LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Epitalâmio da Excelentíssima Senhora D. Maria Amália, de Basílio da Gama
Edição de referência:
Obras Poéticas de Basílio da Gama, São Paulo: Edusp, 1996.
At nos binc… sitientes ibimus Afros
Virg. Ecl.I
I
Ninfas desta aspereza aos Céus vizinha, [1]
Cingi-me a frente do arrojado loiro:
Torne a correr a mão cansada minha
C'o plectro de marfim as cordas de oiro. [2]
Oiça dos sete montes a Rainha,
Oiça o Danúbio, o pátrio Tejo, e o Doiro.
Amor na minha cítara se esconda,
E Amália, Amália o Eco me responda.
II
Vejo os Cisnes das penas prateadas
Trazer do Céu sobre o fecundo leito
Fitas de rosas no pescoço atadas,
Estrelas de oiro no encrespado peito.
Já dão caminho as nuvens enroladas,
Já sente a terra o amoroso efeito.
Deixa rasto de luzes no ar que trilha
A bela Deusa das escumas filha.
III
Vem, ó santo Himeneu, desce dos ares
Coroado de lírios, e de rosas:
Rodeiem teus puríssimos altares
Do Tejo as mansas águas vagarosas.
Destes bosques as Deusas tutelares,
Ornando as tranças negras, e fermosas,
Irão co'as nuas Graças, e os Amores
Pelo chão espalhando as brancas flores.
IV
Esposo afortunado, em quem tem posto
A Pátria as suas doces esperanças,
No meio dos aplausos, e do gosto
Ah conhece o que logras, e o que alcanças.
A Fortuna, que a tantos volta o rosto,
Te põe na mão as fugitivas tranças.
Prêmio do teu ardor, a Deusa cega
Quanto te pode dar tudo te entrega.
V
Estas faces mimosas, e serenas,
A boca, onde se forma o doce encanto,
Causa de tanto susto, e tantas penas,
Os olhos, que enche o vergonhoso pranto,
A garganta de neve, e de açucenas,
Tão desejada, e suspirada tanto,
(Olha os sinais da doce mágoa sua)
Alma feliz, esta beleza é tua.
VI
Entra Esposa imortal de Amor no templo,
Dá à Pátria, que te ama, e se desvela,
Doces frutos de amor (eu os contemplo)
Sucessão numerosa, ilustre, e bela:
Que siga os passos, e o paterno exemplo,
E se deixe guiar da sua estrela.
Que de fortes leões leões se geram.
Nem os filhos das águias degeneram.
VII
Se ameaçando Europa injusto, e irado
Vai Frederico da vitória certo,
Vês o Herói do teu sangue em campo armado [3]
De pó, de fumo, e de suor coberto:
Rotas as plumas do chapéu bordado,
A banda solta, o peito de aço aberto,
Livrando Áustria de jugo, e vitupério,
Suster nos ombros o cadente império.
VIII
Um dos dois Tios do seu Rei ao lado [4]
Com o semblante plácido, e jucundo
Governa ao longe o Império dilatado,
Que separa de nós o mar profundo.
Outro glória da Igreja, e do Senado, [5]
A quem a grande Capital do Mundo
Há muito que magnífica prepara
A púrpura, e lhe acena co' a tiara.
IX
Nem lhe mostres na Pátria, e estranha terra
Os antigos ilustres, que passaram.
Mostra-lhe o grande Avô, em quem se encerra [6]
Quanto os Heróis da antiga História obraram.
E baste-lhe na paz, e em dura guerra
Que se lembrem um dia que beijaram
A mão, seguro arrimo da coroa,
A mão que da ruína ergueu Lisboa.
X
Quando dos Alpes ao famoso estreito [7]
A Discórdia cruel, com vário estudo,
Fez armar tanto braço, e tanto peito,
Esta mão nos serviu de amparo, e escudo.
Sentiu ao longe o lagrimoso efeito [8]
Da quarta parte nova o povo rudo.
E a foz do Tejo, e o túmido caminho
Gemeu com tanto cedro, e tanto pinho.
XI
O monstro horrendo do maior delito,
Que abortou de seu seio a noite escura,
Por obra desta mão, no alto conflito,
Manchou de negro sangue a terra impura.
Ruge debalde aos pés do trono invicto
A Soberba, e debalde erguer procura
A aterrada cabeça, em que descansa
O duro conto da pesada lança.
XII
Quis erguer a Ambição com surdas guerras
Fantástico edifício, aéreas traves:
Porém geme debaixo de altas serras,
E tem sobre o seu peito os montes graves.
Lá vão passando o mar a estranhas terras
Os negros bandos de noturnas aves, [9]
Com a Inveja, a Ignorância, e a Hipocrisia,
Que nem se atrevem a encarar o dia.
XIII
Já tirar-nos não pode a Sorte, e o Fado
Esses alegres dias, que estão perto:
Inda há de ver a Pátria, e o Reino amado
O Céu todo de nuvens descoberto:
Errar nos montes sem pastor o gado,
E sem cultura, e sem limite certo,
Ondear pelo campo o trigo loiro,
Imagem da saudosa idade de oiro.
XIV
Eu não verei passar teus doces anos,
Alma de amor, e de piedade cheia:
Esperam-me os desertos Africanos,
Áspera, inculta, e monstruosa areia.
Ah tu faze cessar os tristes danos,
Que eu já na tempestade escura, e feia
Mal diviso, e me serve de conforto,
A branca mão, que me conduz ao porto.
XV
Assim as asas vai ao vento abrindo,
E força os mares co'a cansada proa
Grave das coisas, que mais preza o Indo,
A Nau, que torna do Oriente, e Goa,
Que as nuvens no Horizonte descobrindo
De flâmulas se adorna, e se coroa,
Vencedora do mar, que lhe fez guerra:
E saúda de longe a amada terra.
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
[1] Aspereza: Cintra
[2] Oiro: Timbre da Excelentíssima Casa de Oeiras.
[3] Herói: O General Daun.
[4] Tios: O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
[5] Outro: O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Paulo de Carvalho e Mendonça.
[6] Avô: O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Oeiras.
[7] Quando: A última guerra.
[8] Longe: Sucesso da Havana.
[9] Bandos: Extermínio dos Jesuítas.