LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Agonia, Mário Pederneiras
Texto-fonte:
Mário Pederneiras: Poesia reunida,
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2004.
AGONIA
ÍNDICE
Por isso não reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito; queixar-me-ei na amargura da minha alma.
Jó, CAP. VII, VERSÍCULOII
A minha alma tem tédio à vida; darei curso à minha queixa, falarei na amargura de minha alma.
Jó, CAP. X, VERSÍCULO I
PRELÚDIO
Dentre recurvos Serros em Mistério,
Branca, batida de terrais galernos,
Fria de mármore e palor funéreo,
Esponta — em Hóstia — a Lua dos Invernos.
Lua de Páscoa, transparente e franca,
— Velha campônia numa Aldeia em festa —
Resplendorando toda a Terra branca
De uns ares castos de velhice honesta.
Lua dos Frios, que da Terra veio
E que, a elevar-se para os céus, parece
Estranha’Hóstia em centeio
Que à Noite a Alma dos Campos oferece.
Noite sonora como Campanários,
Calma, da Calma honesta dos Sacrários,
Branca em velhice que o Luar lhe touca.
Sem restos quentes d’Outonal mormaço,
Lustrosa e Fria, da friagem d’aço
Vibra a Amplidão abobadada e oca.
Noite com sugestões de Isolamento,
Sonorizada do clamor do Vento
Em zumbidores e ferais esfúrzios.
Vento de Inverno, ríspido e moscardo,
Que plange em eco sonoroso e tardo
A nostalgia musical dos búzios.
No seu eterno e místico Abandono
Sente Jó — d’Alma clara à Noite idônea —
Vago, o tropel do Derradeiro Sono
Pelo descanso sáfaro da Insônia.
Insone e lasso,
Na previsão daquela Noite em claro,
Olha — de um pasmo olhar pesado e avaro -
A luminosa quietação do Espaço.
Cessa o rude labor campônio e gralho
E, em frios núncios de umidade e chuvas,
Paira a Velhice de um Luar grisalho
Sobre as Eiras viúvas.
E Jó saudou-o, absorto
Por uma estranha Saudação magoada:
“Luar! Melancolia congelada...
Luar! Alma pagã de um Lírio morto...”
Para a serena Esfera branca e pura
Erguendo em Mágoa o Pálio de um Olhar,
Indiferente e pálido murmura:
“Salve!... Luar”
E aquela mansa Claridade casta
Que, ampla, oleando a Esfera, se prolonga,
Torna a Terra mais vasta,
Faz a noite mais longa.
Horas de Calma branca e de Apatia
Enevoados de fina Nostalgia
Pesam-lhe aos Olhos úmidos, parados.
Religiões e Névoas... Cousas alvas...
Pensa... Odores tenuíssimos de malvas,
Longos, lentos cortejos de Noivados.
Cousas alvas... Que vão em pesadelos
Algodoando-lhe, calmas, os cabelos,
A própria Chaga, o próprio Riso franco.
Os olhos cerra com as mãos crispadas,
Mas, através das pálpebras cerradas,
Passa-lhe o Olhar cristalizado e branco.
Abre-os... E turvos, compassivos, para...
E o passo lento e triunfal das Horas
Ouve, por essa Noite mansa e clara,
Como o Prelúdio branco das Auroras.
NATAL D’ALVA
II
Horas primeiras, mórbidas, brumáceas,
Fofas, do fofo flácido d’arminhos,
Da redolência pulcra das Acácias,
Baças, do braço dos primeiros linhos.
Dia em começo pela Serra oblonga...
Lentos, primeiros tons castos e alvos
E uma réstia de Luz trêfega e longa
S’esgueira álacre sobre os Campos malvos.
Restos de Noite flácidos afasta,
Puro, branco de gazes,
Na Conceição purificante e casta
De uma sonora e azul Manhã de Pazes.
Manhã primeira, d’alvas indolências,
De claros tons diáfanos, empíreos,
Que enflora a Terra, em noivas albescências,
Para o Natal dos Lírios.
E Jó, pausado, pelos Campos desce,
Dessa brancura excelsa aureolado,
Solenemente lento, acarinhado
Das alegrias matinais da Prece.
A aragem canta o Ritual de um Coro.
De longe vê, numa brumal intensa,
Subindo ao Ar — toda velada de ouro —
A névoa fina que um Trigal incensa.
E, quando longe o pasmo Olhar mergulha,
Vê se esgarçando a palidez da Hora.
É SATÃ que essa Luz ferve e borbulha
Para a infernal germinação da Aurora.
Pouco a pouco se aloira
Dos Horizontes toda a orla extensa
E para os Céus vai-se elevando, loira,
A névoa fina que um Trigal incensa.
E régio e petulante
Por alvuras de linho machucadas,
Passa um raio de Sol flavo e cantante
Griperlizando a luz das Alvoradas.
EFEITOS DE SOL
III
Belo tempo o da messe,
Do Sol que a Terra e as Espigas doira...
Para quem passa nos Trigais, parece
Que a Terra é toda loira.
Claros de um dia franco,
Esse, quente e rural de um claro enxuto.
Todo de Azul e Branco
Que pelas vinhas primavera em fruto.
Claro, sem névoas pardas de mormaço,
Nem sombras para abrigos...
Tonificando, em polimentos de aço,
A luminosa gestação dos Trigos.
Claro — polindo a Esfera
E liquescente os Campos esmeralda,
E sobre a Primavera
Neva poeira jalda.
“Agonia... Agonia”,
Numa Nevrose de isolado clama,
Ao borbulhar da Flama
Espoucante e aromal do Meio-Dia.
Dói-lhe a frescura dessa claridade
E aquele tom sadio
Põe-lhe no corpo magro e doentio
Excitações de Raiva e de Maldade.
D’ares facundos arde
Toda a recurva Atmosfera em roda
E em sugestões de boda
Surge a vermelha Tarde.
Os olhos pasmos pelos Céus esbate...
À cambiante dessas luzes flavas
Grita-lhe o outonal e vívido escarlate
No próprio esbaço carmesim das Chagas.
Horas apapouladas
Borbulhantes de Som! Vitoriosas!
Vão-lhe enflorando as Carnes enchagadas
Em podridões de Crisântemo e Rosas.
Baixa o sereno Olhar, sereno e langue,
Sobre a polpa sanguínea de uma perna;
Sobe-o depois e o Sol fervilha e inferna
Sulferinado em coalhos do seu sangue.
À potência da Luz parvo se humilha...
Os Olhos baixa desse Céu d’asfalto...
Volve-os à Chaga... E lá, quente, fervilha
O luminoso Sol que vai lá alto.
Leva-os, além sobre planuras rasas
Que a loiro fresco de Trigais recendem
E lá quente e rápidos acendem,
Bailarinando, uma Papoula de asas...
Pousa-os além... além sobre os lavados
Campos que à luz fecundadora estufam.
Lá... sobre o Glauco em Paz d’altos gramados,
Asas em fogo ruflam.
Cerra-os depois. Alma clamando em rogo,
Pálpebra em chama, o cavo Olhar resina
Acidulado d’ásperos de fogo
Daquela estranha polpa sulferina.
Arde-lhe interna flava flama espessa
— Flama que espiga pelos olhos quietos —
E lhe fagulha, fulvos, à cabeça
Zumbidos d’asas musicais de insetos.
Ouve-os mais forte agora. Clama à Terra
Todo o vigor avermelhado e em pompas
De uma Agonia marcial de guerra
Ao resinoso clangorar das trompas.
Abre de novo o Olhar, pálpito e brando,
Do trigo em flor de sob as luzes jaldas,
Que lhe parece ao Sol bandeirolando
Em purpurinas flâmulas esfraldas.
E a vibração do Sol nas derradeiras
Horas do Dia, flavas e bizarras,
Lembra o clangor de rútilas fanfarras
À flava Luz das Tardes e das Eiras.
Crepitações de fogo, ígneas cores...
E d’agitados vesperais rubores
A Terra em boda, Sol, potente abrasas.
Há rumores na Luz, como se bravo
SATÃ — lá baixo — barulhasse o flavo
E farfalhante estrépito das Asas.
Trêmulo sente Jó — d’Alma beata -
Sob o verão daquela Asa escarlata
Que nova chaga o pasmo Olhar lhe inflama.
Os rubros Céus rubras Visões lhe acordam
E vê que d’alto a fervilhar transbordam
Rios de Inferno de Calor e Chama.
Que esta Chama vermelha que em refolhos
Pelo sereno Azul pausada erra,
E em duas Chagas já lhe sangra os Olhos
Há de escorrer em fogo sobre a Terra.
Há de envolver a Terra e, rude em queda,
Em serpeios cingir Campos e Abrigos,
Todo o loiro dos Trigos
Fundir no Círio de uma Labareda.
Pasmo, calado, ergue os Olhos a custo...
Treme, em Pavor, a sua Alma de Justo.
Ergue-os, banhado de expressão beata.
Afla no Ocaso lenta Asa escarlata.
Pesa em tudo um torpor dolente e langue.
Encara o Céu em súplicas e rogo.
Baixa-os lentos empós, sente-os em fogo,
E resinados d’ácido de Sangue.
Ur, que ness’Hora jaz amolentada,
Sob a calma lilás daquela tarde,
Para os seus Olhos enchagados, arde
D’estranha flama rubra, ensanguentada.
Olha em seguida o Mar, sereno e morto,
Na doce Paz marinha das vazantes,
Olha-o de longe e lentas e distantes
Vê Naus em fogo desmandando o porto.
Vai a descer o Sol, Esfera em fora.
E desce — e aos poucos todo o Ocaso cora...
Púrpura alastra, desce aos poucos, desce
E em refrações de Luz, fidalgo, tece
Policromado Velo quente e frouxo.
Já entre a orla vermelha
E o resto Azul daquele Céu, centelha
O Resplendor cristão d’Angelus roxo.
Lento, a descer o Céu cobalto e louro,
Parece o Sol, naquela Tarde quente,
O bojo pando de uma Vela de ouro
Em rota ao Poente.
CLAMOR
IV
Foi pela Hora em Luz sentimental
Que o Dia, apenas, enrubesce quente
À liquescência lustra de metal
Das laminadas orlas do Poente.
Inda no Ocaso púrpuro e sadio
De álacre Sol, que horas inteiras, langue,
Fora da unção rural, de luz e sangue,
Sacramentando o Funeral do Estio,
Quando as cigarras morrem nos pomares
Ao rebento pagão de aromas de uvas,
Já pelo fim das vinhas e luares,
Em eras núncias do brumal das chuvas;
Que Jó — Alma de meigo e fraco -
Na hora santa d’Angelus opaco,
Vibrou à réstia esmáltica do Arrebol
Aquela estranha maldição ao Sol:
“Fonte do meu cansaço,
Da minha estranha e mórbida Agonia,
Pões na glória aromal de um Meio-Dia
Púrpuras quentes laminadas de aço.
Foge de Ti o fumo das caçoulas
Que o Inverno brumal amplo descerra
E quando passas abrem-se as papoulas
Como sanguíneas Maldições da Terra.
Sobre este Campo Hebreu,
Que almo remanso místico protege,
Alongas a flamínea e herege
Fulguração de um dardo filisteu.
Mal pela Esfera extensa
Flamas, no lustro flavo dos metais,
Vê-se de longe peneirar suspensa,
A exalação cansada dos trigais.
Basta que claro irrompas
Través o linho fofo d’Alvoradas,
Para que em longas, quentes baforadas
Sinta-se o olor rural das tuas pompas.
E quando a tua Luz espalhas,
Sonora, álacre, espiralada em flama,
Por toda a Terra flavo se derrama
O grito rude e de aço das Batalhas.
Arde-me o corpo nessa hora ingrata
E parece que a Terra também arde,
Cheia de Sarça de ouro e da escarlata
Cintilação metálica da tarde.
Tudo se robustece,
Há rumores fecundos e terrenos
E o teu furor doirado amarelece
A castidade virginal dos fenos.
SOL! Régio salmo de um rude!
Que a Alma brutal das Alegrias uiva.
Há clangores de Luz e de Saúde
Na tua excelsa cabeleira ruiva.
SOL! Nota rubra de um hino
Clara abafando o temporal de um Rogo
Pelos Ocasos a fugir das Preces
Que malvam Alvas de um Luar, pareces
Velho, SATÃ de fogo,
Embuçado num manto sulferino.
SOL! Blasfêmia de ouro
Que à raivosa explosão da Alma pagã
Rútila ecoa pelo espaço louro.
Quando em flamíneo e rútilo tropel
Rompes o velo casto da Manhã,
Lembras o lustro fulvo de um broquel
Afivelado ao braço de SATÃ.
SOL! És o eterno agouro...
A minha Mágoa, o meu Pesar antigo;
Maldito sejas tu... Eu te maldigo
Porque és todo de ouro.”
Arfando o peito de Pavor e Espanto,
Findara afadigado
E logo teve o doce Olhar magoado
Das umidades límpidas do pranto.
Em grande mágoa de arrependimento
Abre-lhe a boca o smorzo de um lamento.
Rememorou tod’essa Imprecação,
Viu-se feroz, estúpido, pagão.
Bruto, clamando fero contra o Dia
— Fonte do Amor e fonte d’Alegria.
Defendera da Luz as cicatrizes
Do seu corpo dorido e a Alma avara
Esquecera que a Crença lhe ensinara
Que Deus fizera o Sol para os felizes.
E Olhos em Alto,
Genuflexo,
Sob a Benção sentida de um reflexo,
De uma nesga de Céu meigo e cobalto,
Clama trêmulo e exausto:
“O meu Pavor esquece,
Erga-se a Ti, minha Alma em Holocausto,
Fecunde a mágoa o lírio de uma Prece.
Bendito” ... em contrição murmura
Prece em começo e espera que divina
Os ares floque em mística ternura.
“Bendito...” apenas múrmuro surdina.
Reza “Bendito...” O cavo Olhar espanta.
O olvido em crepes a Memória entreva,
Tem gorgulhos de engasgo na garganta...
“Bendito...”, apenas para o Céu se eleva.
Erguendo-se, “Bendito...” bruto clama,
Na flaminosa robustez de um grito
E pelo Espaço apenas se derrama
O espouco fulvo e rijo de um “Bendito...”
“Vinde, Preces por quem me esforço,
Para, imáculas, ver no meu degredo
Que a Alma esgarça e lúgubre do Medo
Treva no Espaço lutos de um Remorso.”
Caminha e lento rememora
Trecho de uma Oração. Na alma pesada
Esse “Bendito...” mágico se enflora
Como uma flor de Lótus congelada.
Que outras palavras vençam
Aquele olvido estranho, impenitente,
Clama e repete angustiosamente
As derradeiras sílabas da Benção.
E a pauso passo, penso,
Campos em fora caminhando Jó,
Pensa a clamar que neste Mundo imenso
Só ele existe, inteiramente só.
Sem Terras, sem Amor e sem Família,
Palma a Estrada feral de algum jazigo,
Só... Nem um Olhar de amigo
A farolar-lhe a treva da Vigília.
Ouro, que o teve, como força e músculos,
Âmbar e naus,
O Sol foi abrasando
— O Sol que é o Rei dos Maus -
Para depois, aos poucos, ir formando
Auroras e Crepúsculos.
Todo o seu Âmbar, seu Amor, seu Ouro,
Flamam lá no alto, em forma d’Arrebol...
É por isso que o Sol
É rijo como um touro.
E tomba enfim, enlanguescido, exangue,
Exausto, tomba sobre a Terra rude,
Sob os restos de Luz e de Saúde
Do Sol, que cai crepusculando em sangue.
E sobre a Terra, inda a clamar aflito,
Rebusca Preces numa luta louca,
E vem-lhe apenas, surdinando à boca
“Bendito... Bendito... Bendito...”
Antes que a Noite esponte
E o clangor do Crepúsculo se esbata,
O Ocaso freme ao longo do Horizonte,
Bambinelado em púrpura escarlata.
E parvo ante esse rútilo flamejo
Por essa inglória evocação da Crença,
Ergue pasmos Olhares
E desvairado pensa
Bipartir-se o Crepúsculo nos Ares,
No movimento espalmo de um Adejo.
“Sombra! Quero que tu me encubras!
SOL! Por que tanto me abrasas?
Ouço lá alto um ruflamento de Asas
Infernalmente rubras.”
A Terra beija, regougando em rastros,
Evoca a Noite, em raiva, evoca a Treva,
Por Astros clama e a sua Voz se eleva:
“Astros... Astros... Astros...”
Deixa que o corpo em serpe se retorça,
Relembra Preces. Pede calma e força.
“Bendito...”, e rude em mágoa e cansaço
Assiste o Sol agonizar no Espaço
Em bruxuleios fúnebres de flama
— Círio em Agonia
Iluminando um féretro pagão
E nisto lembra, louco de alegria,
Prece em olvido e vigoroso clama:
“BENDITO SEJAS TU, DEUS DE ABRÃÃO”
Como núncio da Paz
Sob o palor das Amplidões serenas
Em Angelus lilás
Estremunhado Corvo
Abrindo o lento funeral das Penas.
HORA VIÚVA
V
Hora final... A mansidão da calma
Toda a recurva Atmosfera abrange
E ao ruflo d’asa d’Angelus espalma
Lenta Mágoa lilás nos Ares plange.
Hora enflorada
Que uma Agonia pulmonar encerra,
Cheia de Sol e quente, germinada
Na tumescência púbere da Terra.
Brunidos de punhal
E a placidez plumada de uma pomba...
Sangue e metal,
Fulgurações finais de um Sol que tomba.
Aleluia de Luz! Sonora entone-a
A Hora que passa vagarosa e sã,
Rubra, esfraldando sobre a Paz campônia
A derradeira flâmula pagã.
A mão aconcha sobre os Olhos pensos
E a esgueirar-se do Olhar pesado e bruto
Sai-lhe, varando rija os Ares densos,
Toda uma facha funeral de luto.
E olhares sóbrios, lentos, tediescos,
Vão se esbater na claridade longe,
— Como num campo de lilases frescos
A silhueta flácida de um Monge.
E vê, num tom nostálgico de rogo,
Que, ao descambar do Sol que lento avança,
Todo o extremo do Céu amplo balança
Numa recurva oscilação de fogo.
Contempla-o, até que esternilado exangue
Nas Agonias do esplendor supremo,
Tombe num coalho do seu próprio sangue
Atufado num roxo Crisantemo.
Tombara o Sol e todo o largo Poente,
Calmo e brando,
Fora se agrisalhando
De uma alegria de convalescente.
Angelus brilha em claridade frouxas,
Inda do aço do Sol tonalizado,
Místico e velado
De exalos tênues, de saudades roxas.
E Jó, que a Alma sombria
Inda a revolta de um Pesar traduz,
Ouve o tropel da luz
Acompanhando o funeral do Dia.
Todo o sangue do Sol lá pelo extremo
Da comburente Esfera se dessora
E sobre a Terra aquela Tarde chora
A viuvez de um pranto Crisantemo.
RUMO À GALÁXIA
VI
Nem o pisco estelas d’astro erradio
Nem pálpitos de Voo.
Surdinam longe pausas de um reboo
Núncio de estranho temporal bravio.
Nuvens se esgarçam
Em reboo revolto, d’altos mares,
E barulhentas passam
Escumilhando crepes pelos Ares.
Treva bramindo em frágua
Sem réstia d’astro, em alto que fulgisse,
Noite ampla, que feral se abrisse
Para as bandas da Mágoa.
Para consolo a Jó, que este abandono
Enfara e pesa num viver bisonho,
Abriu-lhe a Dor, o Pálio azul do Sono
E Deus mandou-lhe o Sonho.
Era uma Estrada alva,
Nunca por pés humanos palmilhadas,
Branca, de Luas brancas, poeirada
De exalações de Lírios e de Malvas.
Tão branca, tão suave...
Sem um raio de Sol que a maculasse
— Como se nela apenas caminhasse
Turba de Monjas d’Alvas d’asas d’ave.
Postos lá no alto, ao termo do caminho,
Por onde, SOL, jamais as luzes vazas,
Anjos de branco, trescalando a linho,
Abrem a Cruz angelical das asas.
Pontilhos d’ouro, trêmulos em áleas
De crisantemos aromais luzindo,
Estelam, rumo ao sulco das sandálias
Dos que lá foram para os Céus subindo.
Auras áureas de instrumentos tanjos
Em palinódias rituais e frouxas
Trazem exalos de saudades roxas,
Movimentando a túnica dos Anjos.
E Anjos que vêm aflando e alados,
Sangrando em Glória Jó, d’olhos de círios,
Curvam-lhe à fronte a auréola dos Martírios,
Vestem-lhe a Veste dos Purificados.
Ala-se Jó — Olhos úmidos d’água —
Esfera em Luz... Luz de Angelus enfaixe-a.
Lento lá vai, Romeiro exul da Mágoa,
Peregrinando as brumas da Galáxia.
Angelus, alto sobre a serra oblonga,
Curva esplendores de uma Luz intensa
E a Alva que veste pelo Espaço alonga
Uma réstia lilás de Mágoa e Crença.