LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Canto Único, de Basílio da Gama
Edição de referência:
Obras Poéticas de Basílio da Gama, São Paulo: Edusp, 1996.
CANTO ÚNICO
AO MARQUÊS DE POMBAL
I
De ti a Lira e o loiro a Arcádia fia,
Não envileças nunca o dom sagrado,
Canta do Pai da Pátria; assim dizia
Com a trêmula voz o Velho honrado;
Quando junto do Tibre, que o ouvia
Sobre troféus antigos reclinado,
Cingiu na minha frente o verde loiro,
E pôs nas minhas mãos a Lira d'oiro.
II
Amada Lira, se o teu doce acento
Abala troncos, e levanta muros,
Enfreia as ondas, adormece o vento,
E abranda os corações dos Tigres duros:
Acompanha o meu novo atrevimento,
Faze-te ouvir nos séculos futuros,
Se te assusta ir comigo aos pés do Trono,
Instrumento infeliz, busca outro dono.
III
Pôde um Herói no berço recostado
Despedaçar co'as mãos Dragões torcidos,
Romper da eterna noite o horror sagrado,
Mostrar a luz ao cão dos três latidos;
E um dos joelhos sobre o chão firmado,
Os braços pelas nuvens estendidos,
Sustentar ele só cheio de assombros
Todo o peso do Céu sobre os seus ombros.
IV
Pode depois de longa resistência
Ver a seus pés o susto do Erimanto,
Dar um asilo à tímida inocência
Na terra, e o crime encher de horror e espanto;
Possuir os tesoiros da eloqüência,
Quem cuidou que os mortais podiam tanto?
Pôde Pombal... Ó Grécia, não duvides;
E tu cuidavas que eu cantava Alcides?
V
Afoga as serpes o Indiano ousado,
E os feroces Leões co'a garra erguida,
De curto ferro e de destreza armado,
Lança por terra o Caçador Numida;
Porém contra as Esfinges, que rasgado
Tem no seio da Europa alta ferida,
Deu o Céu um Herói aos Portugueses,
Dádiva, que o Céu dá bem raras vezes.
VI
Europa, envolve o rosto em negro manto,
Tu viste o crime nos altares posto,
E viste o Irmão, da Irmã, banhado em pranto
O peito virginal rasgar com gosto;
Consagrar o punhal no Templo Santo
Para depois ferir voltando o rosto
Os velhos Pais, os filhos inocentes;
Tanto a Superstição pode nas gentes!
VII
Infama agora um povo de guerreiros,
Vomita essas injúrias, que tens prontas,
Porque entornava o sangue dos cordeiros,
Ou porque à branca rês dourava as pontas,
Os bárbaros do mundo derradeiros
Não contam mais estragos, que tu contas:
O sangue humano, e não um Crocodilo,
Tornou infame o habitador do Nilo.
VIII
Se a Lusitânia diz em seu abono
Que não teme que a guerra hoje a destrua:
Se são a Fé, e o amor guardas do Trono,
Grande Marquês, a glória é toda tua.
Ninguém perturba da inocência o sono,
Ensina aos povos a verdade nua
O Sacerdote em cândidos vestidos,
As mãos, e os olhos para os Céus erguidos.
IX
O Lavrador co'as uvas enlaçadas
Entoa em teu louvor alegre o hino,
Responde o cegador co'as mãos doiradas
De seu nobre suor tributo dino,
E só co'a tua vista amedrontadas
Aos gelos Boreais, ao Ponto Euxino,
Fogem de nós as guerras sanguinosas,
Detestadas das Mães e das Esposas.
X
No capacete a abelha os favos cria,
Curva-se em fouce a espada reluzente,
O inseto industrioso as roupas fia,
Outras fia a Serrana diligente;
Manda ao Tejo brilhante pedraria
O último Ocaso, o último Oriente
Ao Tejo manda pérolas redondas,
Árbitro antigo das cerúleas ondas.
XI
Formoso Tejo, que do Pátrio assento
Respeitado das Tropas do inimigo,
Vês ondear à discrição do vento
No Elmo as plumas, na Seara o trigo:
Reconhece do Trono o firmamento,
A balança do prêmio e do castigo,
O Pai da Pátria, o Defensor da Igreja;
Vai ao Grande Marquês, e os pés lhe beija.
XII
Depois ao mar, que viu o caso triste,
Que a cinzas reduziu Lisboa inteira,
Pinta a nova Lisboa, e que lhe ouviste
Que não tinha saudades da primeira;
Conta-lhe a doce paz, dize que a viste,
De Carvalho e pacífica Oliveira
Enramadas as torres, e altos muros,
Ir pôr as mãos sobre os altares puros.
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística