chegado aqui o Sr. Moreira César, Governador Militar, de acordo com a Comissão Executiva, foi demitindo bruscamente quase todos os funcionários e empregados públicos de diversas Repartições, quaisquer que fossem suas habilitações, zelo, prática, anos de serviço, sem mais outro motivo senão a suposta cor política.
Atirando-lhes oficialmente como lábia a sanha absurda e ridícula de traidores a República, proibiu-lhes a entrada em todas as repartições públicas, e negando-lhes os pagamentos atrasados sem esquecer-se de fazê-los prender como se fossem criminosos.
De sobre isto ainda foi-lhes anulado o Montepio, perdendo assim as prestações até então feitas!
Fácil é imaginar o quadro que apresentou então a cidade, onde junto a tantas desgraças que então se davam caiam subitamente nos maiores embaraços de subsistência, na mais apertada pobreza, centenas de famílias.
Esta calamidade, Sr. Redator, não atingiu somente a essa importante classe da população: o Serviço Público do Estado e muito especialmente o da Fazenda Geral, foi desastradamente atacado.
Retirados aqueles empregados serventuários de dez, vinte e até 30 anos de exercício, foram de atropelo substituídos por um pessoal completamente inabilitado, sem concurso, sem foi qualidade alguma legal.
As repartições públicas têm desde então oferecido um espetáculo que causa lástima e que revolta; a desorganização do serviço é completo.
A Alfândega, por exemplo, está reduzida a um caos. A mais cabal ignorância da escrituração de Fazenda, a ausência total do conhecimento, no trabalho complicado e difícil dessa Repartição, fazem com que protelem, adiem, neguem por fim objetos de simples expedientes, chegando a ponto de não saberem processar um documento, seja de receita, seja de despesa!
A escrituração da Caixa Econômica, a do Montepio, a da própria Caixa Geral, estão por tal forma encalacradas que se pode afoitamente asseverar que nunca mais será posta em regra, sem o recurso de um belo dia trancar tudo e começar de novo.
Como poderiam, portanto, dar conta desses trabalhos importantes que incumbem indispensavelmente a esta repartição, tais como os balanços mensais, balanços definitivos, orçamentos e outros mapas estatísticos, etc, etc?
Tudo isso está parado e as Estações Fiscais Centrais, a reclamar, a exigir semelhantes documentos, verdadeiros títulos da gestão dos dinheiros públicos.
Já há meses, o Primeiro Escriturário, que servia de Inspetor, viu-se forçado a declarar que deixava de satisfazer a exigência do Ministro da Fazenda do Governo da Legalidade, por não ter pessoal habilitado; o próprio Paiz não hesitou em estampar logo essa notícia em suas colunas.
Digamos, por fim, que a primeira repartição fiscal do Estado não tem tesoureiro, servindo esse cargo qualquer empregado designado pelo Inspetor, embora nada entenda daquele serviço e sem a mínima caução ou responsabilidade: o que serve atualmente é quase analfabeto!
Tal é o estado deplorável do funcionalismo público em Santa Catarina, enquanto aí ficarem desaproveitados esses sem número de empregados zelosos, cumpridores de seus deveres, devidamente habilitados e com longa prática, e finalmente, com todos os direitos adquiridos.
Nenhuma lei, nenhum código autorizava entretanto essas demissões a que bem se podia qualificar de revolucionária.
Mas não terá tudo isso remédio na mesma Lei e na Justiça, de que o Sr. Presidente da República se fez, o defensor extremado, não achará recurso na razão e no direito, esse descalabro do serviço público com tamanho prejuízo da Fazenda?
Parece-nos, Sr. Redator, que para sanar todo esse mal, bastará que se cumpra escrupulosamente a Lei. Poderemos esperar isso?
Um Católico.
DEZEMBRO DE 1894 – INVISÍVEL
Por que não se deixa ver? No mês último do seu domínio, o ditador mandou anunciar que havia ordenado estrondosas festas para solenizar a sua retirada e a entrada do novo Presidente no governo.
Diversos motivos de festejos ele os acumulou, como procurando excitar o ânimo do povo, dar posto às vaidades e provocar as manifestações públicas.
Ele próprio traçou e ordenou oficialmente o programa pomposo dessas festas, os festejos deslumbrantes – que vai custar centenas de contos de réis – e marcou a cada figura o seu papel, e como era muito natural cabia-lhe um lugar bem saliente nelas.
O vulto desse marechal que teve tantos epítetos, posto que mudados a cada passo, certamente porque nenhum lhe assentava o vulto desse homem que tão violento e tremendo poder ostentava, devia sobressair em todas essas cerimônias públicas, e em muitas até era ele indispensável por ser a única presença reclamada.
Alguma coisa porém, de extraordinário existe nesse ente cujo aspecto é tão cuidadosamente sonegado ao público.
Defeito físico?
Ninguém o supõe.
Moléstia... Nunca foi justificada nem dada a conhecer.
Deliberação, intento, resolução calculada adrede, e sustentada com persistência.
É o que se manifesta claramente no proceder estranho desse homem colocado na primeira posição do país.
Qual o motivo, e com que fim, não se pode ainda saber.
O que é fato é que desde o começo das relações de novo estabelecidas entre este Estado e o Rio de Janeiro, nunca tivemos notícias de haver o ditador comparecido em ato algum público.
É verdade que se diz que durante as hostilidades da Esquadra no porto, o Marechal percorrera diversas vezes as fortificações nas praias, e que até fora visto, a pé e sem séquito, passear nas ruas da Capital.
Mas também ouvimos de muitos oficiais a seu serviço, que quer naquele tempo, quer depois, receberam sempre as ordens e entenderam-se somente com os ministros e quartel-general, sem nunca lograrem avistar o marechal.
Não no viram os amigos e aduladores que o foram cortejar em sua festa; deixou-lhes em uma carta a resposta ao esperado discurso.
Não o viu, o almirante que desembarcava no meio de triunfos levando-lhe a vitória sobre um navio abandonado.
Não no viram as suas tropas luzidas na grande revista militar.
Não o viu a comissão estrangeira que levava aos bravos da campanha paraguaia, a troca de suas medalhas.
Não no viram os que lhe reservavam a cerimônia de lançamento da pedra fundamental do monumento a Alencar.
[Chegou o Gonçalves – nada. Manifestação dia de anos – nada carta. Revista Militar – nada. Chegada Comissão medalha – nada. Pedra da estátua – nada. Inauguração outra estátua – nada. Visita da Comissão de Medalha – nada. Festa 1594 – nada. Juramento Prudente – nada. Posse Itamarati – nada. Quartel General – nada. Padrinho Casamento – ?]
Não o viu a inauguração da estátua de Osório. Não o viu a Comissão Platina ao despedir-se.
Não o viu o povo, nem o Congresso ao prestar o juramento ao Presidente eleito.
Não o viram nem o corpo diplomático, nem os ministros, nem o novo Presidente da República que dele ia receber o poder.
Não o viu finalmente, o Quartel General, a quem se devia apresentar pronto para o serviço do Exército.
Não o viu ninguém: não o viu a Nação – que estava com ele!
Por que não se deixou ver o ditador, por que não se deixa ver o invicto Marechal?
Não tinha, o poderoso ditador, o apoio, a dedicação extrema dos exaltados patriotas que o defendiam?
Não tem o benemérito Marechal, o supersticioso zelo de seus soldados, a expressão cega dos seus alunos?
Não tem esse homem extraordinário, o culto da grei positivista e a proteção do Pontífice?
Não tem esse patriota brasileiro o auxílio e amparo exaltado desesperado dos possessos jacobinos? Não está com ele a Nação?
Por que se esconde esse homem?
Vamos, Marechal – o grande, em público! Mostrai-vos, tendes o dever de fazê-lo: toda a Nação tem o direito de vos ver.
Vesti a vossa farda de oficial General do Exército brasileiro, toda dourada, bordada, ornai o vosso peito com essas variadas e brilhantes condecorações que vos deu o imperador quando servíeis a Monarquia, cingi essa espada de ouro que acabam de dar-vos os amigos da República, e acenai às janelas do Palácio que acabais de comprar, porque o povo – esse povo – em nome de quem tudo fizestes, esse povo que nunca vos avistou, vos veja agora finalmente.
Mas, cuidado, invicto Marechal, calçai bem as luvas de pelica, porque as vossas mãos ainda estão tintas de sangue.
Desmanchai essas rugas da fronte, disfarçai, se podeis, essa contração de vossas faces de cobre, daí alguma expressão a vosso olhar, – e encarai com a multidão.
Procurais os vossos soldados, os vossos alunos, procurais a vossa gente dedicada?
Hesitais em aparecer, por quê?
Os soldados obedecem a outras vozes, os alunos já voltaram aos bancos da escola?
Mas, resta-vos o pontífice e a sua grei de positivos, resta-vos os jacobinos: o que temeis?
Ah, aquela multidão é a do povo – povo de verdade – no meio dela se distingue bem as vestes e togas dos juízes e as vestes negras dos padres.
Naquela multidão há pais que fremem, viúvas que soluçam, órfãos que pranteiam.
Naquela multidão, há a pobreza que esmola, a miséria que se estorce faminta.
Naquela multidão, estão as vítimas do ditador, que clama vingança, estão os juízes que o vão condenar, estão os padres que vão anatematizá-lo.
Naquela multidão está o povo, soberano e justo, o povo insultado, violentado, assassinado, e todo esse povo solta um único grito, o brado pavoroso da multidão.
Para trás Marechal Vermelho, para trás.
Não afronteis o povo!
Para trás, não apareçais; o vosso processo está se fazendo; o julgamento da história já começou.
A Nação vos repudia.
DEZEMBRO DE 1894 – CÉSAR QUE MATA
Quando naquela noite aziaga desembarcou aqui a força que trazia o vapor Itaipu -, já devia estar previsto o massacre que ia ter lugar: a cohorte dos bravos alunos, guarda dileta do tirano, havia durante os dois dias anteriores, com os seus desatinos, anunciado por toda a Cidade aquela hecatombe.
[Entretanto a segurança garantida pelo governo aclamado em palácio espalhou na cidade uma certa tranquilidade, que não tardou em trazer-nos as mais fatais consequências, com a chegada daquela força.]
Traiçoeiro como todos os covardes, o seu comandante entrou à meia noite em Palácio e aí começou a realizar a comissão que lhe fora dada.
Presos o governador e outros funcionários, a sua súbita entrada, desde logo sem detença, em todos os pontos da Cidade se efetuaram numerosíssimas prisões, sendo assaltadas e invadidas as casas no resto daquela mesma noite.
[O raiar do dia só trouxe uma mudança: esses horrores que se praticaram nas sombras da noite e que prosseguiram de dia, foram conhecidos por todos e espalharam o pavor na população.]
Esgotada mais a paina na cidade, veio a caça pelos arrabaldes, pelas freguesias, pelas matas.
Encheu-se de presos tudo o que podia servir de prisão.
Os calabouços e solitárias da cadeia comum, as salas da Câmara, o Quartel de Polícia, o de linha e até o teatro, tudo foi pouco e foi preciso remover por boiada aos navios de guerra os presos à medida que se enchia uma prisão para dar lugar aos que chegavam.
Esses que embarcavam levavam destino de Santa Cruz: deles bem poucos voltavam (...) os outros, o maior número, nunca mais regressou dessa viagem, porque uns lá não chegaram e muitos ali jazem para sempre.
O terror, essas inauditas barbaridades multiplicadas e cada dia variadas abateu todos os ânimos e a cidade tomou o aspecto de uma população devastada por mortífera peste.
Porque isso durou meses.
O silêncio, o recolhimento, o andar soturno dos habitantes horrorizados, faziam contraste lúgubre com a algazarra e desmando, com as petulantes maneiras e sinistras ameaças dos selvagens soldados que enchiam as ruas e praças.
Quem decretará tão tremendo castigo a esta pobre terra? Que importa agora sabê-lo?
Basta conhecer o executor e os algozes.
O tirano cruel já ai vai marcado com o ferrete da maldição de um povo inteiro.
Comandante das forças e governador militar, o bárbaro chefe dessa quadrilha era um brasileiro, homem maduro, um oficial, coronel do Exército nacional: chamava-se César.
César! A história tem dessas irrazões.
César, um homem nulo, figura mesquinha, organismo degenerado, ignorante e refalsado!
César, um cínico traidor!
César, um covarde!
Pois bem, sim, tem o nome de César, esse ente abjeto que entregou o que havia de melhor na nossa população nas mãos assassinas dos seus sicários.
Prenderam, fuzilaram, degolaram, lançaram ao mar inúmeros pais e filhos de família, cidadãos brasileiros e estrangeiros, os soldados da horda de César.
Vilões, que bem depressa foram calcados aos pés por esse mesmo César que enchiam de glórias e que os açoitava.
Escravos, que cedo vergaram humildes e rasteiros ante o feitor que os ameaçava de morte, e os esbofeteava em público.
Miseráveis, que tudo sofreram e sofreu para que lhes deem sem trabalho, um pedaço de pão e um enfeite dourado.
[Nada respeitaram nem a idade, a posição nem a intimidade sagrada do lar: tudo afrontaram, tudo insultaram.
E houve aqui um bando – imprudente que sem pejo, com a coragem da imbecilidade e malvadez, cobriu de louvores a César.]
Careciam de um César, tiveram César.
Para essa gente ignóbil, aquele governo réprobo. Ei-lo aí.
Sua história é curta.
Saiu dos bancos da escola? Não parece. Pouco trouxe dali.
Nunca entrou em combate. Subiu os postos em comissões de beleguim.
Corre que fez figura no assassinato de Apulchro de Castro. Era sina.
Como o soldado traz polida a carabina e o bandido, afiado seu punhal, ele traz brilhante de luxo e perfumado o seu batalhão.
Ele zela e defende os seus soldados porque os teme e porque deles precisa.
Não tem família, a natureza foi previdente com esse monstro.
Quando chegou, meteu-se em Palácio e ninguém mais o viu; com ele moravam seus ajudantes, soldados o serviam.
Espalhou-se entretanto que por muito tempo ele ia dormir a bordo de algum vapor; o que é fato é que foi visto a embarcar tarde da noite, e alguma vez desembarcar ao alvorecer; seria medo?
Com ele residia em Palácio, um tenente que trouxera para Chefe de Polícia.
Floriano cercava os seus prepostos que raras vezes passavam de postos baixos, de subalternos alferes e simples cadetes, quase sempre tirados de seus bravos alunos.
César, o coronel, tinha como Chefe de Polícia um tenente, Bellerofonte, e por secretário e ajudantes de ordens quatro ou cinco alferes.
Quem era esse Bellerofonte?
Perguntai isso em Pernambuco: qual foi o único oficial que, recusando-se todos os outros a comandar a escolta que devia fuzilar o sargento Silvino, se ofereceu a fazê-lo e de volta da execução trazia a fronte erguida e ar satisfeito, quando os soldados tristes caminhavam abatidos e pesarosos.
Era acaso, ou propósito a união destes dois homens?
Se César foi assistir ou mandar a voz de fogo em algum fuzilamento, o fez em tanto segredo que ainda não transpirou.
O tenente porém não o escondeu; de dia as 4 para 5 horas da tarde, foi ao cemitério público, para onde mandou em carro ao lado de praças armados, um mísero grumete, e junto da cova que lhe foi cavada o fez passar pelas armas.
É notável.
Os tiros das espingardas confundiram-se naquela tarde com os estrondos dos foguetes que então festejavam a chegada de Paula Ramos!
Beleza a consignar.
Esse grumete era um cadete do Exército fazendo parte da guarnição do vapor conforme estabelecera Floriano no seu empenho de trazer presa e vigiada toda a armada na qual ele nada confiava.
Pois bem, dada uma queixa desse moço à autoridade judiciária, esta mandou proceder a ata de corpo de delito no paciente, o que foi feito por peritos médicos.
Ainda não era assinado aquele ato, recolhido o acusado à Cadeia, cerca de duas horas depois, parou à porta deste um carro, trazendo praça armada e na boleia um soldado com o respectivo fuzil.
Foi embarcado o moço e o carro partiu para o cemitério, onde temeroso de sua sorte se recusava o moço de entrar, sendo levado aos empurrões e à força.
Ali se achava o Chefe de Polícia, ele mandou amarrar o moço em uma árvore e postados os soldados, quase à queima roupa, o fuzilaram e o arrastaram à cova já para isso aberta.
No outro dia foi passado a limpo o termo de corpo de delito, assinado e guardado no cartório, como coisa já inútil.
Constou-se que saindo do cartório logo que foi concluído o exame, o Chefe fora a Palácio e de lá voltando ordenara a cena que terminou com a morte do moço.
Mais tarde correu que César, ouvindo algumas reflexões sobre o caso, dissera que o Chefe lhe tinha pintado o caso tão atroz que ele mandara fazer justiça sumária.
Aí está, como nesses dias de terror arranca-se das mãos da justiça em cujo poder já se achava um indigitado criminoso, e deixando cortado o procedimento judiciário se executa sumariamente um indiciado sem suficiente formação de culpa, em crime puramente civil e todo particular.
E por fim, o crime não foi consumado nem pena grave lhe impunha o código.
Tal era o braço direito de César.
Este não aparecia, vivia encerrado em Palácio, enquanto o Chefe fazia-se relacionado com uma ou outra família da cidade.
Mais alguns traços para esboçar [ ...]
Este celerado coberto com a farda do Exército brasileiro e o deixaremos em descanso no túmulo aonde o lançou, talvez à mão de outro celerado.
As lágrimas e os gemidos das viúvas e dos órfãos lhe servirão de repouso.
Ver Tribuna do Povo, Santos, São Paulo, ano 1, n° – 12 outubro-94: "A tirania no Brasil – Um capítulo pelas nações civilizadas – Horríveis crimes de Peixoto – Revelações do D. Seabra.
Ver Tribuna do Povo 8 – outubro – 94 n°8
"Plácido de Abreu" – Carta do Lara.
Ver Tribuna do Povo
17 – setembro – 94 – n°5
"Como morreu o Sargento Silvino".
Ver A Plateia
São Paulo – 12 outubro – 94 – n° 1010
"Será verdade?"
Ver Correio da Tarde – Rio de Janeiro.
"O General Quadros apresentou ao Governo 1500 processos de pessoas implicadas na Revolução do Paraná" – Telegrama do Rio para Fanfulla – São Paulo n° 11.
Dezembro Dia 10.
"O Senado aprovou a proposta do Barão Ladario que pede ao Governo informações sobre o número e os nomes dos cidadãos fuzilados no Paraná e Santa Catarina durante a Revolta" – Telegrama do Rio para Fanfulla de 13 – Dezembro – Em telegrama de 14 diz crer que o governo não dará as explicações das testemunhas.
Consta que estão em viagem para o Rio alguns oficiais superiores da Armada revoltosa compreendidos dois almirantes. Serão presos apenas desembarcados – Telegrama 16 – Dezembro para Fanfulla.
Os aspirantes da Marinha que são aqui esperados nestes dias serão enviados prisioneiros para bordo dos navios de guerra ancorados neste porto – Telegrama Rio. 18 –Dezembro – Fanfulla.
DEZEMBRO DE 1894 – PERDÃO?
Está salva a República!
Não, não foi salva a República, o que se salvou foi o tirano, foi o ditador.
Ele é que levantou a opinião, ele fez nascer a Revolução, ele é que foi ameaçado, só ele correu perigo – e pois, só ele foi salvo.
Dos campos onde armavam suas tendas, as hostes revolucionárias das Cidades e povoados onde se respirou a liberdade, dos bordos desses lendários senhores dos mares, de toda parte onde a revolução chegou, o grito, o brado, a imprecação única, altiva, poderosa e tremenda era a queda do tirano, a extinção da liberdade.
Dos batalhões recrutados da ditadura, das fortalezas, das trincheiras, de onde quer que o poder atacava os defensores da liberdade, um só rugido se percebia – a defesa do tirano, a conservação do poder.
Era a tirania, era a ditadura que se combatia.
Era o despotismo que levantava essas legiões ardentes de entusiasmo a sacudirem o jugo desse poder destruidor.
Não perigou a República.
Não foi atacado o regime.
A salvação da República foi uma mentira necessária.
Necessária durante a Revolução, necessária no último período da ditadura.
[Porque justificar os excessos
Para armar dos ingênuos.
Para representar-se no estrangeiro.
Para encenação das últimas mentiras.
A revolução não tinha acabado.
A revolução não acabou.
Se ela atacava a República, esta ainda não está salva porque a Revolução continua.
Mas o déspota viu-se livre do perigo imediato e deu a revolução por finda, viu-se seguro ao deixar o poder, e deu a República por salva.
Mas tem razão – a República era o ditador, a República era o Vice-Presidente, a República era o Marechal Vermelho, a República era Floriano Peixoto.
Perguntou a este ou aquele porque combateram?
Os outros faziam um ofício, uma empreitada, uma encomenda.]
DEZEMBRO DE 1894 – ÂNIMO
Repetidas vezes tenho tentado ocupar-me com os funestos acontecimentos daqueles lutuosos dias de abril e maio em nossa terra.
A violência das dores, a impetuosidade dos sentimentos de indignação e revolta de tão amargurados momentos, tolhe na palavra a expressão, na mente o turbilhão de ideias despedaça a calma e ameaça desvairar a razão.
Ainda sangramos em demasia essas feridas, para que a mão fria e impiedosa da justiça histórica venha revolver sequer ao menos o simples instrumento de exploração.
Ainda o coração fala muito alto para que se deixe ouvir a voz tranquila da razão.
Em verdade.
Como relembrar essas cenas lúgubres e aterradoras, como evocar esses cadáveres ensanguentados das vítimas do assassínio e do roubo, como reviver as transes angustiosas da viuvez e da orfandade e com o espírito sereno analisar, estudar e processar esse repugnante acervo de crimes e atos odiosos?
Entretanto, força é fazê-lo.
É preciso recalcar para bem fundo do coração aquelas dores, enxugar bem o pranto dos olhos, refrear toda a paixão e pedir à razão toda a frieza e calma do espírito para esse angustioso trabalho.
Averiguada a criminosa morte de tantos brasileiros e estrangeiros, passada a oportunidade de continuar nessa faina sinistra, cansados os ódios e assurados os algozes da obra medonha que iam fazendo, chegava o dia de parar naquele caminho, porque a luz da justiça e da verdade começava a espantar as trevas daquela prolongada noite de selvagens barbaridades.
O terror era completo, a submissão absoluta, nada havia mais a recear.
O castigo tinha sido tremendo.
A lição estava dada.
Já não havia federalistas a matar.
DEZEMBRO DE 1894 – APROVAÇÃO DE PARECER EM COMISSÃO DA ASSEMBLEIA
A Assembleia aprovou todos os atos do Vice-Presidente da República e de seus agentes.
A Assembleia, assumindo o alto poder de representante imediato do povo, deu por bons, legais e meritórios, todos os atos do poder executivo, e o declarou livre de responsabilidade perante a Nação.
A Assembleia brada a alto e bom som ao país que ela participou da autoria daqueles atos que aplaude e consagra.
A Assembleia aprova os atos de despotismo do Vice-Presidente, a Assembleia aceita a sua ditadura e tirania.
Os homens que se investiram desses dois poderes, o legislativo e o executivo, eram na realidade dignos uns dos outros; também a história há de colocá-los juntos no mesmo banco dos réus, condená-los com igual sentença.
Mas não foi um bel não foi um perdão, não foi uma concessão irrecusável ao ato consumado: foi o reconhecimento estrondoso, com toda a majestade proclamado, em face das leis, e perante a Nação brasileira, e os estrangeiros da legalidade, justiça e direito do procedimento do Vice-Presidente da República.
A lei fundamental foi violada, as garantias e direitos constitucionais foram anulados, os poderes legislativo e judiciário foram usurpados, a ditadura foi assumida sem investidura alguma, foi estabelecido o governo militar pelo despotismo cruel e absoluto da espada; e a Assembleia decreta que ante a razão, a justiça e a lei, que ausente a moral ante os princípios, tudo aquilo é plenamente aprovado, e o povo e a Nação assim o hão de ser, porque assim o mandou a Assembleia.
E que se retire coberto de glórias e triunfos o sanguinário déspota e vá tranquilo gozar de seus lauréis e fortuna, sem que o possa atingir nem uma reclamação de direito conculcado nem uma acusação de qualquer crime cometido.
Era esse o proceder de tal Assembleia, sem dúvida, para com tal Vice-Presidente, como estranhar?
Criminosa, ela também declarava inocente o seu Chefe para inocentar-se ela própria.
Duas ditaduras: a do Executivo que rasgou a Constituição, a da Assembleia que se arrogou o direito de impor à Nação a aceitação daquela.
Porém, durante mais de um ano, esteve o país em estado de sítio, esteve em vigor a lei marcial, esteve suspenso o poder judiciário, esteve a (Nação órfã) no regime militar, e esses atos extraordinários, essas violências, esses crimes, inauditos, inúmeros, têm fatais e imediatas consequências que nem um poder humano é capaz de evitar ou desfazer e que pois, não desaparecem ao decreto de aprovação da Assembleia.
A invasão, a extorsão da propriedade, os atentados contra a liberdade de ação e de manifestação, o sequestro, a violência, o martírio, o suplício e o assassinato por fim, não foram crimes – foi bom e justo, era do direito.
A Assembleia os aprovou.
Todos os que praticaram essas perversidades não são criminosos, a Assembleia os declarou limpos de culpa e mandou que fossem considerados homens bons e justos.
Que sejam livres e considerados esses celerados; que sejam acumulados de recompensas e prêmios; e que passeiem vaidosos nas cidades e praças, os tendo os rubros brasões de suas façanhas no meio da sociedade humilhada e servil sob o peso do governo que aceitou.
Ninguém os pode culpar, ninguém a acusá-los: o respeito, as honras e as vantagens são para eles que bem mereceram da pátria.
Soldados, continência!
Apresentai armas a esses galões de ouro que passam nos braços que deviam apertar as algemas da galé.
É um herói. Fugiu na luz do combate, assassinou no escuro de um cárcere soldados. Ele veste a nossa farda, mas não está manchada de sangue dos batalhões, nem tem o ocre odor da pólvora, suja na lama dos vícios e espalha o desprezível perfume das orgias.
Povo, descobre-te.
Curva-te respeitoso ante esse potentado que passa com as insígnias do poder, no meio da plebe que lhe vendeu as orações a esse que, sob a vara implacável da justiça deverá descer aos cárceres, no meio das maldições do povo contra o réprobo.
Aceitai todos, soldados e povo, o domínio desses grandes, desses feitores, porque aos escravos não é dado julgar o que manda o senhor.
Manda pois a Assembleia que não exista crime, nem responsabilidade alguma nesses atos, e nos que os praticaram, pois que os aprovou.
Mas esse poder, o mais importante, sem contestação, dos três poderes da Nação, esse poder que se alça orgulhoso na pretensão de sua direta representação, esse poder que dá a lei aos outros poderes, que toma contas e responsabiliza o executivo, esse poder finalmente que ousadamente se diz a Nação – não tem força, não tem alçadas para intervir nos acontecimentos naturais, atos de um poder mais soberano, a natureza.
As leis da natureza são fatalmente compridas, malgrado todas as arrogantes pretensões dos homens.
Não há poder de governo, não há Assembleias, Congressos, nem as Nações em peso que se oponham à execução dessas leis sobre todos soberana; e aí daqueles que lhes tragam embaraços!
O decreto da Assembleia é um ridículo e estúpido arranco de vaidade perante a lei natural.
Esse decreto de repugnante serviência é um insulto à sociedade e um desafio ao povo.
Esse decreto ante as próprias leis do país é um escárnio pela sua prepotência, é uma inépcia pela sua ineficácia.
Mas a Assembleia decretou que o Vice-Presidente e seus agentes cumpriram o seu dever e aprovou seus atos. E a Assembleia descansou.
Está decretado: não houve crime, não há criminosos.
A esponja do esquecimento passa por cima dessa página negra da história, e tudo foi acabado.
Esses horrores (...) eram necessários.
Havias uma casa onde se suspeitava um pestilento, e lançou-se fogo à casa e o incêndio devorou tudo, homens e casas e povoações: ficou a ruína, a viuvez, a orfandade e a miséria.
Que importa?
O fogo não era preciso – mas foi bom, porque a peste, se havia, não se estendeu.
O governo não podia fazer o que fez.
Mas está feito.
E a República está salva.
Loucura!
Réprobos!
Jornal do Brasil – 11-Dez-94 – Rio
Poucas semanas antes de 15 de novembro foram dados à guarnição do Rio Grande do Sul seis meses de soldos, sendo três a título de adiantamento e três como presente. Presente igual foi feito aos oficiais da marinha durante a revolta da Esquadra.
Ver Biografia – Barão de Batovi – Gazeta da Tarde – 27-Dez-94 – (mesmo número do General Sólon ao Público)
Ver artigo "Novo Judas" – Feira do Ano, Correio da Tarde.
Ver Gazeta da Tarde – 9-dez-94 – Nota do Dr. (Priano) Almeida sobre Lulu Caldeira.
Ver Gazeta da Tarde – 8-dez-94 – A Revolta, pelo Dr. Albino Meira – Transcrição da Província de Pernambuco.
Ver Gazeta da Tarde – 7-dez-94 – A palavra do Almirante Mello (resposta à mensagem de Peixoto) transcrição do La Prensa, Buenos Aires – 28-5-94.
Ver no mesmo número A memória de cinco arcabruzados.
– no Estribeira – transcrição da Província de Pernambuco – assinado G.M. deputado Gonçalves Maia. Ver Gazeta da Tarde 10-dez-94.
Correio da Tarde – 5-dez-94 artigo(...) viúva Braziliano – Ver. Repartição diplomática.
Correio da Tarde – 6-12-94 – A chamada dos mortos
Correio da Tarde – 7-12-94 – A lei Marcial Correio da Tarde – 8-12-94 – Mortos ou Vivos? Correio da Tarde – 10-12-94 – Basta de sangue Correio da Tarde – 12-12-94 – O Rio Grande do Sul. Correio da Tarde – 22-12-94 – A paz do Sul – O cerco da Lapa
Correio da Tarde – 24-12-94 – O Senado – Os aspirantes
Custódio de Mello – Manifesto Prudente 18-10 Ver Jornal do Brasil – 25-10-94 – Crônica – Fuzilados em Sepetiba.
Ver Jornal do Brasil – 28-10-94 – Crônica – Revolução no Sul por Antônio Faria
As coisas e os homens de Revolta Naval – Crônicas – Transcrição do Apóstolo de 23-12.
No dia (...) de dezembro as nove, mais ou menos, da noite, 3 marinheiros do lugar North American Isaac passeavam na Figueira e cantavam.
Foram atacados por soldados armados e feridos. Recolhidos ao Hospital de Caridade faleceram dois de peritonite consequente a ferimento penetrante do abdome e dos lombos.
O República não deu nota do caso.
A 21 dando o obituário geral suprimiu de todos os óbitos o caso da morte para não dar a dois marinheiros.
Grant, cônsul Americano é que tem estado na faina: os mortos são morcegos.
Salomé fez ata de corpo de delito aí com Catão Callado.
O Provedor oficiou ao Chefe de Polícia comunicando a morte e as causas.
Naquela noite recolheu-se ao quartel um praça cheio de sangue, braços, mãos e calças: foi preso, diz que é do nariz.
Só hoje (vinte e um dias e meio) foram ao Hospital para fazer inquérito no sobrevivente: não interrogaram as duas vítimas durante 24 horas de estado lúcido.
Diziam na Figueira tinham de ser americanos – pensavam ser ingleses que não ajudaram Floriano.
DEZEMBRO DE 1894
Hercílio segue o método de Lauro, o mais positivo. Cortando largo, contrata obra de todo o gênero por um preço que deixar claras as patotas.
Uma das mais escandalosas é a demolição do palácio.
Era o Exército da liberdade.
Não tinham galões que obrigavam à continência! Subiam os postos no campo de batalha: não eram oficiais de patente, eram chefes.
Suas divisas eram pretas, quase invisíveis; os generais não as tinham.
31 DE DEZEMBRO DE 1894 – ESPEREMOS
"Desesperar é desertar"
(V. Hugo – Napoleon, Le petit)
Mais algumas horas, e está terminado o nefasto ano de 1894.
Com lápide negra ficará marcada sua memória. Deixa em pesado luto toda a família brasileira dos três Estados do Sul.
Em luto e ainda na escravidão.
Amargurado viver!
Dias cruéis nos trouxe a tirania sob pretexto de República!
O novo ano que vai já começar nos trará algum alívio a tantos males, que estamos sofrendo?
É sempre a esperança que alimenta o ânimo, e ai de nós se a perdemos.
Esperar! O quê?
Atrás da tempestade vem a bonança.
Sim. Mas o cedro que tombou ao vendaval, o rio que transbordado cava novo leito, os soberbos penhascos, rolados pelas planuras – nunca mais se ostentarão no mesmo lugar com a mesma pujança e o mesmo encanto.
Vem a bonança. Mas outros, bem outros serão os companheiros, outras as cenas dessa vida que se continua, é verdade, porém que já não pode ser a mesma.
Cada sítio, cada hora, cada vez nos desperta um desgosto, um infortúnio ou uma dor.
O prazer, a alegria vem manchada da triste saudade.
Sobre os lábios que afastam o riso vem rolando na face cair a lágrima.
Esperar, o que?
Tudo o que é justo, tudo o que é bem; a verdade. Sim, ela virá, hoje, amanhã, talvez?
Um dia virá, mas não para nós que já nos afastamos dos lugares onde ela há de pousar. Na volta de nossa viagem já não nos sentaremos no banquete da felicidade.
A outros, aos que vem, cabe gozar.
A nós, cumpre preparar-lhes a colheita.
Laboremos o chão, semeemos, reguemos a terra com o nosso suor, rasguemos nossas carnes nas urzes e espinhos – o sangue é fecundo – e no meio das lágrimas que nos arrancam do coração essas dores profundas do martírio – esperemos!
Quem sabe? Esperar é avançar.
JANEIRO DE 1895 – AO PRESIDENTE
Esses homens foram mortos, vós o sabeis, não é verdade?
Foram mortos no Estado de Santa Catarina desde 16 de abril até novembro, não é assim?
Vós hoje bem o sabeis
Podeis negar os fatos? Não.
Podeis sequer duvidar? Não.
Pois bem. Escutai.
Vós sois o Presidente da República desde 15 de novembro e vosso antecessor vos entregou a República consolidada e em paz, a Revolução está extinta.
Vós vos apresentastes à Nação como guarda da Lei e da Justiça.
Ora, trata-se hoje de executar a Lei, de praticar a Justiça, de cumprir a vossa palavra de honra tão solene e espontaneamente empenhada.
Vejamos.
Não se tem diria.
Logo nos primeiros dias de vosso governo mandastes abrir as prisões e destes a liberdade a centenas de presos sem culpa: muito bem, era da Lei.
Aí voltastes às praças de pret do Exército e da Armada implicados na Revolução, e que vosso antecessor os classificou de desertores: ainda bem – era da Justiça.
Destes ao povo a liberdade de imprensa: perfeitamente, era da Lei, era da Justiça; era uma restituição enorme.
JANEIRO DE 1895 – MEIOS DE VIDA
Essa grei cujo laço único de união é o puro interesse pessoal, que ora lhes agregam partidários, ora os afasta, que não tem estabilidade, nem base, que como selvagens nômades, em toda a parte suspendem a rede onde quer que encontrem o proveito, que não conhecem a religião dos lares pátrios, a nada enfim se prendem, essa grei sem princípios e sem crenças, acabou de uma vez com a vida tranquila e a modesta felicidade desta pobre terra.
Só dominando pela força, não pode viver sem ela: também só quer o domínio para satisfazer seu interesse.
Escapa-lhe o poder: desaparece ela com o desapego e a indiferença do beduíno para surgir de novo, se alguma esperança segura ou sinal certo de domínio, a convida a estas mesmas paragens.
É dessa grei a gente que de 89 para cá se tem apossado do domínio entre nós e que ainda nos governa agora depois da retirada da Revolução.
Sem raízes no povo, sem amparo na opinião, essa gente sentiria prestes escorregar-lhe das mãos, o poder, logo que o apoio da força não a conservasse, ainda que violentamente.
[Fazem crer que o Estado está ameaçado, invadido; que os federalistas estão sempre prestes a insurgir-se, que o espectro da Revolução não está extinto. Até inventam combates e forças pelo interior.
Talvez queira obter mais força para conservar a pressão que lhes dá o poder.
Para chamar a prevenção do Governo Geral contra os que não seguiam e dar a cor da necessidade e valor à sua presença.
O insulto ao Governo Provisório, que traidor! Negado a entrada de todos os funcionários públicos.
Chega a ameaçar de prisão ao que entrega notícias do Eliseu. Ainda tudo negara e ainda obriga o comandante do batalhão a esconder-se.
É o verdadeiro estado de sítio.
Floriano ainda não entregou a Santa Catarina o presidente recrutado.]
Na falta do direito e da justiça essa gente serve-se do aleivo e da mentira, que emprega com uma desfaçatez revoltante junto a nós e incrível fora daqui.
Para isso foi suprimida a imprensa, suprimida a polícia nos correios, vigiadas as comunicações, sob o regime violento das perseguições e do terror.
É este infelizmente ainda o estado em que nos achamos, nove meses depois de aqui terminada a revolução, dois meses depois da posse do novo governo da República.
Desde abril do ano passado, por meio do jornal único que fazem publicar, por meio do telégrafo, de que se acham de poder, esses homens aos quais a ditadura Floriano entregou nossa terra, têm criado e formado uma situação toda artificial para uso e proveito próprio.
É com efeito admirável e tão inverossímil a contradita que só com escrupuloso exame e testemunho próprio se pode conhecer semelhante perfídia: tanta e tão prolongada tem sido a fraude, e tão completa a ausência de qualquer denúncia ou protesto.
JANEIRO DE 1895 − TUDO ACABOU
E a Revolução acabou!
Quanta falsidade, quanta má-fé!
E podem governos tais pretender os foros de governo regular, legítimo e sério? Podem declarar-se constituídos pela Nação e reclamar das outras Nações a confiança, o crédito e a leal troca de relações?
Como deve sangrar o coração brasileiro, vendo assim arrastados pelo nojento lodo da mentira os brios de seu país, até há bem pouco tempo respeitados com melindroso escrúpulo!
Quanta humilhação, quanta vergonha!
Mas não terão porventura consciência esses homens que sem hesitação assumem os primeiros cargos do país?
Essa ilustração, esses estudos, esses méritos, essa prática, do que serve tudo isso, se esses homens ilustres e laureados baseiam a administração pública na mentira?
Será hoje a falsidade indispensável condição de governo?
A mentira será hoje uma necessidade para a subsistência da Nação?
Feios e amargos frutos seriam esses do progresso e da civilização, triste desengano fora esse para os espíritos bem formados e sãos.
Se tal se desse, mais valera então deixar que se quebrassem esses anéis que trazem falsamente unidas as sociedades brasileiras, e cada uma buscar a verdade e o bem na sua vida particular.
A tão extremado desespero levaria a convicção de semelhante desmoronamento.
Felizmente assim não é, porque este estado anômalo não passa de uma crise temerosa de cuja solução se levantam dia por dia e se acumulam os elementos indispensáveis.
Os fatos, que não se deixam governar por nenhuma vontade ou capricho humano, em sua marcha fatal e incoercível, vão trazendo o desmentido severo e implacável a essas falsidades.
A Revolução acabou; disse o Marechal Floriano perante todo o país, meses antes de entregar o poder a seu sucessor.
A Revolução acabou: disse à Nação o Presidente Prudente de Moraes ao assumir o governo.
É duro de dizê-lo, mas, ambos mentiram.
Depois que falou o Marechal, os combates seguiram-se sempre nas Campanhas do Sul.
Quando falava o Presidente já se batiam nas fronteiras os revolucionários.
E depois disso tudo, dois dias depois da posse do novo governo, a Revolução revigorada forte, bem organizada anunciava sua nova invasão, e a efetuou.
O país está em paz disseram ambos e nessa mesma ocasião, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas debatiam-se em lutas sangrentas.
Terminada a Revolução, todo o país em paz, mandava-se forças e trens bélicos para o Sul e reforços para o Norte.
15 DE JANEIRO DE 1895 − O NOVO GOVERNO – LIBERDADE DE IMPRENSA
Se em sua mensagem, que disse conter o programa de seu governo, nada absolutamente nos deu o Senhor Prudente de Moraes para servir de base a um juízo qualquer sobre a marcha que iam ter os negócios públicos: os seus atos até hoje não têm sido mais expressivos do que o seu manifesto.
Em vão procurará o observador calmo, nestes dois meses de governo o pensamento político do novo Presidente.
Nos diversos ramos da administração pública, os seus ministros mostram que não existe unidade de pensamento; mesmo em cada pasta a tibieza das determinações incompletas e fracas; deixa ver que são apenas ensaios, ou mais certo, resoluções tomadas sob a pressão dos momentos críticos que com eles desaparecem.
Nenhum dos traiçoeiros legados que lhe transmitiu seu funesto antecessor, foi encarado de frente, nem ao menos se deixa ver à mínima tentativa de desvencilhar-se deles.
Esta inação não parece filha de um plano preconcebido que aconselha-se necessária contemporização: a imperiosa urgência das soluções a isso se opõe.
Um tal procedimento do governo nas extraordinárias circunstâncias do país, não pode deixar de ser prejudicial à causa pública.
Com efeito, o trabalho de organização da sociedade brasileira não pode somente ficar entregue ao tempo; e por demais é conhecido, e pelos próprios governos confessado que a Nação ainda não está organizada.
Muito embora pretendam alguns espíritos egoístas e desorientados, que o pacto social está legalmente vigorando, e que nada mais há a fazer do que desenvolvê-lo em leis e regulamentos consequentes, embora esses sofistas dos fatos consumados preguem a resignação e o dever de se conformar ao que foi dado por feito, não é menos certo que aquele pacto desde o começo tem sempre levantado protestos dos mais graves e sérios, mostrando à evidência a origem falsa dessa carta imposta.
Sejam (capciosos), apaixonados ou de segunda intenção os argumentos diariamente repetidos afirmando essa nossa asserção não mais se carece invocá-los depois da terrível argumentação que estamos ainda presenciando.
Os levantamentos, o golpe de estado, as deposições, as ditaduras, a revolução são eloquentes e tremendas provas das violências feitas à opinião pública, à vontade do povo, desde novembro de oitenta e nove.
A França gastou oitenta anos a adaptar-se à forma de governo que hoje tem, e ainda assim difícil será afirmar a universalidade da opinião em apoio do sistema republicano.
Durante esse tempo esteve sob o regime da Monarquia por diversas vezes e pôde assim, praticamente conhecer as vantagens e os defeitos dessas duas formas de governo.
Se as lições da história de nada servem para guiar aqueles que por qualquer motivo se acham colocados na posição de conduzir uma Nação, elas são poderosos guias dos povos sobretudo, quando estes assistiram ou concorreram para a história dessa mesma lição.
O que o povo do Brasil está vendo há cinco anos constitui já um pecúlio da história para muito ensinamento.
Não têm passado inócuos esses acontecimentos pelo espírito público e a soma de aprendizagem se vai fazendo a despeito de todas essas vaidosas e fofas teorias.
Um dia ele também há de ter sua vontade.
Em uma tal situação é pois, repetimos, grandemente prejudicial a falta de solução às dificuldades que estão embaraçando o povo.
FEVEREIRO DE 1895 – DENÚNCIAS
Vamos, oh gente da legalidade, denunciemos. Publicastes a vossa lista, publicaremos a nossa: é o mesmo direito.
Vós tendes a vossa lei, a vossa justiça! Nós teremos também a nossa Justiça e a nossa Lei.
Vós tendes forte esperança de repor no governo o Marechal Floriano; nós temos ainda esperança na palavra do Dr. Prudente de Moraes.
A nossa presença vos causa angústias e sobressaltos como a presença da testemunha afronta o criminoso; a vossa vista só nos dá tédio e repugnância.
Vós gritastes, pedistes, ameaçastes e impusestes os processos: nós calamos, esperamos e sofremos os vossos processos.
Denunciastes, denunciemos, pois. Vós enchestes a vossa lista de perseguidos, de exilados, de mortos, que mandastes assassinar: nós comporemos a nossa lista só de felizes, de poderosos, de exploradores, e não vereis ali o nome de mortos, porque não mandamos matar nenhum dos vossos.
FEVEREIRO DE 1895 − OS PROCESSOS
Tal como desaparece a elasticidade da mola de aço, quando a tensão é excessiva e prolongada; assim se vai perdendo no espírito público aquela irritabilidade que o faz revoltar-se ante os grandes desastres, os estupendos massacres, se as calamidades perduram e conservam a mesma pressão.
O terror lançado na população deste Estado pela tirania foi tal e tão intenso, que ainda hoje, há quase um ano daqueles dias nefastos, o espírito público se conserva em triste apatia, amedrontado, decaído no mais lamentável pânico.
Entretanto já desapareceu no governo do país a ditadura militar; já há meses que o elemento civil tomou conta do poder, e bem alto, bem claro empenhou sua honra no rigoroso e absoluto cumprimento da lei e da justiça.
Pois bem, a situação de Santa Catarina, ainda é a mesma do tempo do despotismo, o que já nos fez dizer que o Marechal Floriano ainda não havia entregue este Estado ao Dr. Prudente de Moraes.
[Ou será então verdade que o extermínio do povo catarinense tinha sido resolvido pela ditadura, e é possível acaso que o governo atual esteja continuando essa obra negregada?]
De quem é a culpa? Pergunta o povo.
O Presidente da República recebe é certo pela Constituição do Brasil uma tarefa enorme e dificílima em tempos normais; em circunstâncias como as atuais, lhe é materialmente impossível esse Presidente atender às necessidades urgentes, multiplicadas, que surgem e se acumulam e se agravam a todo momento, por toda parte em um país tão vasto como o nosso.
Mas o Presidente tem os seus secretários que pela subdivisão do trabalho lhe tornam possível o desempenho do cargo.
Por consequência dos secretários ou ministros é a culpa do que ainda sofremos e do Presidente da República será a responsabilidade.
Como?
Desconhece porventura o governo atual a situação de Santa Catarina? Estará iludido?
Ou não achará forças a seu dispor para aqui fazer imperar a lei e a justiça?
Examinemos.
Quando o Dr. Prudente de Moraes tomou posse do governo já era do domínio público, já a imprensa no estrangeiro e no país havia denunciado o acervo de crimes, o massacre, as hecatombes e as inauditas perseguições que sofria esta pobre terra.
As medonhas revelações, os estupendos detalhes de tanto crime, vieram logo, mercê da liberdade preciosa da imprensa elucidar aquelas monstruosidades que a todo o país têm revoltado, e os nomes dos criminosos irromperam dessas denúncias.
O governo entretanto parece ter ouvido indiferente tudo isso, e o mais cruel ostracismo continua a obrigar ao exílio inúmeras famílias catarinenses, como último refúgio pois que na pátria não defendem seus direitos, sua liberdade, e quiçá sua vida, nem a justiça nem a lei.
Nenhum ato, nem um influxo do novo poder se manifestou nesta terra condenada; a mesma gente, os mesmos algozes, a mesma força da tirania nos conserva em quase completo estado de sítio com toda a compressão, com todos os arbítrios.
É possível que ignore tudo isso o Senhor Presidente da República?
Ignoram os senhores ministros o que se passa ainda em Santa Catarina?
Assim é.
Tem razão o Presidente da República, e os seus secretários. Têm toda razão.
Pois não o viram na câmara, um deputado desmentir, sem contestação, as acusações feitas ao governo da Ditadura?
Lançar sobre a mísera população massacrada os mais grosseiros ultrajes, as mais espantosas incriminações?
Defender calorosamente o governador militar, a proposta do ditador a quem rendeu os maiores elogios?
Pois a imprensa de todo o Estado não é unânime e exaltada nos encômios, nos agradecimentos, na glorificação dos agentes do Governo legal?
Não desmente um por um todos os fatos imputados a essa Legalidade?
Não lança na maior profusão diatribes, sarcasmos e maldições contra os habitantes que se conservaram no Estado durante a Revolução?
Teve porventura o governo alguma reclamação oficial, alguma representação do povo contra as autoridades ou funcionários da União?
Não recebe constantemente o governo as informações oficiais, as demonstrações de corporação do comando de suas forças aqui?
Não lhe são presentes os esclarecimentos, as demonstrações de cordial e simpática adesão dos seus Magistrados, dos Chefes de suas Repartições?
Não esteve ainda a bem pouco o governo em prolongadas e certamente minuciosas conferências com o atual Governador do Estado?
Não se acham a seu lado o mais notável Senador e os três mais notáveis deputados deste Estado?
Pois todas essas autoridades e funcionários, tudo isso: imprensa, relatórios, informações, congratulações, reservados e cartas, tudo, não diz ao Governo com a mais sisuda placidez, com a mais singela beatitude que o Estado de Santa Catarina se está em completa paz e tranquilidade, que está restaurado o domínio da justiça, da lei, da ordem e do progresso, e que finalmente todo o povo goza agora de todas as felicidades, erguendo as mãos ao céu para dar graças pelos benefícios que lhe dispensou o governo estadual e o geral, depois de aniquilado os bandidos, cujo restos, contudo, é preciso que desapareçam?
Como, portanto pode o governo pensar de outro modo? Como há de ele saber outra coisa?
Portanto, o povo não se pode queixar nem dos Ministros nem do Presidente da República.
Portanto, o Ministro da Justiça fez bem em mandar que, com urgência e implacavelmente, se instaurem processos contra os implicados na revolta .
Portanto...
Mas é demais a irrisão! Clama o povo.
Não basta de humilhação, não basta ainda de cativeiro?
Ah, deram ao país a liberdade da imprensa (...) ouvi!
O Dr. Prudente de Moraes assumindo o governo da República deve ter olhado como para todos os outros Estados, para o de Santa Catarina.
Os telegramas de felicitação pela sua posse lhe fizeram logo ver quem eram o governador do Estado, o Juiz Federal, o coronel, comandante do Distrito Especial e o Dr. Prudente de Moraes conhece bastante esses três homens.
Nem do governador do Estado, nem dos Chefes da Magistratura e das forças federais, tinha por conseguinte o Dr. Prudente de Moraes nada de bom a esperar sobre as coisas desta terra. Sua Excelência tinha motivos de sobra para estar prevenido.
Não sabia já o Senhor Presidente, que o governador fora aqui processado no crime de tentativa de morte de seu próprio cunhado e primo infeliz vítima na última hecatombe de Santa Cruz? [Ver O Pecúlio.]
Não sabia que o mesmo governador foi demitido da comissão de terras públicas por sedicioso e cabeça-de-motim pelo próprio Marechal Floriano, por ocasião do espingardeamento do palácio, na tentativa de deposição do Presidente Elizeu, em preito do Serra-Martins?
Não sabia que o mesmo governador recebeu o governo das mãos do Comandante do distrito o qual como governador militar em missão especial do Ditador, sob o regime da Lei Marcial, e em estado de sítio, mandou que as intendências por ele nomeadas o elegessem?
Não sabia o Dr. Prudente de Moraes que o juiz seccional já havia conseguido uma reputação com escandalosos processos como o de Chaves, Machado e Caldas?
Não sabia que este mesmo juiz foi a única pessoa a quem se dirigia o ditador nos primeiros dias da entrada aqui da legalidade no governo Villas-Boas, em mais ninguém confiando?
Não sabia que ao lado do coronel governador colocou o Marechal esse juiz vigiando-se eles mutuamente, guiando-se porém somente o ditador pelas informações diárias do juiz?
Não sabia que todas aquelas mortes neste Estado foram feitas com ciência de seu alto funcionário da justiça pública?
Não sabia o Dr. Prudente de Moraes que o coronel governador era o autor acusado de todas essas prisões, de todas dessas perseguições, e deportação, e trabalhos forçados, e de todas dessas mortes, fuzilamentos ou assassinatos aqui praticados neste Estado?
Não sabia que este coronel continuou por muito tempo senhor de todo o poder ainda no governo de seu eleito o qual nada fazia sem consentimento dele?
Não sabia o governo que o deputado defensor do coronel é o presidente da comissão executiva, e cuja casa fora o quartel general no espingardeamento da noite de 31 de julho, e que era essa comissão executiva que dava ao coronel a lista dos infelizes assassinados em Santa Cruz?
Não sabia o Sr. Dr. Prudente de Moraes de tudo isso?
É possível que o Sr. Presidente da República desse crédito a semelhantes homens? Será possível que ao governo parecesse que nada lhe incumbia fazer? Nada tinha que indagar, nada que providenciar sobre a situação desesperadora do povo no Estado de mais malfadada sorte na atualidade?
[Não sabia que essa gente tem vivido à custa de mentira, da falsidade, da intriga e do embuste. Que essa gente é filha da tirania sustentada pela ditadura e só se alenta da esperança de um novo despotismo? Sua Excelência tinha motivos de sobra para estar prevenida.]
Não cumpriria porventura ao Presidente da República mandar sindicar rigorosa e imparcialmente de tantos atentados e desde logo para segurança pública por dever moral retirar do Estado um militar coberto de acusações?
Por que se fez isso?
Sua Excelência o Dr. Presidente da República tem incorrido em grave responsabilidade para com a palavra do próprio Prudente de Moraes. Sua Excelência esqueceu que também aqui se precisa de liberdade e de justiça: − também isto é terra de brasileiros.
Nada fez o governo, e agora, depois de tantos meses de indiferença, o seu primeiro ato é atender as sinistras exigências dos legalistas do Marechal Floriano, e ordenar que com urgência se instaurem processos políticos para serem punidos severamente; esses que não foram fuzilados e os que não puderam fugir ou expatriar-se!
Processos políticos!
Que processos são esses hoje? Por que, contra quem agora? Quem os vai fazer?
Pois não sabe, não consta então ao governador a história dos acontecimentos que aqui se deram desde a chegada da divisão especial da Esquadra revolucionada?
Por que começar o governo por semelhantes processos políticos anônimos, incertos, indefinidos, quando deixa até hoje sem a mínima providência, sem um sinal sequer de reprovação aos os crimes atrozes públicos, denunciados e bem classificados pelas Leis?
Por que ainda se não mandou processar os criminosos executores dos assassinatos em Santa Catarina? Processos políticos!
Estará bem definido este crime político?
Onde a conspiração? Onde a sedição?
Onde começa e onde acaba a criminalidade nessa matéria jurídica?
Oh, o governo parece querer aumentar as provações deste pobre povo, levar ao extremo o seu infortúnio, e é bem que tal se faça quando desgraçadamente o espírito público tem perdido toda sua elasticidade.
Que comecem, pois, esses processos.
As inquirições vão ser feitas perante o mesmo juiz que assistiu sempre risonho às ordens de fuzilamento e acompanhou escrupulosamente a todas as perversidades do governo militar.
Sabeis como se faz a inquirição? Ainda agora se procedeu a um desses escândalos.
A testemunha depõe respondendo ao juiz e o escrivão lança, não o que ela diz, mas o que lhe mandam, no termo que o depoente é obrigado a assinar sem ler!
Assim foram forjados os depoimentos de diversos testemunhos, previamente presos no caso célebre de Buette e de Etienne, pelo Governador Moreira César e pelo Chefe de Polícia Bellerophonte, por ocasião das indagações do Almirante Fournier, aqui demorados alguns dias a bordo do Cruzador francês Duquesne: se não assinassem não saiam da prisão.
O temor de iguais violências está produzindo iguais efeitos.
Entregue essa justiça nas mãos dos mais interessados, pois são esses funcionários parte também nos mesmos processos, o que serão os testemunhos, as acusações, o julgamento, senão forçadamente mais um simples ato de prepotência, mais uma sinistra cena de malvadez?
Como quereis que escape a vítima inocente?
Como e onde achar defesa? Quem se atreverá a patrocinar-lhe a causa? Qual o acusador nomeado senão no interesse da acusação? Que provas poderá a defesa fazer aceitar? Para onde apelar?
Todo o recurso é sonegado ao acusado, nem mesmo a imprensa, esse último reduto dos perseguidos lhe foi deixada: um único jornal só composto da mentira, do insulto, da perversidade, é exclusivamente reservado aos perseguidores, com os quais é conivente, dos quais é propriedade, levando o jacobinismo a ponto de nem admitir anúncio de missas pelos fuzilados!
E em tais circunstâncias, que comecem os processos!
Os florianistas, os homens da Legalidade, ainda hoje senhores desta terra, exigem em frases desabridas e imperativas a instauração dos processos políticos.
Para satisfazê-los é seguro que o juiz federal não hesitará, ainda que se tenha de lançar mão uma vez mais da devassa dos tempos coloniais.
Obedeça o Procurador da União às ordens dos florianistas sob pena de ser demitido, prossiga o Juiz na sua obra de coerência com a Legalidade; e já que o Coronel Comandante do distrito não se apressou em remeter ao governo 1500 processos, como os do Paraná, apresentem eles os daqui.
Previnam-se, porém de que os nossos não serão em tão pequeno número: só na Capital do Estado os processos políticos irão acima de oito a dez mil! Toda a população foi direta ou indiretamente implicada na Revolução.
Previnam-se de que esse trabalho vai ser muito custoso e demorado, e melhor fora que obtivessem do Ministro da Justiça um desses atos de energia, de patriotismo e alto tino político, decretando a prisão e processo de todos os que viveram em Santa Catarina durante os sete meses da Revolução.
Que se faça isso de uma vez e que então se mande retirar por inútil já esse energúmeno Coronel desta terra, para que depois desses últimos castigos, consiga por fim alguma paz, o mísero povo, que não teve meios de fugir de tão ingrata pátria.
E não haverá mais do que uma só raça dominadora nestas regiões: os florianistas jacobinos.
“É preciso que se extermine os federalistas” – disse o Tenente Bellerophonte chefe de polícia na faina do morticínio “os federalistas não devem existir”.
E os federalistas são o povo de Santa Catarina.
Cumpra-se o desejo daquele executor, do Sargento Silvino de Macedo e do Cadete Pedro Mendonça. Talvez lá na sepultura, aonde tão subitamente caiu, os seus ossos ainda estremeçam de júbilo.
Que venham esses processos, e a Polônia Brasileira desaparecerá, enfim.
Façam tudo isso.
E ao deixarmos para uma vez as plagas de nosso infeliz torrão em busca de madrasta terra, em um último alento de exprobação perguntaremos com a afeição no peito e pendido aporte é esta a justiça que nos prometeu senhor Presidente da República? É esta a palavra empenhada pelo Dr. Prudente de Moraes?
“Cruel irrisão!: votavam-nos ao extermínio − e nos garantiam a justiça, a lei e a liberdade”.
Duras e rudes, essas palavras que aí ficam são a franca e leal expressão da verdade do sentimento popular.
Elas não levam o travo do despeito, nem têm a ardência das paixões políticas.
São o grito de cruciante angústia, o brado entranhável de socorro que do fundo do coração dilacerado do povo em tão continuados tormentos, arranca a desesperança e a dor .
Elas são o sincero clamor da mais excelente das paixões − o amor da pátria, do mais sagrado dos direitos − a liberdade.
Posto que me causassem estranheza as palavras com que a redação do Jornal do Brasil encabeçou o escrito − Os processos − ao publicá-lo, não me haverá abalançado a dizer alguma coisa a respeito, se não fora a necessidade de pôr a coberto a verdade do que em tal escrito se contém.
Com efeito, que valor ficarão tendo, as informações, embora curiosas, achadas em um escrito cheio de partidarismo e de rancor sectário?
Uma origem tão suspeita e apaixonada destrói toda a veracidade da escrita tirando-lhe a imputabilidade. Para que pois publicá-la, então?
Melhor fora por não desgostar o seu conhecido publicista que o atirasse lá para a secção de literatura e romance entre algum soneto ou tire d'afile da ideia nova.
Mas vejamos a seriedade da qualificação desse escrito que em má hora foi tirado do cantinho escuro onde com seus irmãos aguardava tranquilamente o pó e a traça para lhes darem cabo da existência.
FEVEREIRO DE 1895 − INCONSCIENTE
O Correio da Tarde de 21 de janeiro passado publicou um bonito artigo sob o título “A Vingança dos Mortos”.
Fantasia terrível, quadro aterrador traçado por mão segura, e que leva a dor e o assombro ao coração dos que o encaram, cena cheia de clamorosos brados de vingança implacável soltados pelos espectros das vítimas ao lado do criminoso, diante do qual ela faz passar em sonho.
[Em sonho de preceito ela faz passar um a um todos os espectros ensanguentados de todos os assassinados pelo coronel.]
Mas o autor desse artigo não conhece aquele coronel, e o seu artigo nos fez abanar tristemente a cabeça e nos deixou pensativos e desanimados.
Quanto é grande nossa desdita.
Ainda há quem considere aquilo um coronel, um guerreiro, um homem com coração, uma consciência como a dos outros?
Será por isso que ainda o conservam no lugar de seus crimes.
[Para que lhe sirva de punição a presença constante das desgraças que promoveu].
Será por isso que enquanto ele ainda aqui, as famílias das vítimas são obrigadas a expatriarem-se para não encontrar a cada passo essa figura repugnante e sinistra?
Não se faz portanto uma ideia completa dos martírios que temos sofrido, porque não se faz também ideia clara do homem a quem o Ditador entregou a descrição desta infeliz região.
Não se conhecem os crimes porque não se conhece o criminoso. E contudo já era tempo de se haver começado semelhante trabalho, pois que o é o estudo de uma variedade teratológica, do qual a ciência não conhecera talvez muitos tipos ou exemplares.
Não; o pensamento do autor daquele artigo perdeu infelizmente o efeito, porque foi errado o alvo; não, aquela cena de remorso não pode ter lugar. Porque não é homem comum aquele coronel, assim como não é um guerreiro: nunca entrou em combate.
Como?
Olhais para tantas viúvas, tantas mães, irmãos e órfãos, e pensais no homem que mandou assassinar tanta gente, e imaginais que esse homem tem uma consciência que fria e calma lhe representa todas essas desgraças, nas horas mortas da noite, que esse homem tem um coração que se perturbe no isolamento e no silêncio, ao lembrar os horrores que mandou praticar?
Pensais que alguma vez esse homem refletindo sobre sua vida estremecerá ou sentirá ao menos alguma emoção ante a memória desses fatos tão extraordinários e cruéis?
Enganai-vos.
A realidade, a triste realidade é mais hedionda, mais cruel, mais espantosa que todas essas visões lúgubres, vos encherá a alma de estupor no instante em que a conhecerdes.
Pudéssemos nós jamais tê-la, essa verdade cruel! Vinde conosco.
Não é um sonho que vai desdobrar-se aflitivo em um espírito conturbado pela lembrança de negros horrores.
Não é a vossa imaginação que vai ser atacada; é o vosso coração que precisa de reforçar todas suas fibras para resistir à tanta dor, à tão profundas angústias; é a vossa razão, que carece de toda a frieza, de toda a calma, toda a força para sair incólume desse espetáculo assombroso.
Vinde conosco.
Era noite.
Em palácio, sentado na poltrona do governo, o Coronel vê entrar uma figura nobre, cheia de grandeza e dignidade de um ancião venerando revestido de sua farda bordada.
– O senhor esta preso: levem-no para o quartel (...) − Coronel, um veterano, Marechal do Exército brasileiro (...)
– Marechal nada; agora não é coisa alguma;
– Marechal de Gumercindo, dos bandidos... Pode retirar-se.
E diante daquele velho militar, ante aquele majestoso vulto coberto de glórias, de respeito e de serviços à pátria, o coronel conservou o frio cinismo e imprudência, sem perceber o raio de indignação que atravessara aquele grandioso coração, os relâmpagos de desprezo que faiscara aquele olhar.
O Marechal Barão de Batovi foi levado preso por um subalterno.
Do quartel embarcou para Santa Cruz.
Depois, mais dias, entrara um tenente Coronel do Exército.
– Oh, Castello, por aqui! − e aperta-lhe a mão. − Então?
– Venho apresentar-me.
– Bem, mas olha, estás preso; que queres? Vais para o quartel.
E o Coronel acompanhou o colega e amigo até a escada: aperta-lhe a mão. Ele desce, e o Coronel diz a meia voz ao subalterno:
– Que o levem a Santa Cruz e o fuzilem.
A feição do Coronel era sempre a mesma: certa indiferença.
E assim foram mais cinco, mais dez, mais vinte, centenas.
Eram militares de terra e do mar; médicos, juízes, negociantes, simples homens do povo.
Alguns não chegaram a ver o Coronel; presos, da Cadeia, da Polícia, ou do quartel eram levados para Santa Cruz ou para Ratones.
A todos mandou o Coronel matar com a fleugma.
FEVEREIRO DE 1895 − RESIGNAÇÃO?
Um dia, há cerca de dois meses, veio um moço a quem muito estimo, convidar-me para a realização de uma ideia pela qual ele se mostrava sinceramente entusiasmado.
Impressionados pelo estado calamitoso de nossa terra, vendo como era profunda a divisão entre seus habitantes, quanto se repeliam as vítimas e os algozes, como enfim era vivo o rancor dos perseguidores e o ressentimento dos perseguidos − alguns amigos se juntaram e resolveram lançar mão de um meio que lhes pareceu poderoso para extinguir aquela divisão e congraçar no seio da paz e ligados pela virtude a grande família Catarinense.
O restabelecimento da Maçonaria devia operar esse milagre, prendendo na sua união fraternal, rigorosa e absoluta todos que a ela se filiassem, desaparecendo assim os ódios políticos, as lutas partidárias, as vinganças e represálias: tudo seria esquecido, tudo perdoado.
Era pois para tomar a direção ou em último caso emprestar para isso o meu nome ao trabalho do restabelecimento da Maçonaria que aquele amigo me convidava.
FEVEREIRO DE 1895
Câmara disse não convir Arthur vir aqui porque podia ser preso.
César a Doutor Olimpo Freitas: não mandou fuzilar remeteu para o Rio; devia estar solto já. (Recorde o diálogo). −
Clemente − o filho vindo preso, foi requerido habeas corpus; no outro dia despachado “prejudicado por se achar solto” − Com efeito, nessa hora foi ele aqui e o pai na Laguna despronunciado.
Reunião há 3 dias (2 ou 3?) todos obrigados a assinar − declaração de que não querem a Ditadura (!) oficial da junta para assinar, dinheiro necessário para fugir − sendo necessário, talvez, tenham de pegar em armas.
Dr. Paulo Freitas possuía o termo de capitulação no Desterro, com as assinaturas. Ata dos neutros.
Recorde o diálogo
Hercílio tem instruções para reintegrar os federalistas.
Os 3 partidos no Rio: Floriano, Prudente e Custódio.
Fev − 10 − informa prisão e deportação de Schmith dentista russo − Joinville.
Idem José Azizi, árabe, Desterro.
Suspende; o “Comercial” (...)
Inquérito judicial − Waldemiro, Bertrand, François, Bridon e Werner.
FEVEREIRO
Paulo Freitas − 1h tarde − foi com F. Lobo e Engenheiro Mello -
César tratou-os bem e mandou-os para o quartel a 21 -
Freitas pediu com insistência o estojo; a senhora não quis mandar, receando alguma loucura.
Quando Maria foi a 24 ao César, Freitas havia embarcado no Santos. Não havia que temer, dizia César, ele não tinha culpas para grande castigo. Depois, a 26 vem de bordo do Niterói a carta de Freitas muito desanimadora -
A senhora do Dr. Barata com o filhinho: César brincava com a criança.
A comissão das senhoras foi recebida por um dos Alferes secretários.
Frequentemente ia a Santa Cruz.
Hoje fevereiro anda só, nas ruas, sem ordenança. No dia da missa da mãe, passeou no jardim da Praça.
Trata com amabilidade que parece natural
Um dos seus degoladores afirma ter mostrado a César a “Vingança dos Mortos”
Vindo à cadeia, fez levantarem-se os presos e perguntou se esses sujeitos andavam direitos − e deu-lhes as costas.
A alguém disse ter mandado matar Castello por andar bêbado e roubando e Batovi por fazer parte do Governo Provisório; os outros estavam presos.
13 de Fev − foram agarrados todos os carroceiros para conduzir cal para as obras do Palácio os que se recusaram foram presos − Um casado e com filhos foi remetido para o quartel do (...) para assentar praça.
Para a fortaleza da Barra do Sul foi o mesmo.
NOTAS
Tomaz Coelho conversava. Gustavo Cotrim policial vem o prende. Não diz por quê. Leva-o diretamente a Moreira César. Aí fazem-lhe carga: Secretário de Gumercindo, revoltoso, o diabo − César grita desabrido, diz − Pois o revoltoso ou liquida-se ou manda-se embora. Saia já, antes que o mande surrar e por no quartel − Daí foi levado à policia. Ludovico − diz − sobre ele haver muita suspeita; que ele bem viu como César não o recebeu bem − pode cuidar dos seus negócios dentro da cidade.
Se quiser sair dê parte à polícia para ter licença.
18 − Fevereiro: Disse César em casa com família que se não havia ainda arrependido do quanto tinha feito.
18 − Fevereiro: Passou aqui para o sul no último vapor com diversos outros militares o Valério, que matou o Coronel Demoro.
27 − Fevereiro: Diz o jornal Brasil de hoje (16 de fev.) consta-nos que seis meses depois de ter recebido do inspetor da Alfândega do Desterro a quantia de 50 contos o Tenente Coronel Moreira César ainda não sabe para que lhos mandaram. O governo de agora o saberá?”
[Transcrito do Correio da Tarde. 16 de Fev.]
19-Fevereiro: A desonra da República pelo General reformado Honorato
Caldas.
Os mistérios da Correção publicado pelo Comércio de São Paulo.
Notas e Apontamentos sobre minha prisão por Alfredo de Barros.
Tibério − crônicas contemporâneas.
Ver Jornal do Brasil − 12 Fev. 95
A mala que veio de Petrópolis domingo só apareceu às 9 no Correio; ela trazia uma nota do ministério francês a propósito do fuzilamento dos engenheiros Buette e Ettienne em Santa Catarina − Por isso foi grande o sarilho pelo Correio, por hora reclamações terminadas.
23 − Fev: Afinal começa de novo a faina − também já o povo − havia descansado por muitas semanas.
Agora porém já não é o soldado do tirano que prende e mata sem conhecer as vítimas somente pela lista que lhe davam. Agora é o juiz que a todos conhece, é a comissão executiva que se reúne, que planeja, que forja a denúncia: os agentes que prendem têm a farda do soldado de linha, mas são da polícia.
O Jornal publicou hoje uma lista de 62 denunciados e a polícia foi distribuída por toda a parte, e as prisões começaram pela manhã.
Quirino ao efetuar uma prisão estava tão bêbado que caiu sobre um fogareiro saindo da venda e foi levado em carro para o quartel.
Alguns foram presos que não estavam na lista publicada.
Nesta lista não se vê o resultado pedido do oficial do procurador.
03 − Mar: Thomas Coelho fugiu no paquete para o Paraná.
Ver telegrama daqui para Rio: o povo indignado por não se fazer processo.
Ver outro: o povo (assinou Coutinho) pedindo para não retirar o César com o Batalhão.
Diário oficial.
Marinha manda duas passagens à mulher do Capitão Leal, cujo marido se acha preso em Santa Catarina.
Ver Estado sobre Freire e Governo Provisório.
29 − recusando manda dinheiro à Capitão Firmino.
Freire diz que saiu ordem do Rio para os processos.
MARÇO DE 1895 − MAIS PRISÕES
O jaguar nas matas solto, o rugido de bestial satisfação ao sentir estremecer debaixo da garra, as carnes quentes da pobre vítima − o jornal República deu um brado de contentamento ao anunciar triunfante que a justiça federal tinha mandado prender os seus adversários.
Com efeito foi mais um dia de regozijo para os florianistas jacobinos o dia 23 de fevereiro.
Desde o meio-dia, a cidade de Desterro viu assustada renovar-se uma daquelas cenas do governo militar de Moreira César, cujas dores ainda lhe arrancam lágrimas bem amarguradas, cenas das quais já parecia ao povo catarinense estar livre.
Espalhada a polícia em diligências por toda a cidade começou a faina das prisões em domicílio ou nas ruas, com um aparato militar e ostentação de forças, que derramou de pronto o alarme em toda a população.
Cruzavam-se os soldados, os oficiais passavam em carros disparados, cercava-se casas, insultava-se famílias, e na praça o secretário da polícia Lodovino Aprigão de Oliveira, acompanhado do Superintendente, Henrique de Abreu, e outros florianistas dirigia transbordando de vanglória o movimento dessa heroica e brilhante campanha: são os denodados, os intemeratos patriotas da Legalidade já recompensados com as honras militares pelo Magnificente Ditador.
Espalhada a noticia das prisões, os que tinham o seu nome na lista dos 62 publicados como denunciados, trataram de humilhar-se para escapar à sanha desses malfeitores; e com razão assim fizeram pois dessa lista se achavam seguros alguns que estão foragidos no estrangeiro, − e os 5 que lá em Santa Cruz puseram em lugar seguro o governo militar.
Oh, quanto cinismo e crueldade audaz!
Essa caçada durou toda a tarde e prolongou-se pela noite adentro com o mesmo furor, ao comando do delegado F. S. Pereira e H. Mafra que a cavalo desenvolvia uma atividade digna de destemidos florianistas.
Pegaram entretanto poucos, e desses algumas prisões foram relaxadas pelo governador, e pelo chefe de polícia, ficando finalmente presos no quartel de polícia só três cidadãos, os negociantes Germano Wendhausen e Ricardo Martins Barbosa, da Capital, e de São José, João L. Ferreira de Mello.
Convém notar que também para fora da Capital foram destacadas diligências, mas não consta que por lá produzisse a caçada resultado algum.
Foram esses atos de uma bravura e denodo sem iguais que fizeram bater palmas os sôfregos patriotas que tanto haviam se organizado em pedir processos e todo o rigor da justiça contra cidadãos dignos do maior respeito e consideração, por andarem livres na Cidade quando os homens da Legalidade os queriam nas enxovias.
No dia 24 publicaram na íntegra a denúncia dada pelo Doutor Procurador Seccional e a relação de 6 testemunhas e de 62 denunciados como conspiradores, durante o domínio da Revolução. Nesta lista estão 27 ausentes no estrangeiro e 5 mortos em Santa Cruz na negregada hecatombe de César.
E naquele mesmo número do jornal se congratulavam por verem iniciado o processo e efetuado as prisões dos responsáveis pela revolta de 6 de setembro, o requerimento do Doutor Procurador Seccional, o qual entretanto, no dia seguinte, declarou o jornal ser feito pelo Doutor Freire, Juiz Federal da secção, e não daquele outro funcionário.
Achavam-se pois há muitos dias presos três importantes catarinenses, chefes respeitáveis de família e de casas de comércio, os quais só três dias depois de presos foram a qualificar perante o juiz federal.
A faina cessou, e já muitos denunciados andam acudindo aos misteres enquanto outros sobre os quais há mais empenho e recomendação à policia se conserva ocultos.
E ficam pesando sobre numerosos cidadãos, como constante ameaça, esses processos estúrdios que, dizem os homens da situação daqui vão ser mais derramados, estando pronta já uma lista de duzentos nomes.
Isto quase quatro meses depois do domínio da Lei e da Justiça, dez meses depois da retirada da Revolução.
Se por toda a República brasileira se tem feito sentir a ação benéfica da liberdade amparada no direito e na verdade porque o infeliz Estado de Santa Catarina ainda é conservado sob o jugo do mesmo despotismo da mesma tirania em que o lançou o Marechal Floriano Peixoto?
Ainda no reinado da Justiça e Lei, no predomínio do elemento civil, em um Estado do Brasil bem próximo da Capital da União se exercem todas as violências e arbitrariedades do estado de sítio!
O sequestro de correspondência no correio, a extorsão de cartas particulares em terras (sabe Deus se á custa de alguma vida), a visita militar a bordo dos paquetes, o recrutamento extensivo, a apresentação de presos ao comando do batalhão de linha antes de ir à Polícia, a censura à imprensa, os inquéritos a portas fechadas e sob pressão militar, a coação dos magistrados em público, no jornal sob pena de demissão: tudo isso ainda se faz em Santa Catarina, já de novembro para cá, já no governo do Dr. Prudente de Moraes!
E o povo sofre e o povo nem se queixa, porque mal pode respirar nessa atmosfera pesada de tirania, porque mal pode gemer no meio dos soluços e das lágrimas que lhe arranca o assassinato dessa centena de seus irmãos.
O povo sofre, e sente que o decreto de aniquilação lavrado contra ele pelo Déspota ainda não foi revogado. Sofre, e não tem para quem apelar.
Sofre, e olhando em volta, só encontra a esmagar-lhe a liberdade, a ameaçar-lhe a vida a mão do mesmo verdugo, os seus carrascos, os mesmos sicários e aventureiros aos quais entregou o ditador.
Que sorte a deste Estado!
Mas que crime em verdade, tamanho, cometeram os Catarinenses, que lhe não bastavam de castigo as hecatombes e as monstruosas perseguições que já haviam padecidos?
Será preciso porém quem sabe?
Cumpram-se pois inteiro sacrifício, e um dia a História que julgará.
Que ressoe sinistra: o rugido do jaguar.
A REVOLTA − SETEMBRO DE 1895
Já os interessados começam a preparar os elementos que hão de servir no processo perante o julgamento da história.
Defesa e acusação vão apurando os fatos e apurando a verdade para deixá-la desembaraçada e pura em presença do imparcial juiz.
As paixões se acalmam e os espíritos se vão mostrando temerosos da sentença daquele implacável tribunal, ante o qual não comparecem os homens, já nivelados pela morte, mas sim as suas ações.
A revolta da Esquadra a 6 de setembro prepara-se para comparecer em juízo, na mais ou menos fiéis estão já derramando a luz sobre os fatos que a constituíram.
Na revolução do Rio Grande ainda as investigações são incertas, guardados como ainda estão os documentos nos campos de batalha onde apenas agora vai se perdendo o eixo do estrondo dos canhões.
Mas não foi só a Esquadra, não foi só o Rio Grande do Sul que se revoltaram: houve mais alguma coisa então.
No meio desses dois grandes movimentos, o que descia do norte por mar e o que subia pelo interior dos pampas do sul; um estranho fenômeno se passava, modesto e despretencioso, no Estado para onde convergiram aquelas duas correntes. Santa Catarina revoltou-se.
28 DE SETEMBRO DE 1895
Enfim, chegou a minha vez, já o havia dito: das duas famílias, das duas classes que aqui tinham lutado e ainda se debatiam, a vencedora extinguiria a outra. Não podiam subsistir ambas neste mesmo território: havia incompatibilidade entre elas; a absorção de uma era inevitável, ou a supressão, qualquer que fosse o modo.
É sempre a mesma coisa nas conquistas, é sempre o mesmo processo: no passado como no presente, nas grandes nações como nos pequenos distritos, na Europa como na América: a história faz tirar leis para estes fenômenos.
Ou o conquistador é subjugado pelas necessidades do meio em que se apresenta, e lenta e gradualmente é absorvido pelos conquistados, − ou o exclusivismo, a pressão, a intolerância são tais, que a extinção dos conquistados é fatalmente o resultado.
Nesta região a conquista foi um desastre calamitoso.
Depois dos crimes mais nefandos, seguiu-se a mais cruel perseguição que ainda perdura insaciável: é o extermínio jurado serena e metodicamente posto em execução.
Começam amanhã as sessões preparatórias e nunca estiveram tão frios os jornais por semelhante ocasião; apenas hoje um artigo singelo vem lembrar o fato.
Parece de todo esquecido o monstro ferido da sessão do ano passado, ou é que a ação prolongada da opressão já aniquilou bastante o espírito público para não deixá-lo sentir a aproximação de novos males.
É da raça latina.
Educada nos majestosos princípios da moral que se concretizaram na religião do nazareno, não compreendeu porque lhe tem sido vedado, o alcance de quase nenhuma de suas máximas. Adulterados eles foram quase todos levados à consciência do povo que de geração em geração foram transmitidas com o leite e formam hoje uma dos caracteres morais e sociais da raça.
Perdoa o criminoso, esquece o crime...
Hoje ninguém mais o diz, nem o pensa, mas instintivamente todos o fazem.
Não porque pratiquem um preceito sagrado... Fazem-no por indiferença, o que é mais horrível, por conveniência.
A história nos mostra em fúnebres clarões essa verdade, mas as lições da história.
São por demais desprezadas e nunca aproveitadas.
Eis-me no foco do movimento, no centro de onde partem todas as ações e reações, no grande bazar onde se reúnem todas as forças ativas do país, na metrópole onde se concentra a vida dessa extensa Nação, na capital enfim que se tem tornado só ela o Brasil.
Apenas cheguei: nada vi ainda, nada reconheço e só me sinto aturdido pelo passar incessante desse turbilhão em que ainda não pude penetrar.
Nada mais curioso do que o estado em que está vivendo o nosso país.
Hoje não há anarquia, não há o despotismo; não há guerra externa, não há revoluções: disse o país em paz; e o governo republicano federativo governa o elemento civil e com a Constituição.
Lança-se porém a vista para as coisas públicas no Centro, e pelos Estados e uma cena desoladora se vai desenrolando, onde os quadros se não fixam e vão mudando de aspecto incessantemente.
O espírito a princípio espantado logo se revolta, indigna e exalta para cair por fim no desânimo, no aborrecimento e desprezo e semelhante baixeza e vício.
17 DE FEVEREIRO DE 1896 – RIO
Naquele tempo, quando ainda a ditadura de Floriano não havia declarado a tirania, a ideia da separação por algumas vezes irrompeu o medo em alguns pontos na imprensa. Não era um sonho, não era uma utopia a desafiar discussão, era apenas uma faísca incerta, fugaz, efêmera, que na violência das lutas políticas luzia como nos violentos atritos salta a fagulha.
Já porém nalguns espíritos aquela ideia havia sido trabalhada, e a fria razão a recebia sem assombro, como coisa natural, fatalmente colocada em um ponto da marcha do espírito humano, estadia do progresso e desenvolvimento das sociedades nessa região da América do Sul.
Um dia a separação tem de vir.
Os fatos, geralmente inesperados, que durante estes três últimos anos se deram no país, em nada modificaram as coisas no caminho da sociedade: apressaram talvez um desenlace que parecia estar muito mais longe.
Os mais fortes interesses políticos, e quiçá sociais clamavam com ardor pela conservação da integridade − sinal evidente de alvoroço da consciência no temor do perigo;
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Bradava-se contra qualquer movimento e cobriam de anátema porque dele podia tomar origem o fantasma da separação, e essa increspação espalhava o pânico sobre todas as paixões.
Entretanto, a 19 de novembro de 89 houve quem respondesse aos que interpelavam sobre o acontecimento dos três dias anteriores:
“Era uma vez a Nação brasileira...” − E um pressentimento inexplicável, espontâneo, sem valor então, via claramente naquela frase brusca a natural divisão da nacionalidade.
Hoje mais do que nunca a ideia de separação se enraíza e já é a convicção que se apossa do espírito quando o encara.
MAIO DE 1896
Muitas vezes me quer parecer que com os anos e a observação, vou entendendo alguma coisa dos negócios públicos deste País; e então me ponho a refletir sobre a marcha, os acidentes e as lutas travada nele, e acabo por afastar os olhos, desanimado e confessando que nada ainda percebo.
Em verdade, o mais otimista espírito desfalece ante o quadro que represente as cenas desenroladas de há alguns anos para cá.
Por maior esforço que se empregue em julgar com calma e imparcialidade os acontecimentos, não é possível ser favorável o juízo.
Os fatos não são esperam a conclusão do estudo, precipitam-se e vêm dar o ensinamento, tirando assim do espírito o tempo do exame.
Há em tudo um movimento vertiginoso estupendo, que tudo atropela e tudo invade: a pedra que lenta desprendeu no alto do rochedo, foi gradualmente adquirindo força e hoje precipita-se em torvelinho na voragem.
O observador na calma do espírito, esperava, não sem apreensões, as consequências do movimento de extinção da escravatura, quando, a reforma do sistema de governo veio mudar a face das coisas públicas.
Essa mudança foi completa, e iniciou uma série casual de sucessos que facilmente demonstrou a falta de um princípio capaz de coordenação.
Desde então, o observador viu transformadas as apreensões em receios os quais pouco a pouco se transformaram em convicções firmes de fatais consequências.
Sem resistência, sem esforço, sem algum desses naturais embaraços que os povos soem erguer, os acontecimentos prosseguem no caminho que a ordem natural havia reservado para mais desviado futuro.
Em tudo isto se vê uma inconsciência absoluta, a mais repugnante indiferença, e a mais culposa aquiescência, que descobrem espírito do observador o abaixamento notável do nível moral.
Entretanto, não há que desesperar; na marcha da civilização, o espírito humano caminha por ciclos é sabido; encerrado um, começa logo outro, este virá mais adiantado.
Não será que se está terminando um ciclo?
A corrupção que mansamente tinha vindo, como nódoa de azeite, ganhando uma por uma todas as camadas sociais, apenas de quando em quando irrompendo mas logo escondida, de 89 para cá ostentou-se na sua plenitude, e completou sua propagação.
A subversão total no país dividiu desde logo os homens em dois grupos, um dos quais tinha o poder, e este dissolveu a Nação.
O poder fez o Estatuto e convocou os companheiros para aprová-lo, e o povo não foi consultado: a tudo assistiu com a calma e indiferença do embrutecimento habitual.
Foi aceito o novo Estatuto e imposto à sociedade, que impassível vira rasgar o antigo, e se não dissolvera, e ela continuou sem emoção dando ao fato a importância simples de uma mudança apenas de nomes e de pessoas.
Então começou essa empresa, própria de tais momentos, em todos os países: a sequestração do poder; e tanto mais fácil e segura se fez ela, quanto o primeiro movimento houvera sido praticado pelo braço da força militar.
Debaixo da ação militar, fez-se o novo Estatuto, e o governo poder da espada entregou o país ao governo militar.
22 DE JUNHO DE 1896
Meu estimado amigo, Maneca Ferreira
Recebi anteontem a carta 18.
Como?! Pois é a mesma, que agora toca estender-lhe a mão da filosofia e levantar-lhe as forças do espírito? Será o velho cansado, quando já se sente fraquejar na luta pela vida, acabrunhado de incessantes desgostos, exilado, ferido para cruéis golpes, abatido pela desesperança − será aquele que só viveu para sofrer, que tem de levar ao veio da amizade o ânimo, o conforto e a esperança?
Ah, meu amigo, olha para mim. Tira teus olhos desses que são mais felizes do que nós; não é para lá que tens de olhar, é para cá para mim e para os que ainda mais do que eu são infelizes, − e não te queixarás. Os que são teus, tu os têm tranquilos e ao abrigo das maiores eventualidades da vida, e a tua saúde não te ameaça com perigo.
Pois bem, aquele que de si não pode dizer outro tanto, aquele que longe da amizade, longe da sua querida pátria, na presença da pobreza que lhe bate à porta, com alma retalhada de feridas mortais, já no fim da vida: esse, te diz com segurança de passada experiência – “ergue esse ânimo, amigo, levanta teu espírito; encara a realidade de face e sacode para longe de ti essas doces ilusões que ainda da mocidade trazes apegadas ao coração − sê forte.”
Porquê, meu bom amigo, tu és mais forte do que essa multidão ignara que te circunda afogada em vícios. Teu caráter, ileso está de pé, altivo, no meio desse extremo rebaixamento de nível moral. Porque esperar qualquer coisa desse meio estéril e deletério.
Vamos − sê filósofo, dá as coisas o eu verdadeiro, aspecto e valor. Pensas que ainda se pode fazer alguma coisa dessa argamassa repugnante? Engano si pudesse de mais perto ver o que aqui, no coração do país, se passa, como ficaria então teu espírito? Não; se isso que ai vai é o pior, então o pior vai em todo o país. Estes desmoronamentos assustam e fazem estremecer a primeira vista é certo; o espírito apreensivo aterra-se com as consequências previstas facilmente e o desânimo invade a alma e nos lança na apatia. É a saudade do que já foi, é o sentimento feliz do passado que ainda oscilava ao desprender-se do coração. Mas ele vai cair, embora nesse despregar-se goteje, o sangue das afeições − Ânimo! -Tudo não se acaba − Por que desesperar? Quem te disse que a escala do mal não tem fim? Não vês que em todo o país, do Prata ao Amazonas, a cena é a mesma? Não sentes no fracasso dessa imensa compreensão, desse enorme emprezamento o surdo estalido do desconjuntamento, o sombrio ranger das peças que se quebram? Pois bem, é triste, é bárbaro, é medonho, mas é preciso, é fatal.
A destruição está se fazendo terminada, começará a organização. Dúvidas? Como negar o desmoronamento a que estás assistindo dia por dia? Pretendes que porventura ainda aja alguma força capaz de antepor-se à essa avalanche, impelida pela fatalidade das leis naturais? E, então, se progride sempre, onde vai findar? Mas, acaso o aniquilamento é o que lá espera tudo? Não, nem ele nem o extermínio. A filosofia não debalde estuda os fatos em todas as faces da humanidade; a marcha do espírito humano é ascendente − mas as civilizações se fazem por ciclos de duração e caminhos indeterminados; terminado um, começa outro, e cada um deixa marcado um passo adiante. Estamos no fim de um desses ciclos, porém é quase certo, não o veremos terminar. Ora, assim como na humanidade, o processo é o mesmo nas Nações. O ciclo que iniciou-se com a independência está a terminar: é o desmoronamento a que assistimos; o outro começara para uma nova organização qualquer − tranquila ou agitada, quem sabe? Esperemos. A nós, a ti e a mim que nos afastamos dos movimentos, só nos toca o papel de observadores. Lamentemos as desgraças, as perdas, os sacrifícios que custam estas ações e reações, mas devemos recebê-las como aceitamos os fenômenos inconscientes da natureza. Sê forte, pois coragem. Careces de comunicação e desafogo, precisas desabafar, estás afogado e oprimido; pois sim; começa adquirindo o hábito de escrever; escreve-me com liberdade; com franqueza, sem restrições, e verás como gradualmente vai desvencilhando teu espírito dessa sombria melancolia que te adoece.
Vamos − considera bem nesta minha carta, e com ela tece algumas teses que te parecerão errôneas, propõe as tuas dúvidas e discutiremos.
Já vês, Maneca, de longe o que teu amigo pode oferecer é este remédio, aceita, e usa-o e te garanto que com ele, e com a fé e a crença que a religião implantou em teu coração, vencerás o que julgas incurável.
31 DE JUNHO DE 1896
Amigo Lauro
Vejo que bem aprecias o estado triste de nosso país, e no entanto é de longe que sabes alguma coisa de que aqui se passa; ficarias de todo desanimado se de perto pudesse julgar. Olha, ainda ontem o espetáculo escandaloso e repugnante da comemoração da morte de Floriano. Que cena!
Já não é o servilismo e a covardia de conhecidas atrocidades do sanguinário ditador, que tinha as enxovias e os fuzis para forçar as massas; não, já um ano havia fechado a porta das prisões e descarregado os espingardas: o tirano não mais pertence ao mundo. O que levou, pois, esses homens, esse povo, a fazer tão ostentosa, tão extraordinária manifestação? Não é ao homem, ao militar, ao pai de família, que eles consagram essas cerimônias aviltantes: não é mesmo a Floriano ditador, ao Marechal de ferro, que eles adoram. Esse nome é um símbolo é um pretexto, um fetiche, que para os próprios sacerdotes desse culto nem um valor tem.
Há em tudo isto a falsidade, a mascarada, a mentira que domina o país desde 89; há em tudo isto a máscara da comédia cobrindo o rosto hediondo da tragédia.
Há alguma coisa de monstruoso em tudo isso, as sociedades têm suas crises: uma de bem, outras de mal.
A subversão feita em 89 no país levantou à tona a camada repulsiva: está de posse de tudo, tudo fez para não descer, e conservou turvas as ondas; ao princípio as seduções, os exclusivismos, a corrupção; depois, estremecendo ao embate dos ventos que desencadearia, armou-se do terror e com a fúria da tempestade e acalmou os ares; − mas não desceu ainda, e represos os ventos, voltou à primitiva corrupção arredando os maiores perigos e aproveitadas todas as vantagens do cataclisma. São os proventos do despotismo, são os frutos da tirania que ligaria esses homens aventureiros; eles têm símbolos, ritos, preceitos e sagrações; eles se agremiam, se ajudam e obedecem e recebem o salário segundo seu serviço.
Eles criaram para si deveres e direitos, e a sua união faz a sua força, conservada e aumentada pelo rigor do absolutismo e arbítrio. E em toda soturna organização, a falsidade dos nomes, das coisas e das ideias é condição imprescritível para os sócios.
Esta é a sociedade dos florianistas de que são sacerdotes ou jacobinos. É esta a sociedade que se apossou do país e que governa sob o nome de partido republicano federal e cujo presidente é o árbitro dos poderes.
Lê agora, se ainda o não fizeste, a descrição da procissão, ou bando, que foi ao cemitério à imitação daquele que aí andou na Praça com um andor no ano passado. E verás que tudo é falso porque essas comissões foram improvisadas para eles próprios e suas delegações mentirosas e disfarçadamente denominados porque ninguém se atreveria a desmenti-las.
Toda a imprensa deu conta da festa e grande parte a ela concorreu; só um jornal enchendo-se de brio e nem uma só vez nesse dia proferiu o nome do tirano não deu a notícia do fato e só por um iniciante declarou não se haver feito representar nele: a cidade do Rio.
15 DE JULHO DE1896
Delminda:
Contou-nos a narração que lhe fez o seu chegado Maneca do Ribeirão do sucedido ao Lorena e sobrinhos: era essa versão que eu tinha. Quanto horror não causa hoje a recordação desses fatos, crimes hediondos, que ninguém acreditaria antes, e que hoje começam já a repugnar! A alma se toma de terrível indignação ao passar em revista tanta crueldade, tão selvagens atrocidades feitas para uma sociedade culta, por homens da civilização, educados, instruídos na religião católica. E o coração chorando os sofrimentos, e a morte dos mártires, leva a razão a estremecer e amaldiçoar os criminosos que impunes prosseguem na vida com a mesma isenção, tranquilos, desembaraçados no meio social, recebidos, cuidados, recompensados e até louvados! É esta a justiça dos homens, sempre falível. Mas a de Deus? Será possível que tenha ficado impune tantos atentados? Terá descido sobre essas cabeças o perdão? A misericórdia é infinita, bem o sei; mas a justiça divina é indefectível, e o castigo é um braço da justiça.
Minha razão, porém, me afasta dessas apreciações superiores, e me chama para o estudo das coisas humanas. Não sofrerá depreciação a nível moral da sociedade − com semelhantes − fatos? Onde ficam o brio, a dignidade, os sentimentos da virtude de um povo que mostra assim não apreciar tantos crimes, tamanhas suleiradas. Que lições podem colher não só os mais incultos, mas ainda os filhos que de tais pais procedem? Ah, minha boa amiga, muito me amargura o coração essa desgraça de nossa querida terra, porque não vejo reabilitação, é uma ferida que há de sempre sangrar, bem o conheço, porque que para mim fizeram mais do que insultá-la, mais do que feri-la, mataram-na; aquela nossa amada Desterro − já não existe.
JULHO DE 1896
O poder está entregue ao partido: é o partido que governa todo o país.
“Pois si este partido é o único! Formai outro, grande, forte e vinde lutar conosco pelo poder” − exclamam-lhes − os do governo.
Porque eles dispõem da força e o sabem empregar na sua conservação e assim estão seguros de que nem um partido forte se há de formar.
E prosseguem na sua vereda incompreensível de loucuras, que traz o espírito público atordoado.
Mas, dizem bem, não há outro partido e portanto estão com o direito, não se formará outro partido e pois estão seguros.
Seguros, é certo; para essa gente há certas regras que ela não transgride; enquanto podem, é para ela dever aproveitar todas as vantagens, quando lhe foge o poder, desaparece, e fica espreitando alguma fresta para de novo entrar no poder.
A vida desse partido é o dia de hoje, amanhã não existe: “que importa o que há de vir? Já não será conosco”.
Porque esse partido tem consciência de que não durará eternamente; não sabe, porém, nem quer saber, quando ou como há de deixar o poder.
Entretanto, si o observador não pode ainda suspeitar quando, pode já prever de que modo. Para que esse partido subsista é preciso a centralização. Para conservá-la é preciso dar todo o apoio aos Estados. Este apoio os engrandece e robustece.
Ora, o sistema de governo é o mesmo, nos Estados como no Centro.
A veleidade do poder, a ambição descabida ativa a absorção da força pelos Estados, e quando o centro enfraquecido tentar na própria conservação reagir, os Estados erguem-se e resistem.
Ai então do país, não do partido que então não existirá mais.
Ai do país, onde se levantará mais de uma Nação, consequência fatal de tantos erros, tantos crimes.
20 DE MARÇO DE 1897
Bem me havia parecido dolorosa e triste para um coração bem formado a cena desoladora da queda de uma grande nação. Nunca pensei durante a monarquia que fosse para meus dias assistir a semelhante espetáculo.
Eis-nos entretanto no meio desse desastre.
Por mais indiferente, por mais desiludido e frio que o espírito se tenha tomado pelas vicissitudes da sociedade, impossível é ver com impassibilidade tamanho cataclisma.
Um só fato fortuito e inesperado fez gemer todas as juntas do edifício social e algumas paredes baquearam, deixando-a mole, sem segurança. Sobre esse arcabouço e sem atenção a seu estado precário, em trêfega faina, se improvisou nova edificação mais formada de fingido estuque que de obra real.
As fendas, porém, a falta de prumo e, mais que tudo, a falsidade do artefato, em breve determinaram os efêmeros concertos que, ao repetirem-se, vão cada vez derrocando e desaprumando mais o frágil edifício.
26 DE MARÇO DE 1897
Nova Troia. Canudos vai ser cercada. Para aí são mandados os Exércitos do Norte e do Sul − De todos os pontos da República correm os valentes patriotas, em toda a parte se formam legiões guerreiras para desafronta da instituição sagrada.
São escolhidos os heróis de mais gloriosa fama para com suas hostes ir estreitar o cerco.
Com imenso sacrifício se prepara o material de guerra; munições e armamentos são enviados em profusão; víveres sem conta são fornecidos. Abrem-se estradas e fazem-se obras de arte custosas, levantam-se plantas, discutem-se planos, calculam-se efeitos, ouvem-se informações e previnem-se surpresas. Não faltam os socorros, hospitais de sangue, cirurgiões, enfermeiras, a tudo se atende e se provê.
Porque está assentado: não se atacar o inimigo senão depois de vencido pelo cerco.
Se o mais cruel − ditador apossado do poder supremo, com braço de ferro trucidasse a nação nos mais terríveis martírios que o despotismo inventa, se o pé de arrogante estrangeiro calcasse ousado a terra nacional! Que mais aceso entusiasmo, que maior alarme, que mais patriotismo se levantaria do que tudo isso que estamos vendo?
Não há recanto no país, onde não ecoasse como sinistro clarim a notícia do horrível desastre de Canudos.
As populações estremeceram, a tristeza e o luto derramou-se por toda parte; trocaram-se condolências, rezaram-se missas e o ardor do patriotismo súbito irrompeu de mil formas em mil pontos, como resposta aquele desastre inaudito, aquela afronta sangrenta.
Com efeito em um recesso de um dos Estados da República acabava de se dar um revoltante fracasso; nos sertões da Bahia em um pequeno e pobre arraial, inculto e ignorado onde se açoitavam foragidos e aventureiros e onde fora repelida a pequena campanha que [...]
Mas a afronta fora imensa.
Em Canudos vivia uma turma de fanáticos, dedicados de corpo e alma a um chefe que os prendia pelos laços da superstição. Às queixas e reclamações de circunvizinhos, foi enviado um destacamento de linha, que mais devia fazer do que as diligências policiais que haviam malogrado.
Esse destacamento nada pode conseguir e bateu em retirada, declarando insuficiente suas forças ante o poder do adversário.
Oh, mas então um punhado de foragidos criminosos e galés ao mando de um mentecapto, criminoso também, valendo-se do fanatismo, afrontava assim a força pública, um destacamento militar comandado por oficial?
Não. Alguma coisa de extraordinário havia aí, de sobre o injurioso atrevimento de resistir a fazer voltar a força armada.
As declarações alegadas eram evidentemente repletas de exageração e fantasia: sujeite-se esse oficial a conselho de investigação e de guerra pela sua vergonhosa retirada, e envie-se um militar brioso e provado no campo de batalha, para reparar aquele erro e castigar rigorosamente como merece o aleivoso chefe dos fanáticos.
Logo foi mandado o maior afamado oficial dos que haviam defendido a República contra a revolução passada.
A testa de seu luzido batalhão, com um parque de artilharia, com reforço de outros batalhões e forças do Estado, seguiu para o covil dos fanáticos o valente militar que na fronteira do sul, no Boqueirão, Paquetá e Santa Catarina havia cercado seu nome de coriscante auréola. Com as suas instruções lhe dá o governo carta branca; entregasse-lhe para as despesas do momento cem contos de reis, e todos os auxílios incondicionais das autoridades federais e estaduais.
Partiu − chegou, reuniu e revistou suas forças, informou-se e revolveu e tranquilizando seu governo, garantiu repetidas vezes em prazo fixo ter findado sua missão, extinguindo a turba de fanáticos e entregando às justiças o alucinado criminoso.
Então distribuiu as forças e foi ao local .
Ei-lo chegado; joga a artilharia, avança a fuzilaria, e ataca-se a praça mal defendida e fraca: vitória, ia bradar o herói, mas à voz lhe embargavam as balas inimigas e à sua queda segue-se a queda do seu substituto e o combate cessou para dar lugar a uma estupenda debandada em fuga.
No campo ficou a artilharia, armamento, munições e víveres, e os corpos dos chefes e dos soldados em números assustador: o pânico dispersará os legionários.
As notícias diárias e repetidas sucedeu por três ou quatro dias um silêncio da imprensa só preenchido por boatos de mau agouro, um certo azedume e despeito: não se desmentia os boatos, ameaçava-se os que os repeliam. Finalmente, impossível foi por mais tempo ocultar a verdade e a desastrada derrota é anunciada no meio já de violentas arruaças.
Era demais.
Morrera o grande oficial e com ele outros bravos, fora dispersada a tropa com espantosa carnificina: poucos escaparam, e ficaram tomadas artilharia, amamento, munições e víveres salvando-se a caixa ou tesouro militar.
Bem disposto o ataque, entrado o arraial, tomadas diversas casas, faz-se um movimento para recomeçar e são mortos os chefes: o novo comando decide em conselho a retirada e esta é cortada pela retaguarda e pelos flancos, daí a debandada.
Um desastre.
Mas como foi alvejado o chefe?
Esses miseráveis sertanejos que nunca saíram daquelas matas longínquas poderiam conhecer o valor do brioso militar que era a alma da expedição, esse esteio poderoso da República, esse herói da legalidade em quem mais confiavam e sinceros defensores das instituições?
Não; a traição vil fora daqui oculta no tumulto das tropas e na refrega do combate visara o alvo covardemente cobiçado e, mão certeira, lhe enviara a morte. Era demais.
Claro fica o jogo nefando.
Atrás daquele desprezível e baixo acervo de ignorantes e criminosos bandidos, a título do ridículo fanatismo por um sandeu, estava a hidra da restauração que levanta ali o colo e as cem cabeças por toda a Nação.
A monarquia e a igreja de mãos dadas utilizavam em seus negregados planos a influência supersticiosa daqueles ignorantes, e os armara, os auxiliara, e os dirigira.
Uma vez dado o alarme fácil foi aos vigilantes guardas do precioso tesouro descortinar o movimento que aquela medonha víbora fazia por toda a parte, e logo sentiu que o seu sanguinário coração estava pulsando aqui bem no centro da República.
A reação foi súbita e estrondosa.
Era preciso um golpe certeiro e seguro que fizesse de novo a consolidação da República; era preciso acabar de vez com esses perturbadores da ordem e do progresso da grande Nação; era urgente uma vingança para desafrontar o assassinato traiçoeiro do vulto heroico que tão alto elevara seu nome nos mais belos fastos da história republicana.
Ali, naquele antro de jagunços do norte, como entre os Maragatos do Sul manobravam os restauradores inimigos das instituições; já alguns tinham sido vistos, eram nomeados outros que batidos no sul voltavam a novas tentativas.
Era a eles que deviam ser dirigidos os primeiros golpes, e as vistas se voltaram para todos os pontos onde vegetavam esses incoercíveis asseclas de uma ideia condenada.
Os poderosos guardas e chefes da nova forma de governo, por sua imprensa, disseminaram por todo o país, o brado de guerra que já fez prodígios entre as suas patrióticas legiões, previdentemente passadas em revistas repetidas, e no coração das quais não se deixava arrefecer o fogo sagrado do entusiasmo pela memória do grande vulto do Consolidador, o Marechal de Ferro.
Traição à República. — Morte aos traidores.
Em poucos momentos tudo era agitação e fúria; as imprecações, as orações incendiárias, as apóstrofes, os vivas patrióticos mais acendiam o entusiasmo nas turbas que, desorientadas, pediam frenética vingança. Queimaram-se tipografias, apedrejaram-se casas e assassinaram-se escritores, e soltou-se nas cidades o recrutamento para com o terror e a perseguição conter os restauradores, que eram votados ao extermínio.
E não eram eles os autores desses males que caíam sobre a República? Não estava bem evidenciado que em Canudos dirigia o combate o mando oculto de revolucionários saídos das fileiras dos Maragatos? Não se havia apanhado quase a remessa de armamento para os jagunços? Não se mostrava na defesa dos jornais monarquistas a convivência e proteção que esse bando de celerados prestavam aos fanáticos? Não se achara correspondência entre eles por intermediários?
Que mais provas buscar?
Agora era imbecilidade duvidar e aos ouvidos de todos os bons patriotas ecoavam sinistras as sentenças proféticas dos dois grandes vultos — “Confiai, desconfiando sempre” − dizia um; —”Não tireis daqui os bravos patriotas porque aqui é que está o perigo” − dizia o outro; — “Nada ainda está seguro” − repetiam ambos.
E os bons e dedicados defensores da República avisados pela experiência concluíram que, enquanto existisse no país um suspeito a República não podia estar tranquila.
E não havia razão?
Não andavam livres nas ruas e praças esses mesmos que haviam, com a amaldiçoada revolta de 6 de setembro, tentado contra a República? Não estavam hoje gozando de liberdade quando deveriam nos cárceres ou passados pelas armas expiar os crimes que cometeram?
Não se haviam insinuado traiçoeiramente no ânimo dos generosos republicanos esses falsos inimigos a ponto de conseguirem as posições oficiais?
Impensada tolerância!
Negregada anistia! Aí estão os frutos desta inepta fraqueza que o bom senso e a sã razão condena na tosca linguagem do povo: “quem seu inimigo poupa, nas mãos dele lhe morre”.
[Por que poupar esses bandidos que, sem piedade, feriam no coração a sagrada República?
Anistiar uns celerados que praticaram tantas depredações, que degolaram que martirizaram, profanavam os cadáveres, incendiavam e destruíram tudo roubando e saqueando, − deixá-los sem um castigo, livre e ainda se prepararem para novos crimes ...era uma chaga dolorosa e funda aberta na alma dos verdadeiros patriotas.
Não estava ai apontando o caminho o exemplo do grande vulto, o coronel de bronze, e com a perene calma e tranquilo progresso do Estado de Santa Catarina, depois da alta justiça de Santa Cruz e das devassas e varejos de toda aquela região?]
Ainda é tempo, porém. Examine-se todas as estações do funcionalismo público dessas víboras perigosas; guarde-se sob vigilância rigorosa policial esses esparsos restos da nefanda revolução, e caia o braço fatal do poder sobre esses traidores que auxiliam e sustentam o novo movimento.
Nada de piedade, nada de sentimentalismo: trate-se o inimigo como inimigo; é preciso salvar e consolidar a República.
E de todos os Estados vinham os telegramas anunciando as dolorosas lamentações pelo desastre, a exaltação e os desabafos dos intimeratos patriotas, e as adesões às crenças e princípios dos mestres.
Enérgicas e urgentes providências foram tomadas pelo governo sob a reclamação poderosa do patriotismo.
Mas era preciso que ficasse bem patente que só a hombridade e energia da opinião republicana que não o braço reconhecido frouxo e moroso obrava então. Assim, reuniram-se batalhões civis, sob denominações já usadas na revolta passada e outras que agora evocavam memórias de heróis, batalhões cujas fileiras se enchiam em poucos dias por centenas de voluntários, sob condição de provado republicanismo. Fizeram-se meetings de onde jorravam em ondas de eloquência a mais ascendida devotação patriótica. Reuniram-se todas as corporações em todos os Estados e declararam ao governo que estavam prontos a tomar as armas e seguir para o campo das batalhas, embora o mesmo governo delas não suspeitasse nem até carecesse, mostrando-se tranquilo e seguro.
Velhos e cansados nomes, mulheres e crianças, exaltados pela espantosa grita a saírem de seus lares ao oferecem-se para salvar a República, e desses mesmos anistiados muitos puseram à disposição do governo os seus serviços.
Que mais era preciso?
O país inteiro afirmava assim a sua vontade: as instituições de gente eram filhas dessa vontade: o povo mais uma vez declarava soberano que queria e tinha feito o governo do povo pelo povo, e estava satisfeito.
Nessa morte há alguma coisa de extraordinário.
Dirigir um combate como chefe, expor-se ao maior perigo ao impulso do zelo e da calma, coragem, e ser ferido e morrer: nada mais natural em um bom militar. Quantos milhares assim não perecem?
Tombaram assim e tombam ainda os que nos postos assinalados esperam o combate, é comum.
O heroísmo requer condições especiais, a valentia só na luta se declara e a coragem no arrastar os perigos.
Uma bala perdida que faz cair o chefe militar não o sagra herói.
Morrendo no posto que lhe marcava a disciplina militar, sem ataque ou luta pessoal, sofreu a consequência natural de um fato ordinário e provável.
A bala passou ali, como podia passar meio metro mais a direita ou mais a esquerda.
Simples acaso.
31 DE MARÇO DE 1897
Aquele fogo intenso que desordenado lavrou em todo o país, lançadas as primeiras chamas, se foi reduzindo a soltar pequenas chispas e já nem se lhe sente o calor.
As notícias da Bahia foram se tornando contraditórias e incompreensíveis. Os mortos no desastre horroroso de Canudos se apresentam diariamente nos povoados e até um que esperava talhado a facão quando conduzia o corpo do herói Moreira César, apresentou-se são e salvo; as perdas pois dos Exércitos vão se tornando de dia a dia insignificante.
Os detalhes das informações dos que voltaram na debandada, não combinam com as declarações dos que só agora voltam; a própria cena do combate não é narrada uniformemente: tudo se tornou inexplicável e cheio de mistério.
De outro lado a imprensa via-se coagida a desmentir-se a cada passo nas notícias de fora e até nas acusações e denúncias que fizera no ardor do entusiasmo; e não havendo mais o assunto, que tão depressa se esgotara, e livre da polêmica pela supressão da imprensa da oposição: ela foi caindo rapidamente no tranquilo enumerar dos roubos, suicídios, incêndios e assassinatos, da vida pacífica e ordinária desta sociedade.
Com presteza e alacridade se haviam aquartelado os batalhões de patriotas e um destes já aquartelado estava em exercícios. A Guarda Nacional a seu turno se movera espontaneamente, correndo todos uns e outros, adiante do governo que se ocupava com o movimento do Exército.
Naqueles dias, não do terror mas das enérgicas e patrióticas manifestações, foi pedido ao governo que retirasse embora da capital a tropa de linha, mas nunca os batalhões de patriotas verdadeiros defensores das instituições, porque aqui é que estava o verdadeiro perigo.
Tudo porém com o correr do tempo se foi acalmando, sem que nada pareça ter concorrido para tamanha tranquilidade.
3 E 4 DE ABRIL DE 1897
São incompreensíveis para o observador, ao menos na atualidade, certos fatos que entretanto têm grande importância. Como explicar o que se está passando na Bahia?
Rapidamente, quando é possível com os meios de transportes que temos, estão quase reunidos na vizinhança de Canudos dezesseis batalhões das três armas, cerca de sete mil homens. Os melhores oficiais para lá têm marchado; com missões militares técnicas de engenharia, corpo abundante sanitário, de fazenda e outros auxiliares, lá chegam sem cessar. Apetrechos bélicos e víveres são fornecidos fartamente, bem como o necessário pagamento do soldo e mais despesas.
Pois bem, aqui nada de interesse se sabe que haja ocorrido naquelas paragens. Têm cessado as notícias do aparecimento dos mortos, e dos pormenores do combate o qual por fim, ainda não se sabe como se deu. Da Bahia ou não se dá notícia, ou se comunica que as forças acampadas e bem colocadas, com segurança, em Queimadas, se ocupa em exercícios militares e de tiro, e... estão contentes!
Somente aqui veio parar um viandante que se diz saído de Canudos e dirigir-se ao Presidente da República e que foi logo preso; diz-se mais que trouxera cartas para várias e numerosas pessoas conhecidas como monarquistas, e misteriosamente se oculta o que dele escolheu.
Ora, era isto o que se poderia esperar durante aquela efervescência de paixões e ardores patrióticos à notícia do desastre de Canudos?
Há hoje um mês que se deu o ataque seguido de debandada e ainda nenhuma exploração ou descoberta no campo inimigo foi tentada.
Com indignação extrema, com exaltado entusiasmo, em atroadores tumultos, as turbas de patriotas, os oradores populares e a imprensa prorrompiam em brados ingentes de castigo e vingança; toda a demência, toda a humanidade, seria descabida, e a ação devia ser pronta, rápida e segura, para calmar as iras dos bons republicanos e lavar a injúria feita ao Exército nacional: nem um dia, nem uma hora de repouso enquanto não fosse desafrontada a República.
E nessa ardente fúria foram atacadas e incendiadas tipografias, perseguidos e mortos adversários políticos, e mil patriotas acudiram a formar batalhões para guardar em armas, a salvação da República que corria iminente perigo.
Mas, cessou o entusiasmo, as tipografias adversas desapareceram, os adversários políticos se expatriaram ou fugiram e nenhum sinal de perigo para a República se revelou nos acontecimentos; a explosão de patriotismo concentrou-se nas missas e retratos e consagrações de nomes a ruas e praças, e a imprensa agora unânime e acorde buscou em outra ordem de fatos o assunto para sua atividade.
Os batalhões, dispensados, transformaram-se em clubes, e tudo voltou à ordinária vida de um povo desgostoso governado por uma oligarquia desconfiada e cavilosa.
Mas, aonde ficou a ofensa ao Exército, a injúria à República, o perigo das Instituições, que fizeram de tudo isso?
Aonde está a sede de vingança, a ânsia marcial de castigar uns bandidos, jagunços maltrapilhos, capitaneados por traidores e (regeres) monarquistas?
Nada houve, nada há: mas foi bom tudo o que se fez, e se o país está tranquilo e seguro, deve-o ao entusiasmo dos corações patriotas, dos beneméritos entusiastas, que como um só homem, há um simples apelo dos chefes, se levantaram prontos a tudo sacrificar pela salvação e consolidação da República.
E isto só basta, porque prova a força do partido que dá o governo: são revistas, em que se exercita a tropa e se conta a sua força.
Conquanto que os corpos do Exército se reúnam a seu salvo e comandante em Queimadas e seus arredores; que se transformem essa vila em uma boa praça forte, e que sossegadamente se preparem em regimentais exercícios as [...]
28 DE MAIO DE 1897
Afinal se vai desmascarando a cena, e os papéis se vão distribuindo: já era tempo. Será um drama, será uma tragédia mais? Comédia é que não há de ser.
Como é curioso este processo que para sua desorganização segue este país!
E o mais notável é que toda essa gente talvez esteja convencida de que tem razão e tudo isso é sério.
O que se passou por ocasião da moléstia de Prudente já havia descoberto o intento de se desfazer dele o partido que o havia escolhido, do que segundo se gabava.
Entretanto não se agradava do substituto, tachado de suspeito.
Mas experimentaram-no e tendo ele aceitado a tutela ou sujeição, fizeram seu conchavo e folgaram com a troca.
O regresso inopinado de Prudente desconcertou a todos tanto mais quando foi justamente no momento em que se iniciava a execução do plano sinistro de extermínio da oposição.
A condenação de Prudente foi nesse momento lavrada, e não cessou mais o soturno conspirar.
O levante da escola veio a acelerar a cena; vão se tomando posições, vão se distribuindo os papéis, e separando os campos.
Não tardará o começo das hostilidades.
Pobre país, pobre povo infeliz!
31 DE MAIO DE 1897
Eis o primeiro movimento: o partido que tem disposto do país desde a queda de Deodoro, acaba de dividir-se, e pois estamos com dois agrupamentos adversos, conquanto formado da mesma gente daquele partido.
Difícil é a organização desses grupos em dois partidos: um, nasce em oposição ao chefe do Partido Republicano Federal, e tomando a si a defesa do Presidente Prudente; o outro defende seu chefe e faz guerra surda a Prudente.
Na imprensa a oposição foi queimada mas os jornais, de um só crédito, já se vão ajeitando às posições que devem tomar.
Mais uma curiosidade vamos ter na formação das duas fileiras da imprensa, onde já dois jornais novos se apresentam.
O País como chefe, marcou já seu terreno, o República parece que irá para seu lado. A Gazeta de Notícias, parece muito inclinada ao grupo dissidente pela hostilidade em que insiste contra o Partido Republicano Federal.; já desdobrou-se em duas edições. A Folha da Tarde mostra-se filha e tutelada do País. O Jornal do Brasil, e a Cidade do Rio ainda não vi − nem a Notícia.
Também nos Estados essa divisão há de operar-se, e daí virão como de costume mais acentuados os caracteres da divergência.
E tudo isto, uma balbúrdia, uma confusão, uma anarquia no espírito público − sem uma ideia, sem um programa político.
Vamos; é ter paciência e ir observando como os fatos são filhos e consequência dos fatos.
Para complicar a trama da situação atual aí temos qualquer dia destes o ataque a Canudos − Qualquer que seja o resultado, completo ou insuficiente, ele vem influir poderosamente nas coisas políticas, porque o Partido Republicano Federal., segunda vez o tirará proveito do elemento militar que lisonjeia para dirigi-lo.
Um novo elemento de perturbação é o que rompeu nestes dias na Bahia: as conferências de Rui Barbosa.
Comprometido como está a sustentar no Senado a doutrina que expendeu, aí vai levantar o pendão de um novo partido com vistas mais largas e que formam já um programa.
Por isso mesmo, será isolado pelos dois grupos, e só servirá para diversão aos jogos dos lutadores.
4 DE JUNHO DE 1897
As operações em Canudos parecem ameaçar mais um enorme fiasco. Consta que Conselheiro retirou-se com sua gente para as margens do rio São Francisco, e é justamente o instante em que as forças em marcha estão a chegar em frente a Canudos. Às ordens dadas a diversas brigadas ou corpos já se moveram sobre o inimigo e qualquer dia ontem ou amanhã ao chegar, achando o lugar vazio com que cara ficará?
Agora, que o Partido Republicano Federal está na oposição, é natural que lance as culpas sobre o governo não se lembrando que o governo então era ele próprio. O jornal, órgão desse partido, sempre teve como arma ofensiva a mentira e como escudo a desfaçatez e o bom estômago.
A batalha travada na câmara ontem, deu a vitória ao governo contra o partido cujo candidato, para aterrar pelo medo, foi o seu próprio Chefe − Vivas, palmas, foras e algumas bengaladas e vaias tiveram seu lugar.
O País aprecia o seu jeito a derrota do chefe, poucos votos de maioria tornam precárias a vitória do Prudente; não há divisão do partido porque todos são Partido Republicano Federal, tirando alguns maragatos restauradores. O Presidente da República nunca prestou e não presta: já andavam com ele pela barba. Em todo caso é bom ter cuidado porque pode aparecer alguém que vá para lá nem venha para cá! Algum novo consolidador.
Não se podia fazer de conta que Prudente era assim um Deodoro, que havia uma bernarda grossa e o faziam resignar, para vir o Marechal Victor — que as duas por três plantava assim um estado de sítio, e a competente ditadura, precedida de dissolução de Câmaras se elas não andassem bem?
Que bom!
Talvez se acabasse de consolidar.
A Cidade do Rio, não há dúvida achou o Partido Republicano Federal bem a jeito e vinga-se a valer, dando de rachar no País e personagens adjacentes. Está bem, por hora, está com o governo em boa maré. Deve aproveitar: quando morreu Moreira César, os do País queimaram a Gazeta da Tarde e o Liberdade e mataram o Gentil, e fizeram a Cidade do Rio engolir a língua e a conservaram amarrada à saga; agora ela pilha-se solta, e língua para que te quero(!)
A Gazeta conquanto antiga adversária do País, a quem vota quase ódio, e sempre guerreando o P.R.F., manifestou-se, cheia de escrúpulos, ao lado do governo; parece recear comprometer-se, ou ainda não julga ainda bem segura a situação.
O Jornal do Brasil aplaude e se regozija com a queda de Glicério, mas não se expande em defesa de Prudente.
A Notícia sorri para ambos os lados.
A República segue o País, mas desaforada e atrabilhariamente.
09 DE JUNHO DE 1897
Insistem em qualificar de simples ato de insubordinação, passageira indisciplina, e até leviana exaltação de rapazes, o fato da Escola Militar; e concordam todos, que esse fato era sem consequências, nem importância ou significação.
O que se vê, porém, é que todos têm receio de qualquer modo de cair no desagrado dos alunos da escola. Neste ponto fora indispensável examinar uma questão fora do assunto atual, e é saber o que é, como se forma, que ideia tem, quais suas condições de vida e como age essa Escola. Deixemos isso agora de lado.
Foi um ato sem consequências: vejamos. Sem consequências porque não se verificou que estivesse ligado a plano algum e porque a tropa foi recebida em paz. É verdade, não foi trocado um tiro, mas as armas estavam à mão e os cartuchos na cartucheira.
E agora, suponhamos que fosse a tropa recebida pelas descargas de fuzilaria e os tiros dos canhões assentados a propósito: o que aconteceria?
A tropa atacava, o combate travado era fatal à Escola pela superioridade da força dos batalhões, e o poderoso auxílio dos vasos de guerra.
Pode-se prever as consequências de semelhante fato?
Conhecidos os ânimos da gente que governa o país, e a qualidade de seus sequazes, pode-se medir o alcance de tamanho desastre?
11 DE JUNHO DE 1897
Parece claro.
Se a metade mais um ou dois Estados se declaram contrários ao procedimento do governo da União, e pois em oposição ao Prudente, este tem de compreender que não governa por vontade da maioria da Nação e deve resignar.
Então, assumirá o governo o Vice-Presidente o qual terá feito pacto e dado assinar com o partido, e continuará o domínio do Partido Republicano Federal e político de Floriano.
Convém portanto fazer a maioria nos Estados e este é o trabalho em mãos, pouco difícil para quem durante estes dois últimos anos de seu poder foi incansável em comprar servidores.
Mas, onde fica a decantada autonomia dos Estados, isentos do domínio político do Centro ou União?
Quando formados e em ação estiveram os dois partidos naturais, o Liberal e o Conservador, não poderia algum ou alguns Estados ter dominado em seu seio e nos seus negócios e governo um partido diverso o que estava no poder da União?
A prevalecer aquela teoria, só haveria a troca da deposição armada pela deposição política, ou queda de um partido fora dos trâmites legítimos, ou finalmente uma pacífica destituição ou cassa de mandato.
Mas se o presidente isso não entender legal e se julgar autorizado enquanto na forma da Constituição nem um impedimento sobrevenha, qual o recurso que resta ao partido da oposição?
26 DE JUNHO DE 1897
O observador que procura estudar a marcha do que se chama política no Brasil, dificilmente pode antever os futuros acontecimentos, ainda baseado na mais rigorosa lógica dos fatos, porque parece que mais do que as consequências naturais, se vem ordinariamente apresentar o imprevisto.
A razão deste distúrbio na senda do espírito público, está em duas circunstâncias que ocorrem nos homens políticos: a ignorância de um lado e a má-fé em outros.
Com a República é o que se pode facilmente verificar desde seu começo.
Hoje, mais que nunca se manifesta essa feição naqueles que tomaram conta do governo na República: os que não são ignorantes, estão de má-fé; os sinceros e de boa-fé estão afastados.
Com o tempo desenvolveu-se, e tanto se arraigou esse vício ou defeito, que decerto causará grande abalo o seu extermínio e dessa comoção se acresciam todos os que incumbiram de dirigir os negócios públicos.
Durante o tumulto de surpresas, exaltação e embriaguez moral do Governo Provisório mal pode o observador perceber como se mostrava o espírito público. No primeiro período do Governo Militar, isto é, na Presidência se prolongou ainda aquele atordoamento de princípios estranhos que se impunham, de ideias ainda informes e de crenças ainda mal formadas.
Foi só no segundo período do governo militar, na Vice-Presidência, que, por uma evolução natural, e não por trabalho de nenhum intento proposital, se congregou e constituiu por aglomeração o acervo que mais tarde se chamou partido.
A necessidade de mascarar o despotismo fez com que o Ditador tolerasse a formação desse partido, que lhe servia passivamente e ao qual nutria com favores e galardões.
Fácil é ver que fora desse partido, só havia a resistência ao absolutismo da ditadura e a abstenção da boa-fé.
Os acontecimentos da Revolta de 6 de setembro deram lugar à consagração do partido pelo Ditador, graça que foi reconhecida por ele com a sua canonização:
A 15 de Novembro passava o poder para as mãos do primeiro Presidente civil; o partido sentiu que se tornava possível escapar-lhe o poder, justamente quando o absolutismo o deixava inteiro e, ousado, arriscou um golpe que lhe garantia na ficção de um protetorado a segurança da existência e efetividade de ação.
O tempo entretanto deixava sobre seus passos o germinar de sementes que mais tarde desenvolvidas dariam plantas diversas.
O Partido Federal havia-se apossado das formas despóticas e do regime militar como pretendida herança ou doação do Ditador; de outro lado o Governo Civil na sua aspiração de liberdade evitava todos os choques perigosos contemporizava atento aguardando a ação do tempo.
Com efeito, naquele acervo que vivera aglomerado em virtude da lei fatal da conservação, se foi desenvolvendo uma série de elementos que viviam e cresciam à custa da própria vida do partido. Difícil se tornara contentar as exigências de tão numerosos e variados elementos pois, o Partido era um só em todo o país e o único distribuidor de posições.
Com a maior reserva pelo temor de ser lançado ao ostracismo, começou a formar-se descontentes ou despeitados que com cuidado investigando as camadas diversas do Partido foram discriminando os pontos fracos e as necessidades que só eram vencidas pela força, o temor e a falsidade.
De seu lado, já a direção do Partido sentia queimarem-lhe nas mãos as rédeas tão violentamente distendidas pela impetuosa desfilada em que se precipitavam os negócios públicos. Sentia já que esse enorme conglomerado era demais pesado para ser mourejado e que as fendas já riscadas na grande massa se iam abrindo e aprofundando; era portanto necessário maior pressão e ensaiar recursos para algum momento crítico.
A Vice-presidência serviu para esse plano. Mas quando parecia caminhar desassombrado essa campanha, a volta do presidente, talvez prevenido, desfez todo o manejo do Partido que mostrara tê-lo posto à margem.
Estabeleceu-se então uma verdadeira crise e só faltava o pretexto.
O levantamento dos alunos militares veio fornecer as bases do movimento, e a Moção Seabra foi a causa ocasional ou pretexto.
O chefe do Partido se declarou em oposição ao governo com a qual tinha alguns diretores − não havia remédio − fez-se a cisão ficando uma parte a favor do Presidente e outra em oposição à ela.
A imprensa que era unânime em razão do atentado aos jornais oposicionistas, teve de dividir-se, dando o exemplo os órgãos do Partido que abriram guerra ao governo, sem que esse tenha ainda imprensa sua; os que se pretendem neutros se inclinam em favor do poder.
Passando da luta de impropérios à discussão chegaram afinal a conhecer ou antes a confessar o vazio que existia no Partido, e portanto o vazio que subsiste nos dois grupos atuais.
São dois partidos constitucionais, dizem batendo palmas, e a República vai bem por isso, era indispensável para um bom governo. Mas partido constitucional pressupõe um inconstitucional e deste não há notícia.
Em primeiro lugar, ser constitucional não é programa é dever.
Em segundo lugar, se ambos são constitucionais, eles não se distinguem, são um só partido.
Ora, convém uma reflexão. Todos os partidos que se formam e subsistem em uma Nação são constitucionais, porque a Constituição o permite, sem o que os governos os extinguiriam. Entretanto guarda-se essa denominação para o Partido que sustenta o estatuto fundamental em sua inteireza, em distinção a outro partido que entende e promove, dentro da Constituição, emendas, alterações ou reformas.
Daí o embaraço e confusão atual.
Que partidos são estes?
O que querem eles?
Não, não nos sabem e dificilmente poderão responder se não usarem das fórmulas falsas e sofisticas adotadas infelizmente em negócios públicos da República.
O mal vem do princípio.
Organizado por um sistema que só teria justificação no empenho de educar as massas no manejo da Delegação sintética do republicanismo, o partido primeiro que se formou, cobriu a sua falta de ideia, e pois de programa, tomando título de Partido Republicano Federal, isto é, Partido constitucional ou nacional, porque a nação é isto mesmo uma República federal. Cumpre observar que a princípio, o núcleo do partido se denominava simplesmente republicano, quando nasceu o partido Jacobino. Porém no sul, tendo aparecido o Partido Republicano Nacional, e depois Federalista, com acentuando as extremadas regalias estaduais, o partido do Centro disse-se Federal, para firmar, segundo declarou, sua sede e seu espírito de concentração na Capital, das forças que ramificava em todo o país.
28 DE JUNHO DE 1897
Já não se diz a Nação brasileira, o povo brasileiro, os brasileiros. O Brasil, por que será?
Hoje só leio e ouço: a República, os republicanos, o povo republicano; assim como, “esse notável, pintor, negociante, artista, médico ou industrial republicano” (brasileiro).
Uma frase que me causa frenesi é o “denodado republicano F. publicou um livro sobre agricultura em que trata dos grandes interesses da nossa lavoura. − Recomendaremos aos republicanos sua leitura”.
Muitas vezes nos jornais se leem “nós os republicanos” − tratando-se de assuntos de administração do país.
Será que esta gente acredita realmente existir no Brasil uma parte da população que não é republicana?
Ou será que essa palavra serve para distinguir certa qualidade de gente à parte com caracteres especiais?
Ou finalmente só um intento proposital de, à força de repetir a palavra, conseguir que todo mundo creia que somos republicanos e nós próprios nos convençamos de que o somos?
O que é verdade é que pelo que vemos, pela maneira por que somos governados, pela opressão, pelo arbítrio, pelo absolutismo sob que vivemos, ninguém poderia supor que estamos na República.
As eleições falsas, as assembleias sujeitas às Presidências, estas cercadas de camarilhas, os tribunais constituídos a propósito, as autoridades despóticas, e os negócios públicos entregues a um grupo fechado por círculo de ferro, tudo isto afasta a ideia da República.
É bem verdade que as coroas foram quebradas e substituídas por uma estrela; o Presidente dura só quatro anos no poder; as Províncias são Estados e elegem seus Presidentes; os Estados se governam a seu modo; a República não tem religião; a aristocracia foi extinta não há mais condecorações; finalmente os nomes das cidades, das vilas, das praças e ruas e dos estabelecimentos e fábricas, navios, teatros e ruas, tudo foi mudado.
Não chegará isto?
Porventura esta o povo mal satisfeito? Sentirá falta de alguma coisa?
Não lhe damos.
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Ainda não pude compreender o que se tem vulgarmente como República.
Todo mundo diz que ela é “o governo do povo pelo povo” e quem menos entra nisso é o próprio povo. Entre nós, pelo menos é isto o que vemos. Perguntai ao povo se ele é republicano!
Vos responderá que sim, porque é obrigado a sê-lo e lhe é proibido ser monarquista.
Perguntai-lhe se é mais feliz na República?
Vos dirá que não sabe, porque até agora nenhuma nem outra ventura lhe chegou com a mudança da forma de governo.
Indagai dele como lhe tem corrido a vida com essa mudança, em que a tem notado?
06 DE AGOSTO DE 1897
Se a mentira me tornou imediatamente suspeita a República no próprio mês de novembro, o ridículo me impediu instintivamente de aceitá-la em todo o tempo...
Por que será? Devido aos princípios em si, não; essa forma democrática é a mais séria, mais justa e a mais de acordo com a civilização e os sentimentos morais da sociedade; e não tendo sido originária do movimento social de 1789, não chegou à loucura feroz desta revolução, em que o ridículo horrível surgiu no paroxismo do delírio.
Porque será? Se a República não é e nem nada tem de ridículo, este vem dos homens, não só dos que a fizeram, senão também dos que a assaltaram como possuidores...
A história da República é curta; examine-se os seus anais, e a cada passo o espírito o mais desprevenido estaca ante o ridículo. As mudanças de nome, de tratamento, de relações, de categorias naturais, enfim, um louco em investir e deslocar tudo, para que nada lembre o passado, foi a oportunidade, ou a causa de uma série estranha de ridículo e até facécia.
Quando li os artigos em que Jepherson descreve o caráter moral de Floriano para afirmar que ele tinha uma política definida e a executava com firmeza, me veio logo a lembrança de um fato de minha juventude, quando estudava retórica e poética.
[A lição − morte de Cláudio Manuel na prisão; prof. Doutor Paulo Menezes − Colégio Dom Pedro 2°].
Em verdade, pela vida adiante, nunca mais senti a necessidade de assim fantasiar para engrandecer ou amesquinhar a existência de alguém, ao menos dessa não tive consciência, e se alguma vez o fiz, por certo foi sem propósito e por erro ou falta de completos elementos para seguro juízo − e mais não foram pouco numerosos os que escrevi.
Nos estudos de História, me recordo haver alguma vez encontrado em luta de crítica essa ideia que me parece de graves consequências, pelo falseamento que pode acarretar nas evoluções sociais.
O mesmo personagem histórico é apresentado por uns como um fino político a quem os acontecimentos foram adversos, quando outros lhe dão o aspecto de um vulgar simplório, nas mãos de especuladores: entretanto os atos desse personagem e os fatos que cercaram sua vida, parecem tanto servir a um, como a outro juízo. Muitas vezes tive ocasião de ver nas lides da imprensa tornar-se uma nulidade e fazer-se dela um vulto notável, para enaltecer o partido, no morto.
1898
Ora, louvado seja Deus!
A que ponto de perfeição chegamos nós, no fim desse século!
Parece que tem aceitação universal o princípio moderno de – “viver muito, em pouco tempo”.
Com efeito, a razão do pobre filósofo se vai confundindo e perdendo, se ela entra a refletir na marcha das coisas nas sociedades e nos homens da atualidade.
Já não subsiste a regra das escalas gradativas para o aperfeiçoamento; tudo vai aos saltos, e impossível é calcular por onde andará o espírito humano daqui a algum tempo, neste caminho estupendo.
– O destino do homem na terra não é como tantos imaginavam: vida tranquila e patriarcal, não é segundo pensaram muitos a pura adoração do Ser Criador, nem conforme outros, a severa investigação da verdade na ciência: o destino real, nobre, seguro e sagrado da humanidade é o comércio.
A tranquila vida patriarcal só a tem o aposentado nas riquezas do comércio; as glórias e hosanas ao criador só as levanta o luxo do comércio, e a severa investigação da verdade e da ciência só subsistem no serviço do esplendor do comércio!
1898
Uma vez, já há muitos anos, eu escrevi que me parecia ver no progresso a resultante do desenvolvimento de duas forças paralelas: a intelectual e a moral. Guardarão elas a mesma proporção na escala? Não.
A preponderância de uma sobre a outra traz real prejuízo ao progresso:
Não só a teoria o estabelece, como a prática o demonstra, na história facilmente se estuda o assunto.
1898
A leitura dos jornais neste país chega a causar tédio.
Parece impossível que em regiões onde tanto se têm desenvolvido o gosto pela imprensa, ou antes pela publicação, tamanha se tenha feito a prostituição e falseamento de tal arma do progresso.
A política, isto é, o manejo e direção dos grupos partidários, em geral sem princípios nem ideias políticas, de tal modo se apossou das folhas periódicas, que elas não representam mais do que a vida desses mesmos grupos, com seus defeitos, suas mentiras, sua ignorância, seus crimes e má-fé, e os vícios, e a abjeta loucura enfim em que vivem.
Fora mister não ler mais os periódicos, para se conservar o espírito alguma coisa tranquila na sociedade em que vivemos.
Mas, pensemos, será isto um erro, uma aberração − não poderia ser de outro modo a imprensa?
Infelizmente, não.
Não é um erro esse fenômeno, nem é uma aberração.
É uma triste fatalidade, à qual não se pode fugir: é a inevitável lei das consequências a que tudo está sujeito. “Pilriteiro que dás pilritos, por que não dás coisa boa?”
1898
A Espanha já de há muito devia esperar a conquista de Cuba e Filipinas, em vista de proteção dada aos insurretos pelos Estados Unidos.
A ideia fixa rosto última Nação.
09 DE AGOSTO DE 1898
Voltemos à nossa antiga preocupação.
Há quase dez anos foi mudada a forma de governo no Brasil e o seu futuro ainda se nos apresenta o mesmo de então.
A maneira de proclamar a República, as circunstâncias que a cercaram ao nascer, e o caminho em que se lançou fizeram desanimar muito os espíritos calmos e encheram de sérios receios pela subsistência do país. Foi assim que, talvez precipitadamente, talvez sem maior reflexão, saiu-nos do peito aquela frase dolorosa: “Era uma vez, a nação brasileira...”, frase que significava, não o despeito, não a inveja ou ciúme, que disso já nada tínhamos, mas o desfalecimento profundo no porvir de uma pátria que tão cara me era.
Daí por diante, cada ano que passava, cada fase importante que apresentavam os governos, vinha reviver nos meus lábios a desanimadora frase.
E hoje, ela de novo me acode à mente, como única e triste, mas fatal solução do estado crítico em que está lançado o pobre Brasil.
Pensemos, calmos.
Desorganizado todo o serviço público, alterado profundamente nos seus preceitos, e iniciadas novas e estranhas praxes com a falta absoluta de pessoal idôneo, e o mal escolhido na ocasião, ainda tinha o país na incerteza e na dúbia vacilação do poder instável quando a revolução do sul determinou a ditadura que a ela resistiu até que se extinguisse.
A tranquilidade, a vida normal do povo, ainda não voltou, e os elementos de distúrbio fermentam sempre, sempre corrompendo e destruindo o organismo social.
As finanças tendo chegado realmente à bancarrota, se conservam em expedientes delicados e perigosos em que qualquer imprudência é um desastre.
Este estado de coisas a que foi trazido o país pelos desmandos e pelas exigências das lutas e despotismos, não tem sido possível, em quatro anos de paz e sossego relativos melhorar.
Ao passo que, deste modo, os negócios da União se acham à braços com as maiores dificuldades, a mais acentuada anarquia domina os Estados.
O espírito desvairado de autonomia, a independência irrefletida, os têm arrebatado na voragem inconsciente dos descalabros descendo uns à ruína total e entontecendo outros na vertigem das grandezas.
O observador calmo se amedronta olhando para o futuro, e sente fugir-lhe a esperança de melhores tempos.
Com efeito, como pensar na volta à marcha regular de uma Nação, constituída de forma democrática, rica, pujante pela sua gigantesca vastidão dotada de todos e dos mais preciosos recursos naturais?
Como esperar que do Prata ao Amazonas subsista firme, inquebrantável, esse profundo sentimento de unificação tão indispensável para a formação de uma [semelhante] Nação?
Se o espírito irrequieto dos povos ameaça a quebra da unidade harmônica do todo, se o desvairamento conduz à perda os membros desse todo, bem é, diz-se, é preciso que uma ditadura um braço de ferro, pese por oito ou dez anos sobre todo o país!
A ditadura, o braço de ferro!
Pois sim. − Que venha esse jugo, pesado é verdade, mas benéfico; que impere despótica, absoluta essa vontade única, mas sã, justa, leal e franca só visando o bem, a verdade e severamente castigando o crime e o vício. − As bênçãos e o amor dos povos será a sanção de tal tirania e a consagração de tal ditadura.
Mas, dizei, onde, quando e como se poderá achar esse tesouro?
É no passado, livro aberto ao estudo do futuro, que devemos pregar nossos olhos; o que nos mostra o passado?
Quereis ainda uma vez renová-lo?
Não sangram ainda as feridas abertas há tão pouco, não gemem ainda os contundidos, não se arrastam os aleijados, não sofrem a fome os desgraçados, não esmolam ainda os pobres que as últimas tiranias deixaram?
Não vagueia de olhar torvo, murmurando sinistras ameaças e planejando nefandos crimes, o ódio, farejando sempre a vingança?
A mão de ferro que devia enérgica fazer o bem, tinha de começar exterminando o mal; este está entranhado em todos os órgãos, em quase todas as fibras do organismo social: como destruí-lo?
O vício é por demais profundo, para que o ferro do cirurgião o possa alcançar, sem por em contribuição a vida do doente.
Não, não é um braço de ferro, não é uma ditadura, que há de reviver a nação, que há de ligar esses destroços já hoje heterogêneos, indiferentes entre si, incompatíveis enfim.
Não é a ditadura que nos salvaria − a ditadura não virá − e se vier...
Tanto pior.
21 DE AGOSTO DE 1898
É extraordinária a feição que apresenta o espírito público no Brasil depois da mudança da forma de governo.
Depois da estupefação que essa mudança brusca imprimiu, veio uma agitação febril e violenta, em que a razão se perdeu, cobrindo enfim o espírito neste desvario insensato, cujos resultados nada de bom auguram.
O interesse pessoal, com suas diversas roupagens, seus disfarces, jeitos e pretextos, bem como disfarçado com todas as máscaras, ficou dominando todos os ânimos e dirigindo todos os atos.
A forma republicana, e a federação abrindo espaço à todas as ambições, e à mudança de regime, por uma tão vasta região, tão atrasada ainda, deu lugar a substituições repentinas do pessoal dirigente, sem o mínimo critério e bom senso.
A necessidade do momento forçou no começo a falsificar os princípios e até a moral, para adaptação de leis ainda desconhecidas. − Esta falsificação como era de esperar, ficou no uso do espírito público, que inconsideradamente construiu sobre ela o pesado edifício de tão vasta Nação.
Estas recepções e festejos ao futuro Presidente da República estão parecidos com as faustosas e reais cerimônias da inauguração do palácio do Catete.
É bem verdade que o vício já vem da instalação da República, mas nunca se tornou tão notável e requintado como agora.
Parece que há uma ânsia, uma saudade, uma sede devorante, de esplendores, de festas luxuosas, de suntuosos espetáculos, em que cada qual tem sua parte ou papel saliente.
E sempre é o jornal do Quintino que inventa, que inicia, que se afadiga em levar avante essas ruidosas manifestações teatrais.
O espetáculo da chegada do vice-presidente ao Catete, parece renascer na recepção do futuro presidente.
Na tão falada democracia da República onde encontrar esses majestáticos festejos a um cidadão que há de vir a ser o Presidente ou Chefe do Governo?
Como censurais o presidente atual por não ordenar festas oficiais?
Duas ideias bem tristes resultam de tudo isto: o acinte ao governo de hoje − e a adulação ao governo de amanhã.
Com a breca! Estas coisas não vão bem.
Fez-se a República, correu-se com os áulicos, lançou-se no ostracismo os que não acompanharam o movimento, depois tomaram-se todas as posições, repartiram-se os proventos, aumentaram-se os impostos, subjugou-se com a ditadura os recalcitrantes, − e estamos por fim a ver as finanças mal paradas, a vida difícil para todos e os recursos a se esgotarem!
Vamos: − É preciso fazer cara alegre à fortuna, rir e dançar marchando para o abismo.
É preciso que nos enfeitemos de púrpura e ouropéis, ornemos a fronte de vistosas coroas, e que tomando os gestos e o porte dos semi-deuses, movamos os passos à cadência soberana das marchas solenes.
É preciso que sejamos como os mais sabidos na humanidade; façamos como eles, tenhamos as mais belas instituições, as mais sábias leis, os mais adiantados preceitos, as maiores riquezas, arremedemos finalmente o que de melhor vai pelo mundo... e aos míseros povos que se estorcem na miséria, na escravidão, na fome, brademos bem alto: “estamos no auge da prosperidade”.
27 DE AGOSTO DE 1898
Se o ridículo pudesse comparecer ante um túmulo que se abre, seria aqui o lugar do ridículo.
Pobre Nação!
No teu saimento, as lágrimas, as saudades, a dor se postam e quedas ficam, esparsas no caminho em que te levam os troções, seguida do vício, do crime e da falsidade.
Não é a vítima enfeitada que vai para o sacrifício, é a caça que levam a esquartejar.
E a farsa, a mentira, o aleivo, e todos os jogos repugnantes que a máscara esconde, se ostentam florescentes no alto da sociedade, ao mando da má-fé e da hipocrisia.
E o túmulo que se vai abrindo e as surdas pancadas da enxada não soam ainda o dobre do sino, nem os cânticos fúnebres: apenas se vêm perder no cemitério os sarcásticos ecos de insana saturnal.
Pobre Nação!
Que tempo, quantos anos, durará a marcha desse saimento, quem sabe?
Mas os anos passam, e um dia, quando o forasteiro parar curioso no cemitério, apenas poderá ler em singela e tosca pedra, esta humilde legenda:
“– Era uma vez, a nação brasileira...”
12 DE SETEMBRO DE 1898
De como se faz uma manifestação... popular.
Em uma pequena roda de três, ou quatro desocupados, se conversa a respeito de... empregados ou de autoridades.
Elogia-se uns, censura-se outros, comenta-se a proteção dada a este e inventiva-se a indiferença por aquele − e destes arrazuados nasce um certo acordo em apoiar uma autoridade qualquer, que se viesse a bem colocar-se poderia ser de vantagem para os da roda.
Então, um exclama inspirado:
– Aqui está um homem, que bem merecia uma ovação pública pelos bons serviços prestados, e pelo qual ainda ninguém se interessou.
Entretanto fazem tanto barulho por outros que não merecem ...
E vão por aí além, criticando sem piedade as festas dirigidas aos chefes, e mais se acentua a benévola inclinação para o indicado.
Se não naquela hora, mais tarde cada um, havendo ruminado aquela ideia, se convence de sua justiça, e comunica aos companheiros as suas vistas.
Havendo tomado vulto na imaginação de cada um, surge o intento.
16 DE SETEMBRO DE 1898
Mas o que era esse homem?
Se ele não fosse o que é, seria um perverso.
É um homem puro, para não ser um objeto; é inocente, para não ser um criminoso; bondoso, para não ser cruel; enfim, é útil e prestimoso, para não ser desprezado parasita.
Todos aqueles instintos do vício subsistem; todos eles, a força da contínua compressão, mal denunciam sua existência, esmagados e sufocados pelas virtudes.
Embora tentassem hoje levantar-se e irromper qualquer daqueles instintos, a possante massa das virtudes, não o consentiriam.
O que era então esse homem?
Ali não havia a luta, o conflito, a solicitação sequer de um elemento contra outro; e não havia o valor da vitória.
Ali não havia a dúvida, a hesitação, a escolha, e não havia portanto, o mérito do acerto.
Vinha por um bom caminho quando o achou bifurcado, não trepidou em deixar de lado o mau, que o outro já era seu costumado.
Depois, ele conhecia o mal; mas não o seguia, não voltava o rosto, via-o e não lhe era indiferente, talvez lhe agradasse, mas o deixava passar sem o tocar, sem [...]
26 DE SETEMBRO DE 1898 − ONTEM E HOJE
Ontem: Pobre minha terra!
Quanto me corta a tristeza o coração, ao pensar na sorte que te coube em partilha!
Meus olhos pesarosos se afastam de suas paragens, meu pensamento atribulado se recusa a (prismar) em teus negócios, e minha alma abatida e amargurada se confrange ao lembrar o que te devo e o que mereces.
Encarar com as misérias que em ti se passam é um martírio cruel, e com ansiedade fujo dessa realidade tremenda, que me acabrunha o espírito.
Oh, quanta desilusão, que desenganos penosos nos estavam reservados! Como o destino zomba irônico das calendas humanas!
Quem o previra?
Pobre minha terra!
Poucos, bem poucos, te restam hoje daqueles que se orgulhavam em te servir outrora, e esses mesmos exilados, foragidos em terra estranha.
Pois bem, que a esses poucos, longe da pátria, as débeis vozes das pobres velhas chorando sua terra, lhes desperte no coração a saudade adormecida, e lhes faça estremecer um momento a alma de puro amor da pátria, no meio das violentas lutas da vida.
Naquele tempo era a paz, a tranquilidade que nos envolvia em seu seio; serenos iam os tempos, calma a sociedade, toda entregue aos brandos cuidados da vida.
O embate pacífico das ideias, em busca da felicidade, mostrava entrever os largos caminhos do progresso nas suas colaterais: a inteligência e a moral, e o futuro se antolhava risonho e fagueiro, como o nosso puro céu do Brasil.
Naquele tempo, ainda o vasto Império do Brasil sob a pacífica administração geral deixava seus filhos empenharem-se em mansos esforços descuidados das violentas paixões e das viciosas ambições.
Ainda a minha pobre terra, naquele tempo, gozava indolente do doce renome de paraíso do Brasil, com que o batizara o estrangeiro encantado.
É bem verdade que a imprensa reflete fatalmente o estado da sociedade onde ela existe.
Não o espírito público, com a sua moral, o seu caráter, a sua tendência, mas o aspecto peculiar das sociedades com os seus erros, seus defeitos, seus vícios e perigos.
Nada é mais palpável do que este fato na atual situação do Brasil e com especialidade na chamada Capital Federal.
O triste espetáculo que apresenta hoje a imprensa faz desanimar o observador que para ele atenta − se um outro periódico tenta, reagindo, escapar desse aluvião, ou é sufocado e tem vida efêmera, ou vegeta à custo, incerto e quase oculto e desprezado.
O mercantilismo que se apossou desordenadamente das forças vivas da sociedade, constitui a base única da imprensa e despoticamente a domina.
Não é pois de estranhar a feição ridícula e falsa dos jornais, que por sua natureza mais estão em contato e relação com iguais qualidades da sociedade.
Seja porém dito desde já, que nunca foi o pessimismo que nos guiou nestas apreciações, pois em todo este descalabro e anarquia só enxergamos a crise social que nos deve levar à época feliz do real progresso e bem-estar da vida e da paz e aperfeiçoamento moral.
Aquele defeito que tanto sobressai na imprensa, se manifesta com intensidade também em outros ramos de manifestação pública: o teatro por exemplo tão comprimido se viu por essa mão de ferro que acabou perdendo-se por uma vez, e o espírito público parece grandemente ressentir-se de igual anarquia em todo o país.
Perdido de uma vez o senso da verdade, não mais é possível conduzir em caminho seguro esse baixel que boia sobre tão (imensas) ondas.
De outro lado falsas ficarão as posições desde que a imprensa se arroga o papel de dirigir ou antes de dispor da opinião pública, quando só lhe é dado expressar ou traduzir essa mesma opinião.
Com o pretexto de dirigir e concertar as diversas correntes de opinião na sociedade, ela invadiu, se identificou e por fim, se atribuiu o poder, do qual abusa, de exprimir a vontade e o pensamento do povo, que não mais foi ouvido nem perscrutado.
É singular esse papel da imprensa!
Pelo povo, ela pensa e fala, em nome do povo pede e exige e manda, sempre como se o povo fora, julga decide, recompensa e castiga. Exalça a seu talante, precipita e quebra a bel-prazer, inventa, consagra, repele, comemora, faz e desfaz reputações e intervém na administração pública, a ponto de parecer outro poder social.
Tudo isto acobertado sempre com o manto da liberdade!
E o mísero povo atônito olha para esse monstruoso atentado, e confuso e aturdido se retrai e esconde espavorido de tanta audácia e das terríveis consequências que sobre ele pesa.
O espírito público amesquinhado pelo contágio de tanto vício, vai deixando de lado sua ação, e já se mostra tomado de indiferença.
E a favor de tais elementos, a vasta corrupção de mais em mais se avigora, e o observador desanima entristecido ante tamanha desgraça.
As máximas mais perniciosas, os conceitos os mais temerosos são postos em valor de legítimos e irrefragáveis preceitos; ante a imprensa tudo deve ceder, a ela todos se tem de curvar − quem não é por mim é contra mim ai do vencido!
10 DE JANEIRO DE 1899
Quos Deus nulti perdere...
Assim como são os homens, assim também são as Nações.
A ventura ou a desgraça é obra deles próprios, e para que se deixem transviar no caminho dos desastres basta o primeiro erro.
Ansiado pela instrução, descuida a educação e com o desenvolvimento daquela se deu o desequilíbrio, e daí a desorientação.
Erro consequente foi o 15 de novembro, e deste erro vieram todos os desastres atuais.
Na marcha em que vai, a Nação tem o esfacelo por termo: poderá, ainda será tempo de sustar seus passos?
Abyssus abyssum invocat.
A perda da educação é cada vez maior, a moral desaparece e o que é pior, cede sua roupagem ao vício.
A confusão se estabelece, o vício e o erro são inconscientes.
A ficção do erro toma o lugar da verdade, e nem ao menos a natureza alcança vingar os seus preceitos.
A Nação foi atirada precipite no despenhadeiro, se alguma pedra do rochedo, se algum tronco ou raiz a detiver na queda, ela estará ainda inteira?
Quem sabe?!
12 DE JANEIRO DE 1899
É necessário conservar o sentido que realmente se dá à palavra − política -, corrompida e falsa, para se poder falar do assunto, que não recebeu ainda outra denominação. É curioso observar como vai o país escapando, a esgueirar-se entre tantos e tão frequentes perigos, como se a providência o guiasse pela mão, pois o que lhe vem sempre terminar as crises que pareciam insolúveis, é um simples acaso.
Desde 89 a casualidade tem resolvido todas as dificuldades, de modo a convencer os menos superficiais de que Deus não abandonou o Brasil.
Pobre Nação!
Infeliz povo, que tens de correr à revelia essa esquisita peregrinação a que te condenou tua origem, tua raça, tua índole e tuas crenças!
Mas, as leis que regem a marcha do espírito humano são fatais e se hão de cumprir cedo ou tarde.
Embora desconhecida ou oculta, em vão contrariada e combatida, muita vez na aparência vencida ou adiada, a lei não falha e a seu tempo, ela surge vitoriosa e tudo cai diante dela.
A revolta dividiu o país em dois campos bem distintos, pois que os (fardos) de sangue e das mais profundas e cruéis violências e crimes, se cavaram entre eles.
Como de outras vezes, o acaso fez parar a luta de então e, por uma surpreendente série de acasos os crimes, as violências e o sangue cessaram.
A administração do primeiro Presidente Civil, pelo acaso perdurou o quatriênio, deixando em paz a Nação e parecendo refreados os ânimos pelos esforços e pela crise que reclamavam esquecimento das paixões.
A pressão irresistível que o Brasil sofria ordenava toda a sorte de sacrifício e eles se estão, como se pode e se sabe, a fazer: os partidos, os dois elementos que combateram em adversos campos na revolta se retraíram ante tamanha pressão e assim recebeu o país o segundo Presidente Civil.
Neste momento, começa a política a dar os seus frutos usuais − a política em uso, essa intriga ou chicana a que se chama política.
Observemos um pouco os fatos curiosos que estão passando, e deixemos seu estudo para mais tarde.
13 DE JANEIRO DE 1899
A adulação com esperança nas boas graças do poder armou um nicho de flores e adornos de valor no qual meteu o novo Presidente da República a reclamar aos quatro ventos a adoração do povo para ele.
Enquanto isso as dificuldades econômicas do país o punham nas mais tristes circunstâncias e sem escrúpulos se ocultava cuidadosamente esses transes.
É para ver o descaso e a prosápia com que a imprensa fala da meticulosa dignidade da República brasileira, na sua grandiosa pujança e no nobre orgulho com que ela se assenta ao lado das grandes nações do mundo!
O governo tem os seus homens, os seus afeiçoados, os seus partidários e não indaga de onde nem como vieram; fora desta gente, há os que fazem a guerra ao governo, os que trabalham para derribá-lo, a oposição composta dos desiludidos, dos descontentes, dos pretendentes e candidatos, sem que se lhes pergunte por que e para que fazem oposição.
Estes dois grupos incertos, indistintos, mal delineados, formam o Partido da República que impõe esta nova forma de governo ao Brasil, quase sem ele o saber.
Começaram a se fomar desde o Governo Provisório.
Sem nomes, sem classificação, sem fins outros além do interesse e vanglórias pessoais, viveram em lutos, mais ou menos desabridas e violentas, até o segundo período da última administração.
A força das circunstâncias mais do que a vontade ou plano político, começou uma tal ou qual discriminação entre os dois grupos, parecendo perceber-se leves lineamentos de partidos em organização.
O espírito público mostrou-se contente por esse sucesso e queria antever a formação de partidos que serviriam de base às ideias ou programas políticos.
Mas a nova administração tem deixado ver a futilidade deste pensamento, na atualidade.
A luta começou a arrefecer e hoje está quase extinta; a oposição retraiu-se e os governistas se encolheram; neutralidade simpática ou expectativa suspeita, o combate cessou: − governo de Ottomanos, a quem caberá o lenço?
No entanto passa o Sultão poderoso, caminho da Mesquita, e lá do erguido minarete chama o muezzin o povo à oração.
Allah, bis-millah.
16 DE JANEIRO DE 1899 − ... O POVO BESTIALIZADO
Na população há duas secções de homens: a que dirige, e a que se deixa dirigir.
– Dirigir, é um modo de dizer, que melhor se expressaria com a palavra governar.
Esta divisão desde o princípio das nações tem sempre subsistido e parece causa fatal a todas as sociedades humanas.
A primeira secção a que chamam classe dirigente é suposta formar-se do saber, da ilustração, do mérito em suma, é a mais adiantada da população.
A segunda compõe-se da classe proletária, lavradores, operários, artistas, do chamado povo, em resumo.
Duas novas classes trouxeram-nos a força das necessidades sociais o comércio e a Armada ou força militar.
Bem conhecida é a organização das sociedades modernas quanto ao emprego destes elementos, seus serviçais e o papel que representam.
01 DE JULHO DE 1899
A medida que o tempo corre vão se acentuando as provas das asseverações por mim feitas outrora.
Não que isto venha aumentar o meu desgosto, mas sinto aquela tristeza resignada que inunda a alma dos descrentes no futuro.
Pobre Nação! Um dia ou outro mas, bem tarde e longe devias, é certo, sofrer esse golpe que agora te ameaça de perto.
As grandes regiões de que és formada haviam de separar-se mais cedo ou mais tarde; porém tal se faria pela evolução natural, com o desenvolvimento regular de cada uma, com a marcha normal do espírito humano, e assim, manso e sem violência e sem os empuxões que arriscam parti-la.
Entretanto, foi dado aquele primeiro passo, errado ou não, mas em todo o caso fatal, origem da desorganização e da ruína já agora inevitáveis.
Quando de súbito, sem se medir o alcance que em uma certa sociedade pode ocasionar, se lança em execução uma mudança tão radical, como a de novembro de 89, é seguro ver a sociedade desequilibrada em suas forças, e esfacelada em seus elementos enfraquecidos e separados.
Não é pois de estranhar o espetáculo que nos apresenta o país atualmente, e debalde será o cansaço em busca de algum recurso para salvá-lo do desmembramento em que já se precipitou.
26 DE JULHO DE 1899
Para quem escrevo?
Não sei, nem me importa saber.
Escrevo porque sinto necessidade de o fazer, porque me não basta a conversa, porque tenho uma dívida a pagar e creio que nunca pagarei.
Assim como eu encontro nas narrações dos antigos um prazer imenso quando leio as suas confidências, as suas notas históricas, quando posso encontrar esses apontamentos nos quais se vê a alma nua e franca do escritor: assim me parece que alguém achará nesses escritos que deixo, alguma satisfação ainda que pequena.
E isto me basta.
Ainda não é propícia a ocasião para tal empresa, confesso-o; mas, correndo o tempo, mais que eu quisera, e vendo que se vem aproximando o termo desta peregrinação, não quero deixar este meu intento para quando já o não possa levar a efeito.
Assim, aproveitarei de alguns momentos que me deixam livres os meus serviços, e na leitura e nesta escrita, buscarei lenitivo para as dores e tristezas que me sobrecarregam o cansado espírito já tão conturbado de aflições sem conta.
27 DE JULHO DE 1899
Bem me lembro ainda.
No dia 15 de novembro de 1889, nos achávamos em sessão na Assembleia Legislativa Provincial, que eu presidia como 1° Vice-Presidente. Falava o monótono e interminável Afonso Livramento − aos membros distraídos e que não lhe não prestavam a mínima atenção. Vi chegar o Vilella ou (não me lembro) um telegrama que logo foi mostrado a Elyseu e que me vieram trazer: era passado a casa Hackradt e dizia – “No government, no Exchange”.
Um certo pânico se estendeu pela sala e Livramento, ficando de pé, calou-se.
Várias conjecturas se iam fazendo sobre o que teria havido no Rio, e entretanto foi enviado um deputado para pedir as informações ao Presidente da Província Dr. Oliveira Bello.
Havendo pensado um pouco, chamei o contínuo e disse-lhe que fosse ao armarinho e comprasse dois metros de fita larga tricolor e me trouxesse. Perguntando-me o segundo secretário por que a queria, lhe respondi – “tenho de colocá-la a tiracolo para anunciar à Assembleia a proclamação da República, porque o Brasil é agora republicano.”
E suspendi a sessão por algum tempo, convidando o Livramento a sentar-se e lhe conservando a palavra. Então alguns deputados saíram a colher informações e não voltaram − Um quarto de hora passada reabri a sessão, continuando Livramento a falar agora sobre o incidente do telegrama e em poucas palavras, sem saber do que dizia sentando-se por fim − suspendi de todo a sessão.
27 DE JULHO DE 1899
Quando a justiça de Deus, tarda
... vem em caminho.
A tirania rejubilava e não escondia o seu poder despótico.
As turbas aplaudiam o tirano e seguiam o seu triunfo entoando os hinos sagrados, e obedeciam cegas a vontade do déspota.
E por todo o país assim se fez, porque em todo o país venceu o despotismo e a tirania.
De atordoamento em atordoamento, o povo movia-se aos empurrões das classes dirigentes, desvairadas e sem orientação, que as paixões arrastavam.
Nos festejos da vitória, os asseclas da tirania repartiam os despojos e (adormeciam) no fausto e nas grandezas do esnob, ao que chamavam a sua felicidade.
Aí dormem, esses felizes.
Procuremo-los.
Um, pouco depois de deixar o poder, sentindo a morte pousar-lhe o dedo na fronte desfigurada, bradou “que infelicidade!” -
Lamentando ainda o quanto de mal podia fazer antes de descansar.
Outro, ferido no único combate em que entrou, morreu sem que ainda se saiba onde para seu corpo.
Outro, foi achado morto em uma casa de moralidade − suspeita.
A outro, quando abria a boca para alguma imprecação, uma bala inimiga atirou na noite da morte.
Floriano foi enterrado três vezes.
Moreira César ferido em Canudos sumiu-se.
Bellerophonte achado morto em casa de mulher suspeita.
Mariano morto com bala de jagunço na boca.
Vilas-Boas escapando de ser degolado e perseguido por Floriano, aí anda (se ainda vive) na pobreza e em cancroide nos lábios.
Henrique Abreu condenado aos transes do cardíaco.
Aguiar (Major) morto nas torturas do remorso.
Há dez anos que o nosso país entrou francamente em uma crise prevista e inevitável pelo qual vai atravessando em marcha incerta e sem plano, não sendo possível ainda hoje determinar que modo de solução acabará este período.
Isso porém somente enquanto baste para apreciar e julgar os interesses especiais de nossa Província, cuja existência se prende tanto ainda às forças gerais da Nação, não se tendo desenvolvido sua vida própria.
08 DE JULHO DE 1900
A extinção da raça negra no Brasil, onde a escravidão mais se derramou e mais tempo se conservou, está se realizando por meio de fusão.
Seguro e eficaz, ainda que um tanto demorado, é este o meio mais natural, e não fora a forte proporção dos negros em relação aos brancos, seria o mais desejável.
Os direitos civis que a libertação doou aos negros, a sede dos seus respectivos gozos acendida ainda na condição de escravo, lançou-os na sociedade brasileira sôfregos de tudo.
Verdade é que a emancipação moral já vinha de longa data se preparando com o cruzamento desde muito cedo iniciado.
E bem sensível era sempre o melhoramento da raça tanto física quanto moralmente.
Quando foi decretada a libertação dos escravos, apontados eram os poucos africanos, − e destes mesmos já a progênia divergia pelos cruzamentos com os nascidos no Brasil − já então pesava na sociedade brasileira esse elemento esquisito do mestiço.
A emancipação era uma necessidade imprescindível, ante o rápido crescimento no seio da sociedade desse elemento que de todos os lados e por todas as formas surgia e medrava.
Foi pois a raça negra lançada no seu destino, sem que houvessem precisão de iluminá-la deportando-a, nem isolando-a na segregação social.
Os africanos eram já velhos e seus vícios e trabalhos, os consumir os seus descendentes, conquanto da mesma raça eram já nascidos e vivendo no seio da civilização de mui diversa condição.
Nestes últimos consideraremos duas classes: a massa bruta e composta dos trabalhadores conservados sobre o jugo e desprezo da sociedade, e a dos de mais elevados cruzamento de origem mais remota e que mais se havia entranhado na civilização.
Ora a emancipação lançou no trabalho brutal a primeira dessas classes, figurando ela quase como companheira da igual classe de europeus.
A segunda lançou-se no meio da sociedade a princípio em desordem, depois com a filância e pretensões que lhes dava o talento e aptidões devidas ao cruzamento de raça, que sem a menor dúvida melhora a espécie.
Foi com efeito depois de feita a emancipação e sobretudo, depois da República, que a sociedade brasileira se viu assoberbada pelo elemento cruzado ou mestiço.
Esta influência é bem sensível na capital e nas regiões do norte e para o centro, sendo mais isentos dela o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
As aptidões e talentos desse elemento já tão demonstrado para as artes desenvolveu-se pelo entrecruzamento e no domínio das letras e da ciência vieram figurar seus representantes.
Não é portanto de estranhar que, ao lado desse apreciável desenvolvimento intelectual se manifestassem as paixões, os vícios e todas as vaidades sociais.
O que hoje é uma curiosidade às vezes impertinente, vai desaparecendo dia a dia com a perda da cor.
20 DE JULHO DE 1900
A noite vai calma, serena e escura.
No silêncio que nos envolve, apenas se ouvem longínquas e amortecidas as notas de um piano descuidoso a soarem não sei o quê.
RIO, 26 DE AGOSTO DE 1900
Já o tenho repetido: a instrução deve correr paralelo com a educação − sobre pena de desastre.
Nestes últimos tempos a instrução tomando o freio nos dentes, disparou, deixando a educação a perder de vista, e as consequências fatais são a anarquia e seus crimes.
A humanidade, em toda a plenitude da civilização moderna, está mostrando, nos males que a torturam, o efeito do desequilíbrio dessas duas correntes.
As guerras da Espanha com a América do Norte, da Inglaterra no sul da África, e da Europa na China, em inteiro desacordo com os princípios estudados e pregados, fazem clamar contra o progresso e o seu desenvolvimento.
Os crimes atrozes do anarquismo tão espalhados hoje, estão alarmando os povos e os seus governos, sem achar os meios de sustar sua propagação.
A fatalidade porém, das leis naturais estabelecidas pela vontade suprema não pode deixar em falso, e o efeito há de seguir-se à causa infalivelmente.
Dado o desequilíbrio da instrução e da educação, com o desmedido progredir daquela, forçosamente têm os povos de sofrer as desgraças que lhe são consequentes...
Tomai o filho de um carpinteiro, e ensinai-lhe, não os rudimentos de ciências e artes aplicáveis à sua profissão, mas as orações, e rasgos de eloquência da demagogia, e incuti-lhe as naturais ambições dos gozos, da fortuna, da riqueza e da posição, e fazei-o iniciar-se nos fulgores do socialismo: ele, ou vos sai um tribuno popular, embriagado em suas vanglórias, ou se transforma em sombrio e calmo regicida.
Tomai agora uma Nação.
27 DE AGOSTO DE 1900
Assim como os usos e costumes dos povos lhes dão um caráter especial e distintivo, assim os seus prejuízos e crenças imprimem nas sociedades uma feição característica. Curioso é o que se está passando no Brasil, país relativamente novo, como todos da América.
Na população brasileira havia as duas classes, já mal distintas, da nobreza e do povo, tão mesclados pelas circunstâncias da colonização e das novas condições de vida. O elemento escravo, de raça africana, vinha formar a grossa massa do trabalho, quase besta de carga, pela sua ignorância e estado selvagem. Sobre tão heterogêneos elementos, o clero não descuidava seu trabalho de infiltrar em todas as camadas sociais, com as luzes da religião a sua influência. − Aos poucos, novos elementos vieram juntar-se àquela população: os estrangeiros de toda a parte eram lançados e absorvidos no Brasil, nova e fácil pátria comum.
Fácil pois, é de calcular aonde chegaria o desenvolvimento de um tal povo, uma vez dado o impulso do progresso no país.
A escravidão foi extinta, entrando para o seio da sociedade toda essa classe, como quer que se achava.
A imigração, parcial e em grossa, de toda Europa, com a naturalização engrossou a massa social.
O desaparecimento das classes pela sua confusão foi fatal e completa, arrastando no torvelinho até o clero.
Sem ideia, sem plano, sem cálculo, sem nenhuma orientação, todos esses elementos juntos operaram suas naturais reações, um sobre outro, constituindo o misto inexplicável que ora se observa, e cujas consequências ainda são um mistério.
Observada esta nação na atualidade, ressalta a convicção de que ainda nada está feito, nem ainda é formada a sociedade, com os seus princípios e fins imprescindíveis para a organização de um país civilizado. − vasto demais e sem laços de união outros que não sejam os da língua, o fracionamento parece inevitável.
O interesse apenas do comércio entretendo essa ligação fictícia e repulsiva, na realidade.
Se a monarquia não tinha forças para embaraçar a marcha lenta dos acontecimentos e deixava que seguissem sua marcha natural, a República vindo de surpresa e com a espada, precipitou o curso dos fatos, lançando o país no triste estado em que se acha e o qual em vão se pretenderia arrancá-lo, porque este passo era fatal.
Para estabelecer a forma republicana de governo, foi necessário apelar para todas as paixões e aceitar o auxílio de todos interesses e ambições, de onde quer que viessem, e de qualquer feição que tivessem.
Da ação cooperativa desses elementos disparatados, e do choque de tão extraordinários interesses foi formado o núcleo do novo governo da nação, estupefato, ante tal mudança; e à medida que a ousadia se assenhoreava de tudo, a estupefação do povo passava à indiferença completa e passiva.
Então dividiu-se a população só em duas classes, mas agora com outro caráter e sem fixidez alguma os que mandam e os que obedecem.
Os princípios democráticos absolutamente desconhecidos pelo povo, de origem monarquista, na qual fora educado, lhe foram com falsidade apresentados e os maiores absurdos puderam correr impunemente.
A liberdade, só a gozava uma classe, tocando à outra a servidão. A igualdade só atingia a primeira contentando-se a outra com a paciente resignação.
A fraternidade não saía das raias da filosofia, onde era contida.
Com talento e entusiasmo, eram apresentadas as mais belas teorias, e uma vez aceitas, o sofisma e a falsidade as desmentiam na prática.
A República foi feita com flores e cânticos de alegria, e logo rios de sangue jorraram em quase todo o país, aos ais e gemidos dos vitimados.
A população inteira do Brasil ansiava pela República, e dez anos depois de ela feita, ainda se cuida com atroz rigor em consolidá-la no país.
A República vinha rasgar novos horizontes à fortuna pública, e recebendo da Monarquia o câmbio acima do par fê-la descer a sete e o conserva a nove, sob a eminência da bancarrota.
O governo do povo pelo povo, trazia a abastança, o bem-estar, a tranquilidade, e depois de dez anos, vive o povo quase na miséria, acabrunhado de impostos pesados, e sempre agitado e inquieto pelas agitações, pelos crimes e fraudes.
Nestes dez anos de República, o senso moral do povo caiu sobremaneira chegando a desaparecer na indiferença de uma, e mascarando-se ridiculamente na outra das duas classes.
Nesta última, a dos detentores do poder, misto incompreensível de indivíduos de todo o caráter e natureza, a mentira, até a desfaçatez é a grande arma em uso para conservar em comum esse acervo de interesses e ambições desorientadas. Nada mais repulsivo e triste do que a observação de perto dessa falsificação nojenta.
A verdade, o bem, e a justiça são nominais; os fins justificam os meios, e assim correm vigorando todas as máximas e preceitos do egoísmo e dos vícios e das paixões mais reprovadas.
Para realização de tais máximas indispensável era o auxílio da imprensa, e fácil foi achá-lo, movendo-lhe o interesse; e tanto se entregou a imprensa a semelhantes práticas que por sua própria conta e vantagem se tornou o árbitro poderoso da situação.
Esse emprego da mentira, reclamado pelas necessidades da vida se tornou tão geral vício, que todos os ramos da atividade humana foram por ele invadidas − e a sua prática fez-se natural e inconscientemente.
Ficou assim reinando a mentira.
E tal é a audácia com que se apresenta a mentira nessa classe distinta que a outra classe se resigna a crer, ou fingir que a crê, por não sofrer.
O engano, o dolo, a falsidade, a fraude, a ilusão, o fingimento, isto é, a mentira em todas as suas fases e aspectos, em todos os gêneros e assuntos e tempos é a base e o traço de união que liga essa classe da sociedade.
Triste do povo que em cujo seio se desenvolve tão perigoso mal!
Os mais nobres e puros sentimentos, as crenças mais sãs, as intenções mais dignas e justas se veem quebrar e repelir de encontro à mentira.
E ante aquela máscara da falsidade a própria virtude se esconde. − E é necessária muita força de vontade para se não deixar arrastar pela torrente do vício que tudo assola.
A corrupção se tem estendido de camada em camada da população com rapidez de assustar e mal se pode calcular onde ela irá parar com os meios de difusão oferecidos hoje pelo progresso.
12 DE SETEMBRO DE 1900
A antiga Província de Santa Catarina com os seus limites ao norte o Rio Negro e o Iguaçu, a oeste com a República Argentina pelas missões e a sul, pelo Mampituba tem bastante terreno e estaria em condição topográfica de constituir uma Suíça brasileira.
E nem pareça que sua posição marítima fosse um obstáculo a essa ideia; com efeito a grande extensão de suas costas, suas ilhas, e seus portos, mais favoreceriam um tal futuro.
Tempos serenos da imprensa!
Lia Quintanilha o Despertador quando entrava Anastácio − e levanta-se e estende-lhe o jornal: “Já li de ontem; está escrito das quatro bandas, não?.”
05 DE OUTUBRO DE 1900
Finalmente, aí está a cena que aqui vim presenciar: o desmoronamento geral da Nação sem esperança de salvação.
A grande e opulenta Nação da América do Sul, de raça latina e origem portuguesa, pertence hoje à história do passado; página brilhante de um povo que apenas formado, já ombreava com as velhas sociedades do antigo continente, prometia com mais esplêndido futuro enchendo de orgulho seus filhos e de inveja seus êmulos.
Uma fatal loucura tomou-a de assalto e vai precipitando esta pobre Nação, rapidamente na triste anarquia que a vai dividir em pequenas frações.
Os sintomas de anarquia já começaram a desmoronar da Nação; e bem tristes são os espetáculos que oferecem a Capital e os grandes centros de povoação.
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