Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Volume 1


Obra de referência:

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de MInas Gerais, 1978. 10 volumes..

A) CORPO DE DELITO

B) FORMAÇÃO DE CULPA

PARTE I

JUIZ: DOUTOR DESEMBARGADOR Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca de Vila Rica

ESCRIVÃO: Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará

— Auto de devassa a que mandou proceder o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, sobre a Sedição e Levante que na mesma se pretendia excitar.

Escrivão

          O Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará.

— Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e oitenta e nove, aos quinze dias do mês de junho do dito ano, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo e sendo aí, por ele dito Ministro me foi participado que em observância da Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, datada de doze de junho do corrente ano, e auto de corpo de delito e mais papéis dele juntos, de que o mesmo faz menção, queria proceder à devassa para, pelo auto dela, se perguntarem testemunhas e se poder examinar e vir no perfeito conhecimento, não só dos infames réus que temerariamente se abalançaram a perpetrar o execrando delito de que foram denunciados, havendo já de antemão e com premeditada maldade disseminado em alguma parte do povo desta Capitania vários discursos e vozes sediciosas, adaptadas ao fim que se propunham de ilaquear e dispor os mesmos povos a uma horrorosa e geral sublevação, que pretendiam concitar e teriam já praticado se lhes não obstasse a incorrupta fidelidade que neles encontraram; mas também se descobrirem os mais cúmplices que, por qualquer modo ou maneira, houverem prestado ou concorrido com auxílio, conselho ou favor para tão temerário procedimento; e conhecida a verdade, serem uns e outros punidos com todas as penas cíveis e criminais por Direito estabelecidas; de que tudo, para constar, mandou ele dito Ministro fazer este auto, que recebeu na parte que era de receber segundo a forma da Lei, e o qual se assinou comigo, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência, que o escrevi e assinei.

Saldanha — José Caetano César Manitti

               1.1 — Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos quatorze dias do mês de junho do dito ano, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão ao diante nomeado, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dadas as seis cartas de denúncia que sucessivamente apresentaram ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, de cuja mão as recebeu: o Coronel Joaquim Silvério dos Reis; o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro; o Mestre de Campo Inácio Correia, com o seu respectivo Auto de Ratificação e mais declarações; o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada; o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, com os mais papéis e Auto de Achada às mesmas juntos; que tudo vai por mim rubricado por assim o determinar o dito Ministro; cujas cartas manifestam e denunciam o plano de uma sublevação que se pretendia concitar nesta Capitania, indicando-se juntamente nelas alguns dos cúmplices que intervinham na referida confederação; as quais cartas e mais papéis juntos ficam servindo de corpo de delito, que nas mesmas se fez para a Devassa a que manda proceder o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General pela sua Portaria ao diante junta, datada de doze do corrente mês; do que tudo, para assim constar, mandou ele referido Ministro formar este auto, em que assinou comigo o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi e assinei.

Saldanha. — José Caetano César Manitti

               1.2 — Portaria do Visconde de Barbacena ao Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha. Vila Rica, 12-06-1789.

               Por ter chegado à minha notícia que algumas pessoas tinham formado nesta Capitania o temerário e abominável projeto de uma sublevação contra a Majestade e legítima Soberania da Rainha nossa Senhora, que Deus guarde, e da sua Real Coroa, conjurando-se entre si, podendo corromper a fidelidade do povo e da tropa, e usando para o mesmo fim de outros perversos e horrorosos meios, ordeno ao Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca que, autuadas as denúncias ou representações, cartas e mais papéis que lhe entrego, haja de proceder com toda a circunspecção e segredo possível à investigação e inquirição devassa deste gravíssimo delito sem determinado tempo ou número de testemunhas, escrevendo nela o Doutor José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará, que na conformidade das ordens de Sua Majestade tenho nomeado para escrivão em todas as diligências, procedimentos e autos judiciais concernentes ao exame deste importante negócio; e confio da fidelidade, inteligência, atividade, e zelo pelo Real serviço, de um e outro Ministro, o completo desempenho dele, procurando conhecer não somente os autores e cúmplices de tão execranda maldade, mas todo o pernicioso sistema e progresso dela, e dando-me parte de tudo para eu ocorrer continuadamente com todo o auxílio e providência que forem necessárias.

               Vila Rica, 12 de junho de 1789

               (Visconde de Barbacena)

               1.3 — Carta-denúncia de Joaquim Silvério dos Reis. Cachoeira, 19-04-1789, datada de Borda do Campo, 11-04-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena

               Meu Senhor: — Pela forçosa obrigação que tenho de ser leal vassalo à nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se me tirar a vida, como logo se me protestou na ocasião em que fui convidado para a sublevação que se intenta, prontamente passei a pôr na presença de Vossa Excelência o seguinte: — Em o mês de fevereiro deste presente ano, vindo da revista do meu Regimento, encontrei no arraial da Laje o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo; e falando-me em que se botavam abaixo os novos Regimentos, porque Vossa Excelência assim o havia dito, é verdade que eu me mostrei sentido e queixei-me ao sargento-mor: me tinha enganado, porque em nome da dita Senhora se me havia dado uma patente de coronel, chefe do meu Regimento, com o qual me tinha desvelado em o regular e fardar, e muita parte à minha custa; e que não podia levar à paciência ver reduzido à inação o fruto do meu desvelo, sem que eu tivesse faltas do real serviço; e juntando mais algumas palavras em desafogo da minha paixão. Foi Deus servido que isso acontecesse para se conhecer a falsidade que se fulmina.

               No mesmo dia viemos dormir à casa do Capitão José de Resende; e chamando-me a um quarto particular, de noite, o dito Sargento-Mor Luís Vaz, pensando que o meu ânimo estava disposto para seguir a nova conjuração pelos sentimentos e queixas que me tinha ouvido, passou o dito sargento-mor a participar-me, debaixo de todo o segredo, o seguinte:

               Que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da conjuração, havia acabado o lugar de ouvidor dessa Comarca, e que, isto posto, se achava há muitos meses nessa vila, sem se recolher a seu lugar da Bahia, com o frívolo pretexto de um casamento, que tudo é ideia porque já se achava fabricando leis para o novo regime da sublevação que se tinha disposto da forma seguinte:

               Procurou o dito Gonzaga o partido e união do Coronel Inácio José de Alvarenga e do Padre José da Silva e Oliveira, e outros mais, todos filhos da América, valendo-se para seduzir a outros do Alferes (pago) Joaquim José da Silva Xavier; e que o dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: que o dito Coronel Alvarenga havia mandar 200 homens pés-rapados da Campanha, paragem onde mora o dito Coronel; e outros 200, o dito Padre José da Silva; e que haviam de acompanhar a estes vários sujeitos, que já passam de 60, dos principais destas Minas; e que estes pés-rapados, haviam de vir armados de espingardas e facões, e que não haviam de vir juntos para não causar desconfiança; e que estivessem dispersos, porém perto da Vila Rica, e prontos à primeira voz; e que a senha para o assalto haviam de ser cartas dizendo tal dia é o batizado; e que podiam ir seguros porque o comandante da Tropa Paga, Tenente-Coronel Francisco de Paula, estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda que o mesmo sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam desgostosos pela frouxidão que encontravam no dito comandante e que, por essa causa, se não tinha concluído o dito levante.

               E que a primeira cabeça que se havia de cortar era a de Vossa Excelência; e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se havia fazer uma fala ao povo que já estava escrita pelo dito Gonzaga; e para sossegar o dito povo se havia levantar os tributos; e que logo se passaria a cortar a cabeça do Ouvidor dessa vila, Pedro José de Araújo, e ao Escrivão da Junta, Carlos José da Silva, e ao Ajudante-de-Ordens Antônio Xavier; porque estes haviam seguir o partido de Vossa Excelência; e que, como o Intendente era amigo dele, dito Gonzaga, haviam ver se o reduziam a segui-los; quando duvidasse, também se lhe cortaria a cabeça.

               Para este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns barris de pólvora, o que outros já tinham mandado vir; e que procuravam o meu partido por saberem que eu devia a Sua Majestade quantia avultada; e que esta logo me seria perdoada; e que, como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos escravos, me seguravam fazer um dos grandes; e o dito sargento-mor me declarou vários entrados neste levante; e que se eu descobrisse, se me havia tirar a vida como já tinham feito a certo sujeito da Comarca de Sabará. Passados poucos dias fui à Vila de São José, aonde o vigário da mesma, Carlos Correia, me fez certo quanto o dito sargento-mor me havia contado; e disse-me mais: que era tão certo que estando o dito pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito demissão da sua igreja a seu irmão, o dito Gonzaga lhe embaraçara a jornada fazendo-lhe certo que com brevidade cá o poderiam fazer feliz, e que por este motivo suspendera a viagem.

               Disse-me o dito Vigário que vira já parte das novas leis fabricadas pelo dito Gonzaga e que tudo lhe agradava menos a determinação de matarem a Vossa Excelência; e que ele, dito Vigário, dera o parecer ao dito Gonzaga que mandasse antes a Vossa Excelência botá-lo do Paraibuna abaixo e mais a Senhora Viscondessa e seus meninos, porque Vossa Excelência em nada era culpado e que se compadecia do desamparo em que ficavam a dita senhora e seus filhos com a falta de seu pai; ao que lhe respondeu o dito Gonzaga que era a primeira cabeça que se havia cortar porque o bem comum prevalece ao particular e que os povos que estivessem neutros, logo que vissem o seu General morto, se uniriam ao seu partido.

               Fez-me certo este Vigário, que, para esta conjuração, trabalhava fortemente o dito Alferes Pago Joaquim José, e que já naquela comarca tinha unido ao seu partido um grande séquito; e que cedo havia partir para a capital do Rio de Janeiro a dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era também cortar a cabeça do Senhor Vice-Rei; e que já na dita cidade tinham bastantes parciais.

               Meu senhor, eu encontrei o dito Alferes, em dias de março, em marcha para aquela cidade; e pelas palavras que me disse me fez certo o seu intento e do ânimo que levava; e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito Alferes se acha trabalhando este particular e que a demora desta conjuração era enquanto se não publicava a derrama; porém que, quanto tardasse, sempre se faria.

               Ponho todos estes tão importantes particulares na presença de Vossa Excelência pela obrigação que tenho de fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam de ver a ruina de pessoa alguma; o que espero em Deus que, com o bom discurso de Vossa Excelência, há de acautelar tudo e dar as providências sem perdição de vassalos. O prêmio que peço tão somente a Vossa Excelência é o rogar-lhe que, pelo amor de Deus, se não perca a ninguém.

               Meu senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou continuando na mesma diligência, o que tudo farei ver a Vossa Excelência quando me determinar. Que o céu ajude e ampare a Vossa Excelência para o bom êxito de tudo. Beijo os pés de Vossa Excelência, o mais humilde súdito.

               Joaquim Silvério dos Reis, Coronel de Cavalaria dos Campos Gerais.

               Borda do Campo, 11 de abril de 1789.

               Reconheço a letra e firma da carta retro ser do próprio punho do Coronel Joaquim Silvério dos Reis por outras semelhantes que lhe tenho visto. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

1.4 — Carta-denúncia de Basílio de Brito Malheiro do Lago, Vila Rica 15-04-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General.

               Vossa Excelência me ordenou que lhe desse escrita a parte que já lhe dei de palavra: de que eu tinha notícia em como algumas pessoas suscitavam nesta Capitania rebelião contra Vossa Excelência, e igualmente contra o Estado e a mesma Soberana; e que lhe declarasse eu tudo o que tivesse alcançado em matéria tão importante como esta; e ainda o que eu presumisse dos sediciosos e seus projetos; que tudo lhe manifestasse, o que faço obedecendo à ordem de Vossa Excelência, declarando primeiro que não quero que sirva de culpa a qualquer pessoa o que eu desconfio por algumas interferências, sem que Vossa Excelência venha no pleno conhecimento por outras vias. Já passa de seis meses que me acho nesta Capital de Vila Rica, aonde vim do Serro Frio, a dependência das desordens em que está a minha casa, como Vossa Excelência muito bem sabe; já era passado algum tempo que eu estava nesta vila, chegou a ela, vindo do Serro Frio, onde também é morador, Manoel Antônio de Morais, e veio a ser hóspede do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha; e enquanto o dito Morais estava nesta Vila, ia eu algumas vezes falar com ele à casa do tal Rocha, para saber notícias do Serro, por ter eu lá todo o meu estabelecimento; achei na mesma casa muitas vezes, conversando com o Rocha e o Morais, o Alferes do Regimento Pago, José Joaquim, por alcunha o Tiradentes, e como era princípio do governo de Vossa Excelência, e costumam os povos deste País analisar as ações dos Senhores Generais, e em todos os Governos há descontentes, achava eu, e alcançava no dito Alferes grande descontentamento, e algumas vezes lhe ouvi dizer formais palavras: “se todos fossem do meu ânimo! mas lá está a mão de Deus” — e se ficava; e depois me disse o Morais, à porta do tal Rocha indo eu passando de caminho, estas palavras: “o Tiradentes anda morto por fazer um levante”; e como eu já levo dito que desconfiava do Tiradentes, e porque de natureza abomino tudo o que é traição, seja contra quem for, quanto mais em matéria tão circunstancial, repreendi o Morais, e lhe disse que semelhantes palavras ninguém as proferia, que eu as não queria ouvir; suspendeu-se o Morais, e eu fui andando e não soube mais cousa alguma; mas fiquei com uma desconfiança muito grande, maiormente porque sempre conheci, desde que vim para a América, nos nacionais dela, interno desejo de se sacudirem fora da obediência que devem prestar os seus legítimos Soberanos, mas antes patenteiam uma interior vontade de fazerem do Brasil uma república livre, assim como fizeram os Americanos Ingleses, em cuja matéria já conversam com muito pouca cautela algumas pessoas mal intencionadas e que desejam dar princípio a uma sedição; da qual desconfiei mais daí a poucos dias depois que o Morais me declarou o que já disse, por dizer-me também o Doutor João de Araújo, morador no Rio das Mortes, mostrando-se mal afeto a Vossa Excelência: dizendo eu ao dito doutor, por ter alguma amizade com ele, que nunca era bom queixar-se ninguém do governador, principalmente nestas conquistas onde o Rei lhes dava amplos poderes, me respondeu com bastante paixão que este havia de ser o governador mais desgraçado que tem vindo às Minas; e mo repetiu duas ou três vezes; e disfarçando eu, que não entendia porque ele o dizia, lhe respondi genericamente que um governador das Capitanias do Brasil nada tinha que temer, porque el-Rei os mandava para cá para fazerem as suas vezes, e que se uma pessoa sem alguma instrução dissesse isso, me não admirava, mas a ele, que lhe estranhava muito dizer semelhante loucura; e como viu eu não recebi gostoso a sua expressão, disfarçou com pretextos muito frívolos; com isto mais me capacitei que já a sedição do Tiradentes andava por muitas mãos, do que com facilidade me desenganei porque já se ouvia às pessoas da última classe da gente desta terra, como são os negros e mulatos, que estava para haver um levante; de forma que entrando eu em uma noite, seriam dez horas, pela porta da sala da Estalagem das Cabeças onde assisto, logo assim que entrei, estando a sala com bastante gente, me disse um moço que está na mesma estalagem, o qual tinha vindo do Rio das Mortes para sentar praça de soldado de cavalo e se chama José Joaquim de Oliveira, formais palavras: “Sabe que mais, Senhor Tenente-Coronel, aqui disseram hoje que está para haver um levante nas Minas”; bem conheci eu que aquele moço o dizia materialmente, por o fazer sem cautela alguma, mas como a minha desconfiança já era muito grande, não lhe respondi mais do que: “Só se for um levante de putas”, e fui entrando para o meu quarto e nunca mais lhe perguntei por semelhante matéria. Depois disto, também ouvi na mesma Estalagem, andando a passear na varanda, dela, a um mulato do Serro Frio chamado Crispiano que estava conversando com outro mulato por nome Raimundo Correia que é major do Regimento dos Pardos do Tejuco e lhe disse o tal Crispiano que já desta Vila se tinha escrito para São Paulo para que lá se levantassem e não pagassem os dízimos; e como eu fugia de semelhantes conversas, não averiguei mais circunstância alguma; e como via falar tais cousas já com esta liberdade, parecia-me impossível que Vossa Excelência o não soubesse, mas como não via demonstração, algumas vezes ao falar nos meus particulares, disfarçadamente dizia ao Ajudante de Ordens, o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, que as Minas não estavam boas, que era preciso Sua Excelência informar-se, e que só com agrados não se governavam os povos de Minas. Eu julgava que o dito Ajudante muito bem me percebia, mas disfarçava dizendo-me: “deixe estar o Senhor Visconde, que muitos se enganam com ele; guarde-se algum que ele lhe não sente a espada”. Mas cada vez desconfiava eu mais que ia tomando maior corpo o congresso: porque ouvi dizer, mais de uma vez, ao Coronel Inácio José de Alvarenga, em casa do Tenente-Coronel José Pereira Marques, falando-se da decadência das Minas, que estavam propínquas a correr nelas rios de sangue; e também, outra vez, me disse o Capitão Vicente Vieira da Mota que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres, e que ele era amigo do Cônego Luís Vieira, mas que lhe ouvia falar umas tais cousas que, se fosse o Rei, lhe mandava cortar a cabeça. Até que vendo eu axiomas tão claros, haverá dois meses ou pouco mais, esperei o mesmo Ajudante Francisco Antônio quando vinha da Cachoeira a esta Vila e, na mesma Estalagem das Cabeças, falei com ele dizendo-lhe que era preciso Sua Excelência fazer uma exata averiguação do que se andava fulminando nas Minas, e que averiguasse Sua Excelência bem; e que saberia quem eram uns e outros; e vendo eu que dito Ajudante me divertia a conversa, talvez por saber o mesmo que eu lhe queria dizer, instei dizendo-lhe que eu julgava que o caso estava mais adiantado; ele então me disse: “Tenha você fidelidade, e deixe que o Senhor Visconde não se descuida”, ao que eu lhe respondi que a mim se me não encomenda fidelidade, porque El-Rei não tem vassalo como eu nesta Capitania”; e foi andando dizendo-me: “Deixe que nós falaremos”. Passou algum tempo e indo eu para falar com Vossa Excelência nas mesmas dependências, antes de lhe falar, falou comigo Francisco Antônio Rebelo e me disse que Vossa Excelência logo me vinha falar e que, antes de eu lhe falar nos meus particulares, que lhe declarasse tudo o que soubesse em matéria de rebelião; o que eu assim fiz, declarando a Vossa Excelência pouco mais ou menos tudo o que exponho neste papel; e perguntando-me Vossa Excelência se eu desconfiava de mais algumas pessoas que apeteciam a revolta, se eu sabia onde se ajuntavam a conversar nessas coisas, respondi a Vossa Excelência que todos os nacionais desta terra a desejavam, e que também se lhes uniram alguns filhos de Portugal, destes que não tem modo de vida; e que me parecia, onde faziam os seus ajuntamentos, a falar na matéria, era em casa do Doutor Cláudio Manoel da Costa e do Doutor Tomás Antônio Gonzaga, que foi ouvidor desta Comarca; e perguntando-me mais Vossa Excelência se eu, por casa deles, não lhes tinha pescado alguma coisa, lhe respondi que sendo eu amigo do Cláudio, desta vez que vim a Vila Rica inda não tinha ido à casa dele, porque logo desconfiei destas coisas; e que, antes, eu andava fugindo de todos nesta Vila; então Vossa Excelência me disse que disfarçadamente procurasse eu falar com o Cláudio e que observasse o que alcançava dele sem que me percebesse; e que depois passasse à Cidade de Mariana como a negócio meu, e que me fizesse encontrado com o Cônego Luís Vieira para ver se lhe extorquia alguma coisa. Desta forma, estando eu já seguro que não desconfiava da minha fidelidade, falei com o Cláudio. Perguntou-me pelos meus particulares, queixei-me alguma coisa de Vossa Excelência, ao que me respondeu que nas Minas não havia gente, que os Americanos Ingleses foram bem sucedidos porque acharam só três homens capazes para a campanha, e que nas Minas não havia um só; e que só o Tiradentes andava feito corta-vento, mas que inda lhe haviam de cortar a cabeça a ele; e nunca me disse que tinha entrado em conselho. Falando depois com o Cônego Luís Vieira, este não encobre a paixão que tem de ver o Brasil feito uma república; abonou o Tiradentes de um homem animoso e que, se houvesse muitos como ele, que o Brasil era uma república florente; e que um príncipe europeu não podia ter nada com a América que é um pais livre; e que El-Rei de Portugal nada gastou nesta conquista, que os nacionais já a tiraram dos holandeses, fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir com dinheiro algum para ela; depois disto, os franceses tomaram o Rio de Janeiro, que os habitadores da cidade lha compraram com o seu dinheiro; e ultimamente concluiu que esta terra não pode estar muito tempo sujeita a El-Rei de Portugal, porque os nacionais dela querem também fazer corpo de república; e outras coisas semelhantes que todas se encaminham ao fim da liberdade. Que se quer fazer revolta é sem dúvida; a forma como a tem traçado, não a sei.

               Tenho exposto a Vossa Excelência tudo o que tenho alcançado, pela obrigação que tenho de vassalo, e o sou muito leal e honrado; e além da obrigação de vassalo, por natureza sou apaixonado pelo meu Príncipe, pelos meus Generais e por todo o homem de bem.

               Eu não quero outro prêmio, por qualquer trabalho que possa ter em utilidade do Estado, mais do que a minha Soberana e Vossa Excelência conheçam que sou o vassalo mais leal que podem desejar nestas conquistas, das quais me desejo ver fora delas pela inconstância que vejo nos seus habitadores.

               Lembro-me mais: Que um moço do Rio das Mortes, digo das Congonhas do Campo, que andou em Coimbra e diz que está para ir para Portugal a ler no Desembargo do Paço para se despachar, cujo moço é filho do Guarda-Mor das Congonhas do Campo Manuel José de tal, a este moço ouvi dizer que um moço chamado Claro de tal, ou fulano Claro, o qual é sobrinho do Padre Carlos Correia, vigário de São José do Rio das Mortes, e mora em Taubaté na Capitania de São Paulo; o tal Claro, disse o outro, que apanhara o Cônego Luís Vieira, o Coronel Alvarenga, o Doutor Cláudio, o Doutor Gonzaga, o Tiradentes e outros, a falar em um levante que está para se fazer nas Minas; e o Claro já foi para Taubaté; e julgo que o mandariam os tais para ele não falar alguma coisa; e o outro das Congonhas viu o Tiradentes, e eu também vi e julgo que viu a maior parte da gente de Vila Rica, com uma lista de todas as almas que tem esta Capitania, que o Tiradentes trazia na algibeira e a mostrava sem temor. E era perto de quatrocentas mil pessoas divididas pelas suas respectivas classes, brancos, pardos, e negros, machos e fêmeas; esta lista parece-me que lha deu o Sargento-Mor José Joaquim da Rocha; e quando o Tiradentes a mostrava dizia aflito: “Ora aqui tem todo este povo açoitado por um só homem, e nós a chorarmos como os negros, ai, ai; e de três em três anos, vem um e leva um milhão, e os criados levam outro tanto; e como hão de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado”; a istoy disse o tal moço das Congonhas: “Vosmecê fala assim em levante? Se fosse em Portugal, Deus nos livre que tal se soubesse”, ao que o Tiradentes respondeu cheio de paixão: “Não diga levantar, é restaurar”, e repetiu umas poucas de vezes estas palavras; eu mesmo as ouvi.

               Também, logo assim que cheguei a Vila Rica, havia pouco tempo que Vossa Excelência tinha chegado com a Excelentíssima Senhora Viscondessa; quando vinha do Serro encontrei em caminho o inglês Nicolau Jorge, que o Fiscal dos Diamantes Luís Beltrão trouxe consigo de Lisboa para o Serro Frio; e dizendo eu ao Capitão Vicente Vieira da Mota que encontrara o inglês, que ia para o Serro, disse-me o tal Mota: “Pois vai para lá uma boa fazenda. Andava por aqui falando em que o Brasil podia fazer como a América Inglesa.” E que (o mesmo inglês) perguntara a ele, dito Mota, por estas palavras: “Vossa Mercê, se os nacionais do Brasil fizerem uma república, qual partido liá de seguir? O de realista, ou o de republicano?” Ao que o dito Vicente Vieira lhe respondera: “Eu sempre hei de ser pelo meu Rei!”

               Isto do inglês, me contou — como levo dito — o Capitão Vicente Vieira da Mota. O Cláudio também me disse uma vez, não estou certo a que respeito se falava em Vossa Excelência: — “Fez bem de trazer a mulher e os filhos, que, se os não trouxesse...” e ficou-se.

               O Cônego Luís Vieira da Silva, também lhe ouvi dizer que “já se apanhara uma parada de Vossa Excelência que mandava para o Rio de Janeiro”, e que Vossa Excelência tirara dos cofres quarenta mil cruzados — que é o soldo de três anos — e que os mandara para Portugal. Isto já se falava quase público, que isto nas Minas é gente do Diabo. E as sementes que têm espalhado, para fazer Vossa Excelência odioso com o povo, são que Vossa Excelência trouxera instrução de Martinho de Melo para que fizesse o governo de forma que não deixasse criar a homem algum de Minas mais que dez mil cruzados; e, se não tivesse por onde lhes pegar, que os prendesse por inconfidentes e os mandasse para lá.

               Também me parece que algumas pessoas, que devem grandes somas à Fazenda Real e com dinheiro desta têm feito um grande estabelecimento, de boa vontade entrarão em algum partido mau só por se verem desoneradas de pagarem a El-Rei e ficarem com casas opulentas.

               Também ouvi que, na Cidade de Mariana, se tinham posto uns editais, ou pasquins, que diziam: — “Tudo o que for homem do Reino há de morrer. E só ficarão algum velho e clérigos”. E que isto fora posto em nome dos calhambolas. Se é assim ou não, eu o não sei.

               Tenho exposto a Vossa Excelência o que tenho alcançado; e sei que assim o devia fazer em razão de ser vassalo leal e honrado. Vossa Excelência fará o que for mais útil a Sua Majestade Fidelíssima e a seus vassalos que são fiéis. Vila Rica, 15 de abril de 1789,

               Basílio de Brito Malheiro do Lago

               Tenente-Coronel do Primeiro Regimento Auxiliar de Paracatu

               (P.S.) Outras coisas também ouvi, ainda que ditas indiferentes; sempre é bom que Vossa Excelência as saiba. Algumas vezes disse eu ao Alvarenga: Que Vossa Excelência era mais agudo do que muitos pensavam, e que era um político muito grande; ao que o dito Alvarenga me respondia: “Anda-se ensaiando para embaixador, mas nunca o há de ser”.

               E a Luís Vieira também lhe ouvi o mesmo pelas mesmas palavras como acima.

Basílio de Brito Malheiro do Lago

               Reconheço a letra da Carta retro e firma supra ser feita pelo próprio punho do Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, por outras que lhe tenho visto fazer na minha presença. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

1.5 — Carta de Inácio Correia Pamplona a Carlos José da Silva, encaminhando carta-denúncia ao Visconde de Barbacena. Fazenda Mendanha (Lagoa Dourada, MG — 20-04-1789).

               Senhor Coronel:

               Amigo fiel, e fiel Amigo. Nada posso dizer; assim eu o pudesse ver e de viva voz na sua presença dizer-lhe os meus sentimentos, que chegam ao fundo do meu coração. E maiormente por não poder montar a cavalo, de um tombo que dei na Fazenda do Capote, indo fazer junta de toda a criação na fazenda do gado, a dar-lhe sal; tive esta infelicidade, que de um quarto me não posso mover sem que padeça muitas dores. Estou de novo pensando outra raça de cor carmezim, crinas brancas e cauda branca, e todo calçada de branco dos quatro pés e frente da testa, para o nosso cadete, porque o outro, da grande peste que teve, creio que não torna a ser mais cavalo. Não lhe digo mais a respeito do seu bucéfalo chamado Porto Real, porque tem engrossado e se acha com gravidade; o poiiío esíá que lhe não venha alguma azanga etc. Remeto uma dúzia de queijos, que me parecem na sua qualidade serem bons, e assim mais 9 queijos pequeninos, de coração, para o meu cadete e o Miguelinho.

               Eu e Eugênia nos recomendamos muito a Senhora Inácia, e que a nossa dona pequena se vá criando com bom sucesso que bem deveras estimamos. O meu rapaz Inácio, por toda esta semana, há de ir para dentro para o Seminário, se Deus for servido, e como eu não posso ir, ele lá não tem outro pai senão o Senhor Coronel Carlos José e o Reverendo Padre Antônio, pelo favor que me faz. Tenha Vossa Mercê saúde e felicidade, e na consideração que eu sou, assim como tenho sido,

De Vossa Mercê

Amigo bem deveras

Pamplona

               (P.S.) O Chico ainda tenho em prisão e anda no serviço, e me parece que não lhe vai mal etc. Eu não posso ir a Vila; Vosmecê veja o modo donde havemos de conversar pelo que ouço dizer há 3 dias. Nem Vosmecê se descuide dos meus avisos, etc.

               Declaro que a firma desta carta e letra da pós-data abaixo é feita pelo próprio punho do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, cuja carta me remeteu pouco mais ou menos em o meado do mês de abril deste ano; e nesse mesmo dia em que a recebi a fui entregar à Cachoeira ao Excelentíssimo Senhor Visconde General, o que sendo necessário o juro aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

Carlos José da Silva

               Reconheço a letra, e firma supra ser feita pelo próprio punho do Coronel Carlos José da Silva, pelo ver fazer na minha presença. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

               ANEXO 1: Carta-denúncia de Inácio Correia Pamplona ao Visconde de Barbacena — Medanha, 20-04-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde

               É fatal a minha consternação. Tomara achar uma justa ideia que bem pudesse mostrar a Vossa Excelência o importante peso desta tão árdua, como interessante ação. Ela me faz conspirar para imediatamente representar a Vossa Excelência o caso tão horroroso para as atendíveis circunstâncias tão delicadas, em ofensa ao sagrado respeito, e se o insulto se comprova, aonde está o juiamento destes delinquentes, a fé de leal vassalo e a promessa de darem até a última gota de sangue?

               Esta tão relevante ofensa, Excelentíssimo Senhor, faz ódio até às nações mais bárbaras.

               Todos devemos pensar que Vossa Excelência é o braço em quem a nossa Soberana descansa nesta Capitania, a quem compete exatissimamente o rigoroso exame da origem e da fonte donde tudo nasce.

               Eis aqui as provas: Que no dia 29 de março fui convidado pelo Reverendo Vigário Carlos Correia de Toledo para ir a Semana Santa à dita Vila; e fui à Procissão dos Passos, onde o dito Vigário me disse em conversa que se tratava de um levante, havendo leis, o General deposto, estando falado o Regimento, parte dele; no Rio, um Alferes fazendo séquito; e o Ouvidor que acabou, Gonzaga, metido nisto; e que todos os devedores que devessem à Fazenda Real seriam perdoados. E como era dia de sermão e de noite fomos visitar as igrejas, não deu tempo para mais; no outro dia de madrugada vim-me embora com a promessa de tornar, e para isso deixei logo o meu vestido.

               Sucedeu logo vir um homem por nome Manuel Pereira Chaves a comprar-me um pouco de gado e potros, que conduziu para o Rio; e chamando-me de parte, disse-me que sentia não poder vir a Vila Rica para dar parte ao Coronel Afonso Dias do que lhe haviam contado nas Vilas de São João e São José: Que havia levante nas Minas, e que se haviam conluiado todos os cabeças poderosos a este fim; que se achava um oficial no Rio a convocar séquito; e como se dizia que o levante era dos poderosos, ele perguntara se eu estava metido nisso; que lhe responderam que eu não era metido nisso porque era amigo e compadre do Coronel

Carlos José e que logo lho havia de passar; e que o Senhor Vice-Rei já sabia tudo.

               Eu, turbado deste e já do dito acima, não tardaram muitos instantes que logo não chegasse a este sítio um padre pedindo suas esmolas, e lhe perguntei: “Irmão, tem tirado muito?” Respondeu-me que tudo estava perdido e agora de novo pior, porque Vossa Excelência queria botar a derrama, sendo cada um negro a 8 oitavas; e que o povo dizia ia haver levante e viverem em suas liberdades. O dito deste logo riu e fez mossa, porque este gira a Capitania; e para maior desordem este sussurro.

               Proximamente chega a este sítio o Capitão João Dias da riota que passava a falar a André Esteves de seus particulares; e querendo deixar passar a força do sol, se apeou; e neste intervalo lhe perguntei se havia noticia que tivesse chegado a nau de guerra; respondeu que não, só sim havia passado para o Rio um furriel com uma portaria do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo para se lhe assistir com o necessário que ele tudo satisfaria; e que, de Vila Rica, passara um padre, que ia para a Borda do Campo, que largamente falava no levante e que dormira no Rancho das Lavrinhas do Lourenço, que também este do Rancho assim o publicava.

               Vendo eu esta fatal desordem tomei a firme resolução de não ir ter a Semana Santa na Vila como havia prometido. Escrevi ao Vigário que, por conta das minhas enfermidades, me dispensasse; e perguntando eu ao mulato: “que lhe disse o Vigário?” (por que me não respondera a minha carta), disse que a recebera e que se pusera a passear, e a bater com a carta na cabeça, e que dissera ao mulato: “Se te queres ir, em cima daquela mesa está o vestido; leva-o, que a doença de teu senhor é de mentira.”

               É o que posso dar parte a Vossa Excelência para por as providências, que a sua sábia compreensão sabe, a benefício da nossa Soberana e do bem público; e Deus guarde a Vossa Excelência. Mendanha, aos 20 de abril de 1789.

Inácio Correia Pamplona Mestre de Campo Regente

ANEXO 2 — Termo de declaração, ratificação e juramento prestado pelo Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona.

                Aos trinta dias do mês de maio do corrente ano de mil e setecentos e oitenta e nove, no Palácio desta Capital de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, residência do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, onde foi vindo por ordem do mesmo Senhor o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha do Desembargo de Sua Majestade Fidelíssima, que Deus guarde, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, comigo o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Cor egedor da do Sabará, Escrivão nomeado pelo dito Excelen íssimo Senhor para esta diligência, ali compareceu o Mestre de Campo Inácio Correia Pamploma, perante quem foi por mim lida uma carta e representação que o mesmo tinha feito ao dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, que também presente se achava, toda ela escrita em uma folha de papel e datada do dia vinte de abri! do corrente ano, em que lhe denunciava o plano de uma sublevacão levantamento que temerariamente pretendiam concitar nesta Capitania várias pessoas da primeira graduação e jerarquia dela, declarando-lhe seus nomes e individuando todos os fatos respectivos de que tivera notícia, cuja carta me fora entregue neste mesmo ato e para o referido fim, pelo dito Excelentíssimo Senhor; e depois de assim lida na presença do mencionado Mestre de Campo, o sobredito Ministro Doutor Desembargador lhe deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que em boa e sã consciência declarasse e jurasse ele, dito Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, se tinha com efeito escrito e assinado de seu próprio punho a mencionada carta e denúncia que por mim, Escrivão, lhe tinha sido lida e mostrada; e se eram verdadeiros todos e cada um dos fatos nela indicados; e se além destes ainda tinha que delatar alguns outros que lhe houvessem esquecido, ou de que posteriormente à sobredita delatação tivesse notícia; e finalmente se aprovava e de novo ratificava quanto naquela representação delatória havia expedido e circustanciado; e aceito pelo mesmo Mestre de Campo Pamplona o dito juramento, debaixo dele declarou novamente, protestou e ratificou que a referida carta e denúncia, que eu Escrivão nomeado lhe acabava de ler e mostrado tinha, datada do dia vinte de abril do corrente ano, era identicamente a própria que ele, dito Pamplona, tinha dirigido ao Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, atual Governador e Capitão General desta Capitania, que presente se achava na maneira que dito fica; que a mesma era toda escrita e assinada pelo seu próprio punho; que tudo quanto nela relatava era pura verdade, expressada da mesma sorte que o sabia e tinha vindo à sua notícia; cuja denúncia fizera unicamente por zelo do real serviço como bom vassalo de sua Majestade Fidelíssima, e pela fidelidade, que sabia, estava obrigado a guardar por todos os direitos à sua Soberana e Senhora natural; e que, além do que na referida delatação havia fiel e verdadeiramente recenseado, acresciam mais para referir e declarar os fatos seguintes: Que pernoitando o Vigário da Igreja de São José daquela Comarca do Rio das Mortes, Carlos Correia de Toledo, em casa dele dito Mestre de Campo, na noite do dia vinte do mencionado mês de abril, sucedendo ir logo pela manhã cedo visitar o dito Vigário ao seu quarto, o achara já fora deste passeando e por extremo aflito, sobressaltado e inquieto, por cujo motivo, perguntando-lhe a origem da conhecida perturbação em que o via, lhe respondeu este: que pela meia noite antecedente havia recebido a carta que lhe apresentava, a qual ele declarante Pamplona leu e viu ser de aviso, participando-se nela ao dito Vigário que, na Cidade do Rio de Janeiro, se achavam presos o Alferes de Cavalaria destas Minas Joaquim José da Silva, por alcunha — o Tiradentes — e o Coronel de Auxiliares Joaquim Silvério dos Reis; que em tais circunstâncias se acautelassem; mas que em todo o caso cumpria antes morrer com honra; e quem não era capaz para as empresas, se não devia meter nelas — e não obstante que ele Pamplona qem conheceu a letra da dita carta, nem esta vinha assinada; contudo se persuade que a mesma viera dirigida de casa do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e que era sem a menor hesitação cópia de outra original, do que tudo ele Mestre de Campo avisara logo no dia vinte e um do mesmo mês a Sua Excelência, como se realizava de outra carta sua também, que o dito Excelentíssimo Senhor neste ato apresentou e que ele, Pamplona, reconheceu pela própria de que faz menção; e que sendo tão grande a perturbação e indecisão em que flutuava o referido Vigário, pondo-se este a escrever para Carijós, para onde viera destinado a fazer jornada, depois de ter já escrito e fechado a carta, se recordou lhe faltava incluir nela uma procuração para um batismo a que ia assistir; e rompendo aquele sobrescrito, com inquietação e confusão em que estava, deixou, quando se retirou, ambos sobre a mesa em que escrevera: isto é, tanto o da carta do aviso já memorada e que também apresentou a Sua Excelência, o qual se achava escrito por letra visivelmente contra-feita e diz: “Ao Senhor Vigário Reverendo Carlos Correia de Toledo, Guarde Deus, São José”; como o outro igualmente exibido e que cobria a carta para Carijós e dizia: “Ao Senhor João da Silveira Fernandes, meu Amigo e Senhor, Guarde Deus muitos anos, na Estalagem dos Carijós, à mercê, que importa a brevidade da entrega”.

               Também declara mais ele, dito Mestre de Campo, que vindo logo posteriormente para esta Vila Rica, transitando pelo Arraial do Ouro Branco, lhe contara o Capelão do mesmo que, no sábado antecedente pelas quatro horas da tarde pouco mais ou menos, passara por ali um Alferes dos Pardos por nome Vitoriano, residente no Bichinho, muito bem montado e com pressa; e perguntando-lhe o dito Capelão para onde se dirigia com tanta celeridade, lhe respondera o dito Alferes que ia à Cidade de Mariana com cartas, ou recomendações, do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes para despachar ou procurar naquela cidade uns papéis para um casamento; e que voltando o mesmo Alferes no domingo logo de manhã cedo, ele dito Capelão se admirara de tanta brevidade, e perguntando-lhe se havia já concluído o seu negócio, lhe tomara que o tinham encontrado os soldados no caminho, e lhe abriram e tomaram os papéis; e que por este motivo voltava já a avisar o dito Coronel, a quem reputava àquela hora preso. Mais, se lembra finalmente ele declarante, dito Pamplona, que quando aquele Vigário de São José lhe falara sobre o recontado levante e deposição do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General, como expressado tinha na sua carta, acrescentara que os outros não estavam por isto, antes haviam concordado e assentado que o mesmo Excelentíssimo Senhor deveria ser, nas críticas e propostas circunstâncias, precisamente decapitado; o que tudo referido era fiel e verdadeiramente quanto de mais se lhe oferecia declarar e acrescentar ao já denunciado, debaixo do religioso vínculo do juramento que já tomado tinha; e de como assim o disse, protestou e ratificou, fiz este termo de declaração, ratificação e juramento que o mesmo dito Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona assinou na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, que também este rubricou, com o dito Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado pelo dito Excelentíssimo Senhor para esta diligência, o escrevi e assinei, José Caetano César Manitti, Pedro José Araújo de Saldanha, Inácio Correia Pamplona, Mestre de Campo Regente.

Envelopes anexos:

Ao Senhor João da Silveira Fernandes meu Amigo e Senhor guarde Deus muitos anos.

Na Estalagem dos Carijós À mercê que importa a brevidade da entrega.

Ao Senhor Vigário Reverendo

Carlos Correia de Toledo guarde Deus São José

ANEXO 3 — Carta aditiva de Inácio Correia Pamplona.

Mendanha, 21-05-1789.

Excelentíssimo Senhor Visconde

São minhas expressões.

               Publicou-se hoje que, do Caminho do Mato do Rio de Janeiro se escreveu uma (carta) ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira; e que, por este se achar ausente nessa Vila, sua mulher a abrira e que o conteúdo desta era dando-lhe parte que no Rio se acham presos Joaquim Silvério e o Alferes Tiradentes; e que se ficavam aprontando cinco esquadras para subirem para Minas; e que ele e os mais se acautelassem.

               E como Vossa Excelência me deu por ordem que do que encontrasse lhe desse parte, esta serve para acautelar, ou ao de menos para    .

               E Deus conserve a preciosa vida de Vossa Excelência muitos anos.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena.

De Vossa Excelência

Humilde servo e obediente

Inácio Correia Pamplona

Mendanha, a 21 de maio de 1789.

               NOTA: No dia 21 de maio de 1789 escrevi a Vossa Excelência e se me deu esta notícia.

               Reconheço a letra desta carta e sua firma ser do próprio punho do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, por outras semelhantes que lhe tenho visto. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

Carta-denúncia do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada; Vila Rica, 17-05-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

               Foi Vossa Excelência servido ordenar escrevesse eu o mesmo que tive a honra comunicar-lhe no dia treze deste mês; e como seja incontestável a cega obediência que devo às determinações de Vossa Excelência, farei todo o possível para as executar com toda a fidelidade e pureza. Meu Senhor, em dias do mês de janeiro vieram à minha casa o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier e o Vigário Carlos Correia de Toledo; e depois de me haverem cumprimentado, passaram a tratar do estado atual deste país, das suas produções e dos motivos da total decadência em que se acha, e do quanto poderia ser feliz se fosse habitado por outra qualquer nação que não fora a portuguesa, porém como a matéria não estimulasse a minha curiosidade a indagar o fim a que se dirigia, retiraram-se.

               Passados alguns dias tornaram, e pouco depois o Reverendo Padre José da Silva Rolim; e à matéria que se tinha anteriormente jogado, ligaram as seguintes reflexões: que os povos se acham aflitos e consternados com a notícia da nova derrama, e por este motivo dispostos para qualquer ação que se encaminhasse a favorecê-los; e que até se lembrariam de formar uma sublevação, se não temessem a oposição da Tropa.

               Bem que me parecesse isto mais tresvario que reflexões sérias, contudo quis certificar-me ponderando-lhes algumas cousas que me pareceram mais próprias para conhecer os seus ânimos. Não me enganei, porque logo que tornaram a si, ridicularizaram a matéria de tal forma que em poucos instantes a caracterizaram por uma verdadeira cena de teatro. Mas como a delicadeza da matéria não pedia um total desprezo, não a deixei jamais perder de vista, fazendo com alguma dissimulação as precisas observações. Acontecendo ir depois a casa do Tenente-Coronel Domingos Abreu a despedir-me, e do Reverendo Padre José da Silva Rolim que se achava seu hóspede, encontrei na mesma o Alferes Joaquim José da Silva Xavier; e pude alcançar que ao referido Tenente-Coronel não era estranha a matéria que se tinha tratado. Foi este o estado, Excelentíssimo Senhor, em que deixei, quando desta Capital saí com licença de Vossa Excelência para a minha fazenda, onde se passaram dois meses, com pouca diferença, sem ter a mais leve notícia do estado deste negócio.

               Contudo, não me pareceu justo deixar de adiantar a carta de dois de abril, que tive a honra de pôr na respeitável presença de Vossa Excelência, até que pudesse diligenciar notícias que me parecessem suficientes para dar uma circunstância da parte cheia de fundamentos mais sólidos. Passando depois o Coronel Alvarenga, quando se retirava desta Capital, pela minha fazenda, usei com ele de alguns meios que julguei mais a propósito para instruir-me do estado destas coisas; deu-me a entender que não só se não tratava de semelhante matéria, mas que a suspensão da derrama sepultara até a mesma lembrança. Porém, passados tempos, me veio a mão uma carta sem nome, que me não dava a menor ideia de quem fosse pela disformidade dos seus caracteres, e constava, segundo a minha lembrança, das palavras seguintes:

               “0 Sargento-Mor foi para a Cachoeira, onde se trata de dar-lhe um grande tombo; assim, recolha-se; e quando ouvir gritar “viva o povo”, saia prontamente, quando não a vida lhe há de custar e a sua casa será arrasada.”

               Bem que esta carta concorresse pouco para se fazer um discurso sério e fundamentar a minha parte, pois é certo que não tinha delito que obrigasse a Vossa Excelência a um procedimento tão forte, nem conhecimento de que este negócio pudesse ter adquirido um adiantamento tão rápido em tão pouco tempo, contudo, como haviam as antecedências já expostas, poderia algum da parcialidade tomar a indiscreta resolução de querer fazer algum rompimento sem atender às consequências. Estas foram as razões que me moveram a pôr na presença de Vossa Excelência esta parte, logo que a minha enfermidade me permitiu, para que Vossa Excelência pudesse tomar aquelas medidas que lhe parecessem mais acertadas, e viesse no conhecimento da lembrança que conservo das obrigações que me impoem o nome de fiel vassalo e igualmente as do meu nascimento. É o que me oferece a pôr na respeitável presença de Vossa Excelência de quem tenho a honra e a felicidade de ser, como o mais profundo respeito,

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena,

De Vossa Excelência Súdito mais humilde

Francisco de Paula Freire de Andrada

               Vila Rica, 17 de maio de 1789.

               Reconheço a letra e firma da carta retro ser feita pelo próprio punho do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, por outras semelhantes letras e firmas que lhe tenho visto, em fé do que passo a presente.

               Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

Carta-denúncia de Francisco Antônio de Oliveira

Lopes; Cachoeira do Campo, 19-05-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

               Dou parte a Vossa Excelência por escrito do que já manifestei a Vossa Excelência por palavras: Que o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza me havia dito que ouvira ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, em casa do Capitão José de Resende Costa, em ato de revista que passava o Tenente-Coronel João Carlos Xavier da Silva Ferrão, e mais pessoas que se achavam na dita revista, que o dito Coronel Joaquim Silvério dissera que esta terra podia ser um império, ser um país liberto, e que nesta terra não havia homens, e que, se os houvesse, que em pouco tempo seriam senhores da terra; e que ele, dito sargento-mor, se despedira do Tenente-Coronel João Carlos e que se fora embora; e passados alguns dias, fora o Coronel Joaquim Silvério a Vila de São José e lhe dissera que, se ele queria encarregar-se de ir a fazer gente para as bandas de São Paulo, que ele assistiria com o dinheiro, pois se houvesse um patrício que fosse o libertador dos mais, que estava toda Vila Rica, Sabará, Serro e Minas Novas, que tudo estava pronto; e que ele, dito sargento-mor, se opusera a isso: “Que ele coronel se não metesse nisso que ficava perdido”, e que o despersuadira com razões que, se não deixasse de tal intento, que dava parte; e que o dito coronel lhe pedira com as mãos postas que não falasse o dito sargento-mor, que ele prometia nunca mais falar em tal, o que lhe pedia como amigo; e que, mais, lhe dissera o mesmo Coronel Joaquim Silvério que, vindo do giro em que vinham de passar as revistas com o Tenente-Coronel João Carlos, vindo de São Tiago, em um alto parara o cavalo e dissera para os que vinham na comitiva, (João Carlos, o Sargento-Mor Pestana, e outros mais): “Que mundo novo não é este! Que país não seria este! O melhor do mundo!”; que o Tenente-Coronel João Carlos picara o cavalo e fora andando, e que ao depois ele, dito tenente-coronel, caira em si do que havia dito.

               E indo eu à Vila de São João a ir depor em uma causa do Coronel Joaquim Silvério, na volta quando nos vínhamos recolhendo, em caminho, me veio dizendo o Sargento-Mor Luís Vaz o que acima relato; e eu disse ao mesmo sargento-mor que logo viesse depor e que estas coisas se não deviam calar; e me respondeu o mesmo sargento-mor que ele, dito coronel, lhe havia pedido com as mãos postas, que semelhantes loucuras ali acabavam. Vi mais a este respeito uma carta de uma senhora, freira de Santa Clara de Coimbra, escrita ao Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara, em que lhe dizia que se fosse embora para Portugal que esta terra estava para se levantar; e que não quisesse ficar sujeito aos homens, e que não deixasse o governo da Soberana; e esta carta me não mostrou o sargento-mor por querer mostrar a novidade, porque isto tomou como loucura; assim mostrou-a, porque nela não falava em uma senhora que se achava no mesmo Convento; e eu lhe disse que aquela carta se não devia mostrar a pessoa alguma, à vista do Ajudante Tomás da Costa e do Capitão Antônio Nunes; ao que me respondeu o sargento-mor: “Isso são loucuras ie freiras, que os maganões lhe metem quatro petas”; disto não dei logo parte a Vossa Excelência; como alguns passos se passaram na presença do Tenente-Coronel João Carlos Xavier da Silva Ferrão, Ajudante de Ordens de Vossa Excelência, devia capacitar-me que logo desse parte a Vossa Excelência.

               Excelentíssimo Senhor, isto ponho na respeitável presença de Vossa Excelência como leal vassalo, fiel e obediente às ordens da Soberana, para que Vossa Excelência dê as providências que forem justas em segurança do Estado, assim como pelo posto que ocupo. 19 de maio de 1789.

Francisco Antônio de Oliveira Lopes Coronel de São João del-Rei

               Reconheço a letra desta carta e firma abaixo ser tudo do próprio punho do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes por outras semelhantes. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

Carta-denúncia de Domingos de Abreu Vieira; Cadeia de Vila Rica, 28-05-1789.

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

               Além do que já ontem disse aos ministros que vieram falar comigo, acresce que queriam pôr casa de moeda e pôr o ouro a     , e que não saísse mais o ouro que estivesse no erário desta Vila; assim o dizia o Alferes Tiradentes, que também o dizia o Alvarenga e o Vigário de São José, e também disse o Padre José da Silva Rolim; e que o Desembargador Gonzaga concorria para isto aconselhando; e que também entrava o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire; eu lho não ouvi, mas o diziam assim aqueles ditos, Alferes Tiradentes e Padre José da Silva, que andavam sempre nas assembleias; e que a maior parte do Regimento Pago havia de estar pronta para a tal ocasião; e que alguns oficiais estavam convidados também: o Tenente Antônio Agostinho, disse o Tiradentes que estava falado e que ele respondera que estaria pronto, pois também era mazombo, e prometera, quando chegasse seu sobrinho, o Sargento-Mor Vasconcelos, o havia de convidar para o mesmo fim; também dizia o Tiradentes que o Alferes Matias Sanches estava convidado e pronto; e também o Capitão Antônio José de Araújo, o Tenente Melo e o Alferes Antônio Gomes Meireles, para no caso de ser preciso ajudar e capacitar algum do Porto do Siró; também diziam que já faziam as leis para se governar, que estas se faziam em casa do Desembargador Gonzaga, onde estava o Vigário do Rio das Mortes e o Coronel Alvarenga, que eram muitos fortes na tal desordem; o cabeça de tudo era o Tiradentes, dizendo que ele e o Alvarenga haviam de ser os heróis da função, pois defendiam a sua pátria; que os mazombos também tinham valimento e sabiam governar; e que dando a sua terra tantos haveres, se achavam pobres por lhe tirarem tudo para fora, mas que a haviam de pôr em liberdade; que só esperavam se botasse a derrama, pois que a terra não podia pagar e que tudo ia para o Reino; que se havia mudar a praça para o Rio das Mortes, por ser mais cômoda e farta de mantimentos; e que nesta Vila haviam de pôr estudos como em Coimbra; e que havia estar pronta a artilharia e todo o mais trem; se haviam utilizar dele; que assim o diziam o Alvarenga, o Vigário e Tiradentes: que haviam de mandar vir socorro de gente das partes de São Paulo.

         Tudo isto que sei e tenho dito, ouvi ao Tiradentes e ao Padre José da Silva, pois nunca conversei com o Vigário de São José nem com o Alvarenga, nem com o Gonzaga. E protesto declarar tudo o mais que me lembrar a este respeito. Espero que Vossa Excelentíssima se compadeça de mim, que não entrei nestas desordens; que aqueles demônios me contaram sem eu os acreditar; e assim o espero da proteção de Vossa Excelência, que Deus guarde por muitos anos.

De Vossa Excelência o mais humilde escravo

Domingos de Abreu Vieira

               Vila Rica, Cadeia, 28 de maio de 1789.

               Declaro que o que disse aos Ministros, quando ontem . falaram comigo, foi que tinha ouvido falar no levante ao Alferes Joaquim José, Tiradentes, e também ao Padre José da Silva quando foi meu hóspede, que eram ambos muito amigos; e que em certa ocasião me contaram que, quando se pusesse a derrama, estava justo um levante; e que para isto havia de dar o Alvarenga quatrocentos homens; e que no mesmo entrava o Vigário de São José do Rio das Mortes, que havia de aprontar gente das partes de São Paulo; e que o Gonzaga entrava nisto aconselhando e se ajuntava com eles em uma casa para a banda do Ouro Preto, o que disseram o Tiradentes e o Padre José da Silva; que também haviam pedir cartas ao Desembargador Gonzaga para entrar nisto seu primo, Ouvidor do Serro; e que uma vez fui eu encontrar o Tiradentes e o Padre a conversar no levante, estando presente o Tenente-Coronel Francisco de Paula; e que outra vez me pediram que mandasse vir alguns barris de salitre, o que eu não consenti, nem queria se falasse no meu nome; e isto foi o que eu disse ontem, e não sei se disse mais alguma coisa que me não lembra, porque os Ministros falaram muito comigo. E protesto dizer tudo o que mais me for lembrando, e se eu soubera que isto era tão necessário dizer-se logo, portanto o dissera a Vossa Excelência, pois sou um homem velho e não quero andar em semelhantes desordens.

               Cadeia, 28 de maio de 1789.

Domingos de Abreu Vieira

               Reconheço a letra da carta retro, seu adicionamento, e firmas ser tudo escrito pelo próprio punho do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, pelo ver fazer na minha presença. Vila Rica, 28 de maio de 1789.

José Caetano César Manitti

Ordem Visconde de Barbacena ao Desembargador Pedro J.A. Saldanha para apreensão de papéis e sequestro, no ato das prisões de Tomás Antônio Gonzaga e Domingos Abreu Vieira; Cachoeira, 21-05-1789.

               Logo que Vossa Mercê receber aviso do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, irá com os oficiais competentes fazer apreensão em todos os papéis do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e sequestro nos seus bens.

               Concluída esta diligência, passará à casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que achará também em segurança, e depois de o mandar recolher no segredo da Cadeia dessa vila, fará rigoroso exame em todos os seus papéis, separando e apreendendo somente os que forem suspeitosos, ou conducentes à importante averiguação que é objeto dos sobreditos procedimentos, e deixará tudo o mais em boa arrecadação, de forma que não possa haver, nem depois alegar-se, prejuízo algum, não só a respeito dele mas principalmente do grande contrato que administra.

               E tanto para este exame como para todos os mais pertencentes ao mesmo negócio, ordeno que ajude e concorra com Vossa Mercê o Doutor José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará, e que lhe sirva de escrivão nos autos judiciais que pedirem segredo, o qual está prevenido já para esse fim e nesta inteligência.

               Deus Guarde a Vossa Mercê. Cachoeira do Campo, 21 de maio de 1789.

Visconde de Barbacena

Senhor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor Pedro José Araújo de Saldanha

Auto de exame, achada, e separação feita nos papéis apreendidos ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira.

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e oitenta e nove, aos vinte e seis dias do mês de maio do dito ano, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de morada do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, onde foi vindo o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, Juiz nomeado para a presente diligência, comigo o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, também nomeado Escrivão da mesma, ambos por Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, e sendo aí, por ele dito Ministro, foram miúda e exatamente examinados todos os papéis e correspondências que se acharam do referido tenente-coronel, a fim de se averiguar se entre eles aparecia algum que fosse suspeitoso, ou que direta ou indiretamente respeitasse ao fim por que se mandou proceder a presente diligência, tudo por ordem do dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor constante da Portaria junta; e praticado efetivamente o mencionado exame, entre os ditos papéis e correspondências se encontraram as duas cartas ao diante juntas e aqui autuadas, escritas ambas do Arraial do Tejuco, Comarca do Serro do Frio, ao dito tenente-coronel pelo Padre José da Silva e Oliveira Rolim; a primeira datada de trinta de março; e a segunda de vinte de abril do corrente ano; achando-se nas costas das mesmas lembrança escrita do tempo do seu recebimento e respostas, cujas cartas vão por mim rubricadas; e porque as mesmas se fazem pelo seu conteúdo muito suspeitosas, para sobre elas se proceder às averiguações competentes, mandou o dito Ministro separá-las e de tudo, para assim constar, fazer este auto de exame, achada e separação, em que assinou comigo, Escrivão nomeado; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi e assinei.

Saldanha — José Caetano César Manitti

Carta do Padre José S. O. Rolim a Domingos A. Vieira;

Tejuco, 30-03-1789

               Senhor Domingos de Abreu Vieira.

               Meu saudoso e prezado amigo do coração: três cartas lhe escrevi de caminho, e agora o faço depois da minha chegada a este arraial; entrei de noite e há 15 dias que nele ine acho; ainda não saí à rua, esperando que Brandão dê parte sucinta para conheçam a minha humildade e susto, para menos ser perseguido, em tudo observando as determinações do nosso amigo, de quem espero escudo para rebater todos os acontecimentos, ajudado por Vossa Mercê, como meu bom Mecenas. Achei a meu Pai cheio de gostos pela minha presença e eu lhe fiz certas as grandes obrigações que devo a Vossa Mercê, as quais nunca terei meio de as gratificar, e só de as confessar. Na ocasião que Brandão der parte a Sua Excelência, e eu o hei de saber e hei de fazer muito para que ela vá à mão daquele Senhor, na mesma ocasião farei a ele e a Vossa Mercê certos, para lhe darem providência para a meu descanso. Na segunda semana de páscoa faço despedir daqui os meus escravos com as bestas para o transporte de Vossa Mercê; e quando, por algum incidente, Vossa Mercê não possa sair logo, detenha-os por todo o tempo com o senhor. Mande-me notícias de seu compadre.Tosé, a quem não escrevo por pensar estará ainda no Rio; sobre uma recomendação do dito, não há dúvida: haverá um grande contentamento e vontade etc.

               Ponha-me na lembrança dos senhores Pintos, Antônio e Francisco, e Joaquim José Vieira, e de toda a sua família a quem eu sou tão obrigado.

               Vossa Mercê aqui me tem pronto às suas determinações para tudo quanto for da sua vontade; protestando-lhe ser por todos dias da minha vida,

de Vossa Mercê,

Amigo de coração muito saudoso e obrigadíssimo

José da Silva e Oliveira Rolim

Tejuco, 30 de março de 1789.

No verso:

Recebida em 25 de abril,

Do Reverendo José da Silva e Oliveira Rolim.

Respondida em 2 de maio.

               Nós, abaixo assinados, reconhecemos a firma abaixo ser feita pelo próprio punho do Reverendo Padre José da Silva e Oliveira Rolim, pelo pleno conhecimento que temos de sua letra e sinal, e sendo necessário o juramos aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

Francisco Antônio Rebelo Joaquim José de Carvalho

               Reconheço a letra e firmas supra do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, e Capitão Joaquim José de Carvalho pelas próprias, por as ter visto fazer na minha presença, do que dou fé. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

Carta do Padre José S.O. Rolim; Tejuco, 20-04-1789.

               Senhor Domingos de Abreu Vieira

               Meu prezado amigo do coração. Recebi a última de Vossa Mercê de dois de abril, em que me certifica ter falado ao nosso Mecenas segunda e terceira vez; ele, eficaz e certo no que nos prometeu, assim me devo persuadir como homem de bem; e fico esperando a resolução da parte que levou o meu próprio, para de todo viver em paz, para o nosso amigo Brandão. Eu tenho observado tanto à risca, que ainda té o dia de hoje não saí à rua a pagar visitas; nem o pretendo fazer sem a resolução que vier, pois não é do meu gênio, nem me está bem aparecer e tornar a esconder-me; eu, confiado na promessa que a Vossa Mercê lhe asseveraram, vivo certificado que tal me não acontecerá; e espero que de Vossa Mercê, pelas suas diligências, me venha o meu sossego.

               Este é o condutor do ouro; leva um caixão com doce de mangabas secas que me fará mercê oferecê-lo ao Senhor Gonzaga em meu nome. Amanhã, terça-feira, que se contam 21, saem daqui os dois negros com quatro bestas para a condução de Vossa Mercê; e os deixará estar inté que Vossa Mercê venha; e tenha satisfação para a sua jornada muito à sua vontade; e quando cá chegar, reformará de outras que estarão descansadas à sua espera. Faça-me recomendado a nosso bom amigo Afonso Dias e todos os mais amigos que Vossa Mercê bem os conhece: ao Senhor Bernardo, e ao Bento Pereira, e todos os da sua família. Sirva-se da minha vontade que pronta fica para o que for de lhe dar gosto. Deus Guarde a Vossa Mercê por muitos anos. Tejuco, 20 de abril de 1789.

De Vossa Mercê

Amigo de coração e obrigadíssimo

José da Silva

(P.S.) — Mande-me notícia de seu compadre, o Alferes Joaquim José, a quem não escrevo por não saber se já veio do Rio de Janeiro; e também me certifique se o Alvarenga se acha nessa Vila, ou se foi para a Campanha.

               Nós, abaixo assinados, reconhecemos a firma desta carta ser do próprio punho do Padre José da Silva e Oliveira Rolim, pelo próprio conhecimento que dela temos, e sendo necessário o juramos aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

Francisco Antônio Rebelo Joaquim José de Carvalho

               Reconheço a letra e firmas do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, e Capitão Joaquim José de Carvalho pelas próprias, por as ter visto fazer na minha presença, do que dou fé. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

2.9 Auto de exame e separação feita nos papéis apreendidos ao Coronel de Auxiliares da Comarca do Rio das Mortes, Inácio José de Alvarenga Peixoto.

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e oitenta e nove, aos onze dias do mês de junho do dito ano, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e Palácio da residência do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, sendo aí presente o mesmo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, e o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, junto comigo o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Juiz e Escrivão nomeados para esta diligência por Portaria do dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor; logo pelo mesmo nos foi ordenado que víssemos e examinássemos todos os papéis que foram apreendidos ao Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto, e que direta ou indiretamente pudessem de alguma sorte respeitar ao fim por que foram apreendidos, os quais todos se achavam encerrados em uma caixa de pau pequena, que nos foi no mesmo ato apresentada; e a qual abrimos; e depois de exata e miudamente examinados todos os referidos papéis na presença do mesmo Excelentíssimo Senhor, dentre eles se separaram os dois ao diante juntos e aqui autuados, por induzir o seu conteúdo alguma suspeita relativa à presente diligência nas atuais circunstâncias; contendo, o primeiro, parte de uma ode escrita pelo próprio punho do dito Coronel Inácio José de Alvarenga; e o segundo um aviso a este, escrito da mesma sorte e assinado pela mão do Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, que ambos vão por mim rubricados; para sobre os mesmos se fazerem as averiguações competentes, mandou o referido Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor praticar na sua presença este auto de achada, exame, e separação dos sobreditos papéis, que rubricou; e em que também assinou o referido Juiz, o Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, comigo, Escrivão nomeado, o Bacharel José Caetano César Manitti, que o escrevi e assinei.

Saldanha — José Caetano César Manitti

Anexo 1 : Parte de uma Ode de Inácio José de Alvarenga

Segue dos teus Maiores,

Ilustre ramo, as sólidas pisadas.

Espalha novas flores

Sobre as suas ações grandes e honradas.

Abre, por tua mão, da glória o Templo;

Mas move o braço pelo seu exemplo.

A herdada Nobreza

Aumenta, mas não dá merecimento.

Dos heróis, a grandeza

Deve-se ao braço, deve-se ao talento,

E assim foi que, calcando o seu destino,

Deu leis ao mundo o cidadão de Arpino.

Abra-se à nova terra,

Para heróicas ações, um plano vasto.

Ou na paz, ou na guerra,

Orna os triunfos teus de um novo fasto: Faze servir aos Castros, aos Mendonças, Malhados tigres, marchetadas onças.

Não há bárbara fera

Que o valor e a prudência não domine

Quando a razão impera.

Que leão pode haver que não se ensine? E o forte jugo, por si mesmo grave,

A doce mão que o põe o faz suave.

Pródiga, a Natureza

Fundou neste País o seu tesouro.

Que fez a Natureza

Em pôr neste País o seu tesouro?

Das pedras, na riqueza;

Nas grossas minas abundantes de ouro? Se o povo miserável... mas que digo! Povo feliz, pois tem o vosso abrigo.

Qual formada nos ares

Em densa nuvem, grossa tempestade.

Qual, sobre os densos ares,

Horrenda tempestade levantada

Abre o seio dos mares

Para tragar a nau despedaçada;

Porém destro, o Piloto arreia o pano,

Salva o perigo, e remedeia o dano.

Assim a Grande Augusta,

Que vê o mal, com ânimo paterno,

Km mão prudente e justa

Vem colocar as rédeas do governo.

Eu vejo a nau já do perigo isenta Buscar o porto, livre da tormenta.

A vós, florente ramo,

Meus versos mal limados dirigia

               Reconheço a letra retro e supra ser do próprio punho do Coronel Inácio José de Alvarenga pelo perfeito conhecimento que da mesma tenho. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti

ANEXO 2: — Bilhete cio Vigário cie São José, Carlos Correia de Toledo, a Inácio José de Alvarenga Peixoto, escrito na casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, na noite de 26-12-1788 em Vila Rica.

Alvarenga,

Estamos juntos, e venha Vossa Mercê já, etc.

Amigo Toledo

               Reconheço a letra supra e sobrenome Toledo ser do Reverendo Vigário Carlos Correia de Toledo por ter de sua letra pleno conhecimento, em fé do que passo a presente. Vila Rica, a 15 de junho de 1789.

               Em testemunho da verdade,

Antônio de Oliveira e Sá

Juntada

               Aos quinze dias do mês de junho de mil setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casa da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta comarca, onde eu, Escrivão ao diante nomeado, vim, e sendo aí, por ele dito Ministro me ioi entregue a Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, na qual determina fiquem por cópia nesta Devassa as duas cartas de que a mesma Portaria faz menção, as quais logo trasladei, cujas cópias e dita Portaria são as que ao diante se seguem. E para assim constar, lavrei este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena; Vila Rica, 14-06-1789.

               Vossa Mercê virá receber da minha mão a carta de Dona Joana de Meneses, a que se refere o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes na sua representação ou denúncia de 19 do mês passado, com outra de seu primo, o Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara, que a acompanha e reconhece, para as juntar por cópias autênticas do Escrivão da diligência, conferidas com Vossa Mercê, ao auto em que se achar a mesma denúncia. E depois me restituirá as ditas cartas originais, porque as pretendo remeter, com outras informações, à Secretaria de Estado desta Repartição.

               Também receberá os documentos da informação que (eu) tinha mandado fazer em Carijós sobre o motivo e contexto da carta que o Vigário de São José escreveu em casa do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, segundo este declarou no Termo de Ratificação e Juramento da sua denúncia, para serem apensos ao sobredito auto ou à Devassa.

               Deus guarde a Vossa Mercê

Vila Rica, 14 de junho de 1789

Visconde de Barbacena

Senhor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor Pedro José Araújo de Saldanha.

Carta do Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara ao Visconde de Barbacena; São João del Rei, 7-06-1789. (Traslado).

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor — Em cumprimento do que Vossa Excelência é servido mandar-me em ofício de trinta de maio passado, ponho na presença de Vossa Excelência a carta de minha prima Dona Joana de Meneses e Valadares, de que na mesma se faz menção, inclusa nesta, de que é portador o Furriel José de Deus. Deus guarde a Vossa Excelência. São João del Rei, sete de junho de mil e setecentos e oitenta e nove — Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania — Joaquim Pedro da Câmara, Sargento-Mor de Auxiliares. — E não se continha mais na dita carta, que sem coisa que dúvida faça, aqui bem e fielmente trasladei da própria, que fica em poder do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Juiz desta Devassa, à qual me reporto; e com o mesmo Ministro esta conferi com o original; nesta Vila Rica, aos quinze dias do mês de junho de 1789; e eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado que o escrevi, conferi e assinei.

Saldanha — José Caetano César Manitti

Carta de Dona Joana de Meneses ao Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara; Coimbra, 18-07-1787.

(Traslado).

               Excelentíssimo Senhor — Meu primo e senhor do coração: tenho escrito a Vossa Senhoria muitas cartas, todas remetidas pelo sobrinho Roberto, exceto duas que leva o Capitão Manuel Pinto, e esperando resposta das primeiras, ainda a não tive; e se Vossa Senhoria continuar no seu silêncio, porei termo à minha escrita, mas não aos desejos de que Vossa Senhoria mude de resolução a respeito da esquecida pátria; parece que o tempo e a distância têm endurecido o seu coração para não cuidar em nos vir ver e igualmente não procurar notícias dos parentes, que todos amam Vossa Senhoria; e eu, como sou deste número, não cessarei de executar este comércio epistolar enquanto Vossa Senhoria me não desenganar com o seu silêncio; se Vossa Senhoria, com efeito, se não desagrada de que eu o busque, e se tem correspondente, deve avisar-me para a remessa das minhas cartas; porém era melhor que a sua presença evitasse essa diligência. Vossa Senhoria ainda que aí está bem, aqui está melhor; e suponhamos que se introduz o espírito de vertigem nos ânimos desses naturais, e que tumultuam; neste caso parece que mais arriscado é o partide da honra, que Vossa Senhoria infalivelmente havia de seguir, e o melhor é evitar estes apertos e vir sem eles à presença da adorada Soberana e livrar-se de um governo subalterno que às vezes degenera em despotismo. Os nossos parentes todos vivem, e neles não há novidade, de que o Reino está estéril; a última lei, ainda que não é muito interessante, aí a remeto. Os sobrinhos agora estão em férias, e por isso esta vai pelo Rio de Janeiro por via de um conhecido de uma minha amiga, chamado o Doutor Antônio José Barreiras, advogado na dita terra. Eu tinha escrito a Vossa Senhoria uma carta, mas, creio, não vai já o portador; nela lhe pedia, como agora faço, que cumprimentasse da minha parte a Senhora Viúva, mãe dos sobrinhos, segurando-lhe que tenho parte no seu pesar, e que lhe desejo todos os alívios, como igualmente a seus filhos, a quem estimo muito; e o mais velho, presenciei bem aflito e magoado com a notícia do falecimento do pai. Aceite Vossa Senhoria recomendações dos manos, e as dê minhas a José do Vale; já lhe disse que, se tiver portador seguro, que me avise para lhe remeter umas linhas finas, que eu ignoro via certa. Adeus, meu primo; lembre-se de que muito o estima esta — de Vossa Senhoria — prima muito amante e obrigada — Joana de Meneses e Valadares — Santa Clara de Coimbra, dezoito de julho de mil e setecentos e oitenta e sete — E não se continha mais na dita carta, que sem coisa que dúvida faça, aqui bem e fielmente trasladei da própria, que fica em poder do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Juiz desta Devassa, à qual me reporto; e com o mesmo Ministro esta conferi com o original, nesta Vila Rica, aos quinze de junho de 1789; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi, conferi e assinei.

Saldanha — José Caetano César Manitti

ASSENTADA

               Aos dezesseis dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, na Cadeia Pública dela onde foi vindo o Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, junto comigo o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, e sendo aí, pelo dito Ministro foi mandado vir à sua presença o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que se achava preso em segredo na mesma Cadeia, a fim de ser, como foi, inquirido pelo dito Ministro sobre todo o conteúdo no Auto desta Devassa, do que para contar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 1°

               Domingos de Abreu Vieira, Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas, natural de São João de Concieiro, Termo de Regalados, Comarca de Viana, Arcebispado de Braga, morador nesta Vila Rica, onde vive do seu negócio de administrar o Real Contrato dos Dízimos de que foi rematante o triénio passado, de idade de sessenta e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs a sua irão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que vindo hospedar-se em sua casa no mês de agosto ou setembro do ano pretérito o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, da Comarca do Serro Frio, e observando ele, testemunha, depois de alguns meses desta residência, a grande amizade e correlação que havia entre o dito Padre e um Alferes do Regimento Pago desta Capitania, Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, lhe perguntou em certa ocasião que amizade tão continuada e estreita era aquela, ao que lhe respondeu o mesmo Padre que andavam tratando um negócio de muita importância; e passados alguns dias, indo ele, testemunha, encontrá-los no mesmo quarto onde se achavam conversando, o que sucedeu pelos meses de dezembro ou janeiro, então lhe descobriram e declararam ambos que, no caso de se lançar a derrama como se dizia, estava justo um levante nesta Capitania, no qual entrava também o Coronel Inácio José de Alvarenga, que tinha a seu cargo aprontar quatrocentos ou mais homens, e igualmente o dito Padre José da Silva, concorrendo também o Vigário de São José do Rio das Mortes, incumbido de aprontar do mesmo modo gente para as bandas de São Paulo; contando-lhe mais que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga entrava igualmente naquela confederação prestando o seu conselho; e que todos se juntavam algumas noites, para este fim, em certa casa que lhe não declararam; e que da mesma sorte pretendiam interessar naquela rebelião ao Ouvidor da Vila do Príncipe, Joaquim Antônio Gonzaga, primo daquele Desembargador Tomás Antônio, a quem haviam de pedir lhe escrevesse para este mesmo efeito; e ele, testemunha, perfeitamente se lembra haver-lhe asseverado aquele Padre José da Silva, quando foi ultimamente para o Serro do Frio, a vinte e um de fevereiro segundo sua lembrança, que ele próprio levava já consigo a mencionada carta para a entregar ao dito Ouvidor; o que tudo ouvindo ele, testemunha, ficou por extremo absorto e assustado de semelhante desordem, da qual entrou a dissuadi-los com o maior esforço que lhe foi possível; e se retirou. Passados porém alguns dias, e chegando ele, testemunha, de fora, lhe disse um dos seus escravos que ali estava o Tenente-Coronel do Regimento Pago, Francisco de Paula Freire de Andrada; e entrando ele, testemunha, a cumprimentá-lo no quarto onde se achava, observou que se tratava da matéria do levante, que o dito Tenente-Coronel e ele, testemunha, sumamente estranharam; e ouvindo então dizer àqueles ditos Alferes e Padre José da Silva, que no caso de se efetuar o seu projeto devia ser logo morto o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General, e que do mesmo voto eram o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o Coronel Inácio José de Alvarenga, segundo a sua presente lembrança, os quais se explicaram assim: “Que enquanto ao General, cabecinha fora, cabecinha fora”. Ele, testemunha, e o dito Tenente-Coronel, se opuzeram com todas as forças a semelhante desígnio; e se retirou também logo ele, testemunha. Depois desta passagem, decorrendo algum tempo, tornaram aqueles loucos, dito Alferes e Padre José da Silva, a falar a ele, testemunha, convidando-o para mandar vir alguns barris de pólvora afim de que todos concorressem para aquela ação que já lhe tinham relatado, e toda sumamente se dirigia à felicidade e bem público; ao que respondeu constantemente ele, testemunha, que em tal não convinha, nem consentia que o seu nome interviesse em semelhante desordem; e só declara que, quando aquele Alferes se retirou ultimamente desta Capital para a Cidade do Rio de Janeiro, lhe emprestou ele, testemunha, cem mil réis para suas despesas; e cinquenta oitavas ao Coronel Alvarenga, quando também se ausentou para o Rio das Mortes; de que ambos lhe passaram os créditos que devem existir entre os seus papéis, onde os oferece em prova desta verdade.. Além de todo o referido, ouviu ele, testemunha, ao dito Alferes Joaquim José da Silva e Padre José da Silva, sobre o plano que se tinha disposto, que pretendiam levantar a Casa de Moeda e que o ouro corresse a mil e quinhentos; e que não saísse mais para o exterior o dinheiro que se achasse no Erário desta Capital; que assim o diziam o Coronel Alvarenga e o Vigário de São José. Que em casa do Desembargador Gonzaga se formavam as leis para o governo da nova república, onde residiam o dito Vigário e Alvarenga, que eram os mais fortes partidistas da rebelião, sendo o primeiro cabeça dela o dito Alferes Joaquim José, o qual dizia que ele, Alvarenga e o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula haviam de ser os heróis da ação, pois defendiam a sua pátria; que os mazombos também valiam e sabiam governar; e que, produzindo a sua terra tantos haveres, eles existiam sempre pobres, por lhes tirarem tudo para fora; que por isso se arrojavam a resgatá-la e a pô-la em liberdade, para cujo efeito só esperavam a oportuna ocasião em que se lançasse a derrama; pois as Minas a não podiam pagar e que tudo lhe tiravam para o Reino. Que a capital se havia de mudar para São João del-Rei, por ser aquela Vila mais bem situada e farta de mantimentos; e que nesta se haviam de abrir estudos como em Coimbra, em que também se aprendessem as leis.

               Além disto, ouviu mais ele, testemunha, ao dito Alferes Tiradentes, que tinha também convidado para a mesma sublevação o Tenente de Dragões Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira, o qual respondera que estava pronto, que também era mazombo, e que voltando seu sobrinho, o Sargento-Mor Vasconcelos, do Destacamento onde se achava, também o havia de convidar. Do mesmo modo lhe disseram, o referido Alferes e Padre José da Silva, que tinham falado ao Capitão Antônio José de Araújo, ao Tenente José Antônio de Melo, e ao Alferes Matias Sanches; e o Padre José da Silva disse a ele, testemunha, que também tinha falado, ou havia de falar, no que não está bem certo, ao Alferes Antônio Gomes Meireles, para, no caso de se efetuar o levante, ajudar-lhe da parte do Serro do Frio, certificando-lhe, o mesmo Padre e dito Alferes, que já tinham igualmente falado ao Capitão Brandão para aquele efeito; e que do mesmo modo se achava prevenido pelo mencionado Alferes o outro Capitão, Maximiano; acrescentando o dito Tiradentes que para o levante estava pronta parte da tropa paga, ainda soldados e povo; e que também se aprontava artilharia, sendo preciso; e todo o mais trem e armas que existiam no armazém, como se tinha assentado; encarregando-se o Vigário de São José de mandar vir algum socorro de São Paulo, quando fosse necessário. Sendo tudo o que fica relatado o que ele testemunha sabe e de que presentemente se lembra sobre esta matéria; e mais não disse, e aos costumes declarou ser compadre do Alferes Joaquim José da Silva, por ter batizado uma menina que lhe disse ser sua filha; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido este seu juramento e o achar conforme; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Domingos de Abreu Vieira

               Aos dezoito dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, fui vindo; e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas e perguntadas as testemunhas abaixo declaradas, das quais seus ditos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades e costumes são os que ao diante se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 2°

               O Padre Francisco Vidal de Barbosa, natural da freguesia de Nossa Senhora da Glória, chamada do Caminho Novo, Comarca do Rio das Mortes, Bispado de Mariana, morador na Fazenda denominada do Juiz de Fora, que vive de suas ordens, de idade de trinta e dois anos, testemunha a que o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs a sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que sabe por ouvir dizer, sem que se lembre a quem, e depois da prisão do Alferes Joaquim José da Silva Xavier no Rio de Janeiro, que Domingos Peres, homem do Caminho, havia dito que o mesmo Alferes, encontrando-o naquela cidade e perguntando-lhe que gêneros conduzia para estas Minas, lhe recomendou e aconselhou que trouxesse também pólvora e sal, que era o de que mais cá se carecia; e que o mesmo tinha dito a outras várias pessoas da mesma cidade; e mais não disse, nem dos costumes; e depois de lido o juramento, assinou com o dito Ministro e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Padre Francisco Vidal de Barbosa

Testemunha 3°

               Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente-Coronel do Primeiro Regimento de Cavalaria de Paracatu, natural da Vila de Ponte de Lima, Comarca de Viana, Arcebispado de Braga, morador nas suas lavras do Palmital, Comarca do Serro do Frio, que vive das suas fazendas, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, disse que, achando-se nesta Vila Rica há mais de sete meses, onde veio a dependências de sua casa, logo passado um mês que nela residia, chegou à mesma Manuel Antônio de Morais, morador nas Congonhas de Cima, na Comarca do Serro do Frio, que estava arranchado em casa do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha, onde ele testemunha foi bastantes vezes visitá-lo; e em algumas encontrou na mesma casa o Alferes do Regimento de Cavalaria Paga Joaquim José da Silva Xavier, o qual, queixando-se algumas vezes do governo do Excelentíssimo Senhor Visconde General, dando entre outros motivos o do mesmo Senhor lhe mandar entregar uma precatória que tinha vindo do Rio das Mortes contra ele, a qual tinha detido em si sem a querer entregar ao oficial que lha apresentara, assim como de prestar licença para o dito ser citado, e outras coisas desta qualidade; e vendo que nem ele, testemunha, nem os mais que o escutavam, lhe davam razão ou aprovavam as suas imposturas, começou a dizer que o mesmo Excelentíssimo Senhor Visconde trazia instrução particular do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro, para não deixar que os homens destas Minas medrassem seus cabedais; e que, pelo considerar a quase todos abastados e poderosos, vinha de acordo a não consentir que tivessem de seu mais de dez mil cruzados, e que sucedendo não poder reduzir a algum a estes precisos termos, quando se não oferecesse outro pretexto, sempre o arruinasse arguindo-o de inconfidente, remetendo-o preso para o Reino; cujas imposturas davam bem a conhecer, como ele, testemunha, se persuadiu, que a intenção do dito Alferes tinha unicamente por objeto o odiar o referido Senhor Visconde General com os povos desta Capitania para os premeditados fins que se propunha; e respondendo-lhe ele, testemunha, que falasse mais cautelosamente a respeito dos Governadores, e que sem eles se não podiam reger estas terras, lhe tornara o sobredito Alferes por formais palavras: “Ah, que se todos fossem do meu ânimo! Mas lá está a mão de Deus.”

                E passando ele testemunha, daí a poucos dias, pela porta do dito Rocha onde se hospedara aquele Morais, vindo este a sair, chamou a ele, testemunha, e depois de conversarem algumas coisas insignificantes, lhe disse entâo: “Você sabe que o Alferes Joaquim José anda morto por fazer um levante para o qual anda convidando a todos?” Ao que ele, testemunha, respondeu que em tais coisas se não devia falar; e logo se despediu e retirou, porque já estava com alguma desconfiança pelas desenvolturas que tinha ouvido ao dito Alferes. Daí a poucos dias, topando ele, testemunha, com o Doutor João de Araújo, morador no Rio das Mortes, com quem tem alguma amizade, também este em parte se queixou do Excelentíssimo Senhor Visconde por lhe mandar ajustar umas contas; e dizendo-lhe ele, testemunha, o mesmo que já tinha repetido àquele Alferes, que se não devia falar dos Governadores, lhe tornou aquele, por duas ou três vezes, que este havia de ser o Governador mais infeliz que tinha cá vindo; e perguntando-lhe por que, o não satisfez com razão alguma; e lhe parece a ele, testemunha, que quando isto assim sucedeu estava também presente o Doutor José Soares de Castro; cujo sucesso confirmou mais a ele, testemunha, que a intenção do Alferes Joaquim José estava já bem conhecida, vulgarizando-se até às pessoas da última plebe que estava para haver um levante nas Minas; de tal sorte que, entrando ele testemunha em uma noite pela Estalagem das Cabeças, de José Fernandes, onde reside, logo na sala em que se achavam mais pessoas, lhe disse um José Joaquim de Oliveira, que viera do Rio das Mortes assentar praça nesta Capital onde ainda se acha: “Sabe que mais, Senhor Tenente-Coronel? Aqui disseram hoje que estava para haver um levante nas Minas.” E como ele, testemunha, conheceu a singeleza com que o dito moço lhe contava em público semelhante novidade, lhe respondeu unicamente: “Só se for de prostitutas.” E logo foi andando e recolhendo-se para o seu quarto.

               Em outra ocasião também, andando a passear ele, testemunha, pela varanda que tem a mesma Estalagem, se achavam a um lado dela a conservar dois pardos do Serro, um por nome Crispiniano, outro Raimundo Corrêa, Sargento-Mor dos Pardos do Tejuco; e percebendo ele, testemunha, que era sobre a matéria da sublevação, aplicando disfarçadamente o ouvido, percebeu a palavra “levante” e que já se tinha escrito para São Paulo para lá se não pagarem os dízimos; cujas palavras proferiu o dito Crispiniano para o mencionado Raimundo.

               Além do que fica referido, também ele, testemunha, ouviu em casa do Tenente-Coronel José Pereira Marques dizer repetidas vezes ao Coronel Inácio José de Alvarenga, quando se conversava na decadência em que se achavam as Minas, que estava propínquo a correr nelas rios de sangue; ouvindo também dizer, em outra ocasião, ao Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro do Contratador João Rodrigues de Macedo, que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres, e que ele era amigo do Cônego Luís Vieira, mas que lhe ouvia falar umas tais coisas que, se fosse Rei, lhe mandava cortar a cabeça.

               Sabe mais ele, testemunha, que as palestras sobre o levante que concitava aquele Alferes se faziam, umas em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, outras na do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; e a razão é porque ele, testemunha, prevenido já desta desordem, como dito fica, curiosamente pesquisava ele a outros, e viu algumas vezes o próprio Alferes Joaquim José na casa do dito Desembargador; e muitas e muitas vezes viu juntarem-se o dito Alvarenga e Gonzaga na casa do Doutor Cláudio, e estes na do Gonzaga, ora em uma, ora em outra; e sabendo ele, testemunha, de tudo o que tem declarado, bem se persuadia que aqueles conventículos, em que também se achava o Vigário de São José do Rio das Mortes quando esteve nesta Vila, eram sem dúvida com o fim de se tratar o sistema do levante; e para melhor indagação desta matéria, procurara uma vez disfarçadamente àquele Doutor Cláudio Manuel da Costa e, perguntando-lhe este pelos seus particulares, ele, testemunha, simuladamente e para o fim de lhe rastrear os seus desígnios, se queixou algum tanto do Excelentíssimo Senhor Visconde General, ao que saiu imediatamente aquele Doutor dizendo estas formais palavras: “Nas Minas não há gente; os americanos ingleses foram bem sucedidos porque acharam três homens capazes para a campanha; e nas Minas não há nenhum; só o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, anda feito corta-vento; mas ainda lhe hão de cortar a cabeça a ele”; não lhe podendo tirar mais coisa alguma do que o referido, e falando posteriormente ao Cônego Luís Vieira, este, não podendo encobrir ou disfarçar a paixão que tem por ver o Brasil feito uma república independente, principiou a abonar o dito Alferes Tiradentes por um homem animoso, e que se houvesse muitos como ele, que o Brasil era uma república florente; acrescentando que um príncipe europeu não podia ter nada com a América, que era um país livre; e que o Rei de Portugal nada gastou nesta conquista; que os nacionais já a tinham tirado aos holandeses, fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir com dinheiro algum para ela; que os franceses tomaram o Rio de Janeiro, e que os habitadores da cidade a tornaram a comprar com o seu dinheiro; concluindo ultimamente que esta terra não podia estar muito tempo sujeita ao Rei de Portugal, porque os nacionais dela também queriam fazer corpo de república; proferindo estas e outras solturas sediciosas, encaminhadas todas ao fim da liberdade.

               Depois disto, encontrando-se ele testemunha, nesta Vila, com um bacharel, filho do Guarda-Mor das Congonhas do Campo, Manoel José Monteiro, e conversando com ele já maliciosamente, por ver a íntima amizade que conservava com o Coronel Alvarenga, veio a cair a mesma conversação sobre a matéria em que então se falava, e por este motivo lhe disse a ele, testemunha, que um fulano Claro de tal, sobrinho do Vigário de São José do Rio das Mortes, fora em certa ocasião encontrar o dito Coronel Alvarenga, o Cônego Luís Vieira, o Doutor Cláudio, o Desembargador Gonzaga, o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, e outros, a falarem todos em um levante que estava para se fazer nas Minas; depois do que, se retirou aquele Claro para Taubaté, da Capitania de São Paulo, onde reside, e pensa ele, testemunha, que mandado pelos tais do congresso para ele não falar alguma coisa do que ouviu.

               E estando ele, testemunha, em outra ocasião com o filho do dito Guarda-Mor, em uma das lojas que ficam por baixo das casas do Contratador João Rodrigues de Macedo, achando-se ali o dito Alferes Joaquim José e mais outros de que não tem certa lembrança, tirou aquele Alferes da algibeira uma grande lista, ou para melhor dizer, mapa de todos os habitantes desta Capitania de ambos os sexos e todas as classes, cujo número montava ao pé de quatrocentas mil almas e, mostrando-a, o dito Alferes proferiu estas palavras: “Ora, aqui têm Vossas Mercês todo esse povo açoitado por um só homem; e nós todos a chorarmos como negros: ai, ai! E de três em três anos vem um e leva um milhão, e os criados levam outro tanto; e como hão de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado.” Ao que respondeu o dito bacharel das Congonhas: “Vossa Mercê fala assim em levante? Se fosse em Portugal, Deus nos livre que tal se soubesse.” Ao que o dito Alferes respondeu cheio de paixão: “Não diga levantar; é restaurar”, repetindo umas poucas de vezes estas palavras, que ele, testemunha, ouviu perfeitamente; e também quando ele, testemunha, veio do Serro a visitar o Excelentíssimo Senhor Visconde, depois de sua chegada a esta Vila com a Excelentíssima Senhora Viscondessa, tinha encontrado no caminho a um inglês por nome Nicolau Jorge, que o Doutor Luís Beltrão, Fiscal dos Diamantes, trouxe consigo de Lisboa; e dizendo ele testemunha, em Vila Rica, ao Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro de João Rodrigues de Macedo, que tinha encontrado em caminho com aquele inglês que Luís Beltrão tinha levado consigo para o Tejuco, este lhe respondeu: “Pois vai lá uma boa fazenda. Andava por aqui falando em que o Brasil podia fazer como a América Inglesa”. E que o mesmo inglês perguntara a ele, Mota, por estas palavras: “Vossa Mercê, se os nacionais do Brasil fizerem uma república, qual partido há de seguir? O de realista, ou o de republicano”? Ao que o dito Vicente Vieira lhe respondeu que sempre havia de ser pelo seu Rei; também ele, testemunha, se lembra bem que, conversando em outra ocasião com o já referido Doutor Cláudio sobre o Excelentíssimo Senhor Visconde, lhe disse aquele Doutor estas misteriosas palavras: “Fez bem trazer a mulher e os filhos; que se os não trouxesse...”

               Também em diferente ocasião ouviu ele testemunha ao Cônego Luís Vieira, à porta das casas de João Rodrigues de Macedo, vindo dito cônego do Campo e, ao apear-se, perguntando-lhe ele, testemunha, por novidades: “Que se tinha apanhado um parada de Sua Excelência, que o mandava para o Rio de Janeiro; e que se dizia, lá por fora, que o Governador havia tirado do cofre quarenta mil cruzados, que eram o soldo de três anos, e que os tinha mandado para Portugal”; isto mesmo ouviu ele, testemunha, muitas vezes ao Coronel Inácio José de Alvarenga, e o mesmo ouviu também ao Capitão Vicente Vieira da Mota; cujas imposturas bem se persuade ele, testemunha, que eram unicamente proferidas e espalhadas para atear mais a revolução cogitada, e odiar o dito Excelentíssimo Senhor Visconde com os povos, como faziam a respeito de ter instrução para não deixar engrossar em cabedais os filhos deste continente mais que até dez mil cruzados, como já referiu.

               Também ouviu ele, testemunha, dizer a um ermitão do Sabará, que vinha da Cidade de Mariana, cujo nome lhe não lembra, só sim que vestia hábito pardo e era velho e filho de Portugal, que naquela cidade se puseram uns pasquins que diziam que tudo que fosse homem do Reino havia de morrer; e que só ficaria algum velho e clérigo; e que isto fora posto em nome dos quilombolas; igualmente se lembra ele, testemunha, que falando por diversas vezes ao Coronel Alvarenga e ao Cônego Luís Vieira, exagerando-lhes ele, testemunha, a grande política, penetração e a pureza do Excelentíssimo Senhor Visconde, lhe responderam tanto um como o outro: “Anda-se ensaiando para embaixador, mas nunca o liá de ser”. E sobre todos estes fatos que relatado tem, se refere ele, testemunha, e inteiramente se reporta à carta que apresentou ao dito Excelentíssimo Senhor Visconde, e é a própria que se acha incorporada ao Auto desta Devassa, que lhe foi mostrada e que reconhece pela idêntica, e a ratifica. Declara mais ele, testemunha, que achando-se dois dias depois da prisão do Desembargador Gonzaga em casa do Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, onde também se achava o Capitão José Vicente de Morais Sarmento, e discorrendo-se por que seria aquela prisão, e também a do Coronel Alvarenga, de que já havia notícia, respondeu o dito Capitão: “Eu desconfio que seja por alguma revolução, porquanto ouvi dizer ao Alvarenga, na loja do Capitão Antônio Ferreira da Silva, quando se falava em que se lançava a derrama, que as Minas não podiam com ela e que, se se duvidava, que havia um levante.”

               E mais não disse, nem dos costumes; e depois de lhe ser lido este seu juramento e o achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Basílio de Brito Malheiro do Lago

                Aos vinte e dois dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, fui vindo e, sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas cujos nomes, naturalidade, moradas, ofícios, costumes e ditos são os que se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 4°

                O Capitão Vicente Vieira da Mota, natural da Cidade do Porto, morador nesta Vila Rica, caixeiro de João Rodrigues de Macedo, idade de cinquenta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

                E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que sabe por ser público em toda esta Vila, que o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha — o Tiradentes — andava falando pelas tabernas, quartéis, por onde se achava, que estas Minas Gerais podiam vir a ser uma república; e, em certa ocasião, nas vésperas em que o dito Alferes fez jornada para o Rio de Janeiro ultimamente, indo à casa dele, testemunha, principiou o mesmo Alferes a conversar largamente; e estendendo a conversação, que até ali tinha sido sobre coisas indiferentes, começou a exagerar a beleza, formosura e riqueza deste país de Minas Gerais, asseverando que era o melhor do mundo, porque tinha em si ouro e diamantes, acrescentando que bem podia ser uma república livre e florente; ao que lhe respondeu ele testemunha: — “Pois que? Assim como sucedeu com a América Inglesa?” Ao que lhe tornou o dito Alferes: — “Justamente. E ainda melhor, pelas maiores comodidades que tem.” E respondendo-lhe ele, testemunha: — “Ora, não seja doido! Isto é uma loucura”, acrescentou o mesmo Alferes: — “E se com efeito assim suceder? Vossa Mercê que partido tomaria?” Ao que lhe respondeu ele, testemunha, já algum tanto azedo daquela tentativa: — “Ora, você que motivos tem, ou que acha em mim, que sirva para isto ou para me convocar a semelhante despropósito?” E ele lhe respondeu que o achava homem nervudo. E virando ele, testemunha, lhe disse: — “Você anda fazendo alguma que lhe há de ainda disparar em algumas dores de cabeça”. Ao que ele tornou dizendo : — “É porque eu não acho homens, e os filhos destas Minas são todos uns vis. Porém, se eu os não achar, hei de armar uma meada que, em cem anos, se não há de desembaraçar”, cujas palavras proferiu o Alferes já como um homem perigoso. E perguntando ao mesmo tempo a ele, testemunha, pelo seu patrão João Rodrigues de Macedo, e que o queria ir sondar neste negócio, lhe respondeu ele, testemunha, também já fora de si, nas formais palavras: — “Não seja insolente em ir com semelhantes destemperos ao Senhor João Rodrigues de Macedo; e, se for atrevido e insistir, hei de cravar-lhe uma faca pelo coração”, e, assim impetuosamente, o despediu. Daí a poucos dias, uma noite, tornou o mesmo Alferes a ir como costumava à casa dele, testemunha, achando-se ele com o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro. E, entrando pelo quarto a dentro (e, segundo sua lembrança, tinha saído do Piquete), principiou dando muito alegre as boas noites; e depois, voltando-se para o tenente-coronel, abriu a conversação outra vez sobre as vantagens deste país de Minas Gerais fazendo as mesmas já referidas exagerações, acrescentando que no mesmo se podiam levantar grandes e utilíssimas fábricas, escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de fora, ao que tudo lhe respondia o tenente-coronel sorrindo-se unicamente e como quem mofava daquelas reflexões.

               Também declara ele, testemunha, que por esses tempos ouvira dizer ao referido Alferes Tiradentes que o Excelentíssimo Senhor Visconde General trazia por formais instruções do Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro para não consentir que nestas Minas houvesse homens que tivessem mais de dez mil cruzados de seu, e que, havendo-os, usasse de toda a política e arte para lhes fazer gastar, ou os arruinasse, cuja temerária notícia se fez por então de tal sorte pública que ele, testemunha, a ouviu a muitas pessoas de cujos nomes individualmente se não recorda para as indigitar; porquanto é bem sabido que o cartório do Contrato, de que ele é guarda-livros, é de ordinário frequentado de muitas pessoas que têm dependências relativas ao mesmo Contrato, as quais costumam regularmente conversar sobre algumas novidades, como é estilo em semelhantes casas, em cujas circunstâncias poderia também acontecer que ele, testemunha, tocasse a alguém nesta mesma novidade; e mais não disse.

               E sendo, outrossim, perguntado ele, testemunha, pelo primeiro referimento que nele fez a outra testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, que todo lhe foi lido, disse que passava na verdade como no dito referimento, porquanto, conversando ele, testemunha, com o mencionado tenente-coronel, em uma noite depois da já referida conversação do Alferes Joaquim José na presença do dito tenente-coronel, sobre os despropósitos dos mesmos e notícias gerais das suas loucuras, se entrou a refletir nas atuais circunstâncias em que se achavam as Minas, notando ele, testemunha, a satisfação que mostravam os nacionais delas do que havia acontecido na América Inglesa; discorrendo, supostos estes princípios, que se eles tivessem igual oportuna ocasião não deixariam de lançar mão dela, aproveitando-a para se erigirem também em uma república; acrescentando que ele, testemunha, era amigo íntimo do Cônego Luís Vieira, filho destas Minas, mas que observava nele umas tantas coisas que, se fora Rei, lhe mandava cortar a cabeça, no que ele, testemunha, foi demasiadamente austero e só proferiu esta sentença levado da força do seu gênio e aferro que tem à fidelidade devida ao seu Príncipe. Resumindo-se estas coisas: que ele, testemunha, dava por fundamento do seu arbítrio a lição, em que sempre via empregado aquele Cônego, dos sucessos da América Inglesa, lendo a sua história; a uma natural complacência no êxito que os ditos rebeldes americanos tiveram; e à desmedida paixão que o mesmo denunciava pelo seu país, ouvindo-lhe dizer algumas vezes que, se no tempo da aclamação do Senhor Rei Dom João IV, viesse esse Príncipe para o Brasil, que a esta hora se acharia a América constituindo um formidável Império; e que ainda seria felicíssimo este continente se viesse para ele algum dos príncipes portugueses; mais, que a suceder assim, sempre corria risco de o quererem cá aclamar; e que o melhor de tudo seria mudar a Rainha a sua corte para a América.

               E perguntado ele, testemunha, pelo segundo referimento que nele fez o mesmo Tenente-Coronel Basílio de Brito sobre o inglês Nicolau Jorge, que o Fiscal dos Diamantes, Luís Beltrão de Almeida, tinha conduzido para o Tejuco, disse que se não lembra de dizer ao referente que o dito inglês fosse boa ou má fazenda; mas que se recorda de lhe haver contado o mesmo que se refere a este respeito4 e vem a ser pouco mais ou menos o seguinte: que conversando ele, testemunha, com o dito inglês, em certa ocasião sobre o levante da América Anglicana, e perguntando-lhe que motivos tiveram aqueles maus vassalos para se negarem à obediência do seu legitimo príncipe, o dito inglês lhe notou alguns motivos de que bem se não lembra; mas eram pouco mais ou menos relativos a tributos, vexações, desordens de generais, e tirarem-lhes ou diminuir-lhes a regalia do seu Parlamento; ao que respondeu ele, testemunha: “Estamos muito bem; logo então, visto isso, por qualquer coisa se pode revoltar uma conquista?” Ao que respondeu aquele inglês: “E se a esta, mais anos menos anos, lhe suceder o mesmo, que partido tomará Vossa Mercê?” Ao que lhe tornou ele, testemunha, pondo-se de pé e formalizando-se: “Olhe Vossa Mercê para mim: veja-me bem; ora diga-me, que lhe parece? que partido seguiria?” Ao que o inglês logo respondeu: “Creio que, se tal acontecesse, havia de ser Vossa Mercê um fino realista”. E ele, testemunha, lhe disse então: “Pense bem que até dar a própria vida, hei de ser pelo meu Roi”. E mais não disse, nem se recorda de mais nada a este respeito sobre aquele referimento.

               E perguntado mais ele, testemunha, pelo referimento que ultimamente nele fez a mesma testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito, sobre a novidade que tinha dado o Cônego Luís Vieira de haver Sua Excelência tirado do seu cofre quarenta mil cruzados, que era o soldo de três anos, os quais tinha remetido para Lisboa, disse que tal não tinha ouvido absolutamente, nem àquele dito Cônego, nem a pessoa alguma; e se por acaso se falou em semelhante coisa, estando ele, testemunha, (o que duvida) presente ou chegando, a esse tempo em tal não fez a menor apreensão, pois que disso não tem totalmente lembrança alguma. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel .Tosé Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Vicente Vieira da Mota

Testemunha 5°

               O Sargento-Mor Raimundo Correia Lobo, homem pardo, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Príncipe e morador no Arraial do Tejuco, Comarca do Serro do Frio, que vive de suas lavras, de idade de trinta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometera fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, achando-se ele em casas do Doutor Antônio José Soares de Castro, com quem assistia junto com um Salvador de Carvalho do Amaral Gurgel, vindo este de fora em certa ocasião, ouviu que o mesmo, em particular, estava contando àquele Doutor, que também é tenente-coronel dos Pardos da Vila do Príncipe, que o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, lhe referira que estava para se fazer um novo Parlamento nestas Minas; a cuja notícia, virou logo o dito Doutor dizendo: “Não se fale aqui nisso; e quem for o motor de semelhante coisa, verá o que lhe sucede, pois é um crime da primeira cabeça”. E foi isto unicamente o que ele,testemunha, tem ouvido a este respeito.

               E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que nele fez a testemunha Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que todo lhe foi lido, disse que passava na verdade ter ele falado, na ocasião apontada no referimento e na mencionada Estalagem, com o pardo Crispiniano da Luz Soares, e dizer-lhe este: — “Que lhe parece a Vossa Mercê o que vai de novo: o levante que querem fazer?” Ao que lhe respondeu ele, testemunha: — “Nem falar nisso é bom; já o Salvador falou no mesmo em casa do Tenente-Coronel Antônio José Soares de Castro, e este ralhou infinito”.

               Não está porém certo ele, testemunha, se o mesmo Crispiniano lhe disse o mais que acusa o referimento, relativamente a ter-se escrito para São Paulo para se não pagarem os dízimos, do que não tem lembrança. E mais não disse nem aos costumes; e sendo lido o seu juramento o assinou com dito Ministro; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Raimundo Correia Lobo Testemunha 6°

               Crispiniano da Luz Soares, homem pardo, natural do Arraial do Tejuco, Comarca do Serro do Frio, Bispado de Mariana, morador no mesmo Arraial, que vive de seu ofício de alfaiate, de idade de vinte e dois para vinte e três anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado; o que assim prometeu fazer, como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que lhe foi lido, disse que, sentando-se uma vez depois das Trindades em um cepo, que está à porta do Quartel-Mestre dos Pardos desta Vila, Eusébio da Costa Ataíde, no fim da ponte do Ouro Preto, com Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, conversando em várias matérias, lhe perguntou ele, testemunha, se já se tinha feito junta para a derrama; ao que lhe respondeu o dito Salvador que já se tinha escrito para São Paulo, para se não pagar a derrama; e tornando-lhe ele, testemunha, a perguntar: “Por que razão?” lhe respondeu o mesmo Salvador que a seu tempo o saberia e que a este respeito havia grande novidade, porque estava para se fazer um levante; e tornando-lhe a perguntar o motivo desse procedimento, teve a mesma resposta, de que a seu tempo o saberia; e logo se despediu, subindo pela ladeira acima que fica ali vizinha, e deixando a ele, testemunha. E mais não disse.

               E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que nele fez o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, disse que era verdade todo o conteúdo no mencionado referimento e que ele, testemunha referida, comunicou àquele Sargento-Mor Raimundo Correia Lobo, na mencionada Estalagem, por assim o ter ouvido ao sobredito Salvador Carvalho, como declarado tem. E mais não disse, nem aos costumes, e sendo lido o seu juramento o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

Saldanha — Crispiniano da Luz Soares

Testemunha 7°

               O Bacharel Antônio José Soares de Castro, Tenente-Coronel dos Pardos da Vila do Príncipe, comarca do Serro do Frio, natural de São Gonçalo do Rio Preto, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da dita Vila, morador atualmente nesta Vila Rica, que vive de suas letras, de idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e se lhe perguntasse, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

                E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que somente sabe, por ouvir dizer depois das prisões que se fizeram nesta Vila, que estava para se concitar na mesma e em todas as Minas um levante. E se lembra que uma das pessoas a quem ouviu falar neste fora o Tenente-Coronel Basílio de Brito, e mais não disse. Porém, antes das prisões, recolhendo-se para a casa dele, testemunha, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, onde também assistia juntamente, lhe perguntou o mesmo se sabia o que ia de novo; e respondendo-lhe que não, tornou-lhe o mesmo Salvador que o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, lhe contara que estava para haver um levante em toda a Capitania, para cujo efeito haviam já solicitado alguns sujeitos opulentos de São Paulo.

E que o mesmo Alferes ia para o Rio de Janeiro agregar aí algumas pessoas. E depois que este dito Alferes foi preso naquela cidade, indo ele, testemunha, b casa em que então já morava separado o dito Salvador para visitá-lo, estando enfermo, lhe perguntou este se ele, testemunha, estava certo no que ele, Salvador, lhe havia contado a respeito daquele Alferes. E respondendo-lhe que sim, lhe tornou o dito Salvador: “Veja lá em que estado agora me punha se lhe dou a carta que ele me pedia para o Tenente de Artilharia do Rio de Janeiro, Francisco Manuel!”

              E perguntado mais pelo referimento que nele fez a testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, disse que era verdade o nele conteúdo, do que tem perfeita lembrança; e que o mencionado Doutor, quando disse que o Senhor General havia de ser o mais infeliz que veio a Minas, deu logo a razão: “porque perseguia os clérigos”, em cuja matéria e resposta está bem presente ele, testemunha. E mais não disse, nem ao costume; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ter sido lido seu juramento, que achou conforme. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

               Saldanha — Antônio José Soares de Castro

ASSENTADA

               Aos vinte e cinco dias do mês de junho de mil, e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, fui vindo e, sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, e idades são os que se seguem; do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado o escrevi.

Testemunha 8.*

               José Joaquim da Rocha, Sargento-Mor de Minas Novas, natural do Salgueiro, Comarca de Aveiro, morador nesta Vila Rica, que vive de seu negócio, idade de quarenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

                E perguntado pelo Auto desta Devassa, que lhe foi lido, disse que o que somente sabe é que achando-se ele, testemunha, na Casa da ópera no Rio de Janeiro, há de haver um ano, viu entrar pela plateia um oficial do Regimento de Cavalaria Paga dessa Capitania, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes; e logo que entrou, lhe deram uma pateada; no que refletindo ele, testemunha, perguntou: “Por que motivo tinham dado aquela pateada ao dito oficial?” Eles responderam que era porque andava espalhando por aquela cidade que ele ainda havia de fazer feliz a América, e muito mais aquela cidade; do que todos se riram; ele, testemunha, atribuiu esta asserção ao requerimento em que o dito andava para introduzir no Rio de Janeiro certas águas, de que dizia resultava muita utilidade ao público; porém que a respeito de levante que se quisesse fazer, ou ali ou aqui em Minas, nunca ele, testemunha, ouviu falar nem ao dito Alferes, nem a outra pessoa, e só depois das prisões que se praticaram nesta Vila é que ele, testemunha, tem ouvido geralmente falar que o referido Alferes tinha sido o motor daqueles procedimentos, por intentar fazer uma sublevação nesta Capitania; e nada mais sabe a este respeito.

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que todo lhe foi lido, disse que era verdade liaver-se hospedado em sua casa o Sargento-Mor Manuel Antônio de Morais, residente nas Congonhas do Serro do Frio, a quem o referente ia visitar algumas vezes; e da mesma forma, também é certo que em uma delas se achou ali aquele Alferes Joaquim José, única, segundo sua lembrança, que ali foi; porém ele, testemunha, não está lembrado de ouvir a conversação que se acusa no referimento; e podia ser que a houvesse em tempo que ele, testemunha, tivesse ido para outra casa interior; sendo certo que nem aquela visita se dirigia a ele, testemunha, nem os ditos passavam da sala em que eram recebidos; e muito menos o dito Alferes, com quem ele, testemunha, se não tratava em amizade; e mais não disse nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

Saldanha — José Joaquim da Rocha

Testemunha 9°

               José Pereira Marques, Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar desta Vila Rica, natural de São João de Limãos, Conselho de Cerva, Comarca de Vila Real, Arcebispado de Braga, morador nesta mesma Vila, que vive de seu comércio e atual Contratador das Entradas nesta Capitania; de idade de trinta e oito anos; testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subeargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que somente sabe, por ser público e notório depois das prisões que se fizeram na Cidade do Rio de Janeiro, do Coronel Joaquim Silvério dos Reis e do Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, que o dito Alferes andava convocando gente, tanto naquela cidade como nestas Minas, para se efetuar nas mesmas e no Rio de Janeiro um levante. Porém que nunca ouvira dizer, nem tem a menor notícia dos companheiros que o mesmo tinha para esta ação, nem ouviu falar em mais ninguém a este respeito; pois somente sabe o que dito tem. Declara porém, que transitando pela estrada do Rio o sobredito alferes e passando pela Borda do Campo, onde ele, testemunha, se achava nas suas cobranças, em companhia de outro alferes do mesmo Regimento por nome Matias Sanches, e achando-se este a horas de almoço na casa dele, testemunha, a almoçar, chegou pouco depois também o dito Joaquim José; e dizendo o Sanches que vinha mal montado, lhe ofereceu ele, testemunha, um cavalo seu, que aceitou; ao que disse aquele Joaquim José: “Só a mim se não fazem estes oferecimentos”, ao que tornou ele, testemunha, que não tinha outro cavalo, porém que tinha vendido um menos mau ao Padre Francisco Vidal de Barbosa Laje e que, para o servir, lhe ia escrever para lho emprestar, o que de faio executou escrevendo ao padre; e levando o mesmo Alferes Tiradentes aquela carta, entregando-a ao dito padre, este lhe ofereceu outra cavalgadura, mas não aquele dito cavalo picaço, o que o dito Alferes não aceitou; e ignora ele, testemunha, se além disto, sempre aquele padre lhe emprestou alguma outra cavalgadura; e mais não disse. E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha Basílio de Brito Malheiro, disse que absolutamente se não lembra de que na sua presença se praticasse na matéria que se articula no referimento; e mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Pereira Marques

Testemunha 10°

               Antônio de Afonseca Pestana, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Auxiliar de São José, Comarca de Rio das Mortes, natural da mesma Vila e nela morador no sítio chamado da Pedra; que vive de suas fazendas, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem ele, dito Ministro, deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que tudo lhe foi lido, disse que vindo ele em certa ocasião pela Vila de São João del-Rei, onde costumava ir muitas vezes às suas dependências, encontrara na Rua do Carmo ao Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes; e perguntando-lhe este depois de se cumprimentarem, como ia de utilidades, lhe respondeu ele, testemunha, que muito mal, pelas diminutas conveniências que se faziam; ao que replicou, o dito Alferes, que este país das Minas era fertilíssimo e riquíssimo de tudo e, a não ir toda sua riqueza para fora, seria a terra da maior utilidade; e que tempo viria em que acontecesse alguma sublevação, e escusariam os moradores de sofrer derramas e outras imposições, e de aturar ministros que faziam insolências à terra. Ao que tudo ele, testemunha, lhe respondeu que não fosse louco, e que semelhantes matérias nem se falavam, nem se ouviam. E se retirou imediatamente, não pensando que o dito Alferes dissesse aquelas palavras com ânimo dobrado e com segunda tenção.

               Em outra ocasião, indo àquela Comarca o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier da Silva Ferrão, a passar revista aos Regimentos Auxiliares de ordem do Excelentíssimo Senhor Visconde General, achando-se o dito Ajudante de Ordens em casa do Capitão José de Resende Costa, no Distrito da Laje, passando-se revista ao Regimento de que é Coronel Severino Ribeiro, e estando aí presente ele, testemunha, observou que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que também se achava assistindo, dissera perante os circunstantes (de cujos nomes só lhe lembra unicamente o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza), que esta terra era muito abundante de ouro e pedras preciosas e que, da mesma sorte, produzia muitos efeitos utilíssimos; e que viria tempo em que se tornasse um florente Império.

                E quando ele, testemunha, vinha agora para esta Vila, encontrou no caminho um homem chamado José Francisco Dutra, morador para as partes da Igreja Nova, Comarca do Rio das Mortes, o qual conversando a respeito das prisões do Alferes Joaquim Tiradentes, e outros, lhe contara que tinha ouvido dizer que, já no tempo do governo do Excelentíssimo Senhor Luís da Cunha e Meneses, o mesmo Alferes andara com mania de falar em levantes nestas Minas. E declara mais ele, testemunha, que depois das ditas prisões, assim no Rio de Janeiro como nesta Vila Rica e na Comarca do Rio das Mortes, do dito Tiradentes, Joaquim Silvério, o Coronel Alvarenga, o Padre Carlos, Vigário da Freguesia de São José, o Desembargador Gonzaga, e Domingos de Abreu, ouvira publicamente discorrer que as sobreditas prisões derivavam: uns, de diamantes; outros, de extravio de ouro em pó. Mas que passados alguns dias mais, era voz constante que aqueles procedimentos nasciam de notícias de alguma sublevação; e que por ele, testemunha, ser sabedor destes discursos, viera ultimamente denunciar os já referidos fatos ao Excelentíssimo Senhor Visconde General, como efetivamente executou; e mais não disse, nem dos costumes, a que foi perguntado, e só declara ser compadre do Coronel Inácio José de Alvarenga; e assinou com o dito Ministro, lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Antônio de Afonseca Pestana

Testemunha 11°

               José Joaquim de Oliveira, homem branco, natural da Vila de Aldeia Galega, Comarca de Setúbal, Patriarcado de Lisboa, morador nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casa de Silvério Furtado da Silveira, que vive de sua agência, de idade de trinta e dois anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que depois de se efetuarem nesta Vila Rica e na Comarca do Rio das Mortes as prisões que se têm feito, assim como também no Rio de Janeiro, ouviu constantemente dizer que estava para haver um levante nestas Minas, pelo que se tinham feito aquelas prisões, sendo o cabeça, ou chefe dele, um Alferes do Regimento Pago desta Capital, Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, que fora preso no Rio de Janeiro; e mais não disse.

               E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que nele fez o Tenente-Coronel Basilio de Brito Malheiro, disse que tudo nele referido era pura verdade e se passara na mesma forma que no dito referimento se acusa; cuja notícia ouviu ele, testemunha, do Doutor e Tenente-Coronel Antônio José Soares de Castro, de que absolutamente havia perdido a lembrança, por ser o único de quem a tinha ouvido, e ter sido este acontecimento muito tempo antes de se fazerem as sobreditas prisões; e declara mais ele, testemunha, que achando-se no Rio das Mortes em casa de um pardo, mestre de música, por nome José Manuel Vieira, (que assistia paredes meias e conjuntamente com a casa onde morava o Coronel Inácio José de Alvarenga), o qual ensinava música a uma filha do dito, por nome Dona Maria Efigênia, segundo sua lembrança, e tratando-se sobre o seu adiantamento, lhe disse aquele José Manuel que a dita menina nunca poderia adiantar-se muito, e isto pelo demasiado mimo com que a criava sua mãe, a qual lhe costumava chamar “princesa do Brasil” e acrescentava que, se este continente viesse em algum tempo a ser governado por nacionais, sem sujeição à Europa, a ela lhe pertencia (o título) por antiguidades de paulistas, sendo a família e sua casa das primeiras. E mais não disse; nem dos costumes, por que foi perguntado; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido o seu juramento que achou conforme; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão comissário, que o escrevi.

Saldanha — José Joaquim de Oliveira

ASSENTADA

               Aos vinte e seis dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão ao diante nomeado, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas, cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, e idades, são os que se seguem; do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 12°

               José de Vasconcelos Parada e Sousa, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, natural de Torres Novas, Comarca de Santarém, idade de quarenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo Auto desta Devassa que lhe foi lido, disse que estando havia tempos destacado no Tejuco por comandante, nunca aí viu coisa alguma relativa à matéria que no Auto se menciona; e que sendo rendido do dito destacamento, chegando a esta Capital de Vila Rica a vinte e oito de março do corrente ano, também do mesmo modo não ouviu falar em semelhante assunto; só porém depois de se praticarem no Rio de Janeiro as prisões do Alferes do seu Regimento, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, e do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, assim como nesta Capital, a do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e na Comarca do Rio das Mortes a do Coronel Alvarenga e do Vigário de São José, é que ele, testemunha, ouviu dizer, estando em uma ocasião na parada, ao Tenente do mesmo Regimento José Antônio de Melo, rompendo-se a notícia das já referidas prisões, que ele não deixava de atinar na causa do procedimento contra aquele Alferes Joaquim José no Rio de Janeiro; e perguntando-lhe ele, testemunha, porque motivo tinha sido, lhe respondeu o dito Melo: “Que a sua língua o tinha perdido”; e instando-lhe que lhe contasse o que é, lhe tornou outra vez: “que pela sua língua”; depois do que, ficando ele, testemunha, só com o dito Tenente Melo, se chegou este e lhe disse: “Agora é que me posso explicar a respeito da prisão do Alferes Joaquim José, que atribuo à sua língua por motivo de que, procurando-me em certa ocasião em minha casa, me disse que este país de Minas Gerais era riquíssimo, mas que tudo quanto produzia lhe levavam para fora sem nele ficar coisa alguma do tanto ouro que nele se extrai; que os quintos não deviam também sair, e que os ofícios se deviam dar aos filhos destas Minas, para dotes de suas filhas e para sustentação de suas famílias; que havia pouco se tinha despedido deste país um general carregado de dinheiro, e que aí vinha já outro fazer o mesmo; e que estes que assim especulavam este continente se não recordavam o que sucedeu ainda de fresco na América Inglesa. Ao que o dito Tenente Melo lhe respondeu: que não queria escutar semelhantes discursos e que, se o ia visitar, que lhe não referisse semelhantes coisas. E disse-lhe ele, testemunha, depois de ponderar a importância do negócio que tinha escutado, daí a um ou dois dias, que ele Tenente devia ir contar tudo ao Senhor General, senão o faria ele, testemunha, no que já estava de acordo com o Sargento-Mor efetivo do Regimento, Pedro Afonso, a quem tinha comunicado e dito que ia dar parte a Sua Excelência; ao que lhe tornou o mesmo sargento-mor que assim lhe cumpria fazer, mas que deste modo ficava aquele tenente perdido, em cujos termos, melhor faria que ele mesmo, tenente, fosse diretamente delatar-se. Foi (o tenente) por ele, testemunha, e pelo dito sargento-mor efetivo, persuadido a que logo e logo o fizesse; e que não o executando assim, ambos, ele, testemunha, e dito sargento-mor o iam fazer; (isto) porque, todo o referido, liavia o mencionado tenente outra vez recontado na presença do mesmo sargento-mor efetivo, o qual ouvindo, disse que naqueles termos estava já na mesma obrigação em que ele, testemunha, se achava, de irem declarar tudo a Sua Excelência, quando ele tenente o não fizesse logo. O que, assim praticado, ficou o dito tenente na firme resolução de ir contar tudo ao Excelentíssimo Senhor General, dizendo que tinha escutado aquele discurso sem maior apreensão e que, na verdade, o teve por uma produção desarranjada da pouca capacidade daquele alferes, geralmente reconhecida, pois do contrário não teria ele tenente falado em tal. E com efeito, na noite desse mesmo dia indo buscar o santo, ele, testemunha, e dito sargento-mor viram que ele, dito Tenente Melo, se tinha deixado ficar na sala, persuadindo-se ambos que fora para o fim referido; no que mais se firmaram porque, logo no outro dia, se entrou aquele Melo a se retirar deles ambos, especialmente dele testemunha, mostrando-se muito pesado, talvez por ele ser o primeiro que o obrigou àquela delatação, de que se persuade levaria alguma grande repreensão por a não fazer mais cedo. E também declara ele, testemunha, ter ouvido, mas não se lembra verdadeiramente a quem, que o mesmo alferes tinha recomendado a um homem do caminho, Fulano Pires, que trouxesse bem pólvora, chumbo e sal para Minas, que os havia gastar bem. E logo que se fizeram aquelas prisões, ouviu ele, testemunha, dizer publicamente que o Desembargador Gonzaga, o Coronel Alvarenga, o Vigário de São José e seu irmão, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, eram entrados na sublevação de que o dito Alferes Joaquim José tratava, admirando-se algumas pessoas que tanto o Cônego Luís Vieira, como o Doutor Cláudio Manuel da Costa escapassem de ser presos, em razão da íntima amizade que ambos conversavam, como era bem constante, com os referidos; e que, naturalmente, parecia deviam estar compreendidos na mesma desordem.

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, disse que passa na verdade o referido; mas que, quando se falou entre os nele referidos sobre a prisão do Coronel Alvarenga, pondo as mãos na cabeça, o Capitão José Vicente se explicou pelas formais palavras: “Agora é que eu caio, em que a prisão do Alvarenga há de ser talvez pelo que ele disse na loja de Antônio Ferreira, mercador nesta Vila, falando na derrama que Sua Excelência queria deitar na Capitania; que Sua Excelência fazia muito mal, porquanto este país estava muito decadente e que não podia com semelhantes tributos; e que bem podia exemplificar-se no que sucedeu na América Inglesa, porque podia haver uma sublevação. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — José de Vasconcelos Parada e Sousa

Testemunha 13°

               João Dias da Mota, Capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José, no Rio das Mortes, natural desta Vila Rica do Ouro Preto, Bispado de Mariana, morador no Engenho do Campo, que vive de roça, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que vindo em certa ocasião da sua fazenda para São Bartolomeu, em dias de março do corrente ano, encontrara nas Bananeiras, caminho do Rio de Janeiro, ao Alferes do Regimento Pago desta Capital, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes; e sucedendo descansar, por causa do muito calor, no mesmo rancho em que o dito Alferes, este lhe disse: “Pois Vossa Mercê não sabe ainda o que vai de novidade?” E respondendo-lhe ele, testemunha, que não, continuou aquele: “que já se tinha deitado a derrama e que cabia a pagar oito oitavas de ouro por cabeça”. Ao que lhe respondeu ele, testemunha: “E que remédio senão pagar? Quem tiver dinheiro, muito bem. E quem não o tiver, pagará com os bens ou fazendas que possuir.” A esta resposta, replicou o dito Alferes: — “Qual pagar! Vossa Mercê não sabe o que vai? Pois está para haver um levante tanto nesta Capitania, como nas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará, Mato Grosso etc. E já temos a nosso favor França e Inglaterra, que há de mandar naus.”

               O que ouvindo ele, testemunha, absorto do que escutava, lhe perguntou: “Pois quem tem Vossa Mercê para esse levante?” Ao que lhe respondeu o mesmo Alferes: “Temos pessoa muito grande!” E instando ele, testemunha, por que lhe declarasse quem era, não foi possível tirar-lhe mais do que: — “que era uma pessoa muito grande, e que a seu tempo o saberia”. E refletindo-lhe no perigo que corria em tratar de semelhante matéria, e que não falasse em tal, lhe respondeu mais o dito Alferes: — “Pois que tem? Que tem? Prenderem-me? Pois se me prenderem, alguém me soltará.” Que tinha achado muito pusilânimes os filhos de Minas; e que estavam a atuar quatro Ministros, sem os quais se podia passar. E com estas razões se despediram, e ele, testemunha, seguiu seu caminho.

               Declara mais, que haverá quinze, até vinte dias, que passando por sua casa Joaquim José dos Passos, afilador que foi o ano passado na Vila de São José, onde é residente, lhe contou que se tinha feito um batizado em casa do Padre Carlos, Vigário naquela Vila, em que assistiram o Coronel Inácio José de Alvarenga e o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, e outros; e que nele se disse que o dito Vigário havia de ser Bispo; e o dito Sargento-Mor proferiu que, com o fagote que trazia à cinta, havia de cortar a cabeça do General. E que tudo quanto ali estava assim o ouviu, até os músicos. E declara ele, testemunha, que não tendo feito conta alguma, tanto das frioleiras daquele Alferes Tiradentes, como do que ouvira ao dito Passos, por isso não viera logo delatar uma e outra notícia; mas que passando por sua casa o Ajudante de Ordens deste Governo, Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, e dizendo-lhe que quem soubesse alguma coisa a este respeito viesse muito depressa declará-lo antes que o chamassem, por esta causa veio ele, testemunha, logo a esta Capital, para o sobredito fim de manifestar tudo quanto sabia, como faz. E declara mais que, quando o dito Alferes Joaquim José teve com ele, testemunha, a conversação que tem referido, lhe dissera juntamente que “havia já quatro anos que se trabalhava nesta dependência do levante”.

               Declara mais que, em certa ocasião passando ele, testemunha, pelo Caminho do Rio e sítio onde assiste João da Costa, chamado a Varginha, falando com o mesmo Costa, lhe disse este que por ali havia passado no mês de dezembro, segundo sua lembrança, do ano próximo pretérito, o Padre Manuel Rodrigues da Costa, morador no Registro Velho; e que o mesmo lhe contara que esta América estava nos termos de ficar uma Europa, no que ele fez alguma reflexão mas que não formou disto discurso algum.

              Porém ele, testemunha, depois que se fizeram as prisões do dito Alferes no Rio, as de São João del-Rei, e as que se praticaram também nesta Vila, passando outra vez pelo mesmo sítio da Varginha e pousando na estalagem do já referido João da Costa, refletiu com ele sobre a mencionada expressão, declarando-lhe o que aquele Alferes lhe havia contado no sítio das Bananeiras, e já fica referido. E ouvindo-o o dito João da Costa, lhe recontou mais este que um dos dias antecedentes, que seria pouco mais ou menos nos fins de março ou princípios de abril, jantaram ou comeram na sua casa três sujeitos, e que à mesa pegando um deles, e que era o mais fraca-roupa, em um copo de vinho, proferira estas palavras: “ Lá vai à saúde de quem ainda dentro deste ano de oitenta e nove há de ver novos governadores.” Ao que o dito Costa lhe disse: — “Como novos Governadores, se ainda outro dia veio o Senhor Visconde General?” E o referido fraca-roupa lhe respondeu: “isto e ca outra coisa”. E declara finalmente, mais bem lembrado ele, testemunha, que os fatos assim do Padre Manuel Rodrigues da Costa, que já referiu, como o que acaba de declarar acima, do referido brinde, ouviu ele, testemunha, ao dito João da Costa antes ainda das mencionadas prisões tanto do Rio, como destas Minas, assim como também o que relatou a respeito do Alferes Tiradentes no sítio das Bananeiras; tendo sido só depois das prisões o mais que ouviu a Joaquim dos Passos, do Rio das Mortes.

                E é todo o expendido, quanto sabe. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — João Dias da Mota

Testemunha 14°

               Joaquim de Lima e Melo, Capitão do Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar desta Vila Rica, natural da Vila de Ponte de Lima, Arcebispado de Braga, morador nesta mesma Vila Rica, que vive de escriturário e contador da Real Fazenda, de idade de cinquenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs a sua mão direita, sub cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que somente sabe por ouvir dizer em certa ocasião, saindo da loja do mercador Antônio Ferreira, logo na entrada de um beco ali vizinho, a uns homens que estavam conversando juntos, e isto na véspera justamente em que foi preso o Desembargador Gonzaga, que um Alferes do Regimento Pago, por nome Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, andava dizendo que esta terra seria bem governada, erigindo-se em república; e que depois ouvira também dizer, sem se lembrar a quem, que o mesmo Tiradentes recomendara a um homem do Caminho por nome fulano Pires, que trouxesse bem pólvora para Minas; e que, sobre a matéria do levante acusado no Auto, não sabe mais nada, porque a sabê-lo, o delataria dentro do tempo da lei, que ele testemunha entendia ser espaço de trinta dias; e mais não disse, nem dos costumes. E sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado o escrevi.

Saldanha — Joaquim de Lima e Melo

ASSENTADA

               Aos vinte e sete dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão fui vindo e, sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas das quais seus nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades e ditos são os que ao diante se seguem, do que para constar fiz este termo, e eu Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 15°

               José Antônio de Melo, Tenente do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, natural da Vila de São João del-Rei, Comarca do Rio das Mortes, assistente nesta Vila, de idade de trinta e nove anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que somente se lembra que, indo visitá-lo, quando chegou do Destacamento de Paracatu de que foi comandante, um Alferes do seu Regimento, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, e mostrando-lhe uns papéis que trazia, com despachos do Conselho do Ultramar para informar o Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, dizendo que eram sobre umas águas que ele, dito Alferes, pretendia meter na cidade do Rio de Janeiro, acrescentara que nada já queria de Minas, porque era um país desgraçado, porque tirando-se dele tanto ouro e diamantes, nada lhe ficava e tudo saía para fora, e os pobres filhos da América sempre famintos e sem nada de seu, porquanto desta sorte não pode haver estabelecimentos perduráveis. E são tão estúpidos os seus nacionais que se não lembram disto, ou pelo menos do que sucedeu de fresco na América Inglesa. Ao que ele, testemunha, respondeu que “tinha dito um milhão de despropósitos e que riscasse semelhantes ideias do pensamento”, depois do que se despediu e de nada mais sabe ele, testemunha.

               E perguntado pelo referimento que nele fez o Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, que lhe foi lido, disse que tudo quanto nele se declara passou assim na verdade, o que já substancialmente depôs, faltando-lhe só, por esquecimento, acrescentar uma circunstância que presentemente lhe avivou o mesmo referimento, como a de lhe ponderar o dito Alferes que, pela pobreza deste país, donde saía tudo para Portugal, não tinham os pais e irmãos com que dotar suas filhas e irmãs; e que, de três em três anos, vinham os Generais e suas famílias encher-se, e ficavam sempre os nacionais pobres. E mais não disse, nem do dito referimento, nem aos costumes a que foi perguntado. E assinou com o referido Ministro, depois de lhe ser lido o seu juramento, que achou conforme, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Antônio de Melo

Testemunha 16°

               José Vicente de Morais Sarmento, Capitão do Primeiro Regimento de Auxiliares desta Capital, natural da Vila de Vinhais, Comarca de Miranda do Douro, assistente nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, que vive de suas fazendas, de idade de cinquenta e dois anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que antes das prisões que se fizeram nesta Vila e em São João del-Rei, nunca ouviu falar coisa alguma positiva a respeito do levante que se pretendesse concitar; e somente, estando certo dia na loja do Capitão Antônio Ferreira, e achando-se na mesma o Coronel Inácio José de Alvarenga, se entrou a falar na derrama que se pretendia lançar, em cuja ocasião principiou a dizer aquele Alvarenga que faziam muito mal em lançarem derrama; que a terra estava muito decadente e que desta sorte se ia pondo o povo em termos de alguma sublevação, para o que tinham bem fresco o exemplo da América Inglesa. E que também, depois das ditas prisões, ouvira ele testemunha dizer ao Tenente-Coronel Antônio José Soares de Castro que, pedindo umas mulheres desta Vila, por alcunha as Pilatas, ao Alferes Joaquim José da Silva concorresse para se assentar praça de soldado na Tropa Paga a um seu irmão, ele lhe respondera que deixassem estar, que brevemente se lhe assentaria praça, porque ele, dito Alferes, estava para ser um grande homem. Também ouvira dizer ele, testemunha, a várias pessoas, que o mesmo Alferes, encontrando no caminho do Rio, ou na cidade já, um homem tropeiro, fulano Pires, que anda no caminho para esta Vila, lhe recomendara que trouxesse bem pólvora, chumbo e sal; e mais não disse. E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que todo lhe foi lido, disse que passa na verdade quanto a dita testemunha referiu, o que aconteceu na mesma forma que se menciona, e ele testemunha tem já recontado; e só mais declara que achando-se em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, haveria oito dias pouco mais ou menos antes da sua prisão, e conversando-se sobre as que se tinham feito, lhe disse o mesmo Doutor que não se podia capacitar que os homens que se tinham presos o fossem por intentarem alguma sublevação, porquanto nem havia dinheiro, nem armas, nem potência alguma estrangeira que os favorecesse; e que do contrário não podia tal intento ter êxito algum, nem subsistência, e o que o intentasse sem estes essenciais requisitos se devia reputar por bêbado ou por louco. E mais não disse, nem aos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — José Vicente de Morais Sarmento

Testemunha 17°

               Simplícia Maria de Moura, natural do Arraial de Paracatu, moradora nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, que vive de suas costuras, de idade de vinte e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntada ela testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse saber por ouvir dizer publicamente, depois das prisões que se fizeram, no Rio de Janeiro ao Alferes Joaquim José e Coronel Joaquim Silvério, assim como nesta Vila ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e no Rio das Mortes ao Vigário de São José, e ao Coronel Inácio José de Alvarenga, que se pretendia fazer nestas Minas um levante, sendo que andava falando nisso o sobredito Alferes, por alcunha o Tiradentes; e que as outras prisões dos já referidos eram pelo mesmo motivo; e mais não disse.

               E perguntada pelo referimento que nela fez a testemunha, o Capitão José Vicente de Morais Sarmento, disse que é verdade em parte o dito referimento; porque é certo que tendo a mãe dela testemunha desejo de fazer sentar praça um seu filho, irmão dela testemunha, e tendo-se aquele Alferes Joaquim José inculcado por valido do Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, e que também o Excelentíssimo Senhor Visconde General lhe fazia muito favor, nestas circunstâncias lhe rogou a mãe dela, testemunha, quisesse empenhar-se para o dito seu filho, e irmão, sentar praça; ao que o mesmo Alferes respondeu que por ora deixasse estar, até ele Alferes voltar do Rio de Janeiro, porque então não seria necessário pedir a ninguém. E que ele havia de fazer feliz esta terra, e também ele havia de ser muito feliz; e que ia ao Rio na diligência de aí fazer construir muitos armazéns e introduzir naquela cidade certas águas; e que ainda esperava ter de renda mais de cinquenta mil cruzados, dizendo mais outros disparates de que ela testemunha se não recorda bem. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com ele, dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — Simplícia Maria de Moura

Testemunha 18°

Caetana Francisca de Moura, natural da Barra do Rio das Velhas, Comarca do Serro, moradora nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, que vive de suas costuras, de idade de vinte anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, em um livro deles, em que pôs a mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntada ela testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que nada sabe sobre o expendido no dito Auto.

               E perguntada pelo referimento que nela fez a testemunha, o Capitão José Vicente de Morais Sarmento, disse que era verdade o nele relatado, pois pedindo sua mãe, Maria Rosa da Silva, ao Alferes Joaquim José da Silva, que visto dizer ele que tinha muita amizade com o Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, e que o Excelentíssimo Senhor Visconde General lhe fazia muito favor, quisesse interessar-se para se sentar praça a um seu filho por nome Serafim Gonçalves, o dito Alferes lhe respondeu, pondo-lhe a mão no ombro — “Deixe estar minha camarada, que ninguém há de sentar praça a seu filho, senão eu” — e naquela ocasião esteve conversando sobre muitos interesses por que esperava, acrescentando que metendo certas águas na cidade do Rio de Janeiro fazia tantos e quantos mil cruzados de renda, e que tendo esta felicidade, também esperava fazer ainda esta terra feliz; e mais não disse, nem dos costumes, por que foi perguntada; e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Caetana Francisca de Moura

Testemunha 19°

             Ana Maria da Silva, parda disfarçada, natural desta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, moradora na mesma Vila, que vive de suas costuras, de idade de quarenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntada ela, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que somente sabe pelo ouvir dizer geralmente, depois que foi preso no Rio de Janeiro o Alferes Joaquim José, e nesta Vila o Desembargador Gonzaga, que aquele dito Alferes pretendia fazer um levante nestas Minas, e que por causa desta desordem é que se tinham feito aquelas prisões; e mais não disse. E perguntada pelo referimento que nela fez a testemunha, o Capitão José Vicente de Morais Sarmento, disse que era verdade quanto se relatava naquele referimento, e que ela era a própria que tinha pedido ao Alferes Joaquim José que quisesse interceder para sentar praça a seu filho; ao que lhe tornou o dito Alferes, batendo-lhe com a mão no ombro:

— “Deixe estar, minha camarada, que ninguém há de sentar praça a seu filho, senão eu.” E que a isto acrescentara que estava para ter grandes rendas e fortunas por certas dependências que tinha no Rio, que lhe levariam quatro anos, mas que depois se considerava o homem mais feliz do mundo, e que também ainda havia de fazer a sua terra feliz. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Ana Maria Rosa da Silva

Testemunha 20°

               Francisco Xavier Machado, homem branco, natural da Anadia, Comarca e Bispado de Coimbra, que vive de ser porta-estandarte do Regimento de Cavalaria Paga da guarnição desta Vila Rica, onde atualmente reside, de idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que somente sabe que, recolhendo-se ele testemunha do Destacamento em que esteve na Jacobina, Capitania da Bahia, e chegando por mar ao Rio de Janeiro, aí encontrou o Alferes Joaquim José do seu Regimento, que assistia com outro Alferes do mesmo Regimento, por nome Matias Sanches, com o qual conversando ele, testemunha, algumas vezes, sempre lhe ouvia ao dito Joaquim José exagerar a beleza, fertilidade e riqueza do país de Minas Gerais, e que por estes motivos podia bem ficar independente assim como fez a América Inglesa; ao que ele testemunha lhe respondia falando, naturalmente, que tal nunca poderia suceder, porque Minas não tinha força para se conservar, nem marinha para se defender, como tinha a América Inglesa; e que além do primeiro ponto de honra e fidelidade, tinha todos estes obstáculos a vencer que, certamente, se não podiam remediar; ao que o mesmo Alferes tornava que tinha muito povo, e que as Minas por si só se defendiam, cujos discursos rebatia ele testemunha com outras asserções que lhe vinham à lembrança nas ditas conversações; e que passados alguns dias, o mesmo Alferes fora a casa dele testemunha e lhe mostrara um livro escrito em francês, pedindo-lhe que lhe quisesse traduzir um capítulo dele, que vinha a ser o dito livro em francês A Coleção das Leis Constitutivas dos Estados Unidos da América, e o capítulo que apontava vinha a ser a seção oitava, sobre a forma da eleição do conselho privado, por cujo conteúdo ser invulgar ao dito Alferes, ele, testemunha, traduziu; o qual, depois, folheou muito o mesmo livro e como quem queria achar outro lugar, deixando-lhe ficar o mesmo livro, que é o próprio em oitavo, com capa de papel pintado, apenso desta Devassa; depois do que se retirou o dito Alferes. Também sabe ele, testemunha, que o mesmo Alferes procurou naquela cidade ao Sargento-Mor Simão Pires Sardinha, (que lhe contou o mesmo Sardinha) levando-lhe uns livros ingleses para lhe traduzir certos lugares que também diziam respeito a coisas da América; mas que o dito Sardinha, mal percebeu o intento do dito Alferes, logo lhos tornou a mandar a casa, e dizia a todos que fugissem daquele homem, dito Alferes, que estava doido, e o mesmo disse a ele testemunha; depois, porém, que ele, testemunha, chegou a esta Vila Rica, feitas já as prisões que nela se executaram, e no Rio das Mortes, ouviu dizer que as mesmas tiveram a sua origem em um levante que se pretendia fazer, sendo o autor daquela desordem o Tiradentes. Declara mais ele, testemunha, que voltando do Rio de Janeiro no mês de maio próximo pretérito do corrente ano, e tendo passado a Serra denominada do Azevedo, no fundo dela onde se acha levantado um sítio novo pertencente ao Capitão Werneck, vizinho encontrara um boiadeiro que conduzia uma boiada e quatorze ou dezesseis potros, tudo criação da fazenda do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, que ele testemunha conheceu por trazerem o ferro da mesma fazenda, cujo homem boiadeiro era de estatura alta, grosso, barba cerrada, e quase vesgo; o qual, chegando-se à noite para o fogo onde ele testemunha estava, lhe disse ser também de Portugal e que a boiada e potros que trazia eram do dito Pamplona, à exceção de um cavalo seu, ao parecer dele testemunha muito bom, que levava para vender no Rio, quando lho pagassem bem; sendo o mais que levava, para pagamento de uma dívida, pelo que cada uma das cabeças trazia preço certo e inalterável; e travando-se conversa entre ele testemunha e o dito homem, depois dele falar em várias matérias, chegando-se mais a ele testemunha e moderando a voz, recatadamente lhe disse que as Minas estavam em grande desordem; que se tratava de fazer um levante; que o Coronel Inácio José de Alvarenga, havia dois anos, estava escrevendo leis e que o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, por alcunha o “Come-lhe os Milhos”, tinha sido convidado para o mesmo levante; que ao princípio o recusara, mas que depois se deliberou a ter parte no mesmo dizendo que: “O que havia de ser cozido, que fosse assado, e que se desse já princípio ao negócio, e que ele valia por quatro.” Também ele, testemunha, tem lembrança que, ou deste mesmo boiadeiro ou alguma outra pessoa de que não pode recordar-se, e já depois das supramencionadas prisões, mas ainda em caminho, onde encontrou preso o Desembargador Gonzaga, o Vigário de São José e o Coronel Alvarenga, lhe disseram que também eram entrados no mesmo levante o dito Vigário de São José e o Tenente-Coronel do seu Regimento, Francisco de Paula Freire de Andrada. E mais não disse, nem dos costumes; e lido o seu juramento, logo o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Francisco Xavier Machado

               Aos trinta dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, do Desembargo de Sua Majestade Fidelíssima, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania de Minas Gerais, fui vindo e, sendo aí, por ele dito Ministro foram inquiridas e perguntadas as testemunhas que para esta Devassa foram chamadas, das quais seus ditos, nomes e idades, são os que ao diante se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 21°

               Inácio Correia Pamplona, homem branco, Mestre de Campo Regente do Bambuí, natural da Ilha Terceira, Bispado de Angra, morador na Freguesia dos Prados, Comarca do Rio das Mortes, que vive de suas fazendas, idade de cinquenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que com boa e sã consciência jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que ele testemunha sabe que estava para haver nestas Minas o levante que o Auto acusa; e a razão por que o sabe vem a ser que, convidando-o por carta o Vigário de São José do Rio das Mortes, Carlos Correia de Toledo, para ir ter naquela Vila à Semana Santa, indo ele testemunha com efeito ver ali a Procissão de Passos no dia vinte e nove de março do corrente ano, e conversando com o dito Vigário, ele lhe disse que estava para haver um levante em Minas; e que o Alferes Joaquim José, por alcunha Tiradentes, se achava no Rio de Janeiro a fazer séquito; e que no caso de haver a desordem, se havia cortar a cabeça ao Excelentíssimo Senhor General e levá-la ao pelourinho para fazer horror aos mais; e que imediatamente se praticaria o mesmo com o Ajudante de Ordens Francisco Antônio Rebelo, segundo sua lembrança, fazendo-se o mesmo ao Coronel Carlos José da Silva, por ser o que promovia os tributos; mas que ele, Vigário, era de diverso sentimento, votando que antes se mandasse ir embora o dito Excelentíssimo Senhor General com toda a sua família; e que igualmente não fosse morto o referido Coronel Carlos José, por ser seu xará — que vem a dizer — do mesmo nome; acrescentando que, para o novo governo, já havia leis feitas e que nos primeiros três anos serviriam os eleitos; e depois iriam servindo os mais, anualmente; e que todos os que devessem à Fazenda Real seriam perdoados inteiramente; e como o dito Vigário se achava estudando um sermão, e se divertiram em outras coisas o resto do dia, lhe não comunicou mais nada; ele, testemunha, se recolheu para sua casa, sem tenção já de lá ir na dita Semana Santa, como assim sucedeu. Na quarta-feira de trevas lhe escreveu ele testemunha, desculpando-se com moléstia afetada de não poder ir assistir à dita função; e o portador da carta, que era um mulato seu, lhe contou que o mesmo Vigário, lida que foi aquela carta, se voltara para ele e lhe dissera que a moléstia era de manha, e que entrara a passear como raivoso de uma para outra parte, batendo com a carta na cabeça, despedindo-o assim sem mais resposta; nem ele, testemunha, até ao dia presente, se encontrou mais com o dito Vigário.

               Passados dias veio ao sítio dele, testemunha, denominado o Mendanha, um sujeito do Rio de Janeiro chamado Manuel Pereira Chaves, que vinha para o fim de conduzir por mandado de Manuel Vaz Carneiro, comissário e morador naquela cidade, uma partida de gado e potros da fazenda dele testemunha, que de fato levou e seguiu sua viagem; antes porém de partir, particularmente lhe contou o mesmo Chaves que ele sentia bem o não poder vir a Vila Rica para contar ao Coronel Afonso Dias Pereira, por ser da sua terra, para o dizer ao Senhor General, o que tinha ouvido nas Vilas de São João e São José, que era que nestas Minas estava para haver um levante, e que se tinham conluiado para este fim as cabeças poderosas; e que, para isto mesmo, se achava na cidade do Rio de Janeiro um oficial destas mesmas Minas a convocar séquito para o detestável fim que se propunha; contou-lhe mais a ele testemunha, o dito Chaves (que tinha perguntado se ele entrou nesta desordem, ao que tinha dito que não), perguntou se tinha tirado muito, ao que respondeu o pobre: que tudo estava perdido e agora de novo muito mais, porque Sua Excelência queria lançar a derrama, tocando oito oitavas de ouro por cabeça, e que o povo estava para levantar-se dizendo que queria viver em sua liberdade. Ultimamente chegou ao mesmo sítio o Capitão João Dias da Mota, a particulares que aí tinha com André Esteves; e apeando-se a deixar passar a força do sol, neste intervalo lhe perguntou ele, testemunha, se sabia haver chegado à cidade do Rio de Janeiro a nau de guerra, ao que o dito lhe respondeu que não, e que só havia passado para a mesma cidade um Furriel com Portaria do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, e ordem de assistência para o que lhe fosse necessário, obrigando-se a tudo que o dito Furriel pedisse e que, por isto, alguns pensavam ia a buscar ali o Alferes Tiradentes. E também lhe disse que, poucos dias antes, havia passado um clérigo para a Borda do Campo, e que no rancho das Lavrinhas do Lourenço, segundo sua lembrança, falara sem rebuços no dito levante ao mesmo dono da estalagem, por nome João da Costa.

               No dia vinte de maio do corrente ano veio à casa dele, testemunha, o dito Vigário de São José, dizendo-lhe que o seu destino era ir a um batizado ao Arraial de Carijós; porém, levantando-se ele testemunha cedo e indo visitá-lo ao quarto em que se hospedara, o achou já passeando na varanda com o aspecto bastante carregado e perturbado; e lhe disse que já não ia para Carijós; e que alta noite lhe tinha chegado uma carta, cópia de outra que do caminho do Mato do Rio haviam escrito ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira, a qual ele testemunha viu na mão do mesmo Vigário, e lendo-a dizia por formais palavras: “Dou-vos parte com certeza que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério e o Alferes Tiradentes para que vos sirva, ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra”, cuja carta meteu o dito Vigário na algibeira; e só deixou em cima de uma banca o sobrescrito que ele testemunha apanhou, remetendo-o logo a Sua Excelência com a exposição do referido fato no dia vinte e um do dito mês e ano, cuja parte e dito sobrescrito são os mesmos que se acham autuados nesta Devassa, e que ele testemunha reconhece pela própria parte, que lhe foi mostrada, e dito sobrescrito.

               Declara mais ele, testemunha, que o Capelão do Arraial do Ouro Branco, ou Vigário, por nome Manuel Pacheco Lopes, lhe dissera que em um sábado, que se contaram vinte e três do dito mês de maio, passara por ali um pardo chamado Vitoriano, que é alferes e mora no Bichinho, de mandado do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e que o dito lhe dissera que ia a Mariana buscar uns papéis para um casamento; porém, que logo no domingo seguinte, vinte e quatro do dito mês, bem cedo passara outra vez o dito Alferes por ali, dizendo-lhe que ia acudir a seu amo, pois temia de o achar já preso, e outros muitos; e que as cartas que levava, lhas abriram os soldados em Vila Rica, pela busca que lhe haviam dado, e lhas tomaram; de cujo fato deu ele, testemunha, também parte a Sua Excelência no dia vinte e oito.

               Declara mais ele, testemunha, que o Padre Bento, irmão do Vigário de São José, quando se retirou desta Vila Rica, lhe disse a ele, testemunha, (estranhando as desordens que via e sentindo amargamente aquela diabrura) que o Padre Assis, morador em Carijós, lhe contara: que muito pior seria se ele (Padre Assis) não tirasse, das cartas que o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes mandava pelo dito Alferes Vitoriano, um certo papel ou bilhete que o dito Alferes tirou e rasgou.

                Declara mais ele, testemunha, que depois de todo o referido, viera à sua casa um sobrinho do dito Vigário de São José, cujo nome ignora, mas que é ainda moço, de idade de vinte e cinco anos pouco mais ou menos, alto, claro, e de mediana nutrição, a falar-lhe positivamente no desamparo e desarranjo em que estavam suas tias e primas por causa do sequestro que se havia feito em todos os bens e roças do dito seu tio Vigário, rogando-lhe que fosse seu valedor com Sua Excelência, ou com seu compadre o Coronel Carlos José, para os deixarem ficar na casa sequestrada; ao que ele, testemunha, respondeu que não lhe competia falar em semelhante matéria. E nessa mesma ocasião, chamando ele testemunha o dito sobrinho a um quarto retirado, aí lhe persuadiu a fidelidade que devia ter com a sua Soberana, e outras mais reflexões a este respeito. Por esta causa lhe recontou ele, então, o fato seguinte:

                Que no domingo (24-05) em que foi preso seu tio, tinha este sido chamado pelo Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que lhe viesse falar à Serra de São José, em um capão que fica abaixo da mesma Serra; e que quando lá chegaram, já estava o dito Coronel, muito aflito, proferindo logo as palavras seguintes: — “Amigo, estamos perdidos. E eu sábado (23-05) mandei um próprio a Vila Rica, a quem Vossa Mercê sabe, para se passar ao Serro e ajuntar gente; e que eu cá ficava fazendo o que pudesse. O General se abriu comigo. Eu tudo imputei a Joaquim Silvério, e que este foi o que viera à sua casa dar parte do levante a seu irmão Luís Vaz e que, sabendo Vossa Mercê disto, se agoniara muito, por cuja causa vendo ele, dito Joaquim Silvério, uma imagem de um crucifixo em cima de uma mesa, pegara nela e se botara a seus pés dizendo e prometendo que nunca mais falaria em tal. Isto mesmo pode Vossa Mercê avisar ao Alvarenga que, se algum de nós for preso, que não diga outra coisa.” Que o General tudo lhe mandou escrever, e que este papel havia de ir à Corte. Ao que nada respondera o dito seu tio Vigário mais do que: que somente pensava em se retirar. E que montara a cavalo e fora demandando a estrada que segue para a sua casa. E que ele e o dito Coronel subiram a Serra, por ele ir à Vila buscar umas chaves das caixas que lá tinham esquecido a seu tio. E que, olhando do alto da Serra para a chapada, já viram os soldados com o dito seu tio preso; o que reparando, aquele Coronel, se foi sumindo por uma grota; e ele, custosamente e com temor, da mesma forma se ocultou.

               Também ele, testemunha, ouviu dizer que no dia quatro de junho, mandara o mesmo Coronel Francisco Antônio um maço de cartas para se entregarem na Vila de São João ao Tenente-Coronel Francisco Joaquim, cujo maço conduzira o mesmo Alferes Vitoriano, que foi o que veio a Vila Rica trazer as outras cartas do referido Coronel, como já fica declarado. Mas também depois ouviu dizer ele, testemunha, que o dito maço era das sortes para se repartirem na forma do costume. Ouviu dizer mais ele, testemunha, que nas capoeiras da roça que o mesmo Coronel tem na Laje, haviam aparecido muitos homens com armas de fogo; sendo uma mulher que ali assiste, cujo nome ignora, a primeira que lhe deu esta notícia; mas que indo a patrulha que por ali andava com ordem para prender o Sargento-Mor Luís Vaz examinar aquele sítio, nada se encontrou.

Declara mais ele, testemunha, que todos estes fatos acima referidos pela sua ordem, quando os foi sabendo, os pôs na presença do Excelentíssimo Senhor Visconde General, cujas cartas insertas no Auto desta Devassa, sendo-lhe mostradas neste mesmo ato, reconheceu ele, testemunha, pelas próprias e idênticas.

               Declara finalmente ele, testemunha, que falando em certa ocasião, não há muitos dias, com o Tenente-Coronel José Franco de Carvalho, vizinho da Vila de São José, sobre o motivo das prisões que se fizeram, se discorreu se seriam por extravio de ouro ou diamantes; ao que respondeu o dito Tenente-Coronel, se seriam também por conta do que se tinha falado em um batizado que se havia feito ein casa do Vigário de São José, que foi o do Coronel Alvarenga, no qual se acharam os ditos: Desembargador Ouvidor da Comarca, Luís Ferreira de Araújo e Azevedo, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, e o Tesoureiro de Ausentes da mesma Comarca, Luís Antônio; dentre os quais, proferiu um que esta Capitania era um formidável Império, ao que saiu aquele Vigário dizendo: “Eu sou o Pontífice”, ou “o Bispo”, do que ele, testemunha, não tem boa lembrança. E que o Coronel Alvarenga ao mesmo tempo acrescentara: “Pois eu serei o Rei e Dona Bárbara a Rainha”. E mais não disse ele, testemunha, nem dos costumes; e leu todo o referido juramento, declarando estar bem e fielmente escrito; e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — Inácio Correia Pamplona

Testemunha 22°

O Reverendo Padre Manuel Rodrigues da Costa, natural da Freguesia de Carijós, Comarca do Rio das Mortes, residente na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, que vive de suas fazendas, de idade de trinta e cinco anos, testemunha a quem ele, dito Ministro, deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que pouco mais ou menos pelo tempo em que tinha chegado a esta Capitania o Excelentíssimo Senhor General, lhe falara em certa ocasião o Alferes do Regimento Pago Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, queixando-se-lhe amargamente dos Governadores destas Minas: que se achavam assoladas e que já se faziam intoleráveis os seus despotismos, referindo mais particularmente as suas queixas ao Excelentíssimo Senhor Luís da Cunha Meneses; acrescentando que vinham aqui enriquecer e aos seus criados; e que este país podia ser um Império; e que se achasse quem o ajudasse, havia de pô-lo livre da sujeição da Europa, encarecendo as suas produções, maiormente de ouro e diamantes. Ao que lhe respondeu ele, testemunha, observando a soltura com que o dito Alferes falava, que semelhantes coisas nem pensar se deviam. E que por este motivo, conhecendo a amizade que tinha o dito Tiradentes com o Coronel José Aires, ele testemunha o procurou e lhe perguntou se havia já conversado com aquele Tiradentes, e ouvido as suas liberdades; e respondendo-lhe o dito Coronel que já sabia disso, e que o Senhor Visconde também o sabia porque lho tinha contado ele Aires, se admirou ele testemunha dizendo: “E o Senhor Visconde não providencia isso?” Ao que lhe tornou o mesmo Coronel, acenando com a cabeça: “A seu tempo”.

               Depois, porém, que se fizeram as prisões do dito Tiradentes, Joaquim Silvério, Desembargador Gonzaga, e os mais, é que ele testemunha tem ouvido geralmente falar de um levante que se premeditava; e lhe ocorre que, passando o Coronel Joaquim Silvério por casa dele testemunha em certa ocasião, lhe contara que esteve para se lançar a derrama; porém que ele, conversando com Sua Excelência neste ponto, ponderando-lhe o estado da terra e outras circunstâncias que lhe não declarou, fez com que o mesmo Senhor mudasse de parecer e sobrestasse naquele procedimento. Depois do que, passando o mesmo Silvério por casa também dele testemunha, lhe contou que se dirigia para o Rio de Janeiro a buscar uma carta de proteção do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei para o Doutor Intendente e Procurador da Real Fazenda, e que isso mesmo lhe mencionara o Senhor Visconde, o que ele testemunha não acreditou; antes, juntando as notícias e passagens referidas, assentou consigo que a ida daquele Joaquim Silvério ao Rio tinha muitos diferentes fins; cuja ideia comunicou ele testemunha ao Padre José Lopes de Oliveira, a quem o mesmo Silvério tinha também comunicado todo o referido, e ambos convieram no mesmo juízo.

               Declara mais ele, testemunha, que quando foi a última vez que o dito Alferes passou para o Rio de Janeiro, transitando por sua casa, lhe referiu incidentemente que ia para a cidade do Rio de Janeiro a certa dependência de umas águas, sobre que lhe mostrou uns despachos, e que ao mesmo tempo ia também cuidar naquele negócio em que lhe tinha tocado quando viera para cima, relativo à liberdade da América; ao que lhe respondeu ele, testemunha, que o demônio o andava tentando a fazer algumas desordens que lhe haviam custar a cabeça. Também está certo que, ainda antes das prisões, ouviu dizer, sem se lembrar de quem, que o Coronel Alvarenga sabia daquela desordem. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Manuel Roiz da Costa

Testemunha 23°

               O Reverendo Padre José Lopes de Oliveira, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, que vive das suas ordens, residente no Arraial da Igreja Nova, de idade de cinquenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que com boa e sã consciência jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que a primeira vez que ouviu falar em levante, foi no mês de setembro do ano passado, ao Coronel José Aires Gomes, o qual lhe contou que se esperava no Rio de Janeiro uma Armada Francesa, e que muitos moradores do Rio de Janeiro estavam de ânimo a seguir aquele partido francês, sem porém lhe declarar os nomes; e que isto mesmo já sabia o Excelentíssimo Senhor Visconde; porém que ele, dito Aires, protestara ser fiel. E quanto a estas Minas, ouviu ele, testemunha, nos princípios do mês de março do ano presente, ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que estava para nelas se fazer um levante, entrando muitas pessoas nele; e que posto ele, dito Coronel, fosse de Portugal, estava pronto a seguir, porquanto bem podia ser esta terra um Império pelas riquezas que tinha; e principiando a nomear os confederados, apenas lhe ouviu ele, testemunha, falar no Desembargador Gonzaga, quando pondo as mãos na cabeça, nem ouviu, nem quis ouvir mais nada; e só lhe tornou que isso era o que ele queria para não pagar o que estava devendo à Fazenda Real, dizendo-lhe que logo se viesse denunciar; e entende ele, testemunha, que assim o fez, porquanto, vindo aquele Joaquim Silvério logo à Cachoeira, onde se achava o Excelentíssimo Senhor General, voltou assegurando a ele, testemunha, que já não havia derrama, pois que tinha contado a Sua Excelência umas tantas coisas, que ele entupira, mandando escrever às Câmaras e suspendendo tudo; do que veio a concluir ele, testemunha, haver-se o dito denunciado como lhe recomendara; mas, passados alguns dias, foi o mesmo Silvério despedir-se dele, testemunha, dizendo-lhe que ia para o Rio de Janeiro buscar uma carta do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei para o Desembargador Intendente e Procurador da Real Fazenda; porém ele testemunha não acreditou semelhante coisa, muito mais acrescentando ele que o Excelentíssimo Senhor Visconde o aconselhara para isso mesmo e escrevera ao Excelentíssimo Senhor Vice-Rei; antes sim se persuadiu ele, testemunha, que o mesmo Joaquim Silvério tinha com efeito denunciado o premeditado levante nestas Minas ao Senhor General, e ia fazer o mesmo no Rio ao Senhor Vice-Rei, e isto pelas antecedências que expressadas ficam; e assim o escreveu ele, testemunha, em resposta a uma carta de seu irmão, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, mandando-lhe perguntar se sabia a causa por que ia ao Rio o dito Coronel Joaquim Silvério, porquanto vogava pelas Vilas uma noticia de que ele tinha ido correr uma parada; e este mesmo pensamento descobriu ele, testemunha, ao Padre Manuel Rodrigues da Costa.

               Declara mais que indo ele, testemunha, na segunda semana depois da páscoa à Ponta do Morro, à casa de seu irmão, dito Coronel Francisco Antônio, aí chegou em uma tarde o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo; e depois de conversar em um quarto com o dito irmão, este se retirou e pediu a ele, testemunha, fosse entreter o Vigário; e fazendo-o assim, entrou para onde ele estava; e principiando a conversar, o achou melancólico e pensativo, o que deu causa a perguntar-lhe o que tinha. Ao que respondeu o dito Vigário que estavam acabadas suas ideias, porque Joaquim Silvério tinha ido denunciar o levante que se intentava fazer, contando-lhe que estava delineado erigir-se uma república; ao que repugnou ele, testemunha, dizendo que tal não se poderia conseguir porque não havia gente, armas, mantimentos, e outros gêneros indispensáveis; e que, por consequência, os mesmos do levante em breve tempo se haveriam de entregar; ao que ele, Vigário, respondeu que o mais que duraria a guerra seriam três anos; e que, entretanto, se uniam o Rio de Janeiro e São Paulo e se passaria como pudesse ser, servindo-se do sal do sertão; que unido o Rio e São Paulo, havia muita gente, e que, quando os americanos ingleses sacudiram o jugo tinham menos armas e, contudo, resistiram até se conseguir a liberdade, o que ele testemunha ficou por extremo escandalizado; e muito mais de lhe dizer aquele Vigário que tinha muitos companheiros de caráter, e povo.

               E falando ele, testemunha, depois com o dito seu irmão, perguntando-lhe este o que praticara com ele o Vigário, lhe responden que estivera armando castelos e que se não fora a religião, lhe faria alguma desfeita.

               Declara mais ele, testemunha, que mandando-o chamar depois disto à sua casa, o dito seu irmão Coronel lhe contou que aquele Joaquim Silvério os tinha a ambos denunciado, e ao Padre Francisco Vidal. No mesmo dia de tarde, saíram ambos à caça e no caminho encontraram ao Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, irmão do referido Vigário, com quem o dito seu irmão conversou um pouco de tempo, sem que ele, testemunha, por ficar mais distante, ouvisse o que tratavam; só sim percebeu dizer aquele Luís Vaz no fim: “Olhe, a mim não me hão de pegar”.

               No dia seguinte, que era domingo, tornou o mesmo seu irmão a pedir-lhe que o acompanhasse, e saíram ambos ao romper do dia demandando a paragem a que chamam Atrás da Serra, onde encontraram o dito Vigário. E dizendo-lhe o dito seu irmão: “Que é isto, meu Vigário? De Santo Cristo ao peito? Já vai de viagem?” lhe respondeu o Vigário: “Não sei o que sucederá”. E apartando-se um pouco do caminho, conversaram por pequeno espaço. E se despediu aquele Vigário dizendo: “Já larguei a Vila de São José por uma vez”. E tornaram ambos para casa. Declara finalmente ele, testemunha, que seu cunhado Luís Alves, Coronel de Auxiliares, lhe dissera que quando o Àlferes Joaquim José passara para o Rio de Janeiro, pretendeu falar-lhe na sua fazenda do Ribeirão, e achando-se então doente, lhe não pôde falar; ao que instou o dito Alferes, que sempre de madrugada lhe queria dizer adeus; e com efeito, batendo-lhe de madrugada à porta e entrando, lhe disse que ia para o Rio com ideia de tirar umas águas; que se conseguisse, lhe haviam de render por ano vinte mil cruzados. E querendo adiantar a conversa a diferente assunto, ele, dito Coronel Luís Alves lhe fez sinal que ali estava sua mulher na cama, e então o dito Alferes se despediu. Declara finalmente que, depois da prisão do dito Joaquim Silvério, um Antônio de Oliveira Pinto, da cidade do Rio de Janeiro, mandou dizer vocalmente por um próprio, que viera para cima, ao Coronel Luís Alves, que sossegasse que as coisas lhe não pareciam tão feias a respeito da prisão de Joaquim Silvério, porque, fazendo-se apreensão em seus bens depois de preso, se mandaram outra vez entregar a seu procurador. E declara mais ele, testemunha, que logo que foram presos o Tiradentes e Joaquim Silvério, ouvia contar geralmente aos viandantes que aquelas prisões eram por levante que se queria fazer nestas Minas; e que aquele Alferes Tiradentes andara buscando pelas livrarias uns livros que tratavam do levante dos ingleses; e que os oficiais do piquete daquela cidade do Rio de Janeiro diziam que vinham buscar a Minas uns homens grandes; donde ouvia ele, testemunha, discorrer que eram o Tenente-Coronel Francisco de Paula, o Coronel Alvarenga, o Desembargador Gonzaga e outros. E mais não disse; e quanto aos costumes, declarou ser irmão do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e assinou com o dito Ministro, lido o seu juramento; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Lopes de Oliveira

Testemunha 24°

               Antônio José Jácome, homem pardo, natural da Ilha de São Miguel, morador na Vila de São José do Rio das Mortes, que vive de seu tráfico, e feitor ou administrador que foi da casa do Vigário de São José, Carlos Correia, de idade de sessenta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que com boa e sã consciência jurasse o que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, nada disse, nem dos costumes, e assinou com o dito Ministro e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

Saldanha — Antônio José Jácome

Nota: Estando junto o administrador que foi da casa do Vigário de São José, Carlos Correia, (a) Manitti

Testemunha 25°

               Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, natural da Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Parati, Comarca do Rio de Janeiro, morador nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, que vive de sua arte de cirurgia, idade de vinte e sete ou vinte e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que no mesmo fez a outra testemunha, Raimundo Correia Lobo, Sargento-mor dos Pardos do Tejuco, que todo lhe foi lido, disse que era verdade o seu conteúdo; e que a razão que tivera para falar em semelhante matéria àquele Doutor Antônio José Soares, como no dito referimento se mencionava, vinha a ser que, tendo o Alferes do Regimento de Cavalaria Paga desta Capital notícia do bom conhecimento e amizade que ele, testemunha referida, conservava com o Padre Mestre, Frei José Mariano da Conceição Veloso, religioso de Santo Antônio na cidade do Rio de Janeiro, de quem o dito Alferes Joaquim José da Silva se intitulava parente, encontrando este em certa ocasião a ele, testemunha, o cumprimentou e lhe perguntou notícias do dito padre. E desta pequena conversação e encontro, ficou ele testemunha com conhecimento também do dito Alferes. Sucedendo porém ter precisão de um dicionário da língua francesa, soube por acaso que o referido Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, tinha um; e procurando-o para o fim de lho comprar, lho não quis o dito vender, mas conseguiu dele que por alguns dias lho emprestasse. E nessa mesma ocasião, tentando ele testemunha sentar praça no seu Regimento, assim lho comunicou, e logo o dito Alferes entrou a desviá-lo deste pensamento, ponderando-lhe: “Para que queria ele sentar praça, quando se não pagavam os soldos, que até a ele e mais oficiais se estavam devendo? Que esta terra estava arrazadíssima, e que cada vez mais se oprimia com reiterados tributos; que presentemente se lançava a derrama, que acabaria de a assolar de todo; e que, à vista disso, estava ele, dito Alferes, na deliberação de suscitar um levante, porque queriam nestas Minas uma testa coroada; para cujo fim tanto a Capitania de São Paulo como esta, já as tinha fechadas nas mãos”. Perguntando-lhe a este tempo, se ele testemunha tinha algum conhecimento no Rio para quem escrevesse; e dizendo-lhe ele, testemunha, que o negócio que ali o tinha conduzido era muito diferente e que se não metia com estas coisas, lhe instou o dito Alferes que só queria algumas cartas para o Rio. Ao que lhe respondeu ele, testemunha, que ali não tinha conhecimentos e só com um Tenente do Regimento da Artilharia, por nome Francisco Manuel da Silva e Melo; mas que em tal lhe não escrevia; a que acudiu o Alferes dizendo que era bastante que lhe fizesse uma carta do teor seguinte: “que o portador daquela ia à Cidade do Rio a tratar de certa dependência que o mesmo lhe comunicaria, e que lhe suplicava o quisesse dirigir para o seu bom êxito”, cuja carta nem ainda assim lha deu ele testemunha. E se despediu, não o tornando mais a ver até ao presente.

               E logo que saiu de sua casa, foi diretamente para a do dito Doutor Antônio José Soares, a quem contou esta passagem, como no referimento se declara; o qual lhe respondeu que, se ele testemunha não tinha outras provas, nem por pensamentos falasse em tal; mas que tendo-as, devia logo e logo denunciar-se; o que ele testemunha não executou, por ter só ouvido tocar esta matéria àquele Alferes, que nunca mais encontrou, como referido fica. E declara mais que, passados alguns dias, lhe mandou o Padre Francisco, que tem uma Botica na Ponte do Rosário, buscar pelo seu caixeiro aquele dicionário, a quem ele testemunha fielmente o entregou por lhe ter dito, o mesmo Alferes, que lho não vendia por o ter já feito àquele Padre; e mais não disse.

               E perguntado mais pelo referimento que nele fez a testemunha Crispiniano da Luz Soares, disse que não está bem certo se, no sítio que nele se menciona, falou alguma vez com aquele referente na matéria referida; porém, como o dito frequentava muito a casa do já indicado Doutor Antônio José Soares de Castro, onde ele testemunha contou o que expressado fica, seria factível que do mesmo o soubesse aquele Crispiniano, pois que se não recorda com certeza se este se achava também na mesma casa ao tempo que ele relatou a dita novidade; mas que ainda assim poderia suceder falar na mesma com o referente onde este acusa, contando-lhe pouco mais ou menos o que do referimento se realiza, o que sem dúvida nasceu do que tinha unicamente passado com o sobredito Alferes, não se recordando ele, testemunha, das formais palavras, nem do sítio e oca* sião, como declarado tem. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ter sido lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

               Saldanha — Salvador Carvalho do Amaral Gurgel

4.8 — ASSENTADA

               Aos treze dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, do Desembargo de Sua Majestade Fidelíssima, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão nomeado pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, fui vindo e, sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas e perguntadas todas as testemunhas que para esta Devassa foram chamadas e ao diante se seguem, das quais seus ditos, nomes, idades e naturalidades, moradas e costumes são também os seguintes, de que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 26°

               Victoriano Gonçalves Veloso, homem pardo, Alferes no Arraial da Igreja Nova, natural da Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes, morador no Bichinho, ou Gritador, da mesma Comarca, que vive de seu ofício de alfaiate, idade de cinquenta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, sobcargo do qual lhe encarregou, jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que somente depois que se fizeram as prisões do Alferes Joaquim José da Silva e Coronel Joaquim Silvério dos Reis no Rio de Janeiro, assim como do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, do Coronel Inácio José de Alvarenga, e Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, foi que ele, testemunha, ouviu dizer geralmente que o dito Alferes tinha andado suscitando um levante nestas Minas; e que por este motivo se havia falado a quase todos os moradores da estrada do Rio de Janeiro, como era constante; e mais não disse.

               E perguntado pelo referimento que nele fez o Padre Manoel Pacheco Lopes ao Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, testemunha nesta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que é verdade todo o nele conteúdo; porquanto tendo ido pedir ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes um cavalo para vir à cidade de Mariana, a fim de aprontar certos papéis tendentes ao casamento de uma sua sobrinha; e havendo-lho efetivamente emprestado o dito Coronel, se admirou ele testemunha de o achar nessa ocasião chorando como uma criança e dizendo que estava perdido, sem contudo lhe declarar a causa e circunstâncias que o moviam àquele excesso; e seguindo ele, testemunha, com efeito o seu destino, falou no caminho com os Padres Joaquim Barbosa, e com o Vigário do Ouro Branco, Manuel Pacheco Lopes; sendo certo que também no mesmo caminho pedira ao Padre José Maria de Assis lhe fizesse um requerimento respectivo àquela dependência para igualmente o despachar em Mariana; mas chegando ele, testemunha, ao Capão do Lana, e tendo observado que havia passado já preso o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, este sucesso junto com a notícia das prisões do Rio de Janeiro, o fez persuadir que o mesmo teria também já sucedido ao dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira, lembrando-se então das palavras que lhe tinha ouvido: “Que estava perdido”. Pelo que, voltando logo outra vez para sua casa e tornando em caminho a falar com os referidos Padres, lhes disse que voltara depressa porque os soldados lhe tinham apanhado umas cartas, o que verdadeiramente foi invenção dele testemunha, para se desculpar de ter imediatamente voltado, acrescentando que àquela hora se capacitava que já estaria preso também o dito Coronel, como recontado fica; e mais não disse, e aos costumes declarou ser compadre do dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes. E sendo-lhe lido o seu juramento, que achou estar conforme, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Vitoriano Gonçalves Veloso

Testemunha 27°

               Domingos Vidal de Barbosa, graduado em Medicina em Bordéus, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, do Caminho do Rio de Janeiro, morador na fazenda do Juiz de Fora no mesmo Caminho, que vive de agricultura, de idade de vinte e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que com boa e sã consciência jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado e, aceito por ele o dito juramento, assim o prometeu fazer como lhe era determinado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que achando-se hóspede em casa de seu primo, o Coronel de Auxiliares Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que assiste na Ponta do Morro, Freguesia de São José, indo com o dito em certa ocasião ver um serviço mineral, lhe entrou o dito Coronel a dizer que este país era muito feliz por ter todas as comodidades para a vida, e quanto não seria delicioso se fosse livre; perguntando-lhe, então, como se chamavam os que tinham feito a revolução na América Inglesa, ao que ele, testemunha, respondeu que um deles tinha sido Monsieur Franklin, lembrando-se então de uma extravagância que havia sucedido em Montpellier, quando ele, testemunha, ali estava, a um seu condiscípulo por nome José Joaquim da Maia, o qual se lhe meteu na cabeça que havia de ser o libertador de sua terra, sendo natural da Cidade do Rio de Janeiro; e fingindo-se enviado de sua nação, se atreveu a falar ao Ministro da América Inglesa que, observando a sua proposição e ridícula figura, totalmente o desprezou, o que tudo ele, testemunha, já miúda e exatamente depôs em outro juramento que já prestou neste assunto. Depois disto, passados alguns dias, lhe tornou o dito Coronel a fazer alguns discursos soltos sobre a vantagem deste pais ser defendido pela natureza, referindo-lhe então que tinha que contar-lhe certa coisa, e principiando desta maneira: “Que José Álvares Maciel, filho do Capitão-Mor desta Vila, tinha feito conhecer aos deste país, que nele havia com que se fizesse pólvora; que havia ferro e, enfim, tudo quanto era necessário para o Brasil se fosse independente; e que ele, dito José Álvares, tinha dado palavra de aprontar tudo quanto vinha de fora, à vista do que não faltaria nada; que o Doutor Cláudio, o Cônego Luís Vieira, e o Desembargador Gonzaga tinham já feito as leis para se governarem, nas quais se ordenava que todo o homem plebeu poderia vestir cetins, que os diamantes seriam francos, que os dízimos os perceberiam os Vigários com condição de sustentarem uns tantos mestres, hospitais, e outros estabelecimentos pios; que aquele que mais se distinguisse na primeira ação, seria o premiado, e que a nação que primeiro os socorresse durante a guerra, essa teria mais vantagem nos seus portos.

               Que o Coronel Alvarenga dava duzentos homens; que um de Minas Novas dava outros duzentos, e que ele dito Coronel, dava cinquenta; e que um Abreu, contratador dos dízimos, dava a pólvora; e que o sinal para o dia do levante era “Tal dia é do meu batizado”; que viriam todos de sobrecasacas, ou sobretudos, para melhor ocultarem as armas. Acrescentou mais, o dito Coronel, que o Cônego Luís Vieira tinha feito um plano para por ele proverem a segurança deste país, e outro igual para por ele se regerem, dizendo que este continente, a natureza o tinha feito defensável por si mesmo e que a entrada da banda do Rio de Janeiro, bastava guarnecê-la de diversas emboscadas de sorte que qualquer tropa, que subisse do Sertão, se desbaratava, e os que escapassem da primeira, não escapariam da segunda. Que era preciso buscar ocasião em que todo o povo estivesse descontente, e que agora a havia excelente porque estava para se lançar a derrama; que o Senhor Martinho de Melo tinha escrito uma carta ao Desembargador Intendente dizendo-lhe que devia ser riscado do serviço por não ter requerido a derrama, e que o Desembargador Gonzaga lhe tinha sugerido um requerimento muito forte para na Junta promover a derrama; que não tinham que recear-se de nação alguma, pois que todas desejavam o Brasil independente para virem negociar. Que os americanos ingleses em umas praias lavadas, não tendo outras minas mais que um pouco de peixe seco, algum trigo e poucas fábricas, tinham sustentado uma guerra tão grande, vendo-se obrigados a retirarem-se para os montes. Que tinham assentado que as emboscadas, para impedirem a entrada da parte do caminho do Rio de Janeiro, fossem compostas de homens pardos, costumados a andar no mato. Que também tinham assentado que o Alferes Joaquim José fosse à Cachoeira e matasse o Excelentíssimo Senhor General; e que, trazendo a cabeça, a havia de mostrar ao povo, subindo a um lugar alto e dizendo: “Este era quem nos governava; de hoje em diante viva a República.,, E que logo subiria um a fazer uma oração ao povo, anunciando-lhe a futura felicidade; e que matariam também o Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, o Sargento-Mor do Regimento Pago; havendo porém dúvida se fariam, ou não, o mesmo ao Coronel Carlos José da Silva. E dizendo um dos confederados que não precisava ser morto o Sargento-Mor, acudiu José Álvares Maciel que assim se fazia preciso, porque os soldados o respeitavam mais que ao Tenente-Coronel. Finalmente, que se devia esperar ocasião em que fosse o quinto para baixo, a fim de se tomar e haver dinheiro para se pagarem os soldos; acrescentando mais que na cidade do Rio de Janeiro havia cinco ou sete negociantes que queriam que a revolução principiasse por lá; e que de Minas se lhes tinha mandado dizer que essa glória a queriam cá para si, tendo assentado que, tanto que se fizesse a revolução em Minas, se lhes escreveria uma carta dizendo que, se queriam ser pagos de tudo quanto estas lhes deviam, executassem lá o mesmo; e que então lhes mandariam socorro; e que, quando viesse grande poder, lhes mandassem embaixador a fim de se retirarem e, quando o não fizessem, usariam de balas ardentes como tinham feito os ingleses em Gibraltar. Declara mais ele, testemunha, que pouco tempo depois de ter ouvido da boca do dito seu primo, referido Coronel, quanto tem referido, indo ele, testemunha, em certa ocasião para o Arraial dos Prados assistir como padrinho ao batismo de um filho de um fulano de Matos, o foi encontrar ao caminho um estudante, seu condiscípulo, chamado José de Resende Costa, filho de outro do mesmo nome. E, entrando em conversação, lhe veio finalmente a dizer que já talvez não fosse a Coimbra por certa circunstância. E, perguntando-lhe ele testemunha a causa, disse-lhe que era porque o Brasil se fazia breve uma República. E pedindo ele, testemunha, que se explicasse, porque já tinha ouvido tocar em semelhante matéria, porém o sujeito não acreditava, lhe respondeu o dito Resende que dissesse ele, testemunha, o que sabia, que ele acrescentaria o resto. Pelo que, principiando ele testemunha a relatar-lhe alguns dos passos acima referidos, o dito Resende lhe continuou outros, percebendo daqui, ele testemunha, que o que o referido estudante sabia era pouco mais ou menos o mesmo, e só de mais acrescentou que, em um banquete ou batizado, o irmão do Vigário de São José, que é Sargento-Mor, tinha feito uma saúde ao Coronel Joaquim Silvério, dizendo que breve ficaria livre da Fazenda Real, e que o mesmo Sargento-Mor se havia de armar General para ir tomar São Paulo; o que tudo tinha ouvido o dito estudante da boca de seu pai, a quem o tinha contado o mesmo Vigário de São José. E mais não disse; e aos costumes declarou ser primo do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e assinou com o dito Ministro, lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Domingos Vidal de Barbosa

Testemunha 28°

               Teotônio Maurício de Miranda, Sargento-Mor do Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar desta Capital, natural da Vila de Olivença, Comarca e Bispado de Eivas, morador nesta mesma Vila, que vive de seu ofício de Tesoureiro das Despesas Miúdas da Fazenda Real, de idade de quarenta e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos ein um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava ordenado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que depois de se fazerem nesta Vila as prisões do Desembargador Gonzaga e do Coronel Domingos de Abreu, pensou ele testemunha serem por diamantes. Com a notícia de se haverem preso também, no Rio das Mortes, o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e outros, mudou de parecer, assentando que era efeito da Devassa a que tinha procedido nesta Capitania o Desembargador Antônio Dinis da Cruz. Conversando nesta matéria com o Tenente-Coronel Manoel Teixeira de Queiroga, este disse a ele, testemunha, que as referidas prisões tinham mais ponderoso objeto, contando-lhe que lhe tinham segurado que o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, quando foi para o Rio de Janeiro, tomou a sua conta ir semeando alguns discursos suasórios das conveniências deste país, que podia muito bem ser livre e independente, alargando-se e convidando algumas pessoas, a quem persuadia dos seus intentos, e a quem se encaminhavam aqueles discursos. E como ele, testemunha, ainda assim duvidasse do que ouvira ao dito Tenente-Coronel, conversando também com o Quartel-Mestre do Regimento Pago, Manoel Antônio de Magalhães, este lhe disse haverem-lhe segurado que o Furriel João Rodrigues Monteiro contara que, quando foi com o Tenente Antônio José Dias a prender ao Rio das Mortes o Vigário de São José e o Coronel Alvarenga e outros, havendo-se encontrado com o dito Vigário em caminho e sendo preso pelo dito Tenente, entretanto que este passou adiante, ficou o mesmo Furriel de guarda ao dito Vigário, o qual disse que bem sabia a causa da sua prisão. E perguntando-lhe o Furriel qual era, lhe respondeu que frigissem ou açoitassem a seu irmão, e outro tanto ao Coronel Joaquim Silvério, porquanto induzindo este ao dito seu irmão, e sabendo ele Vigário para que fim, se lhe deitara aos pés pedindo-lhe que, pelo amor de Deus se fosse logo e logo delatar ao seu Coronel. E tornando-lhe aquele Furriel que se isso assim se passou, por que razão ele, Vigário, não fez que o dito seu irmão o viesse delatar a Sua Excelência? lhe respondeu o mesmo que se persuadira que naquela forma havia satisfeito a sua obrigação. Além disto, tem ele testemunha ouvido dizer, já depois daquelas prisões, que eles intentavam que morresse todo o filho da Europa que tivesse menos de sessenta anos, e outras extravagâncias dessa natureza; porém não tem ouvido especificar que entrassem na confederação alguns outros além dos que se acham presos, e a quem ele testemunha refere o mencionado procedimento. E mais não disse, nem dos costumes, e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Teotônio Maurício de Miranda Ribeiro

Testemunha 29°

               João Rodrigues Monteiro, Furriel do Regimento de Cavalaria Paga desta Capital, natural de Melgaço, Comarca de Barcelos, Arcebispado de Braga, morador nesta mesma Vila, de idade de quarenta e cinco anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer, como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que sabe, por ser público e notório depois que se fizeram as prisões, tanto do Coronel Joaquim Silvério e Alferes Joaquim José da Silva no Rio de Janeiro, como as que se praticaram nesta Capital e na Comarca do Rio das Mortes, que estava para se fazer um levante nestas Minas, sendo chefes do mesmo os dois primeiros presos no Rio, e os mais também entrados na mesma revolução, e mais não disse. E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha Teotônio Maurício de Miranda Ribeiro, que todo lhe foi lido, disse que a tempo que foi preso o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, encontrando-se no caminho e, entretanto o Tenente Antônio José Dias se adiantou a ordenar as mais de que ia encarregado, o deixou a ele testemunha no campo, de guarda ao dito preso; e, neste meio tempo, lhe disse aquele Vigário que logo que soube das prisões do Coronel Joaquim Silvério e Alferes Joaquim José, presumiu logo que lhe havia de suceder o mesmo, acrescentando que aqueles dois deviam ser esquartejados, porém nunca lhe disse a causa. E ponderando-lhe ele, testemunha, que aquelas prisões tinham sido mandadas praticar pelo Senhor Vice-Rei, por motivo de umas bulhas, nada o mesmo Vigário lhe respondeu, e ficou mascando as palavras; donde ele testemunha veio a coligir que ele entendia ser outra a causa deste procedimento. E passados três dias de viagem, em uma tarde, tendo chegado a pouso, ele testemunha, vendo-o muito triste, lhe perguntou o que tinha, ao que lhe respondeu com grande admiração:

“Pois não hei de estar triste? Se aquele maroto do Joaquim Silvério, indo à minha casa, se fechou em um quarto com meu irmão Luís Vaz dizendo-lhe que estava perdido e não tinha com que pagar à Real Fazenda, e que eles se podiam levantar com esta terra”, dizendo-lhe mais: “que fosse ele para São Paulo fazer gente, que ele assistiria com dinheiro?”

E perguntando-lhe ele testemunha: “E Vossa Mercê, que fez nesse caso?” lhe respondeu que, entrando pela porta adentro com uma imagem de um Santo Cristo na mão, lhe pediu que o não deitasse a perder; a que o dito Joaquim Silvério respondeu que se não falasse mais nisso; porém, que ele tinha dito ao mencionado seu irmão que o fosse denunciar ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira; e isto foi quanto se passou naquela ocasião. E mais não disse, nem aos costumes; e lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — João Rodrigues Monteiro

Testemunha 30°

               Manoel Teixeira de Queiroga, Tenente-Coronel do Primeiro Regimento Auxiliar desta Vila Rica, natural da Cidade de Lisboa, morador nesta mesma Vila, que vive de seu comércio, de idade de trinta e oito anos, testemunha a quem dito Ministro deferiu o julgamento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado; o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que depois de se efetuarem as prisões que se fizeram, assim no Rio de Janeiro, como nesta Vila, e na Comarca do Rio das Mortes, tem ele testemunha ouvido dizer com generalidade que os referidos presos o foram por quererem excitar um levante nestas Minas; mas a este respeito não ouviu mais coisa alguma com especialidade.

               E perguntado mais pelo referimento que nele fez a testemunha, Sargento-Mor Teotônio Maurício de Miranda Ribeiro, que todo lhe foi lido, disse que passa na verdade tudo quanto no mesmo se relata, o que ele testemunha lhe contara pelo ter assim ouvido na forma indicada. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Manoel Teixeira Queiroga

Testemunha 31°

               Pedro Afonso Galuão de São Martinho, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Paga destas Minas Gerais, natural da Vila de Campo Maior, Comarca e Bispado de Eivas, residente nesta mesma Vila Rica, de idade de quarenta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs a sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava determinado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que depois de se efetuarem as prisões no Rio de Janeiro do Alferes Joaquim José, do seu Regimento e do Coronel Joaquim Silvério, assim como, nesta Capital, do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e Coronel Domingos de Abreu, e ultimamente das que também se fizeram no Rio das Mortes, é que ele testemunha ouviu dizer pública e geralmente que nestas Minas se premeditava um levante, motivo porque se praticaram as referidas prisões. E agora se recorda ele, testemunha, do que ouvira ao dito Alferes Joaquim José em certa ocasião em que foi à sua casa, o qual lhe esteve dizendo muito mal dos Excelentíssimos Generais, que só cuidavam em se enriquecer e que o país ficava sempre infeliz, sendo o mais delicioso e opulento. E dizendo-lhe ele, testemunha, que queria ir para sua terra, porque estimava mais o pouco que lá tinha que todas as riquezas de Minas, lhe tornou o mesmo Alferes, que de preferência a ir, antes se estabelecesse no Rio de Janeiro. E insistindo ele, testemunha, no que já tinha deliberado e que só queria ir para sua pátria, acrescentou o mesmo Alferes que verdade era que também se não podia habitar naquela cidade do Rio de Janeiro, porque eram tantas as violências que o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei praticava que iodo o povo eslava aflito e desesperado, de tal sorte que, se houvesse um que gritasse “Viva a liberdade”, todo o resto o seguia; do que, já indignado, ele testemunha se levantou donde estava e começou a asperamente repreender a temerária ousadia com que ele, dito Alferes, falava mal de todos, e ainda dos Excelentíssimos Senhores Generais, fazendo-lhe conhecer quão pouco eram racionais as suas expressões, depois do que o despediu. Depois, porém, de haver as mencionadas prisões, falando ele com um soldado do Esquadrão do Rio de Janeiro, contando este o que havia de novo, disse que se discorria naquela cidade verdadeiramente sobre o motivo das ditas prisões; porém, que já se dizia também que nasciam de algum premeditado levante e que o mesmo Alferes, achando-se naquela cidade em sua companhia, e dizendo que estas Minas eram o tesouro da Europa, acrescentara que a chave a tinha ele na mão, cujo dito dava causa ao referido discurso.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no referimento que nele fez a testemunha, o Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, que todo lhe foi lido, disse que passa na verdade o que no mesmo se declara; e que ele, testemunha, sempre por cautela deu parte a Sua Excelência. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

               Saldanha — Pedro Afonso Galvão de São Martinho

               Aos dezessete dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, faço esta inquirição da devassa conclusa ao Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, do que para constar, fiz este termo; e eu o Bacharel José Caetano César Manitti. Escrivão nomeado, o escrevi.

               Conclusos

               Em virtude da Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania de Minas Gerais, pela qual se ordena esta Devassa, o Doutor Ouvidor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado para na mesma escrever, lhe junte por apenso o papel ou informação apresentada ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor pelo Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, a quem fará avisar para vir sem perda de tempo jurar o conteúdo nela para assim ficar juridicamente legalizada. Vila Rica, 17 de julho de 1789.

Saldanha

— Data

               Aos dezessete dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, em casa da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, do Desembargo de Sua Majestade Fidelíssima, Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dados estes autos com o seu despacho retro, que houve por publicado em mão de mim Escrivão, e mandou se cumprisse e guardasse como nele se contém, do que para constar fiz este termo, e eu o Bacharel José Caetano César Manitti o escrevi.

               6 - INQUIRIÇÕES DE TESTEMUNHAS (II)

— ASSENTADA

               Aos dezoito dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania de Minas Gerais, fui vindo, e sendo aí, por ele dito Ministro foram inquiridas e perguntadas todas as testemunhas abaixo declaradas, cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades, ditos e costumes são os que ao diante se se seguem; do que, para assim constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

227 — Testemunha 32°

                (Obs. à margem). Perguntada e já jurou às folhas sob número 3.

                Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente-Coronel do Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar de Paracatu, natural da Vila de Ponte de Lima, Comarca de Viana, Arcebispado de Braga, morador nas suas lavras no Palmital, Comarca do Serro do Frio, que vive de suas fazendas, idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer, como lhe era encarregado.

                E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo do papel, ou informação, que ultimamente apresentou ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, que por ordem do mesmo Senhor se acha apenso a esta Devassa, disse que, tendo ido por ordem de Sua Excelência ao sítio da Varginha do Lourenço, Freguesia dos Carijós, a averiguar alguns particulares relativos à matéria de que no Auto desta Devassa se faz menção, e de que havia notícia que se tinham passado, ou relatado, na estalagem que há no referido sítio, em que habita João da Costa, fora com efeito pousar uma noite à dita estalagem, achando logo nela o mencionado estalajadeiro João da Costa; e pondo-se a conversar com ele, lhe perguntou o dito se Sua Excelência ainda estava na Cachoeira, ao que ele testemunha respondeu que sim; e então lhe disse o estalajadeiro: “Aqui passou ontem o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona com um soldado pago, dizendo que levava ordens muito apertadas do Senhor General para ir examinar um descoberto que apareceu para as partes do Tamanduá; e que o mesmo Senhor General lhe ficava mandando aprontar uma guarda muito grande para ele levar consigo, à qual ia esperar em sua sasa”. Ao que respondeu ele, testemunha, que era certo, pelo ter assim ouvido dizer a alguns soldados; respondendo-lhe a isto o dito Costa: “Pois quando ele, Mestre de Campo, veio para dentro, ia timorato; porém na volta, vinha satisfeito; e já da primeira vez que veio visitar o Senhor General, quando se retirou ia arrenegado; pelo que supôs que o Senhor General lhe não deu ordens como lhe têm dado os outros seus antecessores, porque o Pamplona, o que quer é governar tudo”. Depois do que perguntou o dito Costa a ele, testemunha, pela derrama; ao que lhe respondeu que ora se não lançava, porque Sua Excelência tinha refletido no estado decadente das Minas, dando assim parte a Sua Majestade para determinar o que se havia de fazer, acrescentando ele, testemunha, que esta Capitania devia uma grande obrigação a Sua Excelência, porquanto a ser outro General que não tivesse tanta bondade, a lançava e a fazia cobrar enquanto houvesse por onde; ao que lhe respondeu o dito Costa: “Pois por aqui passou um oficial pago, que ia para o Rio de Janeiro, o qual disse que, no caso de se lançar a derrama, se fazia um levante no povo”. E perguntando-lhe, ele, testemunha, com todo o jeito, o nome do dito oficial, sempre insistiu o dito João da Costa que o não conhecia. E tornando-lhe a perguntar pelo tempo em que tinha ouvido o que expressado fica, ao mesmo oficial, e se era ainda moço. lhe respondeu o dito estalajadeiro que o oficial já tinha cabelos brancos e que falava com muita liberdade. Por esses sinais e pelo que ele, testemunha, já sabia antecedentemente do Alferes pago Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, julgou logo ser o próprio de quem falava aquele Costa. Passando este discurso, e indo ele testemunha para o seu quarto cear, levou consigo o dito estalajadeiro; e tornando à conversação, lhe disse ele, testemunha, só afim de ver se conseguia o exame a que se destinava: que as Minas estavam muito revoltas. Então lhe disse o referido Costa o seguinte: “Se Vossa Mercê visse o que aqui foi neste mesmo quarto, havia de pasmar! quando passou este oficial para o Rio, estava aqui um clérigo e também uns poucos de homens do Rio das Mortes e um soldado; e entrando o oficial a dizer que as Minas estavam perdidas, e que os Governadores vinham enviados de Portugal para acabrunharem os homens e nunca os deixar levantar a cabeça, e que cada Governador que vinha, ia cheio, e que cada três anos vinha um com máquina de criados, indo todos cheios de dinheiro, e os Ministros da mesma forma, sendo os filhos de Portugal os senhores de todo o ouro que se tirava nesta terra, e que assim que estavam cheios se iam embora ficando sempre esta terra miserável, pois tudo saía dela; que a não ser assim, se podiam calçar as ruas de ouro; e nós havemos de estar aturando isto? Já não pode ser”; a cujas palavras, respondeu o clérigo que não falasse assim, pois que o Rei era senhor de tudo, acrescentando que era um grande crime falar em levante; ouvindo isto, o oficial se botou ao clérigo que parecia que o queria comer, e os outros todos da mesma forma, dizendo-lhe: “Sabe o que diz, Senhor Doutor? Isto não é levantar; é restaurar a nossa terra; que fazem de nós negros. Este Governador, que agora veio, trouxe ordem para não deixar ter homem de Minas mais de dez mil cruzados; e que os traga sempre sopeados; e que os prenda e os mande para lá”. Então o clérigo, cheio de medo, disse: “Eu não sabia disso; se é assim podem por-se fora da obediência de um Rei tirano”. O oficial, então, ficou muito satisfeito do clérigo, e lhe disse: “Deixe, Senhor Doutor, que todos havemos de ter muito ouro; e com Vossa Mercê, já temos dezesseis ou dezoito pessoas grandes; que o povo todo está resolvido; e temos um homem muito grande e de muito saber que nos encaminha, e é de caráter assim como Vossa Mercê”, ficando depois disto muito amigos. E mais não disse ele, testemunha, por ser, quanto declarado tem, o que pôde alcançar do dito estalajadeiro, como também já escreveu na informação que deu a Sua Excelência, à qual se refere. E lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Basílio de Brito Malheiro do Lago

Testemunha 33°

               João da Costa Rodrigues, natural desta Vila Rica, morador na Varginha, que vive de ter estalagem, de idade de quarenta e um anos, e testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir, como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que só sabe que, passando em certa ocasião pela sua estalagem o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, com outra pessoa da parte do Rio das Mortes, chamada Antônio, que era medidor de sesmarias e que tem andado com vários requerimentos a Sua Excelência, estando ambos comendo e ele testemunha servindo a mesa, entrou a dizer o dito Alferes Tiradentes que esta terra era riquíssima, mas com a infelicidade de que todo o ouro que produzia saía para fora; e que saíam uns Generais e tornavam outros; e tudo era encherem-se; e que se houvesse mais alguns que se unissem, não entrava cá General; ao que respondeu o dito medidor: “Pois em tendo onze, fale-me, que eu farei a dúzia”. Declara mais que, depois deste encontro alguns dias, passando também por sua casa o Capitão João Dias da Mota, lhe disse ele testemunha: “Vossa Mercê não sabe que há por cá valentões que se querem levantar com a terra?” Ao que respondeu o dito Mota: “Quem serão eles?” E ele, testemunha, lhe tornou que era um semi-clérigo (o que lhe disse por graça, porquanto quem era, na verdade, fora o dito Alferes Tiradentes); ao que logo o referido Mota acudiu, dizendo: “Não foi outro senão o Tiradentes”, acrescentando que havia outras pessoas de mais qualidade.

               Depois disto, passou também por casa dele, testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro e, em conversa que teve, lhe contou ele testemunha os referidos passos e outras mais circunstâncias de que agora não está presente. Passados dias, tornou a ir por casa dele testemunha o mesmo Capitão João Dias da Mota, e perguntando-lhe se tinha visto passar por ali um oficial pago, respondendo-lhe ele testemunha que não, lhe tornou o dito Mota: “Pois lá lhe emprestei a minha besta boa para ir ao Rio de Janeiro”, sem lhe declarar para que. E pelo que respeita ao tempo em que isto se passou, não pode designar ao certo, só tem lembrança que sucedeu pouco antes de se fazerem as prisões no Rio de Janeiro.

               E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que nele fez a mesma testemunha João Dias da Mota, de que tem falado, disse que, quanto a falar o referente no Padre Manuel Rodrigues da Costa, é composição dele referente; porquanto, o que ali se menciona, o disse ele testemunha ao dito Padre, e não este a ele; e a respeito do segundo referimento, que nele fez o mesmo Mota, disse que tudo assim tinha passado na verdade, como nele se continha.

               E perguntado mais pelo referimento que nele fez a testemunha, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, na informação que deu a Sua Excelência e novamente jurou nesta Devassa, disse que passava todo o referido na verdade, a exceção que o fato recontado se não passou na presença dele testemunha, nem na sua casa; mas sim lho contara o Alferes Joaquim José, Tiradentes, naquele mesmo quarto em que ele se achava com o referente, dito Tenente-Coronel; e que mais, se lembra de dizer-lhe o mesmo Alferes que aquele clérigo Doutor, com quem sucedeu a passagem recontada, era das partes do Rio das Mortes; e que tinha já por aí passado com o Coronel José Aires Gomes. E mais não disse, nem dos costumes; e lido o seu juramento, assinou com o dito Ministro e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — João da Costa Rodrigues

Testemunha 34°

               O Reverendo Padre Francisco de Paula Meireles, natural do Arraial do Tejuco, no Serro do Frio, morador na cidade de Mariana, onde vive da sua cadeira de filosofia de que é professor régio, idade de trinta anos, testemunha a, quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs a sua mão direita, sub cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir, como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que só sabe por ouvir dizer publicamente, depois que se efetuaram as prisões desta Capital, que se tratava de concitar um levante na Ca pilania; mas nada ouviu dizer com individuação a este respeito. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Francisco de Paula Meireles

Testemunha 35.*

               José dos Santos de Azevedo e Melo, bacharel formado em leis, natural da cidade do Porto, residente na cidade de Mariana, que vive de sua advocacia, idade de cinquenta e três anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer, como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que depois de se praticarem as prisões nesta Vila e na Comarca do Rio das Mortes, ouviu ele testemunha falar frequente e publicamente sobre o fundamento das ditas prisões, discorrendo-se com variedade logo ao princípio; porém depois concordaram em que o referido procedimento derivara de se pretender concitar nesta Capitania uma sublevação; sendo os que se achavam presos, concorrentes para a mesma, segundo se dizia. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José dos Santos de Azevedo Melo

Testemunha 36°

               Basílio Antônio Moniz Beleago, professo na Ordem de Cristo, natural da cidade de Lisboa, Freguesia de São Sebastião da Pedreira, morador na cidade de Mariana, que vive de seu ofício de Tabelião Público Judicial e Notas, de idade de trinta e cinco para trinta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs a sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir, como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, nada disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Basílio Antônio Moniz Beleago

Testemunha 37°

               Faustino Soares de Araújo, natural da cidade de Mariana, morador na mesma cidade, que vive de seu ofício de inquiridor e mais anexos, de idade de trinta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir, como lhe era determinado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto tlesta Devassa, que todo foi lido, nada disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro e eu, Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Faustino Soares de Araújo

Testemunha 38°

               O Reverendo Padre Félix Antônio Lisboa, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição desta Vila Rica, onde é residente, que vive de suas ordens, idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que logo que houve notícia nesta Vila de se acharem presos na cidade do Rio de Janeiro o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, e o Coronel Joaquim Silvério, ouviu falar pública e geralmente que os ditos tinham sido presos por andarem a falar em um levante na mesma cidade; e depois, também, de se praticarem nesta Capital as prisões do Desembargador Gonzaga e outros, assim como na Comarca do Rio das Mortes, também ouviu falar da mesma forma, que nasciam do mesmo motivo; e igualmente ouviu dizer, sem se lembrar a quem, que tinha certo homem rebuçado ido em uma noite avisar o Doutor Cláudio Manuel da Costa que fugisse, que o queriam prender; e isto logo que foi preso o dito Desembargador. E mais não disse, nem aos costumes; e lido o juramento, assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Padre Félix Antônio Lisboa

Testemunha 39°

               Antônio José de Araújo, Capitão do Regimento Pago de Cavalaria destas Minas, natural de Vila Nova de Famalicão, termo de Barcelos, Arcebispado de Braga, morador nesta Vila Rica, de idade de sessenta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer, como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, tendo acompanhado para o Rio de Janiero o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, logo depois de ali chegar, chegou também o Tenente do seu Regimento, Antônio José Dias, e o Furriel João Rodrigues Monteiro, que também tinham conduzido presos o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Alvarenga, aos quais, ditos Tenente e Furriel, ouviu ele testemunha contar que o referido Vigário, quando vinha em caminho, lhes dissera que em certa ocasião tinha ido encontrar em sua casa o mencionado Joaquim Silvério a conversar com o irmão dele, Vigário, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, em um quarto, sobre um levante que se pretendia fazer nestas Minas, o que ouvindo, ele Vigário lançou mão de crucifixo e lhe entrou a pedir por aquele Senhor que o não deitasse a perder. E depois de ele, testemunha, voltar para esta Capital, tanto em caminho como já depois de ter chegado, ouviu dizer geralmente que um Alferes do seu Regimento, por nome Joaquim José, fora quem andara falando em um levante, dizendo que tinha a América na mão; e que o mesmo recomendara a um homem do caminho, Fulano Pires, que carregasse a sua tropa de pólvora. E mais não disse, nem aos costumes, e assinou com o dito Ministro; e eu, Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Antônio José de Araújo

Testemunha 40°

               Matias Sanches Brandão, Alferes do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, natural da Cachoeira do Campo, Bispado de Mariana, desta Comarca, residente nesta Vila Rica, que vive de seus soldos, idade de quarenta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que somente sabe. por ouvir dizer a alguns soldados de cujos nomes se não lembra, já depois de se efetuarem as prisões que houveram nesta Vila, que as mesmas tinham sido por causa de extravio de ouro em pó, o que ele testemunha mal ouviu aos ditos soldados, que conversando se achavam, e no que não fez apreensão alguma. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Matias Sanches Brandão

Testemunha 41°

O Reverendo Padre José Martins Machado, natural da Freguesia do Ouro Preto, nesta Vila Rica, onde é residente, que vive de suas ordens, idade de quarenta e um anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que logo que foi preso nesta Vila o Tenente-Coronel Domingos de Abreu, ouviu ele testemunha dizer que era por diamantes, ou ouro em pó; mas» chegando a notícia da prisão do Alferes do Regimento Pago, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, ouviu ele testemunha dizer a algumas pessoas, que aquelas prisões se tinham feito por ser o dito Alferes tão desavisado, que andava falando e convocando gente, tanto nesta terra como no Rio de Janeiro, para um levante, sendo seu sócio o Coronel Joaquim Silvério; porém não ouviu ele, testemunha, que os mais presos fossem compreendidos naquele delito, nem ainda mesmo o próprio Domingos de Abreu, pois deste só ouviu que fora preso por extravio de diamantes. E mais não disse, nem dos costumes, e sendo-lhe lido este juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Martins Machado

               Aos vinte e um dias do mês de julho de mil setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica, faço esta Devassa conclusa ao Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, de que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

— Conclusos

               O Doutor Ouvidor da Câmara de Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado para escrever nesta Devassa, junte por apenso à mesma a carta que dirigiu ao Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, o Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara com a outra inclusa nela, que lhe escreveu Manuel Domingues Monteiro, ao qual fará avisar, e também a Antônio João de Oliveira, para virem ambos jurar nesta Inquirição Devassa e legalizar o conteúdo nas ditas cartas. Outrossim, fará avisar da mesma sorte ao Doutor Manuel José de Almeida, que pelas circunstâncias e sinais declarados no juramento da testemunha João da Costa Rodrigues, se faz persuadir ser o próprio de que fala a dita testemunha, para vir também jurar sobre aquele referimento.

               Vila Rica, 21 de julho de 1789.

Saldanha

— Data

               Aos vinte e um dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dados estes Autos com o seu despacho retro, que houve por publicado na mão de mim Escrivão, e mandou se cumprisse como nele se contém, de que para constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

               8 _ INQUIRIÇÕES DE TESTEMUNHAS (III)

— ASSENTADA

               Aos vinte e um dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades, costumes e ditos são os que ao diante se seguem, de que para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão Comissário, o escrevi.

               O Doutor José Correia da Silva, Vigário da Vara na Vila do Sabará, natural da mesma Vila e nela morador, que vive de suas lavras e advocacia, idade de cinquenta anos, testemunha a quem ele referido Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que prometeu assim cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que antes das prisões que se praticaram nesta Vila e na Comarca do Rio das Mortes, nunca ouviu falar coisa alguma sobre semelhante projeto de levante; mas que depois das ditas prisões, ouviu ele testemunha discorrer com variedade sobre o motivo delas, dizendo uns que tinham origem em algum contrabando de ouro; outros, que era por diamantes; e alguns também falam em que se premeditava um levante na Capitania; mas não se lembra ele, testemunha, quais estes fossem para lhes declarar os nomes, porque nestes diversos pareceres nunca fez a menor apreensão. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Correia da Silva

               José Pereira Ribeiro, bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra, natural de Congonhas do Campo, Comarca desta Vila Rica, morador na cidade de Mariana, que vive de sua advocacia, idade de vinte e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e que lhe fosse perguntado, o que mais prometeu fazer como lhe estava determinado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo do Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que depois das prisões que se fizeram nesta Vila e na Comarca do Rio das Mortes, é que ouvira discorrer a algumas pessoas sobre o motivo das mesmas, raciocinando uns que eram por extravios, e alguns que seriam por algum levante que se premeditasse; porém que nunca ouviu indicar com certeza o seu fundamento, e menos acenar os que eram compreendidos naquele malefício, e tão somente falar nesta matéria por modo de discurso que se formava. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — José Pereira Ribeiro

               Aos vinte e sete dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência fui vindo, e sendo aí, por ele dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo nomeadas, das quais seus nomes, moradas, naturalidades, ofícios, costumes e ditos são os que ao diante se seguem, do que para constar, fiz este termo, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão Comissário, o escrevi.

Testemunha

               O Padre Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas, natural de Santa Luzia do Sabará, morador na mesma Vila Real do Sabará, que vive de minerar, de idade de trinta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que dois dias antes de ser preso nesta Capital o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, falando ele testemunha com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, com quem tinha alguma amizade, lhe contou este que se dizia que tinham dado dele, dito Doutor, uma denúncia de fomentar uma sedição; e que Sua Excelência indagara este ponto, ainda a respeito do referido Desembargador e do Cônego de Mariana, Luís Vieira; acrescentando aquele Doutor que isto o desassossegava porque, considerando esta diligência sem maior fundamento, sucedia contudo muitas vezes de uma pequena faísca levantar-se um grande incêndio; e sucedendo ele testemunha, nessa mesma ocasião, ir também a Mariana, contando isto mesmo àquele Cônego, este teve a novidade por bagatela; e não sabe ele testemunha de mais nada a este respeito. Recolhendo-se porém a Sabará, e já depois de preso nesta Vila o dito Desembargador, e em São João o Vigário de São José e o Coronel Alvarenga, ouviu ele testemunha discorrer com variedade sobre os motivos de que poderiam derivar aquelas prisões, discorrendo porém que teriam também princípio no mesmo que lhe tinha contado o Doutor Cláudio; mas nunca ouviu formar geralmente conceito fixo nesta matéria, ainda que algumas pessoas, de que especificamente se não lembra, atribuíam aquele procedimento à recontada sublevação. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou, depois de lido o juramento, com ele dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

               Saldanha — Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas.

Testemunha 45°

               O Bacharel João Rodrigues Lamego, natural da Vila do Sabará e morador na mesma, que vive da sua advocacia, idade de quarenta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que só depois das prisões que se praticaram nesta Capital e no Rio das Mortes, é que ele testemunha ouviu dizer a algumas pessoas, que as mesmas derivavam de alguns estrangeiros; e a outras, que era por conta de uma sublevação que se pretendia concitar nesta Capitania; porém, como neste particular todos falavam com o maior recato, nunca ele testemunha ouviu circunstanciar esta matéria, e menos indicar sujeito que concorresse para semelhante delito. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido o juramento, com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — João Rodrigues Lamego

Testemunha 46°

               Silvestre Gomes Correia Falcão, natural da cidade de Braga, morador nesta Vila Rica, em que vive dos soldos de Anspeçada do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, idade de trinta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, sendo ele um dos camaradas que conduziram os presos, Vigário de São José e Coronel Alvarenga, do Rio das Mortes para o Rio de Janeiro, logo que foi apreendido aquele Vigário, ouviu ele testemunha dizer ao mesmo que sem dúvida aquilo devia ser asneira de Joaquim José e Joaquim Silvério, os quais mereciam cachorros na cabeça; e que, passados alguns dias, ouviu também dizer ao Furriel João Rodrigues Monteiro que o mesmo Vigário lhe tinha contado que em certa ocasião fora dar com seu irmão, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, e o Coronel Joaquim Silvério dos Reis a falarem sobre um levante; e que ele, dito Vigário, entrara no quarto com um crucifixo na mão a pedir ao dito Coronel que não o deitasse a perder. E depois de feitas aquelas prisões, tem ouvido ele testemunha falar com muita variedade nesta matéria do levante, e que o Coronel Alvarenga tinha agregado na Campanha do Rio Verde dois mil homens, mas não se lembra de quem ouviu esta novidade; e só sim, ouviu contar a outro camarada, por nome Antônio Manuel, da Sexta Companhia, que na Vila de São João, ou São José, se tinha feito uma função em que assistiu o dito Alvarenga, o qual fez uma saúde, dizendo que bebia à saúde da Senhora Dona Bárbara que havia de ser Rainha, em cujo dito se fez reflexão. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido este juramento, com o dito Ministro. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Silvestre Gomes Correia Falcão

Testemunha 47°

               Frutuoso José Correia, Ajudante da Ordenança desta Vila Rica, natural da Freguesia de São Pedro do Fragoso, termo de Barcelos, Arcebispado de Braga, morador na Vila do Sabará, que vive de suas lavras e roça, idade de sessenta e dois anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, nada disse e assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Frutuoso José Correia

Testemunha 48°

               José Manuel Xavier Vieira, homem pardo, natural da Vila do Caeté, Comarca do Sabará, morador na Vila de São João del Rei, que vive de sua arte de música, idade de trinta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que antes das prisões que se têm executado naquela Comarca do Rio das Mortes, nunca ouviu falar em matéria alguma relativa ao levante; inas depois delas, tem ouvido falar com bastante diversidade sobre o fundamento das mesmas, atribuindo-o uns a extravios de ouro ou diamantes, e outros, a um levante que se pretendia concitar nesta Capitania, porém ainda isto confusamente e sem se especificarem circunstâncias algumas, de sorte que ainda se não formou juízo certo nesta matéria; e mais não disse.

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha José Joaquim de Oliveira, que todo lhe foi lido, disse que o mesmo se acha algum tanto alterado; porque o que ele contou ao referente foi que, em certa ocasião, fazendo menção de que queria castigar aquela discípula, Dona Maria Efigênia, filha do Coronel Alvarenga, a quem ensinava a música, e pondo-se a dita menina a chorar, a mãe dela, Dona Bárbara, descompôs altamente a ele testemunha, dizendo-lhe que devia ensinar a sua filha como a uma princesa, porque não havia neste continente pessoa mais ilustre. E outras vezes lhe ouviu dizer que em São Paulo a sua família tinha sempre andado nos Governos da República, pela antiguidade indisputável da sua nobreza. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido este juramento, com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

Saldanha — José Manuel Xavier Vieira

— ASSENTADA

               Aos vinte e oito dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, e Escrivão nomeado para esta diligência, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas, das quais seus nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades, costumes e ditos são os que ao diante se seguem.

Testemunha 49°

               Antônio Manuel de Almeida, soldado do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, natural da Freguesia de São Pedro dos Fanados, de Minas Novas, Comarca do Serro do Frio, deste Bispado, morador nesta Vila Rica, que vive de seus soldos, de idade de trinta e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez Silvestre Gomes Correia Falcão, que todo lhe foi lido, disse passava na verdade quanto nele se relatava; e que naquela função se achava o Vigário de São José, Carlos Correia, o Coronel Alvarenga, o Desembargador Gonzaga, e o Sargento-Mor Luís Vaz, irmão do dito Vigário, o qual Sargento-Mor disse, então, que para o General bastava o seu fagote ou terçado; e que o dito Alvarenga fez um brinde à sua mulher, Dona Bárbara, dizendo: “Lá vai à saúde da Senhora Dona Bárbara, que há de ser Rainha”; o que tudo ele, testemunha, ouviu a algumas pessoas de cujos nomes se não recorda; mas está certo que entre elas foi um sujeito que era administrador das lavras do dito Vigário, e que na ocasião do sequestro ficou depositário das mesmas. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido o seu juramento, com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

Saldanha — Antônio Manuel de Almeida

               José Aires Gomes, Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar do Rio das Mortes, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção, do Engenho do Alto, caminho do Rio de Janeiro, Comarca de São João del Rei, morador na Borda do Campo, que vive de agricultura, idade de cinquenta e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo primeiro referimento, que nele fez nesta Devassa a testemunha, o Padre Manuel Rodrigues da Costa, que todo lhe foi lido, disse que, na ocasião em que subiu do Rio de Janeiro para esta Capital o Desembargador Ouvidor desta Comarca, Pedro José Araújo de Saldanha, vinha na sua companhia também o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes; e pernoitando aquele Ministro em casa dele testemunha, igualmente ficou o referido Alferes, o qual achando-se em um quarto só com ele testemunha, que estava exagerando a virtude e belíssimas qualidades do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, lhe disse então estas formais palavras: “Antes ele fosse o diabo, e ainda pior que o Excelentíssimo Luís da Cunha Meneses, porque não havia cá necessidade de Generais, e pode ser que isto viesse a ficar uma República”, do que admirado, ele testemunha o repreendeu asperamente e se retirou sem lhe ouvir mais palavra. Passados alguns tempos, que seria um mês pouco mais ou menos, passou o Padre Manuel Rodrigues da Costa por casa dele testemunha, e em conversa, lhe perguntou se o Alferes Joaquim José da Silva lhe tinha contado alguma coisa, porque o mesmo lhe tinha feito, a ele referente, um discurso engrandecendo as riquezas e comodidades deste país, e que podia ser um império formosíssimo; e que não tinham precisão de Generais; antes, que tudo isto podia ficar uma florente república, ao que ele, testemunha referida, lhe respondeu que o mesmo, pouco mais ou menos, lhe tinha dito o mesmo oficial quando tinha transitado para cima em companhia do Desembargador Pedro José Araújo, Ouvidor de Vila Rica; do que ele testemunha, escandalizado, o repreendera muito e o não quis mais escutar. Depois, porém, que ele testemunha voltou desta Capital, onde veio ultimamente visitar a Sua Excelência, no mês de dezembro do ano próximo pretérito, transitando pela casa do dito Padre Manuel Rodrigues da Costa, lhe perguntou este em conversação, quando se cumprimentaram, se tinha por cá visto aquele Alferes Joaquim José; e dizendo-lhe que não, lhe tornou o dito padre se “o Senhor General já saberia daquelas loucuras?” Ao que lhe respondeu, ele testemunha, que ignorava se Sua Excelência o saberia ou não; mas que se persuadia que sim, porquanto tinha ouvido ao Furriel João Rodrigues Monteiro que o dito Alferes andava com aquelas parvoíces, e que já em tempo do Senhor Luís da Cunha se falara nisto, mas que, sabendo aquele Senhor, dissera que lhe dessem com um chicote. E declara ele, testemunha, que isto que ouviu ao dito Furriel, foi quando o mesmo levava os presos, Vigário de São José e o Coronel Alvarenga, para o Rio de Janeiro; e mais não disse.

              E perguntado pelo segundo referimento, que nele fez nesta Devassa a outra testemunha, o Padre José Lopes de Oliveira, que todo lhe foi lido, disse que nada se tinha passado da sorte que se relata no referimento; e só é certo que, em uma ocasião, indo ele, testemunha referida, da sua Fazenda da Borda do Campo para a outra da Mantiqueira, levando em sua companhia a um seu cunhado, o Padre Silvestre Dias de Sá, e o dito padre referente, José Lopes de Oliveira, em termos de conversa lhe perguntou este, a tempo que iam pela Serra, da forma seguinte: “Ora meu compadre, se o Rio de Janeiro fosse invadido pelos franceses, e mandassem tropas de cá de Minas, e Vossa Mercê fosse como Coronel, e lá vencessem os franceses, Vossa Mercê a favor de quem se poria?” ao que lhe respondeu ele testemunha que em todo o caso seria firmissimamente pelo seu Rei legítimo, e sempre pelos portugueses. E que esta jornada foi pouco mais ou menos no tempo que no referimento se declara, porém que no mais é tudo falso quanto se acrescenta, além do que fica expressado. E mais não disse; e aos costumes declarou ele testemunha que o dito referente, o Padre José Lopes de Oliveira, era seu inimigo em razão de lhe correr com umas escravas que lhe tinha deixado na fazenda, quando o dito padre fugiu. E também declara, ele testemunha, que sobre esta matéria do levante que se premeditava, segundo tem ouvido dizer depois das prisões que se fizeram, nunca absolutamente falou, nem ouviu falar a pessoa alguma, nem nesta Capital, quando nela se achou, nem em outra parte. E sendo-lhe lido todo o seu juramento sobre ambos os referimentos, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Aires Gomes

               O Padre Manuel José de Almeida, bacharel formado em Cânones, natural da Vila de Boarcos, Comarca e Bispado de Coimbra, morador na Vila de São José del Rei, onde vive de suas ordens e advocacia, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado .

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo foi lido, disse que nada absolutamente ouviu dizer a respeito da matéria de que o Auto trata; e só depois das prisões que se fizeram nesta Capital e na Comarca do Rio das Mortes, ouviu discorrer com variedade sobre a origem daquedas prisões, atribuindo-as uns a ouro falso; outros, a extravios de diamantes; e alguns também a uma esperada sublevação que se premeditava. Mas nunca ele testemunha ouviu referir circunstâncias algumas a este respeito.

               E perguntado pelo fato que aponta no seu juramento a testemunha desta Devassa, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, referido pela outra testemunha, João da Costa Rodrigues, que tudo lhe foi lido, disse que com ele testemunha se não passou o recontado fato e que de sorte nenhuma lhe quadram as circunstâncias que no dito referimento se declaram, porque nunca se achou naquela paragem da Varginha do Lourenço com os sujeitos que se mencionam e menos ouviu falar em semelhante matéria de sorte alguma, nem naquele sítio, nem no Rio das Mortes. E que só é verdade haver ele testemunha saído desta Capital com o Coronel José Aires no mês de outubro do ano pretérito, mas que, nessa ocasião, nem comeram, nem ao menos se apearam na dita estalagem da Varginha do Lourenço. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido o seu juramento, com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Manuel José de Almeida Testemunha 52.

               José de Resende Costa, filho de outro do mesmo nome, natural da Freguesia de São José do Rio das Mortes, morador na Aplicação de Nossa Senhora da Penha de França da Laje, que vive em casa de seu pai, de idade de vinte e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que formando tenção de ir para o Rio a frequentar a Universidade de Coimbra, falara ao Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, que também se pretendia ausentar para Portugal, a fim de o conduzir em sua companhia, no que o dito Vigário assentiu e concordou. Mas sucedendo vir o mesmo a esta Capital, a pedir licença ao Excelentíssimo Bispo para aquele fim, quando voltou lhe falou ele, testemunha, perguntando-lhe quando se havia de aprontar, ao que lhe respondeu o Vigário que naquela ocasião se não encarregava de tal, porque na índia tinha havido um levante, e que assim no Rio de Janeiro como em Lisboa, se prendia muita gente para soldados, e que ele testemunha corria risco. Passados tempos, encontrando-se ele testemunha com o dito Vigário, lhe perguntou este se ainda tinha tenção de ir para Coimbra, e dizendo-lhe que sim, o dito Vigário principiou a dissuadi-lo daquele intento, e lhe contou debaixo de muito segredo, cominando-lhe infalível pena de morte quando o contasse a alguém, que não tinha necessidade de ir a Portugal para requentar os estudos, porquanto estava próximo a fazer-se nestas Minas um levante para se erigirem em república, e que havia de haver nela sete Parlamentos, sendo a Capital São João del Rei; e que neste empenho entravam: ele, Vigário; seu irmão, o Sargento-Mor Luís Vaz; o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; o Tenente-Coronel Francisco Paula Freire de Andrada; o Padre José da Silva, do Serro; o Doutor Cláudio Manuel da Costa, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o Coronel Inácio José Alvarenga, sendo estes três últimos os que faziam o plano da sublevação para a nova República. E que haviam de cortar a cabeca ao General e ao Escrivão da Junta Carlos José da Silva, dizendo-lhe que isto se tinha assim disposto em razão da derrama que estava para se lançar. E passados alguns tempos, depois lhe tornou o mesmo Vigário a dizer que já se não matava o General, mas que o dito Coronel Francisco de Paula havia de falar-lhe, cobrindo um corpo de gente, e dizer-lhe que já se não necessitava de quem governasse estas Minas; acrescentando o mesmo Vigário que já, até ao Paraibuna, tinha mantimentos para seis meses para mil e quinhentas pessoas. E tudo isto lhe disse aquele Vigário ameaçando-o sempre com a morte, caso delatasse nem ainda mesmo a seu pai, receoso que este o contasse ao Mestre do Campo Inácio Correia Pamplona, ou ao Coronel Severino Ribeiro, os quais logo o passavam ao dito Carlos José da Silva. E mais, lhe disse aquele Vigário que tinha escrito uma carta ao mencionado Tenente-Coronel Francisco de Paula em que lhe dizia por formais palavras: “Senhor Tenente-Coronel: Dou parte a Vossa Senhoria que nos meus pastos tenho cento e cinquenta cavalos gordos e prontos para a tropa, e será melhor que Vossa Senhoria os mande ir agora no tempo das águas, que estão os campos viçosos, e enquanto se acham bem nutridos, antes que venha a seca e entrem a emagrecer.”

               O mesmo Vigário contou também a ele testemunha que no Rio de Janeiro havia sessenta comissários, os quais se achavam prontos para ajudarem aquela ação. cujos nomes lhe não declarou; e que nesta Capital a maior parte da tropa paga estava falada para este fim; e se lembra ele, testemunha, que entre o número dos confederados, que já disse, contemplava também, aquele Vigário, o Doutor José Alvares Maciel, o qual deveria ensinar matemática. E mais não disse.

         E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, o Doutor Domingos Vidal de Barbosa, que todo lhe foi lido, disse que era verdade o que nele se relatava, excetuando o dizer o referente que o Sargento-Mor Luís Vaz havia de tomar São Paulo, porque o que ele testemunha lhe contou foi o que o dito Sargento-Mor havia de ir emboscar-se para a Serra do Rio de Janeiro, com certo número de caboclos, para reprimir qualquer invasão que se quisesse praticar da parte daquela cidade. E que a saúde que se fez no iantar em casa de seu pai, José de Resende Costa, quando se passou a revista à sua Companhia, foi o mesmo Sargento-Mor que a tez ao Coronel Joaquim Silvério, dizendo que ia à saúde do quem dentro de um ano nada havia de dever à Fazenda Real; ao que respondeu, aquele Coronel, que assim o permitisse Deus; e que nesta mesma ocasião se achava ali presente o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier, e que isto ouvira ele testemunha ao dito seu pai, porquanto não tinha efetivamente assistido à mesa, e por isto não ouvira aquela passagem. E mais não disse, nem aos costumes a que foi perguntado; e depois de lhe ser lido todo o seu juramento, que achou conforme, assinou com o dito Ministro. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José de Resende Costa

Testemunha 53°

               José de Resende Costa, Capitão do Regimento Auxiliar da Vila de São José, natural da Freguesia dos Prados, Comarca do Rio das Mortes, morador na Aplicação de Nossa Senhora da Penha de França da Laje, que vive de agricultura, idade de cinquenta e nove anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado; o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, tendo ele testemunha determinado mandar um seu filho, por nome também José de Resende, para Coimbra, em companhia do Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, que estava de partida para Portugal, e sucedendo vir o mesmo Vigário a esta Vila Rica, a fim de chegar também a Mariana a falar ao Excelentíssimo Bispo, quando voltou, disse a ele testemunha que não era boa ocasião de mandar seu filho para Lisboa, porquanto no Rio de Janeiro e mesmo em Lisboa, se estavam fazendo muitas prisões para a índia, e assim corria risco o dito seu filho; e não gostaria, depois de o levar na sua companhia, que chegasse cá a notícia que lá o tinham preso.

               Depois disto, passados alguns tempos, indo o Sargento-Mor Luís Vaz por casa dele testemunha, lhe perguntou se seu irmão Vigário já não ia para Portugal, ao que lhe respondeu o dito Sargento-Mor que seu irmão já não ia, porquanto, quando viera a Vila Rica, achara uns poucos conjurados a fazerem um levante e a reduzirem as Minas a uma República, fazendo vários parlamentos, um na dita Vila, outro na de São João, e outros mais, ficando a Vila de São João sendo a Capital; e que os Vigários haviam de cobrar todos dízimos e ficarem as desobrigas de graça; que o comércio da República havia de consistir na permutação dos efeitos, sem que jamais saísse o ouro para fora; e que os confederados eram o Coronel Alvarenga, o Desembargador Gonzaga, o seu irmão Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, um Fulano de Abreu, Contratador, o Tenente-Coronel Francisco de Paula, o Doutor Cláudio Manuel, e um padre do Serro, cujo nome lhe não disse, mas só que aprestava trezentos ou quatrocentos pedestres. E que o dito Doutor Tomás Antônio Gonzaga e o Coronel Alvarenga estavam fazendo as leis; e, também lhe parece, a ele testemunha, que também falou no Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e que no conflito do levante se havia cortar a cabeça ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General, e ao Escrivão da Junta Carlos José. E entrando ele, testemunha, a esconjurar-se de ouvir semelhante coisa, lhe disse aquele Sargento-Mor que se contasse a alguém o que tinha ouvido, que a vida lhe havia de custar.

               Passados alguns tempos, sendo já na Semana Santa, achando-se ele testemunha em um dos dias dela na Matriz de São José a fazer oração de joelhos, à noitinha, e passando por ele aquele Sargento-Mor, se chegou e lhe disse de manso ao ouvido: que já se não cortava a cabeça ao General, mas que se havia de prender o Desembargador Ouvidor Pedro José e o Doutor Intendente Francisco Gregório, e irem à Cachoeira prender o Senhor General e remeter a todos do Paraibuna abaixo. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois de lhe ser lido o juramento, com o dito Ministro; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi; e declara mais ele testemunha que, jantando em sua casa, quando se passou revista à sua Companhia, o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier, o Coronel Joaquim Silvério, e o dito Sargento-Mor Luís Vaz, este brindando ao dito Coronel, disse: “Lá vai à saúde de quem daqui a um ano nada há de dever à Fazenda Real”; ao que o mesmo Coronel respondeu: “Assim o queira Deus”. E também se recorda ele, testemunha, que igualmente contara aquele Sargento-Mor, no número dos conjurados, o referido Coronel Joaquim Silvério; e que feito o levante, se perdoava quanto se estivesse devendo a Sua Majestade. E mais não disse, e sendo-lhe também lido o que de mais acresceu e fica relatado, pelo achar conforme assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — José de Resende Costa

— ASSENTADA

               Aos trinta e um dias do mês de julho de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas das quais seus nomes, naturalidades, moradas, ofícios, idades, costumes e ditos, são os que se seguem; do que para constar, fiz este termo, eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Testemunha 54°

               O Bacharel João de Araújo e Oliveira, natural da Freguesia de Santa Eulália da Loureira, Comarca de Barcelos, Arcebispo de Braga, morador na Vila de São João del Rei, que vive de agricultura, idade de quarenta e três anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que só depois das prisões que se praticaram nesta Vila Rica e na Comarca do Rio das Mortes, é que ouviu discorrer com variedade nos motivos das mesmas, contando uns que eram por extravio de ouro em pó; outros, que por diamantes; e só agora, liá poucos dias, ouviu também discorrer a alguns sujeitos, de que especificamente se não lembra, que nasciam de se pretender concitar nesta Capitania um levante; mas não ouviu contar, nem sabe mais circunstância alguma que deponha a este respeito; e mais não disse.

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, o Tenente-Coronel Antônio José Soares de Castro, que todo lhe foi lido, disse que bem podia suceder na verdade o que no dito referimento se acusa, mas que se o disse, de que não tem mais lembrança, foi sem dúvida na consideração de que todo aquele que ofende ou persegue algum sacerdote nunca pode ter bom fim, e é sempre desgraçado, como lhe tem sucedido a ele testemunha e a alguns seus conhecidos. E só por este princípio poderia proferir semelhante palavra, quando se falasse nesta matéria a respeito de Sua Excelência, do que se não recorda. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido o seu juramento, que achou conforme; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — João de Araújo e Oliveira

Testemunha 55°

               Joaquim José dos Passos, natural da Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes, Bispado de Mariana, morador na mesma Vila, que vive de sua agência, idade de vinte e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado .

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez a testemunha desta Devassa, o Capitão João Dias da Mota, que todo lhe foi lido, disse que é totalmente falso o que no dito referimento se menciona, pois que ele testemunha não falou ao referente em batizado algum, sendo certo que quando se fez o de que trata o referimento, se achava ele testemunha em suas cobranças no Tamanduá. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois deste lhe ser lido o seu juramento. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Joaquim José dos Passos

Testemunha 56°

               Manuel Domingues Monteiro, natural da Freguesia de São Pedro de Morufe, termo da Vila de Monção, Comarca de Valença do Minho, Arcebispado de Braga, morador no Arraial de Ibituruna, Freguesia e Comarca de São João del-Rei, que vive de sua arte de cirurgia, idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, indo ele testemunha à casa de Antônio João de Oliveira, que assiste uma légua distante, e conversando com o mesmo, este lhe contou que ouvira dizer que esta América estava para não dar obediência a Sua Majestade; que se não falava em outra coisa nas Vilas de São João e São José; que já havia quem fizesse a pólvora e chitas; e que havia cunho para a moeda que havia de correr; e que à Sua Excelência, o mandariam embora para Portugal, que nada governava nesta América; sem porém lhe perguntar ele, testemunha, ao dito Antônio João de Oliveira, de quem tinha ouvido semelhante notícia, nem ele igualmente lho comunicou. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou, depois deste lhe ser lido este juramento, com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

               Saldanha — Manuel Domingues Monteiro.

Testemunha 57°

               Antônio João de Oliveira, natural da Freguesia das Congonhas do Campo, Comarca desta Vila Rica, morador atrás da Serra da Ibituruna, vizinho ao Arraial de São Gonçalo, que vive de agricultura, idade de cinquenta e dois anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no referimento que nele fez a testemunha Manuel Domingues Monteiro, que todo lhe foi lido, disse que passa tudo na realidade como nele se declara; porquanto indo ele testemunha haverá um mês, até mês e meio com pouca diferença, procurar a um seu devedor por nome Francisco Luís dos Santos, para lhe satisfazer um crédito, o qual reside no Córrego da Onça, sete ou oito léguas distante da casa dele testemunha, encontrou no caminho, onde chamam a Mata do Macaia, a um Francisco Ferreira Peso, casado com uma sobrinha dele testemunha, que tinha loja de fazendas nas Lavras do Funil, e costumava girar nas suas cobranças por toda aquela Comarca, e ainda outras desta Capitania; o qual depois de se cumprimentarem, lhe contou que havia a novidade de se quererem levantar as Minas, e tudo o mais que no dito referimento se menciona, sem porém lhe dizer, nem os que lhe tinham contado aquela novidade e menos os que entravam naquele levante; cujo Francisco Ferreira Peso faleceu da vida presente haverão quinze dias pouco mais ou menos, deixando alguns filhos todos menores de quatorze anos, sem caixeiro algum, porque o não tinha, e menos parente, ficando unicamente na casa a viúva, segundo lhe consta. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois deste lhe ser lido este juramento. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.

Saldanha — Antônio João de Oliveira

Testemunha 58°

               O Padre Bento Cortês de Toledo, natural da Vila de Taubaté, Comarca de São Paulo, morador na Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes, que vive de suas ordens, de idade de quarenta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, testemunha desta Devassa, disse que é verdade o conteúdo no dito referimento, mas que contudo se acha alterado no modo, porquanto o que ele, testemunha referida, contou ao referente, vem a ser que o Padre Assis lhe dissera, que passando por ali o Alferes Vitoriano Gonçalves Veloso, que levava uma petição para obter na cidade de Mariana certa dispensa para o casamento de uma filha ou sobrinha, o mesmo Padre José Maria de Assis lhe acautelou e advertiu que visse bem não levasse alguma carta, ou papel, que lhe examinassem e de que lhe pudesse resultar algum trabalho, porque atualmente estavam as coisas melindrosas. E de fato apareceu um pequeno papel que o dito Vitoriano trazia solto na algibeira, e aberto o qual disse o referido Padre que o rasgasse, e que desse mesmo papel podia inferir-se alguma coisa que o prejudicasse; mas nem o mesmo Padre Assis o rasgou, nem o viu rasgar ao dito Vitoriano; e todo o expressado é quanto ele testemunha sabe pelo ouvir dizer àquele Assis e o que contou ao referente. E mais não disse; e aos costumes, disse ser irmão do Vigário da Freguesia de São José, Carlos Correia de Toledo; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido o seu juramento. E eu, Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Bento Cortês de Toledo

Testemunha 59°

               José Franco de Carvalho, Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes, natural da cidade do Rio de Janeiro, morador vizinho à dita Vila de São José, que vive de suas lavras, de idade de cinquenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, testemunha que jurou nesta Devassa, o qual todo lhe foi lido, disse que é menos verdade o que nele se relata; porque, quando ele testemunha falou com o referente sobre as causas que haveriam para aquelas prisões, se lembrou se seria extravio de diamantes, ou ouro em pó; ou se também seria por motivo de um grande batizado que fez o Coronel Inácio José de Alvarenga em casa do Vigário de São José, onde houve uma função grandiosa, no fim da qual cada um dos assistentes saiu com uma mulher pelo braço pela rua afora, o que ele testemunha contou pelo assim o ouvir dizer; e podia acontecer mais alguma desordem naquela referida função, pela qual merecessem ser castigados. E é só o referido quanto ele, testemunha, disse ao mencionado Mestre de Campo Pamplona, sem lhe relatar os nomes dos sujeitos que se acharam naquele batizado, porque totalmente os ignorava, nem ouviu dizer. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido este juramento; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Franco de Carvalho

— ASSENTADA

               Aos quatro dias do mês de agosto de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor e Corregedor da do Sabará, Escrivão nomeado para esta diligência fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas, cujos nomes, naturalidades, residências, ofícios, idades, costumes e ditos são os que ao diante se seguem.

Testemunha 60°

               O Padre José Maria Fajardo de Assis, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo dos Carijós, residente na mesma Freguesia, que vive de sua roça, idade de quarenta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o qual assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelos referimentos do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona e Padre Bento Cortês de Toledo, que ambos lhe foram lidos, disse que era verdade o que nos mesmos se declarava, porquanto, passando por casa dele testemunha, na noite do dia vinte dois do mês de maio, segundo sua lembrança, aquele Alferes Vitoriano, e já a horas de ceia, pediu a ele, testemunha, lhe fizesse uma petição para certa dispensa para se casar uma sua sobrinha, e que ia pedir ao Tenente-Coronel do Regimento Pago, Francisco de Paula Freire de Andrada, se interessasse nisso com o Excelentíssimo Senhor Bispo; e ao tempo que o dito Alferes tirou da algibeira um lenço, lhe caiu um papel pequeno que ele testemunha viu, e abrindo-o, achou que não continha mais que duas até três regras de cujas palavras formalmente se não lembra, mas em substância vinham a dizer: “Que o negócio estava em perigo; e que visse o que queria que fizesse”. Mas ele testemunha desconheceu a letra, bastante grossa e preta, sem contudo ser nem do Vigário de São José, Carlos Correia, nem do Coronel Francisco Antônio, nem da mulher deste, nem de pessoa alguma do conhecimento dele testemunha, o qual vendo o sobredito papel e expressões como misteriosas, disse àquele dito Vitoriano que rasgasse aquele papel porque o tempo estava nublado; e a causa por que assim o disse foi porque, passando também por sua casa o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes de volta da Cachoeira, lhe contou que tinha ido delatar a Sua Excelência uns despropósitos do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, o qual, quando o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier foi passar revista aos Regimentos da Comarca do Rio das Mortes, na presença do dito Ajudante, chegando a uma situação que descobria uma vasta campina, principiou a dizer: “Que delicioso país! Bem podia nele fundar-se um famoso Império” — e outras expressões desta natureza, queixando-se igualmente aquele Francisco Antônio do dito Joaquim Silvério, por o ter ido acusar a Sua Excelência, e a seu irmão e a outro que lhe não declarou, de tal sorte que, se não tivesse ido naquela ocasião à Cachoeira, estaria àquela hora perdido; do que lembrado ele, testemunha, vendo o referido papel, é que disse ao mencionado Vitoriano que não trouxesse semelhantes papéis, maiormente aquele que nein trazia o nome de quem o escrevera, nem a quem se escrevia, e lhe podia motivar algum perigo por correrem os tempos nublados; sem que ele testemunha naquele dito fizesse juízo de que o dito papel fosse consequente. E só depois de ter notícia das prisões que se tem feito, e de estar também o dito Vitoriano preso, é que ele testemunha refletiu naquela passagem e se persuade haveria no referido papel alguma malícia. Porém é certo que nem o dito Alferes Vitoriano trazia consigo naquela ocasião cartas algumas, que visse ele testemunha, nem tal contou ao referente, em cujos termos se acha manifestamente alterado nesta parte o referimento do Mestre de Campo Pamplona, acrescentando também que ele testemunha tinha rasgado o mencionado papel, o que na verdade nem fez, nem disse, por ser unicamente a verdade o que relatado tem. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ser lido o seu juramento, que achou conforme; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — José Maria Fajardo de Assis

Testemunha 61°

               Joaquim Pedro de Sousa da Câmara, moço fidalgo da Casa de Sua Majestade, e Sargento-Mor de Auxiliares da Comarca do Rio das Mortes, natural de Vila Viçosa, morador na Vila de São João del Rei, que vive de seus soldos, idade de sessenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado .

              E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que nunca ouviu falar em semelhante matéria; e ainda depois das prisões do Coronel Inácio José de Alvarenga e Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, se ajuizou que as mesmas tinham por objeto algum extravio de ouro ou diamante; e só quando se receberam as ordens circulares do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General para serem capturados o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, que ele testemunha efetivamente prendeu, o Padre José Lopes, e o Padre José da Silva, da Comarca do Serro do Frio, é que ouviu falar geralmente em que se dispunha um levante nesta Capitania, mas que nunca ouviu dizer quais eram os réus deste delito. E sendo-lhe mostrada e lida a cópia de uma carta escrita a ele testemunha por Dona Joana de Meneses e Valadares, freira do Convento de Santa Clara de Coimbra, cuja cópia se acha autuada nesta Devassa, disse que o seu conteúdo era identicamente o mesmo que se continha na original que ele testemunha havia remetido ao Excelentíssimo Senhor General, e à qual se reporta; mas que ignora a causa por que a dita freira, que é prima dele testemunha, lhe fazia as expressões que se contêm na referida carta, se não eram unicamente com o destino de o obrigar a voltar para Portugal; a cuja carta se não lembra que respondesse, assim como o não fez a outras muitas que já tinha recebido e de que se queixa a dita freira. E mais não disse, nem dos costumes; lido o juramento, que achou conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão Comissário, o escrevi.

Saldanha — Joaquim Pedro de Sousa da Câmara

Testemunha 62°

               Luís Alves de Freitas Belo, Coronel de Cavalaria Auxiliar dos Campos Gerais da Piedade, Comarca do Rio das Mortes, natural da Vila de Monte Real, Comarca e Bispado de Leiria, morador na Borda do Campo do Rio das Mortes, que vive de agricultura, de idade que disse ser de quarenta e nove anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado .

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha desta Devassa, o Padre José Lopes de Oliveira, que todo lhe foi lido, disse que é verdade ter chegado à sua fnzenda aquele Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, em uma noite na qual lhe não falou a ele testemunha, por se achar incomodado com um remédio; porém no dia seguinte pela manhã cedo, sempre lhe falou no mesmo quarto em que ele, testemunha, se achava ainda na cama e sua mulher em outra; mas que, então, só lhe contou o dito Alferes que se destinava a ir para o Rio de Janeiro na diligência de fazer conduzir para ali umas águas de que esperava grandes utilidades, cujo projeto tratou ele testemunha de aéreo. E se despediu finalmente sem haver outra conversação, nem ele testemunha fazer o sinal que no referimento se acusa, porque nem havia para tal necessidade, nem o mesmo Alferes ignorava que ali se achava acordada a mulher dele testemunha, porque ao momento que ele entrava, se sentou logo na cama, composta com a sua capa; pelo que tudo o que de mais se ajunta ao dito referimento é pura falsidade. E quanto a dizer-se mais que ele, testemunha, teve o aviso do Rio a respeito de se ter levantado ali o sequestro que se havia feito ao Coronel Joaquim Silvério, passa tudo na verdade como no mesmo referimento se acusa. E mais não disse, nem aos costumes. E depois de lhe ser lido o seu juramento, que achou conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão Comissário, o escrevi.

Saldanha — Luís Alves de Freitas Belo Testemunha 63°

               Domingos Pires, natural de Pena Longa, Freguesia de São Salvador de Canedo, Comarca de Vila Real, Arcebispado de Braga, residente na Cidade de Mariana, que vive de sua agência e de andar com a sua tropa; idade de cinquenta e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez o Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, e também o Capitão José Vicente de Morais Sarmento, testemunha desta Devassa, que todos lhe foram lidos, disse que eia verdade ter-lhe falado o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, na Cidade do Rio de Janeiro, quinze dias antes pouco mais ou menos de ser preso, dizendo a ele, testemunha referida, que trouxesse bem pólvora para Minas, que a havia de vender bem; não lhe falou porém nem em chumbo, nem em sal, e se com efeito lhe falou, ele testemunha se não recorda; só sim que o dito Alferes lhe recomendava, como dito fica, que trouxesse pólvora, e a deixasse estar. E mais não disse, nem dos costumes; e depois de lhe ser lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Domingos Pires e Testemunha 64°

               Manoel Antônio de Morais Sargento-Mor das Ordenanças de Minas Novas, natural da Vila de Mogadouro, Comarca da Torre de Moncorvo, Arcebispado de Braga, morador nas Congonhas de Cima do Serro do Frio, que vive de agricultura, idade que disse ser de quarenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelos referimentos que nele fez o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que todos lhe foram lidos, disse que era falso o que nos ditos referimentos se mencionava, porquanto verdade era que ele testemunha veio a esta Vila e se hospedou em casa do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha, em que residiu oito ou nove dias, e que algumas vezes o foi ali visitar o referente; assim como que, em uma delas, se encontrou na mesma casa com o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes; porém nessa ocasião só se falou em querer o mesmo Alferes vender umas terras e lavras, que tinha nas cabeceiras do Paraibuna, afrontando a ele testemunha para as comprar; e se não tratou de mais coisa alguma; queixando-se unicamente o dito Alferes que tinha feito muitos serviços a Sua Majestade, e que nem por isso era premiado, por cujo motivo estava desgostoso deste país, presenciando toda esta conversação o Capitão José Maurício de Castro e Sousa, hoje Fiel no Registro de Caeté Mirim, tanto assim, que o mesmo Capitão persuadia a ele testemunha que comprasse a dita lavra, e que ele seria seu sócio.

               E quanto ao outro referimento que nele fez a mesma testemunha, dito Tenente-Coronel, também é totalmente falso; porquanto lhe não disse o que no mesmo se acusa; nem para tal havia motivo algum, por ignorar o procedimento do referido Alferes com quem não tinha correlação alguma. Declara porém ele, testemunha, que ainda antes de se praticarem as prisões que se têm feito, ouviu contar a alguns sujeitos, que casualmente passavam pela fazenda onde assiste no sítio do Cercado, nas Congonhas de Cima, que estava para se lançar a derrama, mas que havia quem se lhe opusesse; porém nunca soube ele testemunha mais circunstância alguma a este respeito, sem que semelhantes notícias lhe merecessem o menor crédito, por virem de pessoas de pouca ou nenhuma consideração e cujos nomes ignora. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado. o escrevi.

Saldanha — Manuel Antônio de Morais

               Aos vinte dias do mês de agosto de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, faço estes Autos conclusos ao Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral, e Corregedor desta Comarca, do que para constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano Cécar Manitti, Escrivão nomeado, que o escrevi.

— Conclusos

                  Visto acharem-se tiradas nesta Devassa a maior parte das testemunhas nela até aqui referidas, e outras indicadas no horroroso delito que fez o seu objeto, se suspenda o progresso da mesma na conformidade da Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, datada de vinte e dois de julho do corrente ano, que o Doutor José Caetano César Manitti, Ouvidor da Comarca do Sabará e Escrivão nomeado para esta diligência, juntará à mesma Devassa, com os documentos de que se faz menção, cumprindo em tudo o mais o que o mesmo Excelentíssimo Senhor determina, em termo breve e passando certidão no fim, por onde constem os motivos que ocorrem para se não tirarem as mais referidas que ainda restam. Vila Rica, 20 de agosto de 1789.

Saldanha

               Aos vinte e um dias do mês de agosto de mil e setecentos e oitenta e nove anos, em casas da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor da do Sabará, Escrivão nomeado, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dados estes Autos de Devassa com o seu despacho retro, que houve por publicado na mão de mim Escrivão; e mandou se cumprisse e guardasse como nele se contém; do que para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

                Aos vinte e cinco dias do mês de agosto de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor da do Sabará, Escrivão nomeado, fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foi apresentada uma ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, datada de vinte e dois de julho do corrente ano, com a cópia do ofício datado de vinte e três do mesmo mês, e de que nela se faz menção, dirigido pelo dito Excelentíssimo Senhor ao Desembargador da Relação do Rio de Janeiro, José Pedro Machado Coelho Torres, e certidão inclusa do Doutor Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor Geral e Corregedor da mesma Comarca, datada também de dezessete do dito mês de julho do corrente ano, para o fim de juntar a estes Autos assim a dita ordem, como também os mais documentos nela indicados, ao que satisfaço; e do que para assim constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

— Ofício do Visconde de Barbacena ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha. Vila Rica, 22-07-1789.

                Em consequência do ofício do Senhor Vice-Rei do Estado que me foi presente na certidão inclusa, tomei a resolução que consta da carta com que respondo à representação e mais instâncias do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, para continuar, nesta Vila e Capitania, a averiguação dos sediciosos fatos que nela foram cometidos e denunciados, cuja cópia remeto a Vossa Mercê para sua observância na parte em que limita as minhas ordens anteriores, e para melhor inteligência dos motivos principais da referida deliberação, que teve também por fundamento parecer-me: por uma parte, incompetente a continuação de dois processos com o mesmo objeto no mesmo tempo e lugar, além do embaraço que pode resultar desta duplicada inquirição, feita sem causa suficiente e contra toda a formalidade de direito; e por outra parte, a dependência que terão de ambos eles, os exames judiciais que devem praticar-se no Rio de Janeiro com os presos que, no princípio de tudo e antes de Auto algum ou culpa formada, mandei conduzir por melhor segurança e cautela às prisões da mesma cidade.

               Como porém a Devassa que Vossa Mercê está tirando se acha importantemente adiantada, tanto pelos ditos das testemunhas nela inquiridas, como por todos os mais sumários e papéis que formam o corpo de delito ou estão apensos, e nela fundei a conta circunstanciada que acabo de dar a Sua Majestade, ordeno a Vossa Mercê que antes da entrega dos Autos originais ao sobredito Desembargador Juiz Devassante, faça tirar duas cópias completas de tudo, uma das quais será escrita pelo mesmo Escrivão que tinha nomeado, na conformidade das ordens de Sua Majestade, o Doutor Ouvidor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, e outra por Carlos José da Silva, Escrivão Deputado da Junta o a Real Fazenda, ambas conferidas com Vossa Mercê e subscritas em forma autêntica, para com toda a brevidade poder com uma delas informar mais amplamente a Sua Majestade, e entregarem-se os ditos Autos originais, ficando a outra cópia na Secretaria deste governo.

               Entretanto que as sobreditas cópias se concluam, inquirirá Vossa Mercê somente as testemunhas referidas, ou que já estiverem avisadas, sendo daquelas que por virtude das particulares informações que tenho adquirido, e diligências extraordinárias de que o tenha encarregado, ou do mesmo processo se achem indiciadas no menor conhecimento, notícia, ou circunstância do objeto dele; e como nos sumários das perguntas que Vossa Mercê tem feito aos réus, se acham não somente as confissões do seu delito e provas individuais importantes do sistema e progresso da projetada sedição, mas até os meios eficazes para o convencimento dos mais réus que ainda não foram perguntados, é conveniente que Vossa Mercê os faça ratificar pelos mesmos preses com toda a formalidade de direito, reperguntando-os na presença do Doutor Ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Marcelino Pereira Cleto, como Escrivão da mesma diligência, que assinará e dará sua fé nos referidos sumários de perguntas, para serem depois continuados no Rio de Janeiro, para onde tenho convindo igualmente com o sobredito Desembargador que se conduzam logo os réus inquiridos neles.

               Além destes sumários e mais Autos relativos à Devassa, Vossa Mercê apensará também as cartas e papéis inclusos; e acabadas que sejam as cópias, entregará os originais ao Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, cobrando certidão do Escrivão ou recibo dele. E tanto Vossa Mercê, como o Doutor José Caetano César Manitti, ficarão na certeza de terem desempenhado o conceito que fiz de seus préstimos, inteligência, atividade e zelo do Real serviço, não só pelo constante trabalho e exação com que se empregaram, mas pelo bom acerto das suas diligências, com que se têm alcançado em pouco tempo conhecimentos importantes, que vão facilitar a conclusão do mais grave negócio que tem sido tratado por qualquer dos seus antecessores.

               Deus guarde a Vossa Mercê, Vila Rica, 22 de julho de

Visconde de Barbacena

— Ofício do Visconde de Barbacena ao Desembargador José Pedro

Machado Coelho Torres. Vila Rica, 23-07-1789.

(TRASLADO)

               Ainda que a primeira resolução que Vossa Mercê tinha tomado de esperar a conclusão da Devassa que está tirando o Desembargador Ouvidor Geral desta Comarca, em razão de seu oficio e por minha ordem, sendo Vossa Mercê ouvido em todas as diligências e deliberações que se praticassem e atendido nas mais que lhe parecessem convenientes a bem da importante averiguação que é objeto dela, me pareceu a mais regular e competente que podia ocorrer, visto o adiantamento da mesma Devassa, em que têm sido já inquiridas quase todas as testemunhas da relação que me apresentou. Contudo, em consequência das novas instâncias de Vossa Mercê e do ofício do Senhor Vice-Rei do Estado, incluso por certidão na sua carta de dezoito do corrente, tenho mandado cessar os procedimentos ordinários do sobredito Ministro, e que todos os Autos originais sejam entregues a Vossa Mercê no estado em que se acharem, feitas que sejam as cópias que me são precisas, e tiradas somente, entretanto, algumas testemunhas que já estiverem avisadas, e as referidas. Com isto começo a dar a Vossa Mercê o auxílio que me requer, e pode ficar na inteligência que o mesmo se lhe há de continuar sempre e toda a instrução que lhe for necessária, até que Vossa Mercê dê por concluída a sua importante diligência cuja relevância e ponderação, com outros motivos atendíveis nas presentes circunstâncias, assentei que excluíam não só a disputa, mas até o exame da legitimidade e competência da jurisdição e alçada com que Vossa Mercê se julga autorizado. E tanto para mim, como para os Ministros que estavam nomeados, ficará de toda a forma completamente satisfeito o verdadeiro e sincero zelo com que nos temos empregado na mesma investigação, porque ou a veremos acabada com toda a clareza, individuação e certeza que é conveniente ao real serviço, e de que ela pode ser ainda suscetível, ou nos lisonjearemos de ter alcançado em pouco tempo quanto era possível examinar presentemente nesta Capitania. Vossa Mercê achará na minha sala e nas prisões desta Vila as mesmas ordens e providências que tinha dado o Senhor Vice-Rei, e a mim também sempre pronto para toda a cooperação que for conveniente.

               Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, vinte e três de julho de mil e setecentos e oitenta e nove.

Visconde de Barbacena

               Senhor Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres.

(Ordem de 14-06-1789, do Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa ao Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres.)

              Marcelino Pereira Cleto, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado para uma Devassa a que se mandou dar princípio no Rio de Janeiro e continuar nesta Capitania de Minas Gerais, concorrendo o beneplácito e permissão do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General da dita Capitania, certifico que, pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, foi dada ao Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz da dita Devassa, uma ordem do teor seguinte: Como Vossa Mercê, em consequência da minha Portaria de sete de maio do presente ano, tem principiado a Devassa a que mandei proceder sobre a importantíssima matéria que da mesma consta, e em um negócio de tanta gravidade se devem empregar todas as diligências para completa averiguação da verdade, o que se não pode conseguir aqui, sendo o maior número de fatos sucedidos na Capitania de Minas Gerais, pede a grande ponderação deles que se não perca tempo algum em se acelerarem, e para isso: ordeno a Vossa Mercê que, com a maior brevidade possível, passe à dita Capitania com o Ouvidor e Corregedor desta Comarca Marcelino Pereira Cleto, Escrivão nomeado para esta diligência, para ali a continuar, indagando os fatos que a ela deram ocasião e obrando em tudo na conformidade das instruções que lhe participar o Governador e Capitão General daquela Capitania, a quem deve comunicar tudo. E, antes da partida, virá receber as mais ordens e instruções necessárias, deixando juntamente uma cópia autêntica de tudo o que até ao presente se tem processado para ficar assim precavido qualquer futuro acontecimento. Deus guarde a Vossa Mercê. Rio, quatorze de junho de mil setecentos e oitenta e nove.

Luís de Vasconcelos e Sousa.

               Senhor Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres.

               E nada mais se continha na dita ordem, à qual me reporto e dela passei a presente certidão em tudo conforme à mesma ordem. E eu, Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado, a escrevi e assinei.

               Vila Rica, 17 de julho de 1789.

Marcelino Pereira Cleto

11 — ENCERRAMENTO

Primeiro encerramento da Devassa-MG segando ordem do Visconde de Barbacena de 22-07-1780

               E concluída esta Devassa na forma em que se acha, em observância do determinado na ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, de vinte e dois do mês de julho do corrente ano, que se acha junta à mesma, a entreguei ao Doutor Pedro José Araújo de Saldanha, Juiz nomeado. E declaro que não vai perguntada a testemunha referida, o Sargento-Mor Simão Pires Sardinha, por se haver retirado para Portugal; assim como também consta o fizera o bacharel Lucas Antônio Monteiro de Barros, filho de Manuel José Monteiro, já falecido, e Guarda-Mor que foi do Distrito das Congonhas do Campo desta Comarca; e que igualmente se acha ausente, sem se saber até agora o lugar certo de sua residência, a testemunha referida, Claro José da Mota, sobrinho do Vigário de São José do Rio das Mortes, Carlos Correia de Toledo; e Manuel Pereira Chaves, também consta achar-se ausente, fora desta Capitania e na do Rio de Janeiro; motivo por que não são inquiridas as referidas testemunhas nesta Devassa, de que para constar, fiz a presente declaração. Vila Rica, vinte e cinco de agosto de mil setecentos e oitenta e nove.

José Caetano César Manitti

               Aos vinte dias do mês de setembro de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo ai, pelo dito Ministro me foi dito que lhe fizesse estes Autos conclusos, o que assim cumpro; e para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por comissão, que o escrevi.

— Conclusos

               O Desembargador Ouvidor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado para esta Devassa e suas dependências, junto à mesma o ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General desta Capitania, datado de vinte do corrente, para se executar o que nele se determina. Vila Rica, 21 de setembro de 1789.

Saldanha

               Aos vinte e um dias do mês de setembro de mil e setecentos e oitenta e nove anos, nesta Vila Rica, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dados estes Autos de Devassa com o seu despacho retro, o qual mandou se cumprisse e guardasse como nele se contém, de que para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

               Aos vinte e um dias do mês de setembro de mil e setecentos e oitenta e nove anos nesta Vila Rica e casas de residências do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foi dado um ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, para o fim de o juntar a estes Autos, ao que satisfaço, e é o próprio que ao diante se segue, de que para constar fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

— Ofício do Visconde, de Barbacena ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha; Vila Rica, 20-09-1789.

               Como não pôde executar-se completamente a minha ordem de 22 de julho deste ano, por se ter retirado desta Vila o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres antes de estarem concluídas as cópias da Devassa, que lhe havia de ser entregue na conformidade da dita ordem e do ofício que tinha dirigido ao mesmo Desembargador, tendo-se desvanecido o principal fundamento daquela determinação, não só por esse fato como pelas circunstâncias dele, tendentes todas a persuadir-me da independência e inutilidade do sobredito processo para a averiguação dos delitos sobre que ele veio devassar nesta Capitania, e dos réus que tinham ficado por inquirir na Cidade do Rio de Janeiro; e por outra parte, não sendo prudente julgar-se completa: nem a diligência de Vossa Mercê, porque cessara em parte, ou se interrompera para ser continuada pelo dito Ministro; nem a dele, por ter consistido na repetição das mesmas inquirições e exames que já se achavam feitos; e, sobretudo, porque notei na referida Devassa algumas circunstâncias que deixaram então de examinar-se com todo o escrúpulo e miudeza por aquele motivo. E havendo também, depois, ocorrido outras, respondo a Vossa Mercê que não obstante os meus ofícios, haja de retê-la enquanto durarem as ditas averiguações, prosseguindo nelas e nas mais que forem precisas à vista da mesma Devassa, para ser remetida com o possível complemento a seu tempo, conforme a resolução de Sua Majestade, ou ainda antes, se for necessária a bem desta importante diligência e, como tal, me for pedida pelo Senhor Vice-Rei do Estado. Quanto às cópias que estão destinadas para a Corte, avisarei a Vossa Mercê quando for tempo, para se lhe ajuntarem por apensos os mais Autos que tiverem acrescido, no estado em que se acharem.

                Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, 20 de setembro de 1789.

Visconde de Barbacena

                Senhor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor Pedro José Araújo de Saldanha.

               Aos quinze dias do mês de janeiro de mil setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro me foi dito lhe fizesse estes Autos conclusos, o que assim cumpro, e para constar fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o esevrevi.

— Conclusos

               O Doutor Ouvidor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado para esta Devassa e suas dependências, junte a esta o ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General, datado em quatorze do corrente, para se proceder na forma que em ele se determina. Vila Rica, quinze de janeiro de mil e setecentos e noventa.

Saldanha

— Publicação

               Aos quinze dias do mês de janeiro de mil setecentos e noventa, nesta Vila Rica, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro me foram dados estes Autos de Devassa com o seu despacho retro, o qual mandou se cumprisse e guardasse como nele se contém, do que para constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

— Juntada

               Aos quinze dias do mês de janeiro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica, e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, em cumprimento do despacho retro, juntei a estes Autos o ofício e mais documentos, que no mesmo se mencionam, e são os que ao diante se seguem, do que para constar, fiz este termo. E eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Ofício do Visconde de Barbacena ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha; Vila Rica, 14-01-1790

               Por ofício de trinta de dezembro do ano passado, me avisou o Senhor Vice-Rei do Estado que, para se concluir a diligência que me tinha participado, eram indispensáveis os Autos originais que mandei processar nesta Capitania, e que esperava que eu lhos remetesse com a possível brevidade. Para este fim, ordeno a Vossa Mercê que mos venha entregar sem demora, fazendo primeiro ajuntar-lhe a certidão inclusa do seu Escrivão, sobre os presos que mandei conduzir à Cidade do Rio de Janeiro a bem da mesma diligência, e outra dos que, tendo sido presos com esse motivo em custódia e segredo, ficam detidos e seguros nas prisões desta Vila, aos quais no entanto mandará Vossa Mercê abrir assento à minha ordem; bem entendido que assim o Padre José da Silva de Oliveira Rolim, como o mulato Manuel da Costa Capanema, preso na cadeia da Vila de São João del-Rei, serão remetidos logo à dita cidade.

               Sendo conveniente que na Devassa conste o resultado das averiguações e diligências que o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres continuou na Comarca do Rio das Mortes, indo de caminho para o Rio de Janeiro, ajuntará Vossa Mercê também a carta inclusa do referido Ministro, para satisfação de algumas particularidades que na mesma Devassa possam depender das ditas averiguações. E o mesmo fará da atestação que lhe entreguei, do Sargento-Mor do Regimento Pago desta Capitania, em que se verifica o tempo que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier se demorou no Rio de Janeiro, o tempo em que se recolheu, e quando tornou a sair com semelhante destino.

               Também remeto a Vossa Mercê outra atestação do Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, acerca do fato sobre que foi perguntado o Bacharel Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, para se ajuntar ao respectivo Auto que irá apenso à Devassa, com os mais que dizem respeito ao objeto dela, e contiverem conhecimentos úteis à mesma averiguação, da forma que está determinado.

               Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, 14 de janeiro de 1790.

Visconde de Barbacena

               Senhor Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor.

               Pedro José Araújo de Saldanha.

— ANEXO 1 — Ofício do Desembargador José P. M. Coelho Torres.

São João del Rei, 23-09-1789

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

               Segundo o que pratiquei com Vossa Excelência, de que achando-se verificado ter o mulato Manuel da Gosto Capanema dito que — “os branquinhos do Reino vinham cá tomar posse deste, mas que cedo os haviam de deitar fora” – ficaria preso, assim o executei, porque sempre se verifica quanto em substância me parece bastante para se reputar sabedor do que oculta, e se deve averiguar melhor. Fica preso à ordem de Vossa Excelência na cadeia desta Vila, para Vossa Excelência ou o conservar, ou o mandar ir para onde for servido.

               Tirei as testemunhas que restavam aqui e em São José, das quais não resultou coisa alguma de notícias mais avançadas que as que eu daí trouxe e Vossa Excelência sabe.

               Tenho concluído o que aqui havia de fazer e amanhã, que se contam 24 deste mês, princípio a minha jornada para o Rio, onde e em toda a parte espero as ordens de Vossa Excelência.

               Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

               São João del Rei, 23 de setembro de 1789.

José Pedro Machado Coelho Torres

               Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena.

— ANEXO 2 — Certidão das licenças concedidas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier para viagens ao Rio.

Vila Rica, 10-10-1789.

               Pedro Afonso Galvão de São Martinho, Sargento-Mor Comandante do Regimento de Cavalaria Regular de Vila Rica, de que é Coronel o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais.

               Certifico que Joaquim José da Silva Xavier, Alferes da 6ª Companhia do dito Regimento, saiu desta Capital para o Rio de Janeiro em 2 de março de 1787, com dois meses de licença, e depois teve mais dois meses de prorrogação, concedida pelo Excelentíssimo Senhor Luís da Cunha Meneses, que era Governador e Capitão General desta Capitania; além do dito tempo, o mesmo Alferes se demorou no Rio de Janeiro, por moléstias e outras causas, até que se apresentou no Regimento em 28 de agosto de 1788. Teve segunda licença de um mês para ir ao Rio de Janeiro, que principiou em 10 de março de 1789, à qual excedeu; o que tudo consta dos Mapas de Mês do Regimento. E do livro mestre consta, a folhas 19, em que está o assento do dito Alferes, que em 10 de maio de 1789 foi preso na Ilha das Cobras do Rio de Janeiro, à ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei do Estado, e o mandou entregar à justiça. Para constar, passei a presente por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania. Vila Rica, 10 de outubro de 1789.

               Pedro Afonso Galvão de São Martinho, Sargento-Mor Comandante.

— ANEXO 3 — Recibos de presos pelo Vice-Rei. Vila Rica, 14-01-1790.

               O Bacharel José Caetano César Manitti, do Desembargo de Sua Majestade, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará, Escrivão nomeado pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, para escrever na Devassa de Inconfidência, a que se procedeu nesta Capital.

               Certifico que, pelo dito Excelentíssimo Senhor, me foram apresentados cinco ofícios do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei do Estado, pelos quais consta haver entregue na Fortaleza da Ilha das Cobras da Cidade do Rio de Janeiro: I — o Tenente do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania de Minas Gerais, Antônio José Dias Coelho, os presos: Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Inácio José de Alvarenga; II — o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, Ajudante de Ordens deste Governo: ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; III — o Tenente do Esquadrão da Guarda do referido Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, Miguel Nunes Vidigal: o Cônego Luís Vieira, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; IV — o Alferes do mesmo Esquadrão, Joaquim José Ferreira: o Coronel de Cavalaria Auxiliar Francisco Antônio de Oliveira Lopes; V — e o Capitão do dito: o Tenente-Coronel do Regimento Regular desta Capitania, Francisco de Paula Freire de Andrada, e José Alves Maciel; os quais todos, tendo sido remetidos pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General da mesma, ficavam ali seguros e incomunicáveis.

               O sobredito é verdade; e aos referidos ofícios me reporto, os quais tornei a entregar ao mesmo Excelentíssimo Senhor, donde por sua ordem vocal, passei a presente certidão.

               Eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, a escrevi e assinei.

               Vila Rica, quatorze de janeiro de mil e setecentos e noventa.

José Caetano César Manitti

— ANEXO 4 — Certidão dos Presos na Cadeia de Vila Rica. Vila Rica, 13-01-1790

               Francisco Xavier da Fonseca, Escrivão da Ouvidoria Geral e Correição nesta Vila Rica e sua Comarca, no impedimento do atual José Veríssimo da Fonseca etc.

               Certifico que em o dia de hoje, data desta, vim à Cadeia desta Vila, onde examinando o livro dos assentos dos presos dela, que serve com o carcereiro atual, Manuel Pacheco Ferreira, nele, a folhas cento e cinquenta e seis verso, se acha o que se fez ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, o Padre José Lopes de Oliveira, o Doutor Domingos Vidal Barbosa, Francisco José de Melo, Antônio de Oliveira Lopes, João da Costa Rodrigues, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, Vitoriano Gonçalves Veloso, Alexandre da Silva, pardo, escravo do Padre José da Silva, os quais se acham presos na referida Cadeia à ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania. O referido é verdade e consta do dito assento a que ine reporto, e para constar passei a presente certidão, por mim subscrita e assinada, por ordem vocal do Doutor Desembargador e Ouvidor Geral e Corregedor atual, Pedro José Araújo de Saldanha. Nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, aos treze dias do mês de Janeiro de mil setecentos e noventa; e eu Francisco Xavier da Fonseca, Escrivão da Ouvidoria, a subscrevi e assinei.

Francisco Xavier da Fonseca

— ANEXO 5 — Certidão dos Apensos, com índice dos Autos de Perguntas, Acareações, Cantas e Diversos.

Vila Rica, 29-01-1790.

               O Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor da Comarca do Sabará, e Escrivão nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, para escrever nesta Devassa e suas dependências.

               Certifico que à mesma vão apensos os Autos de perguntas seguintes: I — o que se fez ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, com um Auto de Exame a ele junto; II — Um dito ao Coronel de Cavalaria Auxiliar Francisco Antônio de Oliveira Lopes, com uma inquirição de testemunhas por ele referidas, e apenso; III — Um dito, ao Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza; IV — Um dito, ao Bacharel Cláudio Manoel da Costa e Auto do Corpo Delito junto; V — Um dito ao Cônego Luís Vieira da Silva; VI — Um dito ao Alferes Vitoriano Gonçalves Veloso; VII — Um dito a Francisco José de Melo, com um Auto de Exame junto; VIII — Um dito a Félix Correia de Toledo; IX — Um dito a Crispiniano da Luz Soares; X — Um dito a Salvador Carvalho de Amaral Gurgel; XI — Um dito ao Bacharel Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos com um sumário, e atestação junta; XII — Um dito do Irlandês Nicolau Jorge; XIII — Um dito do Bacharel João de Araújo e Oliveira; XIV — Um dito a Antônio de Oliveira Lopes; XV — Um dito a José Álvares Maciel com uma inquirição de testemunhas junta; XVI — Um dito ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim; XVII — Um dito a Lourenço Fernandes Guimarães; XVIII — Um dito a José Moreira, pardo forro; XIX — Um dito ao pardo Alexandre; outro a Francisco Crioulo; e outro a Joaquim Nagô; XX - Um dito de confrontação das testemunhas João Dias da Mota e Joaquim José dos Passos; XXI — Outro dito de confrontação das testemunhas, o Padre José Lopes de Oliveira e o Coronel José Aires Gomes, com outros mais Autos juntos e um apenso de perguntas feitas a José Inácio de Siqueira; XXII — Um dito de confrontação do Padre Manoel Rodrigues da Costa com o Coronel José Aires Gomes; XXIII Uma carta ou informação do Sargento-Mor Antônio José Coelho com seus respectivos documentos inclusos; XXIV Outra do Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago; XXV — Outra do Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara com uma inclusa de Manuel Domingues Monteiro; XXVI Mais oito cartas juntas a saber: — Uma de Florêncio José Ferreira; — Outra de Antônio da Fonseca Pestana; — Outra de José de Resende Costa, pai e filho; — Outra de Domingos Vidal Barbosa; — Outra do Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara com uma inclusa do Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza; — Outra de Luís Alves de Freitas Belo; — Outra de Joaquim Silvério dos Reis; e — Outra de Francisco Xavier Machado; XXVII — Um Auto sumário de testemunhas familiares da casa do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; XXVIII — Um livro em oitavo, que tem por título — “Recueil des Loix Constitutives des États Unis de l’Amérique”.

               Vão mais apensos a esta Devassa os traslados dos Autos de sequestro seguintes: XXIX — Do que se fez ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; XXX — do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; XXXI — Do Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza; XXXII — Do Bacharel Cláudio Manoel da Costa; XXXIII — Do Cônego Luís Vieira da Silva; XXXIV — Do Padre José da Silva e Oliveira Rolim; XXXV — Do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; XXXVI

Do Alferes Joaquim José da Silva Xavier; XXXVII — Do Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo; XXXVIII — Do Coronel Inácio José de Alvarenga; XXXIX — Do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire; e XL — Uma certidão pertencente a José Alves Maciel. E para assim constar, passei a presente certidão nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, aos 29 dias do mês de janeiro de 1790. E cu, Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que a escrevi e assinei.

15 — TERMO — Entrega dos Autos ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha

15.1 Aos trinta dias do mês de janeiro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de morada do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu escrivão ao diante nomeado me achava, aí entreguei ao dito Ministro estes Autos de Devassa com o número de cento e cinquenta e uma folhas até a do presente termo inclusa, com todos os mais apensos e documentos mencionados na certidão retro e supra; de que para constar, fiz este termo, em que comigo também assinou o dito Ministro. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi e assinei.

José Caetano César Manitti

Declaro que todos os documentos originais juntos a estes Autos, ou a eles apensos, vão por mim rubricados por ordem vocal de Sua Excelência, com a minha rubrica Manitti, de que uso. Dia e era ut retro.

José Caetano César Manitti

B) FORMAÇÃO DE CULPA — PARTE II

JUIZ: Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca de Vila Rica .

ESCRIVÃO: Bacharel José Caetano César Manitti, ex-Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca do Sabará, em comissão.

— Juntada

                Aos vinte e cinco dias do mês de fevereiro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim; e sendo aí, por ele dito Ministro me foi dado o ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Capitão General desta Capitania de Minas Gerais, datado de vinte e quatro do corrente mês e ano, para o fim de o ajuntar à cópia da Devassa de Inconfidência a que se tem procedido, por ordem do mesmo Excelentíssimo Senhor, nesta Capital, e continuar por virtude dele na inquirição das mais testemunhas que ocorrerem e se fizerem necessárias para o fim a que o mesmo se dirige; cujo ofício é, com efeito, o que ao diante vai junto; que de tudo, para assim constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

— Ofício do Visconde de Barbacena ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha; Vila Rica, 21-02-1790.

               Torno a entregar a Vossa Mercê a cópia da Devassa de Inconfidência, a que procedeu em observância da minha Portaria de doze de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, e determino a Vossa Mercê que não cesse por ora na mesma inquirição, perguntando sobre o Auto dela as testemunhas que tenham parecido ou parecerem convenientes para complemento desta importante diligência, enquanto esperamos as ordens de Sua Majestade, havendo-se Vossa Mercê com toda a circunspeção que requerem as circunstâncias que se têm ponderado, e as que ocorrerem, sobre as. quais me consultará sempre, de forma que não haja alguma, por menor que pareça, à qual não se dê muito séria atenção em negócio de tanta gravidade.

               Pelo bom acerto, fidelidade e prudente zelo com que o Doutor José Caetano César Manitti, Ouvidor Geral da Comarca do Sabará, tem desempenhado a Comissão para que o chamei, atendida especialmente a exemplar, inalterável e desinteressada constância com que tem suportado as injustas invectivas e caluniosas demonstrações dos inimigos da causa pública, e pelos graves inconvenientes que poderia ter outra nomeação, que eles entendem promover por esses e outros indecorosos meios, sendo agora feita, ordeno que o dito Ministro continue também na referida Comissão, escrevendo na Devassa e em todas as averiguações da mesma natureza, não obstante a chegada de seu sucessor para a Ouvidoria do Sabará e da posse que deste lugar lhe der a Câmara respectiva, porque esta ação deve reputar-se executada e consentida sem prejuízo ou inconveniente da sobredita atual diligência e comissão, por mim determinada em conformidade das Reais ordens, e afeta presentemente a Sua Majestade pelas contas que tenho dirigido à Secretaria de Estado desta Repartição.

               Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, 24 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

               Senhor Desembargador Ouvidor Geral desta Comarca.

               Pedro José Araújo de Saldanha.

               INQUIRIÇÕES DE TESTEMUNHAS (IV)

— Assentada

               Aos vinte e seis dias do mês de fevereiro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de morada do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu o Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas cujos nomes, ofícios, idades e ditos, (naturalidades e moradas), são os que ao diante se seguem, de que para constar fiz este termo. E eu José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão que o escrevi.

Testemunha 65°

               Francisco Xavier Machado, homem branco, natural de Anadia, Comarca e Bispado de Coimbra, que vive de ser porta-estandarte do Regimento de Cavalaria Paga da guarnição desta Vila-Rica, onde atualmente reside, de idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo mais que tem que dizer por aditamento ao que já jurou nesta Devassa, e consta da carta que posteriormente dirigiu ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, que vai apensa à mesma Devassa, disse que além do que jurou nela e novamente ratifica, e a que se refere, se lhe oferece mais dizer que, tendo tido alguma demora no Rio de Janeiro, quando ali chegou do destacamento da Jacobina para se recolher a esta Capital, sucedeu encontrar-se em uma manhã na Rua dos Ourives daquela cidade com Simão Pires Sardinha, o qual chamando-o à parte como em segredo, lhe disse que quisesse ele testemunha avisar ao Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, que pusesse uma grande vigilância nos seus passos, porque era espiado por duas sentinelas que de dia e de noite o observavam; e fazendo-lhe esta recomendação grande novidade, lhe perguntou: — “Porque seria isso?” Ao que o dito Sardinha respondeu que não sabia, porém que o avisasse. E tornando a perguntar-lhe se não tinha ao menos alguns indícios de por que haveria semelhante procedimento, lhe respondeu que o avisasse que talvez ele soubesse pelo queera. E instando ainda, que se fosse por algum extravio de ouro ou diamantes, certamente estava inocente o dito Alferes, em cuja casa entrava ele testemunha muitas vezes repentinamente sem que lhe percebesse coisa alguma a este respeito, aquele Sardinha só lhe respondeu com a predita recomendação de que o avisasse; e assim se despediram. E indo logo diretamente à casa daquele Alferes, lhe perguntou: “Que desordem tinha feito, pois que lhe tinham segurado que dois sujeitos continuamente observavam o seus passos.” Ao que lhe respondeu o dito Alferes que havia dias que já trazia essa desconfiança; mas que lhe dissesse ele, testemunha, quem lhe tinha contado; o que fez referindo-lhe ter sido Simão Pires Sardinha; ao que lhe respondeu o dito oficial: que logo procurava o tal Sardinha para saber aquela novidade com mais individuação. E com efeito, logo dois dias depois, foi à casa dele, testemunha, o dito Alferes e, bastantemente assustado, lhe assegurou ser certo seguirem-no dois vultos de capote, e que eram soldados granadeiros, tendo, para se disfarçarem melhor, cortado os bigodes; ao que ele testemunha lhe tornou que isso era o pior, pois que tal não podiam fazer sem ordem. E se foi com a mesma perturbação; depois do que, todas as vezes que com ele testemunha se encontrava, não fazia mais do que exagerar o aperto em que o traziam as ditas vigias, por cuja causa estava determinado a encaminhar-se para alguma parte mais deserta e partir eles com a espada, e fazê-los em quartos; e conhecendo ele, testennr nha, o desembaraço e péssima conduta do dito Alferes, julgando-o capaz de o fazer, lhe disse que devia reflexionar que aqueles homens talvez fossem mandados pelo Senhor Vice-Rei e que, neste caso, maltratando-os, procurava a sua última ruína e perdição; que pensasse bem nisto e modificasse o seu ardentíssimo gênio para não amontoar delitos sobre delitos; e que, se quisesse tomar o seu conselho, deveria apresentar-se perante o Senhor Vice-Rei representando-lhe que, se aqueles homens eram mandados por Sua Excelência, os sofreria com paciência e respeito, mas que, a não ser assim, merecia toda a pronta providência um caso que já passava a ser escandaloso. Este conselho pareceu bom ao dito Alferes, e indo no dia seguinte falar ao Senhor Vice-Rei não tirou desta ação sossego algum, mas antes maiores confusões, porque até se recatava de entrar em algumas casas do seu conhecimento e amizade, vigiando-se de todos os lados, tanto na entrada como na saída, observando ele, testemunha, que até os seus próprios amigos antigos se desviavam dele. E ouviu dizer algumas vezes ao mesmo Simão Pires Sardinha, depois do que tem referido, que fugissem daquele Alferes, que andava doido e endemoninhado, o que recomendava a todos logo que no dito Alferes falavam, mostrando até desprazer de ouvir falar em Minas, como sucedeu com ele, testemunha, indo a despedir-se do dito Sardinha e perguntando-lhe se queria alguma coisa para Minas, ao que lhe respondeu que nada queria, nem de tal país desejava notícia alguma. E desconfiando ultimamente ele, testemunha, que o dito Alferes estava resolvido a voltar a esta Capital ocultamente, o pretendeu dissuadir disso lembrando-lhe que, se não tinha cometido crime, o dava pelo contrário a conhecer com esse procedimento, e que, se o tinha com efeito, assim o aumentava; fazendo-lhe mais as reflexões que não levando passaporte, nem ordem, como o haviam de deixar passar as guardas? E que, na hipótese de passar, que desculpa daria ao Excelentíssimo Senhor Visconde General que coonestasse a desobediência formal ao Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, e que não merecesse castigo? Ao que respondia o dito Alferes: — “Ah! Se eu me apanhasse em Minas!” O que repetia incessantemente. E tendo ele testemunha resolvido o seu regresso para esta Capital com o Cabo de Esquadra Pedro de Oliveira, determinando a sua saída até o dia nove de maio, sucedeu, no dia sete do dito mês, entrar na casa dele testemunha um mulato do dito Alferes asseverando-lhe ter fugido seu senhor, o que lhe causou grande admiração; e perguntando-lhe se o tinham querido prender, lhe respondeu o mulato que nem o sabia, nem para onde tinha ido. E sucedendo ele testemunha sair a aprontar-se para a sua jornada, observou que todos falavam na fugida daquele Alferes, mas sempre com algum recato. E indo finalmente ele, testemunha, despedir-se do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei e buscar o seu passaporte, o mesmo Senhor, conduzindo-o a um quarto particular, lhe fez largas expressões a respeito do dito oficial, pelas quais veio ele testemunha no inteiro conhecimento de que Sua Excelência tinha completa instrução da sua péssima conduta; e vendo que o mesmo Senhor se dirigia a fazer-lhe algumas perguntas acerca da fuga do dito Alferes, lhe pediu ele testemunha licença para miudamente lhe relatar todos os passos que com ele haviam acontecido. E obtendo-a, assim o cumpriu, e com tanta exação que até o fez do péssimo modo com que aquele oficial havia iludido um escravo dele, testemunha, para lhe apanhar as suas armas, que usava nas jornadas, que nunca mais viu. E depois de Sua Excelência ter ouvido toda aquela narração, lhe determinou que seguisse viagem, mandando-lhe dar passaporte. E partindo efetivamente ele testemunha, logo no terceiro dia da sua viagem, ouviu dizer com certeza que se havia preso o dito Alferes. E passando pelos fins da Capitania do Rio de Janeiro, a entrar nesta, encontrou preso o Desembargador Gonzaga, e no dia subsequente ao Vigário de São José, Carlos Correia, e ao Coronel Alvarenga. E mais não disse, nem ao costume; e sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti. Escrivão por Comissão, o escrevi.

Saldanha — Francisco Xavier Machado

— ASSENTADA

               Aos vinte dias do mês de março de mil setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas, cujos nomes, ditos naturalidades, moradas, ofícios e idades são os que se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Testemunha 66°

                Pedro de Oliveira e Silva, Cabo de Esquadra do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, natural da cidade de São Paulo, residente nesta Vila, onde vive de seu soldo, de idade que disse ser de quarenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

                E perguntado ele testemunha pelo Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que tendo saído desta Capital para a do Rio de Janeiro, em princípio do mês de março do ano pretérito, segundo sua lembrança, por Cabo da escolta que conduzia o ouro para a permuta, com inteira e total ignorância de todos os fatos no mesmo Auto recontados. E chegando à Freguesia de Irajá, ali lhe fora dar o Sargento-Mor Joaquim de Almeida uma busca por ordem do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, levando-lhe todas as cartas que consigo trazia, ou seus camaradas e toda a mais comitiva que o acompanhava, retendo-o até que chegou a decisão para poder seguir para a Cidade do Rio de Janeiro onde, logo depois que chegou, o foram visitar o Alferes Matias Sanches Brandão e o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes; e indo ele testemunha pagar-lhes em certo dia a visita, se levantou o dito Alferes Joaquim José, que se achava deitado na sala, e lhe disse estas palavras: — “O Furriel Manuel José Dias tem posto a você por terra onde quer que chega, e pelo maior contrabandista que há. E que lhe parece, a você, o General mandar de lá ordem para o desatenderem e desacreditarem com uma busca, e isto a um Cabo que serve há tantos anos, e com tanta honra como você? E talvez por uma leve informação de algum invejoso? Eis aí como eles pagam”. Ao que lhe respondeu ele testemunha:

“É Senhor, podem fazer. E como nada me acharam, estou satisfeito.” Ao que lhe tornou o mesmo Alferes: — “Que os leve o diabo, que nós muito bem podemos cá passar sem eles. Diga-me, se convidassem a você para uma função de pô-los no inferno e ficarmos livres deles, você que faria?” E travando-lhe do braço para a janela, a este mesmo tempo acudiu o Alferes Matias Sanches, que se estava calçando, e lhe disse: — “Ah! Senhor Cabo, não ouça esse tolo; não lhe dê ouvidos, que é o maior tolo e bruto que já vi. Tenho-lhe sofrido coisas que me tem custado. Ora, o meu negro tem mais juízo do que ele. Fuja e venha para cá tomar café”. O que assim sucedeu, ficando ele testemunha persuadido que todas aquelas expressões eram unicamente da conhecida extravagância do gênio do dito Alferes; depois do que se despediu, voltando para o quartel. Chegado o tempo de se retirar para Minas, aconteceu que, no dia em que foi dar-se por pronto na sala do Senhor Vice-Rei, encontrasse a Simão Pires Sardinha, para quem tinha levado carta do seu Tenente-Coronel Francisco de Paula; e conversando sobre a retirada dele testemunha, sucedeu avistar-se o mesmo Alferes Joaquim José, que vinha da Rua da Quitanda; e mal o dito Sardinha o viu, o convidou a ele testemunha a retirarem-se para uma botica vizinha, onde com efeito entraram. E lhe disse: — “Não ande triste, que a busca que lhe deram não era nada com você; pois o que tão somente queriam eram as cartas. Porque o seu General e o Vice-Rei andam averiguando uma sublevação que o Alferes Joaquim José intenta fulminar, e outros mais; que sobre isso é que veio cá o Furriel Manuel José Dias com cartas do Senhor Visconde para o Senhor Vice-Rei; e o mesmo Alferes, um dia destes, me levou um diário que declara como foi o levante da América Inglesa, para eu lhe traduzir certas passagens, o qual lhe tornei a mandar. Que o leve o diabo com o seu enredo, que por isso está aqui retido.” E porque neste tempo entrou gente na botica, se findou a conversação e se despediram. E com efeito, permitindo-lhe o Senhor Vice-Rei que ele testemunha fizesse jornada, ao quarto dia dela, estando arranchado ao pé da serra, em casa do Capitão Werneck, aí chegou o mesmo Sargento-Mor Joaquim de Almeida com seis soldados e um Cabo, e depois de gracejar com ele testemunha, vendo-o algum tanto carregado, o chamou de parte, e perguntando-lhe a causa da sua tristeza, acrescentou: — “Eu sei que você ainda sente a busca; pois não sinta, que não é nada com você e sim com o Alferes Joaquim José e com Joaquim Silvério, que andam fulminando um levante do qual sabe já o Senhor Vice-Rei, por parte que teve do seu General, e andam nesta averiguação. E por esse motivo foi retido o tal Alferes. E antes de ontem fugiu; por essa causa o vou cercar na Paraibuna, ou Paraíba”. O que assim passado, e continuando a jornada, achando-se arranchado na Fazenda onde chamam o Chapéu d’Uvas, ali chegou um camarada do Piquete, cujo nome ignora dando a notícia de se acharem já presos o dito Alferes Joaquim José e Joaquim Silvério, fazendo certo serem as ditas prisões pelos referidos motivos de andarem concitando um levante. O que deu ocasião a ele, testemunha, recomendar aos seus soldados, muito especialmente a João Francisco Teles que vinha adiante fazendo os pousos, que não contassem semelhante novidade. Porém o mesmo dito soldado do Piquete a foi espalhando pela estrada; tanto assim que, encontrando o mesmo Teles, onde chamam a Bandeirinha, ao Padre José Maria Fajardo de Assis, este já a sabia e lhe falou nas ditas prisões, e no motivo delas. Depois porém dele testemunha ter chegado a esta Capital, e ouvir falar sobre as mais que nela se fizeram, é que verificou a relação que tinham com o que lhe contaram o dito Simão Pires Sardinha, no Rio de Janeiro, o Sargento-Mor Joaquim de Almeida, e ultimamente o dito soldado do Piquete, ouvindo publicamente dizer que os autores da dita sublevação eram os mesmos que foram presos. E declara ele, testemunha, que não tendo feito maior apreensão nas circunstâncias que ficam referidas, contudo depois que chegou a esta Vila, como já disse, e que ouviu falar no projetado levante, ainda que se achasse doente sem poder sair, deu logo parte de tudo ao seu Excelentissimo General, e depois, tanto que teve melhora, o foi ratificar pessoalmente; tanto assim que já, sobre alguns fatos que ficam recontados, depôs ele testemunha ao referimento que nele fez o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes. E mais não disse, nem ao costume; e sendo-Lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Pedro de Oliveira Silva

— ASSENTADA

               Aus quinze dias do mês de abril de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas cujos nomes, ditos naturalidades, ofícios, moradas, e idades, são os que se seguem; do que para constar fiz este termo; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

               Matias Sanches Brandão natural da Cachoeira do Campo desta Comarca, morador nesta Vila, que vive de seu soldo de Alferes do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, de idade que disse ser de cinquenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo referimento que nele fez o Cabo de Esquadra Pedro de Oliveira e Silva, que todo lhe foi lido, disse que é verdade ter ido visitar a ele testemunha, e àquele Alferes Joaquim José, o Cabo referente, achando-se todos no Rio de Janeiro; mas que não se recorda ter ouvido as palavras mencionadas no dito referimento, o que era factível assim acontecer, ainda a estar ele testemunha na mesma sala em que se disseram, pela notória moléstia de surdez que padece; e que, se ele testemunha acudiu e disse ao mencionado Cabo o que se relata no referimento, de que igualmente se não recorda, foi talvez por os ver juntos em ação de conversar, e por saber que o dito Alferes Joaquim José se não poupava a dizer mal, como fazia continuamente, do Excelentíssimo Senhor Luís da Cunha, Governador que foi desta Capitania. E nesta consideração, pode muito bem suceder que, entendendo que a dita conversação rolava sobre o mesmo objeto, fosse casualmente desviar aquele Cabo de a ouvir, e então proferisse o que menciona o referimento, sendo que ele testemunha fazia bem pouco conceito da capacidade daquele Alferes, que sempre foi tido por um homem rústico e atroado; e mais não disse, nem aos costumes. E sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Matias Sanches Brandão

Testemunha 68°

               Florêncio José Ferreira, natural do Arraial do Infeccionado, termo da cidade de Mariana desta Capitania, morador nesta Vila Rica, que vive de seu soldo de músico do Regimento de Cavalaria Regular da mesma, de idade que disse ser quarenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que o que somente sabe a esse respeito é que achando-se no ano de mil e setecentos e oitenta e nove em princípio da sua moléstia, foi procurar no dia três de maio a um praticante de cirurgia, por nome Salvador Gurgel do Amaral, para o ver e dar-lhe algum remédio; e, nesta ocasião, depois de haverem praticado a respeito da enfermidade, lhe contou o dito Gurgel, que tinha pretendido ser Ajudante do Cirurgião-Mor do Regimento mas que o não havia conseguido, porém que cedo tudo isto havia de levar volta. E perguntando-lhe ele testemunha que vinha a dizer naquilo? lhe respondeu o dito Amaral que estava para haver um levante na Capitania, e que já não podiam sofrer tantos poderosos, como para cá vinham todos os anos. Do que escandalizado, ele testemunha o repreendeu de falar em tal, e se foi logo embora. Passado porém um mês com pouca diferença o veio visitar o dito Amaral, e em conversa lhe disse se se lembrava do que lhe tinha dito, e tornando-lhe que sim, acrescentou: — “De boa escapei; lá está já o Alferes Joaquim José na casa forte do Rio; veja se eu lhe dou a carta que ele me pedia; que tal me punha? Ao que acudiu ele, testemunha, atalhando a conversação sobre semelhante objeto. E logo depois que se retirou, apesar da sua moléstia que o impedia de sair, deu parte de tudo a Sua Excelência por uma carta que era exatamente do mesmo teor da cópia que neste ato se lhe apresentou, e se acha junta à Devassa; e mais não disse, nem aos costumes. E sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme o assinou; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Florêncio José Ferreira

               Aos onze dias do mês de maio de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de morada do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas, cujos nomes, ofícios, idades e ditos são os que se seguem do que para constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Testemunha 69°

               Joaquim José de Freitas, natural de Santa Luzia do Sabará soldado no Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, de idade de cinquenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que sabe, por se fazer público e notório, que se havia projetado um levante nesta Capitania; e a primeira vez que ouviu falar neste objeto, foi no sítio e Registro denominado de Matias Barbosa; porquanto tendo sido ele, testemunha, nomeado com outros camaradas, comandados pelo Capitão Antônio José de Araújo e Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, para conduzirem preso à cidade do Rio de Janeiro ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, que fora Ouvidor nesta Comarca, chegando ao referido Registro, aí ouviu dizer que aquela prisão era por ser o dito Ministro um dos confederados para o levante que se pretendia executar, e para o qual já se tinham escrito várias cartas à França; e que pelo mesmo motivo eram também presos o Vigário de São José do Rio das Mortes, Carlos Correia de Toledo, o Coronel Inácio José Alvarenga, o Tenente-Coronel Domingos de Abreu, e outros. Não se recorda, porém, com especificação dos sujeitos a quem ouvira o referido. Isto mesmo escutaram alguns dos seus camaradas, de cujos nomes só se lembra de um, Domingos José, que já deu baixa. Chegando, porém, ao Rio de Janeiro, aí achou vulgarizada a mesma novidade, em que publicamente se falava asseverando a ele, testemunha, alguns camaradas do Esquadrão do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, que também se achava ali pronto um segredo para o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada. E voltando para estas Minas, tanto pelo caminho como depois de chegar a esta Capital, ouviu falar constantemente no dito levante e que nele entravam os sujeitos que foram presos, sem que até agora ouvisse que fosse compreendido naquele delito alguma outra pessoa. E encontrando-se, depois de passados alguns meses, na Vila do Príncipe, com o Sargento-Mor Roberto Mascarenhas, falando ambos sobre as referidas prisões, lhe contou este, ou que lhe tinham dito, ou que o mesmo ouvira ao Ouvidor da dita Vila, Joaquim Antônio Gonzaga, que a prisão do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada tinha sido urdida pelo Ajudante de Ordens Antônio Xavier e pelo Sargento-Mor do Regimento, Pedro Afonso; e mais não disse, nem ao costume. E sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Joaquim José de Freitas Testemunha 70°

                Roberto de Mascarenhas, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria auxiliar da Vila do Príncipe, natural do Tejuco, Freguesia da mesma Vila, que vive de seu ofício de Tabelião, que aí serve, idade de trinta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

              E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha antecedente, Joaquim José de Freitas, que todo lhe foi lido, disse que passava na verdade o seu conteúdo; porquanto achando-se ele testemunha uma vez em casa do ouvidor daquela Comarca do Serro, Joaquim Antônio Gonzaga, e praticando-se sobre a prisão do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada e sua remessa para o Rio de Janeiro, ouviu falar àquele Ministro, que diziam que tinham metido para dentro o dito Tenente-Coronel aos empurrões; e que o Sargento-Mor do Regimento Pedro Afonso e o Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende tinham sido a causa; e posto que ali se achavam também naquela ocasião outros sujeitos, que igualmente ouviram o referido, contudo não pode recordar-se de quem eram; e mais não disse, nem ao costume. E sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Roberto Mascarenhas

               Aos quatorze dias do mês de junho de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica, e casas de residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral, e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí pelo dito Ministro foram perguntadas, e inquiridas as testemunhas, cujos nomes, ofícios, ditos e idades são os que se seguem, do que para constar fiz este termo, e eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Testemunha 71°

               José de Sousa Lobo, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania de Minas Gerais, natural da Vila de Viana do Minho, residente nesta Vila Rica, de idade que disse ser de trinta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sobcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que nunca ouvira falar em semelhante levante antes das prisões que se fizeram nesta Capitania; mas que logo depois delas, e muito principalmente das que se praticaram nesta Capital, foi que principiou a ouvir falar que as mesmas tinham por objeto uma sublevação que se projetava, e de que eram chefes os mesmos que foram presos. Mas nem ainda assim se pôde capacitar que isto era verdade, pela variedade com que se discorria acerca dos referidos procedimentos e prisões; inclinando-se mais a que fossem por algum extravio de ouro ou diamantes, em que com maior probalidade se assentava; até que, sendo nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Visconde General para conduzir um dos ditos presos para o Rio de Janeiro, que era o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, este no caminho, por várias vezes, lhe contou que era sem dúvida haver-se premeditado a dita sublevação; que estava disposta para logo que se lançasse a derrama; e que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada era um dos mais empenhados no dito levante e que sempre lhe dizia que para o mesmo estava tudo pronto, instando-o que, da sua parte, convidasse também os patrícios; e contando-lhe que tinham determinado mandar o Excelentíssimo Senhor General e sua família pelo Rio das Velhas abaixo em canoas, e sair à Bahia, ao que ele dito Padre se opusera dizendo que então era melhor matá-lo. Mas que depois assentaram que fosse mandado com toda a violência pelo Registro do Paraibuna; acrescentando finalmente o dito padre, que o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira fora quem o convidara a ele para intervir na exposta sublevação. E que tinha sido o diabo darem com ele no mato onde se ocultara, porquanto, se assim não sucede, estava esperando lhe crescer o cabelo para se escapar e fugir pelo sertão fora. E tudo isto relatou ele testemunha ao Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa, logo que chegou ao Rio de Janeiro, onde mais se confirmou na verdade de todo o expendido, porquanto, topando naquela cidade com o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, este lhe certificou o mesmo, acrescentando que ele fora um dos convidados para entrar na sublevação projetada de que veio a ser o denunciante, cuja denúncia fora dar ao Excelentíssimo Senhor Visconde General na Cachoeira, no dia quinze de março de mil e setecentos e oitenta e nove (segundo sua lembrança); e que o mesmo Senhor o mandara disfarçadamente para aquela cidade com aparente pretexto e cartas para o Senhor Vice-Rei, a quem comunicou tudo, em consequência do que foi preso logo. Mas, depois de ter convencido os mais companheiros confederados, o puseram em liberdade com homenagem por toda a cidade. E disse mais que se o Excelentíssimo Senhor Visconde General não desse logo, e com tanto disfarce e sagacidade, todas as providências que deu, certamente era morto na ocasião do levante, que infalivelmente se fazia. E que ele, Joaquim Silvério, tinha bem conhecido o ódio entranhável nos filhos da América contra o dito Excelentíssimo Senhor pelo procedimento que tomou em semelhante desordem, não menos que também contra ele denunciante pela haver manifestado; e este mesmo conceito faz igualmente ele, testemunha, pelo que ouviu quase geralmente naquela cidade quando se falava nesta diligência; e muito particularmente a um negociante por nome Francisco de Araújo Pereira que em certa ocasião, e na presença dele testemunha, falando mal dos procedimentos do Excelentíssimo Senhor Visconde General, acrescentou: — “E com que há o Visconde de Barbacena de ressarcir o crédito, honra, e fazenda a tantas mil pessoas?” Discorrendo com tanta soltura que ele, testemunha, esteve então quase perdido com o dito Araújo. E o mesmo lhe sucedeu em outra ocasião com José Bernardo da Silveira Frade, com que teve semelhante encontro em casa do Capitão Antônio de Oliveira Pinto. E declara mais ele, testemunha, haver-lhe também dito, o mesmo Joaquim Silvério, que os dois Comandantes, da Serra e Tejuco, os Capitães Maximiano e Brandão, ou tinham sido lembrados e encaminhados pelos ditos chefe da sublevação para aqueles Destacamentos, onde lhes convinha tê-los de mão quando fossem necessários; ou que já tinham sido falados para os mesmos, de que ele testemunha não tem completa lembrança. E perguntando-lhe se ele tinha disto também avisado o Excelentíssimo Senhor Visconde General, lhe respondeu que, com a pressa com que escreveu a denúncia e partiu para o Rio de Janeiro, lhe esqueceram algumas coisas, que havia de comunicar ao dito Senhor quando subisse a Minas. E mais não disse, nem aos costumes, por que foi perguntado; e sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

Saldanha — José de Sousa Lobo e Melo Testemunha 72°

               João Coelho Martins, natural da Cidade de Mariana que vive de seu soldo no Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, em que tem praça de soldado, residente nesta Vila Rica, de idade de vinte e cinco anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha, o soldado Joaquim José de Freitas, por ser ele um dos camaradas que o acompanhavam comandados pelo Capitão Antônio José de Araújo e Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, quando conduziam preso para a cidade do Rio de Janeiro o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, disse que era verdade ter ele testemunha sido também um dos camaradas nomeados para aquela escolta; mas que se não lembra de ter ouvido o que no referimento se relata; e que tendo todos chegado a Matias Barbosa de noite, logo de madrugada partiu ele testemunha com uma parada que lhe entregou o dito Tenente-Coronel Francisco Antônio para o Senhor Visconde General. E somente arranchando-se no Ribeirão, em casa do Coronel Luís Alves, lhe perguntou este com grande empenho, cuidando que vinha do Rio de Janeiro, se era certo virem umas Companhias daquela cidade para esta Capital, ao que lhe respondeu ele, testemunha, que o ignorava por não vir do Rio. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — João Coelho Martins

2.° — ASSENTADA

               Aos vinte e seis dias do mês de junho de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas, cujos nomes, naturalidades e ditos são os que se seguem, de que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

22 — Testemunha 73.°

              João Coelho Martins (II), irmão da testemunha supra do mesmo nome, natural da Cidade de Mariana, que vive nesta Capital de ser soldado do Regimento de Cavalaria regular desta Capitania, de idade de vinte e dois anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

              E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que o que somente sabe “é que, achando-se destacado na Fazenda da Vargem no mês de maio do ano passado, chegou à mesma em um dos dias do dito mês, segundo sua lembrança, vindo do Rio de Janeiro, um soldado do Piquete do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei com parada para o Excelentíssimo Senhor Visconde General, e lhe contou este que ficavam presos naquela cidade o Coronel Joaquim Silvério dos Reis e o Alferes Joaquim José, por alcunha — o Tiradentes; e que o Regimento da guarnição desta Capitania, com o seu Tenente-Coronel Francisco de Paula, se mudava para aquela cidade do Rio, vindo um de lá para cá. E que isto era por se ter descoberto que intentavam levantar-se com a Capitania, do que lhe pediu segredo. Depois do que, ouviu ele testemunha falar a várias pessoas que transitavam por ali, que se tinham feito mais prisões pelo mesmo motivo, em que depois ouviu falar geralmente. E mais não disse, nem aos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, pelo achar conforme o assinou: e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — João Coelho Martins

— ASSENTADA

               Aos vinte e oito dias do mês de setembro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo Ministro foram inquiridas as testemunhas, cujos nomes, ofícios, moradas, ditos e idades são os que se seguem, de que para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

Testemunha 74.°

               O Furriel Manoel José Dias, natural de Santa Marinha de Remelho, termo de Barcelos, Arcebispado de Braga, residente nesta Vila, onde vive de seus soldos de Furriel do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, e de idade que disse ser de cinquenta e um anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que sabe, pelo ouvir dizer depois que se fizeram as prisões tanto nesta Vila como nas outras Comarcas, que se projetava uma sublevação ou levante nela, da qual, segundo também ouviu dizer, eram cabeças e chefes os mesmos que foram presos, do que mais se certificou, porquanto, tendo ido acompanhar o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo até ao Rio de Janeiro, quando foi para Lisboa, e encontrando-se ele testemunha naquela cidade com Joaquim Silvério dos Reis, este lhe contou que era certo haver-se disposto um levante nestas Minas, tanto assim que ele próprio fora um dos convidados para ele, o qual o denunciou a Sua Excelência, cuja denúncia escrevera por ordem do mesmo Senhor em três folhas de papel de Holanda; e que, se Sua Excelência não dera com tanta brevidade e cautela as providências que deu, certamente se punha em execução. Mas que quase todo o povo daquela cidade duvidava desta realidade, falando soltamente contra o procedimento do dito Senhor, porém que a seu tempo se desenganariam, o que ele testemunha veio depois a confirmar, porque procurando em certa ocasião o Ajudante-de-Ordens, do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, Camilo Maria Tonelet, e achando-o ainda recolhido, principiou entretanto um seu criado, fulano Cordeiro, a conversar sobre o dito levante (que fazia então, naquela cidade, o objeto da maior parte das conversações, segundo ele testemunha alcançou) sustentando que era mentira tudo, e que o Excelentíssimo Senhor Visconde General tinha procedido aceleradamente e sem maior reflexão, levado unicamente do que lhe contara Joaquim Silvério dos Reis, o qual se tinha servido daquele estratagema para ver se, por semelhante modo, podia subtrair-se ao pagamento das grandes somas que devia à Fazenda Real do seu Contrato; ao que, ocorrendo a ele testemunha asseverar ter sido certíssimo o dito projeto, cuja averiguação se cometera a dois Ministros que tiraram uma exata Devassa, lhe respondeu o dito criado: — “Que o papel admitia tudo quanto se lhe quisesse escrever, e que os Ministros naturalmente satisfariam a vontade do Senhor General'’; de cujo atrevimento, indignado ele, testemunha, descompôs o dito criado, e se finalizou assim a conversação. E tendo outro encontro semelhante com o professor de grego na mesma cidade, este, não obstante ter sido da obrigação do dito Senhor Visconde General, como ele testemunha entende, lhe falou também mal do referido procedimento, acrescentando que fora nímio receio, e que o mesmo Senhor se fiara de Joaquim Silvério e do Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, que já bem conhecia de Lisboa. De sorte que observou que quase todos caluniavam ali a diligência, criminando a Sua Excelência; e sem dúvida saberia mais alguma coisa neste assunto se não desconfiassem, como veio a perceber por principiarem a recatar-se dele, que se demorava ali para mandar dizer a Sua Excelência o que se passava, quando era outra muito diversa a sua comissão, nem tinha tido a menor recomendação para examinar coisa alguma a esse respeito, e tão somente para esperar as cartas que viessem de Lisboa no primeiro navio que chegasse, e trazê-las ele mesmo a Sua Excelência. E mais não disse, nem ao costume; e sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme o assinou; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Manuel José Dias da Costa

— ASSENTADA

Aos quatorze dias do mês de outubro de mil e setecentos e noventa anos, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casas de morada do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas, cujos nomes, ofícios, e ditos são os que se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Testemunha 75.°

               Joaquim Ferreira da Cunha, homem branco, natural das Congonhas do Campo, morador nos sertões do Rio de São Francisco, Arraial das Contendas, Freguezia dos Morrinhos, que vive de criar gados, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sub cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa disse que vindo das Sete Lagoas pernoitara segunda-feira, onze do corrente, na Estalagem de Santa Rita, Comarca do Sabará. E ali, seriam seis horas, chegara vindo do caminho do Rio um passageiro que se apelidava Capitão, de estatura baixa, grosso, e com farda azul agaloada, o qual tem negócio para o Serro e é morador no caminho do Rio de Janeiro, onde casou haverá seis anos pouco mais ou menos. E perguntando a ele, testemunha, se tinha encontrado a sua tropa, que conduzia o seu negócio para o dito Serro, lhe respondeu que, pelos sinais, assentava que ela tinha ficado no domingo antecedente em Santa Luzia. E principiando ambos a conversar, lhe perguntou ele, testemunha, entendendo que o mesmo vinha do Rio de Janeiro, se era certo haver-se enforcado o Padre José da Silva, como tinha ouvido dizer. Ao que o dito Capitão respondeu que tal não havia; e que só se contava haverem chegado quatro Desembargadores e um Chanceler com o Ajudante de Ordens deste governo, Francisco Antônio Rebelo, o qual logo que desembarcou em Lisboa, o fizeram voltar dentro em quinze dias com os ditos Ministros. E tornando-lhe ele, testemunha: — “A que fim viriam estes?” lhe respondeu que de duas uma: ou a tomarem nova informação para se averiguar se aqueles presos estavam ou não inocentes; ou a justiçá-los. E travando-se a conversação a respeito do Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, Francisco de Paula Freire de Andrada, dizendo ele testemunha que parecia incrível estar o mesmo cúmplice na sublevação que se pretendia concitar, segundo falavam, lhe contou o dito Capitão que, se Sua Excelência não tomasse tanto a tempo as providências que tomou, e não mandasse vir a tropa do Rio, certamente ao tempo da prisão daquele Tenente-Coronel Francisco de Paula haveria alguma desordem, por ser o mesmo muito benquisto de todo o Regimento. E instando-lhe ele, testemunha, que não podia capacitar-se como se havia de efetuar aquela sublevação, visto que apenas haveria em Minas quinhentos barris de pólvora, segundo a sua estimativa, que era muito pouco, além de faltar também o dinheiro necessário, que não considerava nos que se diziam cúmplices; lhe respondeu que o seu cabedal, o dele testemunha e o dos mais, é que havia de suprir toda a despesa, porquanto, a não suceder assim, lho haviam de tirar violentamente. E que na sua geração não tinha havido infâmia alguma; mas que, se se verificasse estarem culpados aqueles presos, ele mesmo se oferecia para ser o seu carrasco. E continuando ele testemunha algumas mais instâncias de que presentemente se não recorda, conheceu bem que o dito Capitão estava plenamente capacitado de que, com efeito, se intentara a referida sublevação porque, arguindo-o de que dela não dava prova alguma convincente, concluiu o mesmo Capitão, fazendo-lhe como uma espécie de juramento de que bem se não lembra, afirmando que sem dúvida se projetava aquela desordem, e acrescentando que já isso vinha de longe; e se não, que lhe dissesse ele testemunha: “Para que eram tantos Regimentos e tanta tropa, como se tinham criado, obrigando-se os pobres soldados a fardarem-se logo, ou irem para a pedra.” Ao que, acudindo ele testemunha que o Excelentíssimo Conde de Valadares é que tinha levantado os Regimentos, lhe respondeu aquele Capitão que isso tinha sido somente um em cada Comarca, e que atualmente havia mais de trinta. E tudo o referido, pouco mais ou menos, é quanto se passou em conversa entre ele testemunha e aquele Capitão, na sobredita Estalagem, onde ambos pernoitaram. E mais não disse, nem aos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, pelo achar conforme o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — Joaquim Ferreira da Cunha

Testemunha 76°

               Serafim Dias Rosa, natural desta Vila Rica, onde assiste, e vive de ser soldado do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, de idade que disse ser de vinte anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado pelo conteúdo do Auto desta Devassa e referimento que nele fez a testemunha, o Cabo de Esquadra Pedro de Oliveira e Silva, que lhe foi lido na parte que lhe diz respeito, por ter sido ele testemunha um dos soldados que acompanharam o referido Cabo, quando o mesmo foi ao Rio de Janeiro com a Permuta, disse que nunca ouvira falar em levante, nem em circunstância alguma das mencionadas no Auto. E que só, nessa ocasião que acompanhara o Cabo referente ao Rio de Janeiro, na volta para esta Capitania, encontrando perto da Boa Vista, onde chamam o Crioulo, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga preso, ignorando totalmente a causa, logo que chegou a esta Vila entrou a ouvir falar em que aquela prisão e as mais que se tinham feito naquele tempo, eram por pretenderem os presos fazer um levante nesta Capitania. Ainda que também ouviu discorrer diferentemente, asseverando alguns que eram por causa de extravio de ouro e diamantes. E quanto ao referimento, é certo; e se lembra de ter chegado aquele camarada do Piquete do Senhor Vice-Rei, e no sítio pouco mais ou menos apontado, com parada para o Senhor General, dizendo que se achavam presos no Rio de Janeiro Joaquim Silvério e o Alferes Joaquim José, mas não se recorda bem de lhe ter ouvido a causa. E mais não disse nem ao costume; e sendo-lhe lido o seu juramento, pelo achar conforme o assinou; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha — Serafim Dias Rosa

— ASSENTADA

               Aos vinte e nove dias do mês de dezembro de mil e setecentos e noventa, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, e sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas, que ao diante se seguem, de que fiz este termo; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Testemunha 77.°

               João Francisco Teles, natural desta Vila Rica, e soldado do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, de idade que disse ser de trinta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

               E perguntado ele testemunha pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, e referimento que nele fez o Cabo de Esquadra Pedro de Oliveira e Silva, disse que nunca tivera a menor notícia dos fatos recontados no Auto; mas que sendo ele, testemunha, um dos soldados da escolta que acompanhou a Permuta que foi fazer-se ao Rio de Janeiro o ano passado, de que era Cabo o referente Pedro de Oliveira e Silva, quando já vinham de volta para Minas, no sítio chamado o Werneck, aí chegara um Sargento-Mor, por nome Joaquim de Almeida, que também vinha do Rio de Janeiro com uns soldados, aos quais ouviu ele testemunha dizer e contar que naquela cidade ficava preso o Coronel Joaquim Silvério, e que eles, ditos camaradas e Sargento-Mor, iam no alcance do Alferes do Regimento dele testemunha, Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, para também o prenderem; cujas prisões eram por um levante que os mesmos tinham disposto nestas Minas. E esta notícia lhe certificou ainda mais, no sítio denominado o Chapéu d’Uvas, uin camarada do Piquete do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei cujo nome ignora, que vinha com parada para o Excelentíssimo Senhor Visconde General, acrescentando que já naquela cidade ficava também preso o tal Alferes Joaquim José, e outros; e que com efeito se faziam as ditas prisões por motivo de se saber de uma sublevação que se projetava. E então foi que o referente Pedro de Oliveira lhe fez a recomendação mencionada, que não viesse contando semelhante novidade, porque ignorava se seria do agrado do Senhor Visconde General que em tal se falasse, o que ele testemunha assim cumpriu. E marchando adiante para fazer os pousos, indo da Paraopeba para a Bandeirinha, encontrou o Padre José Maria Fajardo de Assis, que logo lhe perguntou pela novidade daquelas prisões, visto que ele testemunha vinha do Rio de Janeiro; e afetando, como se lhe tinha recomendado, que nada sabia, lhe tornou o mesmo Padre Assis que era certa, porque o referido camarada do Piquete, que tinha passado, assim o tinha divulgado, e que as mesmas prisões eram por causa de um levante que os presos intentavam concitar nesta Capitania; do que ele dito Padre não duvidava por saber que o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, na ocasião em que passou para o Rio de Janeiro, arranchando-se na Fazenda das Taipas, aí falara com bastante soltura e sem receio algum em matérias de levante. E tornando-lhe ele, testemunha, que o não podia crer, e que faziam eles em conceberem semelhante pensamento, lhe respondeu o mesmo Padre: — “Ainda assim, senhor camarada, olhe Vossa Mercê que a sublevação da América Inglesa principiou por um indivíduo.” Recolhendo-se finalmente ele, testemunha, ao seu quartel nesta Capital, ouviu então falar geralmente que o dito Alferes, e os mais que foram presos, andavam com efeito na ideia de excitar o povo a um levante. E sendo logo destacado para o Serro do Frio, quando chegou já achou ali também derramada a mesma novidade. E mais não disse, nem aos costumes; e sendo-lhe lido todo o seu juramento, pelo achar conforme o que tinha dito, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

Saldanha — João Francisco Teles

CONCLUSÃO PARA DESPACHO

               Aos vinte e um dias do mês de janeiro de mil e setecentos e noventa e um, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, faço estes Autos de Continuação de Devassa conclusos ao Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, do que para constar, fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

— Conclusos

               O Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão desta Devassa, junte à mesma o ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General, de vinte do corrente mês e ano, procedendo em sua observância na forma que no mesmo se determina.

               Vila Rica, 21 de janeiro de 1791.

Saldanha

— Data

               Aos vinte e dois dias do mês de janeiro de mil e setecentos e noventa e um, nesta Vila Rica e casas de morada do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, por ele dito Ministro me foram dados estes Autos de Devassa com o despacho supra neles proferido, em cumprimento do qual junto aqui o ofício do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General, de vinte do corrente mês e ano, e é o que se segue; do que para constar, lavrei este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

— Juntada — Ofício do Visconde de Barbacena ao Ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha. Vila Rica, 20-01-1791.

               Como são chegados ao Rio de Janeiro os Ministros da Alçada, que Sua Majestade foi servido determinar para final conhecimento dos delitos de inconfidência, sobre os quais tanto Vossa Mercê como o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres têm devassado; é necessário, em observância das Reais Ordens e do Aviso do Senhor Vice-Rei do Estado, que a continuação do mesmo processo nesta Capitania, com os mais papéis que lhe pertencerem, sejam remetidos para aquele Juízo: o que participo a Vossa Mercê para assim se executar, ficando a cópia de tudo incorporada ao traslado da Devassa, cujo original foi também remetido há mais tempo à dita cidade, e mandando ajuntar os papéis que lhe entrego nos lugares onde tocarem.

               Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, 20 de janeiro de 1791.

Visconde de Barbacena

               Senhor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha .

ENCERRAMENTO

               Aos vinte e seis dias do mês de fevereiro de mil e setecentos e noventa e um, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, pelo dito Ministro me foi dito lhe fizesse estes Autos conclusos, o que cumpro; e para assim constar, fiz este termo; eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi.

— Conclusos

               O Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão desta Devassa, junte à mesma o ofício e atestação nele inclusa, do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General de vinte e cinco do corrente mês e ano. Vila Rica, 26 de fevereiro de 1791.

Saldanha

— Data

               Aos vinte e seis dias do mês de fevereiro de mil e setecentos e noventa e um, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo aí pelo dito Ministro me foram dados estes Autos de Continuação de Devassa com o despacho supra neles proferido, em cumprimento do qual junto aqui o ofício e atestação no mesmo inclusa, tudo datado de vinte e cinco de fevereiro do corrente ano, e são os que ao diante se seguem; de que para constar, fiz este termo. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, o escrevi.

               Satisfazendo à súplica que me fez Joaquim Silvério dos Reis, para que atestasse do dia em que ele me deu vocalmente a primeira notícia da rebelião que se tratava, e parecendo muito justo que esta declaração conste formalmente nos Autos, remeto a Vossa Mercê a atestação inclusa, a qual mandará juntar à continuação da Devassa que se está copiando, para ser remetida ao Rio de Janeiro.

               Deus guarde a Vossa Mercê. Vila Rica, 25 de fevereiro de 1791.

Visconde de Barbacena

               Senhor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha.

— Juntada — Atestação do Visconde de Barbacena em favor de Joaquim Silvério dos Reis. Vila Rica, 25-02-1791.

               Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, Visconde de Barbacena, do Conselho de Sua Majestade e Governador e Capitão General desta Capitania de Minas Gerais.

               Atesto que no dia 15 de março do ano de mil e setecentos e oitenta e nove, foi a primeira vez que Joaquim Silvério dos Reis me comunicou que se achava tratada e disposta nesta Capitania, e na do Rio de Janeiro, a rebelião que tem sido objeto e motivo desta Devassa. Que da referida comunicação, e de quanto pude averiguar dele debaixo das cautelas e disfarce que me pareceram necessárias, dei parte no dia vinte e cinco do dito mês ao Senhor Vice-Rei do Estado, Luís de Vasconcelos e Sousa, depois de feitas as reflexões convenientes em negócio de tanta gravidade, e de alguns exames e averiguações particularíssimos. Que tendo anunciado ao mesmo Senhor Vice-Rei, por carta de vinte e cinco de abril do dito ano, que havia de mandar o delator daquela notícia à sua presença, ou fosse enganadamente, ou por bem, ou por mal, fiz chamar à minha residência, com diverso pretexto, a ele Joaquim Silvério dos Reis, e lhe persuadi artificiosamente que fosse visitar o referido Senhor e lhe contasse também as novidades que me tinha dado. Que anuindo ele a esta persuasão livremente, e, segundo me pareceu, de boa vontade, o mandei partir para o Rio de Janeiro com toda a brevidade, levando carta minha em que certificava ao Senhor Vice-Rei disto mesmo e da qualidade do portador, escrita em dezenove do sobredito mês de abril, e deixando-me a representação ou denúncia que se acha nos Autos, com data de onze, mas feita na Cachoeira no mesmo dia dezenove de abril. E que o fim principal desta diligência, foi dar ocasião ao referido Senhor para que o examinasse também e inquirisse, e para servir-se dele oportunamente na averiguação dos conjurados naquela cidade e nesta Capitania, que ele me tinha prometido extorquir individual e nomeadamente do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que lá se achava começando a exceder a licença com que tinha ido. Tudo o referido consta muito exata e circunstânciadamente das cartas mencionadas, e assim o juro sendo necessário pelo hábito que professo.

Vila Rica, 25 de fevereiro de 1791.

Visconde de Barbacena

P.S. — Também atesto que é verdade ter-me contado o referido Joaquim Silvério dos Reis na segunda vez acima declarada, quando veio chamado à minha residência, que se tendo queixado na presença do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes do aperto que eu lhe fazia pelos pagamentos devidos à Real Fazenda, ele dissera batendo-lhe no ombro: — “Deixa estar que brevemente te hás de ver livre desse flagelo”, e que isto se passara diante do Padre Francisco Vidal de Barbosa e do Padre José Lopes de Oliveira, entre os quais notara alguns sinais de inteligência; e assim o participei também ao Senhor Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, em carta de onze de maio de mil e setecentos e oitenta e nove, mas não me lembro das mais circunstâncias referidas pelo mesmo Padre José Lopes no Auto das perguntas que se lhe fizeram; antes estou certo que tratei o dito Coronel irmão dele com muita desconfiança e cautela na ocasião em que me entregou a afetada denúncia ou representação que está na Devassa, e que algum leve exame que então lhe fiz a respeito daquele fato foi muito disfarçado, sem declaração das formais palavras, e mostrando que o intento desta averiguação era contra o sobredito Joaquim Silvério, a quem ele Francisco Antônio de Oliveira Lopes imputava então toda a culpa e maldade.

Visconde de Barbacena

— CERTIDÃO — Recibos de presos no Rio de Janeiro.

Vila Rica, 9-04-1791.

               O Bacharel José Caetano César Manitti, do Desembargo de Sua Majestade, Intendente nomeado para Comarca de Vila Rica e Escrivão, por Comissão do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General desta Capitania, para escrever na presente Devassa e suas dependências.

               Certifico que pelo dito Excelentíssimo Senhor me foram apresentados dois ofícios do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei do Estado, o primeiro datado de vinte e seis de abril, e o segundo de cinco de junho do ano de mil e setecentos e noventa, pelos quais constava haver entregue naquela cidade o Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania de Minas Gerais, José de Sousa Lobo, preso, o Padre José da Silva de Oliveira Rolim e um mulato, seu escravo e confidente; e o Sargento-Mor também do mesmo Regimento, José de Vasconcelos Parada e Sousa, igualmente presos, o Padre José Lopes de Oliveira e Domingos Vidal de Barbosa, os quais ficavam seguros e incomunicáveis; e todos os referidos presos, juntamente com os que constam do Recibo passado pelo Coronel José Vitorino Coimbra, que vai apenso no número 34, e com o falecido Francisco José de Melo, como também consta da Certidão número 31, são os mesmos compreendidos na outra Certidão junta a esta Devassa, acrescentando mais, além destes, o preso José Martins Borges, que foi também remetido em consequência do sumário número 32. O referido é verdade, e aos ditos ofícios e recibos me reporto; os quais ofícios tornei a entregar ao mesmo Excelentíssimo Senhor, donde por sua ordem vocal passei a presente Certidão em tudo conforme, nesta Vila Rica, aos nove de abril de mil e setecentos e noventa e um; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi e assinei.

José Caetano César Manitti

— CERTIDÃO — índice dos Apensos. Vila Rica, 9-04-1791.

               José Caetano César Manitti, do Desembargo de Sua Majestade, Intendente nomeado para a Comarca de Vila Rica e Escrivão, por comissão do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, para escrever na presente Devassa e suas dependências :

               Certifico que à mesma vão apensos: 1) um requerimento de Joaquim Silvério dos Reis, feito ao Desembargador, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, Juiz da presente Devassa, que compreende cinco artigos de acrescentamento à sua Denúncia, que fez parte do corpo de delito dela; 2) um Auto de continuação de perguntas ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim; 3) um dito ao Bacharel Plácido da Silva e Oliveira Rolim; 4) um dito ao Padre José Lopes de Oliveira; 5) uma certidão por onde consta o falecimento de Francisco José de Melo, que era um dos presos compreendidos na Certidão às folhas 149 dos Autos; 6) um sumário de testemunhas para averiguação do fato que no mesmo declara, com diversos Autos de perguntas, acareações e certidões, compreendido tudo de folhas 1 até 59; 7) uma informação sobre a prisão do Padre José da Silva e Oliveira Rolim, com a certidão das ordens que a determinaram, e da resposta à carta que acompanhou a mesma informação. Vão mais apensos os traslados dos seqiiestros que acresceram feitos em bens: 8) do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; 9) Bacharel Cláudio Manuel da Costa; 10) Domingos de Abreu Vieira; e 11) do Padre José da Silva e Oliveira Rolim. E finalmente: 12) um mapa do estado atual e valor de todos os seqiiestros com as certidões correspondentes. E para assim constar, passei a presente certidão nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, aos nove dias do mês de abril de mil e setecentos e noventa e um. E eu o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que a escrevi e assinei.

José Caetano César Manitti

— ENTREGA DOS AUTOS

               Aos nove dias do mês de abril do corrente ano de mil e setecentos e noventa e um, nesta Vila Rica e casas de residência do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor-Geral e Corregedor desta Comarca, aonde eu Escrivão ao diante nomeado vim, aí entreguei ao dito Ministro estes Autos de Continuação de Devassa, com o número de folhas desde folhas cento e cinquenta e duas até folhas cento e oitenta, e que é a deste termo, com todos os mais apensos e papéis mencionados na Certidão retro; de que para constar, fiz este tenno. E eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão por Comissão, que o escrevi e assinei.

José Caetano César Manitti