Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Volume 5


Obra de referência:

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de MInas Gerais, 1978. 10 volumes..

AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

DEVASSA RIO DE JANEIRO E JUÍZO DA COMISSÃO CONTRA OS RÉUS DA CONJURAÇÃO DE MINAS GERAIS

INQUIRIÇÕES — DEVASSA RIO DE JANEIRO (1789/1790)

JUIZ: Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, da Relação do Rio de Janeiro.

ESCRIVÃO: Bacharel Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro.

INQUIRIÇÕES — JUÍZO DA COMISSÃO — RIO DE JANEIRO (1791)

     Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho Doutor Antônio Dinis da Cruz e Silva Doutor Antônio Gomes Ribeiro

Escrivão: Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, da Relação do Rio de Janeiro.

AUTO DE PERGUNTAS AO ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 22-05-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 27-05-1789

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 30-05-1789

4ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 18-01-1790

5ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 4-02-1790

6ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 14-04-1791

7ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 20-06-1791

8ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 22-06-1791

Acareação com: Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Domingos de Abreu Vieira.

9ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação . . 4-07-1791

10ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Francisco de Paula Freire de Andrada e Padre Carlos Correia de Toledo. 7-07-1791

11ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação .. 15-07-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 22-05-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e dois dias do mês de maio, nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, Cidade do Rio de Janeiro, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de assistir a estas perguntas, e sendo aí se procedeu a elas na forma seguinte, de que tudo para constar fiz auto. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado o escrevi.

                E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha algumas ordens, se era casado, ou solteiro, e que ocupação tinha.

Respondeu que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Vila de S. João del-Rei, Capitania de Minas Gerais, que tinha quarenta e um anos de idade, que era solteiro que não tinha ordens algumas, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, vi que não tinha tonsura alguma, e que era Alferes do Regimento de Cavalaria paga de Minas Gerais.

               E sendo-lhe perguntado se sabia a causa da sua prisão, ou a suspeitava.

               Respondeu que não.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto se ele respondente se tinha refugiado, e posto em circunstâncias de fugir, era sinal evidente de que tinha crime, pelo qual receava ser preso, e chegando a sê-lo, devia desconfiar, que era por esse crime.

               Respondeu, que não tinha crime algum, de que receasse, nem pelo qual fugisse, como com efeito não fugiu, e só o que fez foi esconder-se em casa de Domingos Fernandes, torneiro assistente na Rua dos Latoeiros, o que fez no dia seis de maio do presente ano, e a razão que para isso teve foi por lhe fazerem repetidos avisos, de que o Ilustríssimo, e Excelentíssimo Vice-Rei o mandava prender, e ter visto que atrás dele andavam continuadamente dois inferiores, observando-lhe os passos.

                E sendo instado, que dissesse a verdade porque não era razão bastante o andarem, como ele presumiu, espias atrás dele, nem os avisos, que diz se lhe fizeram, de que Sua Excelência o queria prender, ao mesmo tempo que não declara as pessoas que lhos fizeram; pois se ele não tivesse culpa, nem devia esperar prisão, nem devia temê-la, de sorte que se preparou com um bacamarte carregado, que lhe foi achado no ato da prisão, estando carregado, e demais com cartas que lhe foram achadas, de favor, para ser auxiliado na sua pretendida fugida; com cujos fatos vinha a fazer-se criminoso, o que não era natural, senão para se livrar de algum procedimento, que merecesse por outro crime maior.

                Respondeu, que como tem dito, não tinha crime algum, e que se escondera para ver o que se passava, em razão das antecedências; e que era verdade, que fora achado com o bacamarte, e também que tinha as cartas de favor para ser auxiliado na sua fugida, as quais lhe deram uma, o Capitão Manuel Joaquim Fortes, que é do Regimento de Voluntários de S. Paulo, e se achava nesta cidade para embarcar para a Corte, e assistia nesta cidade nas casas do Mestre de Campo Inácio de Andrade, e outra, de Manuel José, que também assistia nas mesmas casas, e a quem o dito Capitão Fortes pediu que escrevesse ao Mestre de Campo Inácio de Andrade, recomendando desse passagem a ele respondente, porque se via aqui perseguido por dizer as verdades, e com efeito ele respondente recebeu as ditas duas cartas, que sendo-lhe mostradas neste ato reconheceu serem as próprias, que se acham a folhas trinta e sete, e folhas trinta e nove da Devassa, uma de Manuel José, que está assinada por ele, e outra do Capitão Manuel Joaquim, que está por assinar, do que dou fé; porém que tanto o bacamarte, como as cartas, foram diligenciados por ele respondente, depois que viu, que tendo-se ele ocultado, se tinha ido à sua casa, e se tinha prendido um mulato, que nela deixou, ainda que já estava vendido ao Sargento-Mor Manuel Caetano, mas sempre o conservava em casa; porque tinha justo não o entregar senão quatro dias depois da venda, e que só depois que viu o procedimento da prisão do mulato é que se resolveu à fugida para a sua praça, e para isso se preparou com o bacamarte, para não ir pelos matos sem arma.

               E sendo instado, que por isso mesmo, que ele respondente diz que vendera o mulato no dia que se refugiara, com a condição de o conservar por quatro dias, bem manifestava a tenção que ele tinha de fugir nesse tempo; porque de outra forma, ou o não venderia, ou a té-lo vendido o entregaria logo, ou aliás pondo-lhe a cláusula de o entregar daí a tantos dias aumentaria mais tempo para se utilizar do seu serviço no tempo que pretendia estar nesta cidade.

               Respondeu, que a razão por que pedira os quatro dias para conservar o mulato em sua casa fora para observar, se havia algum procedimento no tempo que ele estava escondido; porque se neste tempo o não houvesse, fazia ele Respondente tenção de tornar a aparecer; mas como com efeito o houve, o que ele Respondente soube por via do dono da casa onde ele estava escondido, ao qual mandou averiguar o que se passava.

                E sendo mais instado, que tanto fazia conta de fugir, que logo que saiu de casa tirou dela em uma mala os trastes do seu uso, como ele Respondente não negaria.

                Respondeu, que era verdade ter tirado a mala com os trastes do seu uso na mesma noite em que se tinha retirado de casa, que foi a seis do presente mês, e que a dita mala a pusera na casa do Mestre de Campo Inácio de Andrade, entregue ao Capitão Manuel Joaquim Fortes.

                E sendo mais perguntado, a que veio a esta cidade, quais são as pessoas mais da sua amizade nela.

                Respondeu que viera a esta cidade para a informação de três requerimentos, um a respeito de umas águas, outro de um trapiche, e outro sobre o embarque e desembarque de gados, e que não tinha nesta cidade pessoas de particular amizade, porque se as tivesse não estaria em casas alugadas; porém, que conhecia muita gente em razão da prenda de pôr e tirar dentes.

                E sendo perguntado se conhecia o Ajudante do Regimento da Artilharia João José e o Alferes do Regimento de Cavalaria Auxiliar Jerônimo de Castro e Sousa, se os tinha procurado nas suas casas, quantas vezes, e se tinha tido com eles conversações sobre matérias de ponderação; e quais.

                Respondeu, que conhecia tanto a um, como a outro, e que ao Ajudante João José visitara uma única vez, por ocasião de estar molestado, e que outra vez o procurara, mas então lhe não falou, e que dessa vez, que esteve com ele conversaram a respeito de Minas, porém que não lhe lembrava o que; e a respeito do Alferes Jerônimo de Castro e Sousa, ia várias vezes à sua casa, para que ele lhe cobrasse do Sargento-Mor José Correia o dinheiro de uma madeira, que lhe tinha vendido; e quanto a conversações com ele só lhe lembra, ter falado a respeito do pouco que os povos de Minas estavam satisfeitos com a derrama, que se dizia, se lançava, e que era impossível a eles pagá-la, de sorte que ou haviam de fugir, ou ficarem sem nada, entregando tudo o que tivessem.

               E sendo instalado, que dissesse a verdade, porquanto era afetação o dizer que se não lembrava da conversação que tinha tido com o Ajudante João José ao mesmo tempo, que ela foi de tal qualidade, que por si se fazia muito recomendável à memória, assim como igualmente a que tivera na presença do Alferes Jerônimo de Castro e Sousa, em casa de Valentim Lopes da Cunha, e sua irmã Mônica Antônia.

               Respondeu com o mesmo, que já tinha dito a este respeito, que se não lembrava de nada a respeito da conversação com o Ajudante João José, nem a respeito das mais, e nisto insistiu.

               E sendo-lhe mais instado, que dissesse a verdade, porque se sabia, que ele Respondente tinha dito, que os cariocas eram uns patifes, vis, que era bem feito que levassem com um bacalhau, visto que queriam suportar o jugo, que tinham do governo da Europa, do qual se podiam bem livrar, como fizeram os americanos ingleses, e que se todos tivessem o seu ânimo já estaria isso executado, pois ele se achava com valor de ir atacar o próprio vice-rei no seu palácio, e que nas Minas certamente se levantavam com o governo, e que seria bom, que o Rio de Janeiro e S. Paulo dessem as mãos para a mesma empresa.

               Resdondeu, que era inteiramente faltar à verdade, o dizerem que ele Respondente tinha dito semelhantes proposições; pois só se ele estivesse bêbado ou doido poderia tal proferir, e que as demais pessoas indicadas não eram capazes para se lhe comunicarem tais intentos, quando os houvesse, o que não houve.

               E sendo-lhe instado, que não faltasse à verdade, porque se sabia muito bem, que ele tinha trabalhado sobre este ponto, cle forma que em Minas já era sabido pela maior parte das gentes, ainda mesmo sem serem pessoas da escolha, por ter grassado o projeto em razão das persuasões, e falatórios dele Respondente, e por isso é indubitavelmente certo, que ele Respondente sabe perfeitamente deste caso, e das pessoas, que nele fazem a principal figura, pelas quais é perguntado neste auto para que haja de as nomear e descobrir.

                Respondeu, que tal não há, que tudo é uma quimera, que ele não é pessoa, que tenha figura, nem valimento, nem riqueza, para poder persuadir um povo tão grande a semelhante asneira.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, porque sem que ele tivesse as qualidades, que julga necessárias para este intento podia entrar nele, seguindo o partido de alguns cabeças, que o tivessem intentado.

                Respondeu, que nem tinha entrado em semelhante projeto, nem dele tinha notícia alguma.

                E insistindo nisto, por mais instâncias que se lhe fizeram mandou ele Desembargador vir a testemunha do número 2°, o Ajudante João José Nunes Carneiro, e lendo ao Respondente o depoimento desta testemunha, não teve que lhe responder, mais que uma simples e fria negação, e só confessou que lhe tinha dito, que se se lançasse a derrama, os povos não quereriam pagar; porém reconhecidamente se vê a falta de verdade, com que ele Respondente nega os fatos, que tanto a dita testemunha, o Ajudante João José Nunes Carneiro, como o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, os quais animosamente na sua presença asseveraram, o que tinham dito nos seus depoimentos, ao que ele Respondente só respondeu, que eram coisas que lhe andavam armando; e quanto ao passo de ter dito ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, quando se encontrou com ele no caminho de Minas, que fosse, que ele vinha trabalhar para ele, respondeu, que se não lembrava desse dito, e que se o disse foi sem consequência, nem fim algum; o que mais convence da sua falta de verdade; porque as coisas, se não dizem sem consequência nem fim algum. E por este modo liouve o dito Desembargador estas perguntas por findas, e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver falado a verdade nelas pelo que respeitava a direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e testemunhas depois deste lhe ser lido, e o acharem na verdade, e assinou também o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, que a tudo esteve presente: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi. Diz a emenda no princípio destas perguntas, ou entrelinha, filho de Domingos da Silva dos Santos. E eu sobredito o escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Joaquim José da Silva Xavier

João José Nunes Carneiro

Joaquim Silvério dos Reis

José dos Santos Rodrigues e Araújo

                E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                Respondeu, que eram as mesmas, e de novo as retificava.

                E sendo-lhe perguntado, se era verdade ter tido a conversação com o Ajudante João José Nunes Carneiro, conforme ele declara no seu juramento.

                Respondeu, que fazendo reílexão sobre a conversação, que tinha tido com ele lhe lembrava ser verdade ter conversado com o dito Ajudante sobre as matérias, que ele diz no seu juramento; porém que não fora com o ânimo, nem com o veneno que a dita testemunha se persuade, e se quer imputar a ele Respondente; pois o modo por que falou nisso foi, dizendo que o povo de Minas estava em desesperação, por lhe quererem lançar a derrama, e que era muito má política o vexar os povos; porque poderiam fazer, como fizeram os ingleses, muito principalmente se se chegassem a unir as Capitanias do Rio de Janeiro, e S. Paulo, e que se houvesse pessoas animosas poderiam até atacar o Ilustríssimo, e Excelentíssimo Vice-Rei no seu palácio; mas que nada disto ele Respondente disse, não convidando a ninguém para que o fizesse, nem dizendo que o queria fazer; mas tão somente em matéria de conversação, referindo e considerando o perigo, e as consequências, que podiam seguir-se se não houvesse cuidado em contentar o povo, e que se ele acrescentou — se fossem animosas, como ele respondente, — foi por encarecer o seu ânimo, e por basófia, mas não porque intentasse tal coisa.

                E sendo-lhe mais perguntado, se ele sabia quais eram as pessoas, que estavam dispostas para se levantarem no caso que se lançasse a derrama, ou ao menos quais eram as principais.

                Respondeu, que geralmente todas as pessoas, da maior até a mais pequena, diziam, que se se pusesse a derrama, a não pagavam, e que saiam da Capitania; porém que ele, Respondente não sabia, que se houvessem de levantar com violência, nem que tivessem cabeças, ou capatazes para isso, a quem se acostassem.

               E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, porquanto se sabia que havia cabeças no projeto do levante, e que tanto intentavam fazê-lo por força, que destinavam tirar a cabeça ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde Governador, e Capitão General e mais a outros, que não seguissem o partido.

               Respondeu, que ele não sabia de cabeças algumas neste partido, nem de que se intentassem fazer os delitos das mortes, que se diz, e só ouviu dizer ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, quando aqui chegou, falando ambos a respeito de Minas, e como estavam lá os negócios a respeito da derrama, referiu o dito Coronel, que o povo estava impaciente, e principalmente os que deviam à Fazenda Real, e disse que os que estavam mais levantados eram o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Vigário de S. José, Padre Carlos e outros mais de que se não lembra.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, que bem mostrava faltar a ela; porque nas perguntas, que antecedentemente se lhe tinham feito, não declarou nada disto, antes absolutamente negou, e só disse a respeito de ter dito ao dito Coronel — que vinha trabalhar para ele —, fora expressão que proferira à toa.

                Respondeu, que então não dissera o que agora diz, porque não estava lembrado, e o que agora lhe sucede de se lembrar melhor é em razão de estar examinando com mais miudeza as conversações, que teve a este respeito.

                E sendo mais perguntado, que visto ele ter examinado melhor as conversações, que tinha tido a respeito desta matéria, lhe havia de lembrar muito bem, o que disse a respeito de um soldado, que pretendia baixa, e se lastimava de a não ter conseguido, a que ele Respondente saiu, dizendo que era bem feito, visto que os cariocas eram uns vis, patifes e fracos, que estavam sofrendo o jugo da Europa, podendo viver dela independentes, cujo dito ouviram Valentim Lopes da Cunha, e Jerônimo de Castro e Sousa.

                Respondeu que tal não dissera, e que somente usara da expressão, de que tivesse paciência, porque também eles em Minas sofriam o mesmo.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, e persistindo no mesmo, mandou o dito desembargador vir as testemunhas do número terceiro a folhas dezessete, Jerônimo de Castro e Sousa, e a testemunha referida a folhas dezoito, Valentim Lopes da Cunha, e sendo perguntados na presença dele Respondente para que referissem as palavras, que tinham ouvido, eles as referiram constantemente do mesmo modo, que tinham jurado, e sendo então perguntado ao Respondente, o que dizia àquilo, não se atreveu a negar, mas disse que lhe não lembrava de tal ter dito, que eles testemunhas poderiam estar mais certos disso; porém que ainda caso o dissesse, não era com o mau ânimo que se presume. E por este modo houve ele dito desembargador por agora estas perguntas por findas, e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver falado verdade nelas pelo que respeitava o direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e testemunhas depois deste lhe ser lido, e o acharem na verdade, e assinou também o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, que a tudo esteve presente, de que dou fé. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Joaquim José da Silva Xavier

João José Nunes Carneiro

Joaquim Silvério dos Reis

José dos Santos Rodrigues e Araújo

7ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 30-05-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos trinta dias do mês de maio, nesta Cidade do Rio de Janeiro, nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, para efeito de continuar estas perguntas, e juntamente o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, e sendo aí mandou vir à sua presença o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, ao qual sendo presente continuou as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado o escrevi.

               E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e se de novo as ratificava.

               Respondeu, que eram as mesmas, e que de novo as ratificava.

               E sendo-lhe instado, que ele Respondente não tinha falado com sinceridade, nem nas primeiras perguntas, nem

nas segundas; porquanto nas primeiras tinha faltado a dizer o que nas segundas declarou, e nestas se houve ainda com diminuição, não dizendo tudo o que sabia; pois não tem declarado os projetos da sublevação, em que ele tinha entrado, como ele havia declarado a algumas testemunhas, nem igualmente disse aos sócios deste projeto, sem os quais ele se não podia lazer, nem do mesmo modo manifestou que Manuel Joaquim Fortes, e Manuel José, e Domingos Fernandes, em casa de quem ele Respondente se ocultou, sabiam dos seus projetos; pois que um lhe ocultou a mala, outro lhe chamava patrício, e lhe deu a carta de favor, e outro lhe consentiu que se ocultasse em sua casa, coisas estas que bem mostram ser verossímil, que ele Respondente lhes tivesse comunicado os seus projetos, e que neles tivessem parte.

                Respondeu, que nas segundas perguntas tinha dito tudo quanto era verdade, e que a elas se reportava; pois nem tinha entrado em projeto de sublevação, e as suas falas a este respeito eram sem malícia, nem sabia de sócios, que para ela houvesse, nem tão pouco aos sobreditos disse coisa alguma, porque não sabia, que a este respeito a houvesse; porque a mala foi ter à casa do Capitão Manuel Joaquim por engano; pois que ele Respondente a mandava para casa de Domingos Fernandes; e que a Manuel José nunca o tinha visto, senão na noite em que lhe deu a carta, e que o tratava de patrício, porque ele lhe dissera ser também filho de Minas, e que quanto a Domingos Fernandes, a este só pediu que o deixasse ocultar em sua casa, pelo receio em que ele Respondente estava, de que o prendessem.

                E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, do que soubesse a respeito da sublevação de Minas, que nesta cidade falou nela a certa pessoa, declarando-lhe quem eram os cabeças dela.

                Respondeu, insistindo que não sabia nada; pelo que mandou ele Desembargador vir o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, o qual com efeito vindo, lhe mandou que repetisse o que tinha passado com o Respondente na escada de Antônio de Oliveira Pinto, e com efeito repetiu, dizendo que o Respondente lhe perguntara logo que ele dito coronel chegara de Minas, como estavam as coisas, em que lhe falara o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, irmão do Vigário de S. José, que vinha a ser a sublevação, que se intentava em Minas, o modo de se fazer, as pessoas que nela entravam, entre as quais era uma ele Respondente, o qual dizia estar arrependido de cá vir; porque não achava as coisas em figura; porque todos eram uns bananas com muito medo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei, e que voltava logo para Minas para ver se lá se efetuava, antes que viessem os quintos, que sempre lá serviam para muito, e que desconfiava do Ajudante João José, de quem ele se tinha fiado, por ser patrício, mas que era um cachorro, que certamente o tinha vendido, e declarado a Sua Excelência a prática, que tinha havido entre eles. E suposto o Respondente só confessou, o que tinha dito o Coronel Joaquim Silvério dos Reis a respeito do Ajudante João José, negando o mais, claramente se conhece a verdade do dito Coronel, e a tibieza da negativa do Respondente, do que eu, e o dito tabelião damos fé: E por este modo houve o dito Desembargador estas perguntas por findas, e acabadas, dando juramento ao Respondente de haver falado nelas a verdade pelo que respeitava o direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, e o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, depois de tudo lhes ser lido, e o acharem na verdade. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Joaquim José da Silva Xavier

Joaquim Silvério dos Reis

José dos Santos Rodrigues e Araújo

7ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 18-01-1790

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos dezoito do mês de janeiro nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, Cidade do Rio de Janeiro, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo para efeito de continuar estas perguntas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que se acha preso em custódia na dita Fortaleza, e sendo aí mandou vir à sua presença ao dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier, ao qual sendo presente continuou as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                Respondeu que eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, à qual tinha faltado em todo o sentido; pois negava o levante, que se premeditava fazer na Capitania de Minas Gerais, quando ele era o cabeça do motim, que convidava a todos quantos podia tão alucinadamente, que nem escolhia pessoas nem ocasião, e por isso deve dizer todas as pessoas que entravam no dito levante, e sedição, ou prestavam para ela o seu consentimento, e que comunicações havia para as potências estrangeiras, e por que vias, e também quem eram as pessoas do Rio de Janeiro, que favoreciam, ou premeditavam o mesmo levante, o que tudo ele Respondente asseverava às pessoas que queria persuadir.

                Respondeu, que ele até agora negou por querer encobrir a sua culpa, e não querer perder ninguém; porém que à vista das fortíssimas instâncias com que se vê atacado, e a que não pode responder corretamente senão faltando clara, e conhecidamente à verdade, se resolve a dizê-la, como ela é: que é verdade, que se premeditava o levante, que ele Respondente confessa ter sido quem ideou tudo, sem que nenhuma outra pessoa o movesse, nem lhe inspirasse coisa alguma, e que tendo projetado o dito levante, o que fizera desesperado, por ter sido preterido quatro vezes, parecendo a ele Respondente, que tinha sido muito exato no serviço, e que achando-o para as diligências mais arriscadas, para as promoções e aumento de postos achavam a outros, que só podiam campar por mais bonitos, ou por terem comadres, que servissem de empenho, porque o seu Furriel está feito Tenente, Valeriano Manso, que foi soldado da Companhia dele Respondente perto de seis anos está feito Tenente da mesma companhia, Fernando de Vasconcelos, que foi cadete seis anos, sendo ele Respondente já Alferes, está feito Tenente, Antônio José de Araújo, que era Furriel, sendo ele Respondente Alferes, está feito Capitão, e Tomás Joaquim, que foi Alferes ao mesmo tempo que ele Respondente, está feito Capitão da sua mesma companhia, que a primeira pessoa a quem falou, propondo-lhe o intento da sublevação, e motim foi nesta cidade a José Álvares Maciel, filho do Capitão-Mor da Vila Rica, o qual aprovou o projeto da premeditada sublevação, e motim, e nesta Cidade do Rio de Janeiro, onde nesta ocasião se encontrou com o dito José Álvares Maciel não falou a pessoa alguma mais, e o modo por que falou ao dito José Álvares Maciel foi; porque tendo ele chegado da Inglaterra, e indo ele Respondente visitá-lo em razão de ser cunhado do seu tenente-coronel, falaram sobre os conhecimentos, que o dito José Álvares Maciel tinha adquirido a respeito de manufaturas e mineralogia, dizendo que os nacionais desta América não sabiam os tesouros que tinham, e que podiam aqui ter tudo se soubessem fabricar, passou depois o Respondente a falar dos governos, e como vexavam os povos, e que também ele era um dos queixosos, ao que o dito José Álvares Maciel disse, que pelas nações estrangeiras por onde tinha andado, ouvira falar com admiração de não terem seguido o exemplo da América inglesa; com este dito entrou o Respondente a lembrar-se da independência, que este País podia ter, entrou a desejá-la, e ultimamente a cuidar no modo, por que poderia isso efetuar-se, e como estava para partir para Vila Rica, e de fato partiu no caminho perguntou ao Coronel José Aires Gomes em casa de quem pousou, como se davam os povos com o novo General, o Ilustríssimo, e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, e dizendo-lhe o dito coronel, que muito bem, que ele era belíssimo, disse o Respondente, que no princípio todos eram bons, que antes ele fosse um diabo pior que o antecessor o Ilustríssimo, e Excelentíssimo Luís da Cunha Meneses; porque poderia assim suceder, que esta terra se fizesse uma República, e ficasse livre dos governos, que só vêm cá ensopar-se em riquezas de três em três anos, e quando eles são desinteressados, sempre têm uns criados, que são uns ladrões, e que as potências estrangeiras se admiravam, de que a América portuguesa se não subtraísse da sujeição de Portugal, e que elas haviam de favorecer este intento, ao que o dito coronel respondeu, que este projeto era uma asneira, e que sempre havia de haver um que nos governasse, lembrando-se do ditado, — quando neste vale estou, outro melhor me parece, — e não se avançou mais a conversação com o dito Coronel José Aires Gomes, nem ele Respondente pretendia por entrada mais do que fazer lembrar este projeto, e por isso chegando mais adiante à fazenda do Registro Velho, procurou o mesmo método de conversação com o Padre Manuel Rodrigues da Costa, o qual depois de ouvir, lhe disse que ele Respondente não sabia bem o melindre da matéria em que falava, que se deixasse de falar nela, que lhe podia suceder mal.

               Chegando depois a Vila Rica, passados três meses pouco mais ou menos, porque ele Respondente estava doente de um pé, e vendo que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada se opunha, a que ele Respondente cobrasse os seus soldos, lhe meteu por empenho a seu cunhado José Álvares Maciel, e juntamente para que o dito tenente-coronel não fosse seu inimigo, posteriormente tornando a falar com o dito José Álvares Maciel, tornaram a renovar o projeto, de que a América podia ser uma República, e viver independente de Portugal, e assentaram de fazer a diligência, a ver se se conseguia, para o que ajustaram, que o dito José Álvares Maciel, seu cunhado, lhe falasse primeiro nesta matéria, e o dispusesse, e que depois disso ele Respondente lhe falaria, como fez propondo-lhe este negócio em uma ocasião, que o dito tenente-coronel estava doente, ao que o dito tenente-coronel a princípio respondeu, estranhando, e dizendo — Vossa Mercê fala-me nisso? — e procurando o Respondente persuadi-lo melhor, lhe disse que o negócio só dependia da sua vontade; porque no Rio de Janeiro estavam dispostos, e só desejavam saber da determinação dele dito tenente-coronel, e do partido que ele tomaria, sobre o que ele mascou, e disse a ele Respondente, que já outro sujeito lhe tinha falado na mesma matéria, e que não falasse em tal, e perguntando-lhe ele Respondente quem era o sujeito, que já lhe tinha falado na mesma matéria, está em dúvida se ele lhe disse que era o Padre Carlos Correia de Toledo, Vigário da Vila de S. José, ou seu cunhado, José Álvares Maciel.

               Depois passados dias sucedeu passar ele Respondente por casa do dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e nela achou a seu cunhado, José Álvares Maciel, e ao Vigário da Vila de S. José, Carlos Correia, e aproveitando-se da ocasião, como também o dito José Álvares Maciel, tornaram a falar no mesmo negócio, e a persuadir ao dito tenente-coronel, que ele podiu efetuar-se, e ultimamente todos convieram em que se fizesse a sedição, e levante, fundamentados na derrama, a qual causava um desgosto geral aos povos, e os achava dispostos para entrarem na dita sedição; em outro dia se tornaram, ele Respondente, e os sobreditos a ajuntar em casa do dito tenente-coronel, assistindo mais o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, entre os quais se entrou a traçar, e ajustar o modo por que se havia de lazer a dita sublevação, e motim; e o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada disse que, visto ele Respondente ter assegurado, que no Rio de Janeiro havia um grande partido, que favorecia a sublevação, e motim, e a seguia, viesse ele Respondente ao Rio de Janeiro, e conduzisse para Minas aquelas pessoas, que o seguiam, e procurasse persuadir a outras; porque indo esta gente para a Capitania de Minas já como em motim, ele dito tenente-coronel, como chefe da tropa, havia de vir ao caminho a rebatê-los, e opor-se-lhes em lugar de o fazer se uniria à dita gente, e com ela iria a Vila Rica a dar princípio à sublevação, e motim, ao que ele Respondente disse que não podia ser assim; porquanto se ele saísse com nte do Rio de Janeiro para favorecerem, e ajudarem o partido da sedição, e levante, antes deste se efetuar na Capitania de Minas, poderia vir maior partido do povo da dita Capitania, e oporem-se à gente, que ele Respondente levasse, e ficar sem efeito este socorro, com cujo voto concordou o Coronel Inácio José de Alvarenga, que suposto não estivesse desde o princípio presente a esta conversa, contudo foi chamado por uni escrito, que lhe escreveu o Vigário da Vila de S. José, Carlos Correia de Toledo, e vindo, foi-lhe recontada toda a conversação, e acrescentou, que primeiro que tudo se devia fazer o levante em Minas Gerais, e depois procurarem-se os socorros do Rio de Janeiro.

                Na conversação cada um dos assistentes disse o que lhe pareceu, lembrando o método, e modo, como se deveria fazer o levante, o que era encontrado pelos outros, conforme as razões de dificuldade, que lembravam, o que ele Respondente não expõe com toda a individuação; porque não está totalmente certo dessas miudezas, e só conservou, e conserva na memória as coisas principais, em que se assentou, como foi, o ir ele Respondente a Cachoeira prender o general, e fazê-lo conduzir com a sua família para fora do Distrito de Minas, dizendo que se fosse embora, e dissesse em Portugal, que já cá se não carecia de governadores; esta foi a última resolução, não obstante haver quem lembrasse, que não havia levante sem cabeça tora, que segundo a lembrança dele Respondente, foi ou José Álvares Maciel, ou o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; mas ele Respondente não assevera com toda a certeza, que não fosse algum outro fora dos que acima disse, e só está certo, que ele, Respondente não conveio na proposição, e disse, que a matar-se algum, fosse o Cabeça de Escova, denominando assim ao Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, por andar com setecentos negócios logo que chegou. Que tirado o governo ao general, se deitaria um bando em nome da República, para que todos concordassem, e seguissem o partido dela, isto era em lugar da fala, que se havia de fazer ao povo; porque tendo-se falado, em que era necessário haver um cabeça, respondeu o Coronel Inácio José de Alvarenga, que se não queria naquela ação cabeça; mas sim serem todos cabeças, e um corpo unido.

                O Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada disse que falaria ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira para dar a pólvora, que pudesse; o Padre José da Silva e Oliveira Rolim também disse que mandaria vir alguma pela Bahia, e assentou-se, em que seria necessária a pólvora; porque o Respondente, suposto lhes facilitava o partido do Rio de Janeiro, contudo não os enganava, nem lhes assegurava, que ele estava certo; porque não sabia se na dita cidade se quereria, ou não, seguir este partido.

                Assentou-se mais na dita conversação, que José Álvares Maciel faria a pólvora, e estabeleceria algumas manufaturas pelo tempo adiante, que o Vigário da Vila de S. José capacitaria gente para entrar na sedição, e motim, e o mesmo havia de fazer ele Respondente por onde pudesse, que o Coronel Inácio José de Alvarenga daria gente da Campanha, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim do Serro do Frio, no que convieram os sobreditos: E falando ele Respondente, em que a nova República que se estabelecesse devia ter bandeira, disse que como Portugal tinha nas suas por armas as cinco chagas, deviam as da nova República ter um triângulo, significando as três pessoas da Santíssima Trindade; ao que o Coronel Inácio José de Alvarenga disse que não, e que as armas para a bandeira da nova República deviam ser um índio desatando as correntes com uma letra latina, da qual ele Respondente se não lembra, e que tudo ficasse sopito, e em suspenso até se lançar a derrama, se achassem, que com ela ficava o povo disposto para seguir a sedição, e motim; estando ele Respondente, e os sobreditos nesta conversação chegou o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e com a sua vinda todos se calaram, e se foram embora.

               Em consequência do ajuste, de que ele Respondente capacitasse, e seduzisse as pessoas que pudesse, para entrarem na sublevação, e motim, procurou ele Respondente falar a algumas pessoas, usando da arte, que lhe parecia necessária conforme os caracteres delas, e aproveitando as ocasiões, que se lhe ofereciam para isso: Uma das pessoas a quem falou foi ao Capitão Vicente Vieira da Mota, não tanto por ele, como para ver se reduzia a João Rodrigues de Macedo, de quem é caixeiro, por ser este benquisto, e ser devedor de uma grande soma de dinheiro à Fazenda Real, o que o poderia fazer convir no intento; mas o dito Capitão Vicente Vieira da Mota, nem conveio, nem consentiu que se procurasse os meios de falar a João Rodrigues de Macedo: também falou a José Joaquim da Rocha, que igualmente disse que nem queria saber de semelhante negócio, e a ocasião que teve de lhe falar, foi ter conversado com ele, por ser muito curioso de mapas, quantas almas teria a Capitania de Minas Gerais, e depois seguiu o discurso, dizendo que se podiam governar melhor, passando a América a ser República: Falou a Salvador do Amaral Gurgel na ocasião que este lhe contou ter ido para cima da Comarca do Rio de Janeiro, por ser perseguido pelo Ouvidor da Comarca, Francisco Luís Álvares da Rocha, e dizendo-lhe ele Respondente o pensamento, em que andava, lhe pediu algumas cartas para sujeitos do Rio de Janeiro, que visse que eram azados para o intento, o qual as prometeu, porém não as deu: Também falou ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, em ocasião que ele foi visitar ao Respondente; porém logo que lhe falou se benzeu, dizendo, meu compadre, Vossa Mercê está doido, e foi saindo, contudo depois soube ele Respondente, que foi capacitado para entrar no levante pelo Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e pelo Padre José da Silva e Oliveira Rolim, metendo-lhe na cabeça, que na derrama lhe haviam de tocar seis mil cruzados.

                Depois disse a ele Respondente o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que o Coronel Inácio José de Alvarenga dissera que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada mandava dizer a ele Respondente, que não falasse mais a pessoa alguma, e que às que tinha falado, se pudesse as desvanecesse; porque podia não ter efeito a sublevação, e motim, e que só depois de posta a derrama se havia de ver, se a dita sublevação se fazia.

                Passados alguns dias veio o Respondente para o Rio de Janeiro, por causa de lhe terem chegado uns requerimentos de Lisboa a respeito de umas águas, e no caminho não deixou de falar, quando se lhe ofereceu ocasião, e se falava em derrama: Uma das pessoas a quem falou, foi ao Capitão João Dias da Mota, o qual respondeu que o estabelecimento da República não seria mau; porém que ele nem se metia nisso, nem de tal queria saber: Também falou na derrama, e no modo por que a América se podia fazer República no sítio da Varginha, em casa do estalajadeiro João da Costa, estando presente um viandante fraca-roupa chamado Antônio de Oliveira Lopes, o qual pareceu abraçar o sistema que o Respondente seguia; porque disse que em ele Respondente tendo onze, que abraçassem o seu partido, fizesse conta com ele, que eram doze, e beberam à saúde dos novos governos; mas não sabe ele Respondente se isto era com ânimo verdadeiro, ou se seria por convir com ele Respondente em razão deste lhe ir pagando os gastos até Vila Rica, e é certo que o dito estalajadeiro ouviu toda a conversação, mas não lhe lembra a ele Respondente coisa por onde possa dizer se ele abraçou o partido: No Sítio das Cebolas, falou o mesmo perante o Furriel de Artilharia desta cidade, Manuel Luiz Pereira, o qual não deu assenso ao partido, que ele Respondente propunha.

                Chegou a esta cidade, e nela talou ao Ajudante do Regimento de Artilharia, João José Nunes Carneiro, o qual o despersuadiu, dizendo-lhe que não sabia no que se metia, que o que lhe propunha eram coisas, em que se não falava: Também falou perante Valentim Lopes da Cunha, e sua irmã, Mônica Maria do Sacramento, e Jerônimo de Castro e Sousa, por ocasião de se queixar um soldado, que não podia conseguir a sua baixa; mas também nenhum aprovou o discurso, e proposição dele Respondente, e que isto é tudo quanto se passou nesta matéria, e que poderia alguma pessoa ouvir falar a ele Respondente nesta matéria; porém que dela se não recorda, antes se admira de ter visto que não tem escapado o mínimo passo, que o Respondente desse, que não tenha sido sabido pelo juiz desta Devassa, e por isso se persuadiu que assim queria Deus, que se soubesse; pelo que se resolveu a dizer toda a verdade ingenuamente.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, pois ainda que tinha dito algumas coisas, não tinha dito tudo, como devia; porque sabendo ele Respondente, que tinha entrado nesta conjuração o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, não o tinha declarado, e também tendo dito que o Rio de Janeiro todo, principalmente os homens de negócio eram deste partido, e que as nações estrangeiras davam auxílio, não declarou nada a este respeito, o que agora deve fazer com todas as circunstâncias e individuação.

               Respondeu, que a respeito do Doutor Cláudio Manuel da Costa, é certo que ele Respondente falara; mas ele não admitiu o convite, antes disse que ele Respondente andava procurando perder alguém, e que não sabia, no que se metia, e não ter declarado isto na sua antecedente resposta foi por esquecimento; porque agora, como já disse, não oculta a mais leve coisa da verdade, que a faltar a ela, seria para se desculpar, o que não faz.

               Quanto ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, sobre o qual lhe têm feitas tantas instâncias, declara que absolutamente não sabe, que ele fosse entrado, e nunca ele Respondente lhe falou em tal pelo temer, e lhe parecer que ele não era entrado em razão de ver, como já disse, que quando ele entrou em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada na ocasião que se tinha estado a falar nesta matéria, todos se calaram, e a ele se não contou coisa alguma, e que ele Respondente não tem razão nenhuma de o favorecer; porque sabe que o dito desembargador era seu inimigo, por uma queixa, que o Respondente fez dele ao Ilustríssimo e Excelentíssimo General Luís da Cunha, não obstante o que ele Respondente confessa, que todos o aclamavam por bom Ministro, e ele mesmo Respondente assim o diz, e assim o disse várias vezes até ao seu mesmo sucessor: E que quanto ao Rio de Janeiro, e ao socorro das nações estrangeiras, confessa ele Respondente tê-lo dito a algumas pessoas, mas era idéia para melhor persuadir àquelas a quem falava; porque na realidade nem tinha nesta cidade partido, nem falou mais que às pessoas que já disse, e tanto conheceu que não podia fazer nada pelo respeito, que todos tinham ao ilustríssimo, e excelentíssimo vice-rei, e que qualquer coisa, que se falasse. ele o saberia logo, que assim mesmo o disse ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, desvanecendo-o, quando o dito coronel disse a ele Respondente nesta cidade, que vinha ajudá-lo a fazer partido.

                E sendo instado, que dissesse as mais pessoas, a quem tinha comunicado o intento, como era a Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, Manuel José de Miranda, que lhe tinham dado cartas para ser auxiliado na fugida que pretendia fazer, pelo Mestre de Campo Inácio de Andrade, e a Domingos Fernandes Cruz, que o ocultou em casa.

                Respondeu, que nenhum deles sabia nada; porque nem ele Respondente já tratava de semelhante negócio, nem cuidava senão em se retirar; e só pediu a carta a Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes com o fundamento de ter dito mal do ilustríssimo e excelentíssimo vice-rei, e com o mesmo fundamento pediu outra a Manuel José de Miranda, o dito Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, para ele Respondente ser auxiliado na fugida; e Domingos Fernandes Cruz ocultou a ele Respondente em sua casa por empenho, que lhe meteu, e que esta era toda a verdade: E por esta forma houve o dito Desembargador por ora estas perguntas por findas, e acabadas, e assinou com o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, e o Respondente depois destas lhe serem lidas e as achar na verdade, como tinha respondido, e o dito Desembargador deu o juramento ao Respondente de haver nestas perguntas falado a verdade pelo que respeita a direito de terceiro.

               E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade: E eu Marcelino Pereira Cleto. Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi,

e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Joaquim José da Silva Xavier

Joaquim Silvério dos Reis

José dos Santos Rodrigues e Araújo

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 04-02-1790

                Aos quatro dias do mês de fevereiro de mil setecentos e noventa anos nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, cidade do Rio de Janeiro, onde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Escrivão nomeado, Manuel da Costa Couto, nos impedimentos do Ouvidor da Comarca, Marcelino Pereira Cleto, Escrivão desta Devassa e o Tabelião José dos Santos Rodrigues Araújo para efeito de assistir à continuação destas perguntas feitas ao Réu, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e sendo aí se procedeu à continuação das mesmas perguntas, de que para constar, liz este termo, eu Manuel da Costa Couto, Escrivão das Apelações e Agravos, nomeado no impedimento do ouvidor o escrevi.

                E sendo-lhe lidas as perguntas retro e perguntado se eram as mesmas e as ratificava.

                Respondeu que sim, ratificava o que ultimamente tinha dito no que tinha falado inteiramente a verdade.

                E sendo instado que dissesse a verdade mais completamente, pois ainda tinha deixado de declarar quem era um clérigo a quem chamavam doutor e outro sujeito do Rio das Mortes, que estavam em casa do estalajadeiro João da Costa Rodrigues, morador na Varginha, com quem o Respondente teve conversas sediciosas a respeito do levante, dizendo que tinha pessoa muito grande e de caráter que agora deve declarar quem era e quem eram os mais sujeitos, que se achavam na dita conversação, tudo com individual clareza.

                Respondeu que já tinha dito que a conversação, que tivera naquele sítio da Varginha fora unicamente com o piloto Antônio de Oliveira Lopes, que era um pobre homem a quem ele Respondente favorecia e lhe fazia os gastos na jornada e o estalajadeiro dono da casa, o dito João da Costa, sem que ali estivesse mais pessoa alguma e que ele Respondente, sim, falou nessa ocasião em um doutor e outras pessoas do Rio das Mortes contando como um caso, que lhe tinha sucedido de se quererem opor ao que ele Respondente dizia sobre a derrama e o levante e que depois ficaram convencidos, confessando que ele Respondente tinha razão e que eles estavam pelo mesmo, porém tal não tinha sucedido, era só figura e idéia armada para persuadir, o que ele Respondente fazia pelos modos que lhe pareciam mais próprios, conforme as pessoas com quem falava e que se algumas vezes dizia ele Respondente, que tinha pessoa grande de caráter, era na inteligência dele Respondente, por ser entrado o seu Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, que ele reputava por pessoa grande.

               E sendo mais instado para que dissesse quem era o cabeça, porque a sublevação não havia de ser feita sem isso e quem havia de fazer as leis, que constava tinham sido encarregadas ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga: e também quais eram as pessoas que se havia de matar, e de que modo.

               Respondeu que já tinha dito que não havia cabeça algum, que o réu Respondente fora sim o primeiro que falara na matéria conversando a respeito da derrama, os mais foram seguindo, e aprovando mas sem nenhum se fazer cabeça e na realidade sempre a coisa ficou como meio feita no ar, ainda depois no adjunto, que tiveram os sócios na casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, de forma que nem completamente se assentou que pessoas se haviam ou não de matar, ainda mesmo a respeito do Excelentíssimo General Governador, que alguns temiam que não sendo ele morto se unisse o povo ao seu partido e ele Respondente disse que estava pronto para a ação mais arriscada, mas que sem o matar se obrigava a pô-lo fora da Capitania e se quisessem, depois de lhe tirarem o governo não havia que temer e podiam conservar indo para uma das sesmarias dele Respondente, que lhe daria porque naturalmente ele temeria ir para Portugal tendo cá tido tão mau sucesso: Que quanto às leis falou-se que se havia de fazer depois, mas não sabe que se encarregasse a pessoa alguma e menos ao Desembargador Gonzaga, no qual nunca ouvia falar e se persuade que de tal não sabia porque quando entrou em casa de Francisco de Paula se interrompeu a conversa em que se estava, de levante, e se não falou mais nele o que não sucederia se ele fosse sabedor; é verdade que Joaquim Silvério nesta cidade disse a ele Respondente que o dito Desembargador Gonzaga era entrado, do que ele Respondente se admirou e ainda hoje mesmo se não capacita e é certo que nem o encobre por amizade porque era seu inimigo, nem pelo respeito porque a ser por isso, encobriria ao seu tenente-coronel a quem tributa maior respeito e o mesmo Joaquim Silvério dos Reis dirá se o Respondente alguma vez lhe falou no dito Desembargador Gonzaga, sendo certo que ele Respondente lhe falava com franqueza e sinceridade.

                E sendo mais instado para que dissesse a verdade que ocultava a respeito do partido que tinha nesta Cidade do Rio de Janeiro, e das correspondências que havia para as potências estrangeiras e que socorros se esperavam de lá, o que ele havia de saber muito bem, e deve declarar.

                Respondeu que como já tinha dito, se a algumas pessoas ele falava em partido que tinha nesta Cidade do Rio de Janeiro e em socorros estrangeiros que se esperavam, era idéia para persuadir a algumas pessoas e tanto é isto assim, que aos mesmos sócios ele falou mais desenganado, dizendo que não tinha partido, mas que o havia de buscar, ao que houve quem respondesse, que ao certo não sabe quem foi (mas se persuade que foi o Coronel Alvarenga), que era engano vir a esta cidade buscar o partido porque o excelentíssimo vice-rei não era para graças e assim que tem dito tudo quanto sabe, como já declarou nem oculta coisa alguma depois de se ter resolvido a dizer a verdade e por mais instâncias que lhe foram feitas, sempre persistiu no mesmo.

                E por esta forma houve ele Desembargador estas perguntas por feitas e sendo-lhe lidas as achou estarem conformes depois de deferido o juramento que recebeu, pelo que respondeu a respeito de terceiro e de tudo mandou fazer este auto que assinou com ele Ministro e o Tabelião e eu Manuel da Costa Couto, Escrivão nomeado que o escrevi e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto Joaquim José da Silva Xavier José dos Santos Rodrigues e Araújo

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 14-04-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quatorze dias do mês de abril do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, onde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Chanceler da Relação desta cidade, e juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração de Minas Gerais, comigo Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos da dita Relação e Escrivão da mesma Comissão e o Ouvidor atual desta Comarca, Marcelino Pereira Cleto, Desembargador nomeado da Relação da Rabia, e Escrivão das dependências da mesma Comissão para efeito de continuar as perguntas ao réu da dita conjuração Joaquim José da Silva Xavier, preso na mesma Fortaleza; e mandando vir à sua presença o dito réu lhe continuou as perguntas na forma seguinte.

                E perguntado se era o próprio Joaquim José da Silva Xavier, a quem se tinham leito as perguntas, que constam deste auto.

                Respondeu, que era o mesmo.

                E sendo-lhe lidas as perguntas acima do auto precedente, ou anterior ao termo imediato, e perguntado se eram as mesmas as respostas que a elas tinha dado, e se as ratificava.

                Respondeu, que sáo as mesmas, e as ratifica, porém, que tem algumas declarações que fazer.

                E perguntado, que declarações tinha que lazer.

                Respondeu, que na parte em que dizia que recolhendo-se desta cidade para Minas, falara, passados três meses a José Álvares Maciel, para que reduzisse seu cunhado Francisco de Paula Freire de Andrada para que abraçasse o projeto de estabelecimento da República da dita Capitania de Minas, fora equivocação e perturbação dele Respondente: porquanto refletindo depois melhor, no que tinha passado, se lembra que não falara ao dito José Álvares só. mas que lhe tinha falado na verdade a primeira vez depois que se recolheu desta cidade a Minas, em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, estando este presente, e o Vigário de S. José, Carlos Correia de Toledo; e nesta ocasião entre todos os que estavam, foi a primeira vez, que em Minas se falou no projeto do estabelecimento da República, e nos meios que para isso poderia haver; e que agora lhe não lembrava mais declaração alguma, que fizesse sobre as perguntas e respostas que deu acima ditas, e as ratificava.

                E sendo perguntado pelas palavras, e forma da prática, que teve com as pessoas, a quem diz, que falara a respeito do estabelecimento da República, como foi a José Aires Gomes, ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, a José Joaquim da Rocha, e a Salvador do Amaral Gurgel.

                Respondeu, que a José Aires Gomes falara recolhendo-se desta cidade para Minas, pouco mais ou menos segundo sua lembrança pelo modo seguinte; que lhe perguntara como se davam com o novo Governador de Minas, o Visconde de Barbacena; e que o dito José Aires lhe dissera que se davam com ele muito bem, e que era muito bom; ao que ele Respondente replicou, que antes ele fosse um demônio; porque se disporiam as coisas ao estabelecimento de uma República: e que agora com a nova derrama se desesperariam os povos para fazer algum levante, ou o poderiam fazer; e que nas nações estrangeiras se admiravam do sossego desta America, vendo o exemplo da América inglesa; referindo o mesmo, que tinha ouvido nesta cidade a José Álvares Maciel; e que fazendo-se a República, talvez ficaria melhor o país de Minas; ao que o dito José Aires Gomes respondeu, o que fica dito nas perguntas antecedentes. E que ao Padre Manuel Rodrigues da Costa falara pouco mais ou menos por esta mesma forma, e com as mesmas palavras; ao que o dito Padre lhe respondeu, que não falasse em tal, que não sabia em que se metia, nem eram coisas que tivessem caminho; ao que ele Respondente replicou que bem podia fazer-se uma República; ao que o dito padre respondeu que panela de muitos era bem comida, e mal mexida, e com o dito padre não teve mais prática alguma. E que, estas conversas, que teve com esses dois sujeitos, foi recolhendo-se desta cidade por dias do rnes de agosto. — Que a José Joaquim da Rocha falou em dias do mês de março estando para vir para esta cidade, e sabendo que ele era muito curioso de mapas, lhe perguntou quantas almas teria a Capitania de Minas; e respondendo-lhe o dito José Joaquim da Rocha, que teria trezentas e tantas mil almas; ele Respondente lhe replicou, que com tanta gente bem se podia fazer uma República, ao que o dito José Joaquim lhe respondeu que não falasse em tal, que não eram coisas que se dissessem Que a João Dias da Mota falara vindo já de caminho para esta cidade com o motivo de tratarem a respeito da derrama; e então ele Respondente lhe disse que iam apertando tanto com o povo, que ainda este desesperado havia de fazer algum levante, e estabelecer a República; ao que o dito João Dias respondeu que isso não seria mau; e replicando ele Respondente, que se no caso que se fizesse, quereria ele entrar; respondeu que se não metia em tal, que Deus o livrasse; e com o dito João Dias da Mota não teve mais conversação alguma. E que com Salvador do Amaral Gurgel falou poucos dias antes de partir para esta cidade; por ocasião de lhe ir pedir um dicionário francês; porque antes disso o não conhecia; e dizendo-lhe o dito Salvador do Amaral que era do Rio, donde tinha ido perseguido pelo Ouvidor desta Comarca; ele Respondente então aproveitando a ocasião, vendo que ele era dos escandalizados, lhe disse que todos faziam o que queriam, e que tanto haviam de apertar com a gente, que desesperados haviam de fazer algum levante, e estabelecer uma República; e respondendo-lhe o dito Salvador do Amaral, que não seria mau, ele Respondente aproveitando-se da ocasião, e vendo que era do Rio, lhe disse que podia dar-lhe cartas para algumas pessoas, daquelas que julgasse mais azadas para entrar neste negócio; e suposto que o dito Salvador lhe respondeu que lhe daria as ditas cartas, contudo nem as deu, nem ele Respondente lhas pediu nem tornou a vê-lo. — E esta é a forma das práticas que teve com os sobreditos.

               E constando das perguntas antecedentes, que ele Respondente tinha dito, que se tinha recolhido uma noite em casa de Domingos Fernandes temendo ser preso, por empenho, que lhe meteu, e não constando da pessoa, que fez esse empenho, foi perguntado para que declarasse quem era a pessoa que se empenhou com o dito Domingos Fernandes para que o ocultasse, e o motivo, que disse a mesma pessoa, e que tinha para se ocultar.

               Respondeu, que a pessoa a quem falou para que o escondesse uma noite foi uma viúva chamada Inácia de tal, que morava ao pé da Igreja da Mãe dos Homens, porém que esta o não recolhera em sua casa, por ser viúva; porém que por sua conta tornou a falar ao dito Domingos Fernandes, que o recolheu; que a razão que teve para se valer da dita Inácia, foi por lhe ter curado uma filha de uma moléstia, que teve em um pé, por ter alguma inteligência de curativo, e julgando que ela lhe estaria obrigada por este motivo, foi a razão porque se valeu dela; e a causa que lhe assinou para querer esconder-se, foi por se ter feito uma morte em Minas, na qual entendia que estava culpado, e que por esse motivo o queriam prender; e esta figura, que levantou, foi o mesmo que também disse ao mesmo Domingos Fernandes.

               Foi mais perguntado qual fora a razão, por que se escondera; porque se retirava com armas, que pediu emprestadas, e com ânimo de se meter pelos matos.

               Respondeu que estando nesta terra também Joaquim Silvério dos Reis, que sabia dos ajustes feitos em Minas entre ele Respondente e os mais conjurados, conversava francamente com o dito Joaquim Silvério, e que este lhe dissera, que o vice-rei deste Estado andava com grande cuidado sobre ele Respondente, que tivesse conta em si, que se retirasse, porque mais dia, menos dia, se ele Respondente se não retirasse seria preso; pois se persuadia que o vice-rei sabia da matéria dos ajustes feitos em Minas; e que por esta razão ele Respondente se escondera, e tratara de se retirar pelos matos, armado com um bacamarte, que pedira ao porta-estandarte Francisco Xavier Machado.

                E por ora lhe não fez mais perguntas, e sendo-lhe lidas as acimas ditas, as achou estarem na verdade, como respondido tinha, e lhe deferiu juramento, pelo que respeita a terceiro, o dito Ministro, que as assinou com o réu e o Ouvidor da Comarca, Marcelino Pereira Cleto; e declaro com este que o dito réu, esteve a estas perguntas livre de ferros: E eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha Marcelino Pereira Cleto Joaquim José da Silva Xavier

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 20-06-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte dias de mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Dr. José Caetano César Manitti, Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, também Escrivão nomeado, para efeito de se continuarem perguntas ao réu Joaquim José da Silva Xavier, preso na mesma Fortaleza; e logo o mandou vir a sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas imediatas, e as outras antecedentes, e perguntado se as ratificava?

               Respondeu, que eram as mesmas, umas e outras, e que as ratificava do mesmo modo, que então disse, e respondeu.

               E perguntado, se no tempo que esteve oculto em casa de Domingos Fernandes nesta cidade, onde foi preso, tinha mandado chamar alguma pessoa para que aí lhe fosse falar, e se com efeito falou a alguém, fora do dito Domingos Fernandes, em casa de quem estava?

               Respondeu que não tem lembrança de ter mandado chamar pessoa alguma, nem de ter falado com alguém fora do dito Domingos Fernandes.

               E sendo instado que dissesse a verdade a que parecia ter faltado; porquanto constava por pessoas verdadeiras, que ele Respondente tinha mandado chamar pelo dito Domingos Fernandes, certo sujeito, que lhe foi falar à casa, em que estava oculto, e com efeito pelo mesmo sujeito mandara um recado a Joaquim Silvério?

               Respondeu, que com efeito recordando-se melhor lhe lembra, que estando escondido em casa do dito Domingos Fernandes, lhe fora falar um clérigo, parente da mesma viúva Inácia, que tinha intercedido com o dito Fernandes para que recolhesse a ele Respondente; porém que lhe não lembra, se mandou pelo dito padre, ou pelo mesmo Domingos Fernandes, informar-se de Joaquim Silvério, e pela vizinhança donde ele Respondente assistia, se a seu respeito havia alguma novidade; e que ou o dito Fernandes, ou o dito padre lhe trouxe a resposta, de que tendo falado a Joaquim Silvério, este lhe mandara dizer que queria falar-lhe, e que no dia seguinte, logo depois que ele Respondente se ocultara, tinha ido um soldado de cavalo a sua casa, e que não o achando, dera parte ao vice-rei, de que resultara mandar prender um escravo, que estava na casa dele Respondente; porém que o dito Joaquim Silvério não lhe falara, porque nem ele Respondente o procurou, nem lhe mandou dizer a casa onde estava oculto.

                E sendo perguntado, se tinha amizade e conhecimento com o dito padre, que diz lhe fora falar à casa do dito Domingos Fernandes; donde lhe viera esse conhecimento ou amizade; se antes que se ocultasse, ou depois que se ocultou, quando o dito padre lhe foi falar, se lhe comunicou alguma coisa sobre a sublevação de Minas; ou se lhe assinou outra coisa por que estava oculto?

                Respondeu, que conhecia o dito padre de casa da dita viúva Inácia, pelo ter aí visto algumas vezes, quando ia curar sua filha, que julgava ser o dito parente daquela viúva; porém que não tinha com o mesmo padre amizade alguma particular; e que nem antes que ele Respondente se escondesse, nem depois de oculto, quando o dito padre foi falar-lhe, lhe contou nada a respeito da sublevação de Minas, e só lhe parece, segundo sua lembrança, no que não está bem certo, ter dito ao mesmo padre, que a causa de se ocultar era por temer estar culpado em uma morte, que se fizera em Minas, que era aquilo mesmo que tinha dito à dita viúva Inácia, e ao dito Domingos Fernandes, em casa de quem estava.

                Foi mais perguntado, se entre as pessoas, a quem tinha falado sobre o estabelecimento da nova República, que pretendiam estabelecer, falou a algum soldado ou oficial, seu camarada do Regimento de Cavalaria de Minas, em que servia, encarecendo-lhe as riquezas do país e utilidade do levante, como costumava praticar com as mais pessoas a quem falava?

                Respondeu, que nunca falou a nenhum soldado, nem oficial do seu Regimento, convidando-os, para que entrassem na sublevação, nem dando-lhes parte das práticas que havia entre os conjurados; porque o seu Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada lhe dissera que não falasse a nenhum dos oficiais; e só tem lembrança, que perante alguns dissera, que se lançava a derrama, e que poderia o povo desgostoso fazer algum levante; ao que, ou não davam assenso, ou diziam a ele Respondente que não falasse em tal.

               Foi mais perguntado, se quando o dito seu Tenente-Coronel Francisco de Paula dizia a ele Respondente, que não falasse a nenhum dos oficiais, era por reservar para si essa diligência, como pessoa mais autorizada, que podia resolvê-los, ou se lhe dava outra razão?

               Respondeu, que quando o dito tenente-coronel lhe dizia, que não falasse a nenhum dos oficiais do Regimento, a razão que lhe dava, era porque a sublevação poderia não ter efeito, e que aquelas coisas eram melindrosas para se tratarem.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava por pessoas verídicas, que ele Respondente tinha falado a muitos oficiais do Regimento, expressamente, para que entrassem na sublevação, e que alguns deles estavam firmes em ajudar a mesma sublevação, unindo-se aos conjurados, quando fosse tempo, e que perante um dos mesmos oficiais se tratara entre os conjurados alguma prática em casa do dito Tenente-Coronel Francisco de Paula, em cuja prática estavam, quando entrou o dito oficial; e que parando a conversação, depois continuara, por dizer o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula — podemos continuar, que este é dos nossos — nem parece verossímil, que falando ele Respondente a tantas pessoas sobre a nova República, com as quais tinha pouca amizade, e eram pouco hábeis para ajudar o seu projeto de sublevação, deixasse de falar aos seus camaradas, com os quais devia ter amizade particular e eram os mais capazes e inábeis para ajudar a ele Respondente na empresa, que tinha tomado.

               Respondeu insistindo no mesmo, que já disse, que a nenhum dos oficiais do seu Regimento tinha falado na conjuração nem tinha amizade particular com nenhum, com quem falasse nessas matérias, porque ordinariamente os militares são inimigos uns dos outros; e que ele Respondente antes se fiaria de um paisano do que de um militar seu camarada.

                E sendo mais instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente com alguns oficiais tinha amizade particular, assim como com um, com quem veio de camarada para esta cidade, e com quem assistiu todo o tempo que aqui esteve, até que se ocultou em casa de Domingos Fernandes, e de uma camaradagem de viver familiarmente na mesma casa se prova infalivelmente a boa e particular amizade, que ele Respondente nega.

                Respondeu, que era verdade ter vindo para esta cidade de camarada com o Alferes Matias Sanches Brandão, ao qual encontrou no sítio, chamado Ribeirão, que com ele viveu na mesma casa nesta cidade todo o tempo que aqui esteve, até que o dito Alferes se foi embora, quatro ou cinco dias antes dele Respondente se ocultar; porém sem embargo da dita camaradagem e assistência não tinha amizade particular com o dito Alferes, nem dele se confiou em semelhante matéria.

                E por ora lhe não fez o dito ministro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas a ele Respondente, as achou conformes, como respondido tinha; e deferindo-lhe o juramento pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro que neste ato esteve o Respondente livre de ferros, de que dou fé com o escrivão assistente; e de tudo mandou o mesmo ministro fazer este auto em que assinou com o Respondente, e dito escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Joaquim José da Silva Xavier

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — Acareação com: Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Domingos de Abreu Vieira — 22-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos noventa e um, aos vinte e dois dias do mês de junho, nesta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta mesma cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha. Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão da mesma diligência, para efeito de se continuarem as perguntas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que se acha preso na mesma Fortaleza, e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe fez as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas próximo antecedentes, e perguntado se eram as mesmas, que a ele Respondente Joaquim José da Silva Xavier tinham sido feitas, e se as suas respostas eram as mesmas, que então tinha dado, e se as ratificava.

               Respondeu, que eram as mesmas respostas, que ele Respondente tinha dado, e que as ratificava.

               E sendo perguntado se depois da prática, e conversação, que tivera em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, em que se assentou, que se faria o levante na ocasião da derrama, declarando-se a diligência e parte, que cada um devia ter naquela ação; como era falar o vigário de São José à gente; o Coronel Alvarenga e homens na Campanha do Rio Verde; o Padre José da Silva e Oliveira Rolim à gente no Serro do Frio; assim como ele Respondente havia de falar a quem pudesse; se com efeito cada um dos sobreditos fez a diligência, que se tinha assentado; e se deram parte da gente que tinham pronta, tanto a ele Respondente, como aos mais, que estiveram na dita conversação.

                Respondeu, que nenhum daqueles, que se tinham obrigado a falar à gente, deu parte a ele Respondente de ter leito diligência alguma naquela matéria, nem lhe consta que com efeito o fizessem nem desse parte, aos que estiveram presentes na dita conversação.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, pois assim como ele Respondente satisfez a sua parte, falando a todas as pessoas, que lhe pareceu, na forma que se tinha assentado na dita conversação, assim os mais, é crível, que falariam na forma, que se tinha tratado.

                Respondeu, insistindo no mesmo, que tem dito, que não sabe, nem lhe consta, que nenhum dos sobreditos falasse a pessoa alguma.

                E sendo instado, a que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, porquanto consta com certeza, que o vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, avisando ao Tenente-Coronel Francisco de Paula, de que tinha cento e tantos cavalos prontos e gordos, .no que se entendia muito bem, que eram outros tantos homens para a ocasião do levante.

                Respondeu, que do mesmo modo não sabia, que o dito vigário tivesse feito esse aviso, nem o Tenente-Coronel Francisco de Paula lhe comunicou a ele Respondente coisa alguma, se acaso teve aquele aviso.

                Foi mais perguntado, que declarasse a forma com que determinava prender o general da Capitania de Minas; porque tendo na conversação reservado para ele Respondente esta ação, devia ter ideado a forma de a executar.

                Respondeu, que então, quando se tratou aquela matéria, não discorreu o modo de prender o general; e que tendo gente do seu partido, era fácil fazer a dita prisão, estando o general na Cachoeira.

               E sendo instado que dissesse a verdade, a que parec ter faltado; porquanto, sendo aquela ação a mais importante, ele Respondente não devia arriscar-se nela se não tivesse induzido ao seu partido alguns oficiais ou soldados, que devessem estar na Cachoeira para ajudar a ele Respondente no seu projeto?

               Respondeu, que não tinha induzido para o levante nenhum soldado, nem oficial do Regimento.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto constava, que ele Respondente tinha falado a muitos oficiais do Regimento, que estavam firmes em seguir o seu partido.

               Respondeu insistindo que não tinha falado no levante a oficial algum, nem na prisão do general.

               E logo o dito ministro mandou vir à sua presença o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o Coronel Inácio José de Alvarenga e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, para serem acareados com o sobredito Respondente, e mais ao Vigário de São José, Carlos Correia, e estando presentes, primeiramente este dito Vigário Carlos Correia e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os quais mutuamente se reconheceram pelos próprios, de que dou íé, com o outro escrivão assistente; e lendo ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes o seu juramento, que deu na Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, na parte em que repetiu que lhe havia dito o dito Vigário Carlos Correia na casa deste, que encontrando-se na rua com o Tenente-Coronel Francisco de Paula, convidando-o para ir à sua casa, ali achara, tendo ido, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Doutor José Álvares Maciel, o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, e um doutor pequenino, cujo nome não sabia, das partes do Sabará, e outro doutor de Minas Novas, cujo nome também ignorava; e juntos todos entraram a tratar que se devia fazer um levante, quando se lançasse a derrama, para ficar este país feito uma República.

                E deferindo-lhe novamente juramento, para que dissesse a verdade, persistiram firmes o Alferes Joaquim José da Silva, e o Vigário de São José, Carlos Correia, em que naquela ocasião não estiveram presentes à conversação, que tiveram em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, nem o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, nem o doutor pequenino do Sabará, nem o doutor das Minas Novas; nem sabem quem sejam estes dois últimos; porém o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes persistiu firme e certo, em que o Vigário Carlos Correia de Toledo lhe dissera, o que depôs no seu juramento, na parte que agora lhe foi lida, e o dito Vigário Carlos Correia de Toledo persistiu também lirme, em que não tinha dito ao tal Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que estivessem presentes naquela ocasião à prática, que tiveram sobre o levante em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada; e por mais que foram instados para que dissessem a verdade, e tendo conferido, e disputado entre si sobre esta matéria, não declararam mais coisa alguma; ainda que pareceu que o dito Francisco Antônio de Oliveira Lopes afirmava a verdade, do que tinha jurado, vacilando algum tanto: E por esta forma houve ele ministro esta acareação por feita, e sendo lida a todos no mesmo ato, acharam escritas as suas respostas, como dito tinham; e de como assim foram perguntados, e responderam, assinou o dito ministro com o Respondente, e acareados, e o escrivão assistente; E eu Francisco Luís Álvares da Rocha, que o escrevi, e também assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Joaquim José da Silva Xavier Francisco Antônio de Oliveira Lopes Carlos Correia de Toledo

               E iogo imediatamente acabado este ato, apareceu o Coronel Inácio José de Alvarenga presente, para haver de ser acareado sobre o que respondeu nas perguntas, que lhe foram feitas na parte, que ilie foi lida, e em que diz que não acreditara no respondente Joaquim José da Silva que dizia haver pessoas dispostas para o levante no Rio de Janeiro, sem que lhe nomeasse algumas delas, tendo-lhe nomeado em Minas alguns sujeitos, a que tinha falado, como eram o Capitão Manuel da Silva Brandão, e o Tenente Antônio Agostinho, o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, de quem estava certo ter-lhe dito o respondente Joaquim José da Silva, que falando-lhe a primeira vez, prestara o seu consentimento; mas que sendo nomeado posteriormente Comandante do Destacamento da Serra, e tornando a falar-lhe, lhe dissera que não fosse louco, que não tornasse a falar-lhe em semelhante matéria, ao que o dito Alferes Respondente disse que respondera ao dito Capitão, que como agora estava feito Grão-Turco da Serra, que por isso não queria entrar na sublevação; e não falara mais com o dito Alferes, porque seguira viagem para o Rio de Janeiro.

               E depois de conferirem um com o outro, disse o Coronel Alvarenga que tinha espécies, mas não certeza, de ouvir dizer ao Alferes Joaquim José que tinha falado nas matérias do levante com o Capitão Manuel da Silva Brandão e o Tenente Antônio Agostinho; e que só tinha certeza de que o dito Alferes Joaquim José lhe dissera, que tinha falado ao Capitão Maximiano, e que este respondeu que não fosse louco, e que ele Alferes lhe disse que, como agora estava leito Grão-Turco da Serra, não queria; e demais, a respeito da resposta, que se declara ter dado o dito Capitão Maximiano ao Alferes acareado, da primeira vez que lhe falou, dizendo que lhe prestara o seu consentimento, declara ele acareante, que sem embargo de ter dito, que estava certo em que o dito Alferes lhe dissera a dita resposta, contudo agora, pensando no que o dito Alferes lhe disse, entra na dúvida de que com efeito se explicasse por estes termos.

                E o dito Alferes Joaquim José da Silva, à vista da declaração do acareante Inácio José de Alvarenga, persistiu firme em que não tinha dito ao acareante Inácio José de Alvarenga, que tinha falado ao Capitão Brandão e ao Tenente Antônio Agostinho; e só concordou e confessou que tinha falado ao Capitão Maximiano, porém discordou do dito acareante Inácio José de Alvarenga, em quanto este declara, que o dito Alferes lhe dissera ter falado ao Capitão Maximiano, duas vezes; e ele acareado Alferes, persistiu em que só falara uma vez ao dito Capitão Maximiano, em matéria de estabelecimento de República: e cada um persistiu firme no que havia dito.

                E por esta forma houve o dito Ministro esta acareação por feita, reservando, à falta de tempo, para outra vez ao tenente-coronel Domingos de Abreu Vieira; e sendo a que fica feita lida ao acareado e acareante, acharam estar as suas respostas escritas bem, e verdadeiramente como respondido tinham, e debaixo do juramento, que se lhes prestou, haviam dito a verdade; e de como assim disseram e responderam, mandou fazer este auto, em que assinou com o Respondente e acareantes, e Escrivão assistente, e com este dou fé, estarem uns e outros neste ato livres de ferros, e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Inácio José de Alvarenga Peixoto

Joaquim José da Silva Xavier

                E logo que se recolheu à sua prisão o dito Inácio José de Alvarenga, continuou o dito Conselheiro as perguntas ao Respondente, Alferes Joaquim José da Silva Xavier, pela maneira seguinte.

                Foi perguntado, visto ter confessado que tinha falado ao Capitão Maximiano, por ser convencido de Inácio José de Alvarenga, com quem foi acareado, devia agora declarar, em que ocasião, de que modo e quantas vezes tinha falado ao dito Capitão Maximiano.

               Respondeu, que lhe não lembra com certeza o tempo em que falou ao Capitão Maximiano, e só lhe lembrava, e tem certeza, de que indo uma vez à sua casa, lhe falara no estabelecimento da nova República, dizendo-lhe que na ocasião da derrama se podia fazer; e perguntando-lhe o dito Capitão Maximiano como podia ser isso, lhe disse ele Respondente que levantando-se o povo, e ficando o dito Maximiano, pensativo, lhe tornou a dizer, que não seria mau; e então ele Respondente lhe disse que sobre esta matéria tinha falado com o Tenente-Coronel Francisco de Paula, e que ele se não desagradara da proposta, e não estava fora disso; e duvidando o dito Maximiano de que ele Respondente tivesse falado naquela matéria ao dito tenente-coronel, o Respondente lhe assegurara que era verdade, e o dito Capitão Maximiano então lhe disse que não falasse em tal, que não fosse doido, que se soubera que ele Respondente falara verdade, que o iria acusar; e então lhe pediu o Respondente que não falasse naquela matéria ao Tenente-Coronel Francisco de Paula; e que ele dito capitão não queria entrar naquele projeto, porque estava feito Grão-Turco da Serra ou Governador de Marmantil, por estar então o dito capitão nomeado para aquele Destacamento; e que nada mais se passara na dita conversa.

E sendo instado que dissesse a verdade, porquanto antes desta ocasião já ele Respondente tinha falado ao dito Capitão Maximiano mais alguma vez sobre o estabelecimento da nova República, e o dito capitão lhe tinha prestado o seu consentimento, o que se convence até da mesma resposta, que acima deu; pois só podia servir de reparo a ele Respondente não querer o dito capitão entrar no projeto do estabelecimento da nova República, por estar feito Grão-Turco da Serra, pelo motivo de ter dado antes o seu consentimento; pois se isso não fora, não podia servir de reparo a ele Respondente, que o dito capitão não quisesse entrar no mesmo, nem tinha lugar o dar-lhe ele Respondente aquela resposta.

                Respondeu que nem antes, nem depois, falou mais ao dito capitão no estabelecimento da nova República; que deu ao dito capitão a resposta, de que não queria entrar no estabelecimento da nova República, por estar feito Grão-Turco da Serra, porque no princípio, em que lhe falou naquela matéria, o viu pensativo e duvidoso, e depois o repreendeu a ele Respondente; que é verdade que a resposta, que deu de estar o dito capitão feito Grão-Turco, por isso não queria, parece significar que se o dito capitão não estivesse nomeado para o destacamento, que não havia de ter dúvida, e que ele Respondente tinha disso alguma certeza, mas sem embargo de que assim pareça, e que ele Respondente reconheça a força da instância, contudo é verdade que não tinha falado em outra ocasião ao dito capitão, nem quando deu aquela resposta, foi por fazer semelhante reflexão, mas só sim pelo motivo, que tem dito, de o ver no princípio pensativo, e depois resoluto na repugnância.

                E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas por ora por acabadas, as quais sendo lidas ao Respondente as achou conformes com o que respondido tinha, e debaixo do juramento, que recebido tinha, declarou ter dito a verdade pelo que respeita a terceiro; e declaro que sempre esteve livre de ferros; de tudo mandou o sobredito Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente, e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Joaquim José da Silva Xavier

9ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 04-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quatro dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação; aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do de sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão nomeado, para efeito de se continuarem perguntas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e ser acareado com o Tenente-Coronel Domingos de Abreu, ambos presos incomunicáveis nos segredos das mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir à sua presença os ditos Domingos de Abreu Vieira, e Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e lhes fez as perguntas e acareações pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido ao dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier e Domingos de Abreu Vieira, ambos presentes, e que mutuamente se reconheceram, do que dou fé com o ministro escrivão assistente, o juramento do dito Domingos de Abreu, prestado na Devassa, tirada pelo Desembargador José Pedro, a folhas cento e duas verso, na parte em que declara — que o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e Alferes Joaquim José da Silva Xavier disseram perante ele que tinham falado para entrar na sedição, e motim aos capitães da tropa paga da Capitania de Minas Maximiano, e Manoel da Silva Brandão; e o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier dissera que ele da sua parte tinha falado para entrarem na conjuração, e motim aos oficiais da tropa paga seguintes: o Capitão Antônio José de Araújo, o Tenente Antônio Agostinho Lobo Pereira, o qual ficara de falar a seu sobrinho, ou parente, José de Vasconcelos Parada e Sousa, ao Alferes Matias Sanches Brandão, ao Tenente José Antônio de Melo, e ao Alferes Antônio Gomes Meireles — E tendo ambos ouvido e entendido o dito depoimento na parte que fica escrita, disse o acareante Domingos de Abreu com toda a segurança e certeza, que era verdade tudo quanto havia deposto; e o acareado Joaquim José da Silva Xavier só conveio, em que tinha falado ao Capitão Maximiano, e que aos mais oficiais nomeados poderia ter falado, dizendo-lhes sucintamente que estava para se lançar a derrama, e que tanto haviam de apertar com o povo, que havia de haver algum levante; porém, que não tem certeza dos oficiais, a quem por este modo falou; e disputando o acareante e acareado entre si, persistiu firme sem hesitação o acareante Domingos de Abreu ter dito a verdade, e que o acareado lhe dissera sem dúvida alguma, o que declarou naquela parte em seu juramento; e este ainda que persistiu em que não tinha dito ao acareante, o que ele depôs, contudo não mostrou igual firmeza nas instâncias e argumentos, que lhe fez o sobredito Ministro Conselheiro; e não podendo concordar-se o acareante e acareado, ficando cada um no que fica referido; houve o dito Conselheiro esta acareação por feita; e sendo-lhes lida e suas respostas, as acharam conformes com o que respondido tinham; e tendo-lhes o dito Conselheiro deferido juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declararam ter dito a verdade; estando ambos neste ato livres de ferros, do que dou fé com o Escrivão assistente; e de tudo mandou fazer este auto, que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha. Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Domingos de Abreu Vieira Joaquim José da Silva Xavier

               E tendo mandado o dito Conselheiro recolher à sua prisão ao Tenente Coronel Domingos de Abreu Vieira, logo no mesmo dia, mês e ano continuou as perguntas com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier pela forma seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e suas respostas; e perguntado se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi mais perguntado, quem era o doutor pequenino das partes do Sabará; e o doutor de Minas Novas, que se acharam presentes na prática, que em certa ocasião houve sobre o levante em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada; o que devia declarar com toda a verdade, por constar que ele Respondente estivera presente, e juntamente nessa ocasião?

               Respondeu, que é falso que estivesse presente em alguma ocasião em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, nem doutor algum pequenino do Sabará, nem doutor de Minas Novas em ocasião, que ele Respondente aí se achasse; porque nunca nas ditas conversações estiveram mais que as pessoas que tem declarado; nem ele Respondente conhece nenhum doutor pequenino das partes do Sabará, nem doutor de Minas Novas.

                Foi mais perguntado, quem era a pessoa pela qual mandou convidar para a sedição a Francisco Antônio de Oliveira Lopes?

                Respondeu, que nunca mandou convidar para entrar na sedição a Francisco Antônio de Oliveira Lopes; nem ele Respondente sabia que o dito Francisco Antônio fosse convidado, ou tivesse prestado o seu consentimento para a sedição.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto constava, por haver quem dissesse, que ele Respondente tinha mandado convidar por certa pessoa a Francisco Antônio de Oliveira Lopes para entrar na sedição?

                Respondeu, insistindo no mesmo, que tem declarado; e que não pode haver pessoa, que com verdade diga que ele Respondente convidou para o levante ao dito Francisco Antônio de Oliveira; porque está certo de que nunca tal fez.

                E por agora houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas por findas, as quais sendo lidas ao Respondente achou conformes com as suas respostas; e deferindo-lhe juramento, pelo que respeitava a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente que neste ato esteve o réu livre de ferros: e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o mesmo Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Joaquim José da Silva Xavier

10ª Inquirição — Rio — Cadeias da Relação — Acareação com Francisco de Paula Freire de Andrada e Padre Carlos Correia de Toledo — 07-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos sete dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e cadeias da Relação da mesma cidade; aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vansconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo, o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão da mesma diligência, para efeito de se continuarem perguntas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, preso em segredo nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que eram as mesmas respostas, que tinha dado, que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi perguntado, se sabe quem falou, e induziu Domingos de Abreu Vieira para entrar na sedição, e motim?

               Respondeu, que não sabe com certeza quem falou, e resolveu a Domingos de Abreu Vieira para dar o seu consentimento para entrar na sublevação; que é verdade que ele Respondente falou ao dito Domingos de Abreu para que quisesse entrar no levante; porém nessa ocasião o dito Domingos de Abreu virou as costas, benzendo-se da proposição dele Respondente: e que a primeira pessoa, a quem ouviu dizer que o dito Domingos de Abreu entrava no levante, foi ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim; porque estando ele Respondente em uma ocasião com o Padre José da Silva conversando no levante em casa do dito Domingos de Abreu, de quem o dito padre era hóspede, sucedeu entrar no quarto em que estavam conversando, o dito Domingos de Abreu; e então disse o dito Padre José da Silva a ele Respondente, aqui está o velho que também está capacitado para entrar na sedição.

                Foi mais perguntado, as vezes que em casa de Domingos de Abreu falou com este, e com o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; e as práticas, que nessas ocasiões houve?

                Respondeu, que algumas vezes falou no levante em casa de Domingos de Abreu Vieira, conversando com ele, e com o Padre José da Silva e Oliveira Rohm sobre a matéria; o que seria até duas vezes, segundo sua lembrança; porém, que como tem passado tanto tempo, desde então até agora, a ele Respondente não lembra, as palavras que cada um disse; mas que naturalmente, falando-se no levante, cada um diria o que sabia: e que sem estar presente o dito Domingos de Abreu, algumas vezes mais foi ele Respondente visitar o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e falaram na sublevação; mas que a ele Respondente não lembra com certeza, quantas vezes foi visitar o dito padre à casa de Domingos de Abreu, que poderia ser até quatro vezes, e que também lhe não lembra com formalidade as práticas, que então tiveram, respectivas ao levante.

                Foi mais perguntado, se com efeito o Capitão Maximiano e mais alguns oficiais da tropa entravam no levante; o que agora devia confessar, não persistindo na negativa, em que é convencido pelos sócios, a quem ele mesmo Respondente confessou, que o dito Capitão Maximiano e os mais oficiais, que já lhe foram nomeados, estavam firmes para entrar na sublevação?

                Respondeu, que nesta matéria não tinha mais que dizer do que aquilo mesmo que já tem declarado nas respostas às perguntas, que sobre esta matéria lhe foram feitas.

                Foi instado, que dissesse a verdade, que tinha desfigurado em parte, e em outra parte negado; porquanto tendo confessado haver falado para entrar no levante ao Capitão Maximiano, acrescentou que ele depois de ficar pensativo, lhe respondeu que se soubera que ele Respondente falava de verdade, e seriamente, iria denunciá-lo; quando pelo contrário consta que o dito Capitão Maximiano prestara o seu consentimento para entrar na sublevação, e motim; tanto assim, que estando ele Respondente com os mais sócios conversando no levante em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, e entrando o dito Capitão Maximiano, pararam os sócios com a conversação, em que estavam, e então dissera ele Respondente, que podiam continuar; porque o dito Capitão era dos nossos; cuja expressão só podia ter lugar, por estar ele Respondente certo de que o dito capitão tinha prestado o seu consentimento para o levante; pois se ele lhe tivesse dito, que havia de denunciar a ele Respondente, não devia querer que os sócios falassem naquela matéria na presença do dito capitão; nem havia de afirmar, que ele era do seu partido.

               Respondeu, que tudo o que consta da instância, é falso; porquanto, nem o Capitão Maximiano ou Maximiliano, entrou nunca em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula em ocasião que ele Respondente estivesse com os mais sócios, falando no levante, nem era possível, que ele Respondente, ou alguma outra pessoa dissesse, que podia continuar a conversação por ser o dito Capitão dos nossos; porque não tendo ele lá ido nessa ocasião, não cabia, nem tinha lugar semelhante expressão.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença a Francisco de Paula Freire de Andrada, e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia, também presos nos segredos das mesmas cadeias; os quais ambos, sendo presentes com o acareado dito Alferes, se reconheceram mutuamente, do que dou fé; e pelo dito Conselheiro lhes foi deferido juramento a uns, e outros, pelo que respeita a terceiro, debaixo do qual prometeram dizer a verdade, do que também dou fé; e lhes fez acareação pela maneira seguinte.

                E sendo-lhes lida a acareação feita entre o Vigário Carlos Correia, e o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, sobre entrar o Capitão Maximiliano, ou Maximiano em casa do acareante Francisco de Paula Freire de Andrada na ocasião, em que se falava no levante, e que parando a conversação pela chegada do dito capitão, dissera então o acareado Joaquim José da Silva Xavier, que podiam continuar, porque o dito capitão era dos nossos; persistiram firmes os acareantes Francisco de Paula Freire, e Carlos Correia de Toledo, no que cada um disse na dita acareação; e o acareado Alferes Joaquim José da Silva, depois de repetir o mesmo, que tinha dito na sua resposta, querendo recorrer ao subterfúgio, de que havia equivocação nos acareantes; porquanto, quem entrara em certa ocasião em casa do acareante Francisco de Paula, estando se falando nas preciosidades da América, fora ele Respondente; e que então parara a conversação, fazendo o acareante Francisco de Paula sinal para isso a seu cunhado José Álvares Maciel; de cujo subterfúgio sendo convencido, por ser impossível, que entrando em sua casa o acareado se equivocasse, julgando que era o Capitão Maximiano, aos quais devia conhecer muito bem, e da mesma forma o acareante Carlos Correia; – nem o sinal, que o acareado diz que o acareante Francisco de Paula Freire fizera a seu cunhado, para que parasse a conversação pela chegada dele acareado, podia equivocar-se com a voz — de poder continuar a conversação por ser o dito capitão dos nossos — à vista do que o acareado Joaquim José da Silva, ouvindo a firmeza com que os acareantes persistiam no que tinham dito, principiou a vacilar, e por fim ficou em que podia ser verdade tudo quanto os acareantes diziam nesta matéria; mas que a ele acareado lhe não lembra de modo algum nada do que os acareantes diziam nesta acareação.

                E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao ocareado, e acareantes, acharam estar conforme, com o que cada um respondido tinha; e declaro, que a este ato estiveram uns, e outros, livres de ferros, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente: de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com os acareantes, e acareados, e o Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco de Paula Freire de Andrade

Carlos Correia de Toledo Joaquim José da Silva Xavier

11ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 15-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quinze dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro, Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, comigo Escrivão da mesma comissão ao diante nomeado, e o Doutor José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para o efeito de se continuarem perguntas ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado, se estavam conformes, e ratificava as suas respostas, com as declarações que constam da acareação?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava como tinha respondido com a declaração feita por ele na acareação.

               Declara porém mais, que refletindo melhor, se lembrava que era verdade ter chegado naquela ocasião o Capitão Maximiliano; e que o Respondente dissera que podia entrar, por ser familiar da casa, e que por isso podiam continuar na conversação; mas o dizer que era dos nossos, perseverava em dizer que lhe não lembrava, na forma que declarou na acareação.

                Foi novamente perguntado pelas mais pessoas, que ele Respondente sabe que entravam no levante, e a quem tinha induzido para o dito fim; porquanto consta que além das pessoas que tem declarado, havia outras, a quem ele Respodente tinha induzido para o partido do levante; tanto nesta cidade, como em Minas Gerais, e em São João del-Rei; o que agora deve declarar sem reserva alguma como era obrigado .

                Respondeu, que nem nesta cidade, nem em Minas Gerais, em São João del-Rei, induziu pessoa alguma para entrar no levante, nem sabe que para isso fossem por outros convidados; nem em São João del-Rei tem amizade com alguém; e suposto que nesta terra conheça algumas pessoas, por conta da sua habilidade de pôr e tirar dentes, com nenhuma tem amizade particular, e a nenhuma falou para o levante além do Ajudante João José Nunes Carneiro, como já dito tem.

                Foi perguntado, quem eram as pessoas de maior representação que conhecia nesta cidade?

                Respondeu, que eram Possidônio Carneiro, e Antônio Ribeiro de Avelar, por ter ido à casa dos mesmos por conta da dita habilidade de pôr e tirar dentes.

                Foi mais perguntado, se algum deles falou em alguma ocasião sobre a riqueza, e preciosidade do país de Minas; que era a forma com que ele Respondente principiava a sondar os ânimos para falar depois no levante?

                Respondeu, que nunca falou aos ditos em nada disso.

                Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente tinha em Minas Gerais, em São João del-Rei, sessenta pessoas prontas para auxiliarem o levante; e que assim o dissera ele Respondente a alguns dos seus sócios?

                Respondeu, que não os tinha, nem disse tal a pessoa alguma.

                E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Vigário Carlos Correia de Toledo para fazer acareação ao Respondente, e sendo aí se reconheceram mutuamente um e outro, e ambos, sendo-lhes deferido o juramento pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele prometeram dizer a verdade; e lhes fez a acareação pelo modo seguinte.

                E sendo-lhe lida a acareação feita com o acareante Carlos Correia de Toledo e Joaquim Silvério dos Reis, que se acha no apenso das perguntas feitas ao acareante Carlos Correia de Toledo, na qual disse o mesmo acareante, que tinha ouvido em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada ao acareado Joaquim José da Silva Xavier, que na Comarca de São João del-Rei havia mais de sessenta homens que seguiam o partido do levante, aos quais tinha reduzido ele acareado; e que entre eles havia muitos de grandes possibilidades, e que estavam prontos a concorrer para este negócio, e gastarem até o último real; e sendo ouvido por ambos acareantes; e acareado: Disse o acareante, que lhe parecia ter ouvido dizer ao acareado, em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada, que tinha na Comarca de São João del-Rei mais de sessenta homens, os quais estavam prontos para o levante, e que isto é o de que tem a lembrança que podia ter ouvido ao acareado; e o mais que disse na acareação feita com Joaquim Silvério dos Reis, não sustenta agora; pois que poderia dizer então, o que não tinha dito, pela grande perturbação, em que ficou com o dito Joaquim Silvério naquele ato, por acrescentar contra ele acareante na sua denúncia, o que ele acareante lhe não tinha dito; e que pelo contrário lhe não sucedera aquela perturbação com Inácio Correia Pamplona, e que se continuasse a viver, ficaria sempre seu amigo, porque dito o Pamplona não denunciou senão o que ele Vigário acareante com ele tinha passado; e o acareado Joaquim José da Silva Xavier negou que tal pudesse ter dito na presença do dito acareante; e deu em razão, que se tal dissesse na presença do acareante, não deixaria também de os declarar pelos seus nomes ao acareante, o qual por ser Vigário naquela Comarca, certamente os havia de conhecer; e no que o acareante, e acareado disseram neste ato persistiram firmes: E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo-lhe por mim lida acharam estar conforme, com o que respondido tinham; e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que o acareante e acareado estiveram no mesmo ato livres de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro, fazer este auto, em que assinou com o acareante e acareado e Ministro Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Carlos Correia de Toledo Joaquim José da Silva Xavier

                E logo no mesmo ato sendo lidas as perguntas ao Respondente, dito Joaquim José da Silva Xavier, as achou estarem conformes com o que respondido tinha; e declaro com o Escrivão assistente, que no mesmo ato esteve também o Respondente livre de ferros; e mais declaro, que nas ditas perguntas vão cinco ressalvas, três com emendas, e quatro com entrelinhas; o que passa na verdade; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto e declarações, e assinou o mesmo auto com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Joaquim José da Silva Xavier

INQUIRIÇÃO DA TESTEMUNHA ANTÔNIO RIBEIRO DE AVELAR

INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Desembargador Coutinho

30-07-1791

Inquirição — Rio, Casa do Desembargador Coutinho — 30-07-1791

                Aos trinta dias do mês de julho de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração, formada em Minas Gerais, aonde eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão vim para efeito de ser inquirido Antônio Ribeiro de Avelar, natural e morador, como abaixo se dirá, sobre o referimento que nele fez Joaquim José da Silva Xavier, de o conhecer e ter ido à sua casa; de que para constar, fiz este termo; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.

                Antônio Ribeiro de Avelar, Professo na Ordem de Cristo, de idade de cinquenta e dois anos, casado, natural de Santa Ana da Canota termo de Alenquer, morador nesta cidade, e negociante desta praça, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, de que dou fé, debaixo do qual juramento prometeu dizer a verdade do que lhe fosse perguntado.

                E sendo perguntado pelo dito referimento, disse que tinha conhecimento com o Alferes Joaquim José da Silva, desde o tempo da Guerra do Sul, em que veio a esta cidade a tropa da Capitania de Minas, na qual já o dito Joaquim José era Alferes; e desde então sempre, quando vinha a esta cidade, ia à casa dele testemunha com frequência, exceto esta última vez, em que foi preso que poucas vezes foi à sua casa; e nunca ele testemunha lhe ouviu palavra alguma pela qual mostrasse ter o menor intento nem lembrança de tratar de sublevar as Minas; nem lhe consta que nesta cidade falasse a pessoa alguma nessa matéria, nem desse a menor inteligência de semelhante intento: E mais não disse, nem dos costumes, e assinou com o dito Conselheiro: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha Escrivão da Comissão que o escrevi.

Vasconcelos

Antônio Ribeiro de Avelar

ATESTAÇÃO SOBRE O ESTADO DE ENFERMIDADE DE POSSIDÔNIO CARNEIRO

Rio de Janeiro, Casas do Desembargador Coutinho

30-07-1791

                No mesmo dia, mês e ano, atrás declarado por fé do meirinho da Relação, Domingos Rodrigues, me constou que Possidônio Carneiro se achava com a moléstia de São Lázaro, tão adiantada, que estava intratável, e incapaz de se falar com ele; de que para constar faço este termo; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Francisco Luís Álvares da Rocha

AUTO DE PERGUNTAS A MANUEL JOSÉ DE MIRANDA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Desembargador Torres 29-05-1789

1 INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza do Castelo 5-06-1789

1ª Inquirição — Rio, Casa do Desembargador Torres 29-05-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove aos vinte e nove do mês de maio do dito ano nesta Cidade do Rio de Janeiro, em casas de aposentadoria do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, aonde eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa fui vindo e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas a Manuel José de Miranda, que se acha preso em custódia, sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Manuel José de Miranda, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha se era casado ou solteiro que emprego tinha, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava Manuel José de Miranda, que era filho do Sargento-Mor Manuel dos Santos, e de sua mulher Dona Antônia Joana de Miranda e Costa, que era natural da Vila do Caeté, Capitania de Minas Gerais, e assistente no Engenho de Mato Grosso, termo da Cidade do Rio de Janeiro, que tinha trinta e quatro anos, que era casado, que se empregava em lavoura e que não tinha ordens algumas, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça nela lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

                E perguntado se sabia a causa da sua prisão, e à ordem de quem tinha sido preso?

               Respondeu, que não sabia a causa da sua prisão, e que fora preso à ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei.

               E instado, que dissesse a verdade; porque parecia que ele sabia a causa da sua prisão; pois que antes dela se homiziou, e ocultou o que não faria se não tivesse receio de ser preso, e tendo-o é também certo que tinha praticado alguma ação, ou crime, de que se persuadia que poderia dar causa à sua prisão.

               Respondeu que ele não se homiziou, mas só se ocultou, e se retirou da casa do Mestre-de-campo Inácio de Andrade, onde estava, para se não encontrar com o Alferes de Cavalaria de Minas Gerais Joaquim José da Silva Xavier; porque tendo dado a este uma carta de favor para o Mestre-de-campo Inácio de Andrade a pedido do Capitão Manuel Joaquim Fortes, queria o dito alferes, que também lhe desse quem o guiasse até Marapicu onde mora o dito Mestre-de-campo, e como ele Respondente depois de dar ao dito alferes a referida carta se arrependeu de o ter feito, por desconfiar que o dito alferes tivesse alguns crimes, ocultou-se para não ter com ele ocasião de encontro, e evitar que este lhe tornasse a pedir quem o acompanhasse.

               E perguntado, se tinha amizade com o dito alferes Joaquim José da Silva Xavier, se o conhecia de mais tempo, ou se fora aquela a primeira vez que lhe falara, se o dito alferes costumava procurar ao dito Capitão Manuel Joaquim, a que horas foi quando ele, e o dito Capitão lhe deram as cartas, o tempo que se demorou, e em que conversaram, se estiveram todos juntos, ou separados.

               Respondeu que ele Respondente não tinha amizade com o dito alferes, que naquela noite em que ele foi procurar ao Capitão Manuel Joaquim fora a primeira vez que lhe falara, que também fora a primeira em que ele Respondente o viu procurar ao Capitão Manuel Joaquim Fortes, que o dito alferes fora procurar as oito horas da noite do dia seis do presente mês pouco mais ou menos, e que se demoraria quando muito uma hora, que tanto ele Respondente, como o dito Capitão, e alferes estiveram juntos, enquanto um e outro não foram escrever as cartas, que o dito alferes pediu ao referido Capitão Manuel Joaquim, e este a ele Respondente, de favor ao Mestre-de-campo Inácio de Andrade para este o ter lá alguns dias, e que o dito alferes conversou no mau governo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena em Minas, dizendo que vexava os povos, e também do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei do Estado.

               E perguntado ele Respondente, que dizia o dito alferes do governo da Minas, ou qual era a razão, que dava para afirmar que vexava os povos, como também, que razão tinha para falar do governo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei?

               Respondeu, que o dito alferes não deu razão particular; porque o Ilustríssimo e Excelentíssimo, Visconde vexasse os povos, nem também a deu por que se pudesse falar mal do governo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei nem ele Respondente lha perguntou, e só dizia que por assim ter falado de um, e outro governo e se recear que o mandassem prender é que se queria retirar desta cidade, e estar uns dias em Marapicu.

               E instado ele Respondente que dissesse a verdade; porque parecia ter faltado em tudo a ela; porquanto dizendo na sua carta a folhas trinta e sete, que o dito alferes temia ser preso, por falar as verdades, não podia ele saber se eram verdades ou mentiras, sem que soubesse especificamente o que ele dizia a respeito de um e outro governo de Minas, e do Rio de Janeiro: Dizendo mais que o dito alferes fora às oito horas, e se demorara uma hora pouco mais ou menos, há quem diga pelo contrário, que o dito alferes fora também pela meia noite, e se demorara pouco mais ou menos três horas: Dizendo mais, que escrevera a carta a pedido do Capitão Manuel Joaquim Costa, pelo contrário, que ele Respondente a escrevera porque o mesmo Alferes lhe pedira: E dizendo mais que a carta de favor que escreveu ao Mestre-de-campo era só para ter lá o dito alferes alguns dias, vê-se o contrário dela, onde não fala em estar lá dias, antes parece que dizendo na dita carta, que o referido alferes era desembaraçado e que ele Respondente se interessava na sua felicidade, parece que era o mesmo que dizer-lhe que ele era capaz de ir pelo sertão, e sem despacho, não havendo outro sentido natural, que se lhe possa dar, ou que havia outra empresa para que o dito alferes era capaz, e para que era necessário, que ele fosse com brevidade para a Capitania de Minas Gerais por qualquer modo que fosse.

                Respondeu, que ele Respondente dizia que o dito alferes era perseguido por falar as verdades, não porque ele Respondente soubesse que com efeito o eram, porque o dito alferes as não especificou, mas porque o dito alferes, dizia que o eram: E quanto a dizer-se que o referido alferes fora à casa onde ele Respondente estava pela meia noite, e se demorara lá três horas, negou firmemente ter assim sucedido, e que a verdade só era como tinha dito, e da mesma forma negou haver escrito a carta a pedido do dito alferes; porque a este o não conhecia, e só escreveu a dita carta a pedido do Capitão Manuel Joaquim: E quanto a dizer que o dito alferes era desembaraçado, e que ele se interessava na sua felicidade, disse ele Respondente, que não escreveu na sua carta, que sendo-lhe mostrada, a de folhas trinta e sete, reconheceu ser sua própria, e da sua letra de que dou fé, as ditas palavras com malícia, e que elas no sentido dele Respondente queriam dizer ou que era valentão, ou qualquer outra coisa de que ele Respondente agora se não lembra; porém é certo que as não disse com malícia; nem ele Respondente sabe também que o dito alferes tivesse negócio, ou dependência, por que precisasse a ir logo para a Capitania de Minas, e mais não respondeu, ainda sendo instado.

                E nesta forma houve o dito Desembargador estas perguntas por feitas e acabadas; e eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca, as escrevi, estando presente o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, e o dito Desembargador as assinou também com o Respondente, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade, e eu sobredito as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Manuel José de Miranda José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza do Castelo — 05-06-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos cinco de junho, nesta Fortaleza do Castelo da cidade do Rio de Janeiro, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de continuar estas perguntas, e sendo aí mandou vir à sua presença a Manuel José de Miranda, ao qual, sendo presente, continuou as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para a presente Devassa o escrevi.

                E sendo-lhe lidas as perguntas retro, e perguntado se eram as mesmas, que se lhe haviam feito, e se as ratificava.

                Respondeu que eram as mesmas, e que de novo as ratificava.

               E sendo-lhe mais instado se tinha tido mais algumas conversações com o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier sobre diferentes matérias, além das que tinha dito.

               Respondeu, que não tinha havido mais conversações, e que de novo se refere às perguntas, que se lhe fizeram, à acareação, que se lhe fez, e ao seu juramento: E por esta forma houve o dito Desembargador estas perguntas por feitas e acabadas, às quais assistiu também o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, que de tudo dá le, e assinaram com o dito Desembargador. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Manuel José de Miranda José dos Santos Rodrigues e Araújo

AO CAPITÃO MANUEL JOAQUIM DE SÁ PINTO DO REGO FORTES

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza do Castelo 28-05-1789

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza do Castelo 5-06-1789

Acareação com: Manuel José de Miranda Antônio de Morais, Luís Manuel e Antônio Nunes Vila Forte.

MANUEL JOAQUIM DE SÁ PINTO DO REGO FORTES

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza do Castelo — 28-05-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e oito do mês de maio nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza do Castelo, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, que se acha preso no dito Castelo, aí mandou proceder, e procedeu às ditas perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, o escrevi.

                — E sendo-lhe perguntado, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha se era casado ou solteiro se tinha ordens, e que emprego tinha.

                Respondeu que se chamava Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, que era filho do Doutor Antônio Fortes de Bustamante Sá e Leme, e de Dona Ana Maria Xavier Pinto da Silva, que era natural da cidade de São Paulo, que tinha vinte e oito anos, que era solteiro, que não tinha ordens algumas, e com efeito eu vendo-lhe o alto da cabeça, lhe não vi tonsura alguma, de que dou fé, e que era Capitão do Regimento de Voluntários Reais da cidade de São Paulo, e lá era morador.

                — E perguntado se sabia a causa da sua prisão, e à ordem de quem tinha sido preso

               Respondeu que ignorava a causa da sua prisão, e que fora preso à ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei a doze do presente mês de maio.

                       E sendo-lhe perguntado se tinha alguma amizade, ou comunicação, com o Alferes de Cavalaria de Minas, Joaquim José da Silva Xavier.

               Respondeu que não tinha amizade com ele, e que só há sete anos o topara no seu destacamento da Rocinha da Negra, e que depois disto só o topara nesta cidade, onde o viu três vezes, uma em casa de Simão Pires Sardinha, outra em Palácio, e outra em casa dele Respondente.

               — E sendo-lhe perguntado, qual foi o motivo por que o dito alferes o foi procurar, ou se foi procurar nas mesmas casas a alguma outra pessoa, a que horas foi, quanto tempo se demorou, se foi de noite ou de dia.

               Respondeu que o motivo da sua ida lá fora pedir uma carta de faver para o Mestre-de-campo Inácio de Andrade, e que para este efeito procurara também nas mesmas casas a Manuel José, que fora na noite do dia seis, ou sete deste mês, e que teria de demora meia hora pouco mais ou menos.

               — E sendo-lhe perguntado para que o dito alferes procurava a carta de proteção, e se lha tinham dado tanto ele, como o dito Manuel José.

              Respondeu que a procurava para que o referido Mestre-de-campo o favorecesse, e lhe mandasse ensinar o caminho para as Minas, para onde ele se pretendia retirar por aquele sítio, e com efeito tanto ele Respondente com o dito Manuel José lhas deram.

               — E sendo-lhe perguntado, qual era a razão por que aquele oficial queria ir por fora das estradas, que crimes tinha ele para ir por aquele modo.

               Respondeu que não sabia que ele tivesse crimes alguns, e que só lhe dera a causa de que receava que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei lhe quisesse armar algum modo de lhe fazer dar baixa, para o que via já a disposição de o querer demorar; porque falando-lhe em se recolher à sua praça, o dito Excelentíssimo Vice-rei lhe respondera que se deixasse estar no Rio de Janeiro, pois que gostava da terra, e dizendo o dito alferes, que se lhe acabava a licença, lhe respondeu, que se ele a quisesse lha mandaria vir reformada, do que ele alferes mais desconfiara; porque, como tinha falado com alguma liberdade a respeito do governo do dito Excelentíssimo Vice-rei, criticando algumas coisas dele, o que seria fácil ter-lhe constado, poderia muito bem usar para vingança da ocasião do excesso da licença, para que se desse baixa ao sobredito alferes, e que por isso ele pretendia recolher-se por todos os modos, que lhe fosse possível.

               — E sendo-lhe perguntado, se tinha assinado a carta, que ele tinha escrito ao Mestre-de-campo Inácio de Andrade.

               Respondeu; que não.

               — E sendo-lhe perguntado qual foi o motivo, por que a não assinou.

               Respondeu que fora por respeito ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei, porquanto as coisas, que o dito alferes dizia ter ouvido, e em que dizia ter falado com paixão, eram respeitantes ao governo do Excelentíssimo Vice-rei, e ele Respondente não queria, quando por alguma casualidade a carta se perdesse, ou corresse por diferentes mãos, que se soubesse que ele Respondente sabia dessas críticas, ou as ouvia.

               — E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade; porquanto o simples motivo das críticas, que o alferes dizia ter feito não eram bastantes para se usar de cautela na carta, e que ele Respondente certamente sabia outra qualidade de crimes, em que teria incorrido o dito alferes.

               Respondeu que certamente não sabia de mais qualidade de crime algum, e que ninguém lhe poderá mostrar o contrário.

               — E sendo-lhe tornado a instar, que não parecia natural tamanha cautela de que ele Respondente se receava tanto, que quando expôs a S. Exa. por escrito, que se achava preso, e que não sabia a sua culpa, o fez por letra disfarçada e diferente da sua costumada, pois o ter ouvido conversações, que criticassem o governo talvez não mereceriam tanta cautela, e sendo-lhe mostradas as cartas para ver se eram as mesmas, se as tinha feito, e qual era a razão por que as fizera com diferença de letra.

               Respondeu que não houvera outro motivo mais do que o que já tem dito, e que nem a cautela fora tão excessiva; pois que a carta foi escrita com a sua própria letra sem disfarce, e só houve meramente a de não assinar pelo motivo que já disse, e que se depois, na parte, que deu da sua prisão disfarçou algum tanto a letra foi porque tendo visto pelo que lhe disseram, que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier tinha sido preso, lhe lembrou, que provavelmente lhe teriam achado a sua carta, principalmente porque lhe mandaram requerer por escrito, o que disse que queria expor a S. Exa., e ele Respondente não queria ver-se obrigado a referir as críticas, que o dito alferes dizia ter feito, e pelas quais se temia, pois ele Respondente não as ouviu por aplaudir, mas meramente por conhecer, que delas resultava bastante motivo para o receio, que o dito alferes tinha, porque eram bem ofensivas a respeito de S. Exa. e ele Respondente só deu a carta por querer valer ao dito Alferes em razão de ser militar, e achar além disso, que era justo o motivo dele se querer recolher à sua praça, e por isso recomendava, que o pusesse em segurança, que era o mesmo que dizer-lhe que o pusesse fora desta Capitania,e na sua praça, e quanto a chamar-lhe na carta homem de bem, era só em razão dele ser oficial; pois que da sua geração nem dela tem notícia.

               E sendo-lhe tornado a perguntar se sabia os crimes que tinha o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, além dos que acima disse, ou se os presumia por algum modo.

               Respondeu que não tinha sabido mais nada, do que tem dito, e somente depois que foi preso o alferes, ouviu discorrer sobre a sua prisão, e uns diziam que era por diamantes, outros por ouro em pó, outros por sublevação, e outros porque falava mal de S. Exa., entre outras pessoas a uns músicos, a quem não sabe o nome.

               E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, porquanto parecia ter faltado a ela, quando disse que o alferes só tinha ido à sua casa das sete para as oito horas, quando há quem diga que ele o fora procurar pela meia noite, e se demorara três horas pouco mais ou menos, e não era natural, que três horas se passassem em criticar o alferes o governo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-rei, quando é mais natural que o dito alferes, ou falasse no governo de Minas, ou negócios pertencentes à Capitania de Minas Gerais, donde ele era.

               Respondeu, firmemente, que o dito alferes não tinha lá tornado à meia noite a falar com ele, demorando-se três horas, e que se havia quem tal dissesse faltava à verdade; porquanto ele Respondente se deitou das nove para as dez horas, e no outro dia lhe disse Manuel José que o dito alferes tinha batido na porta, e que ele lha não tinha querido abrir, e que antes ele Manuel José tinha estado um pouco pensativo, lembrando-se que não tivesse o dito alferes alguns crimes, pelos quais pretendesse fugir, ao que ele Respondente lhe disse que lhe parecia que não, e que nestas circunstâncias se ele lá não foi, menos podia conversar em governos, nem em negócios de Minas. E que a haver alguém que dissesse que ele fora à meia noite, seria o seu criado Antônio de Morais, que estava doente, e em uma casa interior, poderia equivocar-se com o porta-bandeira Antônio Nunes, que nessa noite se recolheu a essas horas pouco mais ou menos, segundo disseram a ele Respondente no outro dia pela manhã . E por esta forma houve ele dito Desembargador estas perguntas por feitas, e acabadas, e o dito Respondente protestou, que no caso de estas perguntas lhe resultar culpa protestava só responder, no seu foro militar: dando o juramento ao Respondente de haver falado nelas verdade pelo que respeitava a direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e depois deste lhe ser lido, e o achar na verdade, e assinou também o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, que a tudo estava presente, de que dou fé. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza do Castelo — Acareação com Manuel José de Miranda, Antônio de Morais, Luís Manuel e Antônio Nunes Vila Forte — 05-06-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos cinco do mês de junho, nesta Fortaleza do Castelo da Cidade do Rio de Janeiro, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de continuar estas perguntas, e sendo ai mandou vir à sua presença o Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, ao qual, sendo presente, continuou as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca, Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

               E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe, se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               Respondeu que eram as mesmas, e de novo as ratificava .

                      E sendo-lhe mais instado, e perguntado, que dissesse as mais coisas, que lhe contara o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que o obrigavam a fugir; pois parece que não eram só as que ele Respondente tinha dito, e principalmente tendo o dito alferes ido à sua casa depois da meia noite, e estado até às três horas, faz bem presumir que negócio, de diferente e maior ponderação, em que se entretiveram a conversar, os ocupou, e se tratou e que ele Respondente agora devia declarar.

               Respondeu que como já tinha dito, não houvera nenhuma outra matéria de conversação, senão a que já tinha dito nas perguntas antecedentes, e que era inteiramente contra a verdade o dizer-se que o referido alferes tinha tornado à casa dele Respondente à meia noite, e estado até às três horas, e por mais instâncias, que a este respeito se fizeram, sempre persistiu no mesmo: E para averiguação disto, mandou o dito desembargador vir à sua presença a Manuel José de Miranda, a Antônio de Morais, a Luiz Manuel, e ao porta-bandeira do Segundo Regimento desta eidade Antônio Nunes Vila Forte, para efeito de os confrontar, e examinar a verdade sobre os pontos em que diversificam nos seus juramentos, e perguntas com o dito Respondente, a saber: Manuel José em dizer que o dito Respondente lhe pedira que escrevesse ao Mestre-de-campo Inácio de Andrade a favor do referido alferes, quando o dito Respondente diz que o dito Manuel José escrevera porque o mesmo alferes assim lhe pedira, e com efeito se averigou, por confissão de ambos, que o dito Manuel José de Miranda não tinha conhecimento algum com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e que suposto o Respondente, o Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto lhe não pedira positiva, e expressamente que escrevesse, virtualmente foi o mesmo, porque chegando o dito Manuel José de fora na ocasião em que estavam juntos o referido capitão Respondente e alferes, disse o dito capitão, se não conhecia aquele oficial, e respondendo que não, lhe dissera que era seu patrício, e que pretendia retirar-se, por não exceder a licença, e pelas mais causas que já declararam nas suas respostas, e queria o seu patrocínio para com o Mestre-de-campo Inácio de Andrade, e como o dito capitão lhe dava a carta, e ao mesmo tempo conhecimento, anuiu o dito Manuel José a escrever sobre a mesma matéria, por assim lho pedir o dito alferes; e o mesmo Respondente com todos os mais nomeados, menos com o porta-bandeira, em dizerem que o dito alferes procurara ao Respondente às oito horas pouco mais ou menos, e se demoraria meia hora pouco mais ou menos, Antônio de Morais acima nomeado, que jurou a folhas quarenta e três verso, o qual depõe que o dito alferes entrara pela meia noite, e se demorara pouco mais ou menos três horas, o qual ficou convencido de se haver equivocado, porque não tinha visto coisa alguma, por se achar doente e de cama em uma casa interior, e com efeito se averiguou que o dito alferes só fora às oito horas da noite, verdade que mais se corroborou, estando presente o porta-bandeira Antônio Nunes Vila Forte, que asseverou ter ele sido o que se recolheu nas ditas casas em que mora, à meia noite, ou depois, por ter ido à ronda da cidade, e que depois de se recolher, estivera conversando com Manuel José de Miranda, e que depois disto ninguém mais entrara, nem saíra, e que o dito capitão Respondente já se achava recolhido, no que todos concordaram. E por esta forma houve ele dito desembargador estas perguntas por feitas, e acabadas, deferindo o juramento a todos de haverem falado a verdade, no que respeita a direito de terceiro, e assinou com os sobreditos, depois de lhes ser lido este auto, e também o dito Tabelião, que de tudo dá sua fé: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes

José dos Santos Rodrigues e Araújo

Manoel José de Miranda Antônio Nunes Vila Forte Luiz Manoel Bandeira Antônio de Morais

AO CORONEL INÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras

1789

2a INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras

14-01-1790

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos onze do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da lha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Coronel Inácio José de Alvarenga, que se acha preso em custódia, sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Coronel Inácio José de Alvarenga, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

               — E perguntando-se-lhe como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

               Respondeu que se chamava Inácio José de Alvarenga Peixoto, filho de Simão de Alvarenga Braga, e de Dona Ângela Micaela da Cunha natural desta Cidade do Rio de Janeiro, de idade de quarenta e cinco anos, casado, coronel do primeiro Regimento da Cavalaria da Campanha do Rio Verde, da Capitania de Minas Gerais, e que não tinha ordens algumas, nem privilégio algum, que o isentasse da Real Jurisdição de Sua Majestade, e com efeito vendo-lhe o alto da cabeça, vi que não tinha tonsura alguma, do que dou fé.

                      E perguntado se sabia a causa da sua prisão, ou a suspeitava.

               Respondeu, que estando em São João del-Rei de partida para a Campanha do Rio Verde, onde tem as suas lavras, no dia dezenove ou vinte do mês de maio do presente ano, chegou o Tenente Antônio José Dias Coelho ao quartel de São João del-Rei, donde mandou chamar a ele Respondente para lhe falar da parte de Sua Excelência, e indo imediatamente lhe disse o dito tenente, que havia de acompanhá-lo para o Rio de Janeiro, para certas averiguações na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, e perguntando-lhe ele Respondente, se sabia o que seria, lhe disse que nesta cidade tinham prendido a Joaquim Silvério, e ao Alferes Joaquim José, por alcunha — o Tiradentes —, que se supunha ser por alguma liberdade, com que este falava em idéias de Repúblicas, e Américas inglesas, e ouvindo ele Respondente, o que lhe tinha dito o dito tenente, logo lhe disse que isto era matéria muito delicada; pelo que imediatamente lhe entregou a chave dos seus papéis, e ficou entendendo, que daqui nascia a causa também da sua prisão.

               — E sendo perguntado se sobre esta matéria de República, e liberdade, em que ele mesmo Respondente tinha tocado pela razão que declara, sabia mais alguma coisa, por qualquer modo, ou por ter sido convidado, ou por ter ouvido falar uesta matéria, ou por ter percebido alguns indícios, que lha fizessem suspeitar.

               Respondeu que não tinha sido convidado por pessoa alguma para que, faltando às obrigações de bom e leal vassalo, concorresse para que a América conseguisse a sua liberdade, e se formasse dela uma República, que não tinha também ouvido falar em semelhante matéria de sorte que percebesse haver tal intenção, ou pretensão; pois somente ouviu ao Coronel José Aires Gomes, ficando só com ele nas casas de João Rodrigues de Macedo em Vila Rica, no princípio do mês de janeiro, lhe dissera, que um oficial, que tinha subido da Cidade do Rio de Janeiro, lhe tinha contado, que nesta cidade falavam em pretender a sua liberdade por socorros de França, e de outras potências estrangeiras, e perguntando-lhe o Respondente se lhe falara em alguns oficiais grandes, como coronéis, governadores de fortalezas, ou mestres-de-eampo, respondeu que não, que eram os negociantes, ao que ele Respondente lhe disse que eram novas de caminho e que o oficial tinha ouvido cantar o galo, e não sabia onde, e passados dois ou três dias, entrando ele Respondente em casa do Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada a tirar da sua livraria um livro para ler, lhe perguntou o dito tenente-coronel se sabia alguma novidade do Rio de Janeiro, e respondendo-lhe que não, lhe disse o dito tenente-coronel o mesmo que José Aires Gomes ihe tinha contado, e então lhe disse ele Respondente, que já José Aires lhe tinha tocado essa espécie, e a resposta que lhe dera, e acrescentou ao dito tenente-coronel, que o oficial tinha provavelmente ouvido no Rio de Janeiro a pretensão que a França, e as mais Cortes estrangeiras tinham a liberdade do negócio nos portos da América e que equivocando-se, confundia esta liberdade do negócio com a liberdade da América, e que não seria factível segundo a inteligência dele Respondente, e os talentos que conhece no Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, e a sua notória atividade, que semelhante proposição, na forma que a concebeu o dito alferes, pudesse girar no Rio de Janeiro nem meia hora, sem que ele a soubesse, e a providenciasse; e este era o único indício que ele Kespondente poderia a este respeito ter, a não lhe dar desde o princípio a inteligência, que fica referida, segundo a qual até deixou de ser indício.

               E sendo perguntado, o que tinha respondido o dito José Aires Gomes sobre a inteligência, que ele Respondente tinha dado à dita proposição, como também o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada.

               Respondeu que ao Coronel José Aires Gomes, nem ele Respondente lhe dera a inteligência da dita proposição, e só lhe respondeu o que já fica referido, por ser o dito coronel falto de luzes e instrução, e que o tenente-coronel concordara com ele Respondente nesta inteligência, e que a este respeito não avançaram mais conversação alguma.

               — E sendo instado, que dissesse a verdade; porquanto é natural, que tivesse ouvido falar a algumas pessoas mais sobre esta matéria na Capitania de Minas, onde teria grassado a proposição, e não estaria em ponto de tanta simplicidade, como ele Respondente tem declarado.

               Respondeu que de forma nenhuma ouvira falar em tal matéria coisa em que ele Respondente pudesse supor a pretensão mais leve, e que nem outra coisa poderá constar das diligências, a que se terá procedido.

               — E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que havia pessoa, que contara a ele Respondente, que havia sujeito que oferecera dinheiro para que se fosse fazer gente e com ela fazer e fomentar um levante na Capitania de Minas Gerais, e se aconselhara com ele do que devia praticar sobre semelhante matéria.

               Respondeu que era verdade que o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, em dias do mês de abril do presente ano, fora à casa dele Respondente em São João del-Rei, e lhe fizera a consulta, do que devia obrar no caso que lhe sucedia de lhe ter dado parte o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo de lhe oferecerem dinheiro para convidar gente para fazer o levante na ocasião da derrama, e segundo a lembrança dele Respondente lhe parece que também lhe disse que quem oferecia este dinheiro era o Coronel Joaquim Silvério; sobre o que ele Respondente lhe disse que se fosse logo denunciar, e que ele Respondente ficava também na mesma obrigação; mas que indo ele fazer esta denúncia, era escusado que ele também fosse, o que lhe fazia um grande incômodo, por ter chegado havia pouco tempo de Vila Rica, e estar para partir com toda a sua numerosa família para a Campanha do Rio Verde, e que este indício, o não declarou nas antecedentes perguntas, por lhe parecer que não era necessário, por já o ter antecedentemente declarado ao Desembargador Juiz desta causa, e dele fazer assento na sua carteira, o que diante de mim declarou ser certo, do que dou le, e não porque o seu ânimo fosse faltar à verdade.

               E sendo instado, de que não era bastante ter feito a dita declaração extra judicialmente na ocasião em que veio para a prisão, na qual disse a ele dito Desembargador, que se o seu general lhe tivesse falado antes de ser preso, e soubesse que ele Respondente tinha aconselhado a denúncia ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, naturalmente o não mandaria prender, porque quem aconselha a denúncia, mostra não ser entrado em semelhantes projetos; pois sendo ele Respondente instruído, e tendo sido ministro, sabia muito bem que o dito extrajudicial, não podia desonerá-lo de judicialmente fazer a mesma declaração, antes vinha a ser maliciosa ocultação; porque nas suas respostas dadas à proposição geral, de que dissesse se sabia alguma coisa sobre a matéria do levante, só se encaminhou a dizer que nada sabia, quando este passo é que o fazia certo de que com efeito havia o projeto do levante.

               Respondeu que sendo perguntado por projetos, lhe pareceu, que um que tratava de denúncia já não entrava em projeto, que o seu ânimo não fora de ocultar; porque logo que se lhe tocou a espécie, a contou fielmente, e que tendo-a já dito ao seu mesmo juiz, se ele quisesse mais alguma declaração a respeito desse fato, lha perguntaria, e que também não negaria uma coisa, que lhe fazia a bem depois dele Respondente ter aconselhado a denúncia.

               — E sendo instado, que dissesse a verdade, do que sabia nesta matéria de levante, a que tinha faltado; pois constava que havia mais pessoas, a quem ele tinha ouvido falar nesta matéria, e que o ter omitido o passo de dizer que tinha aconselhado a denúncia era porque no tempo que o declarou se propunha a buscar aquela defesa; mas como ela não era verdadeira, e era só ideada, ou lhe tinha esquecido, ou tinha querido tomar por mais segura, a que tinha dado no princípio das suas respostas de que nada sabia de coisa, que lhe pudesse causar culpa.

               Respondeu que além das pessoas que tem dito, nenhuma outra falou diante dele em semelhante matéria, e que se houve alguma que falasse, ou ele Respondente não ouviu, ou lhe não deu atenção alguma, e que ele a ninguém falou em tais matérias e que quanto à consulta feita com ele Respondente pelo Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e o que ele Respondente tem a este respeito declarado, e o que lhe aconselhou era verdadeiro e sincero, e não procurado para desculpa, da parte dele Respondente. E por este modo houve o dito Desembargador estas perguntas por ora por feitas e acabadas, dando juramento ao Respondente de haver falado nelas a verdade pelo que respeita a direito de terceiro, e assinou com o Respondente e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois de tudo lhe ser lido, e as acharem na verdade: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Inácio José de Alvarenga Peixoto José dos Santos Rodrigues e Araújo

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras

14-01-1790

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos quatorze do mês de janeiro nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro e Escrivão nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo para efeito de se continuarem perguntas ao Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto que se acha preso em custódia, aí mandou o dito Desembargador vir à sua presença ao dito Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto, e vindo se procedeu com ele à continuação das perguntas na forma seguinte.

               — E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam leito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               Respondeu que o que tinha dito nas perguntas antecedentes era tudo verdade, e que de novo as ratificava; mas que tinha faltado a várias circunstâncias, que faziam a extensão da matéria necessária para o seu claro conhecimento, e que à vista das instâncias, e argumentos, que lhe tinham sido propostos se resolvia a narrar tudo com pureza, deduzindo tudo desde o seu princípio na forma seguinte: Que no princípio de janeiro do ano de mil setecentos e e oitenta e nove, achando-se ele Respondente em casa de João Rodrigues de Macedo, e ficando só em uma das salas com o Coronel José Aires Gomes, este chegou à porta, e examinou se havia alguém e não vendo pessoa alguma, fechou a porta e disse a ele Respondente com toda a cautela, que a Cidade do Rio de Janeiro se levantava certamente, e perguntando-lhe ele Respondente, como o soubera lhe disse que um oficial da Tropa de Minas, que tinha subido havia pouco tempo do Rio de Janeiro, lhe dissera que nesta cidade se esperavam socorros de França, e de outras potências estrangeiras, que solicitavam o partido de Minas para fazerem juntos uma América inglesa, e perguntando-lhe ele Respondente se lhe falara na tropa, e nos oficiais grandes, como coronéis mestres-de-campo, e governadores de fortalezas, lhe respondeu que não, que eram os negociantes; perguntou-lhe ele Respondente se tinha nomeado alguns; respondeu que não, que eram geralmente todos, e o Respondente lhe disse que era mentira, e que nem possível era, ao que ele lhe respondeu que o faziam certamente, e que ele Respondente o sabia, e refletindo o Respondente nas delicadas matérias, que a proposição envolvia, quais eram uma cidade muito florente, que se pretendia rebelar por socorros marítimos, que esperava, uma barra muito feliz, e um porto muito capaz de os receber, uma Corte, a mais poderosa, e intrigante, como a de França protegendo o atentado, as outras Cortes estrangeiras auxiliando-o, quando elas pretendiam a liberdade do negócio na América, e seus portos, a conjuração de duas Capitanias, uma convidando a outra, o exemplo dos americanos ingleses, que há pouco tempo acabaram de conseguir o mesmo projeto, debaixo da proteção da mesma França, manejada a intriga pelos negociantes, que só olham para os seus interesses, e marcham para onde se lhe figuram mais vantajosos; um governo, o mais frio e de pedra, não deixaria de providenciar semelhante proposição imediatamente que aparecesse; quanto mais um governo ativíssimo, e de fogo, qual o do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei atual Luís de Vasconcelos e Sousa, cujo caráter é — Parare subjectis, et debellare superbos —, e quem se atreveria a proferir semelhante proposição sem que temesse ser imediatamente fulminado por quantos raios pode forjar Vulcano, por quantos pode disparar a mão de Jove, e como poderia ela escapar à sua atividade, que não reparte com Júpiter o seu império, como fazia Augusto, governando um de dia, outro de noite — Divisum Imperium eum Jove Caesar habet — mas governando de dia e de noite, pela manhã sabe quantos passos se deram na sua cidade; e como passearia a tal proposição por mais escura que fosse a noite, sem que se encontrasse com a vigilância, nem deixaria de ser imediatamente providenciada, refletidos os seus talentos, bem conhecidos dele Respondente, e há muitos anos, que jogando entre as mãos as rédeas do governo dos homens, nem no mar, nem na terra deixa coisa alguma sem a devida providência, e apenas larga ao céu o governo das estrelas... Hominum contentus habentis — Undarum terrae que pottens terrae que potens, ei Syderae donas —; nem seria proferida tal proposição, e se o fosse, no mesmo instante seria conhecida, e sendo-o imediatamente seria providenciada; logo é falsa a proposição, e impossível que pudesse grassar no Rio de Janeiro; e porque o Respondente assim o entendeu, nenhum caso fez dela: Passados poucos dias entrou o Respondente em casa do tenente-coronel da tropa dos pagos da Capitania de Minas, Francisco de Paula Freire de Andrada; ao tirar um livro, como costumava, o dito lhe perguntou se havia algumas novidades do Rio de Janeiro que o Respondente soubesse; disse-lhe que não; perguntou-lhe se tinha falado com o Alferes Joaquim José; disse-lhe o Respondente que nem o conhecia, e ele lhe disse que o dito Alferes tinha chegado havia pouco desta Cidade do Rio de Janeiro, e lhe dissera que se esperavam nela socorros de França, e o mais na mesma forma, que o Coronel José Aires Gomes lhe tinha dito, e dizendo-lhe o Respondente que a proposição era falsa, e que o Coronel José Aires Gomes já lhe tinha falado nela; mas que ele Respondente até impossível a julgava, atentas as qualidades do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, ao que ele lhe disse que era verdade, e que o partido que mais se pretendia saber no Rio de Janeiro era o que ele tenente-coronel seguiria, que assim lho tinha dito o tal Alferes Joaquim José, e vendo o Respondente a fatuidade de Francisco de Paula Freire de Andrada supor que a Cidade do Rio de Janeiro se lembraria do seu insignificante partido, lhe disse em tom de ironia, que na verdade para onde ele pendesse, penderia a balança do Estado, ao que ele lhe respondeu com toda a sinceridade, que se a Capitania de São Paulo entrasse no mesmo projeto, ele não teria dúvida; porque o Rio de Janeiro com dezesseis naus, defendendo a barra, nenhum poder lhe entrava; mas que ficando São Paulo de fora podia Portugal meter nas Minas os socorros que lhe parecesse; porém juntas as três Capitanias era a ação segura, que ele tinha em São Paulo bons amigos, com quem podia conservar correspondência, e seria fácil estando ele Respondente na Campanha, que tinha portadores para São Paulo todos os dias, e o Respondente lhe disse que brevemente fazia tenção de ir à Vila de Santos visitar um tio, que ainda não linha visto, e era portador seguro, tudo debaixo do mesmo tom de ironia; prosseguiu o tenente-coronel, que também se lembrava do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, do Vigário de São José, do Doutor Cláudio Manoel da Costa, e do Cônego Luís Vieira da Silva, que tinham ascendência sobre os espíritos dos povos e podiam reduzir muita gente para o caso do Rio de Janeiro fazer o seu movimento, que ele Respondente estava hóspede do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, onde também estava hospedado o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e falando com eles na matéria, os não acharia hóspedes na matéria ele tenente-coronel, quando lhes falasse nela; neste tempo entrou o cunhado do dito tenente-coronel, José Álvares Maciel, e o tenente-coronel lhe disse, que o Respondente não queria acreditar nos socorros das Cortes estrangeiras, de França para a sublevação do Rio de Janeiro, que ele dissesse, o que tinha presenciado a esse respeito nas Cortes por onde tinha andado, ao que o dito José Álvares Maciel disse que era matéria sem dúvida, que nas Cortes por onde ele tinha andado nada se falava mais que na moleza e indolência, com que o Brasil se tinha portado, sem fazer o menor movimento, nem à vista das Américas inglesas, e que estas conversas eram triviais até em Lisboa e Coimbra, e que estando ele em Londres se publicara que no Rio de Janeiro tinham matado ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei, cuja notícia até na Gazeta saíra, e logo os negociantes quiseram armar em defesa da cidade, e só um armava dois navios em guerra à sua custa; mas que em poucos dias se soube a falsidade da novela, foi mandado recolher a gazeta pelo Estado, e todos os negociantes ficaram ardendo, e que aqui podia ele Respondente conhecer a vontade com que as Cortes estrangeiras estavam de secundar os projetos do Rio de Janeiro; mas ele Respondente nem entrava no exame dos socorros, a sua dúvida era, que a tal proposição tivesse aparecido no Rio de Janeiro pelas razões que já disse, e despedindo-se o Respondente lhe disse o tenente-coronel, que sempre queria que ouvisse ao Alferes Joaquim José, que lho havia de mandar lá, e dizendo-lhe o Respondente, que não fizesse tal, porque não havia de falar em semelhantes matérias com ninguém, e especialmente com uma cara que não conhecia, lhe disse o dito tenente-coronel, que sempre o havia de mandar, e dizendo-lhe o Respondente, que não eaisse nisso; porque o havia de pôr na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General de Minas Gerais, lhe respondeu que não havia de fazer tal, e que ele fazia gosto que ouvisse ao dito Alferes Joaquim José, só por ver quanto falava inflamado na matéria, que até chegava a chorar, e o Respondente lhe instou até sair, que o não mandasse.

               Recolhendo-se ele Respondente para a casa do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, onde estava hospedado às onze horas da noite pouco mais ou menos, o achou com o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e lhes contou em suma, o que tinha passado com o dito tenente-coronel, a que eles responderam que seria utilidade do país, pelas boas disposições que se poderiam fazer sobre os seus interesses, se o Rio de Janeiro intentasse, e conseguisse a independência por estas, ou semelhantes palavras, e foram-se deitar: no seguinte dia pela manhã, veio o Doutor Cláudio Manuel da Costa tomar café com o Respondente, e com os ditos, como costumava, e tocando-se na matéria, que não está certo quem foi respondeu o Doutor Cláudio Manoel da Costa que o Alferes — Tiradentes — já no seu escritório lhe tinha dito essa história de França, e Rio de Janeiro, mas que ele nenhum crédito lhe dera por conhecer que ele era rápido; porém que se acaso estes países chegassem a ser independentes, fazendo as suas negociações sobre a pedraria pelos seus legítimos valores, e não sendo obrigados a vender escondido pelo preço que lhe dessem, como presentemente sucedia pelo caminho dos contrabandos, em que cada um vai vendendo por qualquer lucro que acha, e só os estrangeiros lhe tiram a verdadeira utilidade, por fazerem a sua negociação livre, e levado o ouro ao seu legitimo valor, ainda ficava muito na Capitania, e escusavam os povos de viver em tanta miséria e o Respondente tendo acabado de tomar o café se retirou, e saiu para casa de João Rodrigues de Macedo, onde estava sempre todo o dia, e noite, e se não recolhia senão pela meia noite, e às vezes mais tarde, e não sabe o mais em que continuou essa conversação.

               Nesse mesmo dia de tarde, estando o Respondente no escritório de João Rodrigues de Macedo, lhe apareceu um oficial feio, e espantado, e lhe disse que lhe queria uma palavra em particular; saiu o Respondente, perguntando-Ihe quem era, e ele lhe disse que era o Alferes Joaquim José, que o seu tenente-coronel o mandava ali para certificar a ele Respondente, que a notícia do Rio de Janeiro era verdadeira, e que ele a tinha ouvido geralmente aos negociantes, ainda que em muito segredo, e que na verdade era pena, que uns países tão ricos como estes estivessem reduzidos à maior miséria, só porque a Europa, como esponja, lhe estivesse chupando toda a substância, e os Excelentíssimos generais de três em três anos traziam uma quadrilha, a que chamavam criados, que depois de comerem a honra, a fazenda, e os ofícios, que deviam ser dos habitantes, se iam rindo deles para Portugal mas que o Rio de Janeiro já estava com os olhos abertos, e que as Minas Gerais pouco a pouco os havia de ir abrindo, ao que o Respondente lhe disse que não andasse ialando naquelas coisas, porque lhe podia suceder muito mal, e que dissesse ao seu tenente-coronel, que aquilo não era o que ele Respondente lhe tinha recomendado, que estava ocupado, e que por isso o não ouvia mais; loi-se embora, e ele Respondente ficou nessa noite, jogando com João Rodrigues de Macedo até as três horas da madrugada; quando chegou a casa achou todos dormindo, como quase sempre lhe sucedia, e no seguinte dia se levantou ele Respondente tarde, e como já em casa se achava gente de fora, não conversou nada com eles em semelhante matéria, e saiu outra vez para casa de João Rodrigues de Macedo, onde se demorou até à noite muito tarde, e quando se recolheu achou já todos dormindo em casa, e só no outro dia pela manhã é que, falando-se na matéria, conheceu ele Respondente que o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga já tinham falado com o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, porque disseram que ele não era tão mole como parecia, e que falava no projeto com seu calor e sua disposição saiu o Respondente e passando por casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada a entregar um livro, e a tirar outro da sua livraria, o dito Tenente-Coronel lhe disse que tinha falado na matéria com o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e que lhe tinha a ele Respondente parecido o Alferes Joaquim José, ao que ele Respondente disse que lhe tinha parecido um louco, ao que o dito Tenente-Coronel respondeu que louco era ele, mas que falava na matéria com muito calor; e que o dito Alferes tinha falado a alguma gente da tropa, e alguns oficiais, como ele mesmo lhe tinha dito; mas não nomeou o dito tenente-coronel nenhum deles, e só lhe disse que tinha um negociante, que apresentava seiscentos barris de pólvora, e perguntando-lhe o Respondente quem era, lhe respondeu com dificuldade que era o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, e perguntando-lhe ele Respondente, como metera nestas voltas a este pobre velho, reputado por todos por um homem bom, e honrado, e bom pagador da Fazenda Real, e de boas contas, respondeu que lhe tinha falado que na derrama o menos que lhe podia tocar eram seis mil cruzados, que o dito Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira se assustara, e pusera as mãos na cabeça, e que logo ele Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, lhe dissera que se podia escusar deste pagamento, passando a América a ser República, e assistindo ele dito Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira com pólvora, no que ele conveio, mas não sabe ele Respondente a quantidade de pólvora, que lhe prometeu, e se retirou nesta ocasião o Respondente, sem que houvesse mais conversação alguma sobre semelhante matéria, levando o livro que tinha ido procurar.

               Daí a dois dias, quando foi restituir o dito livro, lhe disse o dito Tenente-Coronel que queria que ele Respondente visse o louco do alferes, como expunha a formalidade, com que tinha determinado estabelecer a nova República de Minas em consequência da do Rio de Janeiro, que procurava o partido de Minas, que o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga haviam de ir à noite para casa do Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira como costumavam, que podiam subir um pouco à casa dele dito tenente-coronel, e que ele Respondente se achasse também lá para ouvirem a exposição do dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e como o Respondente foi nesse dia jantar a casa, segundo a sua lembrança por haver peixe fresco, raro em Vila Rica, disse aos ditos Vigários, e desembargador o que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire lhe dissera, e acabando de jantar veio para casa de João Rodrigues de Macedo como costumado, e lá ficou até à noite, e não se lembrou mais de tal; mas pelas oito horas pouco mais ou menos, estando a conversar com uns poucos de sujeitos em casa do mesmo João Rodrigues de Macedo, trouxe a ele Respondente o Capitão Vicente Vieira da Mota, um escrito fechado, que lhe tinham entregue à porta da rua, e abrindo-o ele Respondente achou ser do Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, escrito de casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, em que lhe dizia que chegasse lá, que o esperavam, se queria rir um pouco, ao que ele Respondente lhe mandou dizer que em passando a chuva lá ia, e de fato indo, achou aí o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e seu cunhado José Álvares Maciel, o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, a quem o Respondente viu pela primeira vez, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o qual tinha acabado de expor a sua depravada cena, que o Respondente não ouviu, mas foi-lhe recontada, dizendo todos cada um o seu pedaço na forma seguinte. Que em havendo notícias do movimento no Rio de Janeiro, e a publicação da derrama, se esperaria a consternação geral do povo com o peso do tributo, e em uma noite sairia o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier com uns poucos de companheiros, gritando pelas ruas de Vila Rica — Viva a liberdade —, que o povo consternado havia de acudir à voz, e o Tenente-coronel com a tropa acudiria ao tumulto; mas como a tropa, ele alferes a figurava em parte sediciosa, e alguns dos aficiais, não carecia ele dito tenente-coronel mais que manejá-la com destreza a dar tempo a que o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier com os seus infames companheiros fosse à Cachoeira, onde se achava o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General e ou o conduziria com toda a sua Excelentíssima Família até à serra, onde lhes diria que fizessem muito boa jornada, e dissessem em Portugal que já se não precisava de generais na América, ou sacrificaria os seus preciosos dias, e conduziria a sua cabeça a Vila Rica, para com ela impor ao povo o respeito pela sua nova e imaginada República, que aí faria o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada uma fala ao povo, ao que ele Respondente lhes disse que depois de estar aí tal cabeça, não era necessária mais fala alguma, que bastava dizer-lhe que quem tinha tirado aquela podia tirar todas as outras, ao que o dito tenente-coronel disse que sempre perguntaria o que queriam, que o motivo tinham para aquele levante, e tumulto, que eles lhe responderiam que queriam a sua liberdade, e ele lhes responderia que a pretensão era tão justa, que ele se lhes não podia opor, e logo passaram a contar ao Respondente que o Doutor José Álvares Maciel estabeleceria uma grande fábrica de pólvora, que o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e o Tenente Coronel Domingos de Abreu Vieira assistiriam com pólvora, e além disso o dito padre se incumbiria da administração dos Diamantes do Serro, e de lazer partido contra a oposição dos Ministros, do que ele se encarregou, dizendo que não careceria de gente de fora para isso; porque para os ministros bastavam os seus mulatos, que o Vigário da Vila de São José daria gente da sua freguesia, e da Capitania de São Paulo, donde era natural, no que conveio, que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga cuidaria das leis com os advogados que escolhesse, ao que se calou, e não se opôs, e que o Respondente daria gente da Campanha para auxiliar a mesma pretensão, e levante, e o Respondente lhes disse que tratassem de ser bons cavaleiros, que a matéria era sumamente delicada, e como a noite estava muito chuvosa, e a este tempo parou a chuva, saíram todos e se foram embora.

               No dia seguinte, ou no outro, foi visitar ao Respondente o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que lhe tinha dito ser-lhe muito obrigado pelas muitas atenções que lhe tinha devido seu irmão o Doutor Plácido da Silva de Oliveira, sendo ele Respondente Ouvidor de São João del-Rei, e como o não achou, lhe deixou o recado, e achando-o o Respondente quando se recolheu, lhe foi pagar a visita no dia seguinte, e o achou com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o qual saiu, e o dito padre disse a ele Respondente que aquele rapaz era um herói, que se lhe não dava morrer na ação, contanto que ela se fizesse, e dizendo-lhe o Respondente que melhor era que não cuidasse em tal, que tinha muito que perder, assim como ele Respondente, e alguns mais, que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada era um mole, que nunca havia de fazer nada, e haviam de entrar a falar e perderem-se todos, ao que ele respondeu, que como o Rio de Janeiro entrava, não havia risco, e o Respondente certo sempre que no Rio de Janeiro, nem de tal coisa se sabia, se retirou concluída a sua visita.

                Que no dia seguinte, ou no outro, estando juntos o Respondente, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Doutor Cláudio Manuel da Costa, o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo,em casa ou do Doutor Cláudio Manuel da Costa ou do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga no que não está certo; mas se inclina antes, que foi em casa deste, se falou em umas bandeiras, que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier tinha ideado para servirem na nova premeditada República, que eram três triângulos enlaçados em comemoração da Santíssima Trindade, se lembrou o Doutor Cláudio Manuel da Costa das bandeiras da República Americana Inglesa, que era um gênio da América, quebrando as cadeias com a inscrição — Libertas aquo Spiritus —, e que podia servir à mesma, e o Respondente lhe disse que seria pobreza ao que ele respondeu que podia servir a letra — Aut libertas, aut nihil —, ao que o Respondente se lembrou do versmho de Virgílio — Libertas quae sera tamen —, que ele achou, e todos os que estavam presentes, muito bonito; mas tudo foi sem ânimo de servir, e meramente por entreter a conversação: No dia seguinte se retirou o Vigário da Vila de São José para a sua igreja, e o Respondente daí a poucos dias para Paraopeba, onde esteve o resto do mês de janeiro, e todo o mês de fevereiro, e retirando-se outra vez a Vila Rica no princípio do mês de março, veio pela Cachoeira cumprimentar ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General e aí encontrou o Alferes Joaquim José da Silva Xavier que vinha para o Rio de Janeiro meter umas águas, e fazer uns moinhos, e de caminho ver em que altura estavam esses socorros de França, que esperavam para se fazer a República do Rio de Janeiro primeiro; depois a de Minas, com o exemplo da do Rio era muito fácil; que os povos de Minas eram uns bacamartes falsos de espírito, e de dinheiro; e que tendo falado a muita gente, todos queriam mas nenhum se queria resolver a por em campo; só os que achara com mais calor foram o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e feito no Rio de Janeiro, todos haviam de querer, ao que ele Respondente lhe disse que não fosse louco, que não viesse meter-se no Rio de Janeiro a falar em semelhantes asneiras, porque não era um sertão, como Minas, e que qualquer palavra que desse, logo havia de chegar aos ouvidos do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei, que não era para graças; ao que ele lhe respondeu, que a ele ninguém o pegava, e que ele e o seu partido sabiam bem os passos do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei, e que principiando por ele a ação, não havia mais risco; porque a cidade toda era do mesmo voto, do que o Respondente não fez caso algum, na certeza de que no Rio de Janeiro nem em tal se falava, o que confirmava o ter ouvido falar o dito Alferes umas poucas de vezes no Rio de Janeiro e nunca lhe nomear pessoa alguma específica desta cidade, que seguisse este partido, tendo-lhe nomeado em Min as alguns sujeitos, a quem tinha falado como eram o Capitão Manuel da Silva Brandão o Tenente Antônio Agostinho, o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, de quem o Respondente está certo ter-lhe ele dito, que falando-lhe a primeira vez prestara o seu consentimento; mas que sendo nomeado posteriormente Comandante do Destacamento da Serra e tornando a falar-lhe, lhe dissera que não fosse louco, que não tornasse a falar-lhe em semelhante matéria, ao que o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier disse que respondera ao dito Capitão que como agora estava feito Grão-Turco da Serra, que por isso não queria entrar na sublevação, e não falou ele Respondente mais com o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier; porque seguiu a sua viagem para o Rio de Janeiro.

Voltando ele Respondente de Paraopeba para Vila Rica, não ouviu falar em semelhante matéria até às exéquias do Príncipe, que foi pelo meio do mês de março pouco mais ou menos; nelas veio pregar o Cônego Luís Vieira da Silva e em um dos dias seguintes, jantando em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa o Respondente, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Desembargador Intendente Francisco Gregório Monteiro Bandeira, e o Cônego Luís Vieira da Silva, acabado o jantar, foram para uma varanda, e ficando o Desembargador Intendente a uma janela da sala, na varanda falaram sobre as Américas inglesas, o que é da paixão dominante do dito Cônego, e por esta conversa se veio a falar também na riqueza, e felicidade, que resultariam a estes países se conseguissem a sua liberdade, e independência, e se falou na mesma ocasião que esta matéria andava bulida, tocando-se nas notícias, que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier tinha espalhado, respectivas ao Rio de Janeiro, e não houve nesta ocasião mais conversação alguma; porque o Desembargador Intendente Bandeira andava passeando da janela da sala para a varanda, e diante dele se não falava nestas matérias.

               Passados dias, conversando depois de jantar com o Capitão Vicente Vieira da Mota em casa de João Rodrigues de Macedo, o dito Capitão lhe perguntou, se tinha tido algumas conversas com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha — o Tiradentes — sobre a liberdade, ou sobre coisas da América; ele Respondente lhe disse que não, e que ele bem via, e sabia as conversas que ele Respondente podia ter com o dito Alferes, estando continuadamente com ele dito capitão, ao que ele dito Capitão Vicente Vieira da Mota disse a ele Respondente, que também ele não tinha amizade alguma ao dito Alferes, mas que sem embargo disso, lhe falara o dito Alferes sobre a liberdade da América, avançando-lhe para que entrasse também neste projeto, o que tudo ele dito capitão tinha feito pôr na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, e que se a este respeito ele Respondente sabia alguma coisa, seria bom que o pusesse na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General.

                No dia seguinte partiu ele Respondente para São João del-Rei, e passando pela Cachoeira a despedir-se do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, lhe esteve falando sobre os governos republicanos, e reais, de cuja conversa, passando pela Fazenda do Caldeirão, onde se achava o Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, fez ele Respondente menção ao dito Tenente Coronel, o qual lhe respondeu que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General sabia de tudo o que nesta matéria se tinha falado; que o Vigário de São José tinha feito uma grande bulha neste negócio; porque lhe escrevera que tinha cento e cinquenta cavalos prontos para o seu Regimento, o que ele entendera o que era, isto é que tinha falado a pessoas para entrarem na sedição, e que ele dito tenente-coronel se fizera desentendido, e lhe respondera que o que queriam eram umas cuias pintadas para beber congonha, e no dia seguinte partiu ele Respondente para São João del-Rei, sem falar com o dito tenente-coronel mais em semelhante matéria.

                Chegou ele Respondente a São João del-Rei em domingo de Ramos, e até depois dos dias santos da Páscoa não ouviu falar em tal matéria; no mês de abril foram visitar a ele Respondente a São João del-Rei o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e lhe disseram que o Coronel Joaquim Silvério em uma revista de auxiliares que se fez, dissera em casa do Capitão José de Resende Costa publicamente, em presença do Ajudante de Ordens João Carlos Xavier da Silva, que andava passando revista aos auxiliares, que estes países pela sua grandeza, e extensão eram adequados para se fundar neles um império se não fossem sujeitos, o que se estranhara por ser diante do dito ajudante-de-ordens, e que tendo ele dito Vigário da Vila de São José. Carlos Correia de Toledo, falado ao dito Coronel Joaquim Silvério nesta matéria, ele se lhe comprometera de assistir com dinheiros para ajuntarem gentes para auxiliarem o levante; e indo o Vigário para dentro da casa dele Respondente a visitar sua sogra, ficou o Respondente com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes o qual lhe disse que o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, seu irmão o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e o Coronel Joaquim Silvério dos Reis tinham falado a muita gente por São José, pela Borda do Campo, e pelo Tamanduá, e saindo os sobreditos de casa dele Respondente, no dia seguinte foram para a Vila de São José, e o Respondente os acompanhou, por ter de falar ao Sargento-Mor Domingos Barbosa Pereira na execução, que faz a Sancha Maria da Mota, e jantando todos em casa do Vigário Carlos Correia de Toledo, e falando na matéria, o dito vigário disse ao Respondente, que lhe escrevesse aquela letrinha, de que em Vila Rica se tinha lembrado, para a bandeira, e ele lhe disse que em tais matérias não punha pena em papel, e que se ele quisesse a escrevesse, o que fez, e se retirou a tratar da dependência, a que tinha ido sem mais falar em coisa alguma, que lhe lembre, e logo que findou a sua dependência, voltou à casa do vigário, e se retirou para São João del-Rei, e o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes para a sua fazenda da Ponta do Morro.

               Passados poucos dias veio o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo à casa dele Respondente em São João del-Rei, e lhe disse que pela sua casa tinha passado José Lourenço Ferreira, Comandante do Arraial da Igreja Nova, e lhe dissera que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis tinha passado para o Rio de Janeiro, por ter, segundo ele dizia, recebido uma carta do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa para se vir despedir dele, o que não parecia natural, e supunha ele dito Vigário, que o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis tinha vindo denunciar as conversações, que sobre esta matéria tinha havido, ao que ele Respondente disse ao dito vigário, que o remédio era ir-se ele denunciar ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, ao que ele dito Vigário lhe disse que não era muito certo ir ele, mas que alguém iria, e depois desta conversa se foi embora.

                Daí a poucos clias entrou em casa dele Respondente o Coronel Francisco Antônio de Oliveira à hora da Trindade, e lhe disse que Luís Vaz de Toledo Piza lhe delatara, que Joaquim Silvério dos Reis lhe tinha oferecido dinheiros para convocar gentes, e como eles supunham que se tinha ido denunciar, ele assentava em ir denunciá-lo também, ao que ele Respondente lhe disse que a proposição era dessa natureza, mas que visse se era verdade, e que não fosse mentir ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, ao que lhe disse que era tanto verdade, que no Arraial da Igreja Nova, diante de muitas pessoas, e lhe nomeou algumas, e não lembram a ele Respondente, estivera dizendo o dito Coronel Joaquim Silvério que o Rio de Janeiro, as Minas, e São Paulo brevemente haviam de ser Repúblicas, e nomeou os que entravam neste projeto, e dizendo-lhe o Respondente, que ele ficava com obrigação de se ir denunciar, se ele não fosse, lhe disse o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que ficasse descansado, que ele ia fazer a denúncia, porque queria passar uma lição àquele Joaquim Saltério: E perguntou-lhe ele Respondente porque lhe chamava Saltério, porque nunca tinha ouvido tal nome, ao que lhe respondeu, que na Igreja Nova, e na Borda do Campo ninguém o tratava de outro modo, e a seu irmão João Damasceno, João das Maçadas; porque eram os dois maiores maganões, que tinham passado de Portugal para a América, ao que o Respondente lhe disse que fosse fazer a sua denúncia, e a fizesse com toda a verdade, e nesta forma tem ele Respondente dito toda a verdade, do que a este respeito sabe, e que todas as conversações que teve, e ouviu nesta matéria foram na certeza, de que a proposição fundamental, não só era falsa, mas impossível, e que nada poderia em tempo algum surtir efeito, visto que no Rio de Janeiro, nem em tais socorros estrangeiros nem em tais alianças de Minas se tinha falado, que principiou por zombar do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, pela fatuidade de supor que no Rio de Janeiro se faria caso do seu partido; seguiram-se as conversações, que tem declarado das quais todas se não mostrará uma ação, ou um passo, que ele Respondente fizesse, mas conhece que é tanta a delicadeza da matéria, que ele Respondente se não pode eximir de confessar a leveza em que caiu em ouvir, e tratar algumas conversações em semelhante matéria sem as por na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, e que espera pelas sobreditas razões, a piedade de Sua Majestade Fidelíssima; e por mais perguntas, e instâncias, que lhe foram feitas não declarou mais pessoa, nem coisa alguma: E por esta forma, houve o dito Desembargador estas perguntas por ora findas, e deu o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade, pelo que respeita a direito de terceiro, e assinou o dito Desembargador com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, as achar na verdade, como tinha respondido: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros e em liberdade: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Inácio José de Alvarenga Peixoto

José dos Santos Rodrigues e Araújo

AO PADRE CARLOS CORREIA DE TOLEDO E MELO

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 14-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 27-11-1789

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 04-02-1790

4ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação .. n° 7-1791 Acareação com: Francisco Antônio de Oliveira Lopes.

5ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 13-07-1791 Acareação com: Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Joaquim Silvério dos Reis.

6ª INQUIRIÇÃO — Casas da Ordem Terceira de São Francisco 23-08-1791

7ª INQUIRIÇÃO — Casas da Ordem Terceira de São Francisco 07-09-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 14-11-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos quatorze do mês de novembro nesta cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo e Melo, que se acha preso em custódia, e sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo e Melo, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para a presente Devassa o escrevi.

               E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

               Respondeu, que se chamava Carlos Correia de Toledo e Melo, filho de Timóteo Correia de Toledo, e de Úrsula Isabel de Melo, natural da Vila de Taubaté, da Capitania de São Paulo, de idade de cinquenta e oito anos, que nunca fora casado, e era presbítero do hábito de São Pedro, e Vigário Colado da Freguesia de Santo Antônio, da Vila de São José da Capitania de Minas Gerais, e com efeito vendo-lhe eu o alto da cabeça nele vi, que tinha sinal de andar tonsurado, do que dou fé.

               E perguntado se sabia a causa da sua prisão, ou a suspeitava.

               Respondeu, que na ocasião em que foi preso pelo Tenente Antônio José Dias Coelho, e pelos mais soldados, que o acompanhavam, aos ditos soldados ouviu dizer que a prisão dele Respondente, a do Coronel Inácio José de Alvarenga, que se fez pelo mesmo oficial na mesma ocasião, e a do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o — Tiradentes — era por causa de um levante, ou sedição, que disseram, se premeditava na Capitania de Minas Gerais, e por isso ficou ele Respondente entendendo, que deste princípio nasceria também a sua prisão.

               E sendo perguntado se ele Respondente sabia por qualquer modo, ou suspeitava, que se urdisse, e tramasse alguma sedição, e motim na Capitania de Minas Gerais, ou nela entrava.

               Respondeu que sendo pelo tempo da Semana Santa do presente ano, pouco mais ou menos, foi à casa dele Respondente à Vila São José, o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, e estando nela, foi para um quarto falar ao irmão dele Respondente o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e da conversação que tiveram resultou enfadar-se este com o dito coronel o que ouvindo ele Respondente acudiu, e perguntou de que nascia o dito enfado, ao que o irmão dele Respondente, dito Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, respondeu, que o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis, vendo que não tinha com que pagar a Fazenda Real o avultado cabedal, que lhe devia, o convidava para ir à Capitania de São Paulo a fazer gente, para com ela fazer um levante, ou sedição na Capitania de Minas Gerais, para o que ele dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis assistiria com dinheiro; pelo que se enfadara o irmão dele testemunha, dito Luís Vaz de Toledo, ao que ele Respondente disse que semelhantes conversas eram mal permitidas, e que não queria que se falasse mais em semelhante coisa, e a seu irmão recomendou que desse parte desta conversação ao seu Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, para que este a desse ao Ilustríssimo e Excelentíssimo General da Capitania, e ele Respondente o não fez também por julgar bastante a que tinha dado o irmão dele Respondente, Luís Vaz de Toledo, por não cair em irregularidade em razão do seu estado, e sobretudo porque o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis é um homem louco e mau, que nada havia de conseguir em semelhante matéria por mais que falasse nela, que por estas razões não suspeitou àquele tempo coisa alguma, porém que agora, vendo-se preso, julga que daqui podia nascer alguma suspeita, e não tem ele Respondente mais razão, ou motivo algum por que possa saber, ou persuadir-se que na Capitania de Minas Gerais se intentasse sedição, ou sublevação alguma.

               E instado que dissesse a verdade; porquanto constava, que ele Respondente sabia mais do que declarava na resposta, que tinha dado, e devia dizer a verdade.

               Respondeu, que além do que já declarou, só sabia pelo ouvir dizer, ou ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, ou ao Sargento-mor Antônio da Fonseca Pestana, que andando o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier da Silva Ferrão, no mês de fevereiro pouco mais ou menos, na revista dos Regimentos Auxiliares, dissera, vindo ele Joaquim Silvério dos Reis, chegando a umas grandes campinas, que as Minas podiam ser um grande império se fossem livres; porem não sabe ele Respondente, nem ouviu dizer, se o dito Ajudante de Ordens ouviu o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis, 011 o que ele disse, e além disto que declara nada mais sabe, que seja relativo à dita sedição.

               E sendo-lhe perguntado se proximamente à sua prisão tinha estado sempre na sua igreja, ou se tinha feito alguma jornada, aonde, e a que.

               Respondeu, que a última jornada que fez, foi no mês de dezembro do ano de mil setecentos e oitenta e oito, a Vila Rica e à cidade de Mariana, aonde foi apresentar ao seu excelentíssimo bispo a licença que tinha da Mesa da Consciência para passar a Portugal a dependências suas, e a pedir a encomendação da sua igreja durante o tempo da demora dele Respondente, para seu irmão, o Padre Bento Cortês de Toledo que com efeito tudo concluiu.

               E sendo perguntado, de quem foi hóspede em Vila Rica, quanto tempo se demorou, e quais eram as pessoas da sua amizade.

               Respondeu, que foi hóspede do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, que se demorara dez dias pouco mais ou menos, e que as pessoas da sua amizade na dita Vila, eram o Doutor Cláudio Manuel da Costa, João Rodrigues de Macedo, Carlos José da Silva, Francisco Antônio Rebelo, o Padre José Martins, e o mesmo Desembargador Gonzaga, de quem foi hóspede, e que fora destes não tem amizade com mais pessoa alguma.

               E sendo-lhe perguntado, por que razão não tinha ido para Portugal, sendo este o seu projeto, e tendo para esse fim todas as licenças necessárias.

               Respondeu, que a razão de não ter ido para Portugal, fora por não ter dinheiro para as necessárias despesas da viagem, e querendo cobrar de quatro fregueses seus o dinheiro que lhe deviam, para estas despesas, cada um destes lhe pôs sua demanda, e nada cobrou deles, mas que era tão certo o intento, que tinha de ir, que tinha justo com Joaquim Pedro da Câmara, Sargento-mor de Auxiliares da Comarca, ir com ele.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, que inteiramente faltava a ela na desculpa que dá, de não ter ido para a Corte; pois só sendo ele insensato iria apresentar a licença que principiava a correr desde esse tempo, não sabendo ainda se teria dinheiro com que fazer a viagem, nem tomaria um encomendado para a igreja, a que estava servindo desde o mês de dezembro do ano passado, o que não devia ser, estando ele Respondente assistindo na mesma igreja por tão dilatado tempo sem impedimento algum, o que mostra bem não ter sido a razão que deu, a da demora, mas sim outra causa superveniente, e por isso poderia ajustar depois a ida com o Sargento-mor Joaquim Pedro da Câmara para afetar demora, por ser um sujeito que ainda se não sabe se irá, e menos o quando.

                Assim como também tinha faltado à verdade em dizer que além das pessoas que declarou serem suas amigas em Vila Rica, nenhuma outra o era; porque se ali havia um

suspeito, a quem ele ofereceu cem cavalos, é sinal de ter com ele amizade.

                Respondeu, que tinha dito a verdade na antecedente resposta, e que nela insistia, e pelo que respeita aos cem cavalos, que se lhe diz ter oferecido de presente, não é verdade; porquanto ele Respondente não os ofereceu de presente; mas sim para que o tenente-coronel da tropa paga, Francisco de Paula Freire de Andrada lhos comprasse para a tropa, e pagar ele Respondente com o preço deles, o que deve à Fazenda Real de Minas Gerais, e que isto fora o que escrevera ao dito tenente-coronel.

                E perguntado em que tempo escreveu ele Respondente ao dito tenente-coronel, e a resposta que teve dele.

                Respondeu, que foi depois que ele Respondente veio de Vila Rica, coisa de três meses pouco mais ou menos, e a resposta que o dito tenente-coronel deu a ele Respondente foi que não carecia deles para a tropa, e por isso os não comprou, como fazia tenção, em Sorocaba, de cuja Vila alcançam o preço em Minas a dez, e doze oitavas, e na Fazenda Real se pagam a dezesseis oitavas, e às vezes mais, e por isso ele Respondente os oferecia.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual faltava, pois aquele modo de falar tinha outra inteligência entre ele Respondente, e o dito tenente-coronel, e bem se vê a incongruência da sua resposta; porque se ele estava demorando sem partir para a Corte por falta de dinheiro, como queria fazer emprego na compra de cem cavalos, nem diria que os tinha já prontos, e bem gordos, quando ainda não sabia se eram necessários, nem se devendo esperar que de uma vez se comprasse tanto número de cavalos para a tropa de Minas, sendo ao mesmo tempo pouco de esperar tão grande prontidão no pagamento, sem lhe ser pedido, constando aliás notoriamente, que o Respondente por mau pagador, nada se lhe queria fiar na Vila de São José, e além disso sendo o Respondente eclesiástico não lhe ficava lícito fazer esta negociação de cavalos.

               Respondeu, que o que escreveu ao tenente-coronel não tinha outra inteligência entre ele Respondente, e o dito tenente-coronel, e que sem embargo de não ter dinheiro, como já disse, para fazer a viagem para Portugal, podia comprar os cavalos, porque estas compras se fazem fiadas, segundo o costume de Minas, e que suposto disse que os tinha prontos e gordos, sem os ter comprado, foi para convidar a que se lhe aceitassem, e ofereceu maior número, do que poderia ser necessário à tropa para haver por onde se pudesse escolher, e quanto a ser mau pagador passa pelo contrário, pois sempre que tinha dinheiro, pagava a quem devia, e supôs também ser-lhe lícito fazer esta venda à Fazenda Real.

                E sendo-lhe perguntado, em que sítio foi preso.

                Respondeu, que légua e meia em distancia da Vila de São José, indo para a sua fazenda da Laje.

                E sendo-lhe perguntado, que desígnio levava naquela jornada.

                Respondeu, que da Laje fazia tenção de passar a uma lavra, que fica a dez léguas em distância da Vila de São José, e de lá à fazenda dos Talhados, que são sete dias de viagem, porque pretendia comprar a dita fazenda, ou outra qualquer, que se lhe oferecesse, para um seu cunhado, e depois recolher-se outra vez para a Vila de São José.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, a que faltava em dizer que ia comprar uma fazenda e voltava, quando na realidade ele ia fugido, para o que tinha tirado toda a sua roupa, e desmanchado tudo o que era possível da sua casa, saindo rapidamente sem o participar a pessoa alguma, nem se despedir, como era natural, e ao menos saber-se na terra aquele desígnio, se ele fosse verdadeiro.

                Respondeu, que tinha dito a verdade na resposta antecedente, e quanto a não se despedir na Vila São José, que isso não pode ser reparável; porque esse foi sempre o seu costume em todas as viagens que fazia. E por este modo, houve o dito desembargador estas perguntas por ora por feitas, e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver falado nelas a verdade pelo que respeita a direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois de tudo lhes ser lido, e as acharem na verdade; e eu, e o dito tabelião portamos por fé, que a elas esteve o Respondente em liberdade, e livre de ferros. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Carlos Correia de Toledo e Melo José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 27-11-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e sete do mês de novembro, nesta cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se continuarem perguntas ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo e Melo, que se acha preso em custódia, aí mandou o dito desembargador vir à sua presença ao dito Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo e Melo, e vindo se procedeu com ele na continuação das perguntas na forma seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe havia feito, e perguntando-se-lhe, se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               Respondeu, que eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               E instado, que dissesse a verdade, à qual tinha faltado, respondeu meramente com enganos, como era o dizer que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis fora quem falara a seu irmão, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, convidando-o para a sublevação; porque ele Respondente foi pelo contrário, quem convidou o dito irmão, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo e este ao dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis, e igualmente falta à verdade em dizer que não sabia da conjuração por outro modo, quando ele réu Respondente era um dos sócios entrados, e mais empenhados em que ela se fizesse, tendo assistido aos conventículos, que se faziam para o ajuste; pelo que deve ele Respondente dizer com verdade o modo por que se premeditava a sedição, quem era o cabeça, quem eram os sócios, e o mais que havia a este respeito, deixando a ilusão com que tem falado em Juízo, no qual por todos os direitos deve dizer a verdade pura.

                Respondeu, que tinha dito a verdade, e que não sabia mais coisa alguma.

                E sendo novamente instado por muitos e vários modos, para que confessasse a verdade, que constava da Devassa, e que ele Respondente negava por ser pertinaz, e não querer reconhecer o gravíssimo delito em que caiu.

                Respondeu, que ele à vista das instâncias, e argumentos, que novamente se lhe fizeram, chega a reconhecer que a sua culpa se achava inteiramente provada, e por essa razão ele Respondente a quer declarar toda, pura e sinceramente, sendo este o primeiro passo de reconhecimento do seu erro, e que se ele Respondente até agora o não declarou, foi por temer o castigo, que em razão dele poderia impôr-se-lhe. Que estando ele Respondente em Vila Rica no mês de dezembro do ano passado de mil setecentos e oitenta e oito, nas oitavas do Natal, pouco mais ou menos, foi à casa do tenente-coronel da tropa paga de Minas Gerais, Francisco de Paula Freire de Andrada, a pagar-lhe a visita que lhe tinha feito, encontrou já nela o cunhado do dito tenente-Coronel José Álvares Maciel, o Alferes José Joaquim da Silva Xavier, e está ele Respondente em dúvida se também nesta ocasião se achava presente o Coronel Inácio José de Alvarenga, e aí disse o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que as Minas podiam ser um País livre e independente de Portugal, suposta a sua fertilidade e riqueza, e se continuou por todos os referidos, que estavam presentes, esta conversa em termos gerais, sem que se contraísse às circunstâncias de já se pactuar, ou ajustar, que com efeito se fizesse alguma conjuração, ou levante; passados dois ou três dias, voltou ele Respondente à casa do dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e foi em companhia dele Respondente o Coronel Inácio José de Alvarenga, e na dita casa encontrou já o cunhado do dito tenente-coronel José Álvares Maciel, ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e depois entrou também o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e sendo todos juntos, se suscitou a mesma conversa, e se adiantou aos termos de se tratar formalmente da conjuração, e motim, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, dizendo o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que ele para a dita conjuração poria pronta a tropa, e que esta corria por sua conta, que o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira punha prontos duzentos barris de pólvora pouco mais ou menos, e está ele Respondente em dúvida se o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada ficou também de dar a senha para o dia da conjuração, e motim, a qual era — tal dia é o meu batizado —; O Coronel Inácio José de Alvarenga disse na mesma ocasião, que ele poria pronta para esta sublevação e motim a gente da Campanha do Rio Verde: Ele Respondente disse na mesma ocasião, que poria pronta para esta sublevação e motim a gente da Vila de São José: O Alferes Joaquim José da Silva Xavier disse também, que ele queria para si a ação maior, e de maior risco nesta conjuração, que a bandeira para o novo Estado, ou República, que pretendiam fazer, devia ser três bandeiras em uma, significando as três pessoas da Santíssima Trindade; O Padre José da Silva e Oliveira Rolim disse também, que ele poria pronta para esta conjuração a gente de Minas Novas e José Álvares da Silva Maciel até este ponto a nada se ofereceu, e só esteve ouvindo a conversa, que entre todos havia, a qual se concluiu, indo todos para sua casa; e não se lembra ele Respondente, se foi nesta conversa ou na primeira, que teve em casa do dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, estando a falar com ele, entrou também o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, e parando ele Respondente com a conversa, lhe disse o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que podia continuar, porque aquele capitão também era dos nossos, como se explicou, mas sem que ouvisse o dito capitão; porém nunca ele Respondente, sem embargo desta certeza, quis continuar na conversa, e se foi embora: Posteriormente foi ele Respondente algumas vezes a casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, e em uma delas estava também o Coronel Inácio José de Alvarenga, e entre todos se tornou novamente a falar da conjuração e motim, que premeditava fazer-se na Capitania de Minas Gerais, e trataram que se havia de estabelecer, feita ela, uma República, que havia de haver nela um Parlamento principal, e em todas as Vilas outros subalternos, que os nobres não haviam de vestir senão das fazendas próprias do País, e que os de inferior qualidade vestiriam das que quisessem, e deixava-se-lhes esta liberdade na esperança de que estes seguiriam o exemplo daqueles; que os dízimos ficariam pertencendo aos vigários, e nesta conversa o Coronel Inácio José de Alvarenga, juntamente com o Doutor Cláudio Manoel da Costa, trataram também da bandeira, e armas, que havia de ter a nova República, e entre si assentaram, que as armas deviam ser um gênio com uma cadeia quebrada nas mãos, e a inscrição seguinte — Aut libertas, aut nihil —, e na mesma ocasião disse também o dito Doutor Cláudio Manuel da Costa, que o Cônego Luís Vieira da Silva havia de ser, ou era um bom companheiro; porque ele Respondente se não lembra ao certo do termo por que se explicou, e que José Álvares Maciel podia fazer a pólvora. Que recolhendo-se depois ele Respondente à sua igreja, e casa da Vila de São José, falou e convidou a seu irmão, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo para esta conjuração contando-lhe todos os termos, e circunstâncias dela, e as pessoas que nela entravam, sendo que entre as que lhe nomeou, falou também no Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; porém é verdade que ele Respondente não sabe se ele era entrado, nunca com ele falou em semelhante matéria, nem por modo algum lhe constou, que ele dela soubesse, e só nele falou para facilitar ao dito seu irmão, e também ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes para entrarem nesta sublevação, e motim, vendo que nela era compreendido um desembargador de conhecidas luzes e talentos, o que declara para desencargo da sua consciência, e para que o não prejudique o que disse a este respeito contra o dito Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, sendo certo que se o contrário fosse verdade, o não ocultaria na mesma ocasião em que está delatando a sua própria culpa; que ao mesmo seu irmão disse que nas conversas, que ele Respondente teve em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, com os mais, que acima ficam referidos, disse o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que ele tinha no Rio de Janeiro muita gente pronta para entrar nesta conjuração, mas não nomeou a pessoa alguma, de sorte que o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada chegou a dizer que seria melhor principiar pela cidade do Rio de Janeiro a conjuração, que também o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier tinha dito nas referidas conversas, que o primeiro passo da conjuração devia ser tirar a vida ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General da Capitania de Minas Gerais, ao que ele Respondente acudiu, que matar não, e que seria melhor pô-lo com a sua família abaixo do registro da Paraíbuna, ao que respondeu, ou José Álvares Maciel, filho do Capitão-mor de Vila Rica, ou o Coronel Inácio José de Alvarenga, ou o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, porque ao certo não sabe qual deles foi, que o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General era o primeiro, que devia morrer, as quais circunstâncias acima referidas todas se passaram perante ele Respondente nas conversas, que teve em Vila Rica, em casa do dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e se as não declarou quando acima tratou destas conversações, foi por então lhe não lembrarem em razão da perturbação, e confusão, que lhe causa a sua própria culpa. Que comunicando a seu irmão, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, tudo o referido, o convidou para entrar nesta sublevação, partido que ele aceitou, talvez mais movido dos benefícios, e obrigações, que devia a ele Respondente, do que por ter o ânimo propenso à desordem, e ao mesmo tempo lhe disse que falasse ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes na conjuração, e que o apalpasse da parte dele mesmo dito sargento-mor para entrar nela, o que executou o irmão dele Respondente, o dito sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e em resposta trouxe a ele Respondente, que o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes lhe dissera que estava pronto a entrar na conjuração; passados poucos dias veio o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes à Vila de São José, e ambos conversaram na dita conjuração, e na forma que acima fica referida, incluindo ele Respondente como entrado nela ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, sem saber que ele em tal sublevação fosse entrado, e isto pela razão que também já declarou, o referido coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes disse a ele Respondente que estava pronto a entrar nela, e acrescentou, segundo lembrança dele Respondente; porque a este respeito não tem toda a certeza, que já o Alferes Joaquim José da Silva Xavier lhe tinha falado para entrar nesta conjuração; porém que então não dera o seu consentimento, e que também tinha ouvido dizer que os negociantes do Rio de Janeiro tinham mandado um enviado, ou um estudante para França para lá tratar da sublevação, e liberdade, que pretendiam; porém nem lhe disse o nome dos negociantes, nem o do enviado: Depois das conversas já relatadas também ele Respondente falou ao Mestre-de-Campo Inácio Corrêa Pamplona nesta conjuração, em dia que se fazia a Procissão de Passos na igreja dele Respondente, que segundo a sua lembrança foi a vinte e nove de março do presente ano; mas ao dito mestre-de-campo falou ele Respondente com cautela, não lhe dizendo que a conjuração estava justa, e que ele Respondente era um dos sócios dela; mas sim, que tinha chegado de Vila Rica, e que lá se falava nesta matéria, por ocasião da derrama, que se esperava, o que ele Respondente unicamente fez para sondar o seu ânimo; porém não chegou a conhecer, se ele aceitava, ou não semelhante partido; porém ficou persuadido daí a algum tempo, que ele não era do seu gosto; pois que tendo convidado o dito mestre-de-campo para ir passar a Semana Santa na sua igreja da Vila de São José, dito mestre-de-campo não foi, e declara ele Respondente que falando ao dito mestre-de-campo, também lhe apontou o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, como entrado nestes projetos, o que não era assim, e o fez pela razão que já acima disse: Seguiu-se a estas conversas, a que ele Respondente teve com o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, indo este à sua casa na Vila de São José, depois que o irmão dele Respondente participou ao dito coronel a conjuração, que estava tramada, o modo dela, e as pessoas que nela entravam; e ainda que ele Respondente levou a mal ao dito seu irmão o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, que tivesse falado em semelhante matéria ao dito coronel, por sempre desconfiar dele, que pudesse denunciá-la, contudo, como o tê-la ele sabido, era já irremediável, com ele falou na dita conjuração, e incluindo com o mesmo erro, e pela razão que já disse o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis mostrou aceitar o partido da conjuração, e disse que para ele ficar bem depois dela, lhe bastaria deixarem-lhe as fazendas que tinha, e não conheceu ele Respondente, se o dito coronel já a este tempo ia com ânimo de indagar o que havia, ou não a respeito desta conjuração: Que passadas todas as conversações, de que tem feito menção, se encontrou ele Respondente na Vila de São João del-Rei com o Coronel Inácio José de Alvarenga, e com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e daí foram todos juntos para Vila de São José para casa dele Respondente, onde jantaram em companhia um dia, e tornando a suscitar-se a conversação sobre a premeditada conjuração, disse o dito Coronel Alvarenga, que ele tinha chegado havia pouco tempo de Vila Rica, e que lá ficava este negócio em grande frieza, porque já se não lançava a derrama, e que tirado este tributo, que fazia o desgoto do povo, seria este menos propenso a seguir o partido da conjuração; mas que já agora sempre se devia fazer, porque como se tinha tratado de semelhante matéria, poderia esta vir a saber-se, e serem punidos, como se ela surtisse o seu efeito, no que concordaram, sem que ajustassem os meios, com que havia de ter efeito a dita sublevação, e motim; que na mesma conversa, tornou o dito Coronel Alvarenga a dizer como haviam de ser a bandeira e armas do novo Estado, que são as que já acima ficam referidas, e dizendo-lhe ele Respondente que escrevesse a inscrição que haviam de ter as armas — Aut libertas, aut nihil — o dito Coronel Alvarenga a não quis escrever; pelo que a escreveu ele Respondente em um pequeno papel: Depois de todas estas conversas, e de se terem feito por conta desta conjuração várias prisões nesta cidade, e na Capitania de Minas Gerais, temendo ele Respondente igual sorte se pôs em disposição de fugir para o sertão, e a este tempo lhe chegou um recado do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que trouxe um mulatinho seu para que ele Respondente lhe fosse falar ao pé da Serra, o que fez indo de retirada, e fugida, e chegando ao sítio determinado encontrou nela o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e a seu irmão o Padre José Lopes, e o dito coronel disse a ele Respondente que já agora sempre se havia de fazer a conjuração, e perguntando-lhe ele Respondente com que gente, não deu a isto resposta o dito coronel, e ele Respondente lhe tornou a dizer que se houvesse alguns brancos, poderia cada um destes levar um negro; porém ainda tornou a perguntar ao dito coronel, quem havia de ir com esta gente, ao que o dito coronel respondeu que podia ir com ela o irmão dele Respondente, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e ele Respondente disse que seu irmão não, mas que fosse ele dito coronel, ao que este respondeu — pois irei —, mas com uma frieza tal, que ele Respondente ficou entendendo que não ia dar princípio à conjuração, nem podia ir, porque não havia gente alguma; porque suposto ele Respondente ficou de aprontar a da Vila de São José, a ninguém falou em termos claros, e só a alguns tinha falado com disfarce, dizendo o que podia ser, para sondar os seus ânimos, e a toda esta conversação esteve presente o Padre José Lopes, irmão do dito coronel, e a ouviu, ainda que não disse coisa alguma, e concluída ela seguiu ele Respondente a sua retirada, e fugida. Declara mais ele Respondente, que nas conversas, a que assistiu em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, se ajustou entre todos os sobreditos, que a elas estiveram, e que ficam nomeados, que se algum dia se prendesse a algum, ou alguns dos sócios desta conjuração, e por ela fossem perguntados, todos negassem. E por este modo houve o dito desembargador esta continuação de perguntas por ora feita, e acabada, dando o juramento ao Respondente de haver falado a verdade, pelo que respeita ao direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Carlos Correia de Toledo e Melo José dos Santos Rodrigues e Araújo

3ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 04/02/1790

                Aos quatro dias do mês de fevereiro de mil setecentos e noventa anos nesta Cidade do Rio de Janeiro e Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Manuel da Costa Couto, Escrivão nomeado nos impedimentos do Ouvidor da Comarca, Marcelino Pereira Cleto, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues Araújo, para efeito de se continuar nas perguntas ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, que se acha preso nesta mesma Fortaleza, e sendo ai foi mandado vir à sua presença o mesmo Vigário da Vila de São José e vindo se continuou com ele as perguntas na forma seguinte e fiz este termo, eu Manuel da Costa Couto que o escrevi.

                E sendo-lhe lidas as perguntas retro e perguntado se eram as mesmas e as ratificava.

               Respondeu que sim, e que só fazendo maior exame, lhe lembra que o que tinha dito a respeito de ter ido desta cidade do Rio de Janeiro um rapaz para França e que lá pretendia falar ao enviado das Américas inglesas para formar o levante nesta cidade, não foi o Alferes Joaquim José da Silva Xavier quem lhe contou isto, como ele Respondente tinha declarado, mas sim foi o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, sem dizer a ele Respondente quem lho tinha dito e por isso nada mais pode dizer.

               E sendo instado para que dissesse mais completamente a verdade do que sabia, pois sabia mais do que o que tinha declarado, principalmente a respeito do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, a quem ele Respondente tem pretendido desculpar, quando na realidade parece que ele era entrado, que cuidava das leis, que fora quem decidira a morte do general e que tinha feito uma fala que se havia de repetir ao povo no dia que se fizesse o levante, o que ele Respondente contara a algumas das pessoas que depuseram na Devassa e que ele agora não deve negar.

               Respondeu que ele tem dito tudo quanto sabia e lhe tem lembrado, e quanto ao Desembargador Gonzaga, já disse que não há dúvida de ter falado nele algumas vezes por idéia para melhor facilitar e persuadir, mas que na realidade nunca soube nem sabe que ele fosse entrado na conjuração e tem de lhe pedir perdão do mal que lhe tem feito com semelhantes ditos e desde já lhe pede para que Deus lhe perdoe pois a ele ter culpa, será pelo que souberem os mais, ou pelo que tiver passado com eles, mas não pelo que sabe ele Respondente, que não pretende desculpar ninguém e só falar a verdade.

               Que agora se lembra, por lhe ser excitada a espécie da fala que se havia de recitar ao povo, que ouviu dizer a Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que havia um livro de um autor francês, que estava na mão de um doutor na cidade de Mariana o qual no fim trazia o modo de se fazerem os levantes, que era cortando a cabeça ao governador e fazendo uma fala ao povo e repetida por um sujeito erudito, e que este livro tinha sido mandado queimar por Sua Majestade e não tem dúvida que ele Respondente contaria isto a algumas pessoas, mas não tem lembrança que atribuísse nenhuma destas coisas ao Desembargador Gonzaga e se o fez foi falsamente.

               E por mais instância que lhe foram feitas, nada mais declarou do que o que tinha dito e persistiu.

               E por esta forma, houve ele Desembargador estas perguntas por feitas depois de serem lidas a ele Respondente que disse estavam conformes ao que tinha respondido e lhe deferiu também o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, pelo que ele réu Respondente disse a respeito de terceiro e de tudo liz este termo, de que dou fé, e assinou ele Desembargador, ele Respondente e o Tabelião e eu Manuel da Costa Couto que o escrevi, e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto

Carlos Correia de Toledo e Melo

José dos Santos Rodrigues e Araújo

4ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Francisco Antônio de Oliveira Lopes — n° 7-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos onze dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeia da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

                Foi perguntado, se ele Respondente era o próprio Carlos Correia de Toledo e Melo, Vigário, que foi da Vila de São José del-Rei; e se ratificava as perguntas antecedentes, que todas por mim lhe foram lidas neste ato?

                Respondeu, que ele Respondente era o próprio Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário da Vila de São José del-Rei; e que ratificava as respostas das perguntas antecedentes, com a declaração seguinte; que suposto que nas antecedentes respostas diga que o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes prestara o seu consentimento para o levante logo na primeira vez que lhe falou, contudo não foi assim; porque tanto na primeira, como na segunda vez, que ele Respondente lhe falou, contando-lhe tudo o que sabia na matéria do levante; contudo nunca o dito Francisco Antônio prestou consentimento expresso; não obstante ter dito a ele Respondente seu irmão Luís Vaz de Toledo, que tendo falado ao dito Francisco Antônio, o achara pronto para entrar no levante; e que só da terceira vez, que ele Respondente falou com o dito Francisco Antônio é que o achou pronto, e deliberado a entrar na sublevação, dizendo-lhe que já agora o levante e motim se havia de fazer; cuja prática teve com ele Respondente no campo, quando ele Respondente ia já de retirada.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, que não quisesse agora desfigurá-la, tendo dito nas suas perguntas antecedentes, que Francisco Antônio era dos sócios da sublevação, que tinha prestado o seu consentimento desde a primeira vez que foi falado para isso; o que não só disse, mas ratificou nas últimas perguntas; nem era natural que ele Respondente tivesse as conversações, que refere nas suas respostas, na presença do dito Francisco Antônio, se ele desde a primeira vez que lhe falara, não tivesse prestado o seu consentimento; e que se ele Respondente não estivesse bem certo que o Francisco Antônio era um sócio seguro, a quem podia confiar tudo, não teria na sua presença conversação em que contava todos os particulares, que tinham ideado para o levante: nem o mesmo Francisco Antônio seria tão empenhado em que se efetuasse a sublevação, como ele Respondente refere na prática que teve com o dito Francisco Antônio, quando ia já de fugida, se o dito Francisco Antônio antecedentemente não tivesse mostrado ânimo deliberado para o dito levante; pois não era natural que o dito Francisco Antônio não prestasse o seu consentimento, quando todos consideravam que podia efetuar-se o levante, e que tomasse a resolução repentinamente de que a sublevação se fizesse, quando se sabia estarem presos nesta cidade o Alferes Joaquim José, o Coronel Joaquim Silvério, e quando via que ele Respondente ia fugindo?

               Respondeu, que falou com Inácio José de Alvarenga, na presença de Francisco Antônio de Oliveira, na matéria do levante na forma que consta das suas respostas antecedentes, sem embargo de não estar certo do seu ânimo, por saber que o dito Francisco Antônio era seu amigo; e que na última vez que lhe falou, o achou deliberado para o levante na forma das suas respostas antecedentes; e que não tem mais que responder às instâncias.

               E sendo mais instado, que dissesse a verdade; porquanto tendo dito, o que consta das suas respostas, que ratificou nas segundas perguntas, em tempo próximo às conversações, que teve sobre o levante, não era possível que agora, tendo passado anos, tenha melhor lembrança do que então teve; pelo que se convence que agora por consideração falta à verdade?

                Respondeu, que agora lhe lembra melhor, sem embargo do tempo que tem passado; e que então dissera o contrário do que agora declara, em vingança de ter Francisco Antônio declarado contra ele Respondente muitas coisas, que assim não eram; e por esta razão então mentiu, e jurou falso neste ponto.

                Foi mais perguntado, se conhecia um capitão paulista velho, assistente em Baependi, a quem ele Respondente tinha encomendado cem homens para a sublevação; e consta que o dito capitão paulista tinha avisado a ele Respondente, de que os ditos cem homens estavam prontos?

                Respondeu, que não conhece capitão nenhum paulista, assistente em Baependi, nem lhe consta que lá assista capitão algum paulista.

                E sendo instado, que dissesse a verdade; porquanto consta com certeza que ele Respondente com efeito dissera que tinha prontos os ditos cem homens, que aprontava o dito capitão?

                Respondeu, que ninguém podia tal dizer com verdade.

                Foi mais perguntado, se sabia que na conjuração entrassem João Rodrigues de Macedo, e Inácio Correia Pamplona?

                Respondeu, que de João Rodrigues de Macedo não sabe coisa alguma a respeito de entrar no levante; porque nem ele Respondente lhe íalou nesta matéria, nem sabe que nenhum dos sócios lhe falasse. E pelo que respeita a Inácio Correia Pamplona, também não sabe que ele prestasse consentimento para entrar na sublevação; porque a respeito do dito Pamplona não sabe mais do que aquilo que declarou nas respostas às perguntas que lhe foram feitas.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente dissera que os ditos João Rodrigues de Macedo, e Pamplona entravam na sublevação?

                Respondeu, que nunca tal dissera a pessoa alguma; nem podia haver quem com verdade afirmasse o contrário.

               Foi mais perguntado, se sabia, ou tinha notícia, de que na conjuração entrava o Doutor José Correia, do Sabará; se ele Respondente, ou alguns sócios lhe tinham falado para isso?

               Respondeu, que nunca falou ao Doutor José Correia, do Sabará, a respeito do levante; nem sabe, ou tem notícia, de que alguém lhe falasse; nem ele Respondente nunca disse a pessoa alguma, que o dito doutor entrava na sublevação; e se alguém afirma o contrário sem dúvida faltou a verdade.

               Foi mais perguntado, se conhecia Narciso Mendes, morador atrás da Serra da Ibituruna; e um fulano Mesquita, morador para as partes do Curralinho?

               Respondeu, que conhecia muito bem os ditos Mesquita, e Narciso Mendes.

               Foi mais perguntado, se com eles tinha falado em matéria do levante, ou se sabia que alguém lhe tivesse falado?

               Respondeu, que nunca falou a respeito do levante aos ditos Mesquita e Narciso Mendes; nem sabe que alguma outra pessoa lhes falasse; porém, que, segundo sua lembrança, lhe parece haver dito a Francisco Antônio de Oliveira, na ocasião em que lhe falou, indo ele Respondente de fugida, que havia de falar aos ditos Mesquita, e Narciso Mendes.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto é tão certo que ele Respondente convidou para entrar na sublevação aos ditos Mesquita, e Narciso Mendes, que consta com certeza haver o dito Mesquita prometido trezentos ou quatrocentos mil réis, para que tivesse efeito o levante projetado; o que ele Respondente afirmou a um dos sócios.

               Respondeu, que não pode haver quem com verdade diga o que fica referido na instância; porquanto não tendo ele Respondente falado, nem sabendo que outrem falasse aos ditos Mendes, e Mesquita, mal podia dizer, que este concorria com trezentos ou quatrocentos mil réis para o levante.

               E logo no mesmo ato mandou vir à sua presença ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, também preso nos segredos das sobreditas cadeias, para eleito de ser com ele acareado o dito Vigário Carlos Correia de Toledo; os quais sendo ambos presentes se reconheceram mutuamente, e deferindo-lhes o mesmo Conselheiro o juramento dos Santos Evangelhos, um e outro prometeram dizer a verdade, pelo que respeitava a terceiro, e lhes fez a acareação pela forma seguinte.

               E sendo-lhe lido o juramento, que prestou o acareante Francisco Antônio de Oliveira a folhas noventa verso da Devassa que tirou o Desembargador .íosé Pedro Machado, na parte em que depôs que o Vigário acareado dissera na presença dele acareante, que daria para a sublevação e motim, e que tinha escrito para lhos aprontar a um capitão paulista velho, assistente em Baependi, cem homens e que o dito capitão tinha avisado ao dito vigário acareado, de que estavam prontos; e assim o segurou o acareado ao Tenente-Coronel Francisco de Paula, explicando-se em uma carta, que lhe escreveu, dizendo que estavam prontos cem cavalos para a tropa, bem gordos, e bons, de que podia dispor, quando quisesse. E sendo ouvido por ambos o dito juramento, na parte que fica referida, clamou apaixonadamente o acareante Francisco Antônio, que todo o juramento estava viciado; porque suposto ele acareante dissesse, o que estava escrito; contudo era falso, por ter sido para isso sugerido, e enganado com promessas pelo Escrivão assistente a estas perguntas, que o interrogava sem assistência do Juiz, e escrevera tudo quanto quis que o acareante dissesse: E ponderando-se então ao acareante, que o juramento que lhe foi lido, tinha sido na Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro, na qual nem o Escrivão assistente a estas perguntas José Caetano César Manitti, escreveu nem interrogou, nem interveio por modo algum; pelo que se conhecia, que o acareante vinha com ânimo danado para confundir a verdade, macular o crédito dos ministros de Sua Majestade, sem temor das leis divinas e humanas em uma matéria de tanta ponderação, em que só se devia dizer a verdade, à qual tinha faltado, sendo convencido da sua falsidade à face dos Autos; e sossegando-se do furor apaixonado o acareante depois que reconheceu que o juramento que lhe foi lido, foi prestado na Devassa, que tirou o Desembargador José Pedro, então confessou que o que se continha no dito juramento era verdade; que ele acareante assim tinha proposto sem sugestão alguma, de forma que para o acareante dizer que o dito juramento era mentiroso, ou verdadeiro, só dependeu de ser o Escrivão assistente a estas perguntas José Caetano César Manitti, o que escreveu a Devassa, ou o Doutor Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, que foi desta Comarca. E depois do acareante reconhecer a verdade do dito juramento, principiando a acareação com o Vigário Carlos Correia, persistindo este firme, em que não tinha dito o que o acareante declarou no dito juramento, na forma, que fica referida, o acareante persistiu, em que tinha ouvido ao acareado o que depôs no dito juramento.

               E continuando a mesma acareação sobre o que o acareante declarou nas suas perguntas, constantes do apenso número nono, junto a esta Devassa a folhas duas verso, em que diz que o vigário acareado lhe dissera que Inácio Correia Pamplona, e João Rodrigues de Macedo entravam na sublevação, afirmou o acareante, que era verdade, que o acareado lhe dissera que na sublevação entrava Inácio Correia Pamplona; mas que fora mentira dele Respondente, quando disse nas ditas perguntas, que na sublevação entrava João Rodrigues de Macedo, por assim lho ter dito o acareado Vigário de São José; porquanto neste não lhe falou o acareado; o qual persistiu firme, em que não tinha dito coisa alguma ao acareante sobre a certeza de entrar na sublevação Inácio Correia Pamplona que poderia muito bem dizer-lhe que tinha falado ao dito Pamplona pela forma que tem declarado nas suas respostas; porém que não podia dizer-lhe que o dito Pamplona desse assenso, ou consentimento para a dita sublevação. E por ora não continuou mais o dito Ministro Conselheiro nesta acareação, a qual sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme com o que respondido tinham; e declaro que neste ato estiveram um e outro livres de ferros, do que dou fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente acareado, e acareante, e o Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco Antônio de Oliveira Lopes Carlos Correia de Toledo

5ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Joaquim Silvério dos

Reis — 13-07-1791

               Ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos treze dias do mês de julho nesta cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do de sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de continuarem as perguntas, e acareação feita ao Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo e Melo. com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, ambos presos incomunicáveis nas mesmas cadeias; e sendo ali pelo dito Conselheiro foram mandados vir à sua presença e lhes fez a acareação pelo modo seguinte, deferindo-lhes juramento pelo que respeita a terceiro, debaixo do qual prometeram dizer a verdade.

               E sendo-lhes lidas as perguntas feitas ao acareante Francisco Antônio de Oliveira Lopes, do apenso que se acha na Devassa, tirada em Minas Gerais pelo Ouvidor da Comarca de Vila Rica, Pedro José Araújo de Saldanha, na parte em que declara que o acareado vigário de São José lhe dissera que entrava no levante o Doutor José Correia do Sabará, sendo ouvido por ambos acareante, e acareado, o que fica referido; Persistiu o acareado firmemente, em que não tinha dito ao acareante, que na sublevação entrava o Doutor José Correia do Sabará, nem o doutor das Minas Novas, que também o acareante declarou no mesmo lugar; porém o acareante, suposto, confessou, e conveio, em que o acareado, vigário de São José, lhe não declarou, nem disse que no levante entrava o Doutor José Correia do Sabará, o que ele acareante declarou nas perguntas, talvez por equivocação, ou engano seu, contudo é certo que o dito vigário lhe disse que no levante entrava um doutor de Minas Novas; E cada um, acareante e acareado ficou firme, no que fica referido, sem poder descobrir-se qual deles mentia, ou falava verdade.

               E sendo-lhe lido mais nas mesmas perguntas feitas ao acareante Francisco Antônio de Oliveira Lopes no lugar em que ele declara que o acareado, vigário de São José, lhe dissera que tinha falado a um Narciso Mendes, que mora atrás da Serra da Ibituruna, e a um fulano Mesquita, morador para as partes do Curralinho; e que ambos eles estavam prontos para entrar, e auxiliar o levante; e que o dito Mesquita prometia dar para o dito levante trezentos ou quatrocentos mil réis, sendo ouvidos por ambos o dito lugar, convieram ambos, em que na ocasião, que o acareado vigário ia já de fugida, e foi logo depois preso, lhe fora falar ao caminho o acareante Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e tratando de estar perdida a ocasião de se fazer o levante, e instando o acareante ao acareado, que já agora sempre havia de fazer-se, então o acareado dissera que falaria para isso aos ditos Narciso Mendes, e fulano de Mesquita; porém lhe não dissera que já tinha falado, porque era verdade que com os ditos não tinha tratado coisa alguma naquela matéria; e desta forma concordaram ambos, dizendo o acareante Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que era certo ter-lhe dito o vigário naquela ocasião, que ou tinha falado ou havia de falar aos ditos Mendes e Mesquita; e que a perturbação em que estava, poderia muito bem ser causa, ou de que o dito vigário mal se explicasse, ou de que ele acareante mal o entendesse.

                E por esta forma houve esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida aos acareantes, e acareado, acharam estes as suas respostas escritas, como dito tinham; e declaro com o Escrivão assistente, que neste ato estiveram um e outro livres de ferros, do que damos le: E de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco Antônio de Oliveira Lopes Carlos Correia de Toledo

                E logo no mesmo ato, dia mês, e ano, depois de ter mandado recolher à prisão o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Coronel Joaquim Silvério dos Reis para com ele ser acareado o sobredito Vigário Carlos Correia de Toledo, os quais sendo presentes se reconheceram mutuamente pelos próprios de que damos fé, e deferindo-lhes juramento debaixo dele prometeram dizer a verdade pelo que respeita a terceiro; e lhes fez acareação pela forma seguinte.

                E sendo-lhe lido o parágrafo da carta, que se acaba na Devassa tirada pelo Ouvidor de Vila Rica a folhas seis.

                verso, na parte em que o acareante Joaquim Silvério declarou que o vigário acareado lhe dissera que já tinha visto parte das novas leis, fabricadas pelo Desembargador Gonzaga, e que tudo lhe agradava, menos a determinação de matarem o governador da Capitania de Minas; que ele vigário dera o parecer ao dito Desembargador Gonzaga, que mandasse antes deitar o governador além da Paraibuna, porque em nada era culpado; que se compadecia do desamparo, em que ficava a senhora viscondessa, e seus filhos; ao que o dito Gonzaga respondera, que era a primeira cabeça, que se havia de cortar; e ouvindo ambos, acareante e acareado, ler o dito parágrafo da carta, disse o acareante, que é verdade ter-lhe dito o Vigário de São José, Carlos Correia, ter visto parte das leis fabricadas pelo Desembargador Gonzaga em tudo favoráveis aos povos, os diamantes seriam livres aos povos; que se haviam de queimar os papéis todos dos cartórios para seguir o novo regimento das novas leis; e que ele acareante era o filho de Portugal mais feliz que tinha entrado pela barra a dentro; que em um dia pagava tudo quanto devia a Sua Majestade, ficando com o título de conde, ou de marquês; e que os seus companheiros tinham estimado que ele acareante abraçasse o seu partido; pois na Igreja Nova onde morava, era só de quem se temiam, por ter um grande séquito, e ser um louco, e meio despótico ou levantado: Que o acareado lhe dissera também que tinha pedido ao Desembargador Gonzaga para que se não cortasse a cabeça ao general, porque ele em nada era culpado, e se compadecia do desamparo, em que ficava sua mulher, e filhos; e que ele dito Gonzaga lhe respondera, que havia de ser a primeira cabeça, que se havia de cortar, porque o bem comum prevalece ao particular: O que sendo ouvido pelo acareado disse que algumas das coisas que o acareante tinha dito, eram verdade; que era certo que lhe tinha falado no nome do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; porém não, em que este faria leis; nem que o mesmo desembargador dizia que se cortasse a cabeça ao general; que era verdade que em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula se tratou de cortar a cabeça ao general, e que isto poderia dizer ao acareante; porém não, que o Desembargador Tomás Antônio assistisse a esta conversa, nem que soubesse de tal: E depois de disputarem largamente, o acareante e acareado persistiram firmes, de que tinham dito a verdade cada um, no que tinham declarado.

               E sendo-lhes lido o parágrafo folhas treze do juramento, que prestou na Devassa o acareante Joaquim Silvério, tirada pelo Desembargador José Pedro, no qual declarou, que o acareado Vigário de São José lhe tinha dito, que na Comarca de São João del-Rei havia mais de sessenta homens, que seguiam o partido do levante, os quais tinha reduzido o Alferes Joaquim José da Silva Xavier; e que entre eles havia muitos de grandes possibilidades; e que estavam prontos a concorrerem para este negócio, 0 gastarem até o último real; sendo ouvido por ambos acareante e acareado, o que fica referido, disse o acareante que é verdade ter-lhe dito o vigário acareado, o que contém o dito parágrafo; e o vigário acareado disse que poderia dizê-lo assim ao acareante, porque o tinha ouvido em casa de Francisco de Paula, segundo lhe parecia, ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier; e em tudo, o que cada um disse nesta acareação ficou firme, e constante, depois de disputarem largamente. E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante e acareado, acharam estar bem e fielmente escrita, como respondido tinham; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante e acareado, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Áluares da Rocha José Caetano César Manitti Carlos Correia de Toledo Joaquim Silvério dos Reis Francisco Antônio de Oliveira Reis

               E sendo-lhe lidas ao dito Vigário Carlos Correia de Toledo no dia quinze do já dito mês de julho deste ano de mil setecentos e noventa e um, as perguntas que se haviam feito no dia onze do dito mês e ano, perante o mesmo Conselheiro que as fez e Ministro Escrivão assistente; e perguntado se estavam conformes, com o que respondido tinha, se as ratificava, as achou conformes, e ratificou neste mesmo ato; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este termo de encerramento, em que assinou com o dito Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Alvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Aluares da Rocha José Caetano César Manitti Carlos Correia de Toledo

6ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 23-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e três dias do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Vigário Carlos Correia de Toledo, preso nos segredos leitos nas ditas casas; e sendo aí mandou o mesmo Conselheiro vir à sua presença o dito réu e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas neste ato as perguntas antecedentes e perguntado, se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e as ratificava.

               Foi novamente perguntado, se agora se lembrava de ter falado a mais alguma pessoa na matéria da sublevação, comunicando-lhe tudo, ou parte, do que tinha falado com os mais sócios?

               Respondeu, que não lembra, que falasse a mais pessoa alguma além das que tem declarado.

               Foi pe rguntado, se conhecia Eauslino Soares da cidade de Mariana?

               Respondeu, que conhece o dito Faustino Soares muito

               Foi perguntado se com ele praticara sobre o levante, comunicando-lhe os sócios, e o que entre eles se tinha tratado?

               Respondeu, que depois de ter falado a primeira vez em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada na matéria do levante, estando o Alferes Joaquim José da Silva, e não se lembra se também esteve presente o Padre José da Silva, mas ainda sem terem ajustado coisa alguma sobre o mesmo levante, passara ele Respondente à cidade de Mariana, e aí dissera ao dito Faustino Soares de Araújo, que em Vila Rica, e em casa daquele Francisco de Paula, se falara em levante, sem o convidar, nem lhe declarar mais nada dos projetos, que ainda não havia; porque depois que voltou da cidade de Mariana para Vila Rica, é que continuaram as práticas com mais formalidade e individuação em casa do dito Francisco de Paula; e depois destas práticas nunca mais talou ao dito Faustino Soares na matéria do levante; e por esta causa nem lhe contou, nem podia contar com particularidade, quem eram os sócios, nem o que entre eles se tinha tratado; e quando falou ao dito Faustino Soares superficialmente sohre o levante, o dito Faustino Soares lhe respondeu, — que isso é história, não há de haver tal levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava com certeza, que o dito Faustino Soares não só tinha notícia superficial do levante, mas até sabia de alguns sócios, que nele entravam, por lhe ter comunicado tudo ele Respondente, o que agora devia confessar sinceramente.

               Respondeu, que lhe não lembra com certeza, se lhe nomeou alguma pessoa, que pudesse entrar no levante, porém que poderia muito bem nomear-lhe o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Doutor Cláudio, ou o Desembargador Gonzaga, não como coisa justa entre eles, porque até esse tempo não havia prática com formalidade sobre o levante, mas que poderia nomear ao dito Faustino Soares algum deles, falando de suposição, de que quereriam entrar; só lhe lembra positivamente, que perguntou ao dito Faustino Soares pelo Cônego Luís Vieira, por lhe parecer que o dito cônego quereria também entrar na sublevação; mas que, como ele então não estava na dita cidade, não lhe falou; nem houve mais prática alguma entre ele Respondente, e o dito Faustino Soares.

               E por esta forma houve o dito conselheiro estas perguntas por feitas; as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento pelo que respeitava a terceiro, delmixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Ministro Escrivão assistente, também declaro que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que tudo damos fé; e de tudo isto mandou o mesmo conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, o Ministro Escrivão assistente; e cu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Carlos Correia de Toledo

7ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 07-09-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos sete dias do mês de setembro nesta cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler desta Relação e .Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas ao Vigário Carlos Correia de Toledo, preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas seguintes.

                E sendo-lhes lidas as perguntas antecedentes, e perguntado, se estavam conformes, e as ratificava?

                Respondeu, que estavam conformes, e as ratificava.

                Foi perguntado, se tinha mais alguma pessoa que declarar, como sabedora da sublevação; ou a quem de alglini modo se comunicasse, ou desse a entender por algum dos sócios o projeto, em que se tinha falado sobre o levante além das pessoas, que tem declarado?

               Respondeu, que poderia falar a mais alguém; mas que se não lembra, nem da mesma sorte que algum dos outros sócios lhe falasse.

               Foi perguntado, se conhecia alguma pessoa, com que tivesse trato, e amizade, assistente para as partes do Sabará?

               Respondeu, que se não lembrava, que tivesse amizade com alguém, assistente para as partes do Sabará.

               Foi perguntado, se sabia, ou tinha notícia, que houvesse alguma pessoa, assistente para as partes do Sabará, a quem se tivesse falado ou de algum modo fosse sabedor do projeto do levante?

               Repondeu, que não sabia que houvesse para aquela parte, pessoa alguma, a quem se falasse, ou comunicasse aquele projeto.

               Foi perguntado, se conhecia o Doutor José de Sá Bittencourt, assistente em Caeté, e se com ele tinha algum trato, ou amizade?

               Respondeu, que não conhece semelhante homem, nem nunca o viu, nem sabe que lá assiste.

               Foi perguntado se sabe, ou ouviu dizer, que o dito José de Sá estivesse em Vila Rica depois que se principiou a falar no levante?

               Respondeu, que desse homem não sabe nada.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que para as partes do Sabará havia um doutor, que sabia, e se interessava no levante, de que ele Respondente devia ser sabedor, como sócio, que sabia de tudo o que se praticava, e havia nesta matéria?

                Respondeu, que se não lembra, que para as partes do Sabará houvesse doutor algum, que fosse sabedor do projeto de levante; que poderia haver muito bem, quem falasse nesse doutor em casa de Francisco de Paula, mas a ele Respondente lhe não lembra.

                E por ora lhe não fez mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou estarem as acima ditas conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade, do que dou lé, com o Ministro Escrivão assistente, como também, que neste ato esteve o réu livre de ferros: E de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Alvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Carlos Correia de Toledo

AO TENENTE CORONEL FRANCISCO DE PAULA FREIRE DE ANDRADA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 16-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO - Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 25-01-1790

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo 06-07-1791

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga 29-07-1791

5ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 07-09-1791

FRANCISCO DE PAULA FREIRE DE ANDRADA

1a Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 16-11-1789

                Ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos dezesseis do mês de novembro, nesta cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que se acha preso em custódia, e sendo aí loi mandado vir à sua presença o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e vindo se procedeu com ele a perguntas na fornia seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para a presente Devassa o escrevi.

                E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava Francisco de Paula Freire de Andrada, que era filho natural do Ilustríssimo e Excelentíssimo Conde de Bobadela, José Antônio Freire, e de Maria do Bom Sucesso Correia de Sá, natural desta Cidade do Rio de Janeiro, de idade de trinta e três anos, que era casado, e Tenente-Coronel do Regimento da Cavalaria de Minas Gerais e que não tinha ordens algumas, nem privilégio, que o isentasse da Jurisdição Real, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, vi que nela não tinha tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão?

               Respondeu, que ele Respondente julga ter nascido a sua prisão da Devassa a que se procedeu nesta cidade, e na Capitania de Minas Gerais sobre o levante, e sedição, que dizem, se premeditava fazer nela; e porque tendo a respeito desta sedição algumas razões, que o punham em desconfiança, de que havia algum projeto de fazer-se, deu tarde a sua denúncia a este respeito ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais.

               E sendo perguntado, que razões tinha para desconfiar de que se premeditasse fazer a dita sedição, e motim, e a que também teve para dar tarde a sua denúncia.

               Respondeu, que as razões de desconfiança toram, que estando ele em sua casa no mês de janeiro, entraram a visitá-lo o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Coronel Inácio José de Alvarenga, e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e movendo ele a conversação sobre a fertilidade, e abundância da Capitania de Minas Gerais, concluíram dizendo, que se pertencesse a outra nação seria muito rica e feliz; passados quatro ou cinco dias, voltaram os mesmos acima referidos à casa dele Respondente, e depois de já estarem nela, entrou também o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e estando todos juntos, moveram igual conversa à antecedente, e acrescentaram mais que o Abade Raynal tinha sido um escritor de grandes vistas; porque prognosticou o levantamento da América Setentrional, e que a Capitania de Minas Gerais com o lançamento do tributo da derrama, estaria agora nas mesmas circunstâncias, se o povo tivesse a tropa a seu favor, e quem o apoiasse, e parando aqui a conversa, metendo-se o objeto dela a ridículo, foi ele Respondente, passado algum tempo, para a sua fazenda dos Caldeirões, recebeu nela a quatro ou cinco do mês de maio do presente ano uma carta sem nome, e da qual não conheceu a letra, em que se lhe dizia que o major do Regimento dele Respondente se achava na Cachoeira, onde então estava o Ilustríssimo e Excelentíssimo General da Capitania de Minas Gerais, que se tratava de dar a ele Respondente um grande tombo, e que assim, se recolhesse para sua casa em Vila Rica, e que quando ouvisse gritar viva o povo saísse, que senão a sua casa seria arrasada; que esta carta fez a ele Respondente algum peso, e lhe veio a fazer lembrar as duas conversações antecedentes, de que a princípio não tinha feito caso, e que por esta razão só veio a dar a sua denúncia a respeito da dita premeditada sedição, e motim ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, da palavra, e vocalmente a treze de maio, e por escrito a dezesseis, ou dezessete do dito mês do presente ano, e além destas razoes, que ele Respondente tem exposto, nenhumas outras mais teve pelas quais pudesse saber, ou suspeitar, que na Capitania de Minas Gerais se intentasse fazer alguma sedição, ou motim: acrescenta ele Respondente, que também antes de ir para a sua fazenda dos Caldeirões, foi à casa de Domingos de Abreu Vieira, onde se achavam o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que era seu hóspede, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e estando presente o dito Domingos de Abreu Vieira, disse o dito Alferes, que o Serro do Frio era uma terra muito rica, que os filhos do País eram uns indolentes, e fracos, e que ali estava o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que se fosse necessário, sem embargo de ser velho, e calou-se, e o dito Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira sorriu sem dizer coisa alguma, e continuou o dito alferes com a sua conversa, exagerando as riquezas do Serro do Frio, conversa também, que unida às ditas antecedentes, e com a referida carta, pôs a ele Respondente em desconfiança, de que os dois sobreditos Alferes, e Domingos de Abreu Vieira, pudessem ser entrados no motim, e sedição premeditada.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual tinha faltado, por quanto constava que não eram só as pessoas, que ele Respondente declara, que assistiram à conversação sediciosa, as que com efeito nela estiveram, mas sim outras mais, e que a dita conversação não fora tão simples, como ele Respondente expõe, porque nela se tratou, e ajustou o modo com que se havia de fazer a sedição e motim que ele Respondente e outros premiditavam.

               Respondeu, que tinha dito a verdade, que não assistiram às ditas conversações mais pessoas algumas, que nada se tratou, nem ajustou, nem ele Respondente entrou em tempo algum em semelhantes projetos sediciosos.

               E sendo mais instado, que dissesse a verdade, porque constava, que assistiram mais pessoas à conversação sediciosa, entre as quais uma era o cunhado dele Respondente José Álvares Maciel, outra o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, um doutor do Sahara, e outros, e que tanto se tratara em termos formais, e expressos da sedição, e motim, que premeditavam fazer, que até ajustaram as palavras, com que ele Respondente havia de avisar aos sócios para saberem o dia, e por isso ele Respondente era um dos principais, que figuravam na dita sedição, e motim, e que tanto o era, que ele mesmo Respondente convidou ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, para ir a sua casa, e lá o convidou ele, e os mais sócios para entrar nesta sedição e motim.

               Respondeu, que linha dito a verdade, que às conversações referidas não assistira mais pessoa alguma, que seu cunhado; José Álvares Maciel poderia entrar em casa dele Respondente, porque quase sempre estava nela; porém que não se lembra, que assistisse às ditas conversas; quanto ao aviso, que se havia de dar aos sócios, e absolutamente falso, e pelo que respeita a dizer-se que ele Respondente convidara ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo para ir à sua casa para lá tratarem da sedição, e motim, que também passa pelo contrário, antes o dito vigário quando foi assistir à casa dele Respondente à segunda conversa, disse que estava satisfeito, e não desgostava de que ele Respondente assistisse àquelas conversas.

               E sendo instado, que ele tinha faltado à verdade, tanto que na resposta que dava a respeito do que se passara em casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, pretendia ocultar a clara ciência, que tinha do negócio, quando no juramento, que prestou na Devassa, disse que encontrara na dita casa o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim a falarem na matéria da sedição, e que dizendo o Alferes Joaquim José. aqui está o Senhor Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que ainda sendo velho, concorrerá com o que puder, ao que o dito Tenente Coronel respondera que não teria dúvida, do que agora se não duvidaria se quisesse responder com verdade, e sem malícia, e querendo ocultar a sua culpa, pois tanto era motor, e ciente, que em uma conversação, tratando-se de que o primeiro passo era matar ao Ilustríssimo e Excelentíssimo general da dita Capitania, dissera ele Respondente que matar não, que seria melhor pô-lo fora da Capitania, e que se persuadia, que para se concluir a sedição, poucos tiros, ou nenhuns seriam necessários.

                Respondeu, que o seu juramento, que prestou na Devassa, e que no auto destas perguntas lhe foi lido, era verdadeiro, e que se agora deixou de declarar a conversa que houve em casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, e a resposta que este deu, foi porque entre o seu juramento, e estas perguntas mediaram alguns meses, e estava esquecido; porém é falso que naquela conversa se tratasse de matar o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, nem que ele Respondente dissesse que matar não, e que seria melhor pô-lo fora da Capitania, e que poucos ou nenhuns tiros seriam necessários para ter efeito a sublevação e motim.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, a que tinha faltado; porque tanto houve a dita conversa sediciosa em casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, e nela se tratou em termos expressos e claros da sublevação e sedição, que se intentava fazer, que até nela houve quem dissesse, falando dos principais réus desta sublevação, que ele Respondente era um dos heróis dela, e isto na sua mesma presença.

                Respondeu, que é falso, e que a este respeito nada se disse na dita conversação.

                E sendo perguntado se tinha falado a alguma pessoa na compra de cavalos para a tropa, ou se alguma pessoa a este respeito lhe escreveu para que lhos comprasse, e quem.

                Respondeu, que não falou a pessoa alguma neste particular, nem a ele Respondente lhe falaram, ou escreveram em semelhante matéria.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, porque constava, que tanto lhe tinham escrito sobre semelhante matéria, que até constava a resposta, que ele Respondente dera.

                Respondeu, que tinha dito a verdade, e que nela insistia. E por este modo houve o dito desembargador estas perguntas por ora feitas, e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver falado nelas a verdade, pelo que respeita ao direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois de tudo lhe ser lido, e as acharem na verdade; e eu, e o dito tabelião portamos por fé, que a elas esteve o Respondente em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Francisco de Paula Freire de Andrada José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 25-01-1790

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos vinte e cinco do mês de janeiro, nesta cidade do Rio de Janeiro, nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para a mesma Devassa. e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo para efeito de se continuarem perguntas ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que se acha preso em custódia na dita Fortaleza, aí mandou o dito Desembargador vir à sua presença ao dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e sendo aí se continou com ele as perguntas na forma seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               Respondeu, que eram as mesmas, e que as ratificava com os argumentos e declarações, que ele Respondente vai prestar; porquanto postas as instâncias, com que tem sido convencido, se resolve a dizer toda a verdade; pois é certo que tanto no juramento, que prestou nesta Devassa, como na denúncia, que deu ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais, omitiu algumas coisas, em parte por lhe parecer que não seria necessário mais para se obviar o mal, e em parte por não querer culpar outros, e culpar-se a si mais, o que agora faz declarando-o.

               Que a primeira pessoa que lhe falou na matéria do levante, e conjuração, que se premeditava fazer na Capitania de Minas Gerais, foi o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, na ocasião em que tinha subido desta cidade para Vila Rica, indo visitar a ele Respondente, que se achava molesto, e metendo a conversação a dizer que os povos da Capitania do Rio de Janeiro se achavam muito desgostosos, e que estavam em termos de fazer um levante, e que se o não faziam, era por duvidarem do partido que tomariam os povos de Minas; que se soubessem que era favorável aos seus intentos sem dúvida o executavam, e como o Respondente o repreendeu, dizendo que não tivesse a confiança de falar naquela matéria diante dele, não prosseguiu o dito alferes.

               Em outra ocasião tornou o dito alferes, estando com ele Respondente a mover a conversação para o mesmo fim, dizendo que as Minas eram um país, como não havia outro, que tinham todas as riquezas em si, e que não precisavam doutro país para a sua subsistência, e que o cunhado dele Respondente, José Álvares Maciel, havia de mostrar isso melhor com os conhecimentos que trazia, e com os exames que havia de principiar a fazer, e depois em outra ocasião, entrou o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier na casa dele Respondente, e perguntando-lhe donde vinha, disse que vinha das casas de residência do general, e acrescentou, dizendo que lá tinha encontrado o Coronel Inácio José de Alvarenga, e que tinha falado com ele naquela matéria, e perguntando ele Respondente, que matéria, disse que aquela, em que lhe tinha falado, do levante do Rio de Janeiro, e de Minas, e admirando-se o Respondente, lhe perguntou se o dito Coronel Inácio José de Alvarenga, o tinha ouvido seriamente, ao que respondeu o dito alferes, que certamente que sim, e que ele dizia que o levante se podia fazer, e que ele logo havia de vir por casa dele Respondente, e não se lembra se ele com efeito veio, ou não nesta ocasião, e só o que lhe parece com mais certeza é que estando o Respondente, e seu cunhado José Álvares Maciel, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier em casa, entraram o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Inácio José de Alvarenga de visita, e a poucos passos entrou o Alferes Joaquim José da Silva Xavier a falar sobre a proposição já dita da conjuração, e motim, lembrando as belezas do país, e as opressões dos governos e o que se esperava na próxima derrama, o que se podia evitar se se pusesse em execução a conjuração, e levante, e tratassem de fazer uma República. A este respeito se continuou a conversar politicamente, discorrendo sobre o modo do governo, sobre produções da terra, e que com efeito os filhos de Minas não conheciam as vantagens que podiam ter, e assim ficou esta conversação, em que cada qual discorreu a seu arbítrio, mas sem tomar resolução alguma.

               Depois passados dois ou três dias, tornaram a juntar-se em casa dele Respondente o mesmo Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, o cunhado dele Respondente, José Álvares Maciel, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e o Coronel Inácio José de Alvarenga, que foi chamado por um escrito, que lhe escreveu o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e então não só se tratou da matéria discorrendo, mas passou-se a deliberar, dizendo o modo por que se podia fazer a conjuração, e levante, e tendo havido alguns encontros sobre o que diziam uns e outros, se essentou que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier iria à Cachoeira prender, ou matar o general, e que depois, feito o tumulto, se concluiria o fim da liberdade, que pretendiam, e dizendo o Respondente que isso não podia ter bom fim, e que ele nessa conjuntura iria para Cachoeira, disse o Coronel Inácio José de Alvarenga, que então lhe haviam de tirar a cabecinha, ao que disse então o Respondente que o mais que faria era ir, como acudir ao tumulto, e perguntar o que o povo pretendia, e se lhe dissesse que pretendia a liberdade, então lhe diria que lhe parecia uma coisa justa.

               O Alferes Joaquim José da Silva Xavier depois de se ter assentado que isto se podia fazer assim; porque o Vigário da Vila de São José reduzia os povos daquela Vila, o Coronel Inácio José de Alvarenga os da Campanha, o Padre José da Silva os de Minas Novas, José Álvares Maciel se incumbiria de algumas manufaturas, disse ultimamente, que com os quintos se podiam fazer algumas despesas, e pagar a tropa que fosse necessária, e que se faria uma bandeira com um triângulo dedicada à Santíssima Trindade; porém o Coronel Inácio José de Alvarenga disse que havia de ser um gênio quebrando umas cadeias, e por baixo um dístico, que a ele Respondente não lembra.

               E sendo instado para que fizesse completamente declaração de tudo o que se tinha passado, e de todas as pessoas, que eram entradas neste horrendo atentado, sendo certo que tem ocultado algumas, como são o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e o Cônego Luís Vieira da Silva.

               Respondeu, que tem dito o que lhe lembra substancialmente, que como o caso só foi de palavras e ditos, cada um disse o que lhe pareceu, e ele Respondente não tem a memória mais feliz, e por isso se não lembra de quantas palavras e ditos se proferiram, e é certo que tendo ele Respondente confessado, como confessa, a sua culpa em admitir conversações em matéria de tanta ponderação, ainda que ao mesmo tempo é certo que ele Respondente nunca teve ânimo, de que tal cousa se efetuasse, nem menos de concorrer para isso, e tanto que por esse motivo se retirou para a fazenda dos Caldeirões, onde esteve meses, coisa que nunca fez em outra ocasião, e passando por lá o Alferes Joaquim José da Silva Xavier o Respondente lhe pediu que não falasse em semelhante matéria, e o mesmo sucedeu com o Coronel Inácio José de Alvarenga, quando também passou pela dita sua fazenda, ao qual encomendou despersuadisse ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, o qual tinha escrito, que tinha sessenta cavalos bons e gordos, que ele Respondente atribuia ser coisa que respeitava ao levante, o que o dito Coronel Inácio José de Alvarenga prometeu, e disse que tal coisa já não podia ter efeito; porque tinha cessado a derrama, e ainda assim mesmo, deu algumas inteligências ao seu general em uma carta, que lhe escreveu, e não foi logo falar-lhe por se achar molesto de um pé, que tinha destroncado; mas contudo conhece a sua culpa, e a confessa, esperando a piedade de Sua Majestade, e se tivesse alguma coisa que substacialmente lhe lembrasse a diria.

                Que é verdade ter também entrado na pretendida sedição o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; porém não esteve nas conversações em casa dele Respondente; mas sim onde se conversou com ele foi na sua própria casa, perante o Alferes Joaquim José da Silva Xavier e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que era hóspede dele, e que talvez seria quem o reduzisse mais, e ele ficou de dar alguma pólvora: quanto ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, não sabe ele Respondente, que seja entrado, nem da mesma forma o Cônego Luís Vieira da Silva, os quais nem assitiram a conversações, nem fora delas tiveram com o Respondente fala alguma sobre tal matéria: E por mais instâncias que lhe foram feitas não declarou mais coisa alguma. E por ora houve o dito desembargador estas perguntas por feitas, e acabadas, e deu juramento ao Respondente de haver nelas dito a verdade pelo que respeita a direito de terceiro, e assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade. E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Francisco de Paula Freire de Andrade

José dos Santos Rodrigues e Araújo

3ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo — 06-07-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos seis dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação da mesma cidade, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da dita Relação e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, também Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, preso nos segredos da mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo perguntado, se era o próprio Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada e se as perguntas, e respostas que neste mesmo ato por mim lhe foram lidas estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que era o próprio Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada; e que as perguntas e respostas estavam conformes, e que as ratificava, só com uma declaração, que vem a ser; seu cunhado José Álvares Maciel não esteve em casa dele Respondente na ocasião em que se falou no levante, estando presente o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e Inácio José de Alvarenga; porque nessa ocasião, não estava presente seu cunhado José Álvares Maciel, nem mais pessoa alguma; e o dito seu cunhado, José Álvares Maciel, só esteve presente em outra conversação depois, em que também esteve além dos sobreditos, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; na qual conversação se falou, e deliberou largamente sobre o levante, dizendo cada um, o que lhe parecia, na forma que tem declarado nas suas respostas. E que também lhe não lembra, nem tem certeza, de que na dita conversação dissesse ele Respondente, que havia de fazer uma fala à tropa. E com estas declarações ratifica as respostas, que deu nas ditas perguntas.

               Foi perguntado, se ele Respondente tinha falado a algum oficial da tropa, que comandava para entrar, ou auxiliar o levante; ou se sabia que algum estivesse falado por outro qualquer dos sócios?

               Respondeu, que ele nunca falou à nenhum dos oficiais, nem soldados da tropa, que comandava sobre a sublevação: nem sabe que outra pessoa falasse nessa matéria aos ditos oficiais, ou soldados; nem tem idéia alguma de que algum oficial da dita tropa soubesse da conversação que tinha havido sobre o levante em casa dele Respondente.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado porquanto constava que em certa ocasião, estando em casa dele Respondente outros confederados, civ trara um capitão da tropa, e se calaram todos, parando a conversação em que estavam sobre o levante; e que então dissera ele Respondente a um dos seus confederados, que podiam continuar na conversação, porque aquele capitão também era dos nossos?

               Respondeu, que é falso que ele Respondente dissesse quando entrou o Capitão Maximiano de Oliveira Leite em casa dele Respondente que podiam continuar na conversarão em que estavam sobre o levante, por ser o dito capitão dos nossos; porquanto ele Respondente tal não disse; e que tem certeza física de que, quem proferiu aquelas palavras na dita ocasião, fora o Alferes Joaquim José da Silva Xavier.

               E logo no mesmo ato mandou vir à sua presença para haverem de ser acareados o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo; e sendo vindo, e estando ambos presentes, se reconheceram serem os próprios, um e outro, do que dou fé; e dando juramento a um e outro, para dizerem a verdade, pelo que respeita a terceiro, do que também dou fé, debaixo dele prometeram dizer a verdade.

               E sendo-lhe lida a resposta, que deu o dito Vigário Carlos Correia às perguntas, que lhe foram feitas no apenso, que se acha junto a esta Devassa, na parte em que declara, que estando em conversação sobre o levante em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, estando também José Álvares Maciel, Inácio José de Alvarenga, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, entrando o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, ouvira com efeito ele vigário dizer que podia continuar a conversação, porque aquele capitão era dos nossos; que disto tem toda a certeza; e persistiu firme, em que tinha ouvido aquelas palavras; porém na verdade podia equivocar-se, julgando que as proferira o acareado Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire; porque estando os outros que tem declarado, podia ser muito bem que se equivocasse, e que fosse algum dos outros, que proferisse as ditas palavras; o que debaixo do juramento, que recebido tinha, agora declara; que sendo certo que ouvira as sobreditas palavras naquela conversação, não pode afirmar com certeza, quem as proferiu: E o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula conveio com o vigário acareante, em que com efeito as ditas palavras se disseram; porém que não fora ele quem as proferira, mas sim o Alferes Joaquim José da Silva Xavier; o que o dito vigário não contradisse; antes confessou que assim podia sei. E por esta lorma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita; e sendo-lhes por mim lida, acharam estar as suas respostas bem e fielmente escritas, como respondido tinham; e declaro que estiveram livres de ferros neste alo, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente; e de tudo mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante e acareado, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

José Caetano César Manitti

Carlos Correia de Toledo

Francisco de Panla Freire de Andrada

               E logo no mesmo ato, tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão o Vigário Carlos Correia, continuou com o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula as perguntas da maneira seguinte.

               Foi mais perguntado pelas conversações que houve em casa de Domingos de Abreu Vieira sobre a sublevação; e as pessoas que na dita conversação entravam; visto ter declarado nas suas respostas, que o dito Domingos de Abreu entrava na sublevação, porém que nunca estivera em casa dele Respondente nas ocasiões em que se falou nesta matéria; porque as conversações que houve com o dito Domingos de Abreu todas tinham sido na sua própria casa; e que agora devia declarar quais foram as ditas conversações em casa do dito Domingos de Abreu; e quais eram as pessoas que nelas entraram, e figuraram?

               Respondeu, que as conversações que houve em casa do dito Domingos de Abreu, foram pouco mais ou menos as mesmas, que tinha havido em casa dele Respondente sobre a sublevação; e que ao dito Domingos de Abreu se comunicou tudo o que se tinha falado em casa dele Respondente sobre esta matéria; e que as pessoas, que estavam presentes às tais conversações em casa de Domingos de Abreu, eram o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que era seu hóspede, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier.

               Foi mais perguntado, se ele Respondente foi quem falou ao dito Domingos de Abreu para entrar na sublevação; ou se sabe quem foi que o induziu para o dito fim; e o concurso, que o dito Domingos de Abreu prestava, para que a mesma sublevação se efetuasse?

               Respondeu, que ele Respondente não induziu ao dito Domingos de Abreu para que entrasse na sublevação, nem sabe com toda a certeza, quem lhe falou; mas julga por algumas razões, que fora o Alferes Joaquim José da Silva quem o resolveu, e que também não sabe o concurso, epie prestava para a sublevação o dito Domingos de Abreu; só ouviu, que o dito alferes, ou o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, pedira ao dito Domingos de Abreu uma carta para o Doutor José Pereira, de Minas Novas; porém que ele Respondente dissera que por então se não escrevesse; que ele diria quando era tempo; e que com efeito a dita carta se não escreveu.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava com toda a certeza, que ele Respondente fora quem induziu o dito Domingos de Abreu para que entrasse na sublevação; dizendo-lhe que era o modo de evitar o pagamento de seis mil cruzados, que lhe haviam de caber na derrama; e que o dito Domingos de Abreu por este motivo consentira, e se obrigara a dar alguns barris de pólvora; o que ele Respondente não devia negar?

               Respondeu, que se admirava que houvesse pessoa que tal dissesse; porque era falso que ele Respondente fosse quem induziu o dito Domingos de Abreu, a que entrasse na sublevação com o motivo da derrama; porque tal não sucedeu; nem ele Respondente sobe que o dito Domingos de Abreu, concorresse de modo algum para o levante; e só sabe o que referiu sobre a carta, que se lhe pediu para Minas Novas; e que neste negócio não tinha mais que dizer, nem sabia mais coisa alguma.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por ora feitas; as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente, e damos fé, que a este ato esteve o réu livre de ferros; e de tudo para constar, mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco de Paula Freire de Andrada

4ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga Peixoto — 29-07-1791

               Ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e nove dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente para efeito de se continuarem perguntas ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, preso incomunicável nos segredos das sobreditas casas; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, foi perguntado, se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e as ratificava.

               Foi perguntado, se novamente tinha alguma circunstância, que declarar sobre a matéria do levante?

               Respondeu, que indo o Alferes Joaquim José da Silva à casa dele Respondente três dias ou quatro antes que ele Respondente fosse para a sua fazenda dos Caldeirões, achando-se ali o Cabo-de-Esquadra Mariano Ferreira, o qual era mandado para o Destacamento da Mantiqueira, pediu a ele Respondente o dito alferes uma carta para o Capitão Garcia Rodrigues Pais Leme, para proteger a sublevação na Cidade de São Paulo; tendo já antecedentemente pedido a dita carta; e ele Respondente lha negara, dizendo-lhe, se ele Respondente tinha perdido o juízo, ou se seria tão louco, como ele alferes, para falar em semelhante matéria, ou escrever; depois disto pediu a ele Respondente, que lhe alcançasse licença do general para vir para esta cidade; ao que lhe tornou, que não concorreria para tal, enquanto o visse entusiasta e maníaco; e depois lhe segurou que ele alferes não falaria mais nisso, e que somente se propunha a vir ao Rio de Janeiro tratar de alcançar do Excelentíssimo Vice-Rei a informação de uns requerimentos, que tinha feito ao Conselho do Ultramar para nesta cidade levantar uns armazéns, rogando a ele Respondente para que também quisesse interessar neles, do que lhe faria uma obrigação; a qual lhe não fez, e somente lhe deixou o nome do lugar, onde pretendia fazer um dos ditos armazéns. E na mesma ocasião lhe perguntou ele Respondente, que recado lhe tinha dado o Padre José da Silva; ao que disse que aquele padre tinha dito que ele Respondente lhe mandava dizer que não falasse mais em semelhante matéria do levante.

               E que na última conversação, que ele Respondente teve junto com os mais confederados, lhe pedira por duas ou três vezes, que não falassem em semelhante matéria, pelas imensas dificuldades que havia de se pôr em prática, pondo-lhes algumas objeções, como falta de munições, falta de dinheiros, e que as outras Capitanias meteriam tropas, nem havia forças para poder a Capitania subsistir sobre si. E que ele Respondente estava com destino de ir para Lisboa, para o que escreveu a esta cidade a João Lopes Batista, que ia para Lisboa nos fins de fevereiro, ou princípio de março, para lhe alcançar a sua licença com soldo, ou ainda sem soldo, e a mesma recomendação tinha feito ao Tenente da Guarda Luís de Souza, o qual até levou requerimento dele Respondente para o dito fim; não fazendo agora menção de outras diligências, que para isso tinha feito antes do projeto da sublevação: E na ocasião que passou o Alvarenga pela sua fazenda dos Caldeirões, lhe pediu ele Respondente que comprasse ao Vigário de São José um cavalo que tinha, e ele Respondente, queria para andar nele nesta cidade, enquanto não embarcava para Lisboa; ao que lhe disse o Alvarenga que seria dificultoso conseguir do vigário a venda do cavalo, porque paulista não deixava cachorro, espingarda, nem cavalo, e que seria mais fácil, se quisesse, um relógio de repetição, que ele tinha, e outros trastes desta natureza; e dava de parecer a ele Respondente, que não fosse a Lisboa, pois não conhecia a figura infeliz que lá faria um pretendente, e que estava em um posto brilhante, e fazia a segunda figura depois do General naquela terra Que indo ele Respondente à Cachoeira, onde estava o seu General, a visitá-lo, falando na derrama, aí lhe disse ele Respondente que seria melhor pôr algum imposto no preço dos escravos, ou nas cachaças, do que lançar-se a derrama; digo dos escravos, pois que era fácil a um homem que dá cem mil réis, dar mais dez mil réis por um negro; e que Sua Excelência sabia muito bem, que o sistema de conquista era livrar os povos de impostos; porque a América inglesa nada a obrigou ao rompimento, senão os grandes tributos que lhes taxaram; e Sua Excelência lhe respondera que se pusessem meia pataca a cada cabeça, se faria suave a derrama; e ele Respondente lhe tornou, que nem a real; que Sua Excelência não conhecia bem o estado das Minas, e a decadência em que estavam os povos; e o mesmo general disse então, que se poria nas cachaças, duas oitavas cada barril, ou nas fazendas de luxo: o que o dito general poderá atestar a verdade deste fato.

               Foi instado, que dissesse a verdade sobre as circunstâncias mais, que soubesse a respeito do levante, e das pessoas que nele entravam, ou dele eram sabedoras; deixando-se de razões frívolas, com que pretendia desculpar-se, sendo tudo considerado e inventado por ele Respondente, no tempo que tem tido da sua prisão; porquanto, se fora verdade, o que tem dito, não deixaria de lhe lembrar nas primeiras perguntas, que lhe foram feitas; além de ser tudo o que tem dito, ou insignificante, ou falso; porquanto consta plenamente, que ele Respondente fora um dos primeiros que falou na sublevação, em casa de quem se faziam os conventículos, e se ajuntavam os confederados; que as objeções que ele Respondente diz que opusera para se fazer o levante foi discurso, em que todos entraram, dizendo cada um o seu parecer; e sem embargo de se proporem as ditas objeções, ou por ele Respondente, ou por outro qualquer dos conjurados, contudo que a todos se respondeu naquela conversação, assentando-se que alguns aprontariam a pólvora, e pelo tempo adiante a faria seu cunhado José Álvares Maciel; e para a falta de dinheiro, se assentou que se tomariam os quintos, e o que pertencia à Coroa; e nessa mesma ocasião, em que se propuseram estas dificuldades, e se deram as respostas para solvê-las, e facilitar os meios, se assentou em que se havia de fazer o levante, o que consta plenamente pelas confissões de todos os conjurados?

               Respondeu, que as respostas, que tinha dado, não foram estudadas; porque logo nas primeiras perguntas feitas pelo Desembargador José Pedro, deu aquelas respostas, e o dito ministro lhe disse que as reservasse para a sua defesa; e que é verdade ser dos primeiros, a quem se falou na sublevação, por lhe falar nisso o Alferes Joaquim José da Silva; e que depois, em outra ocasião, Inácio José de Alvarenga entrou em sua casa, dizendo-lhe se já tinha ouvido o dito alferes sobre a desordem do Rio de Janeiro, onde se queriam levantar; e que casualmente se ajuntavam os mais em sua casa, a falar no levante, no que ele Respondente nunca convinha; que era verdade que se ponderaram aquelas objeções, e se deram aquelas respostas em casa dele Respondente; mas por fim, que assentaram que se não falasse mais em tal; porque a derrama, que dava motivo ao levante, já se não punha.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porque tanto falava ele Respondente, e tanto é falso o dizer que por fim se assentara em se não fazer o levante; e que ele Respondente sempre dissera que se não falasse em tal; que depois da dita conversação em casa dele Respondente, foi ele à casa de Domingos de Abreu Vieira, e aí se falou novamente no levante com ele Respondente, sinal evidente de que se não tinha assentado na dita conversação, em que se não fizesse a sublevação; porque então seria escusado tornar a falar nessa matéria; e também se conclui bem, que se ele Respondente dissesse, como assevera, que se não falasse mais em tal, não tornaria a entrar em semelhante prática; porque nem em sua casa entravam os conjurados por força, nem em casa de Domingos de Abreu lhe fecharam a porta, para que não saísse; podendo evitar aquelas conversações, fechando a porta aos conjurados, ou pondo-os fora dela, e fugindo de casa do dito Domingos de Abreu, logo que viu que se falava em levante?

               Respondeu, que se tinha assentado com efeito, que se não continuasse no levante, e que é verdade que fora à casa de Domingos de Abreu, e que se falara outra vez no levante, a que assistira, por querer ouvir o que a esse respeito dizia o dito Domingos de Abreu, mas que o seu fim não era senão embaraçar que se fizesse o levante, e que se não havia de fazer; e naquilo o seu fim era para ver se tinham assentado no que lhe tinha dito em sua casa, para que se não falasse em tal; e quando saiu, lhe tornou a recomendar que não falasse em tal.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto está em uma contradição notória; pois se ele na conversação que houve em sua casa dissesse que se não falasse em tal levante, quando entrou em casa de Domingos de Abreu, e lhe falaram no mesmo levante, não necessitava de mais prova, de que não tinham dado assenso ao que ele Respondente diz que pedira em sua casa aos conjurados; e escusava de falar, e ouvir falar no levante para observar se tinham dado assenso, ao que fica dito; e ao mesmo tempo é uma contradição dizer que se não falasse, e estar falando ao mesmo tempo na sublevação; nem pode desculpá-lo, dizer que queria observar os passos daquele negócio, por isso falava, e ouvia falar no levante; porquanto esta observação não era para delatar, como nunca delatou em tempo; e não sendo para este fim, não pode deixar de ser a dita observação criminosa?

               Respondeu, que continuara a ouvir para ver se tratavam de convidar mais alguém; mas como eles não lembravam mais nada de novo, senão o que já tinham dito, por isso se demorou a ouvi-los, e ultimamente lhes tornou a dizer que não falassem em tal; e que não delatara logo por ver que era um discurso aéreo; e que logo que vissem que a razão presidisse, se desvaneceriam esses projetos.

               Foi perguntado, se com efeito sabe, que mais algumas pessoas entrassem, ou soubessem dessas conversações sobre o levante e motim, assim mesmo aéreas como ele Respondente diz que eram,

               Respondeu, que não sabe de mais pessoa alguma, além das que tem declarado.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente sabia que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga era ciente das práticas que havia sobre o levante, como ele Respondente confessou a um dos conjurados, dizendo-lhe que falasse ao dito Desembargador Gonzaga na matéria da sublevação, e que não o acharia hóspede nela; e em outra ocasião disse ele Respondente, que tinha falado no levante com o mesmo Desembargador Gonzaga; e sobre uma declaração antecedente, que ele Respondente fez nestas perguntas, também diz que se persuadia, que se não podia fazer o levante por falta de pólvora, quando também constava que ele Respondente dissera a um dos conjurados, que Domingos de Abreu Vieira aprontava seiscentos barris dela, o que agora devia declarar com verdade, e sinceramente?

               Respondeu, que ele Respondente nunca soube que o Desembargador Gonzaga soubesse de tal levante, nem das práticas sobre ele, nem que tivesse parte nisso; e que era menos verdade de quem dissesse que lhe tinha mandado falar ao dito Gonzaga; assim como também que ele Respondente tivesse falado ao mesmo Desembargador Gonzaga, ou dissesse que lhe tinha falado nisso, era falso. E que também era falso que ele Respondente dissesse que Domingos de Abreu dava seiscentos barris de pólvora; muito principalmente, porque depois da fala que houve em casa do dito Abreu, não tornou mais a falar em levante com ninguém.

               E logo mandou vir o dito Conselheiro à sua presença o Coronel Inácio José de Alvarenga, que também se achava preso incomunicável nas sobreditas casas; e sendo aí ambos presentes se reconheceram mutuamente, do que damos fé, como também de lhes ter sido deferido o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro; e lhes fez a acareação pelo modo seguinte.

               E sendo lidas as respostas, que o acareante Inácio José de Alvarenga deu às perguntas constantes do apenso quarto da Devassa, a folhas seis verso, em que disse que o acareado lhe dissera — Que ele Respondente estava hóspede do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, onde também estava hospedado o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo; e falando com eles na matéria, os não acharia hóspede na matéria — e a outra passagem a folhas oito verso, em que diz — Passando por casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada a entregar um livro, e a tirar outro da sua livraria, o dito tenente-coronel lhe disse que tinha falado na matéria com o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e com Doutor Cláudio Manuel da Costa — E a outra passagem, que principia no fim de folhas oito yerso e acaba a folhas nove, em que diz que o acareado lhe dissera que tinha um negociante que aprontava seiscentos barris de pólvora; e perguntando-lhe ele Respondente, quem era, lhe respondeu com sua dificuldade, que era o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; e perguntando-lhe ele Respondente, como meterem nestas voltas a este pobre velho, reputado por todos por homem bom e honrado, bom pagador da Fazenda Real e de boas contas; respondeu, que lhe tinha falado que na derrama o menos que lhe podia tocar, eram seis mil cruzados — E sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, as passagens acima transcritas, disse o acareante Inácio José de Alvarenga que estava certo que houve essa conversa; mas se se falou no Desembargador Gonzaga, ou só no Vigário de São José, e no Doutor Cláudio, não tinha certeza total; assim como também a não tinha, se a conversa, que o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire tinha tido com o Tenente-Coronel Abreu, foi entre ele, e o dito Abreu, ou referida por Joaquim José da Silva, como quem o tinha dito ao dito Abreu, e contado ao Tenente-Coronel Francisco de Paula; porque ele acareante nunca falou com o dito Abreu; mas no fundo da matéria está certo que nessas duas vezes, que ele acareante falou com o Alferes Joaquim José, ele lhe falasse no dito Abreu; mas no fundo da matéria está certo que foi contada a ele acareante pelo acareado, ou como cousa sua, ou como referida pelo dito Alferes. Disse mais, que tem toda a certeza, que entre os dois, acareante e acareado, foi o acareado Tenente-Coronel Francisco de Paula, o que falou primeiro ao acareante nas formais palavras — se sabia alguma novidade do Rio — e dizendo-lhe o acareante, que não, porque nem se lembrava da conversa que tinha tido com José Aires, o acareado lhe disse que um Alferes do seu Regimento lhe contara que o negócio do Rio de Janeiro falava em liberdade; e lembrado o acareante, do que tinha passado com José Aires sobre o referido, lhe disse que isso era a liberdade do negócio, e o mais que lá consta; e aparecendo-lhe no outro dia de tarde o Alferes Joaquim José em casa de João Rodrigues de Macedo, e dizendo-lhe que seu tenente-coronel ali o mandava certificá-lo, de que aquela notícia do Rio ele era que lha tinha dado, sobre o que recai a verdade dela, de ser verdade, que ele é o que lha tinha contado; e que nunca tinha falado antes desta ocasião com tal alferes. E o acareado disse, pelo que respeita às primeiras duas passagens, que não falara em tal acareante; e o mesmo disse a respeito da terceira passagem a respeito de Domingos de Abreu Vieira; e se ele acareante soube isso por outra pessoa, ele acareado, o não sabe. Quanto a dizer o acareante, que ele acareado fora o primeiro que lhe falara, e que mandara o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, falar ao acareante disse que insistia, que não tinha sido o primeiro que no levante falou ao acareante, nem tinha mandado o Alferes, que fosse falar ao acareante, e se o dito Alferes foi dizer ao acareante, que ia mandado por ele acareado mentiu, e depois de disputarem largamente, cada um insistiu firme, no que havia dito. E por esta forma, houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual, sendo por mim lida, acharam estar conforme, com o que cada um respondido tinha e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que neste ato estiveram os réus livres de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Inácio José de Alvarenga Peixoto

Francisco de Paula Freire de Andrada

               E logo tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão o Coronel Inácio José de Alvarenga, foram por mim lidas ao Respondente as perguntas, que o mesmo Conselheiro houve por feitas, as quais achou o Respondente conformes com o que respondido tinha, e debaixo do juramento que recebido tinha, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito verdade: e declaro com o Escrivão assistente, que em todo este ato esteve o Respondente livre de ferros, do que damos fé; e de tudo, mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Francisco de Paula Freire de Andrada

5ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 07-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos sete dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração, formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o mesmo réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi perguntado, se em casa dele Respondente esteve mais alguma pessoa, assistindo às práticas que houve sobre a independência da América além daquelas, que ele Respondente já tem declarado; ou se ele Respondente comunicou a mais alguma pessoa o projeto da sublevação; ou sabe, que algum dos sócios o comunicasse?

               Respondeu, que lhe não lembra mais circunstância, ou pessoa alguma que declarar, além do que já tem respondido.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que no projeto da sublevação entrava mais alguma pessoa, que ainda ele Respondente não tinha declarado, a qual entrava em casa dele Respondente com frequência e amizade nessas mesmas ocasiões, e tempo, em que se praticava sobre o levante?

               Respondeu, que se não lembrava de mais pessoa alguma .

               Foi perguntado, se no tempo em que se falava em casa dele Respondente no levante, ou logo imediatamente depois disso, esteve em Vila Rica, e foi à casa dele Respondente alguma pessoa da sua amizade, assistente para as partes do Sabará?

               Respondeu, que assistente para as partes do Sabará não conhece, nem tem amizade com pessoa alguma que fosse a Vila Rica naquele tempo.

               Foi perguntado, se conhece o Doutor José de Sá Bittencourt?

               Respondeu, que conhece o dito Doutor José de Sá Bittencourt; e que uma vez entrara em casa dele Respondente com o Doutor Veloso, de Vila Rica.

               Foi perguntado, se essa vez em que o dito Doutor José de Sá foi à casa dele Respondente, era no tempo em que se praticava em casa dele Respondente sobre o levante?

               Respondeu, que foi antes que se principiasse a mover a dita prática.

               Foi perguntado, se além dessa vez, em que o dito José de Sá visitou a ele Respondente, antes que se movesse a prática sobre o levante, tornou o mesmo José de Sá a Vila Rica, e à casa dele Respondente?

               Respondeu, que fora dessa vez, que foi pela ocasião das festas, que se fizeram pela chegada do Visconde Governador, tornou o dito José Sá uma vez a Vila Rica, porém, que também foi antes que se movesse a prática sobre o levante.

               Foi mais perguntado, se o dito José de Sá tinha algum parentesco de sanguinidade, ou afinidade com o cunhado dele Respondente José Álvares Maciel, ou com algum dos sócios da conjuração?

               Respondeu, que não sabe que tenha parentesco algum com seu cunhado, ou com algum dos ditos sócios.

               Foi mais perguntado, se sabe, ou suspeita, que ao dito José de Sá se comunicasse o projeto da sublevação?

               Respondeu, que não sabia que houvesse pessoa, que lho comunicasse.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que não só o dito José de Sá tinha relações de parentesco com alguns dos sócios da conjuração; mas que também era dela sabedor, e contado por alguns dos sócios entre aqueles, que sabiam, e se interessavam no levante?

               Respondeu, que não sabia que soubesse aquele José de Sá do levante; e que isso para ele Respondente era novo; nem sabia que tivesse parentesco com algum dos sócios da conjuração.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, se achou conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé com o Escrivão assistente, declarou ter dito a verdade; e da mesma sorte afirmamos que neste ato esteve o réu livre de ferros; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto; em que assinou com o Respondente, e Ministro, Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco de Paula Freire de Andrada

AO DESEMBARGADOR TOMAS ANTÔNIO GONZAGA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 17-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 03-02-1790

Acareação com o Cônego Luís Vieira da Silva,

Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto e Padre Carlos Correia de Toledo e Melo.

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 01-08-1791

3ª INQUIRIÇÃO — Casas da Ordem Terceira de São Francisco – Acareação com o Cônego Luís Vieira da Silva e Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto 04-08-1791

TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 17-11-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove aos dezessete do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga que se acha preso em custódia, e sendo ai foi mandado vir à sua presença o dito Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

               E perguntando-se como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

               Respondeu, que se chamava Tomás Antônio Gonzaga, que era filho do Desembargador João Bernardo Gonzaga, e de Dona Tomásia Gonzaga, natural da Cidade do Porto, de idade de quarenta anos pouco mais ou menos, solteiro, que estava despachado para Desembargador da Relação da Bahia e que não tinha ordens algumas, nem privilégio, que o isente da jurisdição Real, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado se sabia ou suspeitava a causa da sua prisão.

               Respondeu, que estando na véspera da sua prisão de tarde em sua casa, se juntaram nela o Intendente atual de Vila Rica, Francisco Gregório Pires Monteiro, o Ouvidor de Sabará, José Caetano César Manitti, o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e não está certo se também assistiu o Padre Francisco de Aguiar, e que na presença de todos se queixou o dito Doutor Cláudio Manuel da Costa, por lhe ter constado que se tinha dado uma denúncia do Coronel Inácio José de Alvarenga, e do Cônego Luiz Vieira da Silva, em que o tinham envolvido também a ele, e que o dito Intendente acrescentou, que também lhe parecia que tinham envolvido na dita denúncia a ele Intendente, e ao Respondente, e que tomando o réu Respondente isto em menos preço, e dando as razões por que lhe parecia isto impossível, concluiu dizendo que quando eles saíssem, ia fazer uma ode, que tão sossegado ficava no seu espírito, que saíram todos juntos e já tarde de sua casa, e que ele se foi meter na sua cama, e que no outro dia de manhã, estando ainda deitado, o prenderam, e o conduziram a esta prisão, e que por isso entende ser falsamente envolvido na dita denúncia, a qual versava sobre uma conjuração, ou levante, que se diz que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais.

               E sendo perguntado, se tinha sido convidado para a conjuração, se nela entrava, ou dela sabia por qualquer modo que fosse alguma coisa.

               Respondeu, que nada sabia a este respeito.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual faltava, negando inteiramente a ciência da conjuração; pois constava que ele a tinha, e que era entrado nela.

               Respondeu, que na verdade não sabia coisa alguma, como já disse, que para estar preso basta o ter sido denunciado; mas que daqui se não segue, ser legitimamente denunciado, e que lhe consta, por assim o ter ouvido na véspera da sua prisão, como já disse, que a dita denúncia foi dada por Basílio de Brito, homem de muito má conduta, e seu inimigo pelo prender em virtude de um Precatório, vindo do Tejuco, e aliado com o Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada, seu maior inimigo, por defender o réu Respondente a um cadete, que o tinha injuriado, chegando o excesso da sua paixão a dizer publicamente na parada que havia de perseguir ao dito réu Respondente até às portas da morte.

               E sendo instado, que sendo assim como ele Respondente diz, dada a denúncia por uma pessoa sua inimiga, um motivo para se julgar vingança pretendida na pessoa do Respondente com falsidade, é pelo contrário grande prova o dito de pessoas, nas quais se não dá razão alguma de inimizade; mas antes em algumas concorrem circunstâncias contrárias, e por isso se mostra falsa a negativa do Respondente, que deve declarar toda a verdade.

               Respondeu, que a verdade é a que tem dito, de que não pode haver pessoa alguma, que afirme o contrário, dando razões certas da sua ciência, sem serem os ditos seus inimigos, ou pessoas por eles convidadas, que se há alguma testemunha que não seja inimiga do Respondente, e jure coisa que lhe faça carga, será fundada nos indícios indiferentes que têm diversas aplicações, e que muitas vezes se tomam contra um réu, logo que este aparece preso, quando se fizeram por diversas razões, e que chegando o réu a estado de poder saber quais são os indícios indiferentes, em que as ditas testemunhas se firmaram, ele confessará os verdadeiros, mostrará e provará os diversos fins, a que eles se dirigiam.

               Sendo mais instado, que dissesse a verdade, do que sabia; porque além dos indícios notórios; como eram uma longa demora na terra, em que tinha acabado de servir, da qual ordinariamente todos desejam sair com presteza pela diferente figura que passam a fazer, principalmente o Respondente, que não tendo ali rendimentos alguns, estava perdendo os do lugar em que estava provido, e além disso o seu adiantamento, o que não faria sem esperança de coisa mais avançada, é prova mais atendível.

               Respondeu, que o indício nada faz contra o réu Respondente; porque estava justo a casar em Vila Rica, e que tinha pedido licença a Sua Majestade para este fim por via do seu companheiro, que cra Intendente do Ouro, e por via do Capitão Francisco de Araújo Pereira, cuja licença esperava chegasse na nau que traz o Excelentíssimo Vice-Rei, e que por isso lhe era mais cômodo o demorar-se naquela Vila alguns meses para levar sua mulher na sua companhia, do que ir para a Bahia, e deixá-la para sofrer as despesas e incômodos de outra condução, e por não ter pessoa que melhor a pudesse acompanhar do que ele próprio, em prova do que mostrava a atestação do seu Excelentíssimo General, requeria se juntasse já a estas perguntas. Que antes pelo contrário há muitos indícios, que mostram que o réu Respondente não pode ser entrado em semelhante conjuração como são os seguintes, que aponta: Primeiro o de ser filho de Portugal, onde tem bens, e pai no graduado lugar de Desembargador de Agravos: Segundo o estar despachado para Desembargador da Bahia, e não ser de presumir, que quisesse perder este emprego útil e certo, por coisa incerta, e menos útil, que se lhe pudesse oferecer: Terceiro porque estando justo a casar, não se havia de querer expor a uma guerra civil, e contra os parentes de sua esposa, que todos são militares: Quarto, que os mesmos da terra o não haviam de querer convidar, por ser filho do Reino, não ter bens nenhuns, nem préstimo militar, com que os pudesse ajudar, e não se haverem de sujeitar a expor as suas pessoas, e bens para adquirirem empregos, que dessem ao réu Respondente, que não se contentaria senão com os maiores: Quinto, porque logo que chegou a monção para a Bahia, pediu o réu Respondente ao Excelentíssimo General da Capitania, que no caso de não vir a sua licença para casar, lha havia de conceder, e por ele assim o prometer, se entrou a dispor para o seu casamento, como tudo se mostra da dita atestação, que oferece o que não faria se tivesse interesse de estar na terra; porque debaixo do pretexto de não chegar a licença, se iria demorando coloradamente: Sexto, porque tendo chegado ordem de Sua Majestade para se lançar a derrama, ele réu Respondente disse ao Intendente de Vila Rica, Procurador da Coroa, que o tributo era grande, e que temia alguma revolução no povo e respondendo-lhe ele, que não o requeria, lhe tornou o réu, que como Procurador da Coroa o devia fazer; mas que não sabia se a Junta obraria bem o executar, sem dar parte a Sua Majestade, o que mostra que quem inspira semelhantes idéias de quietação, não interessa no motim do povo: Sétimo, porque ele réu sempre que falou com o seu Excelentíssimo General lhe disse que nem se podiam cobrar as dívidas da Coroa, por serem muitas, e estar o povo muito pobre, e que se devia representar a Sua Majestade o estado da Capitania, para as perdoar, o que não faz quem quer ser rebelde, que procura a vexação do povo.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, pois constava que sabia com individuação do premeditado atentado do que o não excluem os indícios contrários, que numera na sua antecedente resposta, pois ainda que seja filho de Portugal, é oriundo desta América, sendo seu pai filho desta Cidade do Rio de Janeiro, e tendo aqui parentes. O não se querer expor a uma guerra civil contra os parentes da sua futura esposa, também não conclui; porque antes eles, e ela o poderiam persuadir, e sendo militares tornar o partido melhor: O não ter bens, nem préstimo militar também o não exclui; porque podiam achar nele outras qualidades necessárias para o método do governo; e ultimamente a licença pedida para o casamento e o mais que parece indício favorável seria pretexto colorado, que se costuma tomar para encobrir semelhantes delitos, e que assim quando fizessem dúvida os indícios, que se encontram decide contra ele réu Respondente haver quem diga, que tanto ele era entrado na conjuração, que era quem fazia as leis, e determinava o modo da conjuração, e por isso deve declarar individualmente todos os sócios dela, e as mais circunstâncias, como tem obrigação, por ser legitimamente perguntado.

               Respondeu quanto à primeira instância que é verdade ser seu pai filho do Rio de Janeiro; mas que casou em Portugal, nunca mais veio a sua pátria, anda no Serviço Real, e lá teve ao réu Respondente, e a outros irmãos que existem e que esta razão de amor é mais forte do que a do simples nascimento de seu pai; que e certo que sua mulher, e parentes dela o podiam persuadir a ficar no país, mas era se fossem entrados na sobredita conjuração, do que se não persuade; e quando tivessem que lhe dar sem perigo, e o réu que aceitar sem expor, o que já tem sem ele; e que o não ter bens, nem préstimo, mas que ter talentos para servir os do país também faz contra o réu; porque só induziria quando no país não houvesse nacionais estabelecidos, que tivessem os mesmos préstimos; que o seu casamento está contratado há mais de dois anos, e que por isso não podia ser pretexto para cobrir o delito presente: Que estar o réu incumbido de fazer as leis é falso, e que não pode dar exclusiva concludente, não sabendo, se a testemunha é das suas inimigas e as razões em que se funda para as convencer.

               E sendo perguntado quais seriam os sujeitos nacionais do país com os mesmos préstimos de literatura.

               Respondeu, que conhecia em Vila Rica instruídos em jurisprudência ao Dr. Cláudio Manuel da Costa e ao Doutor Manuel de Souza; em Mariana ao Doutor Barradas, e ao Doutor José cujo sobrenome lhe não lembra, moderno, e que tirou como Escrivão, a Devassa de residência do antecedente Juiz de Fora da dita cidade; no Sabará a um doutor moderno cujo nome ignora, mas que tem talentos, e o Doutor José Corrêa, e que tendo os do país a estes e a outros advogados e letrados, de que se pudessem servir, e estabelecidos na terra, não viriam buscar ao réu, estranho, e sem estabelecimento, caso que já estivessem nos termos de cogitarem de leis.

               E sendo instado, que pelas mesmas razões, que ele Respondente dá, se conclui que ele devia ser procurado para entrar no ministério da legislação, e por isso deve declarar a verdade deste negócio, pois sendo indubitável, como ele Respondente não negará, que os mais capazes por talento e instrução, eram o Doutor Cláudio Manuel da Costa, o doutor do Sabará, cujo nome diz que ignora, e outro que suposto ele Respondente não nomeou, é constante que tem talentos e se podiam bem lembrar dele para o ministério, em razão de ser graduado, e ter servido lugares de letras, como constava que todos estes três eram entrados na conjuração, e ele Respondente não negara a grande amizade que tinha com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e igualmente com outro, de que acima se falou sem lhe declarar o nome, que é o Coronel Inácio José de Alvarenga, com o qual se tratava por primo, fica sendo natural e presumível, que com eles igualmente fosse entrado na dita conjuração, sem o receio de lhe confiarem este segredo, que facilitava a amizade, que entre todos havia.

               Respondeu, que por isso mesmo, que era muito amigo do Doutor Cláudio Manuel da Costa e que se tratava por parente do Doutor Inácio José de Alvarenga, que reconhece terem todo o talento, sabiam estes as razões que o réu Respondente tem dado por onde mostra que não haviam de querer entrar no dito atentado, caso de havê-lo, e que por isso não haviam de sujeitar o seu segredo, quando já tinham a certeza de não tirarem utilidade alguma, e que da potência para o ato vai uma grande diferença. E por esta forma houve o dito desembargador por ora estas perguntas por feitas, e deu juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade pelo que respeita a direito de terceiro, e mandou juntar a elas a atestação do General da Capitania de Minas Gerais o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, datada em vinte e três de maio do presente ano de mil setecentos e oitenta e nove, na forma do requerimento do Respondente, e assinou o dito Desembaragador com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as acharem na verdade: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Tomás Antônio Gonzaga

José dos Santos Rodrigues e Araújo

                Aos dezessete do mês de novembro do ano de mil setecentos e oitenta e nove, juntei a estas perguntas por mandado do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, a atestação do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais passada aos vinte e três de maio de mil setecentos e oitenta e nove, a qual o réu Respondente apresentou no ato das perguntas, requereu se juntasse a elas, e o dito Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres assim o mandou, do que para constar fiz este termo de ajuntada: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

               Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, Visconde de Barbacena, do Conselho de Sua Majestade, Governador e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais etc.

               Atesto que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga logo depois de ter acabado de exercer o lugar de Ouvidor desta Comarca, me participou que estava esperando licença de Sua Majestade para casar, e por este motivo pretendia demorar-se alguns meses até chegar o tempo de melhor monção para o seu embarque: e que haverá um mês pouco mais ou menos, me tornou a dizer que a tardança da dita licença lhe fazia já incômodo e desejava retirar-se; e que vinha saber, se poderia eu suprir essa falta, visto que ele se não achava em atual serviço, e que havia circunstâncias para não desistir do casamento : ao que eu anuí pelos ditos motivos, que me pareceram atendíveis e dignos de providência, e por ser o casamento em uma das principais famílias desta Capitania tomando sobre mim obter a aprovação de Sua Majestade; e me constou que logo se principiaram a fazer as disposições necessárias para a condução dele, e que estava para efetuar-se brevemente: e por ele me pedir esta atestação, lha mandei passar, selada com o selo das minhas armas, e tudo o referido nela juro, sendo necessário, pelo hábito que professo.

     Cachoeira do Campo, 23 de maio de 1789.

Visconde de Barbacena

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da lha das Cobras — Acareação com o Con. Luís Vieira da Silva, Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto e Padre Carlos Correia de Toledo e Melo

— 03-02-1790

               Aos três dias do mês de fevereiro de mil setecentos e noventa anos, nesta Cidade do Rio de Janeiro e Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Manuel da Costa Couto, Escrivão dos Agravos e Apelações desta Relação, nomeado para escrever nesta mesma Devassa no impedimento do Doutor Ouvidor desta Comarca, Marcelino Pereira Cleto e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem as perguntas continuando nas antecedentes feitas ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, que se acha preso, e sendo aí foi mandado vir à sua presença e vindo se continuaram com ele as perguntas seguintes e fiz este termo, eu Manuel da Costa Couto, que o escrevi.

               E sendo-lhe lidas as perguntas do auto retro e perguntado se eram as mesmas e as ratificava.

               Respondeu que sim.

               E sendo instado que dissesse a verdade à qual tinha faltado dizendo que nem sabia nem era entrado na pretendida conjuração, quando constava por muitas testemunhas que o era, náo havendo em muitas delas a razão de suspeita com que se defende do Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, a quem declara por seu inimigo capital.

               Respondeu que não duvida que haja muitas testemunhas ainda não inimigas que digam que o réu Respondente era entrado na conjuração, mas que para isto bastava que os seus inimigos espalhassem esta falsa voz, e que por isso se deve buscar a origem dela, e os mais indícios, que a confirmam, que o réu Respondente protesta destruir para se reputar esta fama como uma simples voz vaga, que não tem vigor, ainda que o réu não produza, como há de produzir, outras muitas razões mais fortes em sua defesa.

               E sendo mais instado que dissesse a verdade porque não era por via de falsa voz espalhada pelos seus inimigos que a verdade se sabia, mas sim por via de seus amigos, e até de um que além disso entrava em tratamento de parente.

               Respondeu que os que o disserem faltam à verdade e que dando as razões por que assim o afirmam, ele réu Respondente produzirá a sua defesa mostrando o sentido e falsidade delas.

               E sendo mais instado que dissesse a verdade, porque os sujeitos que declaram ser ele réu Respondente sabedor, dão toda a razão do seu dito, e são pessoas que nenhuma razão nem interesse têm para o culpar, como são os sócios de delito o Doutor Cláudio Manuel da Costa advogado em Vila Rica e muito da amizade do réu, o Coronel Inácio José de Alvarenga da mesma forma amigo, que se tratava por seu parente e era seu hóspede, o Cônego Luís Vieira da Silva, do mesmo modo seu amigo

               Respondeu que não duvida que a serem os sobreditos entrados na conjuração, dissessem aos outros sócios que o réu Respondente também o era, ou por quererem animar-lhes as esperanças que fariam no réu, ou por quererem desviar que algum dos outros sócios falasse ao réu, na certeza de que já estava falado e certo, mas que isto é falso como liá de mostrar com muitas provas, que ele tratava de se ir embora para o seu lugar, e que para isto já tinha mandado aprontar casas nesta cidade por via de seu familiar Joaquim José, que tinha pedido a João Rodrigues de Macedo que conservasse algum dinheiro, porque no princ.pio de junho saia e não se valia de outro a ser-lhe necessário; que tinha pedido licença ao Excelentíssimo General um mês antes de sua prisão para efetuar o seu casamento, o que não faria se quisesse ficar na terra por ser este o único pretexto com que podia disfarçar a sua demora, que o Doutor Cláudio Manuel não podia dizer o contrário senão por alguma das razões já ditas, porque sabia muito bem que ele tratava da sua retirada, que estava lendo e emendando as poesias do réu Respondente que tratavam destas, que sabia que o réu Respondente já não fez luto pela morte do Sereníssimo Infante com o fundamento de que um vestido de luto lhe não servia na Bahia, e é certo que o réu não mostraria este ânimo na presença dos sócios se também o fosse. Que o Coronel Inácio José de Alvarenga quando se retirou para o Rio das Mortes até já levou a incumbência, e certeza de lha fazer a hospedagem na sua retirada, e por isso parece que se não deve acreditar o que eles disserem como oposto a esta verdade, visto que se não podem verificar os dois contrários de ir e ser sócio porque esta sociedade requeria a assistência no país.

                Que pelo contrário há de mostrar o réu Respondente que nunca teve ânimo de ser rebelde, antes que sempre foi zeloso e fiel vassalo: Que estando o Doutor Intendente de Vila Rica, Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, para requerer a imposição da derrama, ele lhe disse que esta derrama podia causar algum desassossego no povo e respondendo-lhe o dito Doutor Intendente que então a não requeria, ele lhe tornou, que como Procurador da Coroa a devia requerer, mas que não sabia se a Junta da Fazenda obraria bem na sua execução sem primeiro dar parte a Sua Majestade.

               Que dizendo-lhe em outra ocasião o dito Doutor Intendente, que requeria unicamente o lançamento de um ano, lhe respondeu o réu que ele se fosse Procurador da Coroa a requereria por todo o tempo, porque o lançamento de um ano não tinha razão para suspender-se e bastava para vexar o povo e que o lançamento inteiro tinha para se suspender: primeiro, o chegar à quantia de nove milhões com que não pode toda a Capitania de Minas; segundo, que os devedores pelos anos passados não existiam porque uns estavam mortos, outros se tinham retirado para Portugal, e que a maior parte do resto estava falido e que podia servir de bom pretexto à execução do dito lançamento a liquidação da mesma dívida, e que lhe parece que teve esta conversa na presença do réu Inácio José de Alvarenga, o que não faria se fosse sócio de semelhante conspiração, ou sabedor de que o dito Coronel Alvarenga o era, pois não mostraria na sua presença o ânimo que tinha de que não a houvesse, buscando impedir a execução do que lhe podia servir de fundamento.

               Que em outra ocasião disputou muito com o dito Doutor Intendente sobre a quantia do mesmo débito, porque obrigando-se o povo de Minas à cota das cem arrobas, ficando senhor de todas as minas de ouro, lhe parecia que Sua Majestade havia de mandar que se abatesse na dita cota o valor das minas sitas no distrito diamantino, que lhe tinha tirado: Que tendo o Excelentíssimo General suspendido o mesmo lançamento, lhe disse o dito Doutor Intendente, que queria despacho público da Junta, ao que o réu lhe tornou que ele o não pediria porque a dita suspensão era muito útil ao sossego público e um vassalo que inspira estas idéias em um Ministro zeloso e que tem uma grande parte na administração da Real Fazenda, não interessa senão na fidelidade, e zelo a que se dirigiam semelhantes práticas e lhe parece que à disputa sobre a liquidação das cem arrobas assistiu o Capitão Antônio Ferreira, e como esta matéria faz a maior parte da defesa do réu e está posta em pessoa singular qual é o dito Doutor Intendente, e o réu não pode usar das cautelas que o direito permite por estar em um rigoroso segredo e não é igualmente a intenção de Sua Majestade o castigar os inocentes por falta da natural defesa, requerer o mesmo réu, que perante juízo se passe ordem às justiças da terra, ou por aquele modo que parecer mais conveniente, se faça apresentar a estas perguntas a atestação do dito Doutor Intendente sobre os fatos expedidos: Que o réu Respondente em todo o tempo antes e depois do Excelentíssimo General suspender a dita derrama, sempre lhe disse que o povo não podia com ela sua pobreza e que nem se podia cobrar o outro resto da d.vida fiscal sem destruição total do país e que por isso seria muito útil que o mesmo Excelentíssimo General representasse a Sua Majestade a necessidade e utilidade de perdão de toda a divida, o que não faria se interessasse na dita rebelião porque não mostraria sentimentos contrários à vexação do povo em que só se podia afiançar: Que já pediu documento e atestação disto por este mesmo juízo. E que quando não tenha chegado, outra vez requer que novamente se peça e se apense a esta resposta e que protesta que a falia lhe não sirva de prejuízo, antes se julgue provada esta defesa, por não ser de acreditar que um réu peça documentos falsos a um Excelentíssimo General e a um Ministro, que vindo contrários lhe servirão de maior dano à sua defesa.

Sendo mais instado, que dissesse a verdade pois suposto as razões, que tem dado em defesa pareçam uns bons indícios a seu favor, não são contudo provas decisivas porque umas podiam ser tomadas por cautela, e outras terem outro fundamento como “verbi gracia” o deixar de fazer o luto por economia, sobretudo se desvanecem as sobreditas razões sabendo-se que, quando o réu Respondente tratou com mais força da sua retirada, foi quando já viu em poucas esperanças o concluir-se a premeditada sedição e talvez quando já havia receio de ter transpirado e ter sido sabido o projeto.

               Além de que as presunções alegadas seriam boas para encontrar e fazer improfícuas outras presunções que resultassem contra o réu, mas não para destruir provas claras como é ter ouvido na sua própria casa falar nesta matéria por mais de uma vez e até fora da sua própria casa e mostras que deu o mesmo e por isso ele réu Respondente deve declarar a verdade com todas as circunstâncias conforme as sabe, pelo que é neste ato instado, deixando-se da contumácia em que por sistema quer insistir.

               Respondeu, que os indícios da sua defesa não têm outra aplicação e devem valer para ela enquanto se não mostrar o contrário.

               Que ele réu não tratou da sua retirada depois de estar desmanchada ou mal esperançada a dita sedição e sim porque ele só tinha pedido licença ao Excelentíssimo General para se demorar na Capitania e esperar nela a licença para o seu casamento até que chegasse a monção para a Bahia, como consta da atestação junta do Excelentíssimo General, e como a monção no inês de abril estava chegando ou vizinha, foi necessário a ele réu Respondente mostrar ao mesmo Excelentíssimo General que não se demorava mais do que o tempo pedido e por isso no dito mês de abril lhe pediu a providência da licença para casar não chegando a de Sua Majestade e dando-lhe o dito Excelentíssimo General a dita licença, não restava ao réu Respondente nada mais do que o tratar da sua retirada, pelo que se deve presumir que o réu se não retirava por julgar desfeita a dita sedição e sim por estar acabado o tempo, que tinha pedido de demora e dada a providência para não se demorar mais, e sendo o tempo que pediu para demorar-se alguns seis meses antes da sua prisão, pedido livre de toda a suspeita pois que o réu o pediu logo que largou a Vara de Ouvidor, como consta da dita certidão passada já depois da sua prisão, e é certo que o réu nesse tempo não adivinhava que se havia de desfazer a dita sedição no mesmo tempo em que acabava o pedido, pelo que se deve acreditar que tratava de se ir embora por se acabar o dito tempo por chegar a monção para a Bahia e não lhe fazer conta esperar por outra nova, embora se encontrasse este tempo com a desfeita da sedição de que não era sabedor.

                Que se é verdade desfazer-se a dita sedição, seria pela razão de suspender o Excelentíssimo General a execução da derrama em que talvez se afiançasse, e que se o réu só cuidasse na sua retirada depois de se desfazer a mesma sedição, então não falaria como falou, para que a dita derrama se não pusesse, porque não havia de querer e trabalhar para que se não pusesse a dita derrama se fosse sócio e interessado nela, por não ser de presumir que nenhum sócio destrua os interesses da sua sociedade.

                Que não duvida que algumas testemunhas jurem que na casa dele Respondente se tinha falado na dita sedição, mas que esta fama pode ser levantada pelos seus inimigos e pode ser verdadeira sem ele réu ser disso sabedor.

                Que na casa do réu estavam hospedados o Coronel Inácio José de Alvarenga e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e que nela era frequente o Doutor Cláudio Manuel da Costa que todos se dizem réus e por isso poderiam conversar nesta matéria sem ele Respondente ser participante, ainda na mesma sala onde ele estava, por estar entretido a bordar um vestido para o seu casamento, do qual entretenimento nunca se levantava senão para a mesa, o que não parece compatível com as idéias e paixões de uma sedição.

               Que eia necessário dar-se a ele Respondente os dias certos, horas e pessoas, em que e com quem conversou, para poder responder corretamente.

               E sendo instado, que ele sabia tanto que o Cônego Luís Vieira perguntando como era a sedição respondeu o réu que a ocasião para isso se tinha perdido, por se ter suspendido a derrama, o que foi passado na casa dele Respondente em presença do Coronel Inácio José de Alvarenga e outra vez se falou na mesma matéria em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, em ocasião que lá jantaram o Respondente, o dito Coronel Alvarenga, o Cônego Luís Vieira e outros, tendo o Respondente já ouvido em sua casa práticas da mesma natureza ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, que era seu hóspede na presença do mesmo Coronel Inácio José de Alvarenga, e Cláudio Manuel da Costa e tendo além disso assistido também às práticas sediciosas, que houve em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, estando este presente, seu cunhado José Álvares Maciel, o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Vigário Carlos Correia de Toledo, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, cujos fatos todos verificam a culpa do réu a qual deve confessar à vista das instâncias.

               Respondeu, que na sua presença nunca se falou diretamente em semelhante conjuração em parte alguma.

               Que não duvida, que alguma vez se podia falar em se poderem levantar os povos do Brasil e que ele Respondente poderia dizer que se perdera uma boa ocasião em se não pôr a derrama, mas que esta prática, de que nem de certo se lembra, não podia ser senão em uma hipótese de potência e não de ato, o que mostra bem ainda a mesma resposta que se diz que dera ele Respondente, porque se a ocasião que se perdia era à falta de se pôr a derrama, não havia o réu Respondente de falar como falou a benefício de se não pôr esta derrama, porque então cortava o fundamento em que ele se estribava e não lamentaria o mesmo réu diante dos demais sócios como perda aquilo mesmo que ele tinha solicitado e influído em pessoa que tinha voto na matéria.

               Que à casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula fora algumas vezes e que é verdade que concorrera uma noite com as pessoas declaradas e que lhe parece que estavam também o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, e o Doutor Francisco Pais e outros, porém que nessa ocasião entrou na dita casa pouco mais ou menos junto às Trindades, tomou chá e retirou-se sem que se falasse em matéria de levante nem por hipótese.

               Que é verdade que se encontrou na dita casa com o Alferes Joaquim José da Silva, com o Coronel Alvarenga, e lhe parece também estava o Vigário da Vila de São José somente, mas que nessa ocasião conversaram em humanidades e lhe lembra muito bem por repetir o Coronel Alvarenga umas oitavas feitas ao batizado de um filho do Excelentíssimo Dom Rodrigo e por se examinarem alguns livros do dito tenente-coronel entre os quais se achava um que contava ao sapateiro Bandarra entre os primeiros poetas portugueses, conversa que parece exclui toda a presunção de se tratar da delicada matéria de uma sedição.

               E sendo mandados vir pelo Juiz desta Devassa os réus o Cônego Luís Vieira da Silva, o Coronel Inácio José de Alvarenga, e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo para serem acareados com o réu Respondente.

               O réu Cônego Luís Vieira da Silva respondeu afirmativamente o mesmo que tinha dito nas respostas às perguntas que se lhe tinha feito, de que em casa do réu Respondente perguntara que novidade havia a respeito de um levante que lhe tinham contado que se pretendia fazer e que o Respondente dissera a isto que a ocasião se tinha perdido.

               A isto se não opõe o réu Respondente, mas nega que dissesse coisa alguma ou fizesse coisa em que mostrasse ânimo de ter semelhante intento de sedição e se reporta às respostas que tem dado.

               E sendo feitas instâncias ao réu o Cônego Luís Vieira da Silva, para que declarasse o que tinha coligido do ânimo do réu Respondente, insistiu em que nada podia afirmar da culpa do réu porque não passou mais coisa alguma do que as palavras que expressa nas suas respostas.

               O réu o Vigário Carlos Correia de Toledo, asseverou o mesmo que tinha também dito de que suposto tinha declarado a algumas pessoas que o Respondente era entrado em sublevação, fora por idéia sua a facilitar algumas pessoas, mas que na realidade não sabia, como já declarou, que o dito Respondente fosse entrado no levante, que era verdade ter-se tratado na casa do Respondente, em conversação geral, das vantagens da América, porém não chegaram as ditas conversações a ofender a Sua Majestade porque nelas se não formou projeto algum e que o dito réu Vigário Carlos Correia de Toledo nada sabe mais a respeito do réu Respondente porque ainda em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, só uma única vez o topou no tope da cscada, saindo ele vigário e entrando ele réu Respondente, pelo que não sabe que assistisse a conversação alguma .

               O Coronel Inácio José de Alvarenga afirmou também o mesmo que tinha respondido nas suas perguntas, de que na conversaçao que houve em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire estivera também assistindo o Respondente e que por estar nesta inteligência assim o dissera, mas que se não anima a afirmá-lo como coisa sem dúvida alguma porque poderia equivocar-se, mas que como este fato foi passado entre algumas seis pessoas, pelo dito dos mais se poderá desfazer a dúvida.

                O Respondente insistiu sempre no que tinha dito, de que perante ele nunca se tratara coisa deliberativa sobre levante.

                E por esta forma houve ele ministro por feitas estas perguntas e acareações deferindo o juramento a todos, pelo que respeita a direito de terceiro e de tudo mandou fazer este auto que assinou com eles réus e o dito Tabelião de que damos nossas fés, e eu Manuel da Costa Couto, que o escrevi e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto Tomás Antônio Gonzaga O Cônego Luís Vieira da Silva Carlos Correia de Toledo e Melo Inácio José de Alvarenga Peixoto José dos Santos Rodrigues e Araújo

3ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 01-08-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, em o primeiro dia do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente eleito da Comarca da Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, preso nos segredos das ditas casas; e sendo aí mandou o mesmo Conselheiro vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado se eram as próprias, dadas por ele dito Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, se estavam conforme, e se as ratificava?

               Respondeu, que eram as mesmas respostas dadas por ele Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi perguntado, se tinha tomado melhor acordo para dizer a verdade, declarando ser sabedor do levante, e ser sócio da conjuração, que para isso havia; porque nenhuma das razões que tinha dado era exclusiva da prova, que contra ele resultava?

               Respondeu, que ele não podia mudar de ânimo para confessar um delito que não fez; e que se há contra ele alguma prova, sendo sabedor desta, a destruirá com fundamentos sólidos, e verdadeiros.

               Foi instado, que dissesse a verdade que pertinazmente ocultava: porquanto não pode destruir prova que resulta do dito de pessoas da sua maior amizade, que referem práticas expressíssimas sobre o levante com ele Respondente, assinalando lugar certo; e que deve confessar a verdade, antes de ser convencido da falsidade, em que teimosamente persiste?

               Respondeu, que a verdade é a que tem dito; e que destruirá como falsas, todas as afirmativas que disserem quaisquer pessoas, ainda que sejam amigas dele.

               E sendo-lhe lidas as respostas, que deu às perguntas que lhe foram feitas, o Doutor Cláudio Manuel da Costa, em que diz a folhas três o seguinte. — Declara mais, que pelo que várias vezes observou em conversas com o dito Gonzaga no quintal dele Respondente, não deixavam os denunciados de falar com extensão na matéria com o Tenente-Goronel Francisco de Paula e seu cunhado, José Álvares Maciel, que foi o primeiro que suscitou esta espécie com a lembrança da Inglaterra — E sendo lido o dito lugar, foi instndo o Respondente para que convencesse o dito de um seu amigo, passado com ele Respondente no quintal do dito Cláudio Manuel da Costa?

                Respondeu, que não duvida que poderia dizer alguma vez à Cláudio Manuel da Costa, que os réus, o Coronel Alvarenga, e o Vigário de São José, falassem sobre a matéria do levante; mas que isto não era com certeza de levante, senão uma mera conversa hipotética sobre a mesma matéria; porque se o réu Respondente tivesse notícia de que a dita conversa passava de hipotética, e de um mero entretenimento, ele a denunciaria; e que esta verdade se há de fazer mais palpável pelas outras razões, com que o réu mostrar a sua inocência; e pelas confissões expressas dos outros réus, a cuja verdade deve ceder a referida presunção.

                Foi instado, que dissesse a verdade, que pretendia disfarçar, dizendo que só ouvira falar no levante hipoteticamente; quando é certo, que se tratou na matéria da Sublevação delibera ti vãmente; e ele Respondente, sendo um homem letrado, de luzes, e talento conhecido, não falaria, nem consentiria que se falasse por hipótese, e divertimento em matéria tão melindrosa na ocasião crítica, em que estava para se lançar a derrama, se não fosse com ânimo de animar aos confederados; sendo certo que o seu talento lhe fez tomar as cautelas, de que se vale nas suas respostas; as quais, reduzindo-se a leves presunções, devem ceder à verdade; sendo certo que ele Respondente falou no levante, e ouviu falar, também é certo que as circunstâncias do tempo mostram bem que o ânimo não era de falar hipoteticamente?

               Respondeu, que diante dele Respondente nunca se tratou de levante decisivamente, como tem dito; e que se o réu tivesse ânimo de animar sócios, e fosse sabedor que os réus, com quem se passaram estas conversas hipotéticas, eram na verdade réus, não mostraria na presença deles o ânimo expresso de impedir o êxito do mesmo levante, como na verdade mostrou por muitas vezes: Primeira, em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, onde entrando uma vez o réu Alvarenga, e dizendo que o Intendente de Vila Rica cuidava de requerer a derrama, ele lhe disse que ele trabalhava para que ela se não pusesse; Segunda, na casa do dito Intendente, onde dizendo este na presença do mesmo Alvarenga, e do Capitão Bandeira, que tinha acabado de exercer o cargo de Juiz de órfãos, que havia de requerer a Derrama de um só ano, ele Respondente lhe disse que devia requerer toda para ir o negócio a Sua Majestade; o que mostra expressamente três coisas: primeira, que o réu não reconhecia ao Coronel Alvarenga, como sócio da conjuração efetiva, porque não diria na sua presença, coisas opostas à sua pretensão; segunda, que não tinha ânimo de animar sócios à mesma conjuração, porque então não daria conselhos opostos à mesma; terceira, que ele, como político, só via que aquelas conversas hipotéticas de levante, se poderiam pôr em prática por outras pessoas, e não pelos ditos réus, que até então reputava fiéis e zelosos vassalos; e que por isso dava semelhantes inspirações para que não pudesse haver conjuração alguma, firmada na causa da derrama.

               Foi instado, que dissesse sinceramente a verdade, não pretendendo iludir as provas que contra ele Respondente há, recorrendo a presunções frívolas, de que se não segue a consequência que ele Respondente quer tirar; antes se deve seguir a contrária; porque dizer ele Respondente, em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, que intentava embaraçar que se lançasse a derrama, é uma dissimulação, a que chega qualquer homem rústico, quanto mais ele Respondente; pois qualquer que intenta fazer um delito oculto, disfarça o seu ânimo no público; pois seria totalmente mentecapto, se publicasse idéias que declarassem o seu ânimo; antes pelo contrário produz expressões opostas ao seu verdadeiro intento; o que certamente não desvanece o delito: Quanto â prática dele Respondente com o Doutor Intendente, dizendo-lhe que requeresse a derrama por toda a dívida, tanto se não segue o que ele Respondente quer deduzir, que antes se segue o contrário; porque se o Doutor Intendente requeresse a derrama para completar as cem arrobas de um ano, via ele Respondente que o povo podia sujeitar-se, por ser quantia que podia pagar, e não se dispor ao levante; porem sendo a derrama por toda a dívida, como o povo não poderia pagá-la, vendo-se sumamente vexado, facilmente entraria em fermentação de motim; e esta é naturalmente a lembrança que ele Respondente devia íer, e a que facilmente se percebe do seu ânimo?

               Respondeu, que a conversa em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, só se podia julgar disfarce, se fosse na presença de pessoas com quem o réu se quisesse encobrir; mas que íoi na presença unicamente dos ditos Tenente-Coronel, e Alvarenga; a quem o réu não se poderia disfarçar, se iosse sócio; e quando quisesse disfarçar-se, bastaria nada responder, e não passaria ao ato de inspirar no Doutor Intendente semelhantes idéias, as quais se não podem também reputar dolosas, e ocultativas do crime; porque ele réu lhe não dizia que requeresse toda a derrama, para que esta se pusesse, senão para ela se não pusesse, pelos fundamentos que já tem dado nas outras respostas; e que para poder haver um motim, bastaria o lançamento de um único ano, por ser de perto de sessenta arrobas de ouro, com que o povo não podia; muito mais com certeza, de que a este lançamento se haviam de seguir os outros; o que havia de suceder, não se levando a causa à presença da Soberana, como ele réu dizia que se devia fazer.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porque nada conclui a sua resposta contra a instância, pois ainda que em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula estivessem só presentes o dito Tenente-Coronel e o réu Alvarenga, contudo, se não segue que dizendo ele Respondente, que fazia tenção de obstar à derrama, isto não fosse para disfarçar o seu ânimo; porque bastaria não se confiar de Francisco de Paula, assim como se confiava do réu Alvarenga; porque muitos sócios da conjuração, suposto se confiassem de outros, contudo de alguns se não confiavam, e o disfarce dele Respondente se não conseguia com o seu silêncio; porque o disfarce consiste em expressões, e sinais opostos ao ânimo; e que é uma coisa oposta inspirar ao Doutor Intendente que requeresse a derrama de toda a dívida, para que ela se não lançasse; pois pelo contrário, se o desejo dele Respondente losse de que a derrama por toda a dívida se não lançasse, inspiraria ao Intendente que a não requeresse; pois para recorrer a Sua Majestade pela impossibilidade do pagamento, não era necessário que precedesse aquele requerimento, bastaria tomar conhecimento da quantidade da divida, e do estado da terra; sendo certo que se ele Respondente inspirava ao Doutor Intendente o lançamento de toda a dívida, era porque estava ciente de que tanto que o Doutor Intendente fizesse aquele requerimento, logo se efetuava o motim, antes que pudesse haver recurso a Sua Majestade e providência emanada do Trono?

               Respondeu, que dizer que trabalhava por se não pôr a derrama, não podia ser ainda simples disfarce, para se acautelar do dito Tenente-Coronel; porque passou à obra do conselho, dado ao sobredito doutor Intendente; e que este conselho se não pode julgar doloso, porque o dito doutor Intendente, como Procurador da Coroa, não podia deixar de requerer a derrama, por estar repreendido por Sua Majestade, por não o ter leito; e só o que podia fazer era requere-la toda, para que a Junta, vendo a impossibilidade da execução, a representasse a Sua Majestade; que é a quem compete representar, e não ao Procurador da Coroa.

               Foi instado, que dissesse a verdade, respondendo com ânimo sincero; pois para dar conta a Sua Majestade, bastava que o Procurador losse repreendido, por não requerer a derrama, sendo este o modo de se justificar na presença de Sua Majestade, mostrando que nem a requeria, nem a podia requerer, por não ser conveniente ao serviço da mesma Senhora, cujos interesses deve zelar em razão do seu ofício; e pelo contrário requerendo a derrama naquela ocasião, mostrava que tinha sido omisso, e justamente repreendido de não ter feito aquilo mesmo que então fazia; e não sendo necessário para o dito Procurador dar conta a Sua Majestade; ou a requerer na Junta, que precedentemente requeresse a derrama, se deixa bem ver que o ânimo dele Respondente naquele conselho era excitar o povo à sublevação, ex-vi de um requerimento inútil, que não podia ter outro efeito?

                Respondeu, que ele Respondente entendeu que por este modo se segurava melhor o Doutor Procurador da Coroa; que se se enganou no conselho, foi erro de entendimento, a que estão sujeitas todas as coisas, que não têm lei certa que as decida; que se o ânimo do Respondente losse excitar sedição, não diria que a derrama se não devia pôr, e que se devia representar a Sua Majestade por todo o Tribunal.

                E por ora houve o dito Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou estarem conformes, com o que respondido tinha, e sendo-lhe deferido o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele disse ter falado a verdade; e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Tomás Antônio Gonzaga

3ª Inquirição — Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com o Cônego Luís Vieira da Silva e Coronel Inácio José de Alvarenga — 04-08-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quatro dias do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da Sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração, formada em Minas Gerais, comigo Escrivão da Comissão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, preso incomunicável nas mesmas casas; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava .

               Foi perguntado; em que consistiam as práticas hipotéticas que ouviu, ou teve sobre o levante?

               Respondeu, que um dia lhe disse o Coronel Alvarenga, que em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula se tinha conversado largamente sobre interesses da Capitania; e que se tinha disputado, se nela se poderia fazer um Estado; e que o Respondente lhe respondeu que lhe parecia que sim; por ter os gêneros do ouro, e dos diamantes; e que passaram a falar sobre o modo, por que se deveriam administrar os ditos dois gêneros; por dizer o réu Respondente que o Excelentíssimo General lhe tinha dito que também havia de responder sobre esta matéria.

               Foi perguntado, se repetiu esta mesma prática mais algumas vezes com o dito Coronel Alvarenga; ou se teve esta, ou outras semelhantes conversações, com mais alguma pessoa?

               Respondeu, que lhe parece que não.

               Foi instado, que dissesse a verdade; pois lendo-se-lhe a ele Respondente uma parte das respostas do Doutor Cláudio Manuel da Costa, não negou que com ele tivesse praticado sobre a mesma matéria; e deve também declarar, quais foram essas práticas, que teve com o dito Doutor Cláudio?

               Respondeu, que a verdade é a que tem dito; e que esta resposta não se opõe a ela; porque é dada em continuação da resposta, que deu à pergunta que se lhe fez sobre a resposta do mesmo Doutor Cláudio Manuel da Costa; e que a conversa, que com ele teve, pelo que bem se lembra, foi a substância do que agora declara; e que lembrando-lhe alguma coisa mais, o declarará e confessará, sendo verdade.

               Foi perguntado, que certeza tinha ele Respondente, de que as pessoas com quem falava hipoteticamente sobre se formar um Estado na Capitania de Minas, não tomavam as reflexões dele Respondente, como um conselho, aproveitando-se da idéia que lhe ministrava para porem em execução os seus pérfidos intentos?

               Respondeu, que tinha a certeza moral, de que eles não seriam capazes de cometer semelhante atentado; e que nesta mesma ocasião lhe davam os ditos réus idéias mui opostas; porque o Tenente-Coronel Francisco de Paula nesse mesmo tempo lhe afirmava que ia para Portugal e o acompanhava até a Bahia para ver a terra; e que, quando foi para a lavra de seu sogro, se despediu do réu Respondente, dizendo-lhe que levava licença de três ou quatro meses; mas que não voltava a Vila Rica, sem que chegasse a licença para a sua retirada para Portugal; e o Coronel Alvarenga afirmava-lhe que se demorava à espera de que o Excelentíssimo General lhe desse um destacamento para a Campanha do Rio Verde; porque ia para lá viver com a sua família; e nesta inteligência, lhe pediu o Respondente, que lhe havia de patrocinar um filho de Ana Joaquina, soldado, que havia de pedir a Sua Excelência que o mandasse para o destacamento; e não está certo se nisto chegou a falar ao Excelentíssimo general; o que fazia, que nem lhe passasse pelo pensamento que os ditos réus tivessem semelhante intenção.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto, todas as razões que expõe, que os conjurados não tratavam seriamente da sublevação, são vozes que eles mesmos espalhavam para lhes servirem de desculpa no caso que o levante não tivesse efeito; lembrando-se de que lhes podia suceder o mesmo, que aconteceu; porque também o Vigário de São José dizia que ia para Lisboa, o que fez público, chegando até a largar a igreja; e contudo é certo que tratava seriamente do levante e isto mesmo praticaram os mais réus?

               Respondeu, que poderia ser muito bem disfarce; mas que o réu Respondente não tinha razões para desconfiar deste disfarce; e que por isso mesmo, que os réus se disfarçavam com ele, tinham razões para se disfarçarem, e não quererem que ele fosse sabedor dos seus verdadeiros desígnios.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto, tanto se não disfarçavam os conjurados com ele Respondente, que das respostas que deram às perguntas que lhes foram feitas, se colhe, que com ele Respondente falavam francamente; e as razões, que ele Respondente expõe, não provam que os ditos conjurados com ele Respondente se dissimulassem; porque as jornadas, e disposições dos mesmos conjurados, que ele Respondente declara, não eram um segredo, comunicado a ele Respondente só, eram vozes que se espalhavam para servirem agora de defesa; e como então tinham esse fim, e ele Respondente devia saber que com este intento se espalhavam, por isso agora se serve delas, como notícias públicas, que por isso mesmo provam a dissimulação com o público, mas não com ele Respondente?

               Respondeu, que se os co-réus declaram alguma coisa, de que se possa tirar presunção contra o réu Respondente, é falso, e sendo ele sabedor, destruirá seus ditos; e quanto ao mais o réu Respondente não usa da voz pública, que os co-réus espalhavam, usa das afirmativas particulares, que lhe fizeram; de que se tira que eles se queriam encobrir também particularmente com ele, e que nem o réu Respondente careceria de se valer destas mesmas para os reputar bons, enquanto não tivesse em contrário provas decisivas de seu intento.

               Foi instado, que dissesse a verdade; pois segundo as práticas dos réus, ainda hipoteticamente, não os podia reputar bons; porque nem ele mesmo Respondente podia deixar de reputar as ditas práticas criminosas?

               Respondeu, que ele não reputava criminosa uma mera prática de entretenimento de discurso, em que não supunha ocultação de delito.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto um homem de letras e de talento não podia deixar de reputar criminosas as práticas sobre a constituição de um Estado na Capitania de Minas, ainda que fosse hipoteticamente; porque o ânimo com que se proferem as palavras é oculto aos homens; e tanto reputavam ele Respondente e os mais réus as ditas práticas criminosas, que se acautelavam de falar na matéria diante de pessoas, de quem não tinham inteira confiança, que fossem do seu partido; de que se segue, ou que as ditas práticas não eram hipotéticas, como com efeito se prova; ou que ainda, sendo hipotéticas ele Respondente e os mais conjurados as reputavam criminosas?

               Respondeu, que nem lhe lembra que houvesse pessoa de quem ele se acautelasse.

               Foi instado, que dissesse a verdade, não afetando maliciosamente esquecimento; porquanto e constante dos Autos, que estando ele Respondente com alguns dos conjurados, e principiando a prática sobre o levante, deixou de continuar, dizendo-se expressamente que se não falasse em semelhante matéria, para que não ouvisse o Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira?

               Respondeu, que lhe não lembra de semelhante matéria, e que lhe parece que absolutamente é falsa.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Cônego Luís Vieira da Silva, e o Coronel

Inácio José de Alvarenga, também presos nos segredos das sobreditas casas, para com eles lazer acareação ao Respondente; e sendo aí presentes uns e outros, se reconheceram mutuamente pelos próprios, de que damos fé, como também de lhes ter sido deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, e lhes fez a acareação pela maneira seguinte.

               Foi-lhe lido nas respostas que o acareante Cônego Luís Vieira da Silva deu às perguntas que lhe foram feitas no apenso oitavo, o parágrafo a folhas sete, que principia — No dia seguinte — e sendo ouvido pelo acareante Cônego Luís Vieira, disse que era verdade tudo o que se continha no dito parágrafo, e que nem ele acareante o diria, se assim não fosse. Também foi lido o parágrafo folhas doze do apenso quarto das respostas, que o Coronel Inácio José de Alvarenga deu às perguntas, que lhe foram feitas, cujo parágrafo principia — Voltando ele Respondente da Paraopeba — sendo por ele acareante Inácio José de Alvarenga ouvido, disse que era verdade, o que no dito parágrafo, se continha; no que ambos acareantes responderam com certeza. E sendo ouvidos igualmente os ditos parágrafos pelo acareado disse que estava pelo que tinha dito, que não se lembrava de que ouvisse semelhante prática; e que requer que se tome ao Coronel Inácio José de Alvarenga, a declaração que faz a este respeito. E satisfazendo ao requerimento disse o acareante Inácio José de Alvarenga que tanto tem lembrança da prática, que referiu no dito parágrafo, que até lhe lembra que o acareado Tomás Antônio Gonzaga estava naquela ocasião na mesma varanda queixando-se de estar com princípio, e ameaço de uma cólica biliosa, que lhe costuma dar, embrulhado em um capote de baeta cor de vinho, e que pediu uma esteira ao Doutor Cláudio Manuel da Costa, sobre a qual se deitou no primeiro assento da varanda, descendo para o quintal; e que os dois acareantes, e o Doutor Cláudio Manuel estavam entrando pela porta da sala para a varanda sobre a parte esquerda, que bota para a rua, o Doutor Cláudio Manuel assentado, e o Cônego Luís Vieira em pé, e o acareante Alvarenga passeando na sala, e de vez em quando entrando na varanda e saindo, até quando uma vez se foi para casa de João Rodrigues de Macedo, e quanto a estar já deitado ou não o acareado, quando se falou nessa matéria, não tem certeza, e o certo é que a maior parte do tempo esteve deitado, porque já da mesa se vinha queixando.

               E sendo perguntado o acareante Cônego Luís Vieira se tinha lembrança se era certo o que o acareante Inácio José de Alvarenga acrescentava à sobredita declaração, disse que só se lembra que o acareado estava deitado, embrulhado num capote, mas que lhe não lembra a causa que o acareante Inácio José de Alvarenga refere; também lhe não lembra se quando houve a prática que ele acareante referiu no dito parágrafo, estava o acareado já deitado, ou não. Ao que nada mais respondeu o acareado.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida, acharam uns e outros estar conforme com o que respondido tinham. E declaro com o Ministro Escrivão assistente que todos neste ato estiveram livres de ferros, de que damos fé. E de tudo mandou fazer este auto o dito Conselheiro, o qual assinou com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, acareado, e ditos Cônego Luís Vieira e Coronel Alvarenga, o acareante, e o Ministro Escrivão assistente. E eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Inácio José de Alvarenga Peixoto O Cônego Luís Vieira da Silva Tomás Antônio Gonzaga

               E tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão os acareantes Luís Vieira, e Coronel Alvarenga, foram por mim lidas ao réu as perguntas que se lhe haviam feito neste ato, e as achou conformes com o que respondido tinha, declarando debaixo do juramento, já recebido, que tinha dito a verdade, no que respeitasse a terceiro, e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que em todo este ato esteve o réu livre de ferros de que damos fé. E de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente e Escrivão assistente. E eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Tomás Antônio Gonzaga

AUTO DE PERGUNTAS AO CÔNEGO LUÍS VIEIRA DA SILVA

Cobras 20-11-1789

INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 23-01-1790

INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 21-07-1790

INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago 23-06-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 20-11-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte do mes de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, onde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Cônego de Sé de Mariana, Luís Vieira da Silva, que se acha preso em custódia, e sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Cônego Luís Vieira da Silva, e vindo se procedeu com ele as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava Luís Vieira da Silva, que era filho de Luís Vieira Passos, e de Josefa Maria do Espírito Santo, natural da Freguesia do Ouro Branco, termo de Vila Rica, de idade de cinquenta e quatro anos, que era presbítero do Hábito de S. Pedro, e que nunca fora casado, e que era Cônego na Sé de Mariana, e com efeito, vendo-lhe o alto da cabeça, nela vi sinal de que andava tonsurado, do que dou fé.

               E perguntando-se-lhe, se sabia, ou suspeitava a causa da prisão.

               Respondeu, que quando foi preso, como se tinham feito tantas prisões e se falava na causa delas, que se dizia ser, por se querer fazer um levante na Capitania de Minas Gerais, e dizer a ele Respondente o Ajudante-de-Ordens Antônio Xavier de Rezende, que era preso para uma averiguação do Real Serviço, suspeitou logo que a sua prisão procedia da mesma causa, e muito mais por lhe terem dito que o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago dizia por Vila Rica, que ele Respondente era entrado na mesma sublevação, e levante; porém o que a princípio, e ao tempo da sua prisão ele Respondente soube unicamente por suspeita, agora o sabe com toda a certeza em razão das perguntas que se lhe fizeram em Vila Rica, na Devassa a que sobre este fato se procedeu na dita Vila pelo Ouvidor, e Corregedor da dita Comarca, Pedro José de Araújo Saldanha, sendo Escrivão o Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti.

                E sendo perguntado, o que sabia da sublevação, e levante, que se premeditava fazer na Capitania de Minas Gerais.

                Respondeu, que governando ainda a Capitania de Minas Gerais o Ilustríssimo e Excelentíssimo Luís da Cunha Menezes, várias pessoas, que iam desta Cidade do Rio de Janeiro, das quais se não recorda, diziam que andava nesta cidade um alferes, chamado por alcunha — o Tiradentes —, de cujo nome se não lembra, convocando gente para um levante, e havendo quem dissesse isto mesmo ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Luís da Cunha Menezes, que então governava a dita Capitania; ele dissera que dessem naquele maroto com um chicote; porque era um bêbado, e que desde então até ao tempo em que se prenderam o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e outros, nada mais ouviu a este respeito; depois das ditas prisões, entrou-se a romper, que o mesmo Alferes — Tiradentes — andava por Vila Rica por casa de várias meretrizes a prometer prêmios para o futuro quando se formasse uma República.

                E sendo instado que dissesse a verdade; pois sendo entrado na sublevação, e motim, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, havia de saber dela mais do que tinha declarado.

                Respondeu, que nem era entrado na dita sublevação, e motim, nem a este respeito sabia mais coisa alguma.

                E sendo perguntado quais eram as pessoas de sua amizade em Vila Rica, na de S. João del-Rei, e na de S. José, e se com elas tinha conversado sobre a matéria do levante, ou se lhes tinha ouvido alguma coisa a este respeito.

                Respondeu, que em Vila Rica tinha amizade com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, com o Dr. Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, com João Rodrigues de Macedo, e o Padre José Martins, em S. João del-Rei com o Doutor Inácio José de Alvarenga, com o Doutor Bernardo da Silva Ferrão, com o Doutor Vigário da Vara, José Baptista da Silva, e Joaquim Pedro Caldas, e na Vila de S. José com o Vigário dela, Carlos Correia de Toledo, e o Doutor Domingos José de Souza, e que com nenhum deles conversou sobre semelhante matéria, nem lhes ouviu a este respeito coisa alguma.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual faltava; pois havia quem dissesse que ele tratava sobre esta matéria do levantamento com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, com o Coronel Inácio José de Alvarenga, com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e com outros, estando juntos.

               Respondeu, que pelo que respeita ao Coronel Alvarenga, não podia ajuntar-se com ele, e os mais em semelhantes conversações; porquanto mora na Campanha, uns poucos de dias de viagem distante de Vila Rica, e no tempo em que o dito coronel esteve na referida Vila, não foi a ela o Respondente; e quanto aos mais, algumas vezes conversou com eles, porém nunca em sublevação ou motim, que pretendesse fazer-se, nem em coisa que tivesse relação com semelhante negócio, ou que a ele Respondente o fizesse desconfiar de que houvesse semelhantes intenções.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, pois se ele Respondente proferia proposições sediciosos, como cra dizer que um príncipe europeu não tinha direito à América, que ela era um país lhre, que El-Rei não tinha gasto coisa alguma em conquistá-la, que os nacionais tinham restaurado a Bahia dos holandeses, e comprado o Rio de Janeiro aos franceses, e isto a um sujeito, ao qual não numera entre os da sua amizade, assim como também consta que ele réu Respondente proferia tais proposições respectivas à América perante outro sujeito, ao qual também não numera entre os da sua amizade, que este chegou a dizer que se fosse rei, lhe mandaria cortar a cabeça sem embargo de ser seu amigo. e se ele réu Respondente dizia estas coisas tão agravantes perante sujeitos, que não eram da sua particular amizade, como deixaria de as proferir, e tratar com os numerados seus amigos, tão propensos para isto mesmo, que consta serem entrados na conjuração premeditada.

               Respondeu; primeiramente, alguém há de ter direito a estes países; os nacionais não, que são oriundos da Europa, e já nasceram vassalos; logo todo o direito do país pertence ao seu soberano: A Bahia, ou Pernambuco foi restaurado dos holandeses com as armas do mesmo soberano, é falso que a Majestade não gastou nada na sua conquista, pois da história consta o contrário, e por todas estas razões têm os monarcas portugueses todo o direito a estes países; estes são, e foram sempre os sentimentos dele Respondente, e se há quem diga o contrário, só pode proceder de um ânimo danado, e de intenção tão péssima, que queira perder a ele Respondente por este meio, e assim mal poderia ter semelhantes conversas com pessoa alguma.

               E sendo instado, que as razões que dava não concluíam para desfazer os ditos das testemunhas; pois ainda que ele Respondente conhecesse a falsidade das proposições, se cias condiziam para favorecer os seus desígnios, havia de usar delas, como faz o pecador, obrando mal, e conhecendo-o, por satisfazer a sua vontade, assim como também têm feito outros povos, que se tem rebelado, por quererem sair da sujeição do príncipe que os governava, sem consultarem, se legítima ou ilegitimamente o faziam; e ainda que ele Respondente diga que poderá alguma pessoa de perverso ânimo jurar contra ele para perdê-lo, isto se desvanece sendo mais que uma as pessoas que depõem, e concorrendo além disso alguns indícios, como era dizer que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, atual Governador, e Capitão-General de Minas Gerais se ensaiava para embaixador, porém que nunca o havia de ser.

               Respondeu, que não é de presumir que ninguém obre mal somente por querer obrar mal; esses povos, que se rebelaram, conhecendo que obravam mal, algum interesse haviam de ter, com que pretendessem patrocinar a sua causa, como “verbi gratia”, o livrarem-se de alguma opressão, o que não aparece na Capitania das Minas Gerais; no que respeitava aos acusadores ou testemunhas, não pode ele Respondente dizer mais do que tem respondido; porque ignora quem eles sejam: Enfim à última cláusula responde que só pode ser ditada pela mais refinada malícia para interessar por esse meio contra o Respondente a aversão do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, dito que por si se convence de falso; pois não é esse o despacho ordinário dos Excelentíssimos Generais do Ultramar, e por isso mal poderia vir à lembrança dele Respondente.

               E sendo instado, que nada convencia para a defesa a sua resposta, pois nenhuma razão de diferença se dá entre os povos, que conhecemos rebelados, e os deste país, igualmente estes, como aqueles podem ter causas que favoreçam os seus desígnios, como seria por uma parte, a figuração da diferente fortuna principalmente aos cabeças da conjuração, entre os quais se conta a ele réu Respondente, como um dos que haviam de fazer as leis, e assim disporia ele as coisas a seu favor, saindo do estado de cônego, em que não tem mais do que trezentos mil réis de côngrua, que apenas chegam para uma módica sustentação por outra parte, quererem livrar-se de alguns tributos, como era presentemente o da derrama, que estava para se lançar, cuja ocasião ele réu Respondente achava a mais própria para ter o ânimo do povo disposto, e por isto premeditava que uma das primeiras coisas seria também tomarem-se os quintos para principiar a subsistência da República, em cujas circunstâncias ele réu Respondente devia declarar tudo o que sabia a este respeito, pelo que era instado.

               Respondeu, que há diferença muito grande entre alguns povos, que se rebelaram nas causas, que para isto tiveram, e os da Capitania de Minas Gerais, pois a que se assina da derrama na instância não podia influir pela Carta Circular a todas as Câmaras, do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, em que lhes segurava o não lançar-se sem se dar conta a Sua Majestade, e por isso, como ele Respondente não vai atrás do maravilhoso, não podia pensar que pudesse mover os ânimos dos povos a uma sublevação, o qual não se move senão com fatos de presente; e no que respeita à feitura das leis; não podia lembrar ao Respondente, por não ter na sua intenção objeto a que servisse, nem menos aprender os Reais Quintos para o primeiro fundamento de uma República, que não pretendia estabelecer, nem lhe tinha vindo à lembrança.

               E sendo instado, que dissesse, a verdade; pois a sua mesma resposta dava um claro indício da sua culpa, visto que nela pretende mostrar que não havia motivos, nem meios para se fazer a sublevação, querendo assinalar razões de diferença, quando nenhuma há entre os dois pontos principais, que são perceber o lucro, e evitar o dano, e isto faz ver que o réu Respondente, só excluindo que tivesse havido, ou fosse possível haver a dita sublevação é que poderia mostrar-se isento de ter entrado nela, ao mesmo tempo que ele réu Respondente não pode entrar em dúvida da pretensão, quando confessou, que já no tempo do Ilustríssimo e Excelentíssimo Luís da Cunha, Governador daquela Capitania, houve quem falasse naquela pretensão, sendo certo que se não trata de ser o negócio bem ou mal empreendido, com boas ou más causas, com bem ou mal lançadas medidas, é sem dúvida, que sem ir atrás do maravilhoso, como se tratava de lançar a derrama, ainda que se suspendesse, restava a decisão, que poderia vir contrariar a vontade dos povos, e além disso quando ela se suspendeu pela conta, já estava tramada a conjuração, e quase em termos de se executar; pelo que tudo deve o réu Respondente declarar o que sabe, pelo que novamente é instado.

               Respondeu, que não sabe por que razão seja indício de culpa responder segundo os sentimentos próprios, quando é perguntado por eles, as respostas dele Respondente só tendem a mostrar os fundamentos, por que não seguiria semelhante partido, quando fosse para isso convocado, prescindindo inteiramente de que houvesse, ou não, quem tivesse semelhantes idéias: Sabe que na feliz aclamação de El-Rei Dom João o quarto, sendo uma causa tão justa, e tanto da vontade dos povos, perguntou, segundo a sua lembrança, Dom João da Costa, quais eram os generais, as armas, as alianças, os soldados, que tinham prontos para se levantarem contra as armas de Castela, e que isto foi bastante para se suspender a ação por oito dias, e talvez se não executasse, se nisso não estivesse o maior perigo; e como poderia pensar que tivesse efeito a sublevação de Minas falta de tudo o necessário, e cercada das outras Capitanias: Em segundo lugar, ele Respondente não vê interesse nenhum próprio na sublevação; porque não foi para isso convidado, nein aceitaria o partido, quando o fosse, e menos evitar o dano se é este obedecer aos superiores, e evitar tributos, quando se não pode assinalar governo algum, em que os não haja: No que respeita a saber o Respondente, que se tratava da conjuração, pof lhe falarem no Alferes — Tirandentes — a isso responde, que além de passar no seu conceito por uma ação, ou idéia de loucura, era um fato acontecido no Rio de Janeiro, e não em Minas; enfim se estava, ou não tramada a conjuração, quando se suspendeu a derrama, ele Respondente inteiramente ignora, e que tudo quanto tem dito, se deve entender do que ele obraria sem se embaraçar com os mais. E por esta forma houve o dito Desembargador por ora estas perguntas por feitas, e acabadas, e deu juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade, pelo que respeita a direito de terceiro, e assinou o dito Desembargador com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto O Cônego Luís Vieira da Silva José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza das Ilha das Cobras — 23-01-1790

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos vinte e três do mês de janeiro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para a mesma Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se continuarem perguntas ao Cônego Luís Vieira da Silva que se acha preso em custódia na dita Fortaleza, aí mandou o dito Desembargador vir à sua presença ao dito Cônego Luís Vieira da Silva, e vindo se procedeu com ele a continuação de perguntas na forma seguinte.

                E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntado-se-lhe, se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                Respondeu, que eram as mesmas, e de novo as ratificava.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual tinha faltado em não declarar o que sabia a respeito da conjuração que se premeditava fazer em Minas Gerais; pois tanto ele Respondente o sabia, que tinha assistido a conversações, em que se tratou a matéria, em diferentes lugares, o que devia dizer, declarando as pessoas, e as mais circunstâncias.

               Respondeu, que até agora tinha faltado a dizer a verdade, por considerar duas coisas, uma, que a pretensão estava inteiramente desvanecida, e que o Estado estava por isso fora de perigo, outra, que o Respondente, conhecendo a delicadeza deste negócio, e por conseguinte a sua culpa, considerava que não devia entregar-se a si mesmo; mas hoje, cuidando só dos seus deveres, tratando, como mais importante, do bem espiritual, sem se embaraçar com o corpo, vai dizer tudo o que sabe, cumprindo com isso as obrigações de fiel vassalo, para que Sua Majestade tome as providências que for servido, e mesmo a respeito dele Respondente execute a sua vontade, caso não mereça a sua piedade, como implora, e espera.

               Que no tempo em que se tratava esta conjuração e sublevação, não foi o Respondente a Vila Rica, nem falou com pessoa alguma dos entrados nela, até que sendo pelo meio do mês de março do ano de mil setecentos e oitenta e nove, pouco mais ou menos, lhe perguntou na Cidade de Mariana, Faustino Soares de Araújo, se sabia da conjuração, e levante, que se premeditava, ao que ele Respondente lhe disse que ignorava tudo, pois não tinha falado com nenhum dos conjurados, que lhe declarou serem o Coronel Inácio José de Alvarenga, e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, nem ele Respondente o tinha ouvido dizer a pessoa alguma; porém vindo ele Respondente a Vila Rica, na ocasião das exéquias do Príncipe, pregar nelas, se encontrou com o Doutor Inácio José de Alvarenga, e o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, em casa deste, perguntou por esta matéria da conjuração, e levante premeditado, por curiosidade, e disse o Desembargador Tomás Gonzaga estas formais palavras — a ocasião para isso perdeu-se —, e dizendo ele Respondente, que se não podia fazer a tal sublevação, e conjuração, e subsistir sem a união da Capitania do Rio de Janeiro, e apreenderem-se os Reais Quintos, respondeu o Coronel Inácio José de Alvarenga, que não era necessário; pois bastava meter-se em Minas sal e ferro, e pólvora para dois anos. Nisto não sabe ele Respondente quem entrou, e se não falou mais na matéria.

               No dia seguinte, ajuntando-se ele Respondente em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, aonde foi jantar, o Intendente de Vila Rica, Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Coronel Inácio José de Alvarenga e mais dois clérigos de cujos nomes se não lembra, na referida casa tornou a tocar na mesma conjuração, e levante, que se premeditava fazer, estando só presentes ele Respondente, o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e não se lembra se também esteve presente o Doutor Cláudio Manuel da Costa, nem se lembra especificamente do que nesta conversa se disse por ser muito de passagem, andar passeando o Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, e dizer o Coronel Inácio José de Alvarenga, que se não falasse sem semelhante matéria, para que não ouvisse o dito Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira.

               Na tarde deste mesmo dia, se recolheu ele Respondente para a cidade de Mariana, e nem falou mais nem ouviu falar mais em semelhante matéria, até que se fizeram as prisões por este mesmo respeito nesta Cidade do Rio de Janeiro, e em Vila Rica, e que isto, que dito tem, é tudo quanto na realidade se passou, sem haver mais coisa alguma; pois ele Respondente, tendo-se deliberado a dizer o que soubesse, tem feito consigo todos os exames, e nada mais lhe ocorre, e algumas das coisas, que lhe são apontadas, que tem sido ditas por algumas testemunhas não são verdadeiras; pois que tendo ele Respondente dito o mais, não deixaria de dizer o menos, principalmente sendo coisas que só serviam de indícios.

               E sendo instado, para que completamente dissesse toda a verdade; pois constava que algumas potências estrangeiras pretendiam favorecer o intento, e era natural que isto fosse comunicado a ele Respondente; assim como também se eram entradas algumas pessoas desta cidade, e Capitania do Rio de Janeiro, ou da de São Paulo, o que tudo deve dizer individualmente.

               Respondeu, que nada sabe, nem ouviu dizer a esse respeito, e que se o tivesse ouvido, já antecedentemente o teria declarado, nas instâncias que lhe foram feitas. E nesta forma houve o dito Desembargador estas perguntas por ora por findas, e acabadas, e deu o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade, pelo que respeita ao direito de terceiro, e as assinou, e o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade, e declaro que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto O Cônego Luís Vieira da Silva José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 21-07-1790

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos vinte um dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Cônego Luís Vieira da Silva, que se achava preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

                E sendo-lhe lidas as perguntas antecendentes, e perguntando se estavam conformes, e se as ratificava?

                Respondeu, que estavam conformes e que as ratificava.

                Foi mais perguntado, se sobre a sedição, e levante, que se pretendia fazer na Capitania de Minas, sabia mais alguma circunstância, ou particularidade, que agora devia declarar?

                Respondeu, que não tinha ouvido mais do que já tinha referido nas perguntas antecendentes.

                Foi mais perguntado; quantas vezes antes ou depois das exéquias, em que veio pregar a Vila Rica, esteve na dita Vila no ano de mil setecentos e oitenta e nove?

                Respondeu, que passou por Vila Rica, vindo de casa de sua mãe, pelas vésperas do entrudo do sobredito ano, e se recolheu para a cidade de Mariana; e não tornou a Vila Rica senão na ocasião das exéquias do Príncipe, em que pregou.

               Foi perguntado, nessa ocasião, em que declara ter passado de casa de sua mãe por Vila Rica, quantos dias aí se demorou, em casa de quem esteve, e as pessoas com quem falou ?

               Respondeu, que não tinha lembrança dos dias que se demorou na dita Vila; mas que foi pouco tempo, e seria de um até dois dias; que tinha sido hóspede de João Rodrigues de Macedo, onde costumava hopedar-se: E que se lembra de ter ido à casa do Desembargador Intendente; e que se nessa ocasião falou com o Desembargador Gonzaga, foi em casa daquele Intendente.

               Foi mais perguntado, se a prática, que ouviu a Faustino Soares sobre o levante, foi antes ou depois desta passagem, que fez por Vila Rica?

               Respondeu, que aquela prática fora muito depois da dita passagem, que fez por Vila Rica; e que tinha sido pouco mais ou menos pelas vésperas das exéquias, a que veio pregar, como já disse.

               Foi perguntado, se na ocasião das exéquias, em que veio pregar a Vila Rica, se demorou aí muitos dias, e as práticas que teve além das que ficam referidas nas suas respostas?

               Respondeu que viera para Vila Rica no mesmo dia das exéquias de manhã, aí ficara nesse dia, e no seguinte, e no terceiro se recolheu para a Cidade de Mariana; e que sobre a matéria do levante não tivera mais práticas do que aquelas que já referido tem nas respostas antecendentes.

               Foi perguntado, como foi a prática circunstanciadamente, que teve com o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga na ocasião em que este lhe disse que se tinha perdido boa ocasião para o levante?

               Respondeu, que nessa ocasião não houvera mais do que ele Respondente perguntar ao Coronel Inácio José de Alvarenga, que notícias lhe dava de um levante, que se queria fazer; e responder na mesma ocasião o Desembargador Gonzaga — a ocasião para isso perdeu-se. E o Coronel Inácio José de Alvarenga nada disse a isto; porém dizendo ele Respondente, que o levante se não podia fazer sem a união da Capitania do Rio de Janeiro, respondeu então o Coronel Alvarenga que metendo-se aço, ferro, e pólvora, e sal para dois anos, que estava tudo feito; e não houve mais nada, ou outras palavras nesta matéria nessa ocasião, por ter entrado na sala pessoa de que se não lembra.

                Foi perguntado; se, quando o Desembargador Gonzaga disse que para o levante se tinha perdido boa ocasião, se tinha falado na suspensão da derrama, ou em outra circunstância, a que se pudesse aplicar a perda de se poder fazer o levante?

                Respondeu que não tem lembrança de que naquela ocasião tivesse com os dois acima ditos falado antecedentemente àquela expressão do Gonzaga em coisa alguma da derrama, ou outra coisa, a que fasse aplicável aquela expressão do dito Gonzaga: e não está agora certo, se a carta circular do Governador de Minas para a suspensão da derrama tinha já saído, ou não.

                Foi mais perguntado, quem foi que principiou a mover a prática da sublevação na ocasião do jantar que houve em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, como ele Respondente declarou,

                Respondeu que não tinha lembrança de quem tinha sido o que tinha principiado, se tinha sido o Alvarenga, ou se tinha sido ele Respondente, nem do que na dita prática, se disse; somente lhe lembra dizer o Doutor Alvarenga — não falemos nisso, para que não ouça o Doutor Intendente.

                Foi mais perguntado pela razão que tinham para se acautelarem do Desembargador Intendente, e para não quererem que ele ouvisse aquela prática?

                Respondeu, que nessa ocasião não se deu a razão por que se não queria que ouvisse o Desembargador Intendente; mas é de presumir que fosse para que o dito Intendente não desse alguma denúncia.

               Foi mais perguntado, se quando Faustino Soares deu a ele Respondente a notícia do levante, e das pessoas que nele entravam, segundo declarou nas respostas antecendentes, disse a ele Respondente mais alguma circunstância; e a mais prática que teve com o dito Faustino; pois naturalmente havia ele Respondente de querer certificar-se de que a dita resposta era verdadeira, ou não; e que procurando saber, donde o dito Faustino tinha adquirido aquela notícia para combinar a possibilidade, ou impossibilidade do efeito por ser uma matéria de tanta importância?

               Respondeu, que Faustino Soares não respondeu à pergunta que ele Respondente lhe fizera; mas sim que o dito Faustino Soares perguntara a ele Respondente, se tinha notícia do levante, que se intentava fazer pelo Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Doutor Alvarenga, ao que ele Respondente disse que nenhuma notícia tinha, e que havia muito tempo se não encontrava com eles, e que depois, se não lembra se por efeito de pergunta sua, ou por motu próprio daquele, lhe disse o mesmo Faustino, que quem lho tinha comunicado, fora o mesmo Vigário de São José; e que dizendo-lhe o dito Faustino, que isso não podia ser, ou que isto não podia ter efeito, ao mesmo Vigário, lhe respondera este Vigário, que era fácil, porque o Tenente-Coroncl Francisco de Paula era o amor do seu Regimento, e assim que ele dissesse que não se embaraçasse a ação, que estava feita; e que não tem lembrança de mais circunstância, que houvesse na prática, que teve ele Respondente com o dito Faustino; nem com ele falou mais nesta matéria.

               Foi instado, que dissesse a verdade, que ainda não tinha dito completamente; porquanto consta que além das práticas, que tem referido, ele Respondente era o mais empenhado no dito levante; que se instruía nas leis, e governo da América inglesa; que falava com mais gosto e complacência no estabelecimento daquela República, no sucesso com que os ditos americanos ingleses sustentavam, e se mantinham na sua rebelião; e que proferia a respeito deste continente expressões sediciosas para excitar os nacionais ao levante, e justificar a razão que tinham para intentarem aquela ação; e que agora devia declarar tudo com verdade?

                Respondeu, que não era empenhado no dito levante; porquanto se fosse, seria para isso convidado pelos conjurados; e se lhe daria parte na ação premeditada, o que não tinha acontecido; que nega, que se instruísse a fundo na matéria do governo e constituição da República da América inglesa; só sim como homem curioso e aplicado os tinha lido; nem julgava delito contra Portugal o gostar ele Respondente, que os Americanos ingleses tivessem dado aquele coque à Inglaterra; porque foi nação, por quem ele Respondente nunca teve paixão, e que nega inteiramente que ele Respondente proferisse proposições sediciosas com intento de mover os nacionais deste continente à sedição, e poderia haver algum discurso, de que se não lembra, que só seja agravante nas circunstâncias do tempo.

                Foi instado, que dissesse a verdade, que pretende dissimular na sua resposta; porquanto, tanto estava ele Respondente falado pelos sócios da conjuração, e tanto conheciam eles que ele Respondente era do seu partido, que na ocasião que teve de falar com alguns, nunca se reservaram dele Respondente, nem acautelaram para deixar de falar no levante: de que se convence, que os ditos sócios estavam bem certos do seu ânimo, e da sua vontade; porque de outro modo, teriam medo que ele os denunciasse, assim como se temeram do Desembargador Intendente, como ele Respondente deixa referido na sua resposta; que tanto se instruía a fundo no governo, e constituição da América inglesa, que estas eram as suas práticas quotidianas com os sócios da conjuração, quando estava em Vila Rica; sem que em nenhuma outra matéria ordinariamente falasse; o que chegava a fazer escândalo e aborrecimento aos fiéis Vassalos de Sua Majestade, que o ouviam; que o falar, e gostar, que os Americanos ingleses dessem um coque nos nacionais da Inglaterra, não seria delito para Portugal, mas mostra bem o ânimo de oposição à Monarquia, e afeto ao Governo Republicano por efeito de rebelião; porque este era o estado da causa entre os americanos e os ingleses: — Que é certo, e ele Respondente se não atreve a negar absolutamente, que pudesse proferir palavras, que podiam reputar-se sediciosas, segundo as circunstâncias do tempo, mas que isto o não desculpa; porque como ele Respondente sabia as circunstâncias do tempo, pela notícia que lhe tinha dado Faustino Soares, não pode negar que o seu ânimo, proferindo as ditas expressões, fosse de excitar à sedição e rebeldia?

               Respondeu, que a razão da instância primeiro ponderada, prova que os outros conjurados supusessem, que ele Respondente fosse do seu partido; porém que não prova que o ânimo dele Respondente fosse de entrar na conjuração, nem que para isso o tivessem associado, pois de nada lhe tinham dado parte: Que negava que a sua conversa com os sócios da conjuração e com os mais, fosse sempre, e ordinariamente sobre o governo, e constituição da República inglesa; porque a conversa dele Respondente sempre foi vária sobre os diversos pontos que se tocavam; e que nunca percebeu, que ninguém se escandalizasse da sua conversa, porque nunca foi em matéria que causasse escândalo: Que quanto a ter mostrado gosto no coque dado pelos americanos aos ingleses ser mostrar gosto e afeto à República, e oposição à Monarquia, por efeito de Rebelião; respondeu, que a consequência se não segue necessariamente das premissas; e que se refere à resposta, que já disse sobre o mesmo ponto; e que não tem lembrança, depois da notícia, que lhe deu Faustino Soares a respeito do levante, que proferisse essas palavras, que as circunstâncias do tempo fizessem agravantes, sem que em outro tempo o fossem; nem tem lembrança, que deixasse de as proferir; e que lhe parece que não as proferiu; e se acaso as proferiu, nega que o seu ânimo fosse de excitar a sedição.

               Foi instado, que dissesse a verdade, que ainda dissimulava; porque dizendo que os sócios da conjuração falavam no levante na presença dele Respondente na suposição de que ele fosse do seu partido, é evidentemente querer ele Respondente desfigurar a verdade; porque em matéria de tanta suposição, e importância, de tanta consequência, e risco para os conjurados, nenhuma pessoa, que tenha senso comum poderá persuadir-se que os conjurados falassem sem certeza de que a pessoa, diante de quem tratavam semelhante matéria, era do seu partido e que não havia de denunciá-los; e se os ditos sócios do levante se regulassem por suposição, e não por certeza, também podiam deixar de se acautelar do Desembargador Intendente, supondo que ele os não denunciaria?

               Respondeu, que o argumento labora em um suposto falso, de que os conjurados tratassem essa matéria diante dele Respondente; porque não houve mais do que as respostas à pergunta que fez ao Coronel Alvarenga, segundo tem declarado.

               Foi instado, que cada vez mais notoriamente queria confundir a verdade; porquanto já confessou que falariam na sua presença por suposição de que ele Respondente fosse do seu partido; e agora vendo-se convencido, com o argumento de que em uma matéria de tanta importância, qual era a do levante, e de tanto risco para os sócios, se não falava diante de uma pessoa por suposição sem certeza, de que ele Respondente os não havia de denunciar, recorre a uma resposta frívola, que nada conclui para a instância?

               Respondeu, que todos os seus ditos recaem sobre a pergunta feita ao Doutor Alvarenga, e a resposta que se lhe deu nas ocasiões, como já tinha referido.

               Foi instado, que não quissesse confundir a verdade, porquanto se trata da prática, que se principiou em casa do Doutor Cláudio, e que não continuou por cautela, e receio, de que pudesse ouvir o Desembargador Intendente, na qual é que recai a instância de que os sócios, que estavam presentes, não tiveram dúvida em principiar a prática sobre o levante na presença dele Respondente; e só a não continuaram por medo do Desembargador Intendente?

               Respondeu, que estava pela mesma resposta dada; pois não se principiaria a falar sobre semelhante matéria, se ele Respondente não tivesse feito a pergunta no dia antecedente ao Doutor Alvarenga; e que se funda para dizer isto, porque nunca nenhum deles lhe tinha falado em semelhante matéria em outro tempo, como todos poderão dizer.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro por ora por feitas estas perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente as achou conformes, como respondido tinha: e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade: e com o Ministro Escrivão assistente declaro, que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares cla Rocha José Caetano César Manitti O Cônego Luís Vieira da Silva

2ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago — 23-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e três dias do mês de junho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo Escrivão ao diante nomeado, e Escrivão assistente, o Doutor José Caetano César Manitti, para efeito de se continuarem perguntas ao Cônego Luís Vieira da Silva, preso incomunicável nas mesmas casas; e sendo aí o dito Ministro Conselheiro mandou vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes; e perguntado o Respondente, se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi novamente instado, que dissesse a verdade, porque até da sua última resposta nas perguntas antecedentes se conclui que ele Respondente era sócio, e um dos cabeças da sublevação, que se pretendia fazer na Capitania de Minas; porquanto se os confederados não tivessem comunicado com ele Respondente coisa alguma sobre o levante; nem o tivessem por sócio, lhes faria grande estranheza e perturbação, que ele Respondente na ocasião em que falou com o Coronel Alvarenga, e com o Desembargador Gonzaga, em casa deste, lhe falasse, e perguntasse pelo levante; e não deixariam de examinar o modo, e a pessoa, de quem ele Respondente tivera aquela notícia porém, que não fazendo ao dito Coronel Alvarenga, e Desembargador Gonzaga novidade alguma, de que ele Respondente soubesse ou tivesse notícia do levante, se vê bem que eles sabiam que ele Respondente estava instruído daquele negócio?

               Respondeu, que as razões de congruência estão muito bem ponderadas; porém — multa sunt falsa probabiliora veris; e que por essa razão requer, como resposta à instância, que sejam perguntados os sócios da conjuração, se em alguma ocasião fizeram na presença dele Respondente algum discurso sobre semelhante matéria, ou se lhe tinha dado parte dela, ou convidado, ou de qualquer outra forma soubessem que o Respondente era dela sabedor, fora do que já tem referido; e à razão, que teve o Coronel Alvarenga para não estranhar a sua pergunta não pode responder coisa alguma, por não ser ação sua.

               Foi instado, que dissesse a verdade; pois tanto sabia ele Respondente especificamente da conjuração, e tanto era sócio interessado nela, sabendo os particulares que havia na matéria do levante, que em certa ocasião, falando com certa pessoa, na loja das casas de João Rodrigues de Macedo, aí disse que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, era um homem animoso, e o abonou, e que se houvesse muitos como ele, seria o Brasil uma República florente; o que mostra bem que ele Respondente sabia que o dito alferes era o motor do levante, o mais interessado, e o principal cabeça da conjuração, proferindo na mesma ocasião outras proposições pelas quais pretendia justificar a ação do levante?

               Respondeu, que sendo já perguntado por esse fato, o discorrendo sobre ele não pode vir à lembrança dele Respondente, que tivesse semelhante conversa; razão por que nega que a tivesse; porque semelhante deposição só pode nascer de algum homem, que queira fazer serviços por esse modo.

               E logo mandou o mesmo Conselheiro vir à sua presença o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, para efeito de fazer com ele acareação ao Respondente; e sendo aí presentes, acareante e acareado se reconheceram mutuamente pelos próprios de que damos fé, como também à ser-lhes deferido juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, e debaixo dele prometeram dizer a verdade; e lhe fez a acareação pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lido o parágrafo folhas sessenta do juramento que prestou o acareante Basílio de Brito Malheiro nesta Devassa, o qual diz assim — Que procurando ele testemunha posteriormente ao Cônego Luís Vieira, falando com ele nesta Vila na loja das casas de João Rodrigues de Macedo, e aí andando ele testemunha a passear com o dilo Cônego, lhe disse este que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, era um homem animoso, e o abonou; e que se houvesse muitos como ele, seria o Brasil uma República florente; e que um príncipe europeu não podia ter coisa alguma com a América, que era um país livre; que El-Rei de Portugal nada gastara nesta conquista; que os nacionais já a tiraram aos holandeses, fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir para cia; que os franceses tomaram o Rio de Janeiro, e que os moradores da cidade a resgataram com o seu dinheiro; e ultimamente concluiu, que esta terra não podia estar muito tempo sujeita a El-Rei de Portugal; porque os nacionais queriam fazer uma República; e mais disse a ele testemunha outras coisas semelhantes, que todas se encaminhavam ao fim da liberdade, que pretendiam. — E sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o que se contém no dito parágrafo, que fica referido, disse o acareante Basílio de Brito Malheiro, que estava bem certo, e lembrado, de que o acareado lhe dissera tudo o que se contém no dito parágrafo, e outras coisas mais, semelhantes, que ele acareante não declarou, porque todas vinham a dizer o mesmo, que depôs; e que ele acareado devia estar bem certo de que lhe tinha dito tudo quanto ele acareante declarou nesta matéria; o que tudo afirmou o acareante com a maior constância, e firmeza; e o acareado respondeu, que mal poderia ter a referida conversa com o acareante, quando na ocasião referida inteiramente ignorava a sublevação; porque tendo-se ela tratado no tempo em que ele acareado se achava fora da Vila, e da cidade, não lhe podia vir a notícia; e quando houvesse de falar em semelhante matéria, nunca havia de ser com o acareante; no que persistiu também firme e constante o acareado. Ao que respondeu o acareante, que tanto era verdade ter o acareado dito a ele acareante, o que referiu no dito juramento, que já muito antecipadamente, havia anos, tinha ele acareante ouvido ao acareado outras proposições, quase semelhantes, dizendo que qualquer príncipe, ou pessca de sangue real, que viesse a este Continente, poderia levantar-se com ele; e que estas eram as idéias do acareado. Ao que disse o acareado, que o ponderar que poderia o Brasil seguir a um príncipe da Casa Real, que cá viesse, não tem nada com a sublevação presente, porque são discursos que muitas vezes ocorrem em uma conversação, sem que daí se sigam idéias de sublevação. E ficando cada um firme no que fica declarado, se não pode descobrir a verdade no que cada um disse. E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida, a acharam conforme, como respondido e dito tinham; e de tudo mandou o mesmo Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

V asconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Basílio de Br.to Malheiro do Lago O Cônego Luís Vieira da Silva

               E logo no mesmo ato, tendo o dito Conselheiro mandado sair o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, continuou com o réu as perguntas pela forma seguinte.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porque do modo que declarou na acareação antecendente, se colige que ele Respondente sabia, e era sócio da conjuração; porquanto declarou que quando se tratou da conjuração em Vila Rica, estava ele Respondente fora da dita Vila, sinal evidente de que ele sabia quando se tratara da sublevação; nem o estar fora da Vila prova que não soubesse de tudo o que se tratava, o que losse sócio o mais empenhado dos conjurados; porque havia muitos sócios, que nunca estiveram em Vila Rica nas ocasiões dos convenlkulos, que se faziam para a sublevação e nem por isso deixavam de saber tudo o que se tratava, e de prometerem o seu concurso; de forma que, provando-se pela declaração dele Respondente, que sabia quando se tratava do levante, não o exclui da sociedade dizer que estava fora daquela Vila nessa ocasião?

                Respondeu, que o saber que se tratava da conjuração no tempo em que ele Respondente esteve fora da Vila, e da cidade, para isso era bastante o ter-lhe dito Faustino Soares, que quem tratava dela era o Coronel Alvarenga, e o Vigário de São José; os quais estiveram na Vila no tempo da ausência dele Respondente; e quando se recolheu já se tinham retirado: no que respeita à segunda parte da instância, que muitos eram os associados sem que estivessem na Vila no mesmo tempo, responde que esses seriam convidados, e prestariam o seu consentimento, o que nada houve com o Respondente, como podem depor os mesmos associados.

                Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto Faustino Soares não disse a ele Respondente, segundo o que declarou, onde o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Alvarenga tratavam da sublevação; e tendo o dito Vigário e Coronel Alvarenga falado ambos na Vila de São José, onde podiam tratar da dita sublevação, bem se vê, que assinalando ele Respondente o lugar de Vila Rica pelo lugar em que se tratava da sublevação, era porque da mesma sem dúvida era sabedor, e sócio; pois de outra forma não podia saber que ali se tratava do levante, havendo outras partes, em que o Coronel Alvarenga se tinha juntado, e falado com o dito Vigário?

                Respondeu, que no mês em que esteve ele Respondente solto depois das primeiras prisões, se divulgou que não somente eram associados o Coronel Alvarenga, o Vigário de São José, como também o Tiradentes, o Tenente-Coronel Francisco de Paula, e outros, moradores em Vila Rica na ocasião em que os ditos coronel e vigário se achavam na dita Vila, notícia bastante para afirmar o Respondente que ela se tratava na ocasião da sua ausência.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava; porquanto na primeira instância, que se lhe fez, de que sabia da sublevação, por ter assinalado o lugar em que dela se tratava, respondeu, que para isto bastava a notícia, que lhe tinha dado Faustino Soares; e que vendo-se convencido da falsidade desta resposta, recorreu a outro motivo da sua ciência; quando, se ele fora certo, devia logo lembrar-lhe e dizê-lo na primeira instância, e a variedade nas suas respostas prova o seu talento, mas também ao mesmo tempo a falta da sua sinceridade, e verdade, que agora deve declarar?

               Respondeu, que a segunda resposta procede ex-abundante, e não por se haver convencido; porque como já referiu, ele Respondente, — disse Faustino Soares, que duvidando, ou pondo dúvida ao Vigário de São José sobre a extensão da ação, este lhe respondera, que dizendo o Tenente-Coronel Francisco de Paula ao seu Regimento, que não embaraçasse a ação, estava tudo feito, — era bastante para coligir o Respondente, que ela se tratava em Vila Rica.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava; porque querendo evitar a instância, que se lhe fazia sobre a variedade das suas respostas, voltava agora a querer persistir na verdade da primeira, dizendo que bastava ter-lhe dito Faustino Soares, que o Vigário de São José lhe dissera que o Tenente-Coronel Francisco de Paula aprontava a tropa para a sublevação, para que ele Respondente assentasse que do levante se tratava em Vila Rica; porquanto desta resposta nada convence, pois bem podia o dito Vigário saber que Francisco de Paula aprontava a tropa, sem que a conjuração se tratasse em Vila Rica; assim como outros conjurados concorriam para o levante, sem que estivessem no lugar em que se tratou da conjuração; pois para isso bastava que qualquer dos conjurados o persuadisse, dando-lhe parte do plano, que podia estar justo em outra qualquer parte, sem ser em Vila Rica?

               Respondeu, que o tempo em que lhe dera notícia o dito vigário a Faustino Soares, que se tratava da tal conjuração, e era o tempo da residência do vigário em Vila Rica, e ao falar-se na pessoa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, tudo concorria a que o Respondente se capacitasse que ela se tratava em Vila Rica; do que depois se veio a certificar pelas notícias posteriores às prisões; e fundado nisto é que asseverou tanto o lugar, como o tempo.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que obstinadamente faltava, e que devia declarar sinceramente; porquanto a notícia, que a ele Respondente deu Faustino Soares

mostra que foi comunicada pelo vigário de São José de se ter tratado da sublevação, e ele Respondente diz agora que lhe fora comunicada pelo dito Faustino, quando o vigário de São José estava em Vila Rica, tratando da sublevação, o que também é falso, porque ele Respondente declarou que o dito Faustino lhe comunicara aquela notícia nas vésperas, em que ele Respondente estava para ir pregar nas exéquias do Príncipe; e é certo que neste tempo não estava o vigário de São José em Vila Rica nem ele Respondente lá o encontrou nessa ocasião?

               Respondeu, que nega que dissesse que Faustino Soares comunicara a ele Respondente a notícia, quando o vigário de São José se achava em Vila Rica, só sim que dera a ele Faustino Soares o vigário na Cidade de Mariana no tempo em que tinha vindo da sua igreja a Vila Rica, e que a pouca clareza, que tinha feito o Respondente na sua resposta antecedente, é que tinha dado lugar à instância.

                E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas feitas; as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele disse ter falado a verdade; e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti O Cônego Luís Vieira da Silva

AO CORONEL FRANCISCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA LOPES

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 21-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeia da Relação. 13-07-1791

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem de São Francisco e Acareação com Luís Vaz de Toledo 27-07-1791 – Auto de Inquirição da Testemunha Basílio de Brito Malheiro do Lago, Rio, Casas do Desembargador Coutinho 28-07-1791 – Auto de Acareação com o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo — Rio, Cadeias da Relação 28-07-1791

1a Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 21-11-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e um do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde íoi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que se acha preso em custódia, e sendo ai foi mandado vir à sua presença o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e vindo se procedeu com ele às perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que era filho de José Lopes de Oliveira, e de Bernardina Caetano do Sacramento, natural da Fazenda de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, termo da Vila de S. João del-Rei, da idade de trinta e nove anos, casado, e que era Coronel de um Regimento de Cavalaria Auxiliar da Comarca de S. João del-Rei, e que não tinha ordens algumas, nem privilégio, que o isentasse da Jurisdição Real, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão.

               Respondeu, que a sua prisão é nascida pela razão de um motim, e sublevação, que se falava que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais.

               E perguntado, que motim, ou sublevação era esta, que se falava que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nela entravam, o modo por que se pretendia fazer, e se ele Respondente também nela era entrado.

               Respondeu, que a respeito do motim, e sublevação que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nela entravam, e o modo por que pretendia fazer-se, já depôs nesta Devassa, desde folhas oitenta e oito até folhas noventa e quatro verso, cujo juramento lhe foi lido no ato destas perguntas, do que dou fé e a ele se refere em tudo, e com ele responde à pergunta que se lhe faz com as delarações que abaixo declarará, e também jurou, ou foi perguntado a respeito desta mesma sublevação, ou motim na Devassa, que sobre a mesma matéria tirou o Ouvidor, e Corregedor de Vila Rica, Pedro José Araújo de Saldanha, de que foi Escrivão o Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, cujo juramento, ou perguntas também ele Respondente agora declara nesta sua resposta: Que não disse no dito juramento que também ouvira dizer ao Vigário da Vila de S. José, Carlos Correia de Toledo, que na sedição, e motim por que é perguntado era igualmente entrado o Mestre-de-Campo Inácio Corrêa Pamplona, e João Rodrigues de Macedo; porque querendo falar nestes mesmos no juramento, ou perguntas, que se fizeram a este Respondente na Devassa, que se tirou em Vila Rica pelo Ouvidor, e Corregedor da dita Comarca, sendo Escrivão o da Comarca do Sabará, pela razão, que já declarou, de assim o ter ouvido ao dito Vigário da Vila de S. José, acrescentando a respeito do primeiro, o Mestre-de-Campo Inácio Corrêa Pamplona, que este não queria fazer figura pública nesta matéria, ou que nele se falasse por conta do seu compadre Carlos José da Silva, Escrivão da Junta da Real Fazenda de Vila Rica, a quem devia grandes obrigações: E pelo que respeita ao segundo, João Rodrigues de Macedo, disse o dito Vigário a ele Respondente, que este também era entrado na sedição, e motim, e que quando o convidaram dissera que estimava muito que esta se efetuasse para se livrar das facadas que lhe dava o Intendente e Procurador da Coroa de Vila Rica para pagar a grande dívida, em que está à Fazenda Real; o dito Ouvidor, e Corregedor do Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão da dita Devassa, dissera a ele Respondente, sem que estivesse presente o Juís da dita Devassa, o Ouvidor da Vila Rica, Pedro José de Araújo Saldanha, que naqueles não falasse; no primeiro, o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, porque já na dita Devassa tinha este deposto, e declarado o que sabia, e no segundo, João Rodrigues de Macedo, encarecendo-lhe primeiro a grande amizade que o dito Macedo tinha com ele Respondente, lhe disse que não falasse nele, segurando a ele Respondente, que o tomava debaixo de sua proteção, e o havia de por a salvo; pelo que não falou neles na dita Devassa, nem nela jurou o que sabia a respeito deles, por ser iludido na sobredita forma; e por consequência, jurando depois nesta Devassa, continuou na mesma ocultação, o que agora declara. Os quais encarecimentos da amizade, que o dito João Rodrigues de Macedo tinha a ele Respondente foram depois dele Respondente ter jurado, ou respondido que o dito vigário lhe contara o que se passara com o Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro do referido João Rodrigues de Macedo, ouvindo o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, de que estando todos os referidos a conversar em uma ponte que há em Vila Rica, junto da casa de João Rodrigues de Macedo, ou perto dela, passaram presos uns homens por facinorosos, à ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General da dita Capitania, e vendo-os o dito Capitão Vicente Vieira da Mota, dissera que destes é que havia de haver muitos; porque sem eles não se fazem coisas grandes, ao que o dito Coronel Basílio de Brito respondera, admirando-se da sem razão de querer que houvesse muitos facinorosos; ao que o dito vigário dera um sorriso, e o referido Mota dissera que eram uns tolos, e que dos que estavam, só o dito vigário entendia o que ele queria dizer; e que o mesmo vigário aplicara a serem aqueles homens próprios para entrarem na sublevação, e motim, que pretendia fazer-se: Que igualmente não declarara ele Respondente nesta Devassa, quando nela jurou, que o Vigário da Vila de S. José, Carlos Correia de Toledo, falando com ele Respondente no mês de fevereiro do presente ano, pouco mais ou menos, nesta sublevação, e motim, lhe disse que uma das leis, que se estabeleceria na mesma República, era que toda a mulher que tivesse um certo número de filhos havia de ter um prêmio por conta do Estado, e que os homens de toda e qualquer qualidade poderiam fazer galões, e cetins, e igualmente não disse, nem declarou, que o Coronel Inácio José de Alvarenga, falando com ele Respondente, ou no mês de abril, ou de maio do presente ano, lhe disse também, que na nova República, que se pretendia fazer, não havia de haver falta de dinheiro, porque se havia de recolher todo, ainda o dos particulares, e correrem cédulas, que depois se haviam de pagar, para tornarem a girar de novo, e que não havia de haver soldados; mas sim estarem todos alistados, e pegarem todos em armas, quando fossem necessários, e acabada a precisão, recolherem-se a suas casas para continuarem a empregar-se nas ocupações de que viviam; o que não disse ele Respondente na Devassa, que se tirou em Vila Rica pelo Ouvidor, e Corregedor da dita Comarca, por lhe esquecer, e nesta porque lembrando-se, e estando para o depor, principiou o seu juramento a oito de agosto, e pela sua extensão so o concluiu a onze do dito mês, por mediarem os dias nove e dez, que foram domingo, e dia santo, e nestes dias intermédios foi ter com ele Respondente à cadeia, o Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, e Escrivão da Devassa que se tirou em Vila Rica, pelo Ouvidor da dita Comarca, e lhe perguntou o que na Devassa, que se principiou nesta cidade, e se foi continuar em Vila Rica, lhe perguntava o Juiz dela, o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, lho disse ele Respondente, e que de novo lhe lembravam as circunstâncias, que ficam referidas, e que não declara no juramento, ou perguntas, que se lhe fizeram em Vila Rica, pelo Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Sabará disse que nesta Devassa, que tivera o dito Desembargador do Rio do Janeiro, não jurasse coisa considerável: porque tudo o que fosse de consideração, devia guardar para a Devassa, que se tirava em Vila Rica, pelo Ouvidor da dita Comarca, de que ele referido Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Sabará era Escrivão, e que para evitar a falsidade, concluísse o seu juramento com o pretexto, que lhe ditou, e ele Respondente escreveu, de que a respeito da sedição, e motim, que pretendia fazer-se, já jurara, ou fora perguntado, e que a este juramento, ou perguntas se referia e por esta razão ele Respondente não fez as ditas declarações no seu juramento, as quais agora faz, para satisfazer ao que presentemente se lhe pergunta: Declara mais ele Respondente, que no dia quinze do referido mês de agosto, foi o dito Ouvidor e Corregedor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, Escrivão da Devassa, que a este respeito se tirou pelo Ouvidor, e Corregedor de Vila Rica, ter com ele Respondente à cadeia, levando uma folha de papel escrita de todos os lados, na qual lhe disse estavam escritas todas as declarações, que ficam referidas, a qual ele Respondente assinou sem a ler, e querendo depois vê-la, nunca se lhe mostrou; pelo que protesta ele Respondente contra a dita assinatura, e tudo quanto no dito papel se acha escrito, quando lhe seja prejudicial, pela razão de o não ler, nem saber o que contém, cujo protesto já fez saindo da cadeia de Vila Rica para ser remetido para esta cidade, diante do Capitão de Cavalaria do Piquete desta cidade, José Botelho de Lacerda, do Sargento-Mor do Regimento de Minas Gerais, José de Souza Lobo, de um Meirinho da Ouvidoria da dita Vila, e de várias pessoas, que se achavam presentes, cujo protesto ratifica agora. Igualmente declara ele Respondente, pelo que respeita ao juramento, ou perguntas que se lhe fizeram na Devassa, que se tirou em Vila Rica, pelo Ouvidor da dita Comarca, sendo Escrivão o Ouvidor da do Sabará, José Caetano César Manitti, que compreendeu no dito juramento, ou perguntas, como entrado na sublevação, ou motim, que pretendia fazer-se, ao Doutor José Correia, da Vila do Sabará; porém é certo que neste não ouviu nunca falar, como entrado na dita sedição, e que no seu juramento, ou perguntas o compreendeu só porque o dito Ouvidor do Sabará, positivamente lhe perguntou por ele, disse que era entrado, e por isso ele Respondente o escreveu em um papel que deu ao dito Ouvidor do Sabará para informação do juramento, ou perguntas, que ele havia de escrever na dita Devassa, e assim se pôs nela não tendo ele Respondente valor de resistir ao dito Ouvidor, e Corregedor do Sabará a este respeito, depois de esperar dele toda a proteção, que sempre lhe prometia. E para que a verdade constasse puramente, como ela era, pois por isso espera a piedade de Sua Majestade, e além disso para que a sua consciência ficasse desonerada, requereu, e insistiu, que se escrevessem estas declarações, que fez.

               E sendo instado, que dissesse a verdade completamente, pois que parecia evidente a pouca lisura com que tinha deposto nisto mesmo que acabava de responder, querendo encobri-la com fatos, que se não fazem verosímeis, e que só parecem excogitados para confundir a verdade.

               Respondeu, que tudo o que tinha dito era verdade, e que nela insistia.

               E sendo instado mais, que dissesse a verdade, a que tinha faltado em tudo; porquanto nega ter dado o seu consentimento a entrar nesta sublevação, e motim, quando o contrário se prova e evidencia; porque confessa ele Respondente, que pelo meio do mês de fevereiro lhe dera o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo parte desta sublevação, e o convidara para entrar nela, e que só veio a dar a sua denúncia ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General da Capitania de Minas Gerais a dezessete, ou vinte de maio, pouco mais ou menos, sendo passados mais de três meses, e não demoraria tanto a denúncia a não ter prestado o seu consentimento: Acrescendo mais constar da Devassa, que quando o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo falara a ele Respondente para entrar na sublevação, já tinha notícia dela, por lhe ter mandado falar por terceira pessoa na mesma o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e suposto que ele Respondente então não dera o seu consentimento para entrar na sublevação, e motim, sempre contudo lhe ficara a obrigação de o denunciar, pois que dele teve notícia.

                Respondeu, que não dera mais cedo parte da sublevação, e motim pelo medo, que lhe meteram os sócios da conjuração, de que falasse em semelhante matéria o matavam, que além disso estivera doente de um formigueiro em uma perna, e de soltura de urinas, moléstias que o impossibilitavam de montar a cavalo, e que também, como rústico, não sabia a obrigação em que estava de dar semelhante denúncia: E quanto ao mais, é contra a verdade, que ele Respondente tivesse notícia desta sublevação, antes da que lhe deu o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo; porque este foi o primeiro que nela lhe falou, o segundo, o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o terceiro, o Coronel Inácio José de Alvarenga, e este foi o que disse a ele Respondente, que quando o Alferes Joaquim José da Silva Xavier viera a última vez a esta cidade, e quando nela foi preso, dissera que ele Respondente era o homem mais mofino que tinha encontrado, porque falando-lhe na sublevação, não quisera aceitar o partido, mas que por fim sempre concluíra, que se movesse a cabeça, porque os pés removeriam também, depois deste Coronel Alvarenga, também o irmão dele Respondente lhe contou que o dito Alferes Joaquim José da Silva Xavier dissera na fazenda do Registro Velho ao Padre Manuel Rodrigues da Costa isto mesmo, e acrescentara que se encontrara ao Respondente moimo, em desconto tinha também encontrado em Vila Rica ao Sargento-mor das Entradas, fulano Coelho, pronto para entrar na sublevação, e gastar para o bom efeito dela sua fazenda, o que o dito Padre Manuel Rodrigues da Costa contou ao irmão dele Respodente, o Padre José Lopes, e este a ele Respondente; e tanto ao dito Coronel Alvarenga, como a seu irmão, dito Padre José Lopes, disse que era falso; porque nem o dito alferes nem outrem por ele, lhe tinha falado na sublevação, e que assim como o dito Alferes Joaquim José faltara à verdade em dizer que o dito Sargento-mor Coelho entrava nela, sem que com efeito fosse entrado; porque nele não ouviu falar aos ditos Vigário da Vila de São José, seu irmão Luís Vaz de Toledo, e Coronel Alvarenga.

               E instado mais que não lhe podem servir de pretexto as moléstias, a que recorre para não dar a denúncia, que era obrigado; pois que, como confessa, tinha plena e completa notícia da sedição, que se premeditava fazer, e se não podia ir dá-la pessoalmente, podia dá-la por escrito, e por isso mesmo que o não fez, se supõe entrado na sublevação.

               Respondeu, que não deu a denúncia por escrito, por recear que o matassem, porque assim lhe tinham protestado, os que lhe deram parte da dita sublevação.

               E sendo instado, que dissesse a verdade à qual tinha faltado, enquanto pretendia excluir-se da culpa, dizendo que não tinha prestado o seu consentimento, nem convindo nas proposições que se lhe fizeram para entrar na sublevação; pois tanto parece que ele interessava nisso, que até a denúncia, que deu ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General da Capitania de Minas Gerais foi talvez um meio de averiguar o estado em que as coisas se achavam, visto que já nesse tempo havia desconfiança de que tinha havido denunciante, e por isso a deu confusa, e diminuta.

               Respondeu, que na realidade, como tem tido, não era culpado: porque não tinha prestado o seu consentimento, e isto se verificará, porque não há de haver testemunha, ou pessoa alguma, que com verdade diga que ele Respondente convidasse pessoa alguma, ou fizesse alguma qualidade de diligência, por onde mostrasse ter vontade, ou que pretendia ter efeito a conjuração: Só sim sabia dela, como já depôs no seu juramento, e agora tem respondido. E que na denúncia, que tinha dado lhe pareceu que tinha dito tudo em declarar que se falava naquela matéria, e que o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo General desse as providências, explicando-se ele Respondente com o dito — antes que o mal cresça, corte-lhe a cabeça —, e tanto reconheceu o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo General, que ele Respondente tinha falado com lisura, que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, perguntando-lhe o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo General se ele Respondente sabia desta sublevação, respondera que não, mas que ficava para se lhe falar, e se ele Respondente não tivesse o ânimo de dizer tudo, e se quissesse calar, julgando-se culpado, seguiria o conselho que os outros réus tomavam para si, e davam, de que não havia provas algumas extrínsecas, nem se podia saber.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que notória, e constantemente tem faltado; porquanto indo ele Respondente dar a denúncia, que confessa ter dado ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, nesta denúncia calou tudo o que nela era essencial; porque ao tempo dela já como ele Respondente confessa, lhe tinham falado na conjuração premeditada, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Coronel Inácio José de Alvarenga, declarando-lhe as circunstâncias, e sócios da conjuração, e quando ele Respondente deu a dita sua denúncia só nela fez menção do que ouvira dizer ao dito Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, de que convidando-o o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, em casa do Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, viera o dito vigário, e sabendo de que se tratava, dissera que não queria em sua casa semelhantes conversas, e se enfadara, pelo que pegou o dito Coronel Joaquim Silvério dos Reis em uma imagem de um Santo Cristo, e pedira que mais se não falasse em tal, nem o deitassem a perder, o que era a desculpa, que os co-réus desta conjuração, desde que tiveram notícia que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis tinha sido denunciante dela, inventaram entre si para imporem toda a culpa ao dito Coronel Joaquim Silvério, e valendo-se desta desculpa na sua denúncia, e ocultando o mais que sabia de essencial, bem mostra a má fé, e diminuição com que a deu: acresce mais, que dando ele Respondente a sua denúncia ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, depois dela, os primeiros com que ele Respondente veio falar a respeito da denúncia que dera, e do que passara como o Excelentíssimo General, foi os co-réus desta conjuração, o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, e é coisa estranha, que o denunciante de uma conjuração venha falar nela com os réus da mesma conjuração, a não ser, como eles, entrado nela.

               Respondeu, que era verdade que já sabia da conjuração, que se premeditava, e das pessoas que nela entravam, na forma que tem declarado, ao tempo que deu a denúncia; porém que nela não declarou tudo, porque tinha medo dos co-réus neste delito, não o matassem, como tinha prometido, e não fizessem com ele Respondente alguns daqueles insultos, que costumavam fazer em Minas Gerais, e há pouco tinham feito com o Sargento-mor Romão Fagundes, e com o mesmo Ouvidor de São João del-Rei por casos de menos importância, e por isso esperava ele Respondente que os réus deste delito fossem presos, para então sem perigo declarar toda a verdade; e que depois da denúncia que deu desta conjuração, foi falar a respeito dela com os réus da mesma porque como não tinha nela dito coisa que os prejudicasse, por isso lhes participava o que a este respeito tinha passado, pelo mesmo temor de que o não matassem.

               E sendo perguntado, quem eram os cinco negociantes desta Cidade do Rio de Janeiro, que queriam que a sedição principiasse nela.

               Respondeu, que quem disse a ele Respondente, que havia cinco negociantes no Rio de Janeiro, que favoreciam a sublevação, foi Domingos Vidal de Barbosa, que se acha preso em Vila Rica, e com quem ele Respondente já foi acareado na mesma Vila, perante o Ouvidor, e Corregedor dela, mas nunca o dito Domingos Vidal disse quem eram os ditos negociantes, nem extra-judicialmente, nem na acareação judicial, e só contou a ele Respondente, que um sujeito que estava em França, e falava nesta matéria, como ele Respondente já depôs no seu juramento, era favorecido, e assistido por cinco negociantes desta praça, e depois judicialmente se limitou a dizer que aquele sujeito tinha tomado aquele arbítrio de se lazer enviado para se fazer de célebre, e que a quem ouvira dizer que os do Rio de Janeiro tinham mandado convidar os de Minas para entrarem na sublevação, fora ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, dizendo que o Alferes Joaquim da Silva Xavier tinha ido do Rio de Janeiro encarregado de convocar a gente de Minas para se unirem na sublevação, que pretendiam fazer; mas que isto não foi aceito, porque os de Minas queriam ter a glória de que principiasse por lá a sublevação.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual parecia faltar; porquanto o dito Domingos Vidal Barbosa é quem afirma que ele Respondente lhe dissera que os cinco negociantes do Rio de Janeiro queriam que principiasse a revolução por esta cidade, e que os de Minas queriam essa glória para si, e que quanto a ir o Alferes Joaquim José da Silva Xavier do Rio de Janeiro encarregados de convocar a gente de Minas para se unir à do Rio para o levante, também não parece natural, porque se o dito alferes era assistente em Minas, e consta que de lá veio ao Rio de Janeiro a ver se achava séquito para essa pretensão do levante, como diz ele Respondente que da Cidade do Rio de Janeiro é que ia convocar a gente de Minas?

               Respondeu, que o que tem dito é a verdade, pois, quem falou nos cinco negociantes do Rio de Janeiro, foi o dito Domingos Vidal de Barbosa, contando-lhe a história de França, de que já depôs, da qual ele Respondente não sabia nada, senão por lha ouvir, e o que ele agora diz, de que o ouviu ao Respondente, será modo de evitar o dizer alguma coisa que talvez saiba a esse respeito; e quanto ao que respeitava ao dito, de que o alferes ia convidar a gente de Minas, ele Respondente não afirma que assim fosse, e só sim que o Vigário da Vila de São José lho dissera; mas se era verdade, ou idéia para facilitar a gente de Minas, ele Respondente o não sabe. E por esta forma houve o dito Desembargador por ora estas perguntas por feitas, e acabadas, e deu o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade pelo que respeita ao direito de terceiro, e assinou o dito Desembargador com o Respondente e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cloto Fran.co An. to de Olivr.a Lopes José dos Santos Rodrigues e Araújo

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 13-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos treze dias do mês de julho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais; junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Escrivão assistente, o Doutor José Caetano César Manitti, Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, para efeito de se continuarem perguntas ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o mesmo réu – e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado se era o próprio Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e se ratificava as respostas que deu às perguntas antecedentes, as quais neste ato lhe foram lidas, e declaradas.

               Respondeu, que era o próprio Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que as respostas que tinha dado às perguntas estavam conformes com o que declarou, e de novo as ratificava; exceto no que respeita a entrar no levante João Rodrigues de Macedo, porque nunca tal ouviu, nem lhe consta por modo algum; e que neste ponto tinha mentido.

               Foi perguntado pela razão que tivera para declarar com mentira, que João Rodrigues de Macedo entrava no levante?

               Respondeu, que mentiu sem fim, nem razão alguma, foi unicamente por querer mentir, porque quem não mente, não é de boa gente.

               Foi mais perguntado, se tinha mentido em mais alguma coisa, do que tinha dito nas perguntas antecendentes, porque de quem uma vez mente em matéria de tanta ponderação, e consequência, com prejuízo de terceiro, se não pode acreditar em coisa alguma?

               Respondeu, que não mentiu em mais coisa alguma nas respostas que deu às perguntas antecendentes.

               E sendo instado, que dissesse a verdade; porquanto estava convencido de que mentia em tudo o que tinha declarado a respeito da sugestão, que declara ter-lhe feito o Escrivão assistente a estas perguntas, José Caetano César Manitti; porque logo que essas perguntas e respostas, que constam deste apenso, lhe foram lidas, para acareação feita ao Vigário de São José com ele Respondente, como da mesma acareação consta no apenso das perguntas do Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, julgando ele Respondente que eram as perguntas que lhe tinham sido feitas em Minas, clamou dizendo que tudo quanto nas perguntas, e respostas antecendentes estava escrito, se achava alterado, e viciado pelo Escrivão assistente José Caetano César Manitti, que sugeria a ele Respondente, nas respostas que deu, e também as escreveu; e sendo convencido então, de que o que se lhe lia das suas respostas era o que tinha declarado perante o Desembargador José Pedro, sendo Escrivão o Doutor Marcelino Pereira Cleto, e que às ditas perguntas e respostas nem estivera presente o Escrivão assistente, José Caetano César Manitti, nem as escrevera, nem nelas influíra coisa alguma, do que bem se conhecia o ânimo danado, com que estava resolvido a macular o crédito do Escrivão assistente descaradamente, assim como tinha feito contra o dito João Rodrigues de Macedo; pois tendo dito que as suas respostas estavam alteradas e viciadas, tanto que se certificou que eram escritas pelo Doutor Marcelino Pereira Cleto, confessou que eram verdadeiras, e que estavam conformes, sem vício nem alteração; pelo que agora vendo-se convencido de haver mentido deve declarar a verdade?

               Respondeu, que quando disse na acareação feita com o Vigário de São José que estava o que se lhe leu, alterado e viciado, era porque entendia que se lhe estava lendo um papel, que tinha assinado na cadeia de Minas, o qual lhe levou o Escrivão assistente escrito, e ele Respondente assinou sem ler, nem saber o que o dito papel continha.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade, porquanto agora se convencia melhor da sua resposta, que mentia em tudo que declarou nas perguntas antecendentes, a respeito do Escrivão assistente .Tosé Caetano César Manitti; porque na dita acareação se lhe estavam lendo os fatos que ele tinha declarado nas perguntas sobre a sublevação; e que se os fatos eram verdadeiros, e ele assim os tinha declarado, como depois confessou, quando soube que as perguntas eram feitas pelo Desembargador José Pedro, como podiam ser os mesmos fatos falsos, porque julgou ser o papel, que tinha assinado na prisão de Minas, feito pelo Escrivão assistente José Caetano César Manitti, além de que, se ele Respondente confessa que assinou o dito papel, sem o ler nem saber o que ele continha, como podia agora saber que ele estava viciado e alterado; muito mais, quando o mesmo papel não se acha nos autos?

               Respondeu, que quando disse que o que se lhe lia na acareação estava viciado e alterado, julgando que era o papel que tinha assinado na prisão em Minas, falou sem consideração, e também porque ainda se lhe não tinha dado o juramento, e que suposto não leu, nem sabe o que continha o dito papel, que assinou, contudo, por isso mesmo, julgou que estava viciado e alterado.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que tem faltado, e atualmente está mentindo descaradamente, mostrando a pervesidade do seu animo, pouca consciência e temor de Deus; porquanto depois de ser perguntado em Juízo, ainda que não tivesse recebido o juramento, tinha obrigação de dizer a verdade, e quando a não tivesse dito, depois de receber o juramento sobre ter dito a verdade, ou não se julgava mais obrigado pelo dito juramento, devia retratar, e declarar aquilo em que tinha mentido; o que ele Respondente não fez; e que se pela razão de assinar o dito papel na prisão de Minas, desconfiou de que podia estar alterado ou viciado, não devia dizer afirmativamente, em matéria de crédito de um Ministro de Sua Majestade, que o dito papel estava viciado e alterado?

               Respondeu, que um homem rústico não sabia dizer mais, nem tinha mais que responder.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade, e confessasse o ânimo danado que tinha contra o Escrivão assistente José Caetano César Manitti, o qual se conhece nas respostas que deu às perguntas antecedentes, feitas pelo Desembargador José Pedro, em que fez várias declarações injuriosas ao dito Escrivão, de que ele sugeria nas perguntas, que lhe foram lidas, e ele as assinara, e ratificara com assistência do Juiz da dita Devassa, o Ouvidor da Comarca de Vila Rica, o Doutor Marcelino Pereira Cleto, Escrivão desta Devassa, de que ultimamente se conhecia quanto tinha mentido; porque tantos Ministros assistentes às perguntas que lhe foram lidas e ratificadas, não podiam faltar à verdade, e ser ele Respondente o único que a diga?

               Respondeu, depois de muita confusão a variedade nas suas respostas, de que bem se conhece a pouca certeza, com que tem respondido, do que damos fé, que é certo não ter eles Respondente declarado nas perguntas, que se lhe tinham feito em Minas, que o Escrivão José Caetano César Manitti lhe tinha feito sugestão alguma, antes pelo contrário, disse na presença dos ditos Ministros, que as suas respostas estavam conformes, e que se as ratificava; e que agora, quando diz que houve alteração, e acrescentamento feito pelo dito Escrivão José Caetano César Manitti, se refere a um papel que fez, e assinou, estando preso na cadeia de Minas, e a outro que lhe levou o dito Escrivão, escrito pelo mesmo Escrivão em uma folha de papel escrita de todas as quatro laudas, que ele Respondente assinou sem o ler, tendo dito só para isto quatro coisas de pouca importância, que mais lhe lembraram, e tendo depois pedido esse papel que tinha assinado para o ler, nunca lho apresentaram.

               Foi mais perguntado; quem era uma pessoa, pela qual consta que mandara convidar a ele Respondente o Alferes Joaquim da Silva Xavier?

                Respondeu, que nunca pessoa alguma o convidara; e que seu irmão lhe dissera que nunca ouvisse o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, porque tinha, ou andava com más idéias; e que em outra ocasião fora à sua casa o Sargento-mor Antônio da Fonseca Pestana, e lhe dissera que estando com o dito Alferes Tiradentes, este lhe perguntara como sv dava com o Ministro Desembargador Luís Ferreira, ao que ele Respondera que se não dava bem com ele, pelo ter preso, por causa de um ofício; ao que tornara o dito Tiradentes — boa ocasião de botarmos estes diabos daqui para fora, porque vêm aqui roubar-nos a terra — e lhe respondera, que não fosse louco; e isto mesmo veio o dito Pestana repetir a ele Respondente, sem lhe fazer convite; e que uma e outra fala, tanto a de seu irmão, Padre José Lopes de Oliveira, como a do Sargento-mor Pestana, foi antes de que o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e seu irmão Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo falassem a ele Respondente, e o dito vigário o convidasse, como depois fez, para o levante. E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas por ora por feitas, as quais sendo lidas por mim Escrivão ao mesmo Respondente, as achou estarem conformes com o que respondido tinha; e deferindo-lhe o juramento pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente, que a este ato esteve o réu livre de ferros, do que também damos fé: e de tudo mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente e Escrivão assistente: E eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Torres

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti Franco Antônio de Oliveira Lopes

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo — 27-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte sete dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e Escrivão assistente o Doutor José Caetano César Manitti, para efeito de se fazerem perguntas ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira, que se achava preso incomunicável nas cadeias da dita Relação; o qual aqui mandou vir, debaixo de segura custódia, para ser perguntado, e juntamente acareado com o Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, que se achava preso nos segredos das sobreditas casas; e sendo aí ambos os ditos réus se reconheceram mutuamente pelos próprios, do que damos fé, como também de lhes ter sido deferido juramento pelo que respeita a terceiro; e pelo dito Conselheiro lhes foi feita a acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido o juramento, que o acareante prestou na Devassa no parágrafo a folhas cento e seis verso, em que declarou ter falado ao acareado para entrar na sedição, e motim, e que o mesmo acareado lhe respondera que já o Alferes Joaquim José da Silva lhe tinha mandado falar para o mesmo fim, por uma pessoa que ele acareante ignorava, e que o mesmo acareado, sendo naquela ocasião convidado por ele acareante, conviera em entrar na sedição, e motim, dizendo que onde fosse a cabeça, iriam os pés, e que ele serrado ao meio dava dois ou quatro; sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o dito parágrafo, disse o careante Luís Vaz de Toledo, que o que tinha deposto no dito parágrafo era verdade, e que estava certo em que com o acareado passara tudo quanto referiu; e o acareado disse que tudo quanto acareante declarou no dito parágrafo era falso, porquanto nem o acareante o convidou para entrar no levante, nem ele acareado lhe deu as respostas que o acareante declarou; pois o que unicamente passou entre eles foi dizer-lhe o acareante que Joaquim Silvério o tinha convidado para entrar na sedição; ao que ele acareado lhe respondeu que lhe não falasse em tal, porque já seu irmão o Padre José Lopes lhe tinha dito que não ouvisse falar ao Alferes Joaquim José da Silva; porque andava com muito más idéias; e que se o fosse procurar, que o deitasse pela escada abaixo; e mais respondeu ele acareado ao acareante, que fosse denunciar a prática, que tinha tido com o dito Joaquim Silvério; e que quem lhe falou para entrar no levante, contando-lhe o que havia na matéria, foi o Vigário Carlos Correia de Toledo, e não o careante; ao que lhe respondeu o acareante que a prática que o acareado diz o que tivera com ele, podia muito bem ser, que a tivesse com outra pessoa; porém que com ele acareante teve a prática, que referiu no seu juramento no dito parágrafo, de que estava certo; e que assim o declarava, por se querer salvar; porém o acareado persistiu firme, dizendo que também se queria salvar, e que se fosse verdade o que o acareante depôs, também o diria, porque essa circunstância não aumentava, nem diminuia a sua culpa; e ambos ficaram firmes, cada um no que dito tinha. E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo-lhes por mim lida, acharam estarem as suas respostas escritas como haviam dito; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Maiútti

Luís Vaz de Toledo Piza

Fran.co An. to de Olivr.a Lopes

               E logo no mesmo ato, tendo mandado recolher à sua prisão o dito Luís Vaz de Toledo, continuou o mesmo Conselheiro as perguntas como o réu Francisco Antônio de Oliveira pela maneira seguinte.

               Foi perguntado se as perguntas antecendentes que lhe foram lidas neste ato, estavam conformes, e se tinha alguma coisa, que acrescentar, ou diminuir?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava; porém que tinha que diminuir algumas coisas, do que tinha dito na Devassa: como era a folhas noventa do juramento prestado na Devassa, em que diz que em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa se fazia também assembléia, em que concorria o Vigário de São José, Carlos Correia, e o Desembargador Gonzaga a tratarem do levante, e o Coronel Inácio José de Alvarenga, o que assim lhe dissera o dito vigário; agora declara, que tal lhe não tinha dito o referido vigário; e que lhe dissera na verdade, que os ajuntamentos, em que se tratava do levante, tinham sido em casa de Francisco de Paula.

               Foi perguntado, quem lhe disse, a ele Respondente, que se faziam aqueles ajuntamentos em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, ou se foi invenção dele Respondente, dizer que havia aqueles ajuntamentos, assim como inventou o dizer que o Vigário de São José lhe tinha contado que havia aquelas assembléias em casa do Doutor Cláudio?

               Respondeu, que como eles eram entrados, e faziam as leis, tinha sido coisa levantada por ele Respondente, pois que o vigário lhe não disse tal.

               Foi perguntado, pela razão que tivera para mentir em coisa de tanta consideração perante as Justiças, tendo recebido o juramento para dizer a verdade, sem temor de Deus, constituindo-se perjuro?

               Respondeu, que assim o dissera porque se persuadia, que sendo aqueles homens entrados, e fazendo as leis, também na casa do Cláudio se fariam aqueles ajuntamentos.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto ninguém mente sem ser por algum fim, e com algum interesse; e que ele Respondente, se não tivesse algum motivo para mentir, diria o que julgava por presunção sua, e não referiria o Vigário de São José, como uma pessoa que lhe tinha dito daquelas assembléias, sem que o dito vigário lhe tivesse falado em tal, como agora o declara?

               Respondeu, que não tinha mais que responder, do que aquilo que tinha dito.

               E sendo-lhe lido o parágrafo folhas noventa do seu juramento, que principia — Que indo ele testemunha — e acabava — até ver — Disse que estas finais palavras tinham sido acrescentamento dele Respondente.

               E sendo-lhe lido o parágrafo a folhas noventa verso, disse que aquilo que nele tinha dito, se falara, como nele se acha escrito; e agora declara que o Vigário Carlos Correia, e Coronel Alvarenga também então disseram que, como não havia derrama, não se falasse mais nisso.

               E declara mais que tinha sido acrescentamento seu, o dizer que o Coronel Alvarenga, indo para a Campanha avisaria quando tinha a gente pronta, e o vigário aprontaria os seus; e mandaria depois seu irmão Luís Vaz a Vila Rica dar parte a Francisco de Paula, ao Gonzaga, e a Cláudio Manuel da Costa, que lá iria a gente, mas que não desse dia.

               Foi perguntado novamente, qual fora a razão, por que jurara falso tão descaradamente e pelo sinal, que agora podia haver, para se reconhecer que falara a verdade e que não mentia agora; pois tendo confessado, que fora perjuro então, também agora se lhe não podia dar crédito?

               Respondeu, que acrescentou, por querer acrescentar, e ter julgado que quanto mais acrescentasse, mais depressa seria solto; e agora, obrigado pelos seus confessores a declarar a verdade, por isso a declara.

               Foi perguntado, se antes que os confessores lhe dissessem que devia falar a verdade, ele era católico, e sabia as obrigações de cristão?

               Respondeu, que no tempo que jurou, era fantasma de cristão, agora é que conhece as obrigações que deve ter.

               E sendo-lhe lido o parágrafo do mesmo juramento a folhas noventa e um, o qual principia — Que na mesma ocasião — disse que o dito parágrafo estava conforme com a verdade; e somente declarava ter sido acrescentamento seu, que ele Respondente havia de dar vinte homens, porque em gente não se falou.

               E sendo-lhe lido o parágrafo a folhas noventa e um do seu juramento, o qual principia — Que no mesmo dia – disse que todo ele era mentira, como já antecedentemente tinha declarado.

               E sendo-lhe lido o parágrafo folhas noventa e um do seu juramento, o qual principia — Que passados seis dias – disse que tudo era verdade; mas que o não era, o ter dito que se havia de assassinar o general; pois que o Coronel Alvarenga só dissera que se o levante se não fizesse por gente, se faria por assassinio.

               Foi perguntado, se o acrescentamento, que ele Respondente diz que se acha escrito a respeito do assassínio ser feito ao Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General de Minas, foi dito por ele Respondente ao Ministro, que o inquiria; ou se os ministros acrescentaram aquelas palavras, sem que ele Respondente as dissesse?

               Respondeu, que não tinha dito aquelas palavras; que acrescentaria o Escrivão, o Doutor Marcelino.

               E vendo o dito Ministro Conselheiro, que o Respondente confessara ser tantas vezes perjuro, e que além disso pretendia macular o crédito e verdade dos ministros de Sua Majestade com notória falsidade, sendo qualquer deles incapaz de acrescentar, ou diminuir coisa alguma nas respostas e juramento dele Respondente, pelo que nenhum crédito merece, pois se não liga a dizer a verdade, nem por ser perguntado judicialmente, para não obrigar o Respondente a ser novamente perjuro, tantas vezes quantas são as declarações que vai fazendo; deixou de continuar a ler o dito juramento, e respostas, que deu nas suas perguntas, feitas em Minas, visto não ser preciso para provar a sua culpa, e não merecer crédito algum pelo que respeita a terceiro; de que mandou fazer este termo, em que assinou; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.

Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

                E por esta forma houve o dito Ministro estas perguntas por feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, declarou que as respostas estavam escritas, como dito tinha, e que nelas se achava tudo o que neste ato respondido tinha, do que damos fé, e deferindo-se-lhe o juramento pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que o réu esteve neste ato livre de ferros, de que também damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco de Oliveira Lopes

Inquirição de Testemunha — Rio, Casas do Desembargador Vasconcelos

Coutinho — 28-07-1791

                Aos vinte oito dias do mês de julho do ano de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu Escrivão ao diante nomeado fui vindo, para efeito de ser inquirida a testemunha, cujo nome idade, naturalidade, ofício, e costume tudo é o que ao diante se segue, de que para constar faço este termo; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi.

               Basílio de Brito Malheiro do Lago, casado, natural da Vila de Ponte de Lima, de idade de quarenta e oito anos, Tenente-Coronel de Cavalaria Auxiliar, morador no Serro do Frio, onde vive de suas fábricas e lavras, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, de que dou fé, e debaixo do mesmo juramento prometeu dizer a verdade, do que lhe fosse perguntado.

               E perguntado pelo fato, que repete o réu Respondente neste Auto de perguntas a folhas três, e verso, no qual diz assim — que o dito vigário lhe contara o que se passara com o Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro, do referido João Rodrigues de Macedo, ouvindo o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, de que estando todos os referidos a conversar em uma ponte que há em Vila Rica, junto das casas de João Rodrigues de Macedo, ou perto delas, passaram presos uns homens, por facinorosos à ordem do Ilustríssimo, e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General da dita Capitania, e vendo-os o dito Capitão Vicente Vieira, dissera, destes é que havia de haver muitos; porque sem elas não se fazem coisas grandes; ao que o dito Basílio de Brito respondeu, admirando-se da sem razão de querer que houvesse muitos facinorosos; ao que o dito vigário dera um sorriso, e o referido Mota dissera que eram uns tolos, e que dos que estavam, só o dito vigário entendia o que ele queria dizer; o que o dito vigário aplicava a serem aqueles homens próprios para entrarem na sublevação, e motim, que pretendia fazer-se. O que sendo ouvido por ele Basílio de Brito, disse que todo este fato é falso; porque nunca ele testemunha foi aos ajuntamentos, que se faziam na ponte referida; nem lhe consta que Vicente Vieira da Mota fosse nunca aos ajuntamentos, e conversações, que lá se faziam, porque na dita ponte não costumava ajuntar-se gente séria; e ele testemunha nunca teve conversação alguma com o Vigário de São José, porque o aborrecia especialmente depois que ele veio para Vila Rica na ocasião da conjuração; porque sempre lhe pareceu que era capaz de entrar na conjuração; nem ele testemunha presenciou nunca aquelas passagens dos presos, que se refere: seria impossível, que se na presença dele testemunha houvesse aquela prática, que se refere, entre o Vigário de São José, e Vicente. Vieira da Mota, deixasse de entendê-la pela desconfiança em que já andava, e observação em que já andava, sobre o que se traçava para o levante; e que uma vez que ouvisse a dita prática, não deixaria de delatá-la, assim como delatou quantas palavras ouviu respectivas ao levante, ainda sendo de pouca importância. E mais não disse nem dos costumes, e assinou com o dito Conselheiro, e o Intendente da Comarca de Vila Rica, eleito, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente às diligências deste procedimento, e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

Basílio de Brito Malheiro do Lago

José Caetano César Manitti

Auto de Acareação do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes com o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo — 28-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e oito dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazer acareação ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes com o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, sobre certo fato repetido por aquele nas suas perguntas; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença os ditos réus, os quais sendo presentes se reconheceram pelos próprios, do que damos fé, como também o ter-lhes sido deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro; e lhes fez acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido o fato, contido na sua resposta a folhas três deste apenso, que diz assim. — Que o dito vigário lhe contara o que se passara com o Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro do referido João Rodrigues de Macedo, ouvindo-o o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, de que estando todos os referidos a conversar em uma ponte, que há em Vila Rica, junto da casa de João Rodrigues de Macedo, ou perto dela, passaram presos uns homens por facinorosos, à ordem do ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General da dita Capitania, e vendo-os o dito Capitão Vicente Vieira da Mota dissera, destes é que havia de haver muitos, porque sem eles não se fazem coisas grandes; ao que o dito Coronel Basílio de Brito respondera, admirando-se da sem razão de querer que houvesse muitos facinorosos; ao que o dito vigário dera um sorriso, e o referido Mota dissera que eram uns tolos, e que, dos que estavam, só o dito Vigário entendia o que ele queria dizer; o que o mesmo vigário aplicava a serem aqueles homens próprios para entrar na sublevação, e motim, que pretendia fazer-se.

               O que sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, persistiu o acareado Francisco Antônio de Oliveira, em que o acareante Vigário lhe dissera tudo o que se contém no dito fato, pelo modo que está escrito na sua resposta; e o acareante vigário disse que era falso o que o acareado declarou na sua resposta, respectivo ao fato exposto; porque se era verdade ter dito ao acareado que, estando um dia ele acareante no escritório de Vicente Vieira da Mota a tempo que este estava escrevendo, entrara Basílio de Brito Malheiro, e referiu que tinham passado uns presos à ordem do General de Minas, ao que respondeu o dito Vicente Vieira o quer que fosse, que bem lhe não lembra, mas segundo lhe parece, foi dizer o dito Mota, para que tinham prendido aqueles homens; ao que o dito Basílio de Brito respondeu — pois vossa mercê diz isso? — ou outras palavras semelhantes, que bem lhe não lembram, de que ele acareante se riu; e o dito Vicente Vieira disse então — O Senhor padre é que me entende — ou outras semelhantes palavras; pois ele acareante não tem cabal certeza das palavras, que verdadeiramente se disseram; e que isto foi quanto se passou nesta conversa, respectiva ao fato, que o acareante referiu de diferente modo; e passados tempos, que seria mais de um mês, estando ele acareante em sua casa, lembrando-se da passagem dos presos na ocasião referida, lhe ocorreu, se o dito Vicente Vieira teria dito aquelas palavras, que ficam referidas, por ter notícias do levante, que se projetava fazer; e que isto lhe parece que fora ainda antes das práticas, que houve depois em casa de Francisco de Paula: e que ele acareante só podia dizer o que se passara ao acareado, e a reflexão que fez em sua casa, como idéia sua, e não como respostas do dito Mota, porque tudo o mais, que se referiu pelo acareado, foi acrescentamento seu, no que estava bem certo, e que só contara ao acareado o que tem declarado, dizendo-lhe isto como suposição sua: e o acareado, ouvindo o vigário acareante, disse que o que tinha dito era verdade; e ambos persistiram firmes, e constantes nas suas respostas.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita; a qual sendo por mim lida aos réus acharam estar conforme, com o que cada um respondido tinha; e declaro com o Ministro, Escrivão assistente, que neste ato estiveram os réus livres de ferros, do que tudo damos fé; e para assim constar, mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante e acareado, e Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco Antônio de Oliveira Lopes Carlos Correia de Toledo

AO TENENTE-CORONEL DOMINGOS DE ABREU VIEIRA

1ª INQUIRIÇÃO – Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 25-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação – Acareação com Joaquim Silvério dos Reis 15-07-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 25-11-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e cinco do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Tenente-Coroncl Domingos de Abreu Vieira, que se acha preso em custódia, e sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Tenente-Coronel, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordem.

                Respondeu que se chamava Domingos de Abreu Vieira, que era filho de Manuel de Abreu, e de Úrsula Vieira, natural da freguesia de São João de Coucieiro, termo da Vila da Bica de Regalados, Comarca de Viana, de idade de sessenta e cinco anos, solteiro, que era Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas, Capitania de Minas Gerais, e contratador dos Dízimos da dita Capitania, e que não tinha ordens, nem privilégio algum que o isentasse da Jurisdição Real, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado, se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão.

               Respondeu, que a sua prisão procede de uma conjuração, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, da qual, tendo ele Respondente notícia, não deu denúncia a tempo.

               E perguntado, que conjuração era esta, que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nela entravam, o modo por que pretendia fazer-se, e se ele Respondente também nela era entrado.

               Respondeu, que a respeito da conjuração, que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nela entravam, e o modo por que se premeditava fazer, já depôs nesta Devassa, desde folhas cento e duas até folhas cento e cinco, cujo juramento lhe foi lido no ato destas perguntas, do que dou fé, e a ele se refere em tudo, e com ele responde à pergunta que se lhe faz, e quer que fique fazendo parte desta sua resposta, como se neste lugar fosse de novo escrito; e só tem que acrescentar que, falando ele Respondente em certa ocasião com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e ponderando-lhe, que em Minas Gerais se não podia viver com independência de Portugal, em razão dos gêneros, que de lá vinham, sem os quais se não podia passar, e eram necessários, disse o dito Alferes a ele Respondente, que as coisas estavam mais adiantadas do que cuidava, porque havia correspondência com uma potência estrangeira, que lhe nomeou, e ele Respondente se não lembra qual seja, e que os filhos da Capitania de Minas Gerais, que tinham viajado pelos países estrangeiros, tinham adiantado muito neste negócio, principalmente o último que viera, cujo nome lhe não disse; mas ficou ele Respondente entendendo ser José Álvares Maciel, filho do Capitão-mor de Vila Rica.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, que procurava ainda disfarçar no seu juramento, que adotou como parte das suas respostas; porquanto quer persuadir no seu juramento, que suposto houve em sua casa as conversas sediciosas que declarou, e a que assistiu, e o convidaram para ser sócio da conjuração, contudo nunca aceitaria o partido de entrar nela; a tempo que pelo contrário se convence, que ele com efeito era entrado nela, não só por admitir uma e mais vezes semelhantes conversações em sua casa, como também porque também disse que brigar não podia, mas que daria a pólvora, ou duzentos barris, e chegou a convir nisto com os consórcios deste delito, e ultimamente, tendo os sócios desta conjuração assentado entre si que o primeiro passo dela havia de ser tirar a vida ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General, confessa ele Respondente ter tido que matá-lo não; mas que seria melhor conduzi-lo pelo sertão para a Bahia, ao que ele mesmo se ofereceu, e nem intercederia pela vida do dito Excelentíssimo Visconde General, nem se ofereceria a conduzi-lo à Bahia depois da premeditada sedição ter o seu efeito, a não ser um dos consócios dela.

               Respondeu, que as conversas que houve em casa dele Respondente foram verdadeiras; mas que, sem embargo delas, não aceitou o partido de entrar na conjuração: Que a promessa, que se diz haver feito dos barris de pólvora, é falsa: E que, sem embargo de haver dito que não matassem o general, e de dizer que seria melhor conduzi-lo pelo sertão para a Bahia, e de se oferecer para fazer esta diligência; nunca contudo prestou o seu consentimento a entrar na dita conjuração. E por esta forma houve o dito Desembargador por ora estas perguntas por feitas, e acabadas, e deu o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade pelo que respeita a terceiro, e assinou o dito Desembargador com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as acharem na verdade; e declara ele Respondente, que o que mais acrescentou nestas perguntas, e o não tinha dito, nem no juramento que deu nesta Devassa, nem nas perguntas que se lhe fizeram na Devassa que tirou em Vila Rica o Doutor Ouvidor, e Corregedor da dita Comarca, foi por de novo lhe ter lembrado: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto Domingos de Abreu Vieira José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Joaquim Silvério dos Reis — 15-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quinze dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração, formada em Minas Gerais, junto comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente da Câmara de Vila Rica eleito, e Escrivão assistente, para efeito de se continuarem as perguntas ao Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, preso incomunicável nas ditas cadeias; e sendo aí pelo dito Conselheiro foi mandado vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, se era o mesmo Domingos de Abreu Vieira, e se ratificava as respostas que deu às perguntas antecedentes, por as achar conformes, as quais lhe foram lidas?

               Respondeu, que era o próprio Domingos de Abreu Vieira, e que ratificava as respostas antecedentes, por estarem conformes com o que respondido tinha.

                Foi perguntado, se além do que tinha declarado, tinha mais alguma coisa que dizer sobre o levante projetado; porquanto constava que ele Respondente tinha deixado de declarar algumas circunstâncias, e alguns sócios, que tratavam na dita conjuração, ou dela sabiam.

                Respondeu, que o que sabia, o tinha declarado, e não sabia mais coisa alguma.

                Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que ele Respondente se obrigara a concorrer para a sublevação com pólvora e dinheiro, visto não poder brigar pelos seus anos; e que além disso ocultava alguns sócios da conjuração, da qual ele Respondente era sabedor?

                Respondeu, que era verdade ter dito que brigar não podia, por estar velho; e que antes mandaria vir alguma pólvora para bem da sublevação; e que logo depois, na mesma ocasião em que estava com os mesmos sócios, dissera outra vez, que não mandava vir a dita pólvora, por não ter correspondente nesta Cidade do Rio de Janeiro onde nunca tinha vindo; porém que dinheiro não oferecera; e que tudo aquilo que dissera, tinha sido por graça: e pelo que respeitava à declaração de mais alguns sócios, não tinha mais que declarar; porque de todos os que sabia, tinha já declarado.

                Foi instado que dissesse a verdade inteiramente, o que ainda não tinha feito; porquanto constava que ele mesmo Respondente dissera que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga lhe aconselhara, que não continuasse a fazer obras nas suas casas; porque a capital, feita a sublevação, havia de ser na Vila de São João del-Rei, e que os seus amigos, e parciais do levante, tinham assentado que fosse ele Respondente a Minas Novas, onde foi sempre a sua residência, para reduzir alguns sujeitos a entrarem no levante; e que agora devia declarar tudo o que sabia nesta matéria?

                Respondeu, que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga nunca falou a ele Respondente em matéria do levante, nem que não continuasse obras nas suas casas de Vila Rica, porque a capital, feito o levante, havia de ser em São João del-Rei; nem ele disse a pessoa alguma o contrário disto; e pelo que respeita a ir a Minas Novas, disse que estando em casa dele Respondente, juntos com ele, o Tenente-Coronel Francisco de Paula, o Tiradentes, e Padre José da Silva, tratando sobre o levante aquele Francisco de Paula disse que ele Respondente os podia ajudar para Minas Novas, dando algumas cartas para os seus amigos; mas que ele Respondente não conviera em dar; e somente prometera que quando lá fosse, como fazia tenção de ir para a seca, que era no mês de setembro, lá veria isso.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, para fazer com ele acareação ao Respondente; e sendo aí, se reconheceram reciprocamente o acareante e o acareado; e sendo-lhes deferido o juramento dos Santos Evangelhos pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele prometeram dizer a verdade, e lhes fez acareação pelo modo seguinte.

               E sendo-lhes lido o parágrafo a folhas seis verso, da carta escrita pelo acareante, que se acha junta a esta Devassa, no lugar que diz — que indo falar com o acareado Domingos de Abreu Vieira, fazendo-se parcial dos conjurados, para descobrir, por ordem do Governador de Minas, algumas circunstâncias do levante, que se projetava fazer; e também de alguns sócios mais, que entrassem na conjuração, queixando-se ele acareante do muito que o apertavam os senhores da Junta; então se abriu com ele o acareado, Domingos de Abreu Vieira, com muito custo, sendo preciso dizer-lhe o acareante, que seguia o seu partido, e que sabia tudo, porque lho tinham comunicado o Vigário de São José, e seu irmão; e que então o acareado Domingos de Abreu falara francamente com ele acareante sobre o que sabia do levante, dizendo mais, que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga lhe havia dito que não continuasse obras nas suas casas, porque a capital havia de ser a Vila de São João del-Rei; e que os seus amigos e parciais tinham assentado ir ele, dito acareado, a Minas Novas para reduzir alguns sujeitos a entrarem no levante; e sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o dito parágrafo da referida carta, disse o acareante que é verdade tudo o que disse no dito parágrafo da referida carta tanto a respeito do que ao acareado tinha dito o Desembargador Gonzaga, como a respeito de ir o mesmo acareado a Minas Novas, lugar que tinha sido da sua residência, a convocar e atrair os mais que pudesse, para engrossar as forças do seu partido, e que logo depois da Páscoa ia; pedindo-lhe, por sinal, que nisto não falasse de modo algum, ação que o acareado tinha feito com as mãos levantadas, encarecendo-lhe o risco, que nisto havia; que por Nossa Senhora do Carmo lhe pedia; dizendo-lhe mais, que ele acareado devia à Fazenda Real; ao que respondeu o acareante que o mesmo partido lhe faziam a ele. E dissera mais o acareado, que perdoando-se-lhe o que devia, e com as pataquinhas que tinha, ficava muito bem remediado; e que estavam na sua terra; e tornando o acareante outra vez à casa do acareado, no dia dezenove de abril, dizendo-lhe que se propunha a vir a esta cidade ajudar o Alferes Tiradentes, que para a mesma cidade tinha vindo a atrair ao partido do levante as pessoas que pudesse, e fazer conduzir alguma pólvora para Minas, o acareado lhe dissera que ao mesmo alferes tinha assistido com algum dinheiro; e ao acareante pagou, no dito dia, quatrocentos e vinte oito mil réis por um devedor do mesmo acareante, o que já antes tinha duvidado pagar-lhe; e nessa ocasião, dizendo-lhe que era para vir ao Rio de Janeiro prestar aquele auxílio, se resolveu a pagar-lhe em bilhetes da Régia Extração e que ainda assim pagava adiantado, porque o dito devedor do acareante ainda era devedor a ele acareado. E pelo acareado foi dito, que perante Deus afirmava que o Desembargador Gonzaga lhe não tinha falado em coisa alguma do levante, nem em fazer obras algumas nas suas casas, nem ele acareado com o dito Gonzaga falou nisso em tempo algum; nem ao dito acareante tinha dito daquele Desembargador coisa alguma das suas casas, nem do levante: E que é verdade ter tido ele acareado ao acareante, que estava determinado a ir a Minas Novas, mas para tratar aí das suas cobranças, e assistir à missa nova de um sobrinho seu que tinha mandado ordenar à Bahia, e havia de chegar em agosto; porém não é certo que lhe dissesse que havia de fazer aquela jornada logo depois da Páscoa; pois quando se propunha a ir para Minas Novas, era para o tempo da seca, que é em agosto ou setembro; mas não para engrossar o partido do levante: E é certo que pediu ao acareante que não falasse nele acareado sobre esta matéria: que não falara, nem dissera ao acareante, que entrava no levante, por lhe perdoarem o que devia à Fazenda Real, nem que ficava assim bem com as pataquinhas que tinha; nem também, que estava na sua terra: Que é verdade que dera cem mil réis ao Alferes Tiradentes, quando veio para o Rio de Janeiro, mas por empréstimo, do que lhe passou crédito; e que isto mesmo é o que tinha dado ao acareante; e não dera aquele dinheiro para o dito melhor promover o auxílio do Rio de Janeiro: E que era verdade que pagara naquela ocasião ao acareante os quatrocentos e vinte e oito mil réis, porque lhos pedira com muita insistência pelo devedor do acareante; e isto porque o tal devedor, chamado Antônio Gomes Mafra, era avençador dos Dízimos, de que ele acareado era Contratador; e não porque o acareante viesse para o Rio de Janeiro auxiliar aquele Alferes; ainda que era certo que naquela ocasião lhe disse o acareante, que vinha para o Rio de Janeiro auxiliar o sobredito Alferes Tiradentes: Que era verdade ter feito aquele pagamento ao acareante em bilhetes da Régia Extração; e que antes tinha dito ao acareante que aquele seu devedor já tinha recebido dele acareado, o que lhe podia dever, adiantado, e por isso lhe não pagava; mas que naquela ocasião, em que com efeito pagou, já ele acareado era devedor àquele avençador; mas que talvez ainda assim adiantava alguma coisa no pagamento, que pelo dito avençador fazia; e que isto mesmo poderia então assim dizer ao acareante.

                E o acareante persistiu firme, no que havia dito; acrescentando que tanto era verdade ter-lhe dito o acareado que para Minas Novas havia de partir logo depois da Pácoa, que também aí lhe disse que para esse tempo havia de ir pedir licença ao general; a cuja instância, ficando o acareado vacilante, confessou com efeito, que já tinha falado na licença ao general naquele tempo, assim como também depois do acareado ter confessado que pedira ao acareante, que não falasse nele em matéria do levante; depois negou ter dito, tanto que não falasse no que se tinha tratado geralmente obre o levante, e um e outro tinham falado, como na pessoa dele acareado; e depois se convenceu que sim, que lhe pedira tão somente, que nunca falasse sobre o levante na pessoa dele acareado: do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente.

                E o acareado, quanto ao mais também persistiu firme no que respondido tinha.

                E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita; a qual sendo por mim neste ato lida ao acareante e acareado, acharam estar escrita como respondido tinham; e declara com o Ministro Escrivão assistente, que o acareado esteve neste ato livre de ferros, do que também damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro, Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares de Rocha, Escrivão o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Joaq.m Silvério dos Reis Domingos de Abreu Vieira

               E feita a sobredita acareação, continuou com o dito Respondente as perguntas logo no mesmo ato pela maneira seguinte.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia que faltava, pretendendo desculpar-se em algumas coisas que disse na acareação antecedente; porquanto tendo declarado que fazia tenção de ir para Minas Novas no fim de agosto, para mostrar que nesta ida não tinha ânimo de convocar gente para o levante, o contrário se convence; pois consta da Devassa, que ausentando-se de casa dele Respondente para o Tejuco, o Padre José da Silva Oliveira Rolim, ajustara com ele Respondente dele mandar bestas, em que pudesse fazer a jornada a Minas Novas no tempo que quissesse ir; e que com efeito lhe mandara as ditas bestas no fim de abril, sinal evidente de que a sua jornada a Minas Novas devia ser naquele tempo, e não no mês de agosto, que é o tempo, da seca, como ele Respondente declarou; e sendo a dita jornada dele Respondente a Minas Novas naquele tempo, em que o Padre José da Silva de Oliveira Rolim lhe mandou as bestas, bem se deixa ver que o seu fim era convocar gente para o partido da conjuração, por ser aquele tempo o mesmo em que ele Respondente, e os mais conjurados tratavam da sublevação?

               Respondeu, que era verdade que o padre José da Silva lhe mandara as bestas para ele Respondente fazer a jornada para Minas Novas, e que chegaram pelo fim de abril a Vila Rica; mas que ele Respondente não fazia tenção de fazer aquela jornada senão para o fim de julho ou agosto, que é o tempo da seca; e que isto mesmo tinha respondido ao Padre José da Silva, quando o dito padre lhe disse que tanto que chegasse a Tejuco lhas mandava; e o mesmo Padre José da Silva lhe tornara, que sempre lhe mandava logo as bestas, e que ele Respondente as deixasse estar até quando quissesse; porque ele emprestava bem bestas a uns e a outros; e que nunca a sua intenção fora ir a Minas Novas convocar gente para a sublevação, mas sim para as suas cobranças, e assistir à missa nova do seu sobrinho, o que só podia conseguir naquele tempo, que dito tem.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou estarem conformes, com o que respondido tinha; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente, com o qual dou fé estar o Respondente em todo este ato livre de ferros: e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevia e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Domingos de Abreu Vieira

AO SARGENTO-MOR LUÍS VAZ DE TOLEDO PIZA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 25-11-1789

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Capitão José de Resende Costa 02-07-1791

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 09-09-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 25-11-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e cinco do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão também nomeado para esta Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas ao Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, que se acha preso em custódia, e sendo aí foi mandado vir à sua presença o dito Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte; E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

               E perguntando-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

               Respondeu, que se chamava Luís Vaz de Toledo Piza, que era natural da Vila de Taubaté, da Capitania de São Paulo, de idade de cinquenta anos pouco mais ou menos, filho de Timóteo Corrêa de Toledo, e de Úrsula Isabel de Melo, que era casado, e Sargento-mor de Cavalaria Auxiliar da Vila de São João del-Rei, e que atualmente estava servindo de Juiz de órfãos da Vila de São José, e que não tinha ordens algumas, nem privilégio, que o insentasse da Jurisdição Real, e com efeito vendo-lhe eu o alto da cabeça, lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão.

               Respondeu, que a sua prisão é originada de uma sedição, e levante, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais.

               E perguntado, que sedição, e levante era este, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nele entravam, o modo por que pretendia fazer-se, e se ele Respondente também nele era entrado.

               Respondeu, que a respeito da sedição, e levante, que se pretendia fazer na Capitania de Minas Gerais, as pessoas que nele entravam, e o modo por que se premeditava fazer, já depôs nesta Devassa, desde folhas cento e cinco verso até folhas cento e nove, onde também confessou ser um dos co-réus entrados nele e a razão que teve para prestar o seu consentimento, cujo juramento lhe foi lido no ato destas perguntas, do que dou fé, e a ele se refere em tudo, e com ele responde à pergunta, que se lhe faz, e quer que fique fazendo parte desta sua resposta, como se neste lugar fosse de novo escrito.

               E sendo instado, que suposto tivesse dito a verdade, parecia contudo ter sido nela diminuto; porquanto havendo mais sócios entrados na conjuração, era natural que ele os soubesse, e que assim os devia declarar.

               Respondeu, que ele tinha dito tudo o que sabia, e que tinha vindo voluntariamente entregar-se à prisão, e que não tendo deixado de dizer a sua culpa, nem a de seu irmão Carlos Correia de Toledo, Vigário da Vila de São José, é certo que não haveria outra pessoa, a quem ele quisesse ocultar, se com efeito soubesse que era entrada nesta sublevação, e motim.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, porque constava, que havia outro sujeito sem ser os que ele Respondente tem declarado, a quem ele Respondente tinha participado a conjuração, e que o primeiro passo dela era tirar a vida ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, e depois, a dez de abril, disse ao dito sujeito, na Igreja da Vila de São José, em segredo, que já se não matava ao General, mas sim que se ia por abaixo do registro da Paraibuna, e é natural que este sujeito, a quem participou a conjuração, e depois disse o que determinava fazer os sócios da conjuração a respeito do Ilustríssimo e Excelentíssimo General, fosse entrado nela; assim como também há a mesma naturalidade a respeito dos sobrinhos, e parentes dele Respondente, que se achavam residindo na Vila de São José, e dos familiares do irmão dele Respondente, o Padre Carlos Correia de Toledo.

                Respondeu, que não lhe lembra ter falado a mais pessoa alguma nesta conjuração, nem sabe que outras mais, além das já nomeadas, nela sejam entradas; porém que se algum dia lhe lembrar alguma, protesta nomeá-la.

                E perguntado, se além dos sócios, com os quais declarou ter conversado nesta conjuração, como foram o Coronel Joaquim Silvério dos Reis e o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, conversou com mais algum deles nesta sedição.

                Respondeu, que também falou na dita conjuração ao Coronel Inácio José de Alvarenga, o qual depois de o ouvir, disse a ele Respondente, que isso eram petas, que lhe andava metendo seu irmão Carlos Correia de Toledo.

                E perguntado, se havia gente pronta para o levante, e quem eram; porque tinham prometido dar um tanto número de pessoas.

               Respondeu, que não tinham gente alguma pronta para isso, e que ainda que o irmão dele Respondente, o Padre Carlos Correia de Toledo, a prometesse, e disse que a tinha pronta, é porque tinha facilidade em prometer; porque na verdade a não tinha, que ele Respondente saiba.

               E por esta forma houve o dito Desembargador por ora estas perguntas for feitas, e acabadas, e deu o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade, pelo que respeita ao direito de terceiro, e assinou o dito Desembargador com ele Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as acharem na verdade: E declara ele Respondente, que a respeito desta conjuração, já foi perguntado na Devassa, que em Vila Rica tirou o Ouvidor, e Corregedor da dita Comarca, que as respostas ainda se acham equivocadas, e que só é verdade, o que nestas, e no seu juramento tem dito. E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferro. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa as escrevi, e assinei

Torres

Marcelino Pereira Cleto Luís Vaz de Toledo Piza José dos Santos Rodrigues e Araújo

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Capitão José de Resende Costa — 02-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dois dias do mês de julho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente às mesmas perguntas, para cujo efeito de se fazerem ao réu Sargento-mor Luís Vaz de Toledo foi vindo aí o dito Conselheiro, e mandando vir o dito réu à sua presença, o qual se acha preso incomunicável nas ditas cadeias as continuou pela maneira seguinte.

                Foi perguntado, se era o próprio Luís Vaz de Toledo, que deu as respostas que constam deste auto, que prestou o juramento de folhas cento e cinco verso; se as ditas respostas e juramento estavam conformes, com o que tinha declarado; e agora ratificava?

                Respondeu, que era o mesmo Luís Vaz de Toledo, que deu as respostas que constam deste auto de perguntas, e que prestou o juramento a folhas cento e cinco verso; que agora tudo ratificava, tendo-lhe sido lido tudo o referido.

                Foi perguntado, se tinha mais alguma coisa que declarar, e acrescentar as ditas perguntas de depoimento?

                Respondeu que lhe não lembra mais coisa alguma que tenha que acrescentar, ou declarar novamente; porém entra na dúvida se com efeito chegou a dizer alguma coisa, respectiva à sublevação ao Capitão José de Resende Costa; não para que houvesse de o convidar a entrar na dita sublevação, por ser hojncm velho e doente, incapaz para entrar na dita ação; porém que não tem certeza de que com efeito falasse ao dito Capitão José de Resende.

                E sendo instado que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porque não podia esquecer-se, ou deixar de ter certeza de ter falado ao dito Capitão, nem era possível que fosse comunicar um segredo de tanta importância sem algum fim, sendo o dito Capitão Resende velho e doente, como ele Respondente declara; pelo que deve agora dizer se com certeza falou ao dito capitão, as práticas que com ele teve, e o fim que se propôs?

               Respondeu, que absolutamente não tem certeza de ter falado ao dito capitão, nem que práticas tivesse com ele sobre a sublevação, nem, se acaso lhe falou, teve outro fim mais do que por ser o dito Capitão José de Resende seu amigo e vizinho.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Capitão José de Resende Costa, preso nas mesmas cadeias, e sendo presente, e à vista do Respondente, dito Luís Vaz de Toledo, se reconheceram serem os mesmos reciprocamente, de que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, para haverem de ser acareados sobre o que declarou o dito Capitão José de Resende, nas perguntas que lhe foram feitas a respeito das práticas, que teve com o acareado, que ele não tem declarado com o pretexto de se não lembrar, pelo que mandou o dito Conselheiro, que lhe fosse lido tudo o que respeita às ditas práticas, declaradas pelo acareante José de Resende Costa, o qual persistiu firme, em que era verdade tudo o que tinha declarado, tendo-lhe sido comunicado pelo acareado; e este se não atreveu a negar, que tivesse dito ao acareante tudo quanto ele diz que lhe fora comunicado pelo acareado; e que por lhe não lembrar o não tinha expressado; que tudo quanto se refere nas ditas práticas, poderia ele acareado dizer, exceto que seu irmão Carlos Correia estivesse fechado com o Mestre-de-Campo Inácio Corrêa Pamplona na ocasião da procissão dos Passos, e que o dito vigário seu irmão contasse tudo ao dito Pamplona; e que disto tem ele Respondente toda a certeza que nunca soubera; e por esta razão o não podia contar; e em tudo o mais ficaram conformes, por reconhecer o acareado, que o acareante era homem de verdade, e incapaz de faltar a ela; não obstante a falta de lembrança dele acareado; e por esta forma, depois de lhes deferir o juramento para que dissessem a verdade, houve o mesmo Conselheiro esta acareação por concluída, e sendo-lhes lidas, acharam as suas respostas escritas como dito tinham; e de tudo mandou fazer este Auto, em que assinou com o acareado, e acareante, e Ministro Escrivão assistente: e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Luís Vaz de Toledo Piza José de Resende Costa

               E logo no mesmo ato, tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão o acareante José de Resende Costa, continuou ao Respondente as perguntas da forma seguinte.

               Foi perguntado se tinha lembrança de mais alguma pessoa, a quem tivesse comunicado o que se tinha tratado para o levante, ou se nele entrava mais alguma pessoa além daquelas que tem declarado, pois confessando as práticas, que teve com o Capitão José de Resende Costa, devia ter-se-lhe excitado mais alguma espécie nova sobre a matéria do dito levante?

               Respondeu, que por mais que discorra, lhe não lembra que tivesse prática com mais pessoa alguma além das que ficam expressadas; nem tem notícia de que na dita sublevação entrasse mais pessoa alguma.

               Foi mais perguntado, se tinha alguma coisa mais que dizer, que lhe pudesse servir de desculpa, ou de defesa?

               Respondeu, que sabendo que entravam na conjuração eclesiásticos, e pessoas de mais capacidade do que ele Respondente, que lhe diziam que a liberdade era amável, se persuadia ignorantemente de que não fazia mal, entrar na conjuração; e depois que soube que se prendiam alguns dos ditos conjurados, reconheceu a maldade em que tinha caído, voluntariamente se veio entregar à prisão; e que não tem mais razão de desculpa, e de defesa, do que esta, e as mais que tem alegado, para poder merecer a real piedade de Sua Majestade.

               E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas, por concluídas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes, e como respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Ministro, Escrivão assistente, que neste ato esteve o Respondente livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o mesmo Respondente, e Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Luís Vaz de Toledo Piza

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 09-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos nove dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da dita Relação e Juiz da Comissão, expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas ao Sargento-mor Luís Vaz de Toledo, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu a sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

                E sendo-lhe novamente lidas as perguntas, e juramento, de folhas cento e vinte cinco verso, disse que as respostas, e juramento estavam conformes, e novamente ratificava tudo com declaração que, suposto dissesse que entrava no levante o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, por lhe ter assim dito seu irmão, o Padre Carlos Correia de Toledo, contudo deixou de declarar o que agora declara, que depois o mesmo seu irmão Carlos Correia de Toledo, quando estava para se retirar dissera a ele Respondente, que o que lhe pesava era ter dito que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga entrava no levante metendo-o nisso, sem que o dito Desembargador entrasse nas idéias da sublevação, e motim.

                Mais declara, que suposto dissesse que Joaquim Silvério dos Reis tinha falado a ele Respondente, oferecendo-lhe dinheiro para ir convidar gente para o levante na Capitania de São Paulo, contudo isto não foi assim, porque ele Respondente foi quem falou a Joaquim Silvério, comunicando-lhe que se projetava o levante: e o motivo que ele Respondente teve para dizer ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes que Joaquim Silvério lhe tinha falado pelo modo que referiu, foi porque, como o dito Joaquim Silvério estava justo para casar com uma sobrinha do dito Francisco Antônio, julgou ele Respondente, que aquele seria o modo melhor de convidar o dito Francisco Antônio, quando lhe falou no levante; mais declara, que suposto dissesse, e persistisse em uma acareação, que teve com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, em que confessou que quando falara ao dito Francisco Antônio, depois de algumas prisões feitas aos réus, lhe dissera que era melhor morrer com a espada na mão, do que como carrapato na lama; e que assim lho mandava dizer seu irmão, o Padre Carlos Correia; porém suposto que ele Respondente açsim confesasse na dita acareação, contudo só era verdade, o ter ele Respondente dito que era melhor morrer no mato, do que andar por prisões; e que então, na dita acareação dissera o contrário, por ser ignorante: e com as referidas declarações, ratifica tudo o mais que respondeu às perguntas, e que depôs no dito juramento.

               Foi perguntado, se algum dia seu irmão, o Vigário de São José, lhe falou em que no levante entrava algum Doutor das partes do Sabará?

               Respondeu, que nunca seu irmão falou a ele Respondente sobre entrar no levante algum Doutor das partes do Sabará, nem disso teve ele Respondente notícia alguma.

               Foi perguntado, se ele Respondente tem conhecimento com algum Doutor das partes do Sabará; ou se sabe que seu irmão, o Vigário de São José, tenha o dito conhecimento?

               Respondeu, que nem ele Respondente conhece Doutor algum das partes do Sabará, nem sabe que seu irmão, o Vigário de São José, o conheça.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por acabadas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, declarou ter dito a verdade, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, como também que neste ato esteve o réu livre de ferros; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares cla Rocha

José Caetano César Manitti

Luís Vaz de Toledo

AUTO DE PERGUNTAS A JOSÉ ÁLVARES MACIEL

INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 05-09-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza de Villegagnon — 26-11-1789

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e seis do mês de novembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza de Villegagnon aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão também nomeado para esta Devassa e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se fazerem perguntas a José Álvares Maciel, que se acha preso em custódia, e sendo aí foi mandado vir à sua presença a José Álvares Maciel, e vindo se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

                E perguntado-se-lhe, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava José Álvares Maciel, que era filho de José Álvares Maciel, Capitão-mor de Vila Rica, e de Dona Juliana Francisca de Oliveira, natural de Vila Rica, Capitania de Minas Gerais, de idade de vinte oito anos pouco mais ou menos, solteiro, e bacharel formado em filosofia

pela Universidade de Coimbra, que não tinha ordens, nem privilégio algum, que o isentasse da Jurisdição Real, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça lhe não vi tonsura alguma, do que dou fé.

               E perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão?

               Respondeu, que a sua prisão nasce de uma sublevação, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais.

               E sendo perguntado, como sabia dela, se alguém o tinha convidado, quem, como, e onde?

               Respondeu, que a primeira vez que ouviu a má proposição, de que a Capitania de Minas Gerais havia de ser independente e livre, foi ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha — o Tiradentes — nesta Cidade do Rio de Janeiro, na ocasião, em que ele Respondente chegou de Portugal, e se passava para as Minas, que foi pouco mais ou menos no mês de agosto, ou setembro do ano de mil setecentos e oitenta e oito, indo o dito Alferes à casa dele Respondente primeira, segunda, e mais vezes, na segunda entrou a falar nas produções, e qualidades que tinham as Minas para poderem ser independentes, e ultimamente concluiu que ele assim o intentava pôr em execução; porque tinha das maiores pessoas, e das mais ricas, de quem podia conseguir dinheiro para fazer um trapiche, e para meter umas águas de Andarai na cidade, o que tudo lhe havia de dar dinheiro considerável de renda, e que sendo rico, lhe ficava fácil mover o levante, e convidando a ele Respondente para ir ver as águas, viu a dificuldade, e os encontros, que aquilo havia de ter, e conheceu que as suas idéias eram de pouco juízo, e assim refutou a proposição a respeito do levante; mas depois da segunda vez ouviu tratar esta matéria entre pessoas mais caracterizadas, como em conversação, dizendo as circunstâncias, em que se achavam as Minas, as produções que tinham, e como podiam viver sobre si, mas não passou a mostrar-se na conversação ânimo, ou vontade, de que se pusesse em efeito, o que sucedeu na ocasião em que ele Respondente tinha chegado do sertão de Minas Gerais, de ir examinar nele as produções da natureza, entrando em casa de seu cunhado, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, estando este presente, o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Padre Carlos Correia de Toledo, Vigário da Vila de São José, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e depois, passados mais alguns dias, estando os mesmos sujeitos na mesma casa, e além deles o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, entrando ele Respondente, os achou a tratar a mesma matéria; porém já com muito adiantamento, porque se passou a traçar como se podia pôr em execução, porque depois de se falar nas produções que havia, disse o Coronel Inácio José de Alvarenga, que as Minas podiam ser livres da sujeição real, e dizendo ele Respondente, que viria a suceder não nos seus dias, tornou o dito Coronel Alvarenga, que nos seus dias mesmo podia ser, em razão da derrama que vexava o povo, e que por isso geria fácil em se mover a sacudir o jugo, e ponderando ele Respondente que o povo, ainda que o açoitassem, sofreria tudo, mas que ainda que assim não fosse, havia um grande obstáculo, que era o número dos negros ser maior que o dos brancos, e que para conseguirem a liberdade tomariam o partido contrário, matando os brancos, e suposto que o dito Coronel Alvarenga quis remediar isto, dizendo que se lhes daria primeiro a liberdade, sempre ele Respondente lembrou que não ficaria em boa ordem o serviço das Minas, e de tudo o mais lembrado além disso, que ainda que se fizesse o que o dito Coronel Alvarenga também aconselhava, que era forrarem-se só os crioulos e mulatos, o que não sucederia sem risco da anulação entre uns e outros, acrescia que o número dos europeus, que não é pequeno, sendo bem poucos os que se acham estabelecidos com ânimo de residir, que para isso seria necessário cortar a cabeça a todos, e dizendo o Padre Carlos Correia de Toledo, Vigário da Vila de São José, que este era o seu voto, disse o Coronel Alvarenga que isso era impiedade, que nem todos seriam contrários ao partido da sublevação, que se fosse necessário se poriam fora, o que ele Respondente achava mais próprio, por ver que, sendo a maior parte dos pais de família europeus, não haviam os filhos de consentir na morte deles, passando-se porém por estas dificuldades, dizia o Alferes Joaquim José da Silva Xavier que a maior ação, de maior risco e dificuldade, a queria ele para si, e que já tinha ideado o modo da bandeira, que haviam de ser três unidas em uma, significando as três pessoas da Santíssima Trindade, ainda que ele Respondente não está muito certo nos projetos do dito alferes, porque provocaram mais o riso do que a contemplação séria; porém o Coronel Alvarenga assentou que a bandeira havia de ser um gênio com uma cadeia quebrada nas mãos, e por baixo um dístico, que ele Respondente não lembra, e isto era suposto a ação feita sem grande dificuldade, dizendo o Padre Carlos Correia de Toledo, Vigário da Vila de S. José, que daria cem homens, e que a Vila de S. José, ficava por sua conta, o Coronel Alvarenga que a gente da Campanha do Rio Verde ficava à sua conta, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que daria a do Serro, e que mandaria vir do Rio de Janeiro seiscentos ou oitocentos mil réis, que lá tinha em pólvora, e ultimamente concluíram todos os sobreditos, que esta sublevação se fazia, a não ser contra ela o cunhado dele Respondente, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, ao que ele respondeu que ainda sentia suas dificuldades em ter efeito a sublevação, e motim; mas contentou com eles, e não se opôs, assim como também ele Respondente.

                E instado, que dissesse completamente a verdade, que ainda dizia com diminuição; porquanto do seu mesmo juramento consta que ele ouvira falar a diferente pessoa, e em diferente ocasião nesta sublevação, e motim que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, e também consta que nos conventículos, que fizeram em casa de seu cunhado, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, assistiram mais pessoas do que as que declara.

                Respondeu, que também ouviu falar nesta sublevação, e motim na forma que declarou no juramento que deu nesta Devassa ao Doutor Juiz de Fora atual da Cidade de Mariana, na forma em que disse no seu juramento, desde folhas noventa e sete até folhas noventa e oito verso, a que se reporta, como parte desta resposta: E que quanto aos conventículos, que se fizeram em casa de seu cunhado, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, a que ele Respondente assistiu, não esteve mais pessoas alguma do que as que nomeou.

                E sendo mais instado, que dissesse a verdade, porque naquelas conversações, que ele Respondente tem declarado, tratou-se o negócio com mais miudeza do que o Respondente tem dito, de forma que até ele Respondente se obrigou a aprontar as manufaturas, e talvez que já ele Respondente fosse à Inglaterra a instruir-se nisso para este fim, o que deve declarar, se teve algumas pessoas que lhe concorressem com a despesa para isso, ou se na Inglaterra tratou, ou ouviu tratar de auxiliarem os daquela nação este projeto do levante.

               Respondeu, que se não tratou o negócio com mais miudeza alguma, do que tem declarado, que sim se falou em manufaturas, mas ele Respondente se não encarregou delas, nem podia se encarregar delas, porque, em ano e meio que esteve na Inglaterra, não podia compreender coisa de consideração, mais que alguma curiosidade, que não fora mandado por pessoa alguma à Inglaterra, aonde fora para melhor se instruir na química, tendo para isso a módica assistência, que lhe fazia seu pai, de dez mil réis por mês, e que naquele reino não ouvira falar nunca em pretensão de levante desta América, a única coisa que ouviu, que respeitasse à América foi dar-se a novidade em uma gazeta de Oxford, que tinha falecido o Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Brasil, Luís de Vasconcelos de Sousa, e logo disseram alguns negociantes, que ali se achavam, e ele Respondente não conhece, que se fosse certa a notícia, que era boa ocasião de mandar quatro navios para a costa do Brasil, porque governando ele se não podia passar contrabando algum.

               E por mais instâncias que se lhe fizeram, nada mais declarou, dizendo que não teria razão de ocultar mais alguma coisa se a soubesse, ainda tendo-se incluído a si, e a seu cunhado, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada. E por ora houve o dito Desembargador estas perguntas por feitas, e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade, pelo que respeita ao direito de terceiro, e assinou com o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, e o Respondente, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas em liberdade, e livre de ferros: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa, as escrevi, e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

José Álvares Maciel

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 06-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos seis dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuracão formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para o efeito de se continuarem perguntas à José Álvares Maciel, preso incomunicável nas mesmas casas; e sendo aí mandou vir à sua presença o dito réu e lhe continuou perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado, se as suas respostas estavam conformes?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava com as declarações seguintes, que agora faz; que na parte em que disse que o Alferes Joaquim José da Silva propusera que a bandeira havia de ser três bandeiras unidas em significação da Santíssima Trindade; e que o Coronel Inácio José de Alvarenga dissera que havia de ser um gênio com umas cadeias quebradas nas mãos, e um verso latino, que lhe não lembra, declara agora ele Respondente que na dita conversação, se não explicou o dito alferes pela palavra — bandeira — mas sim pela palavra – armas — e que tudo o mais, exceto a equivocação que teve nas referidas palavras, foi a mesma verdade. Mais declara, que o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, se não explicara naquela conversação, como ele Respondente disse nas respostas às perguntas, que lhe foram feitas, dizendo que o dito Vigário dissera que a Vila de São José ficava por sua conta; porquanto foi equivocação dele Respondente; e só é verdade, como agora declara, que o dito vigário dissera que se obrigava a pôr prontos cem homens; e do mesmo modo se equivocou, dizendo que o Coronel Alvarenga dissera na mesma conversação, que a gente da Campanha do Rio Verde ficava à sua conta; porquanto só é verdade, como agora declara, que o dito Coronel Alvarenga só disse que, se se fizesse o levante, ele tinha na Campanha uns poucos homens chamados — pés rapados — que podiam servir para isso; e que também lhe não lembra se o Padre José da Silva de Oliveira Rolim disse, ou não, que a agente do Serro ficava por sua conta, sendo sem dúvida, que disse mandaria o mesmo Padre José da Silva, vir os seiscentos ou oitocentos mil réis, que tinha nesta cidade, em pólvora: e com estas declarações ratificava as respostas, que deu às perguntas.

               Foi perguntado, se mais alguma pessoa, além das declaradas nas suas respostas, falou sobre o estabelecimento da República na Capitania de Minas; ou se sabe que alguma pessoa mais assistisse a alguma das conversações, que houve sobre esta matéria, em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada?

               Respondeu, que nem ele Respondente falou com mais pessoa alguma sobre a mesma matéria, nem sabe que às conversações em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula assistissem mais pessoas além daquelas que declarou,

               Foi mais perguntado, se conhece o Doutor José de Sá Bittencourt, se com ele tinha trato, amizade, ou parentesco?

               Respondeu, que com o dito José de Sá Bittencourt teve amizade desde o seu tempo de Coimbra; que em Vila Rica o achou, quando ele Respondente se recolheu, vindo de Lisboa, aonde tinha chegado de Inglaterra; e que em Vila Rica falou ao dito José de Sá, e o tratou; porém que com ele não tem parentesco algum.

               Foi mais perguntado se nessa ocasião, ou em outra qualquer, tocou ele Respondente ao dito José de Sá na sublevação, ou independência das Minas, ou teve alguma outra prática sobre as riquezas, e vantagens da América com o mesmo José de Sá?

               Respondeu, que lhe não lembra, que tivesse com o dito José de Sá prática alguma, respectiva à independência da América, nem na ocasião em que o encontrou em Vila Rica, nem em nehuma outra.

               Foi mais perguntado, se sabe que o dito José de Sá fosse algumas vezes à casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, e se ele Respondente lá se encontrou com ele?

               Respondeu, que sabe que o dito José de Sá algumas vezes foi à casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, na ocasião em que esteve em Vila Rica, que foi antecedente ao tempo em que se moveram as práticas sobre a independência da América; e que ele Respondente nunca se encontrou com o dito José de Sá em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada.

               Foi instado que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, porquanto constava com certeza que, em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, se comunicara ao dito José de Sá Bittencourt o projeto da independência da América, indicando-se o dito José de Sá por um doutor das partes do Sabará, que sabia do mesmo projeto; e que ele Respondente agora deve também declarar, refletindo na obrigação do juramento que tomou?

               Respondeu, que não sabe se ao dito José de Sá se comunicou por alguém o projeto da independência da América, ou se ele esteve em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada em ocasião que tocasse em alguma matéria respectiva à dita independência; porque ele Respondente nunca na dita casa o encontrou, nem com ele falou sobre semelhante matéria.

               Foi mais perguntado se o dito José de Sá veio a Vila Rica mais algumas vezes além daquela em que ele Respondente diz que o encontrara, quando se recolheu de Portugal?

               Respondeu, que veio mais algumas vezes à dita Vila.

               Foi perguntado, quando o dito José de Sá vinha a Vila Rica, a casa onde pousava, se ele Respondente o visitava, e as casas que o dito José de Sá frequentava mais?

               Respondeu, que quando o dito José de Sá vinha a Vila Rica, visitou ele Respondente em casa de Antônio José, cirúrgião-mor do Regimento; porém que não sabe as casas que o dito José de Sá frequentava; porque nem acompanhava com ele, nem o encontrou pelas casas por onde ele Respondente ia.

               Foi mais perguntado, se das mais vezes em que o dito José de Sá veio a Vila Rica, alguma delas foi na ocasião em que se falava na independência da América, ou depois que se moveu essa prática.

               Respondeu, que antes que se movesse a prática sobre a independência da América, veio o dito José de Sá a Vila Rica; e também lhe parece que aí veio depois que houve as ditas práticas, porém que no tempo em que elas se moveram, e trataram, não veio o dito José de Sá àquela Vila.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas, e sendo estas por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Ministro Escrivão assistente declaro, que neste ato esteve o réu livre de ferros: e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Torres

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José Álvares Maciel

AUTO DE PERGUNTAS AO PADRE JOSÉ DA SILVA E OLIVEIRA ROLIM

1a INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras

2a INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras

2a INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação.

2a INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação – Acareação com Francisco de Paula Freire de Andrada, Domingos de Abreu Vieira e Joaquim José da Silva Xavier

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 13-04-1790

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos treze dias do mês de abril, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca e Escrivão também nomeado para a presente Devassa, aí mandou o dito Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres vir à sua presença o Padre José da Silva de Oliveira Rolim, que se acha preso em custódia na dita Fortaleza, e vindo o sobredito padre se procedeu com ele a perguntas na forma seguinte.

                E perguntando-lhe: como se chamava, de quem era filho donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, que emprego tinha, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava o Padre José da Silva de Oliveira Rolim, que era natural do Arraial do Tejuco, Comarca do Serro Frio, Capitania de Minas Gerais, filho do Sargento-mor José da Silva de Oliveira, primeiro Caixa dos Diamantes, e de Dona Ana Joaquina Rosa, que tinha quarenta e um anos, que era presbítero do Hábito de S. Pedro, que vivia em casa de seu pai e também do rendimento dos seus bens, e com efeito vendo-lhe o alto da cabeça nela vi sinal, de que andava tonsurado, de que dou fé.

               E perguntando-se-lhe se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão.

               Respondeu, que tendo sido preso na Comarca do Serro do Frio, na fazenda de seu pai chamada o Itambé, e conduzido para Vila Rica, nesta se lhe fizeram diferentes perguntas pelo Ouvidor, e Corregedor da mesma Comarca, Pedro José de Araújo Saldanha, na Devassa a que procedeu pela sublevação, e motim, que pretendia fazer-se na Capitania de Minas Gerais, da qual Devassa era Escrivão o Ouvidor e Corregedor da Comarca do Sabará, José Caetano César Manitti, e pelas perguntas que na dita Devassa se lhe fizeram, ficou ele Respondente certo que a sua prisão nascia e a ela dera causa a dita projetada sedição e motim.

               E perguntado, depois de lhe serem lidas as ditas perguntas, que se acham apensas à Devassa, que se tirou na dita Capitania, no apenso do número dezesseis, e a Devassa de Minas apensa a esta, se de novo as ratificava, pois que foram feitas sem assistência de Escrivão, ou Tabelião, e na falta dele, de duas testemunhas na forma da lei, e agora se achava também presente o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para assistir a esta ratificação, e fazer as ditas perguntas legais, e dissesse ele Respondente se às ditas perguntas apensas tinha que aumentar, ou diminuir, e se eram as próprias, que se lhe haviam feito.

                 Respondeu, que as perguntas que neste ato se lhe leram, como também as respostas que ele respondente deu, eram as mesmas que se lhe tinham feito em Vila Rica, na Devassa a que lá se procedeu e que se acha apensa a esta, e que ele Respondente de novo as ratifica, e só declara que nas ditas perguntas, que formam na dita Devassa de Minas o apenso do número dezesseis, a folhas cinco verso do dito apenso, se narrou uma conversa, que ele Respondente teve com o Tenente-Coronel da tropa paga de Minas Gerais, Francisco de Paula Freire de Andrada, sobre lhe derrogar o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General da dita Capitania, licença para ele Respondente ir para o Tejuco, ratificando ele Respondente neste ato toda a dita conversação, na forma em que ela se escreveu, e se acha escrita, só não ratifica a conclusão da mesma, em que se diz que o dito Tenente-Coronel dissera a ele Respondente — e nos havemos de governar — porquanto não tem ele Respondente lembrança, que o dito Tenente-Coronel tal proferisse; igualmente declara, que no mesmo apenso do número dezesseis, a folhas nove verso, se diz que o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada procurara de propósito, e positivamente a ele Respondente, para lhe dizer que convidasse gente para a sublevação e motim, o que não é assim na forma que se escreveu; porque o dito Tenente-Coronel não procurou positivamente a ele Respondente para este fim, e só é verdade que lhe fez a dita recomendação em ocasião que ele Respondente foi à sua casa, e com estas declarações retifica ele Respondente as ditas perguntas. E por ora houve o dito Desembargador estas perguntas por findas, e acabadas, e deu juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade pelo que respeita a terceiro, e as assinou com o Respondente e Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor desta Comarca e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Padre José da Silva e Oliveira Rolim

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 17-04-1790

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos dezessete do mês de abril, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor desta Comarca e Escrivão também nomeado para a mesma Devassa, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, para efeito de se continuarem perguntas ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que se acha preso em custódia na dita Fortaleza, e sendo aí mandou vir à sua presença ao dito Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e vindo se continuou com ele a perguntas na forma seguinte.

                E sendo-lhe lidas as perguntas, que se lhe haviam feito, e perguntando-se-lhe se eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                Respondeu que eram as mesmas, e de novo as ratificava.

                E sendo perguntado por tudo o que sabia da intentada conjuração pois que sendo um dos sócios dela, não haverá coisa que ignore, do que se tinha premeditado e deve agora declarar tudo individualmente.

               Respondeu, que tendo diligenciado voltar para o Tejuco, donde tinha sido despejado pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Luís da Cunha de Menezes, e fazendo para este efeito requerimento ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General de Minas Gerais, no qual mostrava atestações, e folhas corridas, de que se achava sem culpa e vendo que assim mesmo lhe não deferiu o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General, veio ele Respondente por casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e queixando-se disto, ele lhe respondeu que deixasse estar, que até meado de fevereiro se havia de recolher para o Tejuco, ou com despacho, ou sem ele, e dizendo o Respondente como aquilo havia de ser, lhe tornou o mesmo Tenente-Coronel, perguntando-lhe — se ele Respondente prometia guardar segredo – e tendo-lhe dito que sim, disse que estava para se lançar a derrama, e que o povo se havia de opor, e que ele dito Tenente-Coronel iria por casa dele Respondente para lhe explicar isto melhor, pois naquela ocasião estava para sair: Esta foi a primeira ocasião em que ele Respondente teve idéia da intentada sublevação, que foi em vinte e um do mês de dezembro de mil setecentos e oitenta e oito.

               Depois sucedeu ir o Alferes Joaquim José da Silva Xavier à casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, onde ele Respondente se achava hospedado; cumprimentando-o o dito alferes, perguntou como ele Respondente ia com os seus requerimentos e dizendo o Respondente, que não tinha sido deferido, lhe disse o dito alferes, “aí tem Vossa Mercê, o que sucede, este Governador, e Capitão-General, o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde, era em quem se tinham as maiores esperanças, de que não faltaria à justiça, e ele não defere à um requerimento, em que Vossa Mercê se justifica tanto; a culpa temos nós em estar sofrendo estas coisas, deixe que Vossa Mercê verá”, ao que ele Respondente disse ao dito alferes que já sabia o que ele queria dizer, ao que ele dito alferes lhe perguntou, pois quem lho disse, foi o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, ao que ele Respondente lhe disse que sim, e depois continuou o dito alferes a ponderar as circunstâncias do pais, a sua riqueza, e que não podia haver dúvida em se sustentar independente.

               Posteriormente, daí a dias veio o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada à casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, onde ele Respondente se achava hospedado, e tornando se a falar na mesma matéria, perguntou a ele Respondente se Domingos de Abreu Vieira já sabia da sublevação, e motim, e como lhe dissera que não, lhe recomendou o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que lhe participasse, do que ele Respodente se escusou, e depois entrando o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada a falar com o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, depois quando saiu disse a ele Respondente, que já tinha falado ao dito Domingos de Abreu Vieira, e o capacitara a entrar na dita sublevação, e motim, dizendo-lhe que havia de pagar à derrama uma grande soma de dinheiro.

               Depois de passados alguns dias, vindo ele Respondente pela rua em que mora o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, vendo luz no seu quarto, entrou a tempo que achou com o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e depois entrou o Doutor José Álvares Maciel, e a poucos passos se entrou a falar na derrama, e se mandou chamar o Coronel Inécio José de Alvarenga, o qual veio, e entre todos se entrou a falar na matéria da sublevação, e motim, que se intentava, dizendo-se que, pondo-se a derrama, o povo se oporia a ela, que o Regimento estava pronto para favorecer o partido do povo, que poderia haver falta de pólvora, e todos concordaram em mandar vir, e ele Respondente disse que tinha nesta cidade algum dinheiro, que o mandara ir empregado em pólvora; ouviu mais ele Respondente na dita ocasião ao Coronel José de Alvarenga, que na ocasião da sublevação, e motim traria alguma gente da Campanha para o auxiliar, e que ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General o iriam pôr na Bahia pelo sertão, que o Respondente disse que eles não sabiam o que isso era, porque não tinham andado por lá, e que se eles queriam que ele fosse com toda a comodidade, isso não era praticável naquele caminho; pelo que assentaram, em que o remeteriam para o Rio de Janeiro, mandando-o pôr na Paraíba, e que a Ilustríssima e Excelentíssima Viscondessa de Barbacena viria depois com a sua família.

               Depois disto, que mais palavra ou menos, é substancialmente o que ali se passou, se retirou o Respondente, porque tocaram as oito horas, tempo em que costumava recolher-se para cear com seu hospedeiro, o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que não gostava de que lhe faltassem àquela hora, e fora desta ocasião nunca se tratou mais esta matéria em ajuntamento, nem ela teve mais progresso .

               E sendo instado para que dissesse completamente a verdade; pois certamente a há de saber com mais individuação, tanto a respeito de pessoas, que eram entradas nisso, como constava serem, além das que ele tem dito, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, um doutor pequenino das partes do Sabará, os quais também assistiram à conversação em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, além de outros, que ele Respondente há de saber que eram entrados, e a quem falaria para isso, segundo lhe tinha recomendado; e para o que tinha levado algumas cartas, as quais deve declarar de quem, e para quem eram, declarando mais algumas circunstancias que omite, como são as leis, que se faziam, quem estava encarregado delas, e utimamente a senha, que havia para se executar a ação, e que pessoas se intentavam assassinar e matar.

               Respondeu, que ele tem dito substancialmente tudo o que sabe, e é o mesmo que já disse com mais extensão nas perguntas, que lhe foram feitas em Vila Rica, às quais se refere, e assevera que nem o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, nem o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, nem doutor algum pequenino das parte do Sabará assistiram à conversação sobredita, que houve em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, nem lá entraram enquanto ele Respondente lá esteve, que é verdade que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier disse a ele Respondente, que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga também entrava nesta conjuração, e motim; porém como o mesmo alferes disse a ele Respondente, em outra ocasião, que a alguns dizia que entravam várias pessoas a quem ele não tinha falado nem sabia que entrassem, por isso ficou na dúvida, e ainda hoje está nela, de que o dito Desembargador entrasse, e quanto às cartas, é certo que o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada tinha dito a ele Respondente, que falasse a algumas pessoas para entrarem na sublevação, e motim, e dizendo o Respondente que desse o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade algumas cartas para isso, respondeu que sim; porém depois nem as escreveu, nem ele Respondente as foi procurar, e em certo modo veio no conhecimento de que aquilo era por modo de patranha; porque observou, quando estiveram todos na conversação em casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que o Regimento estava pronto, recomendou depois ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que falasse a alguns oficiais do Regimento, e dizendo-lhe o dito Alferes, que lhes falasse ele referido Tenente-Coronel, respondeu que não queria, porque não queria que se soubesse que ele era entrado nesta conjuração, nem também queria saber os mais, que nela eram entrados; e que já tinha falado a dois, que era ao Respondente, e ao Tenente-Coronel Domingos de abreu Vieira, e que não falava a mais ninguém: Além disso observou que tendo o dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada dito a ele Respondente, que ia à sua fazenda do Caldeirão estar cinco ou seis dias, mandou comprar dois chapéus brancos, e dizendo-lhe o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, metendo-o a hulha, que ele fazia gastos, comprando chapéus brancos, respondeu que era para a sua família, porque iam estar todos na sua fazenda do Caldeirão três ou quatro meses; pelo que ficou o Respondente despersuadido dos projetados intentos, que lhe tinham comunicado, e assim se retirou para o Tejuco, cuidando no modo de lá poder subsistir, conseguindo a permissão para isso; e por essa razão, não tinha falado a pessoa alguma, e também porque tinha ouvido dizer ao mesmo Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que o pior crime, que podia cometer qualquer pessoa era convidar para aquele intento: Que na convesação não tinha ouvido falar em feitura de leis, nem na senha, que se havia de dar para se executar a ação, nem tão pouco que se ajustasse matar-se algumas pessoas, que algumas coisas poderiam escapar a ele Respondente: porém cada um conversava o que lhe parecia, e ele não daria atenção a tudo; e que tudo o que sabe é o que tem dito, que não tem necessidade de encobrir coisa alguma depois de declarar a sua culpa, e por mais instâncias que lhe foram feitas, nada mais declarou. E por ora houve o dito Desembargador estas perguntas por findas, e acabadas, e deu juramento ao Respondente de haver nelas falado a verdade pelo que respeita a direito de terceiro, e as assinou com o Respondente, e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade: E declaro, que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade. E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi e assinei.

Torres

Marcelino Pereira Cleto

Padre José da Silva e Oliveira Rolim

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 03-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos três dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação da cidade, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão da mesma diligência, para efeito de se continuarem perguntas ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, preso nos segredos das cadeias; sendo aí mandou vir à sua presença o dito réu, e lhe fez as perguntas seguintes.

               E perguntado, se era o próprio, e se ratificava as perguntas, que lhe foram lidas, e se as achava conformes?

               Respondeu, que era o próprio Padre José da Silva e Oliveira Rolim; que as perguntas, e respostas não estavam conformes com as verdade; porquanto é certo que ele Respondente mentiu na resposta que deu em algumas coisas; e que em outras houve acrescentamento, e mudança, no que ele Respondente disse.

               Foi perguntado, que declarasse agora com a verdade as coisas em que tinha mentido, e as coisas que lhe tinham sido mudadas, ou alteradas.

               Respondeu, que mentiu quando disse que a primeira vez que ouviu falar em levante fora ao Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire, em sua casa, indo entregar-lhe os papéis, em que pretendia que o general de Minas o deixasse restituir à sua casa no Tejuco, donde tinha sido mandado sair pelo General antecedente, Luís da Cunha Menezes; porquanto nessa ocasião lhe não falou o dito Tenente-Coronel em levante; e a primeira vez que ouviu falar na sedição foi depois, em casa do dito Tenente-Coronel, estando presente o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Vigário C. a rios Correia de Toledo, Inácio José de Alvarenga, e o Doutor José Álvares Maciel; que não está certo de quem foi o primeiro que moveu a prática sobre o levante, que principiou por se falar em que se lançava a derrama.

                Que mais mentiu, quando disse que Inácio José de Alvarenga havia de vir com quatrocentos ou seiscentos homens para ajudar o levante, porquanto suposto seja verdade, o que o dito Alvarenga disse a respeito dos quatrocentos ou seiscentos homens, contudo é certo que a ele Respondente não lembra com certeza, se o dito Alvarenga disse que havia de vir com eles para o levante, ou para requerer com eles ao General sobre a derrama. Também mentiu na conversa, que referiu, que havia tido com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, indo ele visitá-lo à casa de Domingos de Abreu Vieira, dizendo ele Respondente, que quando se queixara de que o Governador lhe não deferia o requerimento que tinha feito para se recolher à sua casa no Tejuco, que o dito alferes lhe respondera que o general prometera no princípio grandes esperanças de fazer justiça; e que agora lhe não deferia um requerimento justo; que a culpa tinham todos de o estarem sofrendo, e que ele Respondente dissera que bem entendia o que queria dizer nisso; ao que o dito alferes tornou, dizendo se já o Tenente-Coronel Francisco de Paula lhe tinha falado em alguma coisa, dizendo ele Respondente, que sim; que então principiara o dito alferes a referir as grandes riquezas da América; porquanto só é verdade, ter-se ele Respondente queixado ao dito alferes, de que o General lhe não deferisse, e que o dito alferes lhe respondeu que o general tinha dado no princípio grandes esperanças de fazer justiça; e que agora faltava a ela, deixando de deferir um requerimento justo; e que tudo o mais que referiu a este respeito, foi mentira dele Respondente; pois não necessitava, o dito alferes de perguntar-lhe se o Tenente-Coronel Francisco de Paula tinha dito alguma coisa; quando antecedentemente tinham falado no levante em casa do mesmo Francisco de Paula, ele Respondente, o dito alferes, e as mais pessoas, que tem declarado.

               Que também mentiu, quando disse que em casa de Domingos de Abreu, se tinha falado no levante; porquanto só uma vez disse a ele Respondente o Tenente-Coronel Francisco de Paula, que fosse meter a bulha Domingos de Abreu em sua casa sobre o levante; porém que ele Respondente não esteve presente à prática, que o dito Tenente-Coronel teve com o dito Domingos de Abreu; e só saindo o dito Tenente-Coronel disse a ele Respondente que tinha metido a bulha o dito Domingos de Abreu dizendo-lhe que havia de pagar na derrama uns poucos de mil cruzados; e que nem o dito Tenente-Coronel lhe disse mais coisa alguma da dita prática, nem ele Respondente falou, nem ouviu falar em casa do dito Domingos de Abreu a pessoa alguma em levante; e em tudo o mais que se acha escrito nas suas respostas, além do que aqui declara ser verdade, é mantira dele Respondente. E declara mais, que também mentiu nestas respostas, quando disse que nas perguntas feitas pelo Desembargador José Pedro havia acrescentamento nas respostas dele Respondente; porquanto não há acrescentamento algum, e só as mentiras dele Respondente, que tem re ferido.

               Foi mais perguntado, pela razão que teve para mentir descaradamente nas perguntas que lhe foram feitas pelo Desembargador José Pedro, em que ratificou as de Minas?

               Respondeu, que uma das razões por que mentiu, no que disse a respeito do Tenente-Coronel Francisco de Paula, foi porque sabia que ele o tinha denunciado; e em vingança pretendeu carregá-lo, no que declarou nas suas respostas a respeito do levante, para o fazer mais culpado.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, porquanto não é crível, que um homem sacerdote levantasse um aleive sem temor de Deus em matéria de tanta ponderação, e de tanta consequência?

                Respondeu, que então não tinha temor de Deus, só lhe lembrava a sua vingança, e agora o que tem declarado é por descargo de sua consciência; e que então também dera aquelas respostas por atemorizado, tendo-lhe dito um soldado no caminho, quando veio para esta cidade, que Inácio José de Alvarenga tinha feridas no corpo, dos ferros que lhe tinham posto.

                E por agora lhe não fez o dito Ministro mais perguntas; as quais sendo lidas por mim a ele Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento dos Santos Evangelhos, do que dou fé, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente, que o réu esteve neste ato livre de ferros, e de tudo mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente: E eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

José Caetano César Manitti Francisco Luís Álvares da Rocha Padre José de Silva e Oliveira Rolim

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Francisco de Paula Freire de Andrada, Domingos de Abreu Vieira e Joaquim José da Silva Xavier — 08-07-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos oito dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação dela; aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e ser acareado com os réus, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, Domingos de Abreu Vieira, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, todos presos incomunicáveis nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir à sua presença os sobreditos, os quais se reconheceram reciprocamente pelos próprios, do que dou fé, e lhe continuou as perguntas e acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes deferido pelo mesmo Conselho o juramento dos Santos Evangelhos aos acareado e acareantes, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele prometeram dizer a verdade.

               E o dito Domingos de Abreu Vieira persistiu firme no que depôs no seu juramento a folhas cento e duas, da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, na parte em que declara que o acareado, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim assistira a algumas conversações, que houve em sua casa sobre o levante, por ser o dito padre seu hóspede; e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier persistiu também firme, no que declarou nas suas respostas, de que até duas vezes, que falou com Domingos de Abreu Vieira em sua casa sobre a sublevação, estivera presente, conversando na matéria, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; e o acareante Francisco de Paula Freire de Andrada persistiu firme em que uma vez que falara com Domingos de Abreu Vieira em sua casa sobre a sedição e motim, estivera na dita conversação o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; no que conveio o acareante Domingos de Abreu com os dois acareantes Joaquim José da Silva Xavier, e Francisco de Paula Freire de Andrada sobre o que cada um deles tem declarado; o que sendo ouvido pelo acareado, Padre José da Silva e Oliveira Rolim, negou pertinazmente o que declarou o acareante Joaquim José da Silva, e o outro acareante Domingos de Abreu; e depois de negar, e pretender confirmar a verdade, que dizia também o acareante Francisco de Paula Freire, por fim custou muito a tirar-lhe decisivamente que com efeito era verdade o que tinha declarado o acareante Francisco de Paula Freire; e que ele acareado tinha mentido nas respostas que deu às perguntas antecedentes quando disse que nunca estivera presente a nenhuma conversação, que houvesse sobre o levante, em casa do dito Domingos de Abreu; não tendo nenhuma outra coisa que responder às declarações do dito Domingos de Abreu, e Alferes Joaquim José, mais que uma simples negativa.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por concluída; a qual sendo-lhes Por mim lida, acharam estar conforme com o que respondido tinham; e sendo-lhes perguntado pelo mesmo Conselheiro se tinham nela alguma coisa que acrescentar, ou diminuir, responderam unanimemente, que nada mais tinham que acrescentar, ou diminuir; e declaro com o Ministro Escrivão assistente, que neste ato estiveram uns e outros livres de ferros, do que de tudo dou fé, de assim ter passado; e para assim constar, mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareado, e acareantes, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Alvares da Rocha José Caetano César Manitti Francisco de Paula Freire de Andrade Padre José da Silva e Oliveira Rolim Domingos de Abreu Vieira Joaquim José da Silva Xavier

               E logo no mesmo ato tendo mandado recolher às suas prisões os réus, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, continuou a acareação com o dito Padre José da Silva e Oliveira e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, pelo modo seguinte.

               Tendo negado o acareado, Padre José da Silva e Oliveira Rolim, nas respostas que deu às perguntas, que lhe foram feitas, que tivesse levado alguma carta do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, para seu primo Joaquim Antônio Gonzaga, Ouvidor do Serro, convidando-o para entrar na sedição, e motim, quando se ausentou de Vila Rica para o Tejuco, da casa do acareante Domingos de Abreu Vieira, de quem era hóspede, foi lido o parágrafo a folhas cento e três do depoimento, que deu na Devassa o dito Domingos de Abreu, tirada pelo Desembargador José Pedro; cujo parágrafo diz assim — Que ele testemunha ouviu dizer ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, quando estava para ir para o Tejuco, que ele levava carta do Desembargador Tomás Antônio Gongaza para seu primo Joaquim Antônio Gonzaga, Ouvidor do Serro do Frio, convidando-o para entrar, e auxiliar esta sedição e motim; porém não sabe ele testemunha, nem se o dito padre entregou a carta, nem tão pouco, se dela houve resposta: — O que sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, persistiu o acareante firme, em que era verdade ter ouvido ao acareado, Padre José da Silva, o que depôs no dito juramento; e que disso estava certo sem hesitação alguma; no que persistiu sem embargo das razões que deu o dito acareado, Padre José da Silva; E este persistiu também firme, em que não tinha dito ao acareante Domingos de Abreu, o que ele depôs no seu juramento na forma, que fica declarado; e que o dito Domingos de Abreu se equivocava; porquanto, o que ele acareado podia dizer-lhe era que, indo despedir-se do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, determinando ir para o Tejuco, o dito Desembargador lhe oferecera carta para levar a seu primo Joaquim Antônio Gonzaga, Ouvidor do Serro do Frio, dizendo-lhe que não queria que ele acareado se fosse de Vila Rica para Tejuco sem levar carta sua; e respondendo-lhe ele acareado, que se a carta era de alguma importância, não podia levá-la, porque fazia tenção de se demorar um mês pelo caminho; o dito Desembargador Gonzaga lhe disse então, que a carta não era de importância que precisasse de resposta; pelo que entendeu ele acareado, que a carta que queria dar-lhe o dito Desembargador, era de recomendação, para que seu primo Joaquim Antônio Gonzaga o protegesse nos negócios, que ele acareado tinha; porém que nem esta mesma carta levou, porque, mandando-a buscar à casa do dito Desembargador Gonzaga na noite em que estava para partir para o Tejuco, não estava o dito Desembargador em casa; razão por que foi sem ela; e por ter passado isto com o dito Desembargador, poderia ele acareado dizer ao acareante Domingos de Abreu, que levava carta do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga para seu primo Joaquim Antônio Gonzaga; mas que era impossível que dissesse ao acareante que a dita carta era para convidar o dito Joaquim Antônio Gonzaga para entrar, e auxiliar a sedição, e motim; e não obstante esta afirmação do acareado, sempre o acareante Domingos de Abreu ficou firme, em que era verdade o que tinha deposto, e que se não equivocava; e o acareado ficou também firme, em que só tinha passado com o dito Desembargador Gonzaga, o que fica referido; e que nada mais podia dizer ao acareante; e a cada um deles, acareante e acareado, estiveram tão firmes, e constantes, no que cada um deles declarou, que se não pode conhecer qual deles mentia, ou falava a verdade.

                Foram mais acareados, sobre o que depôs o acareante, Domingos de Abreu Vieira, no parágrafo a folhas cento e dois verso da dita Devassa, em que o dito Domingos de Abreu declarou que o dito Padre José da Silva e Oliveira Rolim, e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier disseram perante ele testemunha, que tinham falado para entrarem na mesma sedição, e motim, aos capitães da tropa paga da Capitania de Minas, Maximiano e Manuel da Silva Brandão; e sendo-lhe lido o dito parágrafo do depoimento, persistiu firme e constante o acareante Domingos de Abreu, em que era verdade tudo o que tinha deposto, e declarado no dito parágrafo; e o acareado Padre José da Silva e Oliveira Rolim persistiu também firme e constante, em que nunca tinha falado com os ditos capitães para entrarem na sublevação, nem ouvira nunca dizer ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, que tivesse falado para entrarem no levante, nem aos ditos capitães, nem a oficial algum da tropa; pelo não era possível que ele, ou o Alferes Joaquim José da Silva, dissessem perante o acareante que tinham falado aos ditos capitães, na forma que o dito acareante depôs; e depois de disputarem muito, o acareante e acareado insistiram cada um, no que fica declarado; e disse o acareante Domingos de Abreu, que se acaso o acareado não tinha falado aos ditos capitães para entrarem no levante, contudo era certo que o acareado lhe tinha asseverado haver falado aos ditos oficiais da tropa; o que talvez seria para persuadir a ele acareante para entrar na sublevação vendo o grande partido que havia, e sem ser possível conformarem-se, persistindo cada um firme e constante, no que tinha dito, se não pode perceber qual deles era o que mentia, ou falava a verdade.

                E por esta forma, houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, não tendo nenhum deles que acrescentar, ou diminuir às suas respostas, como lhes foi perguntado; as acharam conformes, como dito tinham, sendo-lhes por mim lida toda a mesma acareação; e debaixo do juramento, que já recebido tinham, declararam ter dito a verdade, pelo que respeita a terceiro; e estiveram livres de ferros no dito ato, do que dou fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante e acareado, e Ministro Escrivão assistente: e eu o Desembargador dos Agravos Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Aluares da Roclia José Caetano César Manitti

Domingos de Abreu Vieira Padre José da Silva e Oliveira Rolim

1789 VILA RICA

CONFRONTAÇÕES ENTRE AS TESTEMUNHAS:

— Basílio de Brito Malheiro do Lago.

— Antônio José Soares de Castro, e

— João de Araújo e Oliveira.

31-08-1789

Juiz: o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres

Escrivão: Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro

Vila Rica, Casas do Desembargador Torres — 31-08-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos trinta e um do mês de agosto, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casas de aposentadoria do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz da Devassa, a que mandou proceder o Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, nas quais eu também estou aposentado, ai pelo dito Desembargador foi mandado proceder à confrontação entre as testemunhas da Devassa do número nono, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, a testemunha do número quinze, Antônio José Soares de Castro, e a testemunha referida João de Araújo de Oliveira, em razão deste se contrariar no seu juramento com as ditas duas primeiras testemunhas, sendo por elas referido, para por meio das confrontações se poder deduzir a verdade do que cada um deles afirma, do que para constar mandou fazer este Auto: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado o escrevi.

ENTRE BASÍLIO DE BRITO MALHEIRO DO LAGO, ANTÔNIO JOSÉ SOARES DE CASTRO E JOÃO DE ARAÚJO E OLIVEIRA

Vila Rica, Casa do Desembargador Torres — 31-08-1789

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos trinta e um do mês de agosto, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, em casas de aposentadoria do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz da Devassa, a que se mandou proceder pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, nas quais eu também estou aposentado, aí pelo dito Desembargador foram mandados vir à sua presença o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, testemunha que jurou na Devassa debaixo do número nono, a testemunha do número quinze da mesma Devassa, Antônio José Soares de Castro, e a testemunha referida João de Araújo de Oliveira, para efeito de os confrontar pela contrariedade com que depõem; porquanto afirmam as duas ditas primeiras testemunhas, o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago na sua carta, que se acha na Devassa a folhas vinte e sete, e no seu juramento, e o dito Antônio José Soares de Castro no seu juramento, que o referido João de Araújo de Oliveira dissera na presença de ambos, na mesma ocasião lugar e tempo, que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General desta Capitania de Minas Gerais, havia de ser o Governador, e Capitão-General mais desgraçado que tinha vindo a esta Capitania, o que o dito João de Araújo de Oliveira negou haver dito no seu juramento; e porque contra ele resulta presunção de falsidade pelas duas testemunhas contestes, que contra ele aparecem na forma referida, por esta razão se mandou proceder pelo sobredito Desembargador à presente confrontação, e sendo todos juntos, novamente foi afirmado pelos ditos Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, e Antônio José Soares de Castro, que eles haviam deposto a verdade, e que com efeito o dito João de Araújo de Oliveira, que se achava presente, tinha dito na presença de ambos, que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena havia de ser o Governador, e Capitão-General mais desgraçado que tinha vindo a esta Capitania de Minas Gerais, o que constantemente afirmaram; e pelo dito João de Araújo de Oliveira foi dito que ele com efeito, como já jurou, se não lembra de ter dito que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão-General desta Capitania, havia de ser o Governador mais desgraçado que a ela veio nem tão pouco nega que o pudesse ter dito, visto a uniformidade das duas testemunhas referidas; porém que se o disse, a razão que teve para assim o dizer, foi a que as mesmas testemunhas afirmam ter-lhe ouvido na mesma ocasião, de que havia de ser desgraçado o dito Ilustríssimo e Excelentíssimo Governador, e Capitão-General, por se entender com os clérigos, e não teve outra razão por que pudesse dizer o referido, e o princípio que houve para dizer o referido, foi ter sido chamado à sala para ser repreendido o Padre Teodoro, mestre de gramática da Vila do Príncipe, o qual as ditas duas testemunhas afirmam que a esse tempo andava já nesta Vila, e nesta forma, houve o dito Desembargador este Auto por findo, e acabado, no qual assinou com as ditas testemunhas confrontadas: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro, e Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi, e assinei.

Torres

Macelino Pereira Cleto

Basílio de Brito Malheiro do Laqo

Antônio José Soares de Castro

João de Araújo e Oliveira

EM UM BACAMARTE ENCONTRADO EM PODER DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER

Rio de Janeiro — Casa do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres — 12-05-1789

Auto de Exame — Rio, Casa do Desembargador Torres

12-05-1789

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos doze do mês de maio, nesta Cidade do Rio de Janeiro, em casas de residência do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, aonde eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta diligência pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, foi, aí apareceu o alferes do Regimento de Estremoz, que aqui se acha destacado, Francisco Pereira Vidigal, e José Lopes da Costa, Sargento do Regimento de Artilharia, e por eles foi dito que, sendo mandados juntamente com outros soldados a prenderem o Alferes Joaquim José da Silva, por ordem que para esse fim lhes deu o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei, acharam ao dito alferes em umas casas na rua dos Latoeiros, e cercadas elas, entraram pelas portas das ditas casas, que se achavam abertas e encontraram ao dito alferes em um quarto, que há no sótão das ditas casas, metido atrás da cama, com um bacamarte nas mãos, que era o que apresentavam, o que tudo juravam aos Santos Evangelhos ter sucedido no dia dez do presente mês, em que foram à dita diligência, e mandando-se pelo dito Desembargador proceder a exame no dito bacamarte, se achou ter o cano dele de comprimento um palmo e dois terços, com boca de trombeta larga, que se achava com carga de comprimento de dois terços de palmo, que tinha cento e sete grãos de chumbo grosso, pederneira, e escorva pronta, e em termos de dar fogo, cujo exame, e declarações se fizeram na minha presença, e na mesma deferiu o dito Desembargador juramento dos Santos Evangelhos aos sobreditos Alferes Francisco Pereira Vidigal, e Sargento José Lopes da Costa, debaixo do qual de novo afirmaram ser verdadeira a declaração que tinha feito, sendo a tudo presente, por testemunhas, José dos Santos Rodrigues, Tabelião nesta cidade, e João Pacheco Lourenço e Castro, Sargento do Regimento de Artilharia da mesma cidade, e de tudo para constar, mandou o dito Desembargador fazer este Auto, em que assinou, juntamente com o dito alferes, e sargento, e testemunhas: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta diligência, que o escrevi.

Torres

Francisco Pereira Vidigal

José Lopes da Costa

José dos Santos Rodrigues e Araújo

João Pacheco Lourenço e Castro

AUTO DE PERGUNTAS AO PADRE JOSÉ LOPES DE OLIVEIRA

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 17-06-1790

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras 18-06-1790

3ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 14-09-1791

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 17-06-1790

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos dezessete dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e Fortaleza da Ilha dos Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Escrivão das apelações e agravos desta Relação, Manoel da Costa Couto, que sirvo no impedimento do Ouvidor atual, Escrivão desta Devassa, Marcelino Pereira Cleto, para efeito de se proceder a perguntas ao réu Padre José Lopes de Oliveira que se acha preso em custódia nesta mesma Fortaleza e sendo aí foi mandado vir à sua presença ao dito Padre José Lopes de Oliveira e vindo se lhe fez as perguntas seguintes e fiz este termo, eu Manuel da Costa Couto que o escrevi.

               E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, que idade tinha, se era casado ou solteiro, e se tinha algumas ordens.

               Respondeu que se chamava José Lopes de Oliveira, filho de José Lopes de Oliveira e de sua mãe Bernardina Caetana do Sacramento, de idade de cinquenta anos, natural da freguesia da Piedade da Borda do Campo, de Minas Gerais, que era presbítero do hábito de São Pedro e usava de suas ordens e vendo-lhe o alto da cabeça, se achava tonsurada com coroa aberta.

               E sendo-lhe mais perguntado quem o tinha prendido e se sabia a causa da sua prisão.

               Respondeu que ele mesmo Respondente se tinha ido entregar à prisão porque, tendo-lhe dito primeiramente seu irmão, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis tinha vindo denunciar ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General de Minas, não só ao dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, mas também a ele Respondente, e a um seu primo, o Padre Francisco Vidal, morador no sítio do Juiz de Fora, dizendo que o dito Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, no dia da primeira oitava da Páscoa do ano de mil setecentos e oitenta e nove, em casa do Coronel Luís Alves, lhe disse que cedo o havia de por livre da Fazenda Real e que ele Respondente dissera as palavras seguintes: — apelar para a queima dos livros — e que o primo dele Respondente, o Padre Francisco Vidal lhe dissera — quanto mais cedo melhor — e como ele Respondente viu pelas notícias que tinham chegado do Rio de Janeiro, que o mesmo denunciante Joaquim Silvério dos Reis se achava preso, nele assentou, que muito mais se deviam esperar presos os denunciados e por isso se resolveu a ocultar-se, porém depois de andar assim oculto coisa de um mês, se resolveu a ir pessoalmente entregar-se ao Excelentíssimo Governador e ele Respondente mostrar que se achava sem culpa.

               E sendo-lhe perguntado de que modo disse que tinha sabido seu irmão, Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, da denúncia que dera Joaquim Silvério dos Reis, e por que modo se atribuiu a culpa às palavras que o Respondente profere.

               Respondeu que o dito seu irmão, Coronel Francisco Antônio de Oliveira, lhe dissera que sabia da denúncia por lho ter dito o Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador de Minas, a quem o dito Coronel Francisco Antônio fora visitar à Cachoeira, quinze dias pouco mais ou menos antes do Espírito Santo, e tendo falado a respeito de Joaquim Silvério, contando umas coisas que tinha ouvido dizer, respeitantes a levante, ao que o dito Excelentíssimo Governador dissera — que fora Deus que lá o levara porque do contrário estaria ele perdido, porque Joaquim Silvério o tinha ido denunciar na forma que já ele Respondente tem exposto — e que este era o modo por que o sabia, e que as palavras se atribuíam a que o dito Joaquim Silvério dos... tinlia dito aquelas palavras — de apelar para a queima dos Reis ficaria livre da Fazenda Real sem pagar o que devia, por se intentar um levante, e que então se haviam de queimar os livros em que constavam as dívidas.

               E sendo perguntado se com efeito ele Respondente tinha dito aquelas palavras — de apelar para a queima dos livros e os mais, as outras relatadas.

               Respondeu que, nem ele nem os mais, disseram tais palavras e que naquela ocasião em que o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes veio à casa do Coronel Luís Alves, onde estava o Coronel Joaquim Silvério, ele Respondente, e dito Padre Francisco Vidal, não se tratou outra coisa senão a pretensão que o dito Francisco Antônio de Oliveira Lopes tinha de que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis ou lhe pagasse umas fazendas que lhe tinha comprado, ou desmanchasse o ajuste de contrato de venda, sobre o que altercaram muito; por último se ajustaram em pagar os pagamentos vencidos, dizendo o mesmo Joaquim Silvério dos Reis que se tivesse poder de aumentar a Ladainha poria do Coronel Francisco Antônio — libera nos Domine — de que se mostra o enfado que havia entre eles, bem contrário à promessa de o pôr livre da Fazenda Real.

               E sendo perguntado se fora da ocasião referida, houve alguma outra em que ele Respondente dissesse, e os mais, as palavras mencionadas, e se ele Respondente sabia que havia levante ou tinha sobre isso ouvido alguma coisa, o que tudo deve declarar com miudeza.

               Respondeu que e mncnhuma ocasião se juntaram dizendo as palavras de que são acusados e que quanto ao levante, a primeira vez que ouviu falar nele foi na segunda semana da Quaresma, ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, nas casas do Ribeirão, o qual lhe disse, contando como por novidade, que estava para haver um levante nas Minas, dizendo que entravam nele o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o Coronel Inácio José de Alvarenga e que suposto ele Joaquim Silvério era de Portugal, estava pronto para entrar nele e querendo referir alguns sujeitos mais que entravam, ele Respondente não quis ouvir e lhe disse que era o que ele Joaquim Silvério queria, para ficar livre da Fazenda Real e que fosse denunciar logo ao Excelentíssimo Visconde Governador, porque ele Respondente se recordava de ter ouvido dizer que o Alferes Joaquim José, o Tiradentes, tinha falado naquela matéria ao Sargento-Mor Pestana, a quem ele Respondente não sabe bem o nome, e que não merecendo aquela notícia até então atenção alguma, agora pelo dito dele Coronel Joaquim Silvério, achava ele Respondente, que era necessário dizer-se que a notícia não se devia reputar fabulosa, ultimamente ouviu falar na mesma matéria ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, em casa do irmão dele Respondente, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira, onde ele Respondente foi nos princípios de maio de mil setecentos e oitenta e nove e achando-se aí, chegou o dito vigário e depois de conversar com o dito seu irmão, este se recolheu para o interior da casa e disse a ele Respondente que fosse entreter a conversação ao mesmo vigário, o que ele Respondente executou, e entrando para a sala achou ao referido vigário passeando em ar de aflição e perguntando-lhe ele Respondente o que tinha, à força de algumas instâncias lhe respondeu, dizendo que estavam acabadas as suas idéias porque se não podia fazer uma República, que eles pretendiam se fizesse, sem lhe declarar que eram os mais sócios, e que onegócio estava divulgado por se dizer que Joaquim Silvério o tinha declarado, em cujo temor ele intentava embarcar para Lisboa por aqueles dois meses e que fora disto nada mais ouvira ele Respondente a respeito do levante.

               E sendo instado que dissesse a verdade, porque havia de saber muito mais do que tinha declarado, e deve dizer tudo com a maior individuação declarando todas as pessoas que não só eram entradas, que davam favor, ajuda ou conselho, mas até as que tinham notícia do mesmo levante.

               Respondeu que tem dito a verdade do que sabia e que fora do que tem declarado, nada mais sabia.

               E por ora ele Desembargador lhe não fez mais perguntas, dando estas perguntas por concluídas, deferindo o juramento dos Santos Evangelhos em uni livro deles sobre que declarou a respeito de terceiro: e sendo-lhe lidas estas perguntas, as achou estar na verdade ao que havia respondido, de que de tudo fiz este auto que assinou com ele Ministro e o Tabelião José dos Santos Rodrigues, de que de tudo dou fé, que a elas assistiu depois de lhe serem lidas e as achar estarem conformes e assinaram, e eu Manuel da Costa Couto, que o escrevi e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto

José Lopes de Oliveira

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 18-06-1790

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos dezoito dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro, na Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz desta Devassa, comigo Escrivão ao diante nomeado, no impedimento do doutor Ouvidor da Comarca, Marcelino Pereira Cleto, aí mandou ele Ministro vir à sua presença o réu o Padre José Lopes de Oliveira, para efeito de se lhe fazerem novas perguntas, as quais com efeito se lhe fizeram na forma seguinte, e fiz este termo, eu Manuel da Costa Couto, Escrivão nomeado para esta diligência no impedimento do Doutor Ouvidor, que o escrevi.

               E sendo-lhe lidas as perguntas retro e perguntado se eram as mesmas que lhe foram feitas e se as ratificava.

               Respondeu que eram as mesmas e que as ratificava..

               E sendo instado para que dissesse a verdade à qual tinha faltado, querendo encobrir a sua infame culpa, a qual se patenteia das suas mesmas respostas, pois dizendo nelas que fugira ou se ocultara por lhe dizer seu irmão, que Joaquim Silvério tinha denunciado aqueles ditos de palavras, que nega ter referido, confessa ao mesmo tempo ter sido ciente do intentado levante, pelo que diz que ouvira ao mesmo Joaquim Silvério e pelo que também diz que ouvira ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, vendo-se a afetação e falta de verdade com que são dadas tais respostas, porque se Joaquim Silvério lhe dizia que era entrado em tão execrando delito, não devia o Respondente contentar-se com dizer-lhe que devia denunciar, principalmente conhecendo, como ele mesmo declara, que aquela notícia já trazia princípio em uma fala que fizera o Alferes Joaquim José ao Sargento-Mor Pestana, e ultimamente ele Respondente confessa ter plena notícia pelo que diz que ouvira ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo sendo somente certo que ele Respondente era ciente e entrado no mesmo levante, e por isso deve dizer tudo o que se havia traçado a este respeito, pois a ciência que dele teve, não foi pelos modos que declara, porque quando Joaquim Silvério lhe falou, já ele Respondente era sabedor e já tinha falado na matéria com outras pessoas.

               Respondeu, que à vista das instâncias que lhe eram feitas ainda além das que se acham escritas, ele tomava a resolução de dizer toda a verdade do que com ele se tinha passado e a confessar a sua culpa, que toda consiste em ter sido ouvidor das novidades que lhe davam a respeito do malévolo intento do levante, pois ele Respondente nem deu lavor, ajuda ou conselho, nem foi entrado em semelhante coisa, e só faltou ao seu dever em não denunciar, como se verá do que ele Respondente vai expor com toda a verdade.

               Que a primeira vez que ele Respondente ouviu falar em coisa que se possa atribuir a levante, foi no mês de setembro de mil setecentos e oitenta e oito, na fazenda da Mantiqueira, ao dono dela, o Coronel José Aires Gomes, o qual disse a ele Respondente contando, como por novidade — Vossa mercê sabe que no Rio de Janeiro se espera uma armada francesa, e que cinquenta casas estão prontas para os receber, mas que o Senhor Visconde de Barbacena já o sabia, e que ele José Aires tinha dito ao mesmo Excelentíssimo Visconde que seriam os do Rio de Janeiro que obrariam isso, porém que os de Minas liaviam de ser sempre fiéis; ao que ele Respondente replicou e disse — pois não quer nada dos franceses — e o coronel respondeu — nada, hei de ser sempre fiel — e acabou-se a conversação sobre este assunto de sorte que nem o dito coronel lhe disse quem lhe tinha dado aquela notícia, nem quais eram as casas que dizia dispostas a seguirem o partido dos franceses: e esta é a pura verdade, ainda que o dito coronel e seu cunhado digam o contrário disto dirão o que lhe fizer conta e o Respondente resolvido a dizer a verdade, e a sua culpa não tem para que oculte coisas, que lhe não fazem a culpa maior e o que ele Respondente se persuade é que o dito Coronel Aires teria ouvido alguma coisa ao Alferes Joaquim José, quando este tinha passado para cima, no antecedente mês de agosto e por isso contou ou falou a ele Respondente naquela matéria sendo certo que ele Respondente não percebeu se foi simplesmente para contar novidade ou se foi para palpar o ânimo e ver se ele Respondente já sabia alguma coisa; depois passando ele Respondente daí a coisa de oito dias pelo Registro Velho, contou a mesma novidade ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, como lha tinha contado o dito Coronel José Aires Gomes, e então disse o referido Padre Manuel Rodrigues da Costa que aquele dito havia de ser nascido do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o qual tinha passado para cima no mês de agosto e tendo estado em casa do mesmo padre, lhe tinha dado aquela novidade, dando a conhecer o mesmo alferes que desejava que os de Minas seguissem partido de infidelidade e que o mesmo alferes lhe dissera que tinha falado a José Aires na novidade: Depois passados quinze dias ou três semanas, indo ele Respondente à casa de seu irmão, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, morador na ponta do Morro, ali falou também com ele na novidade, querendo advertir ao dito seu irmão para que não desse assenso a novidades de semelhante natureza e aqui principiou a perdição dele Respondente, porque se abriu caminho do dito seu irmão comunicar a ele Respondente as coisas que pelo tempo adiante vieram a suceder e que o Respondente, tendo obrigação de declarar o que soubesse, não se atrevia ao mesmo tempo a promulgar um segredo que mais parecia versar sobre ponto que mostrava terem havido passos errados de que se deviam arrepender, do que de projetos que houvessem de se por em execução contra o Estado, de forma que ele receou perigo para o acautelar e evitar com a denúncia: pois sucedendo passados dois meses tornar ele Respondente à casa do dito seu irmão, o Coronel Francisco Antônio, lhe contou este rindo-se e mofando da parvoice de Joaquim José da Silva Xavier, que com efeito parecia querer convidar gente para o levante, porque falara ao Sargento-Mor Pestana, com quem não tinha amizade e este, dizem, lhe respondera repreendendo-o e dizendo-lhe que ele estava bêbado ou tolo, e assim ficou sem até esse tempo saber mais coisa alguma: Depois nos princípios de março, pouco mais ou menos na segunda semana da Quaresma, disse a ele Respondente o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, na Fazenda do Ribeirão, onde ele Respondente ia dizer missa aos domingos, que estava para haver uma grande novidade de se fazer um levante nas Minas e que suposto ele Joaquim Silvério era de Portugal, que estava pronto para entrar nele e querendo referir os que eram entrados, só ele Respondente ouviu nomear ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e ao Coronel Inácio José de Alvarenga e logo levou as mãos à cabeça pondo-as nos ouvidos e dizendo que não queria ouvir falar em semelhante matéria e que aquilo era o que ele Joaquim Silvério queria, para se livrar de pagar o que devia à Fazenda Real, e assim lhe não deu ocasião de ele continuar porque, perguntando-lhe ele se o Respondente não sabia de nada, lhe respondeu que nem sabia nem queria saber, e que só tinha ouvido dizer que o Alferes Joaquim José tinha falado naquela matéria ao Sargento-mor Pestana, na forma que já relatou e que assim qualquer coisa que se intentasse logo se saberia, e não pode ele Respondente dizer se com efeito o dito Joaquim Silvério entrava no levante ou se usou daquela expressão para tirar do Respondente o que soubesse, sendo certo que a esse tempo nada sabia ele Respondente mais do que tem dito, e só depois da Semana Santa, tornando ele Respondente à casa de seu irmão, o Coronel Francisco Antônio, lhe contou este como mais seriamente, que sempre se podia esperar o levante, porque diziam entrar nele o Desembargador Gonzaga, o Coronel Alvarenga, o Doutor Cláudio, o Cônego Luís Vieira, o Contratador Abreu, o Tenente-Coronel Francisco de Paula, o Vigário de São José, e outros de que ele Respondente se não lembra, e esta é a culpa dele Respondente em não denunciar, porque suposto com certeza não sabia a inteira verdade, sempre já então viu, que seu irmão lhe falou com mais fundamento, ainda que nunca ele Respondente achou que os nomeados, caso fosse verdade a pretensão, pudessem fazer coisa alguma: Depois pelos princípios de maio, pouco mais ou menos, tendo o Coronel Joaquim Silvério dos Reis vindo para o Rio de Janeiro, mandou o irmão dele Respondente, o Coronel Francisco Antônio perguntar por carta a que se dizia ter vindo o Coronel Joaquim Silvério ao Rio de Janeiro, ao que ele Respondente respondeu que o dito Joaquim Silvério se suspeitava ter vindo denunciar, como já ele Respondente declarou no juramento que deu na devassa de Vila Rica, e mandando o dito seu irmão dizer-lhe que chegasse lá, foi com efeito e tendo falado a respeito da vinda de Joaquim Silvério ao Rio de Janeiro, chegou o vigário da Vila de São José, o Padre Carlos, e tendo falado com seu irmão, foi depois dele Respondente, como já disse nas primeiras perguntas, entreter conversação com ele e o viu agoniado e perguntando que tinha, lhe disse que estavam transtornadas suas idéias de se estabelecer uma República e então verificou o Respondente que era verdade o que se dizia dele ser entrado, e de se cuidar em levante, e em República: Depois, tendo-se recolhido à sua casa, tornou seu irmão a mandá-lo chamar, a vinte e tantos de maio e indo, lhe referiu o dito seu irmão, o Coronel Francisco Antônio que tinha ido à Cachoeira e que, tendo lá falado ao General em umas coisas que tinha ouvido dizer de Joaquim Silvério, o dito Excelentíssimo General se abrira com ele e lhe dissera a denúncia que o mesmo Coronel Joaquim Silvério dera dele e do Respondente, como já disse nas primeiras perguntas, por conta de cuja notícia, tratou o dito seu irmão de falar com o Vigário da Vila de São José e para isso convidou a ele Respondente para o acompanhar atrás da serra, o que com efeito fez e chegando lá acharam o irmão do vigário, Luís Vaz de Toledo, que disse que seu irmão não pudera vir e depois conversando ambos pequeno espaço de tempo, so lhe ouviu dizer as últimas palavras àquele Sargento-Mor Luís Vaz que disse — a mim me não hão de pegar, porque esta mesma noite me abalo — e retirando-se para casa, na manhã do dia seguinte, que foi no domingo antes do Espírito Santo, tornaram ambos ao mesmo sítio detrás da serra, onde encontraram o Vigário Carlos Correia a cavalo com um Santo Cristo ao peito, ao qual vigário disse o irmão dele Respondente — “que é isso meu vigário, de Santo Cristo ao peito, já vamos de retirada? •— ao que respondeu o Vigário — “eu já me despedi da vila, lá não torno, não sei o que sucederá” — e assim assentaram todos em se retirarem e fugirem, porque discorreu ele Respondente que Joaquim Silvério certamente tinha ido denunciar em dezessete de março de mil setecentos e oitenta e nove se... as combinações que... Respondente fez que depois disto tinha tornado a Vila Rica na segunda oitava da Páscoa e que então envolveria o Respondente e seu irmão, como este dizia lho declarar o Excelentíssimo Visconde e como ele Respondente tinha notícia já naquele tempo, presumindo-se que tinha vindo denunciar ao Rio de Janeiro e assim mesmo tinha ficado preso, assentou que muito mais fortemente se mandariam prender àqueles a quem ele denunciasse e por isso se resolveu a fugir como já disse ainda que depois tomou o acordo de se entregar; e é verdade que tendo ele Respondente dito alguma coisa, como constará da Devassa, e perguntas, nunca contudo falou com tanta lisura, como agora o faz, pois não pretende já desculpar-se, e que quanto à pessoa, que induzira a seu irmão nada disso sabe, e só pelo que presenciou, presumiu que seria o Vigário Padre Carlos.

               E por esta forma houve ele Ministro estas perguntas por feitas e acabadas, dando o juramento ao Respondente de haver falado a verdade nelas pelo que respeita a terceiro e assinou com ele Ministro e Tabelião José dos Santos Rodrigues Araújo, depois de lhe serem lidas e as achar estarem conforme, ao que tinha respondido, de que eu e o dito Tabelião assistente damos nossas fés, e de tudo mandou ele Ministro fazer este auto e eu Manuel da Costa Couto, que o escrevi e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto

José Lopes de Oliur.a

José dos Santos Rodrigues e Araújo

2a Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 14-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quatorze dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e Casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta Cidade e Juiz da Comissão contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem as perguntas ao Padre José Lopes de Oliveira, preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado se estavam conformes, e se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi perguntado, se lhe lembrava o tempo em que teve a conversação, que refere nas perguntas antecedentes, com Joaquim Silvério dos Reis sobre o projetado levante?

               Respondeu, que segundo sua lembrança, a dita conversação foi nos princípios da Quaresma do ano de oitenta e nove.

               Foi mais perguntado, se ouviu falar no dito levante a mais alguma pessoa, além das que tem declarado; ou se comunicou a alguém e o que sabia nesta matéria?

               Respondeu, que nem ele Respondente ouviu falar em levante além das pessoas que declarou nas suas respostas; nem também comunicou a outrem o que tinha ouvido naquela matéria,

               Foi mais perguntado, se seu irmão Francisco Antônio de Oliveira Lopes, ou algum dos conjurados, além dos que tem referido, lhe disse ou lhe contou também a forma de executar o projeto da sublevação?

               Respondeu, que nunca lhe disseram nem ele Respondente soube a forma por que se traçava por em execução o levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava; porquanto é incrível, que dizendo-lhe seu irmão, e o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, que se projetava fazer um levante, que é negócio em que devia consistir o maior segredo, sendo-lhe este confiado, lhe ocultassem a forma de executar o mesmo projeto; e que ele Respondente, comunicando-se-lhe um negócio tão extraordinário, não tivesse a curiosidade de perguntar a forma com que havia de executar-se?

               Respondeu, que nunca perguntou a seu irmão Francisco Antônio a forma com que se havia de executar o levante, nem o dito seu irmão nunca tal lhe contou; e só ao Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, falando a ele Respondente no levante, disse ele Respondente, que lhe parecia impossível por não haver armas, ao que o dito vigário lhe respondeu que se podia fazer o dito levante; porém não acrescentou a isto dizendo a forma e o modo de fazer o dito levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava; porque dizendo-lhe o dito vigário, que se podia fazer o dito levante, sendo coisa, que a ele Respondente parecia impossível, não era natural que se acomodasse sem fazer ao dito vigário instância para saber como se podia fazer uma coisa, que ele Respondente reputava impossível?

               Respondeu que não teve curiosidade de perguntar ao dito vigário, como se havia de fazer o levante, nem o dito vigário lho disse; porque àquele tempo tanto ele Respondente, como o mesmo vigário, entendiam que Joaquim Silvério dos Reis tinha dado a sua denúncia, e que a sublevação não podia ter efeito por esta causa.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais, sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que neste ato esteve o réu livre de ferros; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José Lopes de Oliveira

AUTO DE PERGUNTAS A DOMINGOS VIDAL DE BARBOSA

INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — Acareação com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes — 21-06-1790.

1ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras Acareação com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes — 21-06-1790

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos vinte e um dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e Fortaleza da ilha das Cobras, onde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, Juiz nomeado para esta Devassa, comigo Escrivão das Apelações e Agravos da Relação desta cidade, Manuel da Costa Couto, que sirvo no impedimento do Doutor Ouvidor atual desta Comarca, Escrivão desta Devassa, Marcelino Pereira Cleto, para efeito de se proceder a perguntas ao réu Domingos Vidal de Barbosa, que se acha preso em custódia nesta mesma Fortaleza, e sendo aí foi mandado vir à sua presença ao dito réu Domingos Vidal Barbosa e vindo se lhe fez as perguntas seguintes, fiz este termo, eu Manuel da Costa Couto que o escrevi.

               Foi perguntado como se chamava, de quem era filho, que idade e ofício tinha, se era casado ou solteiro, donde era natural, e se tinha alguma ordem.

               Respondeu, que se chamava Domingos Vidal de Barbosa, filho legítimo do Capitão Antônio Vidal de Barbosa e sua mulher Tereza Maria de Jesus, natural da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Caminho do Mato de Minas Gerais, formado em medicina na Universidade de Bordeaux, que vive de suas lavouras, que vive no estado de solteiro, e não tinha ordens algumas, e vendo-lhe eu Escrivão o alto da cabeça, lhe não achei sinal algum de tonsura, de que dou fé.

               Sendo perguntado se sabia ou tinha notícia de qual era a causa da sua prisão.

               Respondeu, que sabia ser preso por causa de um levante que se intentava fazer na Capitania de Minas Gerais, pois foi jurar na Devassa que a esse respeito tirou o Ouvidor da Comarca de Vila Rica, para o que foi chamado por ordem do Excelentíssimo Governador de Minas, intimado pelo Furriel de Cavalaria paga, João Rodrigues Monteiro, que o acompanhou a ele Respondente, que chegando a Vila Rica, foi perguntado sobre um referimento, que nele tinha feito o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e depois de denunciar ele Respondente que tinha ouvido a respeito do referido levante por escrito que fez entregar ao Ouvidor de Sabará José Caetano César Manitti, por ordem do Excelentíssimo Governador; e passados seis dias depois da sua chegada a Vila Rica, foi preso e conduzido à cadeia da mesma Vila pelo Porta-Estandarte Francisco Xaxier Machado.

               E sendo perguntado se lhe tinham sido feitas algumas perguntas sobre a matéria do levante.

               Respondeu, que não, e que somente tinha jurado, como já disse, na Devassa tirada pelo Ouvidor da Comarca de Vila Rica e também na que foi tirada por ele Desembargador Juiz desta Devassa, nas quais tinha denunciado, dito, e deposto tudo quanto sabia e tinha ouvido a respeito do levante.

               E sendo instado que dissesse a verdade, porque parecia ainda a não ter declarado com toda a exação, e que deve neste auto de perguntas declarar com toda a miudeza quanto souber a respeito do pretendido levante.

               Respondeu, que nada mais soube nem sabe até hoje mais do que aquilo que tem deposto por juramento nas devassas às quais se reporta, como se aqui o tornasse a referir, pois os ditos juramentos foram prestados à força de muito exame da parte dele Respondente, e de muita indagação da parte dos Ministros; e como ele Respondente nunca pretendeu ocultar coisa alguma, francamente disse quanto sabia, e que por isso requeria que ele, Desembargador Juiz desta devassa, declarasse se quando o inquiriu por testemunha conheceu vontade a ele Respondente de ocultar alguma coisa, ou se viu que ele Respondente fazia diligência por se recordar de tudo e não ocultar coisa alguma: e com efeito por ele Desembargador Juiz desta Devassa foi dito, para satisfazer o requerimento do Respondente, que nenhuma repugnância encontrou nele Respondente para dizer quanto depôs, e que parecia falar com franqueza, do que eu Escrivão dou fé.

               E sendo instado para que dissesse mais completamente a verdade do que sabia, pois suposto pelo modo, e facilidade com que tinha deposto corretamente o que sabia na Devassa, nunca contudo se pode acreditar que ele tenha falado com singeleza a respeito da história de França, que declarou no seu juramento a folhas oitenta e seis verso, o que talvez, procederá dele Respondente se persuadir que o que disse aquele respeito não será fácil poder-se-lhe mostrar o contrário, como poderia suceder nos mais fatos passados em Minas, porém que ele Respondente deve considerar que isto mesmo é averiguável com mais ou menos dificuldade, e que se ele Respondente tem querido persuadir a sua franqueza em dizer tudo e em falar a verdade, esperando por isso o perdão de Sua Majestade, como declarou em seu juramento, não deve de modo algum deixar de declarar qualquer coisa que sabia a respeito de auxílios, que se procurassem em quaisquer potências estrangeiras para a intentada sublevação, declarando os modos e as vias por que se buscavam os ditos auxílios pois esta notícia é uma das mais interessantes.

               Respondeu, que não sabe nenhuma outra notícia senão aquela que declarou em seu juramento, na história do filho do pedreiro Maia chamado José Joaquim da Maia, que foi tomada por extravagância da sua imaginação, como disse no seu juramento, e só poderá melhor confirmar se aparecer um estudante chamado José Mariano filho desta Cidade do Rio de Janeiro, cujos pais ignora ele Respondente, mas teve notícia que ele pretendia vir, na família do Ilustríssimo e Excelentíssimo Conde de Resende, pois o dito José Mariano assistiu em França com ele Respondente e contando-se a empresa do dito Maia, disse o dito José Mariano — Ora, o Maia é original nas suas empresas — porque ambos conheciam ao dito Maia por extravagante e se riam das suas idéias.

               E sendo mais instado para que dissesse a verdade, pois constava que ele tinha dito que havia dois enviados mandados a França pelos comissários da praça desta Cidade do Rio de Janeiro, para tratarem com o Ministro da América inglesa da liberdade da América portuguesa e que por isso deve ele Respondente dizer o que sabe a este respeito, declarando quem eram os sujeitos e quem eram os comissários, que concorriam para o negócio e enfim tudo o que disser a respeito ao descobrimento da verdade pretendida saber sobre este importante artigo.

                Respondeu, que nada mais sabia do que tinha dito e que com todas as veras asseverava não saber mais nada.

                E logo pelo Desembargador Juiz desta Devassa foi mandado vir o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e sendo chegado, foi lido o juramento, que este prestou na Devassa a folhas noventa e quatro, que se encontrava inteiramente com o que dizia o Respondente no seu juramento a folhas oitenta e seis, e sendo sobre eles acareados os referidos réus, por mais argumentos e persuasões que lhes foram feitas, não foi possível concluir-se ou desdizer-se qualquer dos dois que falta a verdade; nem foi possível conhecer-se nem presumir-se ainda exteriormente, qual deles ou se engana ou falta à verdade positivamente, de que de tudo dou minha fé judicial, e das grandes instâncias que por ele Juiz Desembargador lhes foram feitas, mostrando-lhes que as suas culpas se não aumentavam com aquela verdadeira declaração e que eles estavam nas circunstâncias de perderem as vidas, se Sua Majestade lhes não perdoasse; e que não deviam faltar à verdade em um ponto tão essencial; sendo tão essencial ao Estado devia ser de maior peso nas suas consciências, porém eles mostrando-se persuadidos de tudo isto, confessando que eram culpados e que não tendo Sua Majestade compaixão deles, não duvidavam da sua sorte, persistiram cada um em que o seu dito era inteiramente verdadeiro; e como ele Juiz não tinha terceiras pessoas por quem pudesse vir ao conhecimento da verdade, deu por concluídas estas perguntas e acareações.

               E por esta forma houve estas perguntas e acareações por acabadas, dando juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles a ambos estes réus, de haverem falado a verdade no que declararam em suas respostas, e de tudo mandou fazer este Auto que assinou com os mesmos réus e o Tabelião José dos Santos Rodrigues e Araújo que assistiu a estas perguntas e acareações, de que de tudo damos nossas fés depois de tudo lhes ser lido e acharem conformes as respostas ao que tinham respondido, e eu Manuel da Costa Couto que o escrevi e assinei.

Torres

Manuel da Costa Couto Francisco Antônio de Oliveira Lopes Domingos Vidal de Barbosa José dos Santos Rodrigues e Araújo

CERTIDÃO DE ÓBITO

DO CAPITÃO MANUEL JOAQUIM DE SÁ PINTO

DO REGO FORTES

Rio de Janeiro — Hospital Real Militar — 27-06-1790 – Certidão de Óbito — Rio, Hospital Real Militar — 27-06-1790

               Manuel da Costa Couto, Escrivão de um dos ofícios dos Agravos e Apelações cíveis e crimes nesta Relação e Casa da Cidade do Rio de Janeiro e nomeado para escrever na Devassa e mais diligências respectivas a que está procedendo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, no impedimento do Escrivão delas, o Ouvidor atual desta Comarca, Marcelino Pereira Cleto etc. Certifico em como indo ao Hospital Real dos Militares aí vi morto e passado da vida presente, o réu Capitão de Voluntários Reais da Cidade de São Paulo, Manoel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, de que dou minha fé e de ser o próprio que reconheço; e para constar, passei a presente por ordem do mesmo Ministro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte e sete dias do mês de junho de mil e setecentos e noventa anos.

Manuel da Costa Couto

Atestado — Rio, Hospital Real Militar — 27-06-1790

               José Joaquim de Almeida, Cirurgião-Mor do Regimento de Estremoz etc.

Atesto que o Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, em consequência de umas carnosidades que tinha na uretra lhe veio um tumor urinoso no espaço que há do escroto à via inferior com tão grande decúbito de inflamação, que em quarenta e oito horas se esfacelou e parte da podridão se observou ao todo; não obstante a providência de auxílios que, com prontidão a arte pôs em prática, faleceu em 27 de junho em o Hospital Real Militar, o que se preciso eu juro sub preceito da minha arte. Rio de Janeiro, 27 de junho de 1790.

               E passei esta por ordem do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres.

José Joaquim d'Almeida

1a INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago

1a INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago — 19-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dezenove dias do mês de julho nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas da Ordem Terceira de Sâo Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador dos Agravos da dita Relação, Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas a Vicente Vieira da Mota, preso incomunicável nas prisões feitas nas mesmas casas; e sendo aí o dito Conselheiro mandou vir à sua presença o dito réu, e lhe fez perguntas pelo modo seguinte.

               Foi perguntado como se chamava, donde era natural, de quem era filho, se era casado ou solteiro, a sua idade, ofício, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu, que se chamava Vicente Vieira da Mota natural da Cidade do Porto, filho de Antônio Vieira e de Maria da Mota, de idade de cinquenta e cinco anos, assistente, que era em Vila Rica, e Guarda-livros dos Contratos de João Rodrigues de Macedo; e não tem ordens algumas.

               Foi perguntado, se sabe, ou suspeita, qual seja a causa da sua prisão?

               Respondeu, que suspeitava ser por causa do levante projetado em Minas Gerais, por ter sido também referido na Devassa a esse respeito, e ter jurado na mesma Devassa.

               Foi perguntado que tinha ele Respondente com o dito levante; porque ser referido, e jurar, não era delito para que fosse preso?

               Respondeu, que não tinha coisa nenhuma com o levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava que ele fora convidado para entrar na sublevação; e que sabia quem eram os sócios, e alguns particulares, que eles entre si tratavam?

               Respondeu, que não há dúvida, que nas duas Devassas que se tiraram em Minas, em que ele Respondente jurou, declara que fora convidado pelo Alíeres Joaquim José da Silva Xavier, dizendo-lhe que intentava pôr em liberdade as Minas, e reduzi-las a uma República, como fizeram os americanos ingleses; exagerando a riqueza e fertilidade das Minas, e de poderem subsistir por si; a que ele Respondente se riu, e lhe respondeu que não fosse louco, que já era mui público ele andar com aquelas loucuras, e despropósitos, tanto naquela Vila, como nesta Cidade do Rio de Janeiro; e que ele andava procurando algumas dores de cabeça; ou de lha espetarem em algum pau; e repetindo ele que intentava também convidar a João Rodrigues de Macedo aí se alterara ele Respondente, e lhe respondeu que não fosse atrevido, que se intentasse tal, lhe coseria o coração com uma faca; a que ele impaciente tornou, dizendo-lhe, o certo é que já não há homens; porém que havia de armar uma meada tal, que em dez, vinte, ou cem anos se não havia de desembaraçar; e se retirara; sem embargo de que algumas vezes mais tornara à casa dele Respondente em razão de lhe pôr um dente de osso; e passava pela sua porta várias vezes; e do exposto não lizera ele Respondente caso algum, tomando de bagatela por ser público, que ele andava geralmente praticando semelhante matéria; tanto assim que dizem que no tempo que governou Minas Luís da Cunha Meneses, dando-se-lhe parte destes mesmos despropósitos, respondera o dito Governador, que o tal Joaquim José da Silva era um louco, e que lhe dessem com um chicote; e tudo isso o declarou ele Respondente ao Excelentíssimo Visconde de Barbacena, Governador de Minas Gerais, no Arraial da Cachoeira, onde se achava, perguntando-lhe ele Governador, o que sabia a respeito destas novidades da sublevação de Minas, e depois de lhe ter dito ele Respond nte o que referido fica, disse o mesmo Governador, ser tão atrevido aquele Alferes Joaquim José, e Ião sem temor, que tivera o arrojo, estando de guarda no seu Palácio de convocar a mesma guarda; e recomendara o dito Governador a ele Respondente, que nada dissesse, do que tinha passado com ele; e que quando fosse tempo, ele Respondente havia de ser chamado para uma Devassa, onde deporia aquilo que lhe disse, e que soubesse; e que isto foi antes das prisões do Alvarenga, e do Vigário de São José, Carlos Correia e do Desembargador Gonzaga, e do Contratador dos Dízimos, que foram os primeiros que se prenderam; e esta prática, que tivera com o dito Governador de Minas, foi por ocasião de ter o mesmo Governador mandado chamar a ele Respondente ao dito Arraial da Cachoeira, onde lhe fez mais várias perguntas a respeito dos negócios da casa de João Rodrigues de Macedo; onde lhe fez também a pergunta, que prática tinha ele Respondente tido com o inglês Nicolau Jorge, que o obrigara a dizer ao Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que se ele Respondente governasse, não havia de ir ao Tejuco o dito inglês, nem estar em Minas; e juntamente, que práticas tinha tido com o Cónego Luís Vieira, que obrigara a ele Respondente a dizer ao dito Basílio de Brito, que se losse rei, lhe mandava cortar a cabeça, ao que respondeu o mesmo Respondente, o que respondeu, e o que declara nos seus juramentos dados em Minas. E que não sabia quem eram os sócios daquela sublevação, nem do que tratavam; e que só tinha para si que quem falava naquela matéria, era o Alferes Tiradentes.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto não era natural que ele Respondente tratasse de bagatela, que o Alferes Joaquim José da Silva, Tiradentes, convidasse a ele Respondente para a sublevação, e que não considerasse que isto era atrevimento; e que julgasse que era atrevimento, que merecia facadas, querer o dito Alferes falar a João Rodrigues de Macedo: porque, se o convite prejudicava a João Rodrigues de Macedo, e por isso ele Respondente tomava aquela paixão, muito mais devia sentir que o dito Alferes convidasse a ele Respondente?

               Respondeu, que foi tudo debaixo da mesma prática e finalizou com o despropósito de dizer que queria convidar a João Rodrigues de Macedo, e por isso partira ele Respondente com ele.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade completamente, pois faltava a ela para se desculpar, dizendo que o Governador de Minas o mandara chamar antes que se fizessem as prisões aos réus conjurados, e antes que fosse público o projeto da sublevação, e que lhe perguntasse expressamente pelo levante, e lhe declarasse que havia de haver uma Devassa, sem que ele Respondente fosse denunciante da ditta sublevação; porque seria descobrir um segredo importante a ele Respondente, sem ter nenhuma certeza de que ele não fosse sócio dos conjurados; e não é crível que o Governador de Minas, conhecidamente zeloso e exato nesta matéria, arriscasse com ele Respondente um segredo de tanta importância; pelo que é infalível, que ele Respondente está inventando idéias para desculpar-se sendo um dos sócios da conjuração?

               Respondeu, que o que passou com o Governador, é verdade, assim como declara; e que se ele Respondente não estivesse incomunicável, como está, ajuntaria atestações disso; porque o dito Governador não é capaz de faltar à verdade, e por isso não deixaria de as passar.

               Foi mais perguntado, se sabe, ou tem notícia das mais pessoas a quem o dito Alferes Tiradentes falou, convidando-as para o levante, visto dizer que o dito Alferes andava falando publicamente no levante?

               Respondeu, que tinha dito que o Alferes Tiradentes andava falando publicamente no levante, porque todo o povo de Vila Rica assim o dizia; e que não sabia de pessoas particulares, de quem fosse sócio, ou que as tivesse convidado; tanto assim, que em uma ocasião, segundo o seu parecer depois das prisões, o médico Belo, falando-se nas ditas prisões, dissera em sua casa, que o dito Alferes era tão louco, que até pelas tavernas andava falando em República e liberdade de Minas.

               Foi instado que dissese a verdade; porquanto não era só o dito Alferes, que ele Respondente sabia que pretendia fazer a sublevação, e constituir República na Capitania de Minas; porque de muitas mais pessoas sabia ele Respondente, que pretendiam a liberdade e independência; e por esta razão, disse ele Respondente a certa pessoa, que via as Minas em muita desordem, porque todos os nacionais delas se queriam ver livres?

               Respondeu, que fora do Alferes Tiradentes, que lhe falou na liberdade, como dito tem, não sabe de pessoa alguma que quissesse entrar na sublevaçao; e que poderia dizer que estavam as Minas em desordem, ou o povo delas, em razão de se dizer que se punha a derrama pela falta do quinto, porém que os nacionais delas se queriam levantar, não disse tal, nem o podia ter dito, nem que os nacionais desejavam a liberdade; sim poderia praticar sinceramente com alguma pessoa, como foi com Basílio de Brito, de que se lembra, de que se tivesse voto no Ministério, não haviam de ser filhos da América empregados em governos no seu país, nem ministros, nem vigários, e menos militares; e que os Regimentos da América se haviam de passar para Portugal, e vir guarnições de lá para cá; porque via nos ditos filhos da América tal gosto e complacência em ler a história da liberdade das Américas inglesas, que lhe parecia que se eles tivessem outra tal ocasião, a abraçariam; isto praticado sinceramente sem notícia alguma de que houvesse sublevação projetada.

               Foi instado, que dissese a verdade; porquanto dizendo ele Respondente, que via as Minas em desordem, esta expressão quer dizer mais do que o sentido em que ele Respondente a explica; porquanto a derrama ainda não estava lançada, e a desordem já era atual; porque ele Respondente disse que já havia; muito mais, quando a dita expressão unida em toda a oração, e no que ele a proferiu nesta forma — Que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres — claramente explica que a desordem em que ele Respondente via as Minas, se não referia simplesmente à derrama, mas sim à liberdade?

               Respondeu, que nega ter proferido a palavra — que todos os nacionais de Minas se queriam ver livres — e confirma que a desordem, em que falava, se é que falou, foi puramente a respeito da derrama; e nenhuns sentimentos mais tinha com respeito à sublevação ou liberdade.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que se achava na dita cidade, para fazer acareação com o dito Respondente, e sendo ai se reconheceram mutuamente pelos próprios, do que damos fé; como também de que o dito Conselheiro lhes deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, e lhes lez acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido o juramento que o acareante Basílio de Brito Malheiro prestou na Devassa tirada em Minas, por ordem do Governador da Capitania, a folhas cinquenta e quatro verso, na parte em que refere a prática que teve com o acareado Vicente Vieira, na qual diz assim — Que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres — o que sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, disse o acareante Basílio de Brito, firmissimamente, que o acareado lhe tinha dito aquelas formais palavras, e que disso estava bem certo. E o acareado disse que não há dúvida, que teve várias práticas com o dito Basílio de Brito Malheiro, e que se lembra muito bem desta em que ele fala, que sim via as Minas em desordem, mas que era com respeito à derrama, em que se falava publicamente; mas que a palavra, de que os filhos da América se queriam ver livres, não fez semelhante expressão; porque não conhecia motivos para isso; sim, que ele acareado via os ditos filhos da América com tanto gosto lendo a história da liberdade da América inglesa, que se tivessem ocasião, haviam de fazer outro tanto. O que sendo ouvido pelo acareante Basílio de Brito, insistiu que tinha ouvido ao acareado as palavras que depôs no seu juramento, e que tanto se referia à desordem, que o acareado via em Minas sem ser a derrama, que passados alguns dias, lhe dissera o mesmo acareado que os bispos deviam fazer preces, e procissões para que Deus sossegasse aquelas inquietações; o que ele acareante não declarou na denúncia que deu ao Governador de Minas, porque esta prática foi depois que o Alferes Tiradentes, veio para o Rio de Janeiro, a tempo que já ele acareante tinha dado o seu papel de denúncia ao Governador de Minas: Ao que o acareado respondeu, que não duvida que dissesse que o bispo devia fazer preces, com respeito à consternação em que via o povo de Minas pela derrama, que se dizia, se botava pela falta do quinto, e que era tão grande, e estavam os povos tão arrastados, que lhe faria um peso muito grande a tal derrama: E o acareante disse que não duvidava que o pensamento do acareado fosse o que acaba de dizer, mas que a ele acareante não declarou esse pensamento. E cada um ficou firme em que estava certo, no que tinha dito, dizendo o acareante, que as palavras que o acareado agora explicava, de que todos os nacionais de Minas se queriam ver livres, não tinham aquela força, mas sim, que unicamente dissera o acareado que os nacionais de Minas liam com tanto gosto e complacência a história da América inglesa, que lhe parecia que tendo ocasião, fariam o mesmo, disse o acareante que pouco mais ou menos vinham a ser o mesmo do que as palavras que depôs no seu juramento; mas que contudo estava certo que as palavras que depôs no dito juramento, foram as mesmas que ouviu proferir ao acareado; porque então pela recomendação que tinha do Governador de Minas, tomava bem sentido nas palavras que ouvia. E por esta forma, houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme com o que respondido tinham, e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, que assinou com o acareante, e acareado, o qual neste ato esteve livre de ferros, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, que também assinou; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Basílio de Brito Malheiro do Lago

Vicente Vieira da Mota

               E logo no mesmo ato continuou ao dito Respondente as perguntas pelo modo seguinte.

               Foi perguntado qual era a razão por que dizia nestas suas respostas, que se tivesse voz no Ministério, não viria para a América Ministro algum, nem vigário, nem militar oficial, que fosse nacional deste Continente; porque nisto dava a entender que sabia, que algum ministro, vigário ou oficial militar, por conta do seu emprego, tinha induzido o povo, ou a tropa para a sublevação?

               Respondeu, que o não dizia por entender que eles induzissem o povo, ou a tropa para a sublevação, mas sim pela mesma razão que ele Respondente tem dito, de eles se mostrarem muito satisfeitos com o levante da América inglesa; e esta satisfação via ele Respondente no Cônego Luís Vieira, no Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, no Coronel Inácio José de Alvarenga, e algumas vezes no Tenente-Coronel Francisco de Paula.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto para ler a história da América inglesa com gosto, tanto importava aos nacionais deste Continente que fossem ministros, oficiais, ou militares, como que o não fossem; porque de qualquer modo, sempre leriam a história da América inglesa com gosto, e fariam outro tanto quando tivessem ocasião; e por esta razão se vê claramente, que a causa por que ele Respondente quereria excluí-los dos ditos empregos tem outro motivo, e só pode ser por saber que alguns filhos da América, por conta dos empregos que servem, induziram alguém para o levante?

               Respondeu, que o dizer daqueles, é porque àqueles que tem dito, é que ouvia praticar na história da América inglesa, e não outros.

               Foi perguntado, por quantas vezes, e por quanto tempo esteve o Cônego Luís Vieira em Vila Rica no ano de mil setecentos e oitenta e nove?

               Respondeu, que se lembrava de três vezes, que o Cônego Luís Vieira esteve no dito ano em Vila Rica, hospedado em casa de João Rodrigues de Macedo, a primeira, quando veio pregar no funeral do príncipe, e se dilataria até quatro dias, pouco mais ou menos; a segunda, vindo de viagem para São José, ou Prados, ou coisa semelhante, a fazer um sermão e desta vez foi de passagem, e estaria um ou dois dias, e em toda esta viagem gastou mais de um mês, por ter adoecido e ter ficado em casa de sua mãe e a terceira vez, foi quando vinha de volta de casa da mãe, e estaria hóspede em casa de João Rodrigues de Macedo dois ou três dias.

               Foi mais perguntado, se nas ocasiões em que o dito Cônego esteve em Vila Rica, estavam também o Coronel Inácio José de Alvarenga, e o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo?

               Respondeu, que da vez em que foi pregar, nas exéquias, não tem ele Respondente lembrança que lá estivessem o Coronel Alvarenga, nem o Vigário Carlos Correia; porém da segunda e terceira, que passou por Vila Rica para ir pregar aos Prados, ou a São José, e voltara, estava ele Respondente certo acharem-se em Vila Rica os ditos Coronel Alvarenga, e Vigário de São José, Carlos Correia.

               Foi mais perguntado, se nessas duas últimas vezes que o Cônego Luís Vieira esteve em Vila Rica, se ajuntou em conversações com os ditos, Vigários e Coronel Alvarenga?

               Respondeu, que se ajuntaram em conversações, um e outro, algumas vezes, em casa de João Rodrigues de cedo.

               Foi mais perguntado, se ele Respondente assistiu a alguma dessas conversações?

               Respondeu, que quando as conversações eram no escritório, que então assistia; e aí é que lhe ouviu falar na história do levantamento da América inglesa; mas quando estavam os ditos no quarto do Cônego Luís Vieira, e lá tinham suas conversações, a essas não assistia ele Respondente, nem sabe o que lá tratavam.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por ora feitas as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou estarem as suas respostas conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente, que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Vicente Vieira da Mota

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga — 20-07-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte dias do mês de julho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão da Comissão ao diante nomeado, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, Escrivão assistente para efeito de se continuarem perguntas a Vicente Vieira da Mota, preso incomunicável nas mesmas casas; e sendo aí mandou vir à sua presença o dito réu e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E perguntado se ratificava as perguntas antecedentes, que neste ato lhe foram lidas?

               Respondeu, que as suas respostas estavam conformes, e que as ratificava, só com a declaração de que não tinha lembrança de qual foi primeiro se o sermão que o Cônego Luís Vieira foi fazer aos Prados, ou o que fez nas exéquias do príncipe; e a certeza que pode obter é que foi pelo tempo em que o Alvarenga esteve na Paraopeba, para onde tinha ido de Vila Rica, e que também o Cônego Luís Vieira esteve doente em casa de sua mãe, quando tinha ido fazer o sermão aos Prados.

                Foi perguntado pelas palavras que tinha ouvido ao Cônego Luís Vieira, pelas quais ele Respondente diz no seu juramento, que se fora rei, lhe havia de mandar cortar a cabeça?

                Respondeu, que coisa particular, que ofendesse a República, ou ao Estado não ouvira ele Respondente nunca ao Cônego Luís Vieira; mas sim que não gostava nem podia tolerar o gosto que ele fazia, e complacência que mostrava, quando praticava com outros, e liam a história do levante da América inglesa; que logo que se ajuntavam nas ocasiões em que ele Respondente se achava presente, o objeto das práticas do dito cônego com os seus amigos não era outro; e em uma ocasião destas, estando presente Basílio de Brito Malheiro, retirando-se o Respondente com ele para outra sala, nessa ocasião é que ele Respondente praticou cem o dito Basílio de Brito, estranhando aquelas práticas, e saíra dizendo, que — se fosse rei havia de mandar cortar a cabeça ao dito Cônego Luís Vieira; porque o via com tal disposição, que se houvesse uma ocasião semelhante àquela, faria o mesmo, como ele Respondente julgava.

                Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, encobrindo o que tinha ouvido ao dito Cônego pelo que lhe mandaria cortar a cabeça se fosse rei, para que não era bastante a razão que agora dá; porquanto nas respostas antecedentes, declarou que se tivesse voz no Ministério não mandaria para este Continente ministros, vigários, e oficiais militares nacionais do país; porque em todos eles via o gosto e complacência com que liam e falavam na história do levante da América inglesa; e que se este gosto e complacência fosse o único motivo pelo qual ele Respondente proferiu aquela expressão, de que se fosse rei, mandaria cortar a cabeça ao Cônego Luís Vieira, porque então diria que mandaria cortar a cabeça a todos, porque todos estavam compreendidos na mesma causa; porém que falando só do Cônego Luís Vieira, e não dos mais, parece evidente que ao dito cônego tinha ouvido mais algumas expressões além do gosto e complacência, que agora dá por causa para proferir aquela expressão; o que deve declarar agora sem dissimulação alguma?

               Respondeu; que a causa por que ele Respondente proferiu, e nomeou positivamente o Cônego Luís Vieira, quando fez essa desacertada expressão, foi porque tanto não gostava dos que naquelas práticas e lição daquela história mostravam tanta complacência, que ao mesmo cônego, que deles era o mais seu amigo, lhe mandaria cortar a cabeça, se fosse rei.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade; porquanto se o Cônego Luís Vieira não estivesse mais culpado em mostrar gosto e complacência, lendo a história da América inglesa, do que todos os mais que ele Respondente tem referido, estavam entendidos; por isso mesmo, porque o Cônego Luís Vieira era amigo dele Respondente não devia naturalmente ele Respondente especializar o dito cônego para lhe cortar a cabeça, não falando nos mais, que não eram tanto seus amigos pelo que é claro que no dito cônego concorria mais alguma circunstância, pela qual ele Respondente o especializava entre os mais para o castigo?

               Respondeu, que a razão que tinha para preferir no castigo o dito cônego, era por ser o atual, e mestre da aula daquelas, para ele Respondente tão aborrecidas práticas.

               Foi perguntado pela razão por que ocultou, e não delatou ao governador de Minas, não só a prática, que com ele Respondente teve o Alferes Joaquim José da Silva, mas também todas as diligências que ele fazia, induzindo gente para o levante; porque a cautela, e segredo dele Respondendente nesta matéria mostra bem ter aceito o convite que o Alferes lhe fez, e que estava sócio na conjuração?

                Respondeu, que poucos dias antes do dito Alferes se retirar de Minas para esta Cidade do Rio de Janeiro, é que ele praticou com o Respondente o convite que referiu no seu juramento; e tanto pela sua retirada, como pela publicidade, de que ele praticava geralmente semelhantes despropósitos, e pela entidade da pessoa, não fizera mais caso de semelhante prática; até que quando se avistou com o Excelentíssimo Visconde no Arraial da Cachoeira, e que o dito Visconde lhe apontou essas desordens do dito Alferes, nomeando-lhe também outras pessoas mais que lhe fez fazer peso na matéria, o declarou tudo ao mesmo Visconde, como tem dito.

                Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, como se convencia da sua mesma resposta; porquanto nem ele Respondente é tão rústico, que ignore o peso que devia ter um convite expresso que o dito alferes lhe fez para entrar na sublevação, dizendo-lhe expressamente que determinava estabelecer República; e sabendo ele Respondente, pelo que se dizia publicamente das mais diligências que o dito alferes fazia, sendo certo que a ele Respondente não competia dar peso àquelas coisas, porque isso compete a quem governa, e a ele Respondente só competia, se fora fiel vassalo, delatá-las; porque quem governava, lhe daria o peso que o caso merecesse; nem o dito alferes deveria merecer que ele Respondente fizesse pouco caso das suas práticas sendo um oficial militar da tropa paga; nem lhe serve de desculpa o dizer que o dito alferes o convidara para a sublevação, poucos dias antes que se retirasse para esta cidade, porque ele Respondente devia delatar tudo logo imediatamente ao governador de Minas, pelo perigo que podia haver na demora; e ainda que mediasse tão pouco tempo entre o convite, e a retirada do dito alferes para esta cidade, que ele Respondente não tivesse tempo de delatar tudo primeiro, ainda que já o dito alferes se tivesse retirado, ou fosse para esta cidade ou para outra qualquer parte do mundo; e muito maior obrigação tinha ele Respondente de delatar tildo ao governador de Minas, tendo o dito alferes vindo para esta cidade, devendo refletir, que aqui podia continuar o dito alferes nas suas diligências e ser muito maior o perigo: Além de que se convence a malícia dele Respondente em ocultar o que tinha passado com o dito alferes, dizendo que só o declarara ao governador de Minas, quando ele lhe falou no levante, e em mais algumas pessoas; porque então foi ver que o dito governador sabia tudo, e ele Respondente queria por aquela tardia confissão ver se escapava ao castigo que merecia, vendo frustrada a malícia da sua ocultação?

               Respondeu, que protesta, e protestará toda a sua vida, que ele Respondente nunca fez aceitação do convite, que lhe fez o Alferes Tiradentes, do qual nunca fez caso; e o não delatá-lo é pela mesma razão de não fazer caso; e por ser uma proposta feita por um homem sem fundamento, e ser pública e geralmente conhecida a sua demência naquele particular; e o declará-lo ele Respondente ao Visconde não foi por emendar o seu erro por malícia e sim por ignorância.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que ele Respondente, falando com o Coronel Inácio José de Alvarenga lhe dissera que tinha dado conta ao General de Minas do convite que o dito alferes lhe tinha feito; e que aconselhara ao dito coronel que fosse denunciar-se, se acaso sabia alguma coisa; de que se colhe evidentemente, não só que ele Respondente dava peso ao dito convite, dizendo que o tinha delatado, e aconselhado ao dito coronel, que fizesse o mesmo, se acaso aquele alferes lhe tivesse feito igual convite; mas também a dissimulação, e falta de verdade, com que tem respondido, di sendo que oito dias antes das prisões dos réus, o mandara chamar o general de Minas, e lhe falara mais em algumas pessoas, e que ele Respondente então lhe delatara tudo; quando é certo que antes das prisões oito dias, e mais, já o Coronel Alvarenga não estava em Vila Rica, nem ele Respondente podia falar-lhe, de que se segue que disse ao dito Coronel Alvarenga que tinha delatado tudo ao general, sem o ter feito; e que o mesmo fazia agora nas suas respostas; e que tinha dado peso ao convite, que lhe fez o dito alferes; porque quando o referiu ao dito Coronel Alvarenga, lhe disse que o tinha delatado, sem o ter feito, e aconselhou ao mesmo Alvarenga que, tendo tido igual convite daquele alferes, fosse também delatar-se ao general?

               Respondeu, que tudo quanto ele Respondente tem dito nas suas respostas, é verdade, confirmando igualmente o ter praticado com o visconde governador de Minas oito dias antes, pouco mais ou menos, das primeiras prisões, que houve em Minas, tudo na forma que leva declarado; e ser falso, e menos verdade, o que diz o Coronel Inácio José de Alvarenga na sua resposta; porque certissimamente não praticou com ele, o que consta da instância; pode ser que praticassem a respeito do Alferes Tiradentes, notando os seus despropósitos e loucuras; e também pode ser, mas se não lembra, que fosse ele Respondente que dissesse ao mesmo coronel do convite que o dito alferes lhe tinha feito; e se o fez foi pelo pouco caso, que da matéria fazia.

               E logo mandou vir à sua presença o Coronel Inácio José de Alvarenga, que se achava preso incomunicável nas prisões das sobreditas casas; e sendo ai no mesmo ato se reconheceram o acareante e acareado mutuamente pelos próprios, de que damos fé, como também de ter-lhes sido deferido juramento pelo que respeitava a terceiro; e lhes fez a acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lido o parágrafo doze das respostas, que deu o acareante Inácio José de Alvarenga, no apenso quarto da Devassa, que contém o seguinte •— Que passados poucos dias, conversando depois de jantar com o Capitão Vicente Vieira da Mota, em casa de João Rodrigues de Macedo, o dito capitão lhe perguntou se tinha tido algumas conversas com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha -— o Tiradentes — sobre a liberdade, ou sobre coisas da América, ele Respondente lhe disse que não; e que ele bem via, e sabia as conversas que ele Respondente podia ter com o dito alferes, estando continuamente com ele dito capitão;

ao que eie dito Capitão Vicente Vieira da Mota disse a ele Respondente, que também ele não tinlia amizade alguma ao dito alferes, mas que sem embargo disso, lhe falara o dito alferes sobre a liberdade da América, avançando-lhe para que entrasse também neste projeto; o que tudo ele dito capitão tinha feito por na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde General; e que se a este respeito ele Respondente sabia alguma coisa, seria bom que o pusesse na presença do Ilustríssimo e Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General — o que sendo ouvido por ambos, acareante a acareado, depois de disputarem, fazendo cada um diligência por se lembrar da verdade, disse o acareante Inácio José de Alvarenga: Que lhe parecia que aquilo que tinha dito na resposta, era verdade, porém que se poderia ter enganado. E o acareado disse que não teve semelhantes práticas com o acareante, com respeito a liberdades, ou a Repúblicas; e menos dizer que tinha feito pôr na presença do visconde general, o tê-lo aquele alferes convidado para a sua projetada tenção; e também o não ter dito ao acareante, que se soubesse alguma coisa a esse respeito, se fosse denunciar; em razão de que, quando ele pôs na presença do dito visconde, o que leva referido, já havia semanas que o acareante se tinha retirado de Vila Rica, e estava em São João del-Rei, e é indispensável que, perguntando-lhe o mesmo visconde tudo quanto soubesse, e perguntando-lhe também com particularidade com respeito ao acareante coronel, ele deixasse de se lembrar de semelhante passagem, se a tivesse tido com o dito acareante; pode ser que praticasse com o acareante alguma vez, e que dissesse que o Tiradentes o tinha convidado para os seus despropósitos, mas o mais, que não. E cada um ficou firme no que dito tem, assim como fica escrito. E por esta forma houve o mesmo Conselheiro esta acareação por feita; e sendo por mim lida, acharam estarem as suas respostas conformes, como dito tinham; e declaro, com o Ministro Escrivão assistente, que ambos estiveram livres de ferros no mesmo ato, de que damos fé; e de tudo mandou o dito Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e o Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Inácio José de Alvarenga Peixoto

Vicente Vieira da Mota

               E logo no mesmo ato, tendo mandado recolher à sua prisão ao Coronel Alvarenga, continuou com o Respondente as perguntas pelo modo seguinte.

               Foi mais perguntado, se tinha mais que dizer nesta matéria do levante; e que dizer, que possa servir-lhe de defesa ?

               Respondeu, que não tem mais que declarar; nem mais que dizer, que possa servir-lhe de defesa, do que aquilo mesmo que tem dito nas suas respostas. E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas por feitas; as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro mais, com o Escrivão assistente, que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que também damos fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, ein que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti

Vicente Vieira da Mota

               Atesto, e certifico, que tendo o réu Vicente Vieira da Mota dito nas suas perguntas, que o visconde governador da Capitania de Minas Gerais, antes das prisões do Desembargador Gonzaga, Alvarenga, e vigário de São José, feitas naquela Capitania, tendo-o chamado à Cachoeira, aí, depois de lhe ter perguntado o que tinha passado com o inglês Nicolau Jorge, e com o Alferes Tiradentes, lhe dissera que este tinha sido tão temerário, que chegara a tentar corromper a sua guarda para a formada conspiração, e que recomendando-lhe segredo, lhe tinha dito mais, que ele réu havia de jurar, o que a respeito da mesma conjuração soubesse, em uma Devassa, que havia de mandar tirar, cuja fala provaria com atestação do mesmo governador, se não estivesse preso incomunicável; e o Desembargador Conselheiro, Juiz da mesma Comissão lhe facilitou o modo de pretender aquela atestação, de sorte que o requerimento para isso feito ao dito governador, e assinado pelo mesmo réu foi por mim Escrivão entregue, nos primeiros dias do mês de dezembro próximo passado, ao Procurador do réu para com ele requerer a dita atestação: passa o referido na verdade, de que dou fé, e passei a presente por ordem vocal do dito Desembargador Conselheiro: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei nesta Cidade do Rio de Janeiro, aos dezoito de fevereiro de mil setecentos e noventa e dois.

Francisco Luís Álvares da Rocha

AUTO DE PERGUNTAS A JOÃO DA COSTA RODRIGUES

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago 26-07-1791

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Basílio de Brito Malheiro do Lago — 26-07-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e seis dias do mês de julho nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade; e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador dos Agravos, Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas a João da Costa Rodrigues, que se achava preso em um dos segredos do palácio do Excelentíssimo Vice-Rei deste Estado; e sendo aí mandou vir, debaixo de segura custódia, o dito réu à sua presença e lhe fez perguntas pelo modo seguinte.

                Foi perguntado, como se chamava, donde era natural, onde era assistente, se era casado ou solteiro, a sua idade, ofício, e se tinha ordens.

                Respondeu, que se chamava João da Costa Rodrigues, natural de Vila Rica, Capitania de Minas Gerais, e assistente no sítio chamado a Varginha, casado, de idade de quarenta e quatro anos, que vivia de sua roça, e estalagem que tinha naquele sítio, e que não tinha ordens algumas.

               Foi mais perguntado se sabia, ou suspeitava a causa de sua prisão?

               Respondeu, que julgava que fora preso por ter ouvido algumas conversas em sua casa, e não as delatar.

               Foi perguntado, que conversas ouviu, pelas quais julga que podia ser preso; e a que pessoas?

               Respondeu, que a pessoa a quem ouviu as conversas pelas quais julga que foi preso, foi ao Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, com um Antônio de Oliveira Lopes, na ocasião em que ioram pousar ambos em casa dele Respondente; e as conversas que ouviu foram, dizer o dito alferes ao dito Antônio de Oliveira Lopes, que as Minas podiam ser uma Europa, porque tinham em si tudo quanto era preciso, ferro, aço, ouro e diamantes; que vinham os generais, e os ministros, que traziam criados, a quem davam as melhores ocupações; e que eles e os seus criados levavam para Portugal o cabedal das Minas, que, se isso não fora, podiam as ruas ser calçadas de ouro; e o dito Antônio de Oliveira Lopes respondeu, que em tendo onze companheiros, que se quisessem levantar com a terra, que ele faria a dúzia; e que lhe não lembra que ouvisse mais coisa alguma sobre semelhante matéria.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto do seu mesmo juramento constava que ouvira ele Respondente muito mais coisas; pois quando o dito Antônio de Oliveira Lopes disse ao sobredito Alferes Tiradentes, que em tendo onze pessoas para se levantarem com a terra, fora porque o dito Alferes expressamente dissera que nas Minas não havia gente para se pôr em liberdade, e fora da sujeição de Portugal; o que ele Respondente agora ocultava na sua resposta, afetando que se não lembrava?

                Respondeu, que o que depôs no seu juramento era verdade, e que se agora o não tinha declarado, não foi por malícia, mas sim porque lhe não lembrava.

                Foi mais perguntado, se além da dita conversaçao, ou dita prática, que ouviu ao dito Alferes Tiradentes, e Antônio de Oliveira Lopes, ouviu ele Respondente mais alguma prática a algumas outras pessoas, que dissessem respeito à sublevação?

                Respondeu, que não ouviu mais prática alguma a outra pessoa, que dissesse respeito a levante.

                Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele mesmo Respondente falara na matéria do levante com algumas pessoas, e agora devia declarar a prática que tivera, e as respostas que essas pessoas lhe deram?

                Respondeu, que era certo ter dito ele Respondente ao Padre Manuel Rodrigues da Costa as palavras — Senhor Padre, quer-se cá fazer uma Europa — e o mesmo padre, voltando as costas, fora dizendo — eu sei, ou assim se diz, o que ele Respondente não pronunciou bem no juramento, porque não percebeu bem o padre, que foi andando, nem disso se lembrava bem. Disse mais, que indo à casa dele Respondente João Dias da Mota, lhe dissera ele Respondente — sabe que mais, Senhor capitão que há valentões, que se querem levantar com a terra — ao que lhe respondera o dito capitão — que eram coisas do Tiradentes, que andava assim dizendo — e naquela ocasião não houvera mais nada. Passados poucos dias, tornou o dito Capitão João Dias da Mota à casa dele Respondente, e lhe perguntou o dito capitão, se tinha tornado a passar por ali o Tiradentes, e se ele Respondente tinha ouvido falar mais no levante; ao que respondeu que naquele dia tinha passado por ali o Padre Manuel Rodrigues da Costa, e tinha dito a ele Respondente que o levante era certo; porém que esta resposta, que deu ao capitão, fora falsa e inventada por ele Respondente, porquanto ele Respondente foi quem perguntou ao dito padre pelo levante; e o dito padre lhe não disse mais do que aquilo que ele Respondente deixa acima referido; ao que o dito capitão disse que tinha vindo um postilhão para o Rio de Janeiro, porque o governador de Minas era entrado nisso; e ele Respondente desconfiou de que o dito João Dias, por ser capitão, ia falar-lhe a ele Respondente naquela matéria para tirar dele alguma coisa; pelo que ele Respondente então disse que entendia que o levante era coisa dos crioulos da terra; ao que o dito capitão lhe respondeu que se podia fazer, sem que entrasse o general. E que depois fora Basilio de Brito à casa dele Respondente, e entrando em conversações sobre o levante, ele Respondente lhe repetiu a conversação que o Tiradentes tivera com aquele Antônio de Oliveira Lopes sobre o levante, e aquilo que o mesmo Tiradentes aí também dissera, que no Rio das Mortes tivera uma semelhante conversação com uns doze, ou quatorze homens, e que entre eles um semi-clérigo impugnava por parte da Rainha, o que ele Tiradentes dizia por parte do levante, mas que o dito Tiradentes dera umas tais respostas ao semi-clérigo, que também chamava doutor, que o fizera calar: E que poucos dias depois, tornara a passar o Tiradentes para o Rio de Janeiro, ou para o Rio das Mortes, e lhe perguntara se por ele tinha passado José Aires, ou lhe disse que havia de passar, e que com ele ia, ou havia de vir um clérigo, do qual ignorava o nome; do que ele Respondente ficou presumindo ser um daqueles doze, ou quatorze, que o Tiradentes tinha dito, do Rio das Mortes, ou aquele semi-clérigo; e isto mesmo era o que ele Respondente tinha jurado, a este respeito se conformara também ele Respondente no juramento que prestou na Devassa, a que se reportava, à exceção do que disse o mesmo Basílio de Brito, que a conversa do Tiradentes com os doze fora em casa dele Respondente; o que assim ele Respondente não disse, mas sim que o Tiradentes repetira aquilo em sua casa, acontecido lá para o Rio das Mortes.

               E logo o dito Conselheiro mandou vir à sua presença a Basílio de Brito Malheiro, para fazer com ele acareação ao Respondente; e sendo presente, se reconheceram mutuamente pelos próprios, do que damos fé, como também que lhes foi deferido juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, debaixo do qual prometeram dizer a verdade, e lhe fez a acareação pelo modo seguinte.

                E sendo-lhes lido o depoimento que prestou o acareante Basílio de Brito Malheiro a folhas cento e seis verso, da Devassa tirada por ordem do governador de Minas, disse o dito acareante Basílio de Brito que tudo quanto tinha declarado no dito juramento era verdade, no que estava bem certo, e que em nada se equivocara; porque como tinha ido de propósito à casa do acareado, por ordem do governador de Minas, para examinar, e tirar do acareado tudo quanto ele soubesse na matéria do levante, tomou bem sentido em quantas palavras o acareado lhe disse, nem tinha razão alguma para acrescentar ou diminuir nenhuma palavra: E o acareado disse, ouvindo ler o dito depoimento do acareante, que todo era verdadeiro, exceto na parte em que declarava que o governador de Minas tinha trazido ordem para não deixar ter a pessoa alguma mais de dez mil cruzados, e para acabrunhar os homens; porquanto ele acareado lhe não lembra, que fizesse esta expressão; e que o acareante nesta parte se equivoca, assim como em dizer que ele acareado lhe dissera que em sua casa tinha sido a disputa do oficial militar com o semi-clérigo, estando presentes muitas pessoas; porque ele acareado não podia dizer ao acareante que a disputa do oficial militar com o semi-clérigo, a que chamavam doutor, fora em sua casa; porquanto nunca tal houve; e só podia dizer ao acareante, que naquele quarto em que estavam, lhe contara o oficial militar a disputa que tivera com o dito semi-clérigo, chamado doutor; cuja prática é a mesma que o acareante refere no seu juramento, só com equivocação de dizer que a prática fora em casa dele Respondente, tendo o acareado só dito que a prática fora referida em sua casa pelo oficial militar, como passada em outra parte: E tendo disputado largamente sobre o que cada um tinha declarado, lembrando o acareante ao acareado outras mais palavras, e passagens, que houve na ocasião em que o acareado lhe contou tudo quanto depôs no juramento, como era de ter o acareado cerrado a porta do quarto em que estavam, dizendo que queria contar-lhe tudo, porque como estavam sós, ainda que ele acareante fosse contar alguma coisa, importava pouco, como não havia testemunhas que jurassem; sem embargo deste e de outros argumentos, que lhe fez o dito acareante, sempre o acareado ficou firme no que acima declarou; ainda que confessou, que a dita passagem, referida pelo acareante, era verdadeira; e tendo-se mostrado pelo acareante e acareado igual firmeza, no que tinham dito, se não pode conhecer qual deles falava verdade; e por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante e acareado, acharam estarem escritas as suas respostas como dito tinham, do que damos fé, e de como esteve o acareado neste ato livre de ferros; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante e acareado, o Ministro Escrivão assistente: e eu o Desembargador desta Relação Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Basílio de Brito Malheiro do Lago João da Costa Rodrigues

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro retirar o sobredito Basílio de Brito Malheiro, e continuou ao réu as perguntas pela maneira seguinte.

               Foi instado, que dissesse a verdade completamente, o que ainda não tinha feito; porquanto em casa dele respondente tinha havido mais algumas práticas, e passagens, que ele Respondente não declarava; o que agora devia fazer com toda a sinceridade?

               Respondeu, que mais lhe lembra, que na mesma ocasião em que o Alferes Tiradentes pernoitou em casa dele Respondente, com o dito Antônio de Oliveira Lopes, depois da prática que ambos tiveram, da qual ele Respondente só ouviu o que tem declarado, foram ambos cear; e como ele Respondente andava saindo e entrando, em uma vez que entrava no quarto em que estavam ceando, viu ele Respondente, que o dito Antônio de Oliveira Lopes estava com um copo na mão, e lhe ouviu dizer estas palavras — à saúde do novo Governo — Ao que ele Respondente disse, como novo Governo! se ainda há pouco veio este General? E o dito Antônio de Oliveira lhe respondeu — isto cá é outra coisa. — Que não está certo se a dita saúde foi feita com vinho, ou aguardente; e ainda que ele Respondente foi acareado em Minas com o dito Antônio de Oliveira Lopes, e ele negou o que ele Respondente tem declarado sobre a dita saúde contudo é verdade o que nesta matéria tem dito: e que lhe não lembra mais coisa alguma, que possa declarar a respeito da sublevação.

               Foi perguntado se tinha alguma coisa, que dizer que lhe possa servir de defesa da culpa de saber o que tem referido, e não o delatar em tempo, como devia?

               Respondeu, que não acusou, ou não delatou, porque como homem da roça, não sabia a quem devia ir fazer a denúncia, nem se a devia fazer; e como lhe tinha perguntado por aquilo o Capitão João Dias da Mota, e Basílio de Brito Malheiro em figura de oficial, tendo contado tudo a estes, também julgou que tinha satisfeito.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e declaro com o Escrivão assistente, que em todo este ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Ministro Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti João da Costa Rodrigues

AUTO DE PERGUNTAS AO CAPITÃO JOSÉ DE RESENDE COSTA

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação Acareação com seu filho do mesmo nome

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 25-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e cinco dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, nas cadeias da Relação, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma comissão, o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão assistente da mesma diligência, para efeito de se fazerem perguntas ao réu, o Capitão José de Resende Costa, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte. Foi perguntado, como se chamava, donde era natural, que ofício e ocupação tinha, a sua idade, se era solteiro ou casado, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu que se chamava José de Resende Costa, natural da Freguesia da Conceição dos Prados, Comarca de São João, assistente na Freguesia da Vila de São José da mesma Comarca, Capitão dos Auxiliares, que vive das suas roças, de idade de sessenta e um anos, casado, e que não tinha ordens algumas.

               Foi perguntado, se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão ?

               Respondeu, que julgava ser por conta de um levantamento, que se projetava fazer na Capitania de Minas.

               Foi mais perguntado, que parte tinha ele Respondente no dito levantamento, ou que concurso e ajuda prestava para ele, para julgar que por essa causa era preso?

               Respondeu, que na dita sublevação não tinha parte alguma, nem para ela prestara conselho ou ajuda.

               Foi mais perguntado, se não tendo prestado ajuda, nem conselho, julgava que por essa causa era preso, devia dizer então, por que razão podia ser preso?

               Respondeu, que julga que podia ser unicamente por saber da dita sublevação que se projetava, e por não ter denunciado logo o que sabia nesta matéria, o que fez por ignorar a obrigação que tinha.

               Foi mais perguntado, que visto declarar tivera notícia, e soubera da dita conjuração, devia agora declarar com toda a verdade tudo quanto sabia nesta matéria; não só pelo que respeita ao modo por que estava tratada a dita sublevação, mas também pelo que toca a todos os conjurados que nela entravam, ou que dela tinham individual notícia?

               Respondeu, que determinando mandar seu filho José de Resende Costa para os estudos na Universidade de Coimbra, e tendo notícia de que o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo queria ir para Portugal, a dependências suas, quis ele Respondente mandar na sua companhia o dito seu filho, e falando com o dito vigário no mês de janeiro ou fevereiro do ano de mil setecentos e oitenta e nove, pouco mais ou menos, para que quisesse levar consigo o dito seu filho, não teve dúvida o dito vigário na proposta dele Respondente, dizendo que, se queria que o dito seu filho fosse com ele, devia estar pronto no Rio de Janeiro em meado do mês de março, e com efeito, andando ele Respondente em aprontar seu filho, tornou a falar ao dito vigário, perguntando-lhe com certeza pela viagem que poderia fazer para Portugal, e o dito vigário lhe respondeu, desculpando-se com várias razões, para não levar consigo o filho dele Respondente; e entre as ditas razões, uma delas era dizer-lhe que em Portugal se prendia muita gente para soldados, e que não queria que prendessem a seu filho, em chegando a Lisboa, indo ele na sua companhia; porém passados quinze dias, pouco mais ou menos, passando por casa dele Respondente o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, irmão do dito Vigário de São José, lhe disse que seu irmão, dito vigário, já não ia para Portugal; porquanto estava tratado fazer-se na Capitania de Minas uma sublevação, e levante, na qual entrava o dito Vigário, Carlos Correia de Toledo, o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Doutor Cláudio Manuel da Costa, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, um padre rico do Serro, Domingos de Abreu Vieira, o Tenente-Coronel da tropa, Francisco de Paula Freire de Andrada, e não tem ele Respondente lembrança, se também lhe nomeou um cunhado deste, cujo nome não sabe.

               Foi mais perguntado, se sabia, ou o dito Luís Vaz lhe tinha contado, o concurso que cada um dos conjurados prestava para a dita conjuração, e a forma de fazer o levante, e fim que nisso se propunha?

               Respondeu, que o fim, que o dito Luís Vaz lhe disse, que se propunham conseguir com a dita sublevação, era o de conseguirem liberdade, estabelecendo várias Repúblicas na dita Capitania, como também uma Universidade semelhante à de Coimbra, pelo que ficava escusado mandar ele Respondente seu filho para Portugal. — Que a forma de fazer o dito levante era cortando a cabeça ao general, e ao Coronel Carlos José, e ficando senhores da terra, perdoariam a todos os devedores à Fazenda Real tudo o que devessem; e ficariam os dízimos aos vigários; e que o ouro correria a quinze tostões; e que o concurso que cada um prestava para a dita sublevação só ele Respondente ouviu dizer ao dito Luís Vaz, que as leis, pelas quais se havia de reger a nova República, estavam a cargo do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e do Coronel Inácio José de Alvarenga; porém, que ele Respondente não deixou de mandar seu filho para Coimbra, esperando pela Universidade, que se havia de estabelecer; mas sim, porque lhe faltaram os meios de lá o poder manter: e passados poucos dias, estando ele Respondente em oração na igreja da vila de São José, em sexta-feira da Paixão, passou por ele o dito Luís Vaz de Toledo, e lhe disse em segredo au ouvido, que já se não cortava a cabeça ao general, porque seu irmão vigário não queria; mas sim, que somente se prendia, e o Ouvidor Pedro José de Araújo, e o Intendente Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, e que se iam por além da Paraibuna, ou Mantiqueira, para daí se irem embora.

               Foi mais perguntado, se por esta notícia que lhe deram a ele Respondente, lhe pediram alguma ajuda, ou socorro; pois não parece verossímil, que lhe comunicassem aquele segredo sem algum fim, de que resultasse utilidade aos conjurados?

               Respondeu, que o dito Luís Vaz de Toledo lhe não pediu, nem rogou, que concorresse com coisa alguma para o levante, nem sabe o fim com que o dito Luís Vaz lhe comunicou o que havia naquela matéria; e julga ele Respondente, que não houve nenhum outro motivo mais, do que ser o dito Luís Vaz grande falador e novelista.

               Foi mais perguntado, se na matéria do levante lhe falou mais algum dos conjurados, ou alguma outra pessoa; ou se ele Respondente comunicou a alguém o que sabia neste negócio ?

               Respondeu, que nenhum dos conjurados, nem outra pessoa falou a ele Respondente nesta matéria, nem ele Respondente comunicou a pessoa alguma o que tinha sabido do dito Luís Vaz de Toledo; somente a seu filho, José de Resende Costa, deu alguma inteligência de que estava para haver algum levante, mas lhe não declarou circunstanciadamente coisa alguma.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que o dito seu filho soubera circunstanciadamente de tudo quanto estava tratado entre os conjurados; e que era natural que ele Respondente, ou lhe disse tudo o que sabia, ou ao menos, quando deu aquelas inteligências ao dito seu filho, ele se declararia, com ele Respondente, e falariam ambos naquela matéria sem reserva?

               Respondeu, que nem ele Respondente disse coisa alguma a seu filho sobre matéria de levante com clareza, nem quando lhe deu inteligência do dito levante, o dito seu filho lhe deu mostra alguma de saber o que havia naquela matéria, nem se deu por entendido do que queriam dizer as inteligências que ele Respondente lhe dava: e só em outra ocasião, no mês de janeiro, ou fevereiro pouco mais ou menos, andando a passar revista o Regimento dos Auxiliares o Ajudante de Ordens João Carlos Xavier da Silva, estando em casa dele Respondente com o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, e o Sargento-Mor António da ronseca Pestana, estando todos à mesa, iez o dito Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo uma saúde ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis dizendo à saúde de quem daqui a um ano não há de dever nada à Fazenda Real; ao que respondeu o dito Joaquim Silvério — Deus assim o permita — o que ele Respondente entendeu, em razão do que antecedentemente lhe tinha comunicado o dito Luís Vaz de Toledo; porém que lhe não lembra, se então estava presente seu filho José de Resende Costa.

               Foi mais perguntado, se nesta matéria da sublevação sabia mais alguma circunstância, ou tinha alguma notícia, além do que tem referido?

               Respondeu, que nada mais sabia, nem tinha mais notícias do que aquilo que tem declarado.

               E por agora lhe não fez o dito Ministro Conselheiro mais perguntas, e deferindo-lhe juramento, pelo que respeitava a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e sendo-lhe por mim lidas as ditas perguntas, as achou conformes, com o que respondido tinha; do que o mesmo Conselheiro mandou fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e o Doutor Escrivão assistente; e com este declaro, que o Respondente esteve livre de ferros: e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares cla Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com josé de Resende Costa (filho) — 30-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos trinta dias do mês de junho, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas das cadeias da Relação da mesma cidade, onde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo Escrivão da Comissão ao diante nomeado, e o Doutor Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Capitão José de Resende Costa, e ser acareado com seu filho José de Resende Costa, presos incomunicáveis nas mesmas cadeias, e sendo aí os mandou vir à sua presença e fez as perguntas, e acareação, pela maneira seguinte.

               E lidas as respostas às perguntas feitas ao acareante e acareado, na parte em que se acham discordes, enquanto disse o acareado a seu filho acareante só algumas inteligências, de que estava para haver um levante, mas que lhe não declarara coisa alguma mais, nem o dito seu filho se dera por entendido; e o acareante seu filho dizer nas respostas às perguntas, que o acareado seu pai lhe dissera expressamente, que estava para se fazer um levante em Minas, pelo que já não ia para Portugal o Vigário Carlos Correia de Toledo; no que parece estarem discordes em suas respostas, persistiu o acareante filho, no que tinha dito; e o acareado seu pai conveio em que poderia muito bem dizer ao acareante seu filho expressamente, que estava para haver um levante; e que com efeito, lhe parece que assim se explicara com o acareante seu filho, segundo sua lembrança; e por esta forma ficaram concordes; e houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida aos sobreditos réus acareado e acareante, acharam estarem bem e fielmente escritas as suas respostas; do que tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com os ditos réus, e Ministro Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

               E logo no mesmo dia e hora atrás declarados, depois de ter mandado recolher à sua prisão o réu José de Resende Costa filho, continuou ao Capitão José de Resende Costa pai as perguntas, pela forma seguinte.

               E perguntado, se lhe lembra mais alguma coisa respectiva ao dito levante, que agora deva declarar com toda a individuação e verdade?

               Respondeu, que considerando com toda a reflexão sobre tudo o que sabia a respeito da sublevação, e dos conjurados, e desejando não omitir circunstância alguma, que não declare nesta matéria, agora se lembra do mais que vai dizer, além do que tem declarado. Que quando Luís Vaz de Toledo tratou com ele Respondente sobre o levante, lhe disse também, que para pagar a tropa que fosse precisa para sustentar o estabelecimento da República, se havia de valer do dinheiro dos quintos; e se fosse contra eles tropa de soldados para os sujeitar, se eles ganhassem o soldo a quatro vinténs por dia, lhe ofereceriam os ditos conjurados a meia pataca, porque deste modo passariam para o seu partido: E também lhe disse que a ação do levante estava a cargo do Tenente-Coronel Francisco de Paula; e que no dia em que prenderam o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, indo ele Respondente falar ao dito Luís Vaz, por conta de um pouco de dinheiro que este lhe devia, para o pagamento do qual tinham tratado vender a ele Respondente uma besta, como com efeito já vendera, e dela lhe devia o Respondente tornar algum dinheiro, e encontrando-o no adro da Igreja da Laje, e vendo que o dito Luís Vaz andava sumamente aflito, lhe perguntou ele Respondente, o que tinha; ao que lhe respondeu o dito Luís Vaz dizendo •— Que hei de ter! por conta da frouxidão do Tenente-Coronel Francisco de Paula está tudo perdido — e que nessa ocasião não falou com o dito Luís Vaz mais coisa alguma a respeito do levante, nem o tornou mais a ver.

                Que mais lhe lembra que na ocasião da procissão dos Passos da Vila de São José, onde ele Respondente foi, lhe dissera o mesmo Luís Vaz, ou o vigário seu irmão, de que não tem certeza qual deles foi, que o dito vigário estivera fechado muito tempo com o Mestre-de-Campo Inácio Correia Pamplona, e que lhe contara tudo o que estava tratado a respeito do levante; e que o dito Mestre-de-Campo levantara as mãos para o céu e pondo-se de joelhos, dissera — Deus assim o permitirá. — E lhe lembra mais, que achando-se ele Respondente em casa de André Esteves, aí encontrara João Dias da Mota, o qual disse que para o Rio de Janeiro tinha passado o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, que ia dizendo claramente umas coisas muito feias; e que atrás dele tinha passado uma parada do Ajudante de Ordens Francisco Antônio Rebelo, que não sabia em que aquelas coisas haviam de parar; e que isto mesmo contara ele Respondente a Luís Vaz de Toledo; e passados dias; encontrando-se ele Respondente com o Vigário de São José, lhe perguntou ele quem lhe tinha contado a notícia, que dera a seu irmão Luís Vaz de Toledo, sobre a passagem do Alferes Tiradentes, e da parada do Ajudante de Ordens Francisco Antônio Rebelo; e ele Respondente lhe disse que tinha ouvido aquela notícia a João Dias da Mota.

               E que mais lhe lembra que, encontrando-se com o Vigário de São José no corredor da sua casa, a tempo que ele ia saindo, tendo vindo já da Cachoeira Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que se dizia ter ido denunciar-se ao Governador de Minas; e dizendo-se também, que se tinha denunciado Joaquim Silvério dos Reis; perguntou ele Respondente ao dito vigário, como por ironia, — que é isto agora, senhor vigário? Já pelas denúncias se sabe do seu projeto? Vossa mercê não tem feito nada, tendo dito que havia de fazer e acontecer? — Ao que o dito vigário lhe respondeu que, como se esperava a ocasião da derrama, e esta se não tinha lançado, por isso se não tinha feito nada; ao que ele Respondente lhe replicou, que não duvidava que conseguissem o levante; mas que se viesse poder do Rio de Janeiro, de São Paulo e Goiás, queria ver como se havia de defender? Ao que o dito vigário nada respondeu, e não se tornaram a ver mais; e isto é tudo quanto lhe lembra nesta matéria.

               Foi mais perguntado, se o dito vigário lhe tinha comunicado alguma coisa sobre o dito levante, ou sobre os conjurados, com mais alguma circunstância além daquelas ocasiões que agora tem declarado?

               Respondeu, que a primeira vez que falou com o dito vigário coisa que pudesse ser respectiva à conjuração, foi quando ele Respondente lhe contou a notícia, que tinha ouvido a João Dias da Mota, sobre a passagem do Alferes Tiradentes para o Rio, e da parada do Ajudante de Ordens Francisco Antônio; e que nessas ocasiões, que tem declarado, em que falou com o dito vigário, entre eles não houve mais prática do que aquelas que declarou.

                E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, porque se não tivesse falado com o dito vigário miúda, e circunstanciadamente sobre o levante, não era verossímil que lhe dissesse por modo de zombaria — que é isto, Senhor vigário? já pelas denúncias se sabe do seu projeto; Vossa mercê não tem feito nada, tendo dito que havia de fazer e acontecer.

                Respondeu, que é certo que quando ele Respondente disse ao dito vigário o que fica declarado, é porque sabia o projeto do dito vigário, e que ele dizia que havia de fazer e acontecer; mas que nada disto sabia, porque lho tivesse comunicado o dito vigário; mas sim, porque lho tinha dito seu irmão Luís Vaz de Toledo.

                E por esta forma houve o dito ministro Conselheiro estas perguntas por concluídas, as quais todas sendo lidas a ele Respondente com as outras antecedentes, as achou conformes, e ratificou umas e outras, e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e neste ato esteve livre de ferros, do que dou fé, com o Escrivão assistente; do que tudo mandou fazer este auto em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente: e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

AUTO DE PERGUNTAS A JOSÉ DE RESENDE COSTA FILHO

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação 27-06-1791

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação, — Acareação com Domingos Vidal de Barbosa 30-06-1791

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 20-08-1791

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 27-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e sete dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas das cadeias da Relação aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, e o doutor José Caetano César Manitti, Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, Escrivão da Comissão, para efeito de se fazerem perguntas a José de Resende Costa, réu preso incomunicável nas ditas cadeias; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, onde assistia, que estado e ofício tinha, a sua idade, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu, que se chamava José de Resende Costa, filho do Capitão José de Resende Costa, natural do Arraial da Laje, termo da Vila de São José, Comarca de São João del-Rei, e assistente no mesmo Arraial, de idade de vinte e seis anos, solteiro, que vive com seu pai e que não tinha ordens algumas.

               Foi perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão?

               Respondeu, que julgava que era por ter sabido de um levante, que se premeditava fazer em Minas, o que lhe comunicou o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e ele Respondente não ter denunciado logo tudo o que sabia; em cujo erro caiu, não só por ignorar a obrigação que tinha, mas também por temor de que o matassem; porque assim lho tinha segurado o dito vigário, se ele Respondente dissesse alguma coisa: e ultimamente, deixou de contar e denunciar tudo o que sabia, por ver que os conjurados não faziam diligência alguma, e que se não lançava a derrama, que era a ocasião, o motivo, pelo qual o dito vigário lhe tinha dito que se havia de fazer o levante.

               Foi mais perguntado, que visto saber do levante, que se projetava, pelo que lhe tinha comunicado o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, declarasse agora tudo o que sabia nesta matéria com toda a verdade, quem eram os conjurados, que o dito vigário lhe disse que entravam na conjuração, o modo com que se havia de por em execução, e a forma, por que cada um havia de contribuir para que tivesse efeito?

               Respondeu, que sendo nomeado da Quaresma do ano de mil setecentos e oitenta e nove, tendo ele Respondente justo antecedentemente com o Vigário de São José ir com ele para Portugal, porque determinava passar à Universidade de Coimbra, então disse o dito vigário a ele Respondente, que já não ia para Portugal, porque estava para se fazer um levante em Minas, no qual ele vigário entrava, seu irmão Luís Vaz de Toledo, Inácio José de Alvarenga, Cláudio Manuel da Costa, o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, que era o mais empenhado, Joaquim Silvério dos Reis, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada e seu cunhado José Álvares Maciel, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e que a tropa estava quase toda ganha para entrar no levante, e também entrava o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; que se havia de fazer República, de que São João del-Rci havia de ser a Capital, e Universidade, na qual ele Respondente devia estudar, sem ser necessário ir a Coimbra. E pelo que respeita à forma com que se havia de efetuar o levante, só disse o dito vigário, que se havia de matar o general, e Carlos José, na ocasião em que se lançasse a derrama; que seu irmão Luís Vaz de Toledo havia de vir para o Caminho do Rio com índios armados para embaraçar tudo que fosse tropa do Rio; Que ele vigário tinha oferecido ao Tenente-Coronel Francisco de Paula cento e vinte cavalos, dizendo que os tinha gordos nos seus pastos; e que se quisesse servir deles para a tropa, fosse enquanto estavam gordos, antes que viesse a seca e emagrecessem.

               Que Inácio José de Alvarenga, o Desembargador Gonzaga, e o Doutor Cláudio Manuel da Costa estavam encarregados de fazer as leis para a República; e o Doutor José Álvares Maciel havia de ensinar matemática na nova Universidade; e também o dito vigário disse a ele Respondente, que na Cidade do Rio de Janeiro, havia cinquenta comissários, que se interessavam em que o dito levante se executasse; e que segundo sua lembrança, isto foi tudo quanto o dito vigário lhe disse naquela ocasião.

               Foi mais perguntado, se quando o dito vigário contou a ele Respondente o que tem declarado, o convidou para concorrer de alguma sorte para o dito levante; pois não parece natural que lhe comunicasse aqueles particulares, sem que tivesse o fim de esperar dele Respondnte algum socorro?

               Respondeu, que quando o dito vigário lhe comunicou o que tem declarado, não lhe fez proposta alguma, para que ele Respondente concorresse para o dito levante; e se persuade que tudo quanto o dito vigário disse, foi por leveza sua, e por se gloriar de entrar naquela ação.

               Foi mais perguntado, se o dito vigário além daquela ocasião em que contou a ele Respondente o que tem declarado, tornou a falar-lhe outra vez na mesma matéria, dizendo-lhe mais alguma coisa a respeito dela?

               Respondeu, que passados quinze dias, pouco mais ou menos, tornou a encontrar-se com o dito vigário; e então tornou a falar-lhe ele vigário na matéria, dizendo-lhe somente que já se não matava o general, mas que se prendia, e os ministros, e indo lançá-los além da Paraibuna, se iriam embora; e ele Respondente se persuade que o dito vigário lhe disse esta revogação da morte do general, por ver que ele Respondente se horrorizava, quando o dito vigário lhe disse que o General se deveria matar.

               Foi mais perguntado, se na matéria do levante falou mais alguém com ele Respondente, e o que lhe disse?

               Respondeu, que instando ele Respondente com seu pai para concluir a sua viagem para Coimbra, por não ter ainda sabido o que o dito vigário depois lhe comunicou, então lhe disse o pai dele Respondente, que não podia ir, porque além de não ter meios de assisti-lo na Universidade, também concorria não ir o Vigário Carlos Correia para Portugal, porquanto estava para se fazer um levante, e que por esta razão já o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo tinha feito uma saúde a Joaquim Silvério dos Reis, em ocasião que jantavam em casa dele Respondente, dizendo-lhe — à saúde de quem dentro de um ano não há de dever nada à Fazenda Real — Ao que o dito Joaquim Silvério respondeu assim o permita Deus — e que isto foi unicamente o que seu pai lhe disse sobre esta matéria, nem o respeito que ele Respondente tinha a seu pai permitia liberdade para lhe perguntar mais coisa alguma.

               Que também falara no levante com Domingos de Vidal Barbosa, perguntando-lhe se era certo o fazer-se o dito levante, por lhe ter dito o mesmo vigário, que aquele Domingos de Vidal Barbosa também sabia do que estava projetado; e então o dito Domingos de Vidal lhe respondeu que o dito levante era certo; porém, que nada mais acrescentara além do que ele Respondente sabia, mais do que a notícia de que tinha ido um enviado do Rio de Janeiro tratar do levante com um cônsul da República Inglesa; e que nada mais se passou entre ele e o dito Domingos de Vidal Barbosa.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava com certeza, e havia quem dissesse que tinha comunicado a ele Respondente muito mais particularidades respectivas à dita sublevação, além daquelas que tem declarado, e de ser também entrado na conjuração, o Cônego Luiz Vieira, e o método por que se havia de fazer o levante, com sinal, que estava justo entre os conjurados, para haverem de se ajuntar, vestidos de casacões, e capotes, para debaixo trazerem armas, e para romperem o dito levante, com mais outras particularidades?

               Respondeu, que nunca pessoa alguma lhe falou mais naquela matéria do levante, além das pessoas que tem declarado; e que delas não soube, senão o que com verdade tem confessado, e só mais se lembra da circunstância, que lhe disse o dito Vigário Carlos Correia de Toledo a primeira vez que lhe falou em levante, e vem a ser, que tinha pronto até o Rio Paraíba, mantimento para mil e quinhentas pessoas, para tempo de seis meses, e que disto tudo, que tem declarado, dera parte ao general de Minas, por carta com data de trinta de junho do dito ano de mil setecentos e oitenta e

nove.

               E por esta forma, por agora lhe não fez mais perguntas, as quais sendo por mim lidas a ele Respondente, as achou conformes, com o que respondido tinha; e deferindo-lhe juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, declarou ter dito a verdade; e é certo que esteve neste ato livre de ferros, do que também dou fé, com o Escrivão assistente; e de tudo mandou o dito Desembargador Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e dito Doutor Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com Domingos Vidal de Barbosa — 30-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos trinta dias do mês de junho, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas das cadeias da Relação da mesma cidade, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão da mesma diligência; e sendo aí mandou vir à sua presença a José de Resende Costa e Domingos de Vidal Barbosa, presos incomunicáveis nas mesmas cadeias, e lhes fez perguntas, e os acareou pela forma seguinte.

               E lendo ao dito Domingos Vidal de Barbosa o seu juramento, que deu na Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, de folhas oitenta e seis em diante, declarou que estava conforme com o que tinha deposto; e que era verdade tudo o que tinha dito, tan

               to na parte em que declarava que o acareado José de Resende Costa lhe dissera que seu pai também José de Resende, lhe contara tudo quanto ele Domingos de Vidal depôs no dito juramento, como também na parte em que declara que a causal, que lhe assinara o acareado José de Resende Costa para nuo ir para Coimbra fora por estar para se fazer uma República na Capitania de Minas, e que lhe não dera por causal moléstia, ou doença que o embaraçasse. E sendo ouvido o acareado José de Resende Costa, conveio com o dito Domingos de Vidal Barbosa, em que tinham falado a respeito do estabelecimento da nova República, na ocasião cfue o dito Domingos de Vidal declara no seu juramento, e por ocasião, e motivo de lhe perguntar a razão por que não ia para Coimbra, como tinha determinado; e confessou o dito acareado, depois de disputar largo tempo, que poderia muito bem dizer ao dito Domingos de Vidal, que já não ia para Coimbra por causa do levante, que se havia de fazer, porém disto não tem toda a certeza; mas o dito Domingos Vidal de Barbosa persistiu firme, e constante, em que o acareado José de Resende lhe dera esta causal, e nenhuma outra, e sobre o ponto de ter deposto o dito Domingos de Vidal, que o acareado José de Resende Costa lhe contara naquela ocasião, que quanto tinha deposto, o tinha sabido de seu pai José de Resende Costa, depois de disputarem largamente, persistiu firme o dito Domingos de Vidal, em que o acareado José de Resende lhe dissera que o que sabia naquela matéria era porque lho tinha comunicado seu pai, e só declarou que podia muito bem ser que o acareado José de Resende lhe não repetisse tudo o que consta do seu juramento, do que agora não tem lembrança; mas que certamente lhe repetiu alguns daqueles fatos, que declarou no dito juramento, e também certamente lhe disse que os sabia, por lhos ter comunicado a ele acareado, José de Resende, seu pai do mesmo nome, que os tinha sabido do Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo. Ao que o dito acareado José de Resende declarou, que era certo ter dito ao acareante Domingos de Vidal tudo o que sa

               bia na matéria do levante, na forma que se acha escrito nos seus juramentos, e nas respostas que deu às perguntas que se lhe fizeram, exceto a circunstância de ter o Vigário de São José, Carlos Correia escrito ao Tenente-Coronel Francisco de Paula, que tinha cento e vinte cavalos gordos; porque isto não disse ele acareado ao dito Domingos de Vidal; porém que era falso, enquanto o dito Domingos de Vidal declara, que tudo quanto ele acareado lhe contara sobre o levante, o tinha sabido de seu pai e que a seu pai dissera o Vigário Carlos Correia de Toledo; porquanto, nem a ele acareado disse seu pai sobre o levante mais do que aquilo que declarou nas perguntas que lhe foram feitas, nem seu pai falou nunca naquela matéria com o Vigário de São José; e nestas declarações, que tem feito, persistiu também firme e constante: e o dito Domingos de Vidal persistiu firme, no que tem declarado, sem ser possível concordarem-se nas coisas em que ficaram discordes; dizendo mais o dito acareado José de Resende, que ele Domingos de Vidal se equivocara nas coisas em que estava discorde dele acareado, assim como se equivocara em dizer que a saúde feita a Joaquim Silvério, referida no juramento do dito Domingos de Vidal, fora em um banquete, ou batismo na Vila de São José, quando a dita saúde foi feita em um jantar em casa dele acareado; assim como se equivocara também o dito Domingos de Vidal, em depor no dito juramento, que o acareado lhe dissera que Luís Vaz de Toledo havia de ir com gente tomar a Cidade de São Paulo; porquanto, o que ele acareado disse ao dito Domingos de Vidal, foi que Luís Vaz de Toledo havia de vir com índios para o caminho do Rio de Janeiro, embaraçar que fesse tropa; porém o dito Domingos de Vidal firmemente desmentiu o acareado, dizendo-lhe que tal lhe não tinha dito, e que só era verdade, que o acareado lhe dissera o que depôs no seu juramento sobre esta matéria; e ambos se conservaram firmes, no que cada um declarou, sem dúvida, nem hesitação.

                E desta forma houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita, deferindo juramento a cada um deles, pelo que respeitava a diversa pessoa; e sendo-lhes lida a mesma acareação, e suas respostas, as acharam bem e fielmente escritas, como respondido tinham; e declaro, com o Ministro, Escrivão assistente, que os sobreditos estiveram neste ato livres de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareado, e acareante, e Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Domingos Vidal de Barbosa José de Resende Costa

               E retirando-se o acareante Domingos Vidal de Barbosa para a sua prisão, continuou o dito Ministro Conselheiro as suas perguntas ao acareado José de Resende Costa, pela maneira seguinte.

               E perguntado se tinha mais alguma coisa que declarar sobre o levante, que se projetava fazer em Minas, ou mais alguma coisa que lhe pudesse servir de defesa?

               Respondeu, que lhe não lembra que tenha que dizer mais coisa alguma a respeito do levante, do que o que tem declarado, que se reporta ao juramento, que prestou nas Devassas, e carta, pela qual deu parte do que sabia ao general de Minas, com data de trinta e um de junho de mil setecentos e oitenta e nove; e que para sua defesa, só tem que dizer que não delatara logo o que sabia, porque tivera medo da morte, com que fora ameaçado, no caso que dissesse alguma coisa, e por ignorar a obrigação que tinha; e também por entender que o levante não teria efeito, não só por ver que os conjurados não faziam movimento algum, como porque o Vigário Carlos Correia de Toledo não tornou a falar a ele Respondente em tal matéria, tendo-se encontrado com ele Respondente várias vezes depois; e também porque soube depois, que o general tinha dado ordem para se não lançar a derrama.

               E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro estas perguntas por concluídas, as quais sendo lidas a ele Respondente, as houve por bem e fielmente escritas, e as ratificou, assim como as antecendentes, que se lhe havia feito, no Auto precedente; e declaro, com o Ministro Escrivão assistente, que em uma e outras esteve o Respondente livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto de acabamento, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

José Caetano César Manitti Francisco Luís Álvares da Rocha José de Resende Costa

               E logo no mesmo dia, mês e ano atrás declarados, recordando-se o Respondente José de Resende Costa, que o não ter falado a ele Respondente o Vigário de São José, Carlos Correia outra vez na matéria do levante, se entende depois da última vez em que na dita matéria lhe falou, que foi quinze dias depois da primeira vez que na mesma matéria lhe falou, e por evitar a contradição, que podia haver, mandou o dito Conselheiro fazer esta declaração, a requerimento do Respondente, por se não ter explicado com esta clareza na última resposta; e assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão Assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 20-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte dias do mês de agosto nesta Cidade do Rio de Janeiro, e cadeias da Relação, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da Sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da Conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas a José de Resende Costa, filho, preso nos segredos das mesmas cadeias; e sendo aí pelo dito Conselheiro foi mandado vir à sua presença o dito réu, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo lhe lidas as perguntas e acareação antecedentes, e perguntado se estava pelas suas respostas, e se as ratificava?

               Respondeu, que estava pelas respostas, que tinha dado, e as ratificava.

               Foi perguntado, se na matéria do levante tinha falado com mais alguma pessoa, de que novamente se lembrasse, que agora devia declarar?

               Respondeu, que lhe não lembra, que na dita matéria falasse com mais pessoa alguma além das que tem declarado nas perguntas antecedentes, que foram feitas.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que, estando ele Respondente na vila de São José, em casa do Escrivão dos órfãos, Gervásio Pereira de Alvim, com um sacristão da igreja da dita Vila, aí entrara outro sujeito, diante do qual entrou ele Respondente a falar com o dito sacristão palavras respectivas ao levante; e depois saindo o dito sacristão da casa, ficando ele Respondente só com o dito sujeito, e perguntando-lhe este o que queriam dizer as palavras que tinha falado com o dito sacristão, então ele Respondente lhe explicou que diziam respeito ao levante, e lhe disse que estava para se fazer, em se lançando a derrama; e lhe nomeou alguns dos conjurados, que na dita sublevação entravam, pelo que agora devia confessar tudo com sinceridade?

               Respondeu que lhe não lembra de ter conversação alguma em matéria de levante, perante algum sujeito, estando presente o sacristão da igreja da vila de São José.

               Foi perguntado, quem era o dito sacristão, como se chamava e se ele Respondente lhe tinha comunicado alguma coisa sobre o levante?

               Respondeu, que o sacristão se chama Joaquim Ferreira dos Santos, sacristão da Igreja de São José, filho que ficou do Capitão Inácio Ferreira: ao qual só ele Respondente se lembra de ter dito em uma ocasião, passando pela rua do Vigário de São José — aí vai esse tolo do vigário, que pretende com outros fazer um levante, quando se lançar a derrama — E que lhe não lembra com certeza, se lhe disse mais alguma circunstância: E que fora desta ocasião, não tornou a falar com o dito sacristão.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto nem era natural que falando ele Respondente ao dito sacristão sobre o levante, deixasse de lhe comunicar tudo o que sabia na matéria, e que o dito sacristão se acomodasse, sem inquirir dele Respondente as mais circunstâncias de um negócio tão importante, nem era verossímil, que na ocasião em que estavam em casa do dito Escrivão Gervásio Pereira de Alvim, conversassem sobre o levante com palavras dissimuladas se ele Respondente não tivesse bem instruído o dito Sacristão de todo aquele negócio, de que ele Respondente era sabedor?

               Respondeu, que lhe não lembra se com efeito disse tudo o que sabia ao dito sacristão; mas que se persuade que naturalmente lhe diria mais algumas circunstâncias, e lhe nomearia alguns dos conjurados, como Inácio José de Alvarenga, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Francisco de Paula Freire de Andrada; mas que, como há muito tempo que isto passou, não tem específica lembrança da conversação palavras com que contou ao referido sacristão as ditas circunstâncias. E que da prática com o dito sacristão, em casa do Escrivão dos Órfãos Gervásio Pereira de Alvim, absolutamente não tem a menor lembrança.

               E logo o dito Conselheiro para lhe excitar as espécies, lhe leu o juramento da testemunha Manuel Pereira Chaves, a folhas cento e quarenta e três verso, da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, e depois lhe instou para que dissesse a verdade, recordando-se da conversação que teve em casa do dito Escrivão Gervásio Pereira, tanto com o dito sacristão, como com a testemunha Manuel Pereira Chaves.

               Respondeu, tendo ouvido ler o dito juramento, que absolutamente lhe não lembra, que se passasse na verdade o que no dito juramento se refere, mas que bem pode ser que em tudo seja o dito juramento verdadeiro, porque como tem passado muito tempo, ele Respondente não tem lembrança, nem para poder afirmar, nem para poder negar, o que no mesmo juramento se contém.

                E por esta forma houve o mesmo Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro, de que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que neste ato esteve o réu livre de ferros; do que tudo mandou o mesmo Ministro fazer este auto, e declaração de que não fazia acareação ao réu com a testemunha Manuel Pereira Chaves, por ser boiadeiro, e viandante, que não tem habitação certa, e não se ter achado nesta cidade, como me constou, por fé do Meirinho Geral da Ouvidoria desta Comarca, a quem incumbi a diligência de o buscar, por ordem do mesmo Conselheiro; e se fará efetiva acareação no caso que apareça em tempo: e de tudo mandou fazer esta declaração; e assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares cla Rocha José Caetano César Manitti José de Resende Costa

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Fortaleza da Conceição

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga Peixoto “ Inquirição — Rio, Fortaleza da Conceição — 06-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos seis dias do mês de agosto nesta Cidade do Rio de Janeiro e Fortaleza da Conceição, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas ao Coronel José Aires Gomes, que se acha preso incomunicável na mesma Fortaleza; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença aquele réu, dito José Aires Gomes, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava, a sua idade, donde era natural, onde morava, se era solteiro ou casado, se tinha algum ofício, de que vive, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu, que se chamava José Aires Gomes, de idade de cinquenta e sete anos, natural da freguesia da Assunção do Engenho do Mato, Comarca de São João del-Rei, morador na Freguesia da Piedade da Borda do Campo, Coronel de Cavalaria Auxiliar, e vive das suas roças, casado, e não tem ordens algumas, e que era familiar do Santo Ofício.

               Foi perguntado, se sabe, ou suspeita a causa da sua prisão?

               Respondeu, que supunha ser para depor na Devassa da inconfidência, em que já foi perguntado em Minas.

               Foi perguntado, se julga que para depor na Devassa, seria necessário ser preso?

               Respondeu, que não, porque se o mandassem vir, assim o faria logo; e que não presume haver outra causa.

               Foi perguntado, se conhecia o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, se com ele tinha trato, e amizade?

               Respondeu, que tinha conhecimento dele, porque andou patrulhando o mesmo alferes no Destacamento do Caminho do Mato no tempo em que foi Governador o Excelentíssimo Dom Rodrigo, e então ia, e dormia algumas vezes em casa dele Respondente, e depois, no tempo do Governador Luís da Cunha, foi mudado do dito Destacamento, e passou a vir para o Rio de Janeiro, e desde então o não viu mais, senão em fins de setembro do ano de mil setecentos e oitenta e oito em que passou para Vila Rica, em companhia do Ouvidor, que foi para a mesma Vila, Pedro José Araújo de Saldanha.

               Foi mais perguntado, se nessa ocasião, em que passou do Rio de Janeiro, no fim de setembro, pousou em casa dele Respondente, ou se teve com ele alguma prática?

               Respondeu, que tinha pousado junto com o Ouvidor nessa ocasião, e perguntou a ele Respondente pela passagem do excelentíssimo visconde governador, e como se tinha havido com os povos, ao que o réu respondeu, que uma maravilha, que parecia grande felicidade do povo das Minas terem o general que tinham, porque era muito agradável, e muito atencioso para todos; e ele Respondente principalmente lhe era mais obrigado, por lhe ter devido o obséquio de se arranchar na sua Fazenda da Borda do Campo, e na Mantiqueira ; e a isto lhe respondeu o dito alferes, que antes ele fosse um diabo, pior que Luiz da Cunha; que se ele fosse diabo, mais depressa viriam estas Minas a ser governadas por uma República, porque estes Generais, não vinham cá senão a buscar dinheiro; e o réu lhe respondeu, se estava louco, porque aquilo não eram coisas que se falassem, nem a ele Respondente se dizia isso; e como lhe disse isto, ficou parado, e tornou a dizer que os generais eram bons para uns, e maus para outros, e mais lhe não falou o dito alferes nisso; e ele Respondente lhe perguntou o que tinha feito tanto tempo cá pelo Rio de Janeiro; ao que lhe disse que tinha estado para ver se se ajustava a tirar água para o chafariz da Carioca, para assim ver se tirava uns poucos de mil cruzados; mas que o excelentíssimo vice-rei se não ajustara com ele; e esta foi a conversa que com ele teve, e se desviou dele, e nessa tarde com ele mais não falou; e no outro dia de manhã, partiu aquele ouvidor, e o dito alferes ficou por ali, tirando dentes a alguns agregados, e se foi embora sem ele Respondente falar mais com ele e até o presente o não viu mais, nem mais lhe falou. E não está certo se na fazenda dele Respondente, ou mesmo na do Padre Manoel Rodrigues da Costa, indo ele Respondente no fim de outubro seguinte para Vila Rica, a visitar o general, perguntou ele Respondente ao dito padre se ali tinha também falado ou ficado em casa o dito ouvidor com o alferes Joaquim José, e dizendo-lhe que sim, lhe perguntou mais ele Respondente, se o dito alferes lhe tinha falado no general, e falado em República, dizendo-lhe ao mesmo tempo, que em sua casa tinha aquele alferes perguntado pelo General, e repetido a mais prática, que acima referiu ao que o padre lhe respondeu que o dito alferes era um tolo, e que não era homem de conceito, e que também lhe tinha falado nessa asneira: e o réu respondeu ao mesmo padre, que ele Respondente ia para Vila Rica, e aí havia de dar parte ao general, onde chegou no fim de outubro, mas não disse ao general coisa alguma, por não saber das leis, e por ter pejo de lhe dizer que os generais vinham cá buscar dinheiro, nem ter ouvido em Vila Rica, nem em parte nenhuma, falar mais em semelhante coisa. Que em Vila Rica fora então hóspede de João Rodrigues de Macedo, onde se achava também hóspede o Desembargador Luiz Beltrão, Ministro, com quem ele Respondente tinha mais correlação, e conhecimento, e daí a dois dias, foi o excelentíssimo visconde de passeio à Cachoeira com a Senhora Viscondessa; e ele Respondente foi, e mais o dito Desembargador, adiante para os acompanhar; e no alto da Cachoeira, ou da Serra, indo conversando da bondade do Excelentíssimo Visconde, deu ao dito Ministro parte do que em sua casa tinha passado com aquele Alferes, para que o mesmo ministro o contasse ao general, pois que ele Respondente tinha pego de o fazer; e logo o mesmo Baltrão lhe respondeu que aquele alferes era um cachorro, e um mariola, em falar em semelhantes coisas, porque não eram coisas em que se falasse; e porque vinha então chegando o general, suspenderam a conversação; e descendo abaixo ao sítio dos Tabuões, foi aquele ministro conversando com o general, no que ficava assentado com o Respondente, que lhe iria falando na vez a Vila Rica, sem lhe falar mais nisso aquele ministro, nem a ele o Respondente; logo depois, passados dois dias, no princípio de novembro, se recolheu ele Respondente à sua fazenda da Borda do Campo, sem ouvir falar mais nessa matéria, nem mais ver o sobredito alferes.

               E vindo de volta de Vila Rica, em casa do Padre Manuel Rodrigues da Costa, lhe perguntou este, se ele Respondente tinha dado parte ao general do que lhe tinha dito aquele alferes, e ele Respondente lhe disse que sim, e que Sua Excelência já o sabia, e que brevemente lhe daria a providência, porque supunha, que o Desembargador Beltrão o tinha dito ao general, suposição porém, que não manifestou ao dito padre.

               E a ele Respondente tornou o padre as palavras — essas coisas estão mais adiantadas — e o Respondente, dizendo-lhe que o general lhe dará a providência, se foi embora. Daí se recolheu à sua casa, onde esteve o resto do mês de novembro, e meado de dezembro, tempo em que tornou à Capital para buscar cinco mil cruzados, que o General lhe tinha conseguido por empréstimo de João Rodrigues de Macedo, para compra de negros; e estando hóspede do mesmo Macedo, e com ele jogando o gamão, uma noite chegou casualmente o Alvarenga, a visitar o dito Macedo; e ficando ele Respondente depois jogando também com o mesmo Alvarenga, parando de jogar às nove horas, lhe perguntou este, que novidades havia pelo Rio de Janeiro, ao que disse o Respondente, que os viandantes contavam, que o Excelentíssimo Vice-Rei fazia soldados sem exceção de pessoa, e que havia desconfiança pela forma com que se fazia gente, que viesse alguma armada francesa; tomavam-se medidas, acrescentou ele Respondente, para que não houvesse algum levante, como houve da outra vez: e a este passo, lhe perguntou Inácio José de Alvarenga, se ele Respondente tinha visto o dito Alferes Joaquim José, e respondendo-lhe que não, lhe repetiu então o que com o mesmo alferes tinha passado em sua casa; e lhe parece que também lhe contou o que mais a esse respeito tinha dito ao Desembargador Beltrão, e disto não tem certa lembrança; somente sim, que por vergonha, o não tinha contado ao general. E o Alvarenga lhe respondeu — que era uma coisa insignificante, e se houvesse República, que bem estava ele na campanha com duzentos e tantos negros; e que como ele Respondente estava para vir ao Rio de Janeiro (o que com efeito lhe tinha dito a ele Alvarenga), o mesmo Alvarenga lhe recomendou, que do que nesta cidade houvesse de novo, lhe desse parte — e porque João Rodrigues de Macedo chamou para cear, acabou a conversação, e não houve mais nada: e não viu mais o Alvarenga, senão quando este passou preso para esta cidade; nem ele Respondente veio ao Rio de Janeiro, como tinha projetado, no que o interrompeu a desordem de uma filha sua com o marido.

               Correu depois notícia, no mês de maio seguinte, que nesta cidade se tinha preso Joaquim Silvério dos Reis, Manuel Caetano de Oliveira, e o Tiradentes; e havendo poucos meses que o Padre José Lopes de Oliveira tinha feito sociedade com ele Respondente, de plantar cana no engenho dele Respondente da Borda do Campo, este logo que teve notícia daquelas prisões, saiu da dita fazenda e passou à do Ribeirão, e da Ponta do Morro à casa dos seus parentes, tendo dito ao Padre Silvestre Dias, cunhado dele Respondente, que ia saber daquelas prisões, e lá se demorou uns poucos dias, de sorte que não tornou mais à sua fazenda; e só daí a alguns dez dias, tempo em que passava o Coronel Francisco Antônio Rebelo, trazendo preso o Desembargador Gonzaga, que pernoitou na fazenda dele Respondente na Borda do Campo, mandou o dito Padre José Lopes um mulato seu com recado a seu cunhado, dito Padre Silvestre Dias, que se queria despedir-se dele, fosse ao Registro Velho, à casa do Padre Manuel Rodrigues, porque fugia, assim com seu irmão Francisco Antônio de Oliveira; pois que Joaquim Silvério o tinha malsinado, como a ele Respondente contou o dito seu cunhado; e acompanhando ele Respondente nessa ocasião o dito Coronel Rebelo até à Mantiqueira, no caminho, ao pé do Confisco, lhe deu parte do que lhe tinha contado seu cunhado, e lhe disse mais, que também disso dava parte ao general, do que o Coronel Rebelo lhe disse que fazia bem, e que também ele Rebelo dava parte; e com efeito, deu parte ao general, por uma parada, o mesmo Respondente; e não sabe se foi entregue, porque o general não lhe deu resposta; e além disto mandou logo que o mulato daquele Padre José Lopes despejasse logo da sua fazenda com os mais escravos deste padre, que nela estavam; e saindo os escravos, o dito padre também se ocultou; e pela parte, que ele Respondente deu, e pela que deu o Coronel Rebelo, não pode o dito padre fugir, nem seu irmão Francisco Antônio de Oliveira, de que resultou ficar com aversão a ele Respondente aquele Padre José Lopes, dizendo, como lhe constou, que o havia de perder. E por aquela fugida se lembrou ele Respondente da conversa, que aquele Padre José Lopes, então assistente na Igreja Nova, teve com ele Respondente, indo no mês de setembro ou princípio de outubro de oitenta e oito, da sua fazenda da Borda do Campo para a Mantiqueira, com seu cunhado, o Padre Silvestre Dias de Sá, porque vindo todos três da fazenda do Calheiros para o Alto da Mantiqueira, veio o dito Padre José Lopes falando que o general botava abaixo os regimentos novos; e que por ser mais novo o dele Respondente, e não estar preparado com uniforme, havia de ir abaixo; ao que o Respondente lhe disse, que sempre o seu regimento havia de ficar em pé, porque ele era o Tenente-Coronel mais velho da Vila de São João: e continuou mais o mesmo padre perguntando-lhe, se viesse uma armada francesa ao Rio de Janeiro, e tomasse a terra, por quem ele Respondente seria? Ao que respondeu que, se viesse ao Rio com o seu regimento, brigaria até dar a vida pelo seu rei, porque é português, e não francês; e ele lhe respondeu que ele não, e que se poria pela parte de quem vencesse.

               Foi mais perguntado, se sabia mais alguma coisa que dissesse respeito à sublevação, que se pretendia fazer em Minas; ou se sabia de mais algumas práticas, que o dito Alferes Joaquim José da Silva, ou algum outro, tivesse com qualquer pessoa, pela qual se pudesse julgar que havia quem quisesse levantar-se com a terra?

               Respondeu, que não ouviu mais conversa alguma a este respeito, nem mais conversou com nenhum dos que estavam presos, nem com Joaquim Silvério, porque eram seus inimigos, e moravam muito distante; só depois das prisões de Joaquim Silvério, e do Tiradentes, ouviu dizer a Domingos Pires, que o dito Tiradentes lhe dissera que levasse bastante pólvora para Minas, que havia de ter gasto; e não ouviu mais nada.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por ora feitas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito verdade, e com o Ministro e Escrivão assistente, declaro que neste ato esteve o réu livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e o Doutor José Caetano César Manitti, Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José Aires Gomes

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 01-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, no primeiro dia do mês de setembro do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração lormada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado. e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Coronel José Aires Gomes, preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas neste ato as perguntas antecedentes, e perguntado, se estavam conformes, e as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e as ratificava.

               Foi perguntado, se sabia ou tinha notícia de mais alguma prática sobre o levante, que alguns dos conjurados tivesse, ou com ele Respondente, ou com alguma outra pessoa?

               Respondeu, que não sabia de mais nada, que lhe lembrasse.

               Foi perguntado, que dissesse a verdade sobre a contradição, que se achava entre o juramento que prestou na Devassa, tirada por ordem do general de Minas, e as respostas que tem dado às perguntas, que lhe foram feitas; porquanto no dito juramento, a folhas cento e vinte uma, depusera que, vindo de Vila Rica, falara de caminho com o Padre Manuel Rodrigues da Costa, e este lhe perguntara se o dito governador saberia já das práticas com que andava o Alferes Joaquim José sobre o levante; e que ele Respondente lhe dissera que ignorava se o dito governador o sabia; e nas respostas que agora deu às perguntas, que lhe foram feitas, disse ele Respondente que, fazendo-lhe o dito Padre Manuel Rodrigues a sabredita pergunta, ele Respondente lhe dissera — que sim, e que Sua Excelência já o sabia e que brevemente lhe daria a providência — e agora deve declarar a verdade sobre a dita contradição, que o constitui na presunção de ser pouco verdadeiro, e não declarar com sinceridade o que sabia nesta matéria?

               Respordeu, que na Devassa tirada por ordem do general de Minas depôs que ignorava se o General saberia das práticas do Tiradentes, seria olvidação dele Respondente; o que dizia nas respostas era o que tinha passado na verdade, e tornava a ratificar.

               Foi instado, que dissesse a verdade, à qual evidentemente faltava; porquanto, dizendo nas respostas, que vindo de Vila Rica, e passando por casa do Padre Manuel Rodrigues da Costa, que este lhe perguntara se ele Respondente tinha dado parte ao governador de Minas das práticas do Alferes Joaquim José da Silva, e que ele Respondente lhe dissera que sim, que já Sua Excelência o sabia, e que brevemente lhe daria providência; se isto fosse verdade, era um fato próprio dele Respondente, tão essencial, e de tal natureza nesta matéria, que seria absolutamente impossível que lhe esquecesse quando depôs na Devassa, tirada por ordem do Governador de Minas; muito mais sendo o dito depoimento poucos meses depois que ele Respondente foi a Vila Rica, e passou por casa do dito Padre Manuel Rodrigues, pelo que se convence que agora nas suas respostas faltou à verdade, dizendo que se lembrou de um fato seu próprio, passado anos, de que se não tinha lembrado passados poucos meses?

               Respondeu, que então lhe não lembrava, e agora nas respostas dissera isto com certeza.

               Foi perguntado pelos versos, que se acham a folhas sete do apenso número trinta e sete da Devassa, tirada por ordem do Governador de Minas, se conhecia a letra com que estavam escritos os ditos versos?

               Respondeu, que não conhecia a dita letra, e sendo pelo dito Conselheiro mandado escrever outros semelhantes versos, e sendo uma outra letra conferida e examinada por mim, e Escrivão assistente, e dizendo nós que a letra tinha caracteres mui semelhantes, e que uma e outra, tanto a que neste ato escreveu, como a do apenso até o verso décimo, bem pareciam ser do mesmo autor, então o réu confessou que a letra dos ditos versos era da sua própria mão.

               Foi perguntado quem fez os ditos versos, para que os conservava ele Respondente em seu poder, e para que pedia que lhe acabassem a obra, como consta do mesmo papel ?

               Respondeu, que aqueles versos, como ouviu dizer, foram feitos há muitos anos aqui no Rio de Janeiro, por um poeta chamado Maçarico; e que os conservava em seu poder sem maldade alguma, nem sabia que os tinha entre os seus papéis; e que não tinha aquela obra para coisa nenhuma, e que tinha pedido ao Padre Matias que lha acabasse, porque queria saber.

               E per agora lhe não fez mais perguntas, e sendo-lhe estas por mim lidas, as achou conformes, com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, declarou ter dito a verdade, de que dou fé, com o Escrivão assistente, e que neste ato esteve o mesmo livre de ferros; e de tudo mandou fazer este auto o dito Conselheiro, e assinou com o Respondente, e Escrivão assistente, e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Caetano César Manitti José Aires Gomes

3ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Inácio José de Alvarenga Peixoto — 05-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos cinco dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Coronel José Aires Gomes, preso incomunicável nas ditas casas; e sendo aí mandou vir o réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecendentes, e perguntado, se estavam conformes, e se tinha alguma coisa que acrescentar, ou declarar?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava, somente com a declaração que na parte em que se contradizia, nas respostas que tinha dado ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, que a verdadeira resposta era a que se achava na Devassa, tirada por ordem do general de Minas, e que por se não lembrar, tivera aquela equivocação.

               Foi perguntado, se com efeito ele Respondente fez os versos que se acham escritos pela sua letra, de que se faz menção nas perguntas antecedentes?

               Respondeu, que não fez os ditos versos, suposto estejam escritos por sua letra; porque quem lhos disse, foi o Padre Matias, há muitos anos, dizendo que os fizera um poeta, chamado o Maçarico, em resposta de outros versos que tinha feito um poeta de Portugal.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto dos mesmos versos se vê que não podiam ser feitos por poeta algum; e pelo contexto deles se conhece que foram feitos por ele Respondente?

               Respondeu, que na verdade não tinha feito os tais versos, porque nunca soube fazer versos na sua vida; e só é verdade, que os ditos versos lhos tinha dito o Padre Matias, na forma que tem declarado nas suas respostas.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porque tanto eram os versos dele Respondente, e tão pouco feitos por algum poeta, que ele mesmo Respondente assim o entendia, pedindo pela sua mesma letra, a quem lhe acabasse os ditos versos, como soneto, ou décima; e se ele Respondente entendesse que os ditos versos eram feitos por poeta, julgaria estar a obra completa, e perfeita, e não pediria que se lhe acabasse?

               Respondeu, que era verdade, que tinha mandado pedir ao Padre Matias que lhe acabasse aqueles versos; mas não que os mostrasse a ninguém, nem que usasse deles; tanto assim, que se não acharam em seu poder, porque se não lembrou que tinha mandado que lhos acabasse.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, porque os versos foram achados em casa dele Respondente, escritos por ele nesta mesma ocasião em que se tratava do levante em Minas; porque seria impossivel que semelhante papel fosse guardado por muitos anos, e a mesma letra deixa perceber que tinha sido escrito havia pouco tempo?

               Respondeu, que não se achou em seu poder, mas sim em poder do mestre de meninos, na ocasião em que foi preso, e se lhe deu busca nos seus papéis, e lá se acharam os versos, sendo como é chamado aquele mestre de meninos, José Inácio de Sequeira.

               Foi perguntado pelo empenho que tinha em ter aquela obra, pedindo se lhe acabasse, sendo uma coisa insípida, que todo o valor tinha em injuriar, e dizer mal dos europeus?

               Respondeu, que estima tanto os de Portugal, que de lá era seu pai, e com um homem de lá casou uma filha sua; e que não tinha empenho nenhum em ter aquela obra, nem se lembrava que a tinha.

               Foi perguntado, se tinha que acrescentar, ou diminuir na conversa que declarou ter com o Coronel Inácio José de Alvarenga, em Vila Rica, em casa de João Rodrigues de Macedo, ou se é a própria, que referiu nas suas respostas?

               Respondeu, que a verdade é o que tinha dito nas respostas e agora confirma; nem se lembra que tenha mais que acrescentar, nem diminuir.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto constava que ele Respondente na dita conversa que teve com o Coronel Alvarenga, não só lhe dera a notícia de que se projetava um levante nesta cidade, onde se esperavam naus francesas, mas afirmativamente lhe certificou que era certa, e que ele o seria por lhe duvidar o mesmo Coronel a verdade da mesma notícia?

               Respondeu, que ele não dissera mais nada ao dito Coronel Alvarenga, perguntando-lhe este que novidade havia no Rio de Janeiro, do que repetir-lhe que nesta cidade o vice-rei fazia muitos soldados, o que dava suspeita, como alguns homens do caminho diziam, que viesse alguma armada francesa; e a esse tempo lhe perguntou o dito Coronel Alvarenga a ele Respondente pelo Tiradentes.

               E logo no mesmo ato mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o Coronel Inácio José de Alvarenga, preso nas sobreditas casas, para com ele fazer acareação ao dito réu José Aires Gomes, e sendo aí se reconheceram mutuamente, do que damos fé, como também de lhe ter sido deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, e lhe fez a acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lido o parágrafo a folhas cinco do apenso das perguntas feitas ao acareante Coronel Inácio José de Alvarenga, disse que o que tinha dito naquele parágrafo, a respeito da conversa com José Aires Gomes, em casa de João Rodrigues de Macedo, era tudo verdade, de que estava bem certo, só com as equivocações de ter dito, que a dita conversa fora no princípio de janeiro de mil setecentos e oitenta e nove, porque a dita conversa tinha sido em dezembro de mil setecentos e oitenta e oito; a segunda equivocação foi no versículo, — que o faziam certamente — porque o que lhe respondeu o acareado, foi que o diriam certamente; e com estas declarações, persistiu firme o acareante, em que tudo o que tinha referido sobre a dita conversa era verdade, e o acareado José Aires Gomes disse que só era falso ter ele acareado tido aquela conversa com o acareante; mas que nunca ouvira a pessoa alguma, que se esperassem nesta cidade naus francesas, e só ouviu o que tem dito nas suas respostas, e foi o que disse ao acareante na conversa que com ele teve, em casa de João Rodrigues de Macedo; e depois de disputarem sobre a verdade das suas respostas, cada um ficou firme no que tinha dito.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante e acareado, acharam estar conforme com o que respondido tinham; e de tudo mandou fazer este Auto em que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro Escrivão assistente, com o qual dou fé, que neste ato estiveram ambos os réus livres de ferros; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

Inácio José de Alvarenga Peixoto

José Aires Gomes

AUTO DE PERGUNTAS AO PADRE MANUEL RODRIGUES DA COSTA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 22-08-1791

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco 29-08-1791

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Padre José Lopes de Oliveira 30-08-1791

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com José Aires Gomes 31-08-1791

1a Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 22-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e dois dias do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinlio, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da mesma cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, preso incomunicável nos segredos feitos nas nresmas casas; e sendo aí mandou o mesmo Conselheiro vir à sua presença o dito réu, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava, a sua idade, donde era natural, onde assistia, o seu estado, e de que vivia?

               Respondeu, que se chamava Manuel Rodrigues da Costa, de idade de trinta e sete anos, natural da Freguesia de Carijós, Comarca de São João del-Rei, Capitania de Minas Gerais, presbítero do hábito de São Paulo, e que vivia do uso das suas ordens, e do seu patrimônio.

               Foi perguntado, se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão?

               Respondeu, que julgava estar preso para ser acareado com o Coronel José Aires Gomes, sobre o referimento que fez, do mesmo José Aires.

               Foi perguntado pelo referimento que fez, do Coronel José Aires Gomes, o que no dito referimento se continha, e sobre que matéria versava?

               Respondeu, que perguntando ele Respondente ao dito coronel, se ele tinha ouvido alguma coisa ao Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, e esta pergunta foi feita em casa dele Respondente, no meado do mês de outubro de mil setecentos e oitenta e oito, pouco mais ou menos, lhe disse o dito coronel, que sim, já o Excelentíssimo Visconde Governador o sabia; e perguntando ao mesmo coronel, quem o tinha dito ao governador, lhe respondeu que tinha sido ele mesmo coronel; ao que ele Respondente lhe disse que tinha feito muito bem, porque ninguém o mandava ser tolo; e continuando ele Respondente a dizer se o governador não dava providência a estas coisas, lhe respondeu o mesmo coronel, que a seu tempo a daria.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto não era natural que perguntando ele Respondente simplesmente ao dito Coronel José Aires, se tinha falado ao Alferes Joaquim José da Silva, o dito coronel lhe dissesse que sim, e que já tinha dado parte ao Governador de Minas, sem que entre ele Respondente e o dito coronel houvesse alguma explicação sobre a matéria que o Alferes Joaquim José lhe tinha falado, e sobre ser a dita conservação coin o alferes de qualidade de se dever dar parte ao Governador de Minas.

               Respondeu, que não tinha havido mais declaração alguma, nem de uma parte, nem de outra, porque o dito Aires já estava certo do que o dito alíeres lhe tinha dito, e entendeu a pergunta dele Respondente logo completamente.

               Foi perguntado, pelo que ele Respondente entendeu da simples resposta do dito Coronel José Aires, e pelo sentido com que ele Respondente também lhe fez a dita pergunta, o que deve declarar com clareza?

               Respondeu, que pela simples resposta que lhe deu o dito coronel, entendeu que o Alferes Joaquim José lhe tinha dito o mesmo que também disse a ele Respondente, na ocasião em que passou com o Ouvidor da Comarca de Vila Rica, indo desta cidade para aquela Vila, pousando em casa dele Respondente: e a pergunta que fez ao dito Coronel José Aires foi com o sentido de averiguar se o dito Alferes lhe tinha dito o mesmo que disse a ele Respondente.

               Foi perguntado, pelo que disse o dito alferes a ele Respondente, na ocasião que passou desta cidade para Vila Rica?

               Respondeu, que depois de lhe fazer uma larga dissertação da riqueza daquele país e dos vexames que os Generais, e seus criados faziam aos povos, se ele alferes pudesse, que havia de por a mesma terra livre da sujeição da Europa .

               Foi perguntado, se tornou outra vez a falar com o dito alferes, e se este excitou a mesma prática de livrar a América da sujeição da Europa?

               Respondeu, que lhe falou outra vez, vindo o dito Alferes para esta cidade, quando cá foi preso; e então, em casa dele Respondente, lhe disse que vinha a esta cidade para cuidar em uns requerimentos que tinha, para meter na mesma cidade umas águas, e fazer um trapiche, e de caminho, ver se fazia alguma coisa sobre o particular, em que lhe tinha falado, quando da mesma cidade passou para Vila Rica; e que pela resposta, que a isso ele Respondente lhe deu, se lembra que o mesmo alferes lhe falou em que havia de falar a alguns soldados, e oficiais para aquilo mesmo: ao que ele Respondente lhe disse que visse o risco em que se vinha meter, e que lhe haviam de cortar a cabeça; e já da primeira vez lhe tinha também dito que não fosse louco, e não falasse em tal.

               Foi perguntado se sobre esta mesma matéria falou ele Respondente com mais alguma pessoas, ou ouviu alguma prática, que fosse tendente à independência da América?

               Respondeu, que nestas coisas, que tem referido, conversou com o Padre Lopes de Oliveira; e também, no que tinha passado com aquele Alferes Tiradentes falou ele Respondente com o Pimentel Vaz de Melo; que então estava em casa dele Respondente, e agora assiste na Campanha do Rio Verde.

               Foi perguntado, se quando falou na matéria com o Padre José Loptís de Oliveira, e com o Padre Neutel, eles eram já sabedores das idéias do dito Alferes Joaquim José da Silva, e o que lhe responderam, quando lhe falou sobre o que o dito Alferes tinha dito a ele Respondente?

               Respondeu, que o Padre José Lopes não mostrou ser sabedor de alguma coisa disso, no tempo em que e!e Respondente lhe falou; e só respondeu — ora, o tolo do Gramaticão, no que lhe havia de dar: E o Padre Neutel também mostrou que não sabia nada; nem se lembra ele Respondente, que sobre isso lhe desse resposta alguma.

               Foi perguntado, se sabe, ou se tem notícia, de que o dito alferes fizesse alguma diligência tanto na Vila Rica, como nesta cidade, para por em execução os infames intentos que tinha comunicado a ele Respondente, falando, ou induzindo algumas pessoas para entrarem no mesmo partido?

               Respondeu, que ouviu dizer, sem se lembrar a quem, que Inácio José de Alvarenga tivera uma conversação, sem se lembrar também do que nela se tratou, mas disso mesmo se recorda, que sempre fora tal, que ele Respondente ficou fazendo idéia, que o mesmo Alvarenga era sabedor dos projetos do dito Joaquim José da Silva, e que dos mesmos projetos estava certo.

               Foi perguntado, se depois da primeira prática, que teve com o dito Alferes Joaquim José da Silva, quando ele passou desta cidade para Vila Rica com o Ouvidor da Comarca, passou ele Respondente alguma vez pela estalagem da Varginha, e aí falou, ou ouviu falar alguma coisa tocante a levante da América?

               Respondeu, que passou duas vezes pela estalagem da Varginha, uma entrando, outra saindo; e que em nenhuma dessas ocasiões, lhe disse o estalajadeiro João da Costa, que no dia antecendente tinham passado dois viajantes desta cidade, que diziam que o Vice-Rei completava os Regimentos, porque se esperavam naus francesas; ao que ele Respondente disse que essa notícia era antiga, e que em razão dela, chegaram a dizer que se acaso eles franceses viessem, veriam como o vice-rei havia de defender, pelo pouco que estimava os soldados.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas as quais sendo por mim lidas, as achou o Respondente conformes com o que dito tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Escrivão assistente, declaro que o réu esteve neste ato livre de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Ministro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Manuel Rodrigues da Costa

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — 29-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos vinte e nove dias do mês de agosto nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, preso incomunicável nas mesmas casas; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecendentes, e perguntado, se estavam conformes, e se tinha alguma coisa, que acrescentar, ou diminuir, ou se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que lhe não lembrava mais coisa alguma, que acrescentasse, ou diminuise, e ratificava as ditas perguntas.

               Foi perguntado, se sobre o levantamento de Minas tinha mais alguma notícia, e se sobre o mesmo tinha falado com mais alguma pessoa?

               Respondeu, que não faleu com mais pessoa alguma, nem tem notícia de coisa, que respeite à sublevação?

               Foi perguntado, se conhecia Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e se com ele tinha falado?

               Respondeu, que conhece Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e há doze anos que lhe não falou senão uma vez, que foi quando o dito Francisco Antônio veio esperar o atual governador de Minas, quando ia para o seu governo.

               Foi perguntado, se nessa ocasião em que falou com o dito Francisco Antônio, teve com ele alguma prática, que dissesse relação ao levante?

               Respondeu, que não falou com o dito Francisco Antônio coisa que dissesse respeito à sublevação, nem nesse tempo tinha ouvido falar em semelhante matéria, nem a ele Respondente vinha ao pensamento, que houvesse pessoa que se lembrasse de fazer sublevação na Capitania de Minas.

               Foi mais perguntado, se conhecia, e tinha falado com um fulano Coelho, Sargento-mor das Entradas?

               Respondeu, que conhece de vista o Sargento-mor das Entradas, a quem não sabe o nome, e só sabe que tem sobrenome, Coelho com o qual nunca conversou, nem teve trato, ou amizade.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado, porquanto constava que, tanto tinha ele Respondente trato e amizade com o dito Sargento-mor das Entradas, que asseverava a um dos sócios da conjuração, que o dito Sargento-mor era muito empenhado em que se fizesse o levante, pelo que agora devia declarar tudo com verdade e sinceramente.

               Respondeu, que dizia a verdade afirmando que nunca tivera amizade, nem conversação com o dito Sargento-mor das Entradas, nem lhe lembra que dissesse a pessoa alguma, que o dito Sargento-mor era empenhado em que se fizesse o levante; mas que agora, excitando-se-lhe esta espécie na instância que se lhe fez, discorre que talvez pudesse dizer a alguém, que o dito Sargento-mor queria entrar no levante; ainda que ele Respondente não afirma, nem tem certeza, de que tal dissesse; mas que discorre que poderia dizê-lo, em razão de que, quando lhe falou o Alferes Joaquim José da Silva em por a América independente da Europa, entre as mais dificuldades e embaraços, que ele Respondente lhe ponderou, foi um deles dizendo-lhe que nem havia homens, nem dinheiro; ao que parece a ele Respondente, segundo sua lembrança, que o dito alferes lhe respondeu que ainda havia alguns homens desembaraçados, assim como Fulano Coelho, Sargento-mor das Entradas, e talvez pelo dito do alferes, poderia ele Respondente dizer a alguém que o dito Sargento-mor entrava no levante: sendo certo, que nem tem lembrança positiva de que tal dissesse, nem de que o dito Sargento-mor fosse falado para entrar no dito levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, que intentava dissimular, porquanto consta que ele Respondente positivamente afirmara que o dito Sargento-mor não só entrava no levante, mas que era o mais empenhado em que ele se efetuasse, sinal evidente de que ele Respondente sabia dos particulares do dito Sargento-mor, e tinha noticia individual do levante, que se premeditava fazer?

               Respondeu, que tem dito a verdade, e que não tem mais que possa dizer a este respeito, sendo certo que o dito Sargento-mor tem andado nas prisões dos réus da conjuração, pelo que entende ele Respondente que está livre de toda a suspeita que contra ele poderia haver.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente, com o qual dou fé, que o réu esteve neste ato livre de ferros; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Manuel Rodrigues da Costa

1ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Padre José Lopes de Oliveira — 30-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos trinta dias do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, junto comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e o Intendente eleito da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazer acareação ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, preso incomunicável nas mesmas casas, com o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que dos segredos das cadeias da Relação, aqui foi conduzido.

               Sendo aí foram mandados pelo dito Conselheiro vir à sua presença os ditos réus, os quais se reconheceram mutuamente pelos próprios, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, como também de lhes ter sido deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, e lhes fez acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido o parágrafo a folhas cinco verso do apenso número nono da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Coelho, na parte em que o dito parágrafo diz — Que o Padre Manuel Rodrigues da Costa dissera que, se encontrara ao Respondente mofino, em desconto tinha também encontrado em Vila Rica ao Sargento-mor das Entradas, fulano Coelho, pronto para entrar na sublevação, e gastar para o bom efeito dela a sua fazenda, o que o dito Padre Manuel Rodrigues da Costa contou ao irmão dele Respondente, o Padre José Lopes, e este a ele Respondente — E ouvido pelo acareante Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que era verdade ter-lhe contado seu irmão, o Padre José Lopes, que o Padre Manuel Rodrigues da Costa lhe dissera que, passando pelo Registro Velho, o Alferes Joaquim José da Silva lhe contara que ele acareante era um mofino, por não querer entrar na sublevação, mas que em desconto tinha encontrado o sargento-mor nas Entradas, fulano Coelho, pronto para entrar no levante e gastar a sua fazenda para o bom efeito dele; e o acareado, o Padre Manuel Rodrigues da Costa disse que tudo era falso, porque nem ele acareado ouviu semelhante espécie ao Alferes Joaquim José da Silva, nem podia contá-la ao Padre José Lopes, porque nunca tivera semelhante notícia; e persistindo cada um firme no que disse, mandou o dito Conselheiro vir logo à sua presença o Padre José Lopes de Oliveira, também preso incomunicável nas sobreditas casas, o qual reciprocamente se reconheceu com os dois acima ditos, do que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, e de lhe ter sido deferido o juramento pelo que respeita a terceiro; e com os dois, Francisco Antônio de Oliveira, e Padre Manuel Rodrigues da Costa, lhes continuou a acareação do modo seguinte. E sendo-lhes novamente lido o parágrafo acima referido, disse o acareante dito Padre José Lopes, que seu irmão Francisco Antônio de Oliveira Lopes, se equivocara; porquanto nem ele acareante ouviu ao Padre Manuel Rodrigues da Costa a espécie que se refere, de que o Alferes Joaquim José da Silva dissesse que o dito Francisco Antônio era mofino, por não querer entrar na sublevação, mas que em desconto tinha encontrado o Sargento-mor das Entradas, fulano Coelho, pronto para entrar no levante, e para gastar a sua fazenda no bom sucesso dele; nem podia contar semelhante coisa a seu irmão Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e que se ele o ouviu, seria a outra pessoa, e não a ele acareante, Padre José Lopes. Porém o acareante Francisco Antônio de Oliveira persistiu firme em que tinha ouvido a espécie, que referiu no parágrafo sobredito; e que certamente a não ouvira a outra pessoa, senão ao acareante, seu irmão, Padre José Lopes: E persistindo cada um firme, no que declarou, se não pode conseguir averiguar qual deles falava a verdade.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareado, e acareante, acharam as suas respostas conformes com o que respondido tinham; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com os acareantes, e acareado, e Ministro Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que os mesmos réus estiveram neste ato livres de ferros; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Lopes de Oliveira

Francisco Antônio de Oliveira Lopes

Manuel Rodrigues da Costa

4ª Inquirição — Rio, Casas da Ordem Terceira de São Francisco — Acareação com José Aires Gomes — 31-08-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos trinta e um dias do mês de agosto, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da Ordem Terceira de São Francisco, aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para efeito de se fazer acareação ao Padre Manuel Rodrigues da Costa, com o Coronel José Aires Gomes, ambos presos incomunicáveis nas sobreditas casas; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença os ditos réus, os quais se reconheceram mutuamente, de que dou fé com o Escrivão assistente, como também de lhe ter sido deferido juramento, pelo que respeita a terceiro; e lhes fez a acareação pela forma seguinte.

               E sendo-lhes lidas as perguntas, e juramento do acareante José Aires Gomes, a folhas sessenta e seis da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro, na parte em que diz que, falando ao acareado Padre Manuel Rodrigues da Costa, lhe perguntou se o Alferes Joaquim da Silva lhe tinha dito, a ele acareante, alguma coisa, ele acareante lhe respondeu, que lhe tinha dito o que com mesmo alferes passou, que referiu ao mesmo padre acareado, acrescentando que o dito alferes era um louco; cuja conversa declarou ele acareante que tinha sido no mês de outubro, indo para Vila Rica, e na volta da dita vila, tornando a falar ao mesmo padre, lhe perguntou este se tinha dado parte da conversa que tivera com o dito Alferes ao Governador da Capitania; e dizendo-lhe ele acareante que sim, lhe respondeu o acareado, que essas coisas estavam mais adiantadas; e o acareante José Aires persistiu firme, em que tudo isto era verdade: E o acareado, Padre Manuel Rodrigues da Costa, disse que não tinha falado ao acareante mais que uma vez, e que dessa prática não houve mais palavras, do que as que declarou nas respostas às perguntas que antecedentemente lhe foram feitas. E sendo o acareado instado pelo acareante, na disputa que tiveram, de que tanto era verdade o que ele acareante tinha declarado, que era inverossímil, que o acareado lhe perguntasse se tinha dado parte ao Governador de Minas, se entre eles, acareante e acareado, não tivesse antecedentemente havido a prática, em que se tivesse referido a idéia, e conversação, que com ambos tinha o dito Alferes Joaquim José, sobre o estabelecimento da República; ao que o dito acareado respondeu que tinha dito conforme lhe ditava a sua consciência.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida, acharam estar conforme, como respondido tinham, e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareado, e Escrivão assistente, com o qual dou fé estarem os réus neste ato livres de ferros; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José Aires Gomes Manuel Rodrigues da Costa

AUTO DE PERGUNTAS A FAUSTINO SOARES DE ARAÚJO

1a INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 10-10-1791

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — Acareação com o Padre Carlos Correia de Toledo e Cônego Luís Vieira da Silva 11-10-1791

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 12-10-1791

1ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — 10-10-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dez dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais aonde eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão vnn, e o Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas a Faustino Soares de Araújo, que se achava preso incomunicável nas prisões que se fizeram nas casas da Ordem Terceira de São Francisco desta cidade; e sendo aí mandou vir o dito Conselheiro à sua presença, debaixo de segura custódia, ao sobredito Faustino Soares de Araújo, e lhe fez perguntas pelo modo seguinte.

                Foi perguntado como se chamava, a sua idade, donde era natural, se era solteiro ou casado, de quem era filho, de que vivia, e se tinha algumas ordens?

                Respondeu, que se chamava Faustino Soares de Araújo, de idade de trinta e quatro anos, natural e assistente na Cidade de Mariana, solteiro, filho de Francisco Soares de Araújo, já falecido, que vive do ofício de Contador, Distribuidor e Inquiridor da mesma cidade e não tinha ordens algumas.

               Foi perguntado se sabia, ou suspeitava a causa da sua prisão?

               Respondeu, que não tinha motivo para suspeitar coisa alguma.

               Foi perguntado, se lhe lembra ter jurado na Devassa, que tirou o Ouvidor de Vila Rica sobre a sublevação, que se pretendia fazer em Minas; e se lhe lembra o que então depôs no dito juramento?

               Respondeu, que lhe lembrava perfeitamente haver jurado na dita Devassa, que tirou o Ouvidor de Vila Rica; e também lhe lembra, que sendo perguntado, que se pretendia fazer em Minas, depôs que nada sabia.

               Foi perguntado, se depois do dito juramento lhe ocorreu, ou agora lhe ocorre, alguma circunstância sobre o dito levante, que então lhe não lembrasse declarar?

               Respondeu, que depois do dito juramento, que prestou na referida Devassa, nem ainda agora lhe lembra, que soubesse circunstância alguma sobre o levante, até o tempo em que se fizeram as prisões de alguns réus.

               Foi perguntado, se tinha trato e amizade com alguns dos réus que se acham presos?

               Respondeu, que tinha tratamento com o Desembargador Gonzaga, que foi seu Ouvidor da Comarca, com o Cônego Luiz Vieira, com o Tenente-Coronel Francisco de Paula, com o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e estes são os que por ora se lembra.

               Foi perguntado se além dos referidos, tinha tratamento com o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, ou algum conhecimento.

               Respondeu, que também tinha tratamento com o dito vigário.

               Foi mais perguntado, se algum dos ditos réus lhe falou alguma vez sobre o levante, que se projetava fazer em Minas, ou ele Respondente percebeu o intento dos mesmos réus?

               Respondeu, que nunca nenhum dos réus com quem tinha trato lhe falou em matéria de levante, nem coisa por onde ele Respondente pudesse entender que havia semelhante projeto.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava, por quanto estava provado que ele Respondente falou com alguns dos réus sobre o projeto que havia de levante, o que não podia negar, como fez maliciosamente no juramento que prestou, e aqui ainda agora persiste?

               Respondeu, que com verdade ninguém poderá dizer que ele Respondente falasse com pessoa alguma sobre o levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, que pertinazmente negava; porquanto não era verossímil que pessoas de seu tratamento e amizade lhe levantassem um testemunho, em que eles não tinham utilidade alguma, sendo antes verossímil que dissessem a verdade, por descargo de suas consciências, assim como ele Respondente agora devia fazer, não pretendendo desculpar-se, estando provado o seu delito?

               Respondeu, que poderiam alguns dos réus dizer que tinham comunicado a ele Respondente alguma coisa sobre o levante, não abstante o tratamento e amizade, que com alguns tinha, porque muitas vezes dos amigos é donde vinha o mais mal, como ele Respondente muitas vezes tinha experimentado; que talvez falassem nele Respondente, persuadindo-se de que lhes viria algum bem, no que diziam; porém que era certo que ele Respondente com nenhum tinha falado em matéria de levante, nem até o tempo das prisões tinha sabido que houvesse semelhante projeto.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas; as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto., em que assinou com o Respondente, Ministro Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que neste ato esteve o réu livre de ferros; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

Faustino Soares Araújo

2ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — Acareação com o Padre Carlos Correia de Toledo e Côn. Luís Vieira da Silva — 11-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos onze dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu Escrivão da Comissão ao diante nomeado vim, e Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas a Faustino Soares de Araújo, preso incomunicável nas casas da Ordem Terceira de São Francisco, e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o dito preso, e lhe continuou perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecedentes, e perguntado se estavam conformes, ou tinha que acrescentar nelas alguma coisa, ou se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, que não tinha nada que acrescentar ou diminuir nos suas respostas, e que as ratificava.

               E logo o dito Conselheiro mandou vir à sua presença o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia, debaixo de segura custódia, o qual se achava preso incomunicável nas prisões das sobreditas casas da Ordem Terceira; e sendo aí se reconheceram mutuamente, de que dou fé com o Ministro Escrivão assistente, como também de lhe ter sido deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro; e lhes fez a acareação pela maneira seguinte.

               E sendo-lhes lido o apenso número quinto, da folha vinte em diante, em que o acareante Carlos Correia de Toledo declarou que, depois de ter falado a primeira vez em casa de Francisco de Paula Freire de Andrada, na matéria do levante, estando presente o Alferes Joaquim José da Silva, e não se lembra se também estava presente o Padre José da Silva, mas ainda sem terem ajustado coisa alguma sobre o levante, passara à Cidade de Mariana, e aí dissera ao acareado Faustino Soares de Araújo, que em casa daquele Francisco de Paula se falara no levante, sem o convidar, nem lhe declarar mais nada dos projetos, que ainda não havia, porque depois que voltou da Cidade de Mariana para Vila Rica, é que continuaram as práticas com mais formalidade; ao que o dito Faustino Soares lhe respondeu, que isso era história que não havia de haver tal levante.

               E que lhe não lembrava com certeza se lhe nomeou alguma pessoa que pudesse entrar no mesmo levante; porém que podia nomear-lhe muito bem o Coronel José da Alvarenga, o Doutor Cláudio, ou o Desembargador Gonzaga; não como coisa justa entre eles, mas sim poderia nomear ao dito Faustino Soares algum deles, falando de suposição de que queriam entrar; e só lhe lembra positivamente, que perguntou ao acareado pelo Cônego Luís Vieira, por lhe parecer que o dito Cônego quereria também entrar na sublevação, mas como ele então não estava na dita cidade, não lhe falou.

               E sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o que fica referido, disse o acareante, que estava certo em que tudo o que consta das suas respostas acima transcritas passou na verdade; e que assim lhe parece, no que não tem dúvida; e nisto persistiu firme, sem embargo de todos os argumentos, que lhe fez o acareado, os quais consistiam em que o acareante chegara à Cidade de Mariana, quase à noite, e dissera a ele acareado, que ia pedir licença ao bispo para ir para Portugal, e que quando o acareante lhe comunicai a o projeto de ausentar-se para Portugal, não era natural que ao mesmo tempo lhe comunicasse o projeto contrário, qual era o do levante; além de que, logo que o acareante chegou à Cidade de Mariana, entrou a receber visitas de todos os seus amigos e conhecidos, de forma que não será verossímil, que logo que chegou à Cidade de Mariana, antes de alguma outra prática, lhe falasse no levante, não havendo mais tempo do que até o outro dia pela manhã, em que ele acareado levou um tiro, de que esteve gravemente ferido e doente; e logo depois, se ausentara o acareante para Vila Rica; quanto mais, do que não era verossímil, que o acareante lhe falasse em coisa alguma de levante, sendo ele acareado pobre e sem meios de poder servir coisa alguma na dita sublevação; e que logo depois do tiro, principiou ele acareado a ter muitas visitas, e assistência de todos os seus amigos; e fundado nestes argumentos, negou que fosse verdade o que o acareante declarou nas respostas, que ficam transcritas; porém o acareante, dos ditos argumentos se não convenceu, persistindo no mesmo, que tem declarado nesta acareação.

               E por esta forma houve o dito Ministro Conselheiro esta acareação por feita; a qual, sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme com o que cada um respondido tinha; e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que neste ato estiveram, um e outro dos réns, livres de ferros; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante e acareado, e Ministro Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

Faustino Soares Araújo

               E logo tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão aquele Vigário, no mesmo ato mandou vir à sua presença o Cônego Luís Vieira da Silva, que também se achava preso incomunicável nas prisões das casas da dita Ordem Terceira; e sendo aí se reconheceram reciprocamente pelos próprios, dito cônego e Faustino Soares, do que dou fé com o Escrivão assistente, como também de lhe ter sido o juramento dado, pelo que respeita a terceiro; lhe fez a acareação pelo modo seguinte.

               Foi-lhes lido o que consta do apenso número oitavo, a folhas seis verso, e a folhas nove verso, em que o acareante declara, que sendo pelo meio do mês de março de mil setecentos e oitenta e nove pouco mais ou menos, lhe perguntara na Cidade de Mariana o acareado Faustino Soares de Araújo, se sabia da conjuração e levante, que se premeditava, ao que ele acareante lhe disse que ignorava tudo, pois não tinha falado com nenhum dos conjurados, que lhe declarou o acareado serem o Coronel Inácio José de Alvarenga e o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, nem ele acareante o tinha ouvido dizer a pessoa alguma; que o acareado Faustino Soares não respondera à pergunta, que ele acareante lhe fizera; mas sim, que o mesmo Faustino Soares lhe perguntara se tinha notícia do levante, que se intentava fazer, pelo Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, e o Doutor Alvarenga; e que depois, se não lembra se por efeito de pergunta sua, ou por motu próprio do acareado, lhe disse ele, que quem lho tinha comunicado fora o mesmo Vigário de São José; e que dizendo o mesmo acareado ao dito vigário, que isso não podia ser, ou que não podia ter efeito, lhe respondera o mesmo vigário, que era fácil, porque o Tenente-Coronel Francisco de Paula era o amor do seu Regimento, e assim que ele dissesse que se não embaraçasse a ação, que estava feita.

               E sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o que fica referido, disse o acareante, que estava certo, e que era verdade tudo o que declarou nas suas respostas a respeito do acareado, como acima fica transcrito; e que ele acareante não seria capaz de assim o dizer, se não tivesse certeza de que era verdade.

             E o acareado disse que se não lembra de que tivesse com o acareante conversa alguma, senão uma, à porta da sacristia, depois que se principiaram a fazer as prisões, que se dizia serem de uns poetas, que analisavam a vida dos Governadores; e que então ele acareado perguntara ao acareante se era também entrado nisso, porque se falava nele; ao que o acareante respondeu que de nada sabia, e que a sua consciência o não acusava; nem havia motivo para que ele acareado fosse perguntar ao acareante pelo levante; ao que o acareante respondeu que o motivo que ele acareado podia ter não sabe, mas é certo que lhe perguntara pelo levante, como fica transcrito, em casa dele acareante, pelo meado do mês de março: e que a prática, que o acareado refere à porta da sacristia, fora diversa, e posterior a algumas prisões: E no que cada um disse nas suas respostas, persistiram firmes.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro esta acareação por concluída; a qual sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme como respondido tinham; e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que neste ato estiveram ambos os réus livres de ferros; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

Luís Vieira da Silva

Faustino Soares de Araújo

               E logo tendo o dito Conselheiro mandado recolher à sua prisão o dito Cônego Luís Vieira, continuou com o Respondente as perguntas pelo modo seguinte.

               E perguntado, se ainda estava pelas respostas que tinha dado às perguntas antecedentes?

               Respondeu, que ainda estava pelas mesmas respostas que tinha dado, e que outra vez as ratificava.

               E por ora lhe não fez mais perguntas, as quais já lhe loram lidas, e debaixo do mesmo juramento, peio que respeitava a terceiro, declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

Faustino Soares de Araújo

3ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho

12-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo ele mil setecentos e noventa e um, aos doze dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu Escrivão da dita Comissão ao diante nomeado vim, e o Ouvidor desta Comarca José Antônio Valente, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas a Faustino Soares de Araújo, preso incomunicável nas prisões feitas nas casas da Ordem Terceira de São Francisco; e sendo aí mandou vir o dito réu à sua presença, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado se ratificava as perguntas antecedentes?

               Respondeu, que estava pelas respostas antecedentes, e que as ratificava.

               Foi instado, que dissesse a verdade, visto se achar convencido nas acareações antecedentes; porquanto, estando o Vigário Carlos Correia de Toledo, e o Cônego Luís Vieira incomunicáveis, seria impossível que se ajustassem em diserem o mesmo; porque o vigário diz que falara a ele Respondente no levante, e que nele entrara o Alvarenga; que ele Respondente lhe dissera que o levante se não havia de fazer; e isto mesmo diz o Cônego Luís Vieira, que ele Respondente lhe dissera: pelo que agora, vendo-se convencido, devia dizer a verdade?

               Respondeu, que tinha dito a verdade, e que quem era capaz de entrar em uma conjuração, era capaz também de dizer tudo o mais que lhe parecesse.

               Foi mais instado, que dissesse a verdade, porquanto, suposto que quem fosse capaz de entrar em uma conjuração, losse também de dizer tudo mais que lhe parecesse, contudo, quem é capaz de entrar em uma conjuração, nem por isso é capaz de adivinhar; e só adivinhando, poderiam o Vigário Carlos Correia de Toledo, e o Cônego Luís Vieira ajustar-se em dizer o mesmo, referindo o Cônego Luís Vieira que ele Respondente lhe tinha dito o mesmo que o vigário confessa que comunicara a ele Respondente?

               Respondeu, que ele Respondente sempre foi fiel vassalo, e conhecido por tal de todos os ministros com quem serviu, e generais; que o Cônego Luís Vieira, e o vigário de São José, Carlos Correia de Toledo são uns homens de talento, que estando presos, têm tido todo o tempo para discorrerem e que facilmente os seus discursos poderiam ajustar-se, o que sucede muitas vezes; e que talvez assentassem que, de dizerem dele Respondente o que disseram, lhes podia vir algum bem. Que se ele Respondente tivesse delinquido em semelhante matéria, o havia de ter comunicado a outras pessoas, e não saberem disso só aqueles homens que estão presos.

               Foi instado, que dissesse a verdade, não negando pertinazmente, com fundamentos inverossímeis e inacreditáveis; porquanto dois homens presos incomunicáveis, por mais talento que tenham, é impossível que ajustem os seus discursos para falarem nele Respondente, e não em algum outro sujeito, em uma terra onde há tanta gente; e que o Cônego Luís Vieira repita com uniformidade ter ouvido a ele Respondente aquilo mesmo que o Vigário de São José confessa que lhe comunicara; que, por isso mesmo que ele Respondente diz que os ditos dois presos são homens de talento, deve reconhecer que eles não deixariam de refletir que, de falarem nele Respondente com falsidade, lhes não podia vir bem nenhum: Que todos os homens são fiéis muitos anos, ao menos nas suas ações exteriores, enquanto não chegam o ponto e ocasião de deixarem de ser fiéis; pelo que, sendo todas as suas respostas fúteis e inverossímeis, deve ele Respondente confessar a verdade, não só a seu respeito, mas a respeito das mais pessoas, a quem comunicou a matéria do levante.

               Respondeu, que a razão deles réus se lembrarem de falar nele Respondente, pode muito bem ser pelo motivo de familiaridade, que entre ele Respondente e os réus havia; porque quando o Vigário Carlos Correia ia à Cidade de Mariana, e se arranchava em casa dele Respondente, costumava frequentemente ir lá estar de companhia o Cônego Luís Vieira da Silva, em obséquio ao dito Vigário, jantando em casa dele Respondente algumas vezes nessas ocasiões, motivo por que bem podia facilmente o dito cônego encontrar-se no seu modo de pensar com aquele vigário, e por isso falarem ambos nele Respondente: Que muitas vezes, sem embargo de serem homens de talento, pela razão de se verem presos, podem não discorrer bem em uma parte, ainda que discorram em outra bem; e por isso dizem que ele Respondente tratara as matérias de que ele Respondente não tem notícia alguma, nem menos de as ter comunicado com eles: e que ele Respondente, como até o presente nunca deixou de ser fiel vassalo de Sua Majestade, está em circunstâncias de ser acreditado por verdadeiro nas suas respostas.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto as suas respostas inverossímeis possivelmente, provam cada vez mais a pertinácia da sua falsidade; porque o arranchar-se o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, em casa dele Respondente, e indo para ter com ele algumas vezes o Cônego Luís Vieira, prova mais uma razão da amizade com ele Respondente, que serviria mais para o desculpar, do que para o acusar; além de que, tanto o Vigário de São José teria noutras terras pessoas da sua amizade, de quem pudesse lembrar-se para lhe levantar um testemunho, se isso fosse crível, como o Cônego Luís Vieira, por ser Cônego na Cidade de Mariana, teria pessoas mais de sua amizade, do que ele Respondente, de quem pudesse lembrar-se, especialmente quando, depois que se tratou do levante, nunca mais o dito Vigário se encontrou com o Cônego Luís Vieira na Cidade de Mariana?

               Respondeu, que a experiência tem mostrado a ele Respondente, que os amigos somente o são até o tempo que lhes parece; e que, quando se voltam, se valem das mesmas razões da amizade, para atacarem a qualquer sujeito; e que, em razão do dito vigário costumar arranchar-se em casa dele Respondente, e ter sido primeiramente preso, do que o fosse o Cônego Luís Vieira, podia este pensar a respeito dele Respondente quanto quisesse, e o mesmo o dito vigário: e que em razão da correlação que havia quando se encontravam naquela cidade, não era tão fácil que o dito cônego com o vigário se lembrassem de outras pessoas, como dele Respondente; e que ele Respondente não sabe se o dito vigário se encontrou com aquele cônego em outra parte, para tratarem da matéria do levante, suposto que em casa dele Respondente se não encontraram.

               Foi perguntado, que suposto ele confessar que quando o Vigário de São José ia à Cidade Mariana se arranchava em sua casa, e serem todas as respostas dele Respondente — talvez — de cousas inverossímeis, pode também ser com muita verosimilidade que, arranchando-se o dito vigário em casa dele Respondente, lhe falasse no levante?

               Respondeu, que nas perguntas primeiramente feitas a ele Respondente, já dissera que o dito vigário, quando foi ultimamente à Cidade de Mariana, lhe dissera que o fim que se propunha, era de pedir licença ao bispo para ir para Portugal; e por isso, nada tratou a respeito do levante com ele Respondente.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por feitas, as quais, sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que dito tinha: e sendo-lhe deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que neste ato esteve o réu livre de ferros: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

Faustino Soares de Araújo

AUTO DE PERGUNTAS AO CAPITÃO JOÃO DIAS DA MOTA

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 13-10-1791

2ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 14-10-1791

3ª INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier 17-10-1791

1ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — 13-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos treze dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Heal Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão vim, e o Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, para efeito de se fazerem perguntas ao Capitão João Dias da Mota, preso incomunicável nas cadeias da dita Relação; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença, debaixo de segura custódia, o dito réu, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava, donde era natural, a sua idade, que ofício tinha, e de que vivia, se era solteiro ou casado, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu, que se chamava João Dias da Mota, natural de Vila Rica do Ouro Preto, e assistente no Engenho do Campo, Freguesia de Queluz, Comarca do Rio das Mortes, de idade de quarenta e nove anos, Capitão de Auxiliares, e vive das suas roças, casado, e não tem ordens algumas.

               Foi perguntado, se sabe, ou suspeita a razão da sua prisão?

               Respondeu, que como ele Respondente jurou na Devassa tirada pelo Ouvidor de Vila Rica, ou pelo Desembargador José Pedro, poderia daí resultar alguma coisa, por que agora fosse preso, ou por algum daqueles contra quem jurou, pois que de outra coisa não se lembra.

               Foi perguntado, se lhe lembra sobre que foi perguntado nas ditas Devassas; e o que então depôs?

               Respondeu, que lhe não lembra se lhe leram o Auto da Devassa, ou se lhe pergutaram alguma coisa; porque como ele Respondente ia de propósito declarar o que sabia a respeito do levante premeditado em Minas, logo entrou a dizer o que sabia, e que ainda lhe lembra muito bem.

               Foi perguntado, pelo que sabia na dita matéria do levante, não só pelo que declarou nos seus juramentos, mas também pelo mais que então lhe não ocorresse declarar?

               Respondeu, que não lhe lembra de que tivesse mais prática, ou conversa, nem notícia do levante, além do que declara no seu juramento, a folhas setenta e duas verso, da Devassa tirada pelo Ouvidor de Vila Rica, e a folhas oitenta e uma verso, da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro; o que sendo-lhe lido, disse que estava conforme, e ratificava o que tinha declarado o que declarou.

               Foi perguntado, se falou ao Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, mais alguma vez, além daquela em que se arranchou com ele nas Bananeiras?

               Respondeu, que nunca mais falou ao dito alferes, nem antes, nem depois do encontro que com ele teve nas Baneneiras, porque o dito alferes vinha de caminho para esta cidade, donde não voltou, porque cá foi preso.

               Foi perguntado, se o dito alferes lhe comunicou o negócio a que vinha ao Rio de Janeiro?

               Respondeu, que o dito alferes lhe disse, naquela ocasião, que vinha ao Rio de Janeiro para ver o que cá se fazia e tratava, sobre o mesmo levante.

               Foi perguntado, pelo tempo, pouco mais ou menos, em que ele Respondente teve a dita prática com o dito alferes?

               Respondeu, que lhe não lembra o dia certo, mas que íora a dita conversação no mês de março do ano de mil setecentos e oitenta e nove.

               Foi perguntado pelo tempo em que ele Respondente falou na matéria do levante com Inácio Correia Pamplona.

               Respondeu, que depois que falou com o Alferes Joaquim José da Silva, no sítio das Bananeiras, poderiam mediar dez ou doze dias primeiro que falasse ao Mestre-de-Campo Inácio Correia Pamplona.

               Foi perguntado, quem é um padre, que largamente falou no levante, e que dormira no rancho das Lavrinhas do Lourenço, e que coisas falou o dito padre.

               Respondeu, que não sabia coisa nenhuma a respeito do dito padre.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto na parte que o Mestre-de-Campo Inácio Correia Pamplona deu ao general de Minas, refere a notícia do dito padre a folhas dezenove, como dada por ele Respondente?

               Respondeu, que o padre, em que ele Respondente falou a Inácio Correia Pamplona, que passara de Vila Rica para a Borda do Campo, e que largamente falara no levante no Rancho das Lavrinhas do Lourenço, onde dormira, era o Padre Manuel Rodrigues da Costa, por lhe ter dito o estalajadeiro João da Costa Rodrigues, que o dito padre tinha dito na sua pousada, que a América estava em termos de ficar uma Europa.

               Foi perguntado, que distância fica da casa onde ele Respondente assiste, a Vila Rica?

               Respondeu, que fica em distância de quatorze léguas.

               Foi perguntado, se quando passou por casa de Inácio Correia Pamplona, e lhe falou, passava ânimo de ir falar a André Esteves em seus particulares?

               Respondeu, que quando esteve em casa de Inácio Correia Pamplona, passava com ânimo de ir falar a André Esteves.

               E por ora lhe não fez o dito Ministro Conselheiro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Escrivão assistente, declaro que neste ato esteve o Respondente livre de ferros, do que tudo damos fé; e mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

João Dias da Mota

1ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — 14-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos quatroze dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e o Ouvidor desta Comarca José Antônio Valente, Escrivão assistente, para efeito de se continuarem perguntas a João Dias da Mota, preso incomunicável nas cadeias da Relação; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença, debaixo de custódia, o dito réu, e lhe fez perguntas pelo modo seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecendentes e per guntado se estavam conformes, e as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e as ratificava.

               Foi perguntado, pelo que ele respondente disse ao dito Alferes Joaquim José da Silva quando no Sítio das Bananeiras, o dito alferes lhe deu conta do levante, que se premeditava fazer?

               Respondeu, que o que ele disse ao dito alferes, quando ele lhe falou na matéria do levante, foi que não falasse em tal.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente dissera ao dito alferes, que o estabelecimento da República não seria mau, suposto que também acrescentasse que se não metia nisso.

               Respondeu, que não disse semelhante expressão, de que o estabelecimento da República não seria mau.

               Foi perguntado, se sabe que os oficiais militares não são pessoas destinadas para tomarem denúncias e delatações de delitos?

               Respondeu, que as pessoas destinadas para se lhe delatarem, ou denunciarem delitos são ou os Governadores das Capitanias, ou os Ministros de Sua Majestade.

               Foi perguntado, se entendia que o que tinha ouvido nas Bananeiras ao Alferes Joaquim José da Silva era natureza que o devesse delatar?

               Respondeu, que conheceu belamente que devia delatar o que tinha ouvido ao dito alferes, sem embargo de lhe parecer que o levante não tinha fundamento.

               Foi perguntado pela razão que teve para não ir a Vila Rica fazer a dita denúncia ao general ou aos ministros de Sua Majestade, conhecendo que o caso era dessa natureza, e ficando Vila Rica só distante quatorze léguas da casa dele Respondente?

               Respondeu, que lhe lembrou ir a Vila Rica fazer a dita denúncia, e que o não fez, por lhe parecer que o general mandaria prender o dito alferes, e que negando este neste caso resultaria a ele Respondente algum prejuízo, não tendo com que provar a sua denúncia.

               Foi instado, que dissesse a verdade, confessando que maliciosamente ocultou o que tinha ouvido ao dito alferes; porquanto nem ele Respondente podia saber o que o general faria, nem podia temer que lhe viesse prejuízo de ter cumprido com a sua obrigação; porque assim como ele Respondente tem bastantes letras para conhecer que lhe podia vir prejuízo, se não provasse o que dissesse, devia também saber que esse perigo só o podia correr quando desse uma denúncia por acusação criminalmente, mas não quando fosse referir ao general o que tinha ouvido, por ser uma notícia, que com o mesmo general ficava, para fazer as averiguações que entendesse que eram precisas?

               Respondeu, que ignorar que devia ir logo ao general, e que daí lhe não viria mal, é que foi causa de assim o não ir delatar ao General; e que ficara mais descansado, quando viu passar o furriel para baixo, e que trazia cartas para o vice-rei; e que no outro dia logo, deu parte ao Mestre-de-Campo Pamplona.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que notoriamente faltava, deixando de confessar que maliciosamente ocultava o que tinha ouvido ao dito alferes; porquanto ele Respondente tem dito que os oficiais militares não são destinados para se lhe delatarem delitos, e que sabia que para isso eram destinados os Generais, ou Governadores das Capitanias ou os Ministros de Sua Majestade; e sendo assim, ainda que ele Respondente delatasse ao Mestre-de-Campo Pamplona, o que tinha ouvido ao dito alferes, devia saber que não tinha satisfeito a sua obrigação; porque essa delatação era feita a uma pessoa incompetente, que não estava encarregado nem de castigar delitos, nem da segurança do Estado; além de que, também se convence de fantástica a outra razão, que ele Respondente dá, de não ter ido delatar ao general o que tinha ouvido ao dito alferes, por temer que sendo ele preso, e negando-se pudesse vir algum perigo a ele Respondente de não poder provar o que tinha delatado; porquanto se disto pudesse vir-lhe algum perigo, o mesmo podia vir-lhe delatando-o ao Mestre-de-Campo Pamplona; porque se o dito alferes fosse preso, e negasse o que ele Respondente tivesse referido ao dito Mestre-de-Campo, correria o mesmo risco e perigo; por consequência, é certo que, com semelhante temor, não deixou de delatar ao general o que tinha ouvido, mas sim, por dolo e malícia; e que se alguma coisa disse ao Mestre-de-Campo Pamplona, do que tinha ouvido ao dito alferes, o que o dito Pamplona não declarou, nem no seu juramento, nem na parte que deu ao General, não foi por delatação, que fosse fazer de propósito, mas sim por novidade que quis contar, passando a negócio seu, para falar a André Esteves?

               Respondeu, que lhe pareceu que tinha satisfeito, delatando ao Mestre-de-Campo; e que até agora ignorava que somente satisfazia dando parte ao general, ou aos ministros; e que só depois deste caso, é que ouviu dizer que só assim se satisfazia a esta obrigação.

               E que depois que passou o dito furriel, e o Mestre-de-Campo lhe principiou a falar no mesmo caso, já não tinha o temor de lhe vir mal de o dizer ao mesmo Mestre-de-Campo, por supor que o dito furriel trazia já ordem para prender o dito Alferes Tiradentes; e que dissera logo nessa ocasião ao Mestre-de-Campo, que pusesse aquele caso na presença de Sua Excelência, que não lhes viesse dali coisa que lhes fizesse mal.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava, por quanto, confessando na sua resposta, que quando delatara ao Mestre-de-Campo Pamplona, o que tinha ouvido ao dito alferes, tinha passado já para esta cidade o furriel, com carta para o vice-rci, e supondo ele Respondente, como supôs, que era já para prender nesta cidade o dito alferes, não temia que sendo ele preso, ainda que negasse o que lhe tinha dito nas Bananeiras, e ele Respondente não tivesse com quem prová-lo, nem por isso teria perigo algum; porque, tendo o General mandado prender o dito alferes nesta cidade, é porque já devia saber dos projetos do mesmo alferes, de que se segue que, enquanto ele Respondente supôs que o general de Minas não sabia dos projetos do dito alferes, ele Respondente ocultou o que lhe tinha ouvido nas Bananeiras, sem dar parte, nem ao Mestre-de-Campo Pamplona, nem a pessoa alguma; e só depois que supôs que o general de Minas sabia de tudo o que dizia o dito alferes, e que por isso o mandava prender, é que ele Respondente se resolveu a dar parte ao Mestre-de-Campo Pamplona, para que dissesse ao general as idéias do dito alferes, de que o general já sabia?

               Respondeu, que disse ao Mestre-de-Campo para o fazer ao general; e que antes, quando viu passar o Furriel, já tinha ficado mais descansado, do muito que ficou estremecido, com o que lhe tinha dito aquele alferes, e que nele Respondente não havia malícia alguma.

               E por ora lhe não fez mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, declarou debaixo dele ter dito a verdade: E de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que neste ato esteve o réu livre de ferros: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

João Dias da Mota

3ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — Acareação com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier — 17-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dezessete do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e cadeias da Relação, aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, Escrivão assistente, para se fazer acareação ao Capitão João Dias da Mota com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, ambos presos incomunicáveis nas ditas cadeias; e sendo aí mandou vir os ditos réus à sua presença, os quais se reconheceram mutuamente pelos próprios, do que damos fé, como também de lhes ter sido deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro; e lhes fez a acareação pela maneira seguinte.

               Foi-lhes lido, ao acareante e acareado, o que o acareante disse no apenso primeiro, a folhas treze verso, que vindo para esta cidade, por causa de lhe terem chegado uns requerimentos de Lisboa, a respeito de umas águas, e no caminho não deixou de falar, quando se oferecia ocasião, e se falava em derrama; e uma das pessoas a quem falou, foi ao Capitão João Dias da Mota, o qual lhe respondeu que o estabelecimento da República não seria mau; porém que ele não se metia nisso, nem de tal queria saber. E a folhas dezenove do dito apenso, onde o mesmo acareante disse — que a João Dias da Mota falara, vindo já de caminho para esta cidade, com o motivo de tratarem a respeito da derrama, que iam apertando tanto com o povo, que ainda este desesperado havia de fazer algum levante, e estabelecer uma República; ao que o dito João Dias da Mota respondeu que isso não seria mau; e replicando-lhe, que no caso que se fizesse, se quereria ele entrar, respondeu que se não metia em tal, que Deus o livrasse — e sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o que fica referido, disse o acareante que lhe parece, e tem na idéia, que o acareado, lhe respondeu o que declarou a este respeito nas perguntas que lhe foram feitas; porém que refletindo, talvez que o acareado lhe não dissesse aquelas formais palavras; porque, como foi perguntado passado muito tempo, podia ter alguma equivocação; mas que sempre se persuade que, ou lhe disse as ditas palavras, ou — Deus sabe o que é melhor — e que nesta certeza está.

               E o acareado disse que não passou entre ele e o acareante mais prática alguma do que aquilo que jurou, e respondeu, nas perguntas que lhe foram feitas; e que as palavras que refere o acareante, que ele acareado respondera, certamente ele acareado as não disse. E ficando cada um firme no que tinha dito, houve o dito Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme com o que respondido tinham: e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que neste ato estiveram ambos os réus livres de ferros, do que damos fé: e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este yuto, em que assinou com o acareante, e acareado, e Ministro Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha

José Antônio Valente

João Dias da Mota

Joaquim José da Silva Xavier

AUTO DE PERGUNTAS A DOMINGOS FERNANDES DA CRUZ

1ª INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 16-06-1791

1ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — 16-06-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dezesseis dias do mês de junho, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada na Capitania de Minas Gerais, aonde eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos da mesma Relação, e Escrivão nomeado da mesma diligência vim, para efeito de se fazerem perguntas ao preso Domingos Fernandes da Cruz que o sobredito Ministro aí mandou vir à sua presença, e lhe foram feitas as ditas perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava donde era natural, onde residia, que ofício e estado tinha, e se tinha algumas ordens, e a sua idade?

               Respondeu, que se chamava Domingos Fernandes da Cruz, natural da Vila de Moji das Cruzes, Comarca de São Paulo, residente nesta cidade, oficial de torneiro, solteiro, e que não tinha ordens algumas, de idade de sessenta e quatro anos.

               Foi mais perguntado, se havia muito tempo que estava preso, nesta cidade a dezoito de maio de mil setecentos e oitenta e nove, e desde então até agora, se conservou sempre em prisão, estando sete meses em segredo; e que suposto aí não foi perguntado, contudo julga que foi preso, por ter ocultado em sua casa o Alferes de Cavalaria de Minas, Joaquim José da Silva Xavier.

               E sendo perguntado, a razão que tivera para ocultar em sua casa o dito alferes, e a hora em que para sua casa entrou, e os dias que nela esteve?

               Respondeu, que o dito alferes entrara para sua casa em uma noite, às dez horas, pouco mais ou menos, e em sua casa se conservara quatro dias oculto, até que aí foi preso, e que a razão que tivera para recolher, e ocultar, fora por ter dele algum conhecimento, e juntamente por lhe pedir Inácia Gertrudes de Almeida que recolhesse e ocultasse o dito alferes, a qual Inácia Gertrudes de Almeida se tratava de comadre com ele Respondente.

               E sendo perguntado, se sabia, ou suspeitava a razão por que a dita Inácia pedira a ele Respondente, que ocultasse o dito alferes, e o motivo, ou razão, porque ele tinha amizade com a dita Inácia, para que ela se interessasse naquele negócio?

               Respondeu, que o dito alferes tinha curado uma filha da dita Inácia, que andava doente de um pé havia muito tempo, sem que professor algum pudesse curá-la; e daqui nasceu a boa amizade que o dito alferes tinha com a dita Inácia, e interessar-se esta com ele Respondente, para que o recolhesse, e ocultasse.

               Foi mais perguntado, a razão que o dito alferes dissera, e à dita Inácia, que havia para se ocultar?

               Respondeu, que o dito alferes lhe dissera, e à dita Inácia, que se queria ocultar, por entender que o haviam culpado em Minas por umas pancadas, ou tiro, que se tinham dado em um sujeito; e que por esta causa temia ser preso.

               Foi mais perguntado, se o dito alferes, nos quatro dias que esteve oculto em casa dele Respondente, saiu de noite alguma vez, ou à casa dele Respondente foi alguém falar-lhe; como também se o dito alferes escreveu, ou mandou algum recado, ou se na casa dele Respondente recebeu algum escrito, ou recado de alguém?

                Respondeu, que o dito alferes, quando esteve oculto ein casa dele Respondente, nunca saiu, nem de dia, nem de noite, nem recebeu escrito, ou recado de pessoa alguma, nem também escreveu; somente por ele Respondente, mandou chamar Manuel José de Miranda, para que lhe fosse falar, e ele Respondente, suposto procurasse algumas vezes o dito Manuel José, nunca o achou, nem chegou a dar-lhe o dito recado; nem o dito Manuel José chegou a ir à casa dele Respondente. Também levou mais recado do dito alferes ao Padre Inácio Nogueira, para que viesse falar-lhe; e dando ele Respondente o dito recado ao referido padre, ele com efeito veio à casa dele Respondente, falar ao sobredito al feres, uma tarde do segundo ou terceiro dia depois de oculto o dito alferes.

                Foi mais perguntado, se presenciou, ou ouvira a prática que o sobredito alferes teve com o dito padre; ou se percebera o negócio que tratavam, ou se se acautelara dele Respondente, para que não ouvisse?

                Respondeu, que quando o dito Padre Inácio entrou em casa dele Respondente, para falar ao dito alferes, estava este em um sobrado em cima, e ele Respondente em baixo, e dissera ao dito padre que subisse para falar ao dito alferes; e com efeito o dito padre subiu e conversou com o dito alferes, sem que ele Respondente estivesse presente, nem ouvisse a prática, e negócio, que trataram: Porém que, segundo sua lembrança, lhe parece que então ouvira dizer a algum deles, que o dito alferes recomendara ao dito Padre Inácio, que fosse falar com Joaquim Silvério, ainda que não sabe, nem ouviu dizer a matéria sobre que havia de falar.

                Foi mais perguntado, se o dito Padre Inácio foi mais em alguma ocasião faiar ao dito alferes, e se naquela ocasião, que ele Respondente tem referido, se dilatou muito tempo com o dito alferes?

               Respondeu, que não tem certeza, ou lembrança, se o dito Padre Inácio tornou, ou não, à casa dele Respondente, para dar resposta ao dito alferes, do que tinha passado com Joaquim Silvério; e que também lhe não lembra com certeza o tempo que os ditos alferes e padre se dilataram a conversar, na ocasião que tem declarado, mas que lhe parece que seria uma hora, pouco mais ou menos.

               Foi mais perguntado, quem era o dito Padre Inácio e onde assistia?

               Respondeu, que o dito Padre Inácio é sacerdote, natural desta cidade, que era morador e assistente em casa de Inácia Gertrudes de Almeida, a qual era tia e madrinha do dito padre; a qual Inácia Gertrudes é a mesma que falou a ele Respondente para que recolhesse o dito alferes, e a quem este tinha feito o serviço de lhe curar uma filha de um pé.

               Foi mais perguntado por que razão não recolheu a dita Inácia Gertrudes o sobredito alferes em sua casa, tendo recebido deste o serviço de lhe curar sua filha, e sendo-lhe obrigada, e foi a ele Respondente, para que o recolhesse?

               Respondeu, que a dita Inácia Gertrudes não recolhera em sua casa, por ser viúva com uma filha solteira; e por esta razão, pediu a ele Respondente que o recolhesse, por ser um homem só, que vivia com um ou dois moleques.

               E sendo mais instado, que dissesse a verdade, pois não parece natural que a dita Inácia Gertrudes pedisse a ele Respondente que recolhesse o dito alferes, pela razão de ela não poder recolhe-lo e ocultá-lo, por ser viúva, e ter uma filha solteira, porquanto, como na mesma casa assistia e dito Padre Inácio, muito bem podia o dito alferes estar oculto, e assistir no quarto e casa em que vivia e assistia o dito padre; e que esta razão não podia deixar de lembrar a ele Respondente, para se desculpar de não recolher o dito alferes, tendo a dita Inácia comodidade para isso?

               Respondeu, que lhe não lembrou dar esta razão à dita Inácia, porque, sem embargo de viver em casa dela o dito padre, por ser seu afilhado e sobrinho, contudo sempre se persuadiu que nem tinha comodidade, nem era decente, que a dita Inácia Gertrudes recolhesse em sua casa o dito alferes; e por esta causa, se sujeitou ele Respondente a recebê-lo e ocultá-lo em sua própria casa.

               E por ora lhe não fez o dito Ministro mais perguntas, as quais sendo-lhe lidas por mim neste mesmo ato, as achou conformes no que tinha respondido; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o dito Ministro fazer este Auto, em que assinou com ele Respondente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Áluares da Rocha

Domingos Fernandes da Cruz

AUTO DE PERGUNTAS AO PADRE INÁCIO NOGUEIRA LIMA

INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho 17-06-1791

Denúncia de Joaquim Silvério dos Reis — Rio, Casas do Desembargador Torres 17-06-1791

1ª Inquirição — Rio, Casas do Chanceler Coutinho — 17-06-1791

                Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dezessete dias do mês de junho, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu, o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão vim, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, também Escrivão da mesma diligência, para efeito de ser perguntado o Padre Inácio Nogueira, sobre o papel apresentado pelo Coronel Joaquim Silvério dos Reis; as quais perguntas lhe foram feitas pela maneira seguinte.

                Foi perguntado, como se chamava, donde era natural, onde residia, que idade tinha, e qual o seu estado, e de que vivia.

                Respondeu, que se chamava Inácio Nogueira Lima, de idade de vinte e sete anos, natural da Freguesia de Iguaçu, termo desta cidade, e assistente na mesma cidade, presbítero secular, e vive do uso de suas ordens.

                Foi mais perguntado se tinha conhecimento, ou amizade, com um Alferes de Cavalaria de Minas, chamado Joaquim José da Silva, e donde lhe proviera este conhecimento.

                Respondeu, que ele nesta cidade assistiu sempre, e foi criado em casa de uma sua tia e madrinha, chamada Inácia Gertrudes de Almeida; e tendo esta uma filha com moléstia prolongada em um pé, e tendo notícia do préstimo daquele alferes para alguns curativos, o chamou; e com efeito, vindo o sobredito alferes, lhe ministrou uma água, com a qual em poucos dias recuperou a saúde da filha da dita sua tia; e daqui ficou ele Respondente tendo conhecimento com aquele alferes.

               E perguntado se aquele alferes ficou assistindo sempre nesta cidade depois daquele curativo, e em que tempo foi feito?

               Respondeu, que logo depois de feita aquela cura, partiu o sobredito alferes para Minas, donde voltou passados dez meses, pouco mais ou menos, tendo ido haverá três anos com a mesma pouca diferença.

               E perguntado se depois que o dito alferes voltou de Minas o foi visitar, ou teve com ele alguma comunicação?

               Respondeu, que não tinha com o dito alferes comunicação alguma particular, e que só lhe falou uma vez, em sua casa, indo ele procurar sua tia, e outra vez, quando foi pedir à tia dele Respondente, que o ocultasse.

               Foi mais perguntado, se quando o dito alferes foi pedir à tia dele Respondente presente, e se ouviu o motivo, o causa, que o dito alferes deu para querer ocultar-se?

               Respondeu, que quando o dito alferes entrou em casa da tia dele Respondente, a pedir que o ocultasse, não estava ele Respondente presente no princípio da prática, mas que chegara a tempo em que ainda percebeu que o dito alferes pretendia ocultar-se, por causa de uma fiança, que tinha prestado em Minas, de que resultaram umas bulhas, pelo que temia ficar culpado, e que quisessem prendê-lo, e que com efeito a tia dele Respondente, em razão da obrigação que devia ao dito alferes, lhe prometera buscar sítio onde estivesse oculto.

               Foi mais perguntado, se a tia dele Respondente com efeito procurara a casa de Domingos Fernandes, onde o alferes foi preso, para que este se ocultasse, e se antes que falasse ao dito Domingos Fernandes dessa casa que ia procurar, para o dito alferes se ocultar, ou se ele Respondente soube da dita casa só depois do dito Fernandes ter dado consentimento para recolher o mesmo Alferes; e se enquanto sua tia foi falar ao dito Fernandes, esteve o Alferes Joaquim José em casa dele Respondente esperando pela resposta?

               Respondeu, que a tia dele Respondente, antes que falasse ao dito Domingos Fernandes, disse a ele Respondente a resolução, que tinha, de falar ao dito Fernandes, para que recolhesse em sua casa aquele alferes, e que este logo depois de ter pedido à tia dele Respondente, que o ocultasse, saiu de casa e voltou segunda vez, porém como ainda a tia dele Respondente não tinha falado ao dito Domingos Fernandes, saiu de casa então para aquele fim, e não tem lembrança, se neste meio tempo o dito alferes se ausentou segunda vez, ou se ficou na companhia dele Respondente, esperando que tornasse a dita sua tia.

               Foi mais perguntado pela razão de amizade, e particularidade, que tinha a tia dele Respondente para pedir ao dito Domingos Fernandes, que recolhesse em sua casa o dito alferes, e a razão que tinha para esperar que o dito Domingos Fernandes consentisse em recolher, e ocultar em sua casa um homem que não conhecia?

               Respondeu que a tia dele Respondente tinha como o dito Fernandes uma amizade muito antiga, e particular, de forma que se tratavam de compadres; e por esta razão, julga ele Respondente, que a dita sua tia se animaria a pedir, ao dito Fernandes, que recolhesse e ocultasse em sua casa o dito alferes, esperando que o dito Fernandes a satisfizesse, não só pela grande amizade que tinham, mas também por ser um homem que vivia em uma casa sem família, mais que um ou dois moleques, e nenhum incômodo sentia em recolher o dito Alferes.

               Foi mais perguntado, se depois que o dito alferes se ocultou em casa do dito Domingos Fernandes, foi algumas vezes falar-lhe ele Respondente, ou sua tia; e se foi chamado para isso, em nome do dito alferes, e por quem; ou se foi visitá-lo de próprio movimento?

               Respondeu, que depois que o dito alferes se ocultou em casa do dito Fernandes, nunca a tia dele Respondente foi falar-lhe; porém que ele Respondente fora uma vez falar ao dito alferes, e não lhe lembra com certeza, se foi avisado para isso pelo dito Domingos Fernandes, ou se foi porque o dito alferes antecedentemente lhe pedisse que fosse falar-lhe à casa do dito Fernandes.

               Foi mais perguntado, o que o dito alferes disse a ele Respondente, e o negócio que trataram nessa ocasião em que ele Respondente confessa que fora falar-lhe; e se à dita prática que tiveram esteve presente o dito Domingos Fernandes, ou alguma outra pessoa?

               Respondeu, que na ocasião em que falou ao dito alferes, em casa de Domingos Fernandes, não estava presente este, nem pessoa alguma; e que o dito alferes lhe dissera, segundo sua lembrança, somente, que fosse falar com Joaquim Silvério dos Reis, e lhe perguntasse, da parte dele alferes, em que termos estavam as coisas, e se havia alguma novidade, por estas ou semelhantes palavras.

               Foi perguntado, se com efeito buscara o dito Joaquim Silvério em sua casa, uma ou mais vezes, se quando o achou, lhe deu o recado do dito alferes; e 0 que Joaquim Silvério lhe respondera, e tudo o mais que com ele passou?

               Respondeu, que por duas ou três vezes procurara .roaquim Silvério em sua casa, e que só na última vez o achara; e que então lhe falara da parte do dito alferes, dizendo que lhe mandava perguntar em que termos estavam as coisas, e se havia alguma novidade, e que o dito Joaquim Silvério lhe respondera em ar de sobressalto, que as coisas estavam em muito má figura; e perguntou a ele Respondente se sabia que coisas eram aquelas sobre que vinha inquiri-lo, se o dito alferes lhas tinha declarado e onde estava, e em que parte tinha falado com ele Respondente; ao que ele respondeu que o dito alferes lhe tinha ido falar à sua escada, que não sabia onde ele estava oculto; e que as coisas sobre que mandava perguntar se havia alguma novidade, julgava ele Respondente que era uma fiança feita pelo dito alferes em Minas, do que tinham resultado uma bulhas, e que isto era o que o dito alferes lhe tinha contado; e vendo ele Respondente, que o dito Joaquim Silvério dava demonstrações de que o dito alferes se ocultava por causa maior, desconfiara tntão de que o dito alferes lhe tinha ocultado a causa verdadeira de se esconder: e perguntado então ele Respondente ao dito Joaquim Silvério, se com efeito havia outro motivo para que o dito alferes temesse ser preso, dissimulou o dito Joaquim Silvério, dizendo que não, e só pode tirar, em resposta, que dissesse ao dito alferes que as coisas estavam em maus termos; e não tem lembrança se lhe disse mais alguma coisa; só sim, lhe lembra que lhe perguntara mais so sabia onde estava o dito alferes, ao que ele Respondente satisfez, dizendo que não sabia; cuja resposta deu com ânimo de não dar mais passo naquela matéria.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, à qual parecia faltar; porquanto, se ele Respondente, pelo que declara ter passado com Joaquim Silvério, não era a causa de se ocultar o Alferes Joaquim José, unicamente a fiança e bulhas de Minas; mas julgou que devia ser outra causa de mais ponderação, por isso mesmo, devia declarar ao dito Joaquim Silvério onde o dito alferes estava; porque quanto maior fosse a causa, tanto mais útil era ao dito alferes saber as circunstâncias e estado em que se achava; e que, vendo que o dito Joaquim Silvério dissimulava com ele Respondente, e não queria declarar, seria útil ao dito alferes, que Joaquim Silvério soubesse onde estava, para que pudesse falar, e dizer-lhe tudo o que ocultava a ele Respondente; e que ele Respondente nenhum motivo podia ter para negar ao dito Joaquim Silvério onde estava aquele alferes, tendo este segurado a ele Respondente, que fosse falar ao dito Joaquim Silvério sem receio, porque era seu amigo; e não lhe tendo feito recomendação alguma para que lhe negasse a casa em que estava oculto?

               Respondeu, que tinha dito a verdade, e que, sem embargo do Alferes Joaquim José ter dito a ele Respondente que fosse falar a Joaquim Silvério sem receio, porque era seu amigo, e lhe não ter recomendado que negasse ao dito Joaquim Silvério, onde ele estava, contudo, tanto que ele Respondente desconfiou, pelo que passou com o dito Joaquim Silvério, de que a causa pela qual o dito alferes se escondia, era de maior ponderação, logo assentou consigo de não dar mais passo naquele negócio, e temeu que lhe viesse algum mal, e a sua tia, sabendo-se que por sua via se tinha ocultado o dito alferes; e por esta razão, atendendo já mais ao seu cômodo, de que ao dito alferes, teve a cautela de não confessar a Joaquim Silvério a casa em que ele estava.

               E sendo instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto se atendia ao seu cômodo, e não ao dito alferes, a ele Respondente era mais útil declarar logo onde o dito alferes estava, porque de o ter ocultado, julgando que o crime era de pouca importância, lhe não podia vir mal algum; mas que, depois de desconfiar de que o dito alferes se ocultava por crime de mais ponderação, podia seguir-se prejuízo, tanto a ele Respondente, como a sua tia; porque já de algum modo concorria para que o dito alferes escapasse à Justiça, tendo feito delito, que ele Respondente tinha obrigação de não concorrer para que ficasse o delinquente, e delito oculto?

               Respondeu, que então não pensou nisso, nem discorreu por esse modo, só lhe lembrou, como tem dito, evitar algum prejuízo, que podia vir-lhe, e a sua tia; nem também discorreu, nem lhe lembrou que o delito do dito alferes, ainda que fosse de maior ponderação do que a dita fiança, e pancadas de Minas, que fosse de tanta ponderação, como agora tem ouvido geralmente nesta terra, de que o dito alferes estava preso, por se intentar um levantamento em Minas, negando a sujeição ao General.

               Foi mais perguntado, se depois da prática com o dito Joaquim Silvério, declarou ele Respondente a alguém a casa onde estava oculto o dito Alferes Joaquim José; e se com efeito a prisão deste se seguiu depois da sua declaração?

               Respondeu, que depois da prática, que teve com o dito Joaquim Silvério, declarou ao Ilustríssimo Vice-Rei do Estado, Luís de Vasconcelos e Sousa, a casa onde estava oculto o dito Alferes Joaquim José, escrevendo em um papel as confrontações; o mesmo vice-rei entregou o dito papel a uns militares, que foram em direitura à casa do dito Domingos Fernandes, e trouxeram preso o dito alferes.

               Foi mais perguntado, se a declaração que ele Respondente fez da casa em que estava oculto o dito alferes, foi espontânea e voluntária, indo a Palácio oferecer-se para fazer aquela delatação, ou se foi chamado, e obrigado pelo mesmo vice-rei?

               Respondeu, que não fora voluntariamente a Palácio para declarar a casa em que o dito alferes está oculto; mas que fora chamado, e obrigado pelo vice-rei; que era verdade que, perguntando o vice-rei a ele Respondente, onde estava oculto o dito alferes, no princípio negara que tivesse alguma notícia daquele negócio; porém que sendo instado, e obrigado pelo vice-rei, declarara a casa em que estava o dito alferes; e que toda a dúvida, e repugnância que tivera, nascera do temor que tivera, não só de que da declaração lhe resultasse algum mal, mas talmbém de que o seu Prelado estranhasse, e fizesse mau conceito dele Respondente, por andar metido em semelhantes negócios.

               E por ora lhe não fez o dito Ministro mais perguntas, as quais lhe foram lidas por mim, e as achou conformes ao que respondido tinha; e sendo-lhe no mesmo ato deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou fazer este auto, em que assinou com ele Respondente, e o Doutor Intendente José Caetano César Manitti, Escrivão assistente; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti Inácio Nogueira Lima

               E logo no mesmo dia, mês e ano atrás declarados, ajuntei a estes Autos o papel, ou denúncia do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que para esse fim me foi entregue pelo sobredito Conselheiro, Juiz da Comissão; de que para constar, e que é o mesmo que ao diante se segue, fiz este termo; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi.

Rio — Denúncia de Joaquim Silvério dos Reis — 17-06-1791

               No dia 8 de maio de 1789, recolhendo-me de noite para minha casa, tive notícia que nessa mesma noite me tinha procurado um padre, duas vezes. No dia 9 pela manhã, me entrou o dito padre pela porta a dentro e me disse; eu já ontem à noite o procurei; venho aqui mandado pelo Alferes Joaquim José da Silva, saber o que tem havido de novo; perguntei-lhe: onde está ele; respondeu-me: não é da sua conta; disse-lhe brandamente: ora Senhor Padre, Vossa Mercê não é mais amigo do alferes do que eu, diga-me onde está, que preciso comunicar-me com ele para seu benefício. Nada pude conseguir deste padre, e perguntando-lhe o seu nome e onde morava, tudo me ocultou, só me disse: eu lhe prometo fazê-lo comunicar com Vossa Mercê; porque ele me falou nestas coisas de Minas. Neste tempo, estava na escada outro padre, filho de um ourives, Paulo Lourenço, a quem eu devia certa quantia, resto de um adereço de diamantes que eu tinha comprado a seu pai, e logo percebi, naquele padre que estava comigo, que não gostou que o visse o outro, e para que lhe não dissesse nada, me não separei dele logo. Fui despedir o primeiro, dizendo-lhe: passe bem, Senhor padre, fico-lhe muito obrigado pela sua atenção: logo que se despediu, perguntei ao outro padre que ficou comigo, diga-me quem é este padre, como se chama onde mora, que lhe quero ir pagar a visita; disse-me: este é o Padre Inácio Nogueira, mora na rua da Senhora Mãe dos Homens. Logo no mesmo instante fui dar parte ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, Luís de Vasconcelos e Sousa; ficou agoniado porque eu não havia ido prender o dito Padre Inácio Nogueira em minha casa; respondi-lhe, que por bem da diligência, entendia que o não devia fazer.

No dia 10 pela manhã, fui ter com Sua Exa., e assentamos que se devia mandar buscar preso aquele Padre Inácio, e veio logo debaixo de prisão, falou Sua Exa. com ele, e por mais diligências que fizesse não pode conseguir deste padre que lhe dissesse onde estava o dito Alferes Joaquim José, e dizia mais, que a mim me não conhecia e que nem tinha ido à minha casa. Fui chamado à sua presença e fez-se de desconhecido, e com isto ficou Sua Exa. transtornado, dizendo-lhe que o havia de consumir se lhe não desse conta do Alferes Joaquim José da Silva, e temendo a fúria de S. Exa., logo se resolveu a declarar onde estava o dito alferes, que logo se foi buscar preso; eu não assisti a esta declaração, porque Sua Exa. me mandou sair.

               Todo este passo contei ao Senhor Ouvidor e Ministro da inconfidência, Marcelino Pereira Cleto, e outros mais que me iam ocorrendo, e de todos lhe ia dando algumas lembranças por minha letra, em pequenos papéis avulsos, porém não por mim assinados, e o mesmo Senhor Marcelino Pereira Cleto mos tornou a remeter à Fortaleza da Ilha das Cobras, onde eu estava preso, pelo Tabelião José dos Santos Rodrigues, ordenando-me, da parte do mesmo Senhor Ouvidor, que lhe pusesse todos aqueles apontamentos em limpo, e que lhos remetesse em carta fechada, o que fielmente cumpri. Passa o referido na verdade. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1791.

Joaquim Silvério dos Reis

AUTO DE PERGUNTAS A INÁCIA GERTRUDES DE ALMEIDA

INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho

1ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — 07-05-1791

               Auto de perguntas feitas a Inácia de tal sobre o referimento, que nela fez em alguns dos seus Autos de perguntas, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier.

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos sete dias do mês de maio do dito ano, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas de minha residência, aonde foi vindo o Ouvidor desta Comarca, Marcelino Pereira Cleto, Desembargador nomeado da Relação da Bahia, e Escrivão nomeado para as dependências da Comissão expedida contra os réus da rebelião de Minas Gerais, para se fazer perguntas a Inácia de tal, sobre o referimento, que em seus Autos de perguntas, tinha feito nela o réu, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, pela Comissão vocal, que para este efeito me havia dado o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação desta cidade, e Juiz daquela Comissão; e tendo mandado vir com efeito à minha presença a dita Inácia de tal, com a assistência daquele Ministro Escrivão nomeado, lhe fiz as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo perguntada como se chamava, que idade tinha, donde era natural, e que estado tinha.

               Respondeu, que se chamava Inácia Gertrudes de Almeida, de idade de cinquenta e sete anos, natural desta cidade, e viúva, que ficou de Francisco da Silva Braga, que foi porteiro da Casa da Moeda desta mesma cidade.

               E sendo perguntada onde morava nesta cidade, e há quanto tempo morava na rua onde presentemente assiste?

               Respondeu, que morava na rua da Travessa da Alfândega, perto da Igreja de Nossa Senhora, Mãe dos Homens, onde tem assistido depois que casou, há muitos anos.

               E perguntada mais, se tinha morado algum tempo na rua dos Latoeiros, e tinha nela alguma pessoa da sua amizade ou conhecimento?

               Respondeu, que não tinha morado nessa rua, e que aí tinha assistido até que foi preso, um homem do seu conhecimento, a quem tratava de compadre, por ter sido compadre de uma irmã sua, o qual se chamava Domingos Fernandes da Cruz.

               E perguntando se tinha filhos; e se conservavam boa saúde, ou tinham tido algumas moléstias?

               Respondeu, que presentemente não tinha mais que uma filha, solteira, de idade de trinta e um anos, pouco mais ou menos; a qual por alguns anos padeceu da moléstia de uma ferida em um pé, a que pela sua renitência aos remédios, que lhe tinham feito muitos professores de medicina, já chamavam chaga cancerosa: Até que uma mulata lhe inculcou o préstimo que para tratar semelhantes moléstias, tinha um alferes de Minas, chamado Joaquim José, o qual curou a dita sua filha: e depois de ter feito aquela cura, em que se passaram dois meses, até dois meses e meio, se retirou para Minas.

               E perguntada se sabia, que mais passos tinha dado o dito alferes, ou qual foi o seu destino.

               Respondeu, que depois que se ausentou para Minas, não passaram muitos meses, que não voltasse para esta cidade, onde chegou pelo meio da Quaresma, pouco mais ou menos, a qual fez dois anos, na que acabou de passar. E algum tempo depois da sua vinda, que ao certo se não lembra, tendo-a dantes procurado, e sabido do estado da saúde de sua filha, em um dia entrou em sua casa, pedindo-lhe que buscava refugiar-se em uma casa por dois ou três dias, enquanto achava de dispor-se a passar para uma roça, que disse ser para Marapicu; e perguntando-lhe ela a causa por que se refugiava, o mesmo alferes lhe disse, que sendo rapaz ficara fiador de um homem em Minas, com o qual, sobre o pagamento da dívida fiada, tivera suas razões de desavença; e porque ao mesmo credor lhe sucedera então em Minas algum mal, lhe constava que a ele alferes se imputava; pelo que se queria refugiar, por ser o seu contendor valido do Governo, e não convindo ela Respondente em o recolher em sua casa, por ter sua filha donzela, lhe prometeu buscar outra, e com efeito buscou ao dito chamado seu compadre, Domingos Fernandes, o qual sabia a obrigação em que ela lhe estava, pela cura feita a sua filha, e depois deste lhe ponderar o mesmo reparo da causa da fuga, e dela Respondente lhe repetir a que já fica referida, conveio em recolhê-lo; e buscando o dito alferes, na mesma noite do dia em que buscou a Respondente, a resposta, para lá foi, até que logo foi preso, como depois constou a ela Respondente.

               E perguntada se ignorava que aquele alferes trazia uns soldados de espia, pelo que se mostrava ser fundado o seu receio em causa de maior consideração?

               Respondeu, que ela não soube dos soldados que o vigiavam, nem disso ouviu falar, senão depois da prisão; a qual também então ouviu dizer a uns, que era por diamante, e outros, por ouro em pó; do que lhe resultou maior cuidado, por ser aquele chamado seu compadre Domingos Fernandes ourives, e induzia isto probabilidade que o esconderia pelo interesse que lhe resultava daquele contrabando.

               E por ora lhe não fez mais perguntas, as quais assinou comigo o sobredito Ministro Escrivão assistente, depois destas lhe serem lidas, e as achar na verdade, como respondido tinha: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos da Relação desta cidade, e Escrivão da Comissão que o perguntei, escrevi, e assinei.

Francisco Luís Álvares da Rocha Marcelino Pereira Cleto Inácia Gertrudes de Almeida

AUTO DE PERGUNTAS AO DR JOSÉ DE SÁ BITTENCOURT

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 09-09-1791

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 10-09-1791

INQUIRIÇÃO — Rio, Cadeias da Relação. 12-09-1791

Termo de Soltura — Rio, Cadeias da Relação 12-09-1791

1ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 09-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos nove dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e cadeias da Relação aonde foi vindo o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler desta Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da mesma Comissão, e José Caetano César Manitti, Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, Escrivão assistente, para se fazerem perguntas ao Doutor José de Sá Bittencourt, preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença aquele José de Sá Bittencourt, e lhe fez perguntas pela maneira seguinte.

               Foi perguntado, como se chamava, e a sua idade, de quem era filho, donde era natural onde residia, se era solteiro ou casado, e tinha algumas ordens, do que vivia, e se tinha algum emprego?

               Respondeu, que se chamava José de Sá Bittencourt, de idade de trinta e seis para trinta e sete anos, filho de Bernardino Rodrigues Cardoso, natural da Vila de Caeté de Minas Gerais, presentemente assistente na Bahia, em casa de seus pais, solteiro, que não tinha ordens algumas, formado em Filosofia, e vivia da sustentação que lhe davam seus pais e seus parentes.

               Foi perguntado, se sabe, ou suspeita a razão por que foi preso?

               Respondeu que quando o prenderam em Camamu, no engenho de seu pai, totalmente ignorava a causa da sua prisão, mas depois que o Desembargador Francisco Nunes da Costa, que foi quem prendeu a ele Respondente, lhe fez perguntas, então ficou entendendo que a causa da sua prisão era por conta ela retirada que fez de Minas Gerais, da Vila/ de Caeté, onde assistia em casa de uma sua tia.

               Foi perguntado, se a sua retirada da Vila de Caeté era algum crime, pelo qual entendesse que podia ser preso?

               Respondeu, que não pensa que a sua retirada fosse delito; mas que, como as perguntas que lhe fizeram, todas rolavam sobre a sua retirada, e na falta de passaporte, que não é de estilo tirar-se; por isso julgou que a causa da sua prisão era por conta da sua retirada.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto, sendo um homem formado, como diz, devia saber que não havia de ser preso, e remetido a esta cidade sem delito, julgando que nem a sua retirada, nem a falta de passaporte é delito; pelo que conhecidamente está dando causas afetadas e pouco sinceras da causa da sua prisão?

               Respondeu, que quando disse que julgava ser a causa da sua prisão a retirada que fez de Minas Gerais, foi pelo juízo que formou logo que foi perguntado pelo dito Desembargador; porém depois, sendo perguntado pelo Desembargador Marcelino Pereira Cleto, e remetido a esta cidade, entendeu que podia ser pelo julgarem entrando na sublevação de Minas, de que ele Respondente só teve notícia elepois que se fizeram as prisões.

               Foi perguntado, que sublevação era essa de Minas, e por que presume ele Respondente que o poderiam reputar entrado na mesma sublevação?

               Respondeu, que da sublevação de Minas não soube coisa alguma antes das prisões; e depois das prisões, só soube o que se dizia geralmente por todos; que a razão por que julga que podia ser preso pelo reputarem entrado no levante, é pelas razões que já disse, e por ver a forma por que é tratado, e não por outro motivo; porque antes ele Respondente tem razão para julgar, que não é esse o motivo da sua prisão, tanto pela sua inocência nesta matéria, como porque, quando se retirou de Minas Gerais, já as Devassas sobre o mesmo levante havia notícia que se tinham fechado; e em todo o tempo que elas duraram, esteve ele Respondente em Caeté, sem que ninguém lhe pagasse, até o mês de fevereiro, do ano próximo passado, em que se retirou da dita Vila para casa de seus pais.

               Foi perguntado, quando ele Respondente passou a assistir em Caeté, o tempo que aí morou, e pela razão por que saiu de casa de seus pais?

               Respondeu, que recolhendo-se a este Continente, dos seus estudos na Universidade de Coimbra, chegou à Rahia, à casa de seus pais em setembro de mil setecentos e oitenta e sete; em fevereiro de oitenta e oito, veio para esta cidade, donde passou para a Vila de Caeté em maio de mil setecentos e oitenta e oito, e aí esteve, sempre assistindo em casa de uma sua tia; e que deixara a assistência da casa de seus pais, porque assistindo os ditos seus pais na Vila do Rio de Contas, sertão da Bahia, foi ele Respondente mandado estudar para Minas, para casa do seu tio, o Capitão Ferreira da Câmara, tendo ele Respondente só treze anos, e depois, falecendo seu tio, o Capitão-mor Domingos da Rocha, e vindo a viúva sua tia assistir para a Vila de Caeté, veio ele Respondente nas férias assistir em sua casa, e ela a fazer toda a despesa com ele Respondente, de forma que em casa da mesma sua tia veio a ficar, e se conservou, até que foi para Coimbra; e por esta razão, logo que chegou de Coimbra, passados poucos meses, deixou a casa de seus pais, e foi para casa da dita sua tia, onde sempre tinha feito a assistência sobredita.

               Foi perguntado pela razão que tivera para deixar a casa da dita sua tia por um modo reparável, tendo para lá ido com ânimo de persistir?

               Respondeu, que quando fora para casa de sua tia, ia encarregado de negócios de sua casa, e do casamento de uma sua mana com um sujeito morador em Minas, irmão de seu cunhado, Inácio Ferreira da Câmara Bittencourt, que era casado com outra irmã dele Respondente, e tinha vindo com ele de Portugal, por ter chegado o dito Inácio Ferreira França, onde se tinha formado em medicina; e que tendo ele Respondente concluído o ajuste do casamento da dita sua irmã em Minas, voltara à casa de seus pais a dar-lhes conta daquele negócio, e dizer-lhe que outro irmão dele Respondente, que estava em Minas, não podia vir fazer assistência aos ditos seus pais; e que juntamente viera ele Respondente assistir com os mesmos seus pais, na forma da assistência e subsistência de dois irmãos seus, que estão um viajando por ordem de Sua Majestade pela Europa, outro, nos estudos da Universidade de Coimbra: e que saira da dita Vila de Caeté sem disfarce, e que fizera a sua jornada até a altura do Serro do Frio pelo caminho comum e natural de todos os viajantes; porém, que nessa altura, lhe dera notícia um passageiro, que desciam soldados de Vila Rica pelo caminho da Bahia, dizendo-lhe que iam procurando por um homem, que tinha saído de Minas; e que então, temendo ele Respondente que os ditos soldados lhe fizessem alguma violência, se retirara do caminho trivial, e seguira a estrada do sertão, que vai sair confrontando à Ressaca; e que tanto que chegara à casa de seus pais, se apresentara ao Ministro do seu distrito; e na mesma casa de seus pais assistiu mais de um ano, tratando publicamente dos negócios da sua casa; sendo bem certo que, se se julgasse culpado, sem procurar a casa de seus pais, poderia retirar-se da Cidade da Bahia, ou em navios de Portugal, ou em navios estrangeiros, porque no tempo que se demorou em casa de seus pais, estiveram na Bahia dois navios franceses, um inglês, e alguns castelhanos.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente se ausentara da Vila de Caeté com tanto disfarce, que logo se fez reparável ao Governador de Minas; e tanto o dito disfarce, como a retirada do caminho seguido, quando teve a notícia que havia soldados que seguiam a mesma estrada, perguntando por um homem, mostra tudo bem que ele Respondente não tinha uma consciência sossegada, que não receasse ser preso, por ter dado alguma causa para isso; porque nem se retiraria disfarçadamente, se estivesse inocente, nem se meteria ao sertão, pela simples notícia de um passageiro, de que havia soldados que seguiam a estrada da Bahia; sendo frívola a razão que dá, de que temia alguma violência dos soldados, quando é certo que os soldados costumam acudir aos insultos que possam fazer ladrões, ou salteadores; e que se não pode esperar deles insulto, ou violência, que façam a um passageiro inocente, que segue o seu caminho?

               Respondeu, que saiu publicamente de dia de Caeté, e não sabe que o sair por este modo seja sair com disfarce; que, chegando à altura do Serro, é certo que, depois de ter a sobredita notícia, que lhe deu o viajante, se retirou da estrada, que fazia tenção de seguir, e tomou a estrada do sertão; e ainda que se reputava sem crime, e os soldados sejam mais destinados para evitar violências e insultos, do que para os fazerem; contudo é certo, que nem sempre a gente discorre de um modo, e que ele Respondente, concebendo o receio de violência, se retirou da estrada, evitando por este modo o encontro dos ditos soldados.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido o juramento dos Santos Evangelhos, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou, ter dito a verdade; e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente, com o qual também dou fé que o réu esteve neste ato livre de ferros; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares cia Rocha José Caetano César Manitti José de Sá Bittencourt

               E sendo-lhes lidas as perguntas antecendentes, e perguntado o Respondente, se estavam conformes com o que havia respondido e se as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi instado novamente, que dissesse a verdade; porquanto não era natural, que ele Respondente quisesse, por conta de um terror pânico, desarrazoado e incerto, que diz que concebera da notícia, que lhe deu o viajante, de que vinham soldados pela estrada da Bahia, constituir-se com certeza indiciado, de um delito, porque a fuga de Justiça ou soldados só atemoriza ao delinquente?

               Respondeu, que não julgou por incerta a violência que lhe poderiam fazer os soldados, pois para isso bastaria quererem mostrar zelo do serviço de Sua Majestade, querendo prender a ele Respondente, ou com o pretexto de que o achavam dentro do distrito diamantino, em cuja altura se achava quando lhe deu o viajante aquele aviso, e deixou a estrada geral, ou poderiam os mesmos soldados, dizer que ele Respondente levava alguns papéis, ou outro qualquer motivo para o vexarem; e que ele Respondente não fugiu, somente o que fez foi retirar-se da estrada e meter-se ao sertão; e que sempre entendeu que a fuga não era indício de delito, senão quando se fugia depois do preso; porque nunca foi professor de direito, sendo a sua formatura em Filosofia, e História Natural.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto, se a estrada de Caeté para a Bahia, pública e seguida, é pelo distrito diamantino, não podem os viajantes por ela temer violência dos soldados, por serem achados passando por uma estrada pública, por onde não é proibido passar; antes, largando ele a estrada pública e geral do distrito diamantino, e metendo-se ao sertão, é que podia temer ser encontrado por algum soldado, e preso; de forma que pelo temor imprudente dos soldados, deixava ele Respondente uma estrada, em que não podia haver presunção de delito, para meter ao sertão, em que justamente podia ser reputado delinquente, sendo apanhado em um sítio proibido; e quanto ao temor de que os soldados pudessem dizer que ele Respondente levava alguns papéis, ou alegassem outro qualquer motivo para o prenderem, é resposta inteiramente frívola, porque se ele Respondente estava inocente, e fugia, ou se retirava do caminho, por temer ser vexado, levantando-lhe algum testemunho, então deve temer fugir de toda a parte onde houver gente; porque não só os soldados, que são como os mais homens, porém todos são capazes de levantar testemunhos?

               Respondeu, que responde do mesmo modo que já tem dito, que os homens nem sempre discorrem por um modo prudente, que a alma recebe em diferentes ocasiões, diferentes impressões, conforme o estado em que se acha; e que se ele Respondente pensasse que o retirar-se da estrada seguida, para seguir a do sertão era indício de delito, certamente o não faria, estando a sua consciência sossegada.

               Foi perguntado, se quando se retirou de Minas se despediu do general, e se lhe apresentou, dizendo que se ia da Capitania para outra parte?

               Respondeu, que se não despediu, nem se apresentou ao general, porque não é estilo tirar passaporte, e ser distante Vila Rica de Caeté, onde ele residia, quatorze léguas.

               Foi instado, que dissesse a verdade, declarando o motivo da sua retirada da Vila de Caeté; porquanto ainda que não fosse estilo tirar passaporte, e a residência dele Respondente fosse quatorze léguas distante de Vila Rica, contudo parece natural que ele Respondente deveria despedir-se, e apresentar-se ao general, se não tivesse motivo particular para ocultar a sua retirada; porquanto na mesmn distância de quatorze léguas, confessa ele Respondente que fora duas vezes a Vila Rica, para visitar e obsequiar o general, tempo em que ainda da primeira vez o não conhecia; e se a ele Respondente lhe não fez embaraço a distância de quatorze léguas para visitar o general, era mais natural que, depois de o conhecer, e encontrar nele bom acolhimento, lhe não fizesse embaraço as mesmas quatorze léguas para se despedir dele na sua retirada, tempo em que já conhecia; o que não só devia considerar-se civilidade, mas também obrigação; pelo que é certo que a sua retirada teve motivo particular, e o mesmo que o fez retirar a ele Respondente dos soldados, foi quem o fez não aparecer ao general, e dar-lhe parte de que saia da Capitania?

               Respondeu, que não teve motivo particular para deixar de se apresentar, e despedir-se do general; que isto pode bem reputar-se falta de civilidade, porém que ele Respondente não julga que faltasse à sua obrigação, nem entendeu que essa circunstância fosse necessária para se retirar da Capitania de Minas.

               Foi perguntado, quantas vezes foi a Vila Rica desde setembro de mil setecentos e oitenta e oito até maio de mil setecentos e oitenta e nove?

               Respondeu, que foi a Vila Rica neste tempo duas vezes, a primeira, quando chegou a Excelentíssima Viscondessa no mês de setembro; a segunda, em janeiro, porque indo a negócios da tia, com quem assistia, à Cidade,. Mariana, foi necessário estabelecer Procuradores em Vila Rica; e então algumas vezes foi de Mariana a Vila Rica, até que, na última vez que foi à dita Vila, que seria por meado até fins de janeiro, do que não tem certeza, se dilatou aí seis ou sete dias, por conta da grande invernada que fazia.

               Foi perguntado, onde assistia em Vila Rica, e as pessoas com quem aí tratava?

               Respondeu, que assistia em casa do cirurgião-mor do Regimento, ao seu parecer chamado Antônio José Vieira de Carvalho, onde também assistia o Doutor Joaquim Veloso: que tratava com mais amizade com José Álvares Maciel, e o Doutor Barreiros, por serem seus colegas, e com o Tenente-Coronel Francisco de Paula, ainda que com este era um tratamento mais respeitoso, e não como o daqueles, que eram seus colegas.

               Foi perguntado, se frequentou muitas vezes a casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, e as pessoas que na mesma casa encontrou, quando lá foi?

               Respondeu, que algumas vezes foi à casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula, e lhe não lembra quantas foram, nem as pessoas que nela encontrou; e só a última vez, nos fins de janeiro se lembra que encontrou em casa do dito Francisco de Paula, seu cunhado Domingos Álvares, e aí entraram nessa ocasião alguns soldados, que pensa ele Respondente que iriam dar parte de algumas recomendações, que o dito Tenente-Coronel lhe tivesse feito, por estar então para se ausentar para a sua fazenda dos Caldeirões.

               Foi perguntado, se na mesma casa de Francisco de Paula se encontrou, ou esteve alguma vez com José Álvares Maciel?

               Respondeu, que lhe não lembra se na última vez que visitou o dito Francisco de Paula, aí entrou também José Álvares Maciel.

               Foi perguntado, se na ocasião que esteve em Vila Rica, no mês de janeiro, aí estava o Coronel Inácio José de Alvarenga?

               Respondeu, que poderia estar, porém que ele Respondente nunca o viu, nem lhe falou.

               Foi perguntado, se conhecia o Doutor Cláudio Manuel da Costa, ou o Desembargador Gonzaga; se com eles tinha trato e amizade?

               Respondeu, que duas vezes foi à casa do Desembargador Gonzaga, uma visitá-lo, outra levar-lhe um requerimento para ele informar, por ordem do Visconde, Governador de Minas.

               Foi perguntado, quem eram os Procuradores que se estabeleceram em Vila Rica?

               Respondeu, que o Solicitador era um Fulano de Abreu, e o letrado era o Doutor Diogo, de quem lhe não lembra o sobrenome, e o Doutor Cláudio Manuel da Costa, e lhe parece que ainda nomeou mais algum.

               Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constituído por seu advogado o Doutor Cláudio Manuel da Costa, não era natural que deixasse de ir muitas vezes à sua casa para o instruir dos seus negócios, e que o conhecesse só de vista?

               Respondeu, que não falou ao Doutor Cláudio Manuel, porque entendeu que lhe não era preciso, e só falou com o solicitador, Fulano de Abreu.

               Foi perguntado, se conhecia o Alferes Joaquim José da Silva, e alguma vez lhe falou?

               Respondeu, que no ano de oitenta e oito, no mês de fevereiro, chegando a esta cidade, ouviu dizer que aqui andava o dito alferes, por alcunha o Tiradentes; porém que nunca lhe falou, nem nesta cidade, nem em Vila Rica, nem sabe que ele lá estivesse na ocasião em que ele Respondente foi à dita Vila.

               Foi perguntado, se tinha algum parentesco por afinidade, ou sanguinidade com José Álvares Maciel, ou com algum dos presos, por conta da sublevação, projetada em Minas?

                  Respondeu, que não tem parentesco algum com José Álvares Maciel, nem sabe que esteja preso por conta da sublevação de Minas parente algum seu.

               Foi perguntado, sobre que rolavam as práticas que teve com José Álvares Maciel, nas conversações que com ele teve em Vila Rica, se trataram das procurações, e riquezas da América, ou sobre outra igual matéria?

               Respondeu, que as práticas dele Respondente com o dito José Álvares Maciel, nas vezes que lhe falara, que não eram muitas, porque o dito José Álvares ordinariamente estava em Palácio, rolavam ordiniariamente sobre análises de Minas, que o dito José Álvares tinha descoberto, e outras matérias Filosóficas, e História Natural, de que ambos eram professores.

               Foi parguntado, se nessas práticas lhe ponderára o dito José Álvares Maciel, que a América tinha os materiais precisos para se fazer pólvora, e o mais preciso para se manter independente da Europa?

               Respondeu, que nunca o dito José Álvares teve com ele Respondente prática semelhante; nem produziu idéias em que ele Respondente pudesse suspeitar que havia pensamento de por a América independente.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que parecia ter faltado; porquanto constava que ele Respondente sabia do projeto da independência da América, o que devia declarar; e que este fora o motivo da sua retirada de Minas, sem se apresentar ao general, e fugir da estrada seguida da Bahia, metendo-se pelo sertão para evitar o encontro dos soldados; pois, dizendo-lhe o viajante, que iam em procura de um homem, ele Respondente, acusado da própria consciência, temeu que fosse ele o homem a quem seguiam, pela razão que sabia que para isso havia?

               Respondeu, que nunca soube de semelhante projeto, nem pessoa alguma lhe comunicou, porque, se tivesse a menor idéia disso, certamente faria a sua obrigação, denunciado-o: Que a sua ratirada de Caeté, como da estrada seguida da Bahia, não podia ser por temor de ser envolvido na dita sublevação; porquanto, quando ele Respondente saiu, já as Devassas estavam concluídas, e se não faziam prisões.

               Foi instado, que dissese a verdade, porquanto ele Respondente não podia saber se as Devassas, e averiguações estavam concluídas ou não, por serem averiguações em semelhante matéria feitas com tanto segredo, e cautela, que atualmente, nem ele Respondente, nem qualquer outra pessoa pode saber, ou suspeitar, se as averiguações sobre esta matéria estavam concluídas, ou não; sendo certo que ele Respondente, e os mais réus, a quem acusa a própria consciência, por segurança cuidam em acautelar-se.

               Respondeu, que não sabia com certeza individual, que as averiguações sobre o levante estavam acabadas; porém, que a voz geral era que as Devassas, e diligências daquela matéria estavam concluídas, e que com elas tinham descido para esta Cidade do Rio de Janeiro o Ajudante-de-Ordens Francisco Antônio Rebelo; e era provável que, vindo o ajudante-de-ordens, não ficasse ainda aquele negócio incompleto.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro estas perguntas por concluídas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, debaixo dele declarou ter dito a verdade, do que dou fé com o Ministro, Escrivão assistente, como também de que neste ato esteve o Respondente livre de ferros: e de tudo mandou o dito Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Sá Bittencourt

3ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 12-09-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos doze dias do mês de setembro nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da mesma Relação, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da Conjuração formada em Minas Gerais, comigo Escrivão ao diante nomeado, e o Intendente nomeado da Comarca de Vila Rica, José Caetano César Manitti, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas a José de Sá Bittencourt, preso incomunicável nas ditas cadeias; e sendo aí o mandou vir à sua presença o dito Conselheiro, e lhe continuou as perguntas seguintes.

               E sendo-lhes lidas as perguntas antecedentes, e perguntado, se estavam conformes, e as ratificava?

               Respondeu, que estavam conformes, e que as ratificava.

               Foi perguntado, pela razão que teve para não vir por esta Cidade do Rio de Janeiro encaminhando-se para a Bahia, sendo esta ordinariamente a viagem que seguem aqueles que se dirigem àquela cidade, e que ele Respondente também seguiu quando, vindo de Coimbra, passou da Bahia para a Vila de Caeté, sendo esta estrada para ele conhecida, e foi antes tomar o caminho de terra, e do sertão?

               Respondeu, que deixou de vir por esta cidade, por temer a viagem do mar, não só pelos perigos, mas também pela demora, que muitas vezes se encontra; pois ele Respondente, indo daqui para a Bahia em outra ocasião, gastou na sua viagem do mar quarenta e quatro dias, cujos perigos, e demoras se não encontram na viagem de terra; além de que, por conta de moléstia que padece, lhe mandam os médicos que não coma carne salgada, e lhe recomendam o exercício a cavalo.

               Foi instado, que dissesse a verdade; porquanto não podia ser o motivo que alega, aquele que o obrigou a evitar vir por esta Capital; porque por terra, e pelo sertão, também há perigos de passagens de rios e ribeiras; que de Caeté a esta cidade fazia bastante exercício a cavalo; que a viagem desta cidade para a Bahia não oferece muitos exemplos de perigo; que nem sempre é demorada, principalmente em tempo de monção, como era aquele em que ele Respondente aqui chegaria, se viesse de Caeté direto a esta cidade; que na viagem não come carne salgada, senão quem absolutamente não tem meios para um pequeno provimento, os quais não faltariam a ele Respondente; e com esses mesmos incômodos, ele quis fazer a viagem por esta cidade, indo da Bahia para Caeté, e vindo de Caeté para a Bahia em outras ocasiões?

               Respondeu, que a viagem do sertão é conforme empreende o gosto de cada um dos viajantes, e que muitos receavam mais os perigos do mar, do que os trabalhos de terra, porque os perigos do mar são mais certos do que os de terra.

               Foi perguntado, se tinha alguma coisa mais, que acrescentar, ou diminuir, nas suas respostas?

               Respondeu, que até agora tem respondido às perguntas que se lhe tem feito, conforme entende em sua consciência; que não tem que acrescentar, nem diminuir, porém, que protesta a todo o tempo declarar qualquer circunstância mais que lhe lembre; e responder com verdade, ao que novamente lhe for perguntado.

               E por esta forma houve o dito Conselheiro, estas perguntas por acabadas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que tinha respondido;

e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeita a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o Respondente, e Ministro Escrivão assistente, com o qual também dou fé, que o Respondente esteve neste ato livre de ferros; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Caetano César Manitti José de Sá Bittencourt

Termo de Soltura — Rio, Cadeias da Relação — 12-09-1791

               Aos doze dias do mês de setembro de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro e cadeias da Relação aonde eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais vim; e sendo aí, por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, me foi mandado apresentar José de Sá Bittencourt, formado em Filosofia, e História Natural, que da Bahia tinha vindo preso, por ordem do Excelentíssimo Governador daquela cidade, por lhe ser assim pedido; e tendo-o o Excelentíssimo Vice-Rei do Estado mandado entregar à ordem do Desembargador Conselheiro, Juiz da Comissão, e achando-o sem culpa o mesmo Conselheiro, o que por mim Escrivão mandou participar com este Auto de perguntas, ao mesmo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, como desembaraçado, assinando o dito José de Sá termo com as condições que abaixo se declara, o dito Excelentíssimo Vice-Rei o mandou por em liberdade, com a cláusula porém, que o dito José de Sá Bittencourt, por este termo ficava obrigado, como se obrigou, e declarou que a sua viagem desta cidade era para a da Bahia, e aí se apresentará ao Excelentíssimo General daquela Capitania; e quando dela haja de sair, se tornará a apresentar ao mesmo Excelentíssimo General, declarando, e assinando termo da terra a que se encaminha, onde, e com as mesmas obrigações, se apresentará ao Excelentíssimo Governador, ou a quem na mesma terra governar; e de como assim o disse, e se obrigou, assinou este termo, sendo presentes as testemunhas José Lopes da Costa, Tenente do Regimento da Artilharia desta cidade, que com ordem do Excelentíssimo Vice-Rei, veio por em liberdade o dito José de Sá, e Domingos Rodrigues das Neves, Meirinho desta Relação; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Desembargador dos Agravos da mesma Relação, e Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Francisco Luís Álvares da Rocha

José de Sá Bittencourt

José Lopes da Costa

Domingos Rodrigues das Neves

AUTO DE PERGUNTAS JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho

INQUIRIÇÃO — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — Acareação com José de Resende Costa e com Manuel Pereira Chaves.

Termo de Soltura — Rio, Palácio do Vice-Rei do Estado do Brasil

1ª Inquirição — Rio, Casas do Chanceler Coutinho — 05-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos cinco dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade, e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais; aonde eu o Desembargador Francisco Luiz Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão sobredita vim, e o Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, Escrivão assistente, para efeito de se fazerem perguntas a Joaquim Ferreira dos Santos, que se achava preso nos segredos das prisões que há no Palácio do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei deste Estado; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o mesmo Joaquim Ferreira, debaixo de segura custódia, e lhe fez as perguntas seguintes.

               Foi perguntado, como se chamava, donde era natural, de quem era filho, onde assistia, de que vivia, a sua idade, e se tinha algumas ordens?

               Respondeu, que se chamava Joaquim Ferreira dos Santos, natural, e assistente na Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes, filho que ficou do Capitão Inácio Ferreira dos Santos, que vivia em companhia de sua mãe, viúva do mesmo Capitão, e de ser sacristão da Igreja de São José, da mesma Vila; e que não tinha ordens algumas.

               Foi perguntado, se sabe, ou suspeita a razão por que está preso.

               Respondeu, que não sabe, nem suspeita a razão por que está preso.

               Foi perguntado, quem eram as pessoas com quem tinha mais particular amizade, e com quem mais familiarmente se comunicava?

               Respondeu, que as pessoas com quem tinha mais familiaridade, eram os tios, o Padre José Tomás, o Padre Joaquim e o Doutor Rego.

               Foi perguntado, se conhecia, e tinha amizade com algum dos presos que se acham nesta cidade, por conta da sublevação, que se pretendia fazer em Minas?

               Respondeu, que tinha amizade com o Vigário Carlos Correia, e com José de Resende, moço, e com aquele vigário tinha amizade, porque servia com a sobrepeliz de sacristão na igreja, onde ele era pároco.

               Foi perguntado, se algum dos ditos, vigário ou José de Resende, ouviu ele Respondente alguma vez falar em matéria do levante, que se projetava fazer, e se sobre esta matéria lhe comunicaram alguma coisa?

               Respondeu, que lhe não lembrava que tivesse conversação alguma com os ditos vigário ou José de Resende, nem que estes lhe comunicassem coisa alguma do projetado levante.

               Foi instado, que dissesse a verdade, a que faltava, porquanto constava, não só que o dito José de Resende Costa, filho, lhe comunicara os particulares que se tratavam sobre o levante entre os confederados, e que o dito vigário era um dos cabeças da sublevação, mas também constava que ele Respondente falara no dito levante com o referido José de Resende Costa, filho, na presença de certa pessoa, em casa de Gervásio Pereira de Alvim, Escrivão dos Orfãos da Vila de São José, em ocasião que o mesmo Escrivão não estava presente?

               Respondeu, que era menos verdade que José de Resende lhe tivesse comunicado coisa alguma sobre o dito projetado levante, nem que com ele nisso falasse; e igualmente é menos verdade que em casa de Gervásio Pereira lhe falasse o dito José de Resende em semelhante matéria perante pessoa alguma.

               E sendo-lhe lido o juramento da testemunha quarenta e seis, a folhas cento e quarenta e três da Devassa tirada pelo Desembargador José Pedro Machado, para ver se ele Respondente se recordava da conversação, que no dito juramento se declara houvera em casa de Gervásio Pereira de Alvim, entre ele Respondente e o dito José de Resende Costa?

               Respondeu, que era verdade que algumas vezes falara com José de Resende Costa, filho, em casa de Gervásio Pereira Alvim, e na presença da dita testemunha, Manuel Pereira, porque este aí costumava ir pousar, e ficar aí alguns dias na dita casa; mas que era falso que falassem em coisa que se pudesse presumir que respeitava à sobre dita sublevação, nem que houvesse a dita graça de se dizer este era bom para coronel contra.

               E por ora lhe não fez o dito Conselheiro mais perguntas, as quais sendo por mim lidas ao Respondente, as achou conformes com o que respondido tinha; e sendo-lhe deferido juramento, pelo que respeitava a terceiro, do que dou fé, debaixo dele declarou ter dito a verdade; e com o Ministro Escrivão assistente, também declaro que neste ato esteve o Respondente livre de ferros; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto, em que assinou com o Respondente, e Escrivão assistente; e declarou o mesmo Respondente ter vinte e dois anos de idade: e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Antônio Valente Joaquim Ferreira dos Santos

2ª Inquirição — Rio, Casa do Chanceler Coutinho — Acareações com José de Resende Costa e Manuel Pereira Chaves — 07-10-1791

               Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos sete dias do mês de outubro, nesta Cidade do Rio de Janeiro e casas da residência do Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade e do da sua Real Fazenda, Chanceler da Relação da dita cidade e Juiz da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, aonde eu Escrivão da Comissão ao diante nomeado fui vindo, e o Ouvidor desta Comarca, José Antônio Valente, Escrivão assistente, para se continuarem perguntas a Joaquim Ferreira dos Santos, que se achava preso incomunicável nas prisões do Palácio do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei do Estado; e sendo aí mandou o dito Conselheiro vir à sua presença o dito preso, debaixo de custódia, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.

               E sendo-lhe lidas as perguntas antecendentes e perguntado, se as ratificava; ou tinha nelas que acrescentar, ou diminuir?

               Respondeu que não tinha que acrescentar, ou diminuir, às perguntas que acabavam de lhe ser lidas, e que por estarem conformes, as ratificava.

               E logo mandou vir o mesmo Conselheiro à sua presença o réu José de Resende Costa, que se achava nos segredos das cadeias da Relação da sobredita cidade; e sendo aí se reconheceram mutuamente, do que dou fé, com o Ministro Escrivão assistente, e de lhes ter sido deferido o juramento, pelo que respeita a terceiro, e lhes fez acareação do modo seguinte.

               Foi-lhes lido o que respondeu o acareante a folhas sete verso, das perguntas que lhe foram feitas, em que disse que, estando com o acareado, e passando pela rua o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, dissera ele acareante ao acareado — Ali vai esse tolo do vigário, que pretende com outros fazer um levante, quando se lançar a derrama – que lhe não lembra com certeza se lhe disse mais alguma circunstância, mas que se persuade que naturalmente lhe diria mais algumas circunstâncias, e lhe nomearia alguns dos conjurados, como Inácio José de Alvarenga, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Francisco de Paula Freire de Andrada; mas que, como liá muito tempo que isto passou, não tem específica lembrança da conversação, e palavras, com que contou ao referido sacristão as ditas circunstâncias.

               E sendo ouvido por ambos, acareante e acareado, o que fica referido, que o acareante declarou nas perguntas que lhe foram feitas, depois de disputarem entre si, ficou o acareante firme em que era verdade o que tinha declarado nas ditas perguntas a respeito do acareado, pois estava bem certo em que, passando o Vigário de São José, dissera ao acareado — aí vai esse tolo do vigário, que pretende com outros fazer um levante, quando se lançar a derrama —; suposto que lhe não lembra, se lhe disse mais alguma circunstância, ou lhe nomeou mais alguma pessoa, que houvesse de entrar no dito levante. E o acareado persistiu firme, em que o acareante estava enganado, em dizer que tivesse falado com ele acareado coisa alguma a respeite do levante, nem que lhe tivesse dito as referidas palavras, a respeito do Vigário de São José; e nisto se conservou o acareado firme, sem hesitação alguma, fazendo muitos protestos de que o acareante se enganava: e só depois que o acareante jurou na Devassa, é que ele acareado lhe perguntou sobre que depusera na dita Devassa; e o acareante lhe disse com dificuldade, sendo instado por ele acareado, que na Devassa se perguntava por um levante, que se projetava fazer em Minas; e que esta fora a primeira vez que o acareante falara a ele acareado em matéria de levante: e persistindo ambos firmes, e com igual constância, no que fica declarado, se não pode descobrir qual deles falava a verdade.

               E por esta forma houve o mesmo Conselheiro esta acareação por feita, a qual sendo por mim lida ao acareante, e acareado, acharam estar conforme com o que respondido tinham, e com o Ministro Escrivão assistente, declaro que neste ato estiveram ambos livres de ferros, do que damos fé; e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este auto, em que assinou com o acareante, e acareado, e escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Antônio Valente José de Resende Costa Joaquim Ferreira dos Santos

               E logo no mesmo ato, tendo o dito Conselheiro mandado recolher para a sua prisão a José de Resende Costa, filho, continuou com o Respondente Joaquim Ferreira as perguntas pelo modo seguinte, ao qual, por ter dito ser de menor idade, lhe nomeou curador, mandando vir para o mesmo efeito o Doutor Joaquim José Suzano, ao qual, sendo presente, lhe deferiu o juramento dos Santos Evangelhos, debaixo do qual lhe encarregou, que fosse curador do dito menor, bem e verdadeiramente, na conformidade do Direito, e sendo pelo dito curador recebido o juramento, debaixo dele prometeu cumprir com o ofício que lhe era encarregado.

               E sendo-lhe novamente lidas as primeiras e segundas perguntas, e acareação, na presença do curador, e perguntado se estavam conformes, uma e outras, com o que tinha respondido, e se as ratificava.

               Respondeu, que umas e outras perguntas, e acareação, estavam conformes com o que respondido tinha, e que outra vez as ratificava.

               E por esta forma houve o dito Ministro estas perguntas por feitas, e pelo Respondente, depois de lidas como dito fica, aprovadas; protestou o dito Curador que as mesmas respostas do menor em nada o prejudicassem, por causa da sua menor idade, e que com este protesto assinava: e de tudo mandou o mesmo Conselheiro fazer este Auto em que assinou com o Respondente, e Curador, e Ministro Escrivão assistente; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, o escrevi, e assinei.

Vasconcelos

Francisco Luís Álvares da Rocha José Antônio Valente Joaquim Ferreira dos Santos Joaquim José Suzano

               E no mesmo dia, mês e ano antecedentemente referidos, declaro por fé do Meirinho Geral da Correição desta cidade, a quem por ordem do Desembargador Conselheiro, Juiz da Comissão, incumbi a diligência, que não há notícias, de onde se acha atualmente Manuel Pereira Chaves, para fazer-se também com ele acareação, a Joaquim Ferreira dos Santos, por ser aquele Manuel Pereira boiadeiro e viandante, que não tem habitação certa; e para assim constar, lavrei este termo, por ordem do mesmo Conselheiro; e eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão dy Comissão, o escrevi, e assinei.

Termo de Soltura — Rio, Palácio do Vice-rei do Estado do Brasil — 08-10-1791

               Aos oito dias do mês de outubro de mil setecentos e noventa e um, nesta Cidade do Rio de Janeiro e sala do Palácio do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei, aonde eu Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, vim; e sendo aí, por ordem do mesmo Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, me foi mandado apresentar Joaquim Ferreira dos Santos, filho que ficou do Capitão Inácio Ferreira dos Santos, da Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes; o qual, tendo sido pelo Excelentíssimo Governador de Minas Gerais mandado apresentar nesta sala, como lhe foi pedido, e tendo-o o Excelentíssimo Vice-Rei do Estado mandado entregar preso e incomunicável nos segredos das prisões deste Palácio, à ordem do Desembargador Conselheiro, Juiz daquela Comissão; e achando-o sem culpa o mesmo Conselheiro, o que por mim Escrivão mandou participar com este Auto de perguntas ao mesmo Excelentíssimo Vice-Rei do Estado, como desembaraçado, assinando o dito Joaquim Ferreira termo com as condições que abaixo se declaram, o dito Excelentíssimo Vice-Rei o mandou pôr em liberdade, com a cláusula porém que o dito Joaquim Ferreira dos Santos, por este termo, fica obrigado, como se obrigou, e declarou que a sua jornada desta cidade era para a Capitania de Minas Gerais e Vila de São José, e ali se irá logo apresentar ao Excelentíssimo General da dita Capitania; e quando dela haja de sair, se tornará a apresentar ao mesmo Excelentíssimo General, declarando, e assinando termo da terra, a que se encaminha, onde e com as mesmas obrigações, se apresentará a quem na mesma terra governar; e de como assim o disse, e se obrigou, assinou este termo, sendo presentes por testemunhas o Capitão Aleixo Pais Sardinha, e Francisco Carneiro de Figueiredo Sarmento, Tenente do Regimento de Bragança, destacado nesta praça; e eu Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão, que o escrevi, e assinei.

Francisco Luís Álvares da Rocha Joaquim Ferreira dos Santos Franciso Carneiro de Figueiredo Sarmento Aleixo Pais Sardinha

2ª Inquirição — Rio, Fortaleza da Ilha das Cobras — 27-05-1789

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e nove, aos vinte e sete do mês de maio nesta Cidade do Rio de Janeiro, nesta Fortaleza da Ilha das Cobras, aonde foi vindo o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, comigo Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor desta Comarca, e Escrivão nomeado para esta Devassa, para o efeito de continuar estas perguntas, e sendo aí mandou vir à sua presença o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, ao qual sendo presente continuou as perguntas na forma seguinte: E eu Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor, e Corregedor da Comarca, Escrivão nomeado para esta Devassa o escrevi.

2ª Inquirição — Rio, Cadeias da Relação — 10-09-1791

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e um, aos dez dias do mês de setembro, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e cadeias da Relação, aonde veio o Desembargador Conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho de Sua Majestade, e do da sua Real Fazenda, Chanceler da dita Relação, formada em Minas Gerais, comigo o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, Escrivão da dita Comissão, e o Intendente nomeado da Câmara de Vila Rica, José Caetano César Manitti Escrivão assistente, para se continuarem perguntas a José de Sá Bittencourt preso incomunicável nas mesmas cadeias; e sendo aí mandou o mesmo Conselheiro vir à sua presença o dito José de Sá, e lhe continuou as perguntas pela maneira seguinte.