Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Culto Métrico, de Cláudio Manuel da Costa


Edição de Referência:

A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.

CULTO MÉTRICO,

Que á Ilustríssima e Religiosíssima Senhora D. TEREZA CLARA DE JESUS EVANGELISTA, na ocasião de ser eleita e elvada ao Emprego de Abadesa no Mosteiro Seráfico de Figueiró, se consagra por mão da Ilustríssima Senhora D. TEREZA TEODORA DO NASCIMENTO no seguinte.

ROMANCE HENDECASSÍLABO

Se alguma vez, Euterpe soberana,

De teu métrico influxo a fértil veia

A meu ardente rogo áureas enchentes

Do licor desatou, que o monte rega,

Generosa ambição hoje ocupando

O mais nobre desejo tanto empenha

A Deidade imortal, que em ti contemplo,

Que é meu o assunto, sendo tua a empresa.

Repara, advertes aquele excelso Trono,

Em cuja adoração parece ajoelha

Reverente o respeito em tantos Astros,

Que igualmente o iluminam, como o cercam.

Desafiando a esplêndida morada

Desse brilhante campo das Estrelas,

Imagino que intentam seus fulgores

Ser em quadros de luz do Sol esfera.

Essa pompa que vês, esse aparato

Enobrece a Deidade mais excelsa,

Heroína imortal, eterno lustre

Da sagrada seráfica obediência.

Aquela, em cujos dotes mais que em

todas Pródiga dispendeu a natureza

Privilégios, que mais se imortalizam

Na admiração do mundo, que os celebra.

Aonde a discrição tão igualmente

À formosura se une, que puderam

Equivocar-se da razão os triunfos

Com os troféus, que alcança a gentileza.

Por obsequiosas vítimas, atende,

Verás a seu império ardendo acesas

Vivas porções de agrado disfarçadas

Nas imagens de humilde reverência.

Vê como em uniforme laço atadas

Uma, e outra vontade as leis observam,

Que no escrutínio dos afetos votam

As persuasões do gosto mais discretas.

Não domina a paixão; porque o acerto

Nos méritos, que o sacro objeto ostenta,

Os créditos procura, e autorizada

Inda a mesma eleição a si se eleva.

Não entendas que a hipérboles, ó

Musa, Avulta mais o empenho; a glória imensa

De tão sublime assunto é bem que advirtas,

Quando, pelo impossível, não compreendas.

É esta aquela Heroína, que nas sombras

Do desprezo apagando a sacra teia

De Himeneu, com zelosa vigilância

O casto Lume conservou de Vesta.

Da vaidade nas lâminas, que pinta

Do engano a pluma, vendo como cega

Idolatra a vontade os precipícios,

Do mundo as loucas ambições despreza.

A Figueiró teatro fez, aonde

De seus acertos a espaçosa idéia

Em religioso culto se estendesse,

Se dilatasse em exemplar prudência.

Da idade os vôos quando mais ativos,

Medindo os passos de mais larga esfera,

Do desafogo a impulsos se desatam,

Rêmoras.ao desejo era a modéstia.

De uma e outra virtude foi lavrando

O pedestal, em que de tantas prendas

A imagem singular se colocasse

No altar da fama ídolo da Inveja.

Assim crescendo assombro, assim banhando

De resplendor benéfico inda as mesmas

Liberdades, agora vê rendidas

As que de Amor ao jugo viu já presas.

Com sujeição gostosa vão prostrando

Os alvedrios as porções secretas

Do mais livre exercício, porque nada

A tanto império recatado seja.

Ó raro assombro, ó ínclito transunto

Daquelas, de quem sendo cópia bela,

Para glória do emprego, que autorizas,

Herdas o nome, e as virtudes herdas!

Se a Teresa, se a Clara, em pio obséquio,

Um claustro e outro as direções confessam:

De Clara alentas o esplendor benigno,

Vivificas a imagem de Teresa.

Ó quanta glória, ó quanto bem, ó quanta

Ventura ao grato auspício de Abadessa

Tão preclara, tão justa, e tão prudente,

A Figueiró promete a eleição reta!

Vive; e o zelo ardentíssimo, em que abrasas

O coração, às portas de ouro abertas

Pela estrada do Olimpo te conduza

A cingir a Seráfica Diadema.

E tu, Musa, se a tanto assombro agora,

Muda, pasmas, por mais que a glória vejas,

Sabe que, quanto intento a decifrá-la

Tanto me dificulta o compreendê-la.

Na ocasião do oiteiro se deu o seguinte mote:

Nova luz, novo sol, e novo empenho.

SONETO

Régia ação, nobre acerto, eleição rara,

No ígneo Trono, áureo assento, culta esfera,

Vos teme, vos respeita, vos venera

Digno assunto, alta empresa, honra preclara.

Voto a fé, Templo o peito, o amor Ara,

Rende grato, ergue amante, atento espera;

Pois vos vê, vos adverte, vos pondera

Fiel Judith, Raquel bela, heróica Sara.

Viva pois, brilhe enfim, logre a vitória,

Que a voz cante, honre a Musa, aplauda o engenho

Nome eterno, igual fama, excelsa glória.

Sem sombra, sem eclipse, sem despenho,

Doure o Céu, volva o plaustro, orne a memória

Nova luz, novo sol, e novo empenho?

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística