Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Volume 8


Obra de referência:

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Brasília; Belo Horizonte: Câmara dos Deputados; Imprensa Oficial de MInas Gerais, 1978. 10 volumes..

Decreto de nomeação de José Caetano César Manitti e Tomás Antônio Gonzaga para Ouvidores na Capitania de Minas Gerais.

               Por Decretos da data deste fui servida fazer mercê ao Bacharel José Caetano César Manitti do lugar de Ouvidor do Sabará, e ao Doutor Tomás Antônio Gonzaga, do lugar de Ouvidor de Vila Rica, para os servirem por tempo de três anos e o mais que decorrer enquanto Eu não mandar o contrário. O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido e o faça executar pela parte que lhe toca. Samora, em vinte e sete de fevereiro de mil setecentos e oitenta e dois.

Rainha

Ode em homenagem ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, por Domingos Vidal de Barbosa Laje.

I

Brilhante luz, que me transporta, admiro!

Sinto em meu peito estranho movimento!

Que doce encanto! Novo ar respiro!

Já oiço no alto assento

A áurea trompa da deusa verdadeira

D’altas ações eterna pregoeira.

II

Ó Musa, de Luís a glória canto;

Prende-se a voz no rude e fraco jeito,

Palpita o coração cheio de espanto,

E cheio de respeito;

Pois com trêmula mão a lira afino.

Desça a inflamar-se o teu furor divino.

III

Eu vejo suspendida entre os ares

A grande tocha da imortal Verdade;

Santa Inocência, vejo os teus altares

Isentos de maldade!

Entre doirada nuvem luminosa

Alegre desce Astréia majestosa.

IV

A Justiça levanta o braço irado,

Açoita os monstros que o imortal veneno

Vomitam co’a desordem misturado;

O justo céu sereno

Abre com larga mão rico tesouro,

E manda por Luís a idade d’ouro.

V

A desonra e o adultério enfurecidos,

Por terra vendo o seu antigo império,

Da cândida Justiça perseguidos

Buscam outro hemisfério,

As feias negras asas desferindo,

Quais tímidas do açor pombas fugindo.

VI

A Paz, a doce Paz, terna e ditosa,

Por entre nós voando diligente,

Co’alegre manto cobre carinhosa

O justo e o inocente;

Já vemos o que o Fado prometia

Dias de gosto, dias de alegria.

VII

Se não vemos desfeitos fortes muros

Aos tristes ecos do terrível Marte

Entre globos de fumo altos e escuros,

Vemos Engenho e Arte

Que podem espalhar por toda a terra

Glória na Paz, nome imortal na guerra.

VIII

O irado tempo, que ansioso voa

N’alta carroça que com pressa gira,

Veloz o quente eixo fuma e soa,

Parando cheio d’ira,

A rouca voz soltou vociferando,

Da 1 oca pelos cantos escumando.

IX

Do infalível destino tenho ouvido

Que teu nome, no mundo respeitado,

Será do meu império defendido;

Mortal afortunado,

Escuta, a meu pesar, a profecia

Que se verá cumprida em algum dia.

X

Nesta foice, de ruínas instrumento,

Teu nome gravarei; co’ele lançando

A Glória dos Heróis no esquecimento,

Que a Fama anda cantando,

Voltarei contra mim o ódio e a inveja,

Sem que nenhum isento o mundo veja

XI

Serei triste e terrível homicida

D’altos Impérios, torres elevadas;

Pobre choupana a cinzas reduzida,

Cidades sublimadas,

Tudo consumirei; só tua glória

Verei subir ao Templo da Memória.

XII

Isto dizendo, o eco retumbava,

E de Luís o nome assinalado

Nas asas da virtude aos céus voava;

O mesmo velho irado

Por um pouco depõe a fúria insana,

Que tom de construir a raça humana.

XIII

E vós, Senhor, que unis no ilustre peito

Do bravo Marte ora terror e espanto,

Na sábia Deusa ora o sagrado efeito,

Não desprezeis meu canto:

As débeis novas forças inda rudes

Não podem bem louvar vossas virtudes.

Ofício do Intendente Geral de Polícia Diogo Inácio de Pina Manique ao Ministro Martinho de Melo e Castro sobre indústrias no Brasil e Cabo Verde.

                Dou parte a Vossa Excelência com toda a certeza que no Rio de Janeiro se acham estabelecidas duas fábricas de galão de prata e ouro e que na mesma cidade e no recôncavo dela e ainda nas Minas Gerais há também alguns teares de algodão e outros de algodão e seda que se vão multiplicando cada dia mais, pois até já os há nas Ilhas de Cabo Verde.

                Deixo à ponderação de Vossa Excelência as tristes consequências que se seguem destes estabelecimentos em uma Colônia.

Lisboa, 6 de fevereiro de 1784.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro

(a) O Intendente Geral da Polícia, DIOGO INÁCIO DE PINA MANIQUE

Alvará (Dona Maria): Proíbe fábricas de tecidos no Brasil, salvo panos grossos de algodão para uso de escravos e fardos.

                 EU A RAINHA: Faço saber aos que este Alvará virem que, sendo-me presente o grande número de fábricas e manufaturas que, de alguns anos a esta parte, se têm difundido em diferentes Capitanias do Brasil com grande prejuízo da cultura e da lavoura e da exploração das terras minerais daquele vasto continente, porque havendo nele uma grande e conhecida falta de população é evidente que, quanto mais se multiplicar o número dos fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores e menos braços haverá que se possam empregar no descobrimento e rompimento de uma grande parte daqueles extensos Domínios que ainda se acha inculta e desconhecida; nem as sesmarias, que foram outra considerável parte dos mesmos Domínios, poderão prosperar nem florescer por falta do benefício da cultura, não obstante ser esta especialíssima condição com que foram dadas aos proprietários delas; e até nas mesmas terras minerais ficará cessando de todo, como já tem consideravelmente diminuído a extração de ouro e diamantes; tudo procedido da falta de braços que, devendo empregar-se nestes úteis e vantajosos trabalhos, ao contrário, os deixam e abandonam ocupando-se em outros totalmente diferentes como são os das referidas fábricas e manufaturas; e consistindo a verdadeira e sólida riqueza nos frutos e produções da terra, as quais somente se conseguem por meio de colonos e cultivadores, e não de artistas e fabricantes; e sendo, além disto, as produções do Brasil as que fazem todo o fundo e base, não só das permutações mercantis, mas da navegação e do comércio entre os meus leais vassalos, habitantes destes Reinos e daqueles Domínios, que devo animar e sustentar em benefício de uns e outros, removendo na sua origem os obstáculos que lhe são prejudiciais e nocivos; EM CONSIDERAÇÃO DE TUDO O REFERIDO, HEI POR BEM ORDENAR que todas as fábricas, manufaturas ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados de ouro e prata; de veludos, brilhantes, cetins, tafetás, ou de outra qualquer qualidade de seda; de belbutes, chitas, bombazinas, fustões, ou outra qualquer qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca ou de cores; e de panos, baetas, droguetes, saetas, ou de qualquer outra qualidade de tecidos de lã; ou os ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou misturados e tecidos uns com os outros; excetuando tão somente aqueles dos ditos teares e manufaturas em que se tecem ou manufaturam fazendas grossas de algodão que servem para o uso e vestuário dos negros, para enfardar ou empacotar fazendas, e para outros ministérios semelhantes; todas as mais sejam extintas e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus Domínios do Brasil, debaixo da pena do perdimento em tresdobro do valor de cada uma das ditas manufaturas ou teares, e das fazendas que nelas ou neles houver e que se acharem existentes dois meses depois da publicação deste, repartindo-se a dita condenação: metade para o denunciante, se o houver; e a outra metade, pelos oficiais que fizerem a diligência, pertencerá aos mesmos oficiais. PELO QUE, MANDO ao Presidente e Conselheiros do Conselho Ultramarino, Presidente do meu Real Erário, Vice-Rei do Estado do Brasil, Governadores e Capitães Generais, e mais Governadores e Oficiais Militares do mesmo Estado; Ministros das Relações do Rio de Janeiro e Bahia; Ouvidores, Provedores e outros Ministros; Oficiais de Justiça e Fazenda e mais pessoas do referido Estado: cumpram e guardem, e façam inteiramente cumprir e guardar este meu ALVARÁ como nele se contém, sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário, as quais hei por derrogadas para este efeito somente, ficando, aliás, sempre em vigor.

                Dado no Palácio de Nossa Senhora da A juda, em cinco de janeiro de mil setecentos e oitenta e cinco.

RAINHA

MARTINHO DE MELO E CASTRO

Alvará porque Vossa Majestade é servida proibir no Estado do Brasil todas as fábricas e manufaturas de ouro, prata, sedas, algodão, linho e lãst ou os tecidos que sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou da mistura de uns com os outros, excetuando tão somente as de fazenda grossa do dito algodão.

(Para Vossa Majestade ver).

A fls. 59 do Livro em que se lançam os alvarás, nesta Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, fica este registrado. Sítio de Nossa Senhora da Ajuda, em 2 de março de 1785. FRANCISCO DEL A AGE.

5 — LISBOA, 11-08-1786.

Decreto de nomeação para Governador e Capitão General da Capitania de Minas do Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça.

               Atendendo à qualidade, merecimento e préstimo do Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça: Hei por bem de o nomear Governador e Gapitão-General da Capitania de Minas Gerais, que servirá por tempo de três anos e o mais que Eu for servida, enquanto lhe não nomear sucessor. O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido e lhe mande passar os despachos necessários. Palácio de Lisboa, em onze de agosto de mil setecentos e oitenta e seis.

RAINHA

6 – MONTPELLIER, França, 2-10-1786.

Senhor:

                 Tenho um assunto da maior importância para comunicar-vos; mas como o estado da minha saúde não me permite a honra de ir encontrar-vos em Paris, peço-vos digneis ter a bondade de dizer-me se posso com segurança comunicar-vos por carta, pois que sou estrangeiro e por isso pouco inteirado dos usos do país.

               Peço-vos perdão da liberdade que tomo e rogo-vos também que mandeis a resposta a Mr. Vigarous, Conselheiro do Rei e Professor de Medicina da Universidade de Montpellier. Sou com todo o respeito, Senhor, vosso humilde e obediente servo.

VENDEK

Senhor:

                 Acabo de receber a honra da vossa carta de 16 de outubro e muito me penaliza não a ter recebido mais cedo, mas tive de ficar no campo até agora por causa de minha saúde e já que vejo que as minhas informações vos chegam às mãos com segurança vou ter a honra de as comunicar.

                 Sou brasileiro e sabeis que a minha desgraçada pátria geme em atroz escravidão, que se torna todos os dias mais insuportável depois da vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros portugueses nada poupam para tornar-nos desgraçados com medo que vos sigamos as pisadas, e como sabemos que estes usurpadores, contra a lei da natureza e da humanidade, não cuidam senão de oprimir-nos, estamos decididos a seguir o admirável exemplo que acabais de dar-nos e, por conseguinte, quebrar as nossas cadeias e fazer reviver a nossa liberdade, que está de todo morta e oprimida pela força, que é o único direito que os europeus têm sobre a América.

                 Mas cumpre que haja uma potência que dê a mão aos brasileiros, visto que a Espanha não deixará de unir-se a Portugal e, apesar das vantagens que temos para defender-nos, não o poderemos fazer, ou pelo menos não seria prudente aventurar-nos, sem certeza de sermos bem sucedidos.

                Isto posto, senhor, é a vossa nação que julgamos mais própria para ajudar-nos, não somente porque foi quem nos deu o exemplo, mas também porque a natureza fez-nos habitantes do mesmo continente e, por conseguinte, de alguma sorte compatriotas; pela nossa parte estamos prontos a dar todo o dinheiro que for necessário e a manifestar a todo tempo a nossa gratidão para com os nossos benfeitores.

                Senhor, aqui tendes pouco mais ou menos o resumo das minhas intenções, e é para desempenhar esta comissão que vim à França, visto como eu não podia na América deixar de suscitar suspeitas naqueles que disto soubessem. Cumpre-vos agora ajuizar se elas são realizáveis e, no caso de quererdes consultar a vossa nação, estou habilitado para dar-vos todas as informações que julgardes necessárias.

                Tenho a honra de ser com a mais perfeita consideração, senhor, vosso muito humilde e muito obediente servo.

VENDEK

Em Montpellier, 21 de novembro de 1786.

PARIS, França, 26-12-1786.

                Paris, 26 de dezembro de 1786.

Senhor:

                Espero a cada momento fazer uma viagem pelas províncias meridionais da França. Demorei a resposta a vossa carta de 21 de novembro esperando poder anunciar-vos a data da minha partida, assim como o dia e o lugar em que eu poderia ter a honra de encontrar-vos; mas até agora este momento não está decidido.

                Todavia terei com certeza a honra de participar-vos e pedir-vos uma entrevista ou em Montpellier ou nas vizinhanças. Por enquanto tenho a honra de ser, com muito respeito, senhor, vosso humilde e muito obediente servo.

THOMAS JEFFERSON

Senhor:

                 A notícia, que acabo de ter a honra de receber da vossa viagem a essa parte da França, deu-me o maior prazer e felicidade por isso; porque eu via que me era essencialíssimo ter a honra de falar-vos, e o estado da minha saúde não me permitia fazer a viagem a Paris. Se eu pudesse saber o dia da vossa chegada a Nîmes e o vosso alojamento, não me privaria da honra de ali encontrar-me convosco, o que estou pronto a fazer em qualquer outro lugar que vos aprouver e para isso não espero mais que as vossas ordens. No entanto, lisonjeia-me de ser com o maior respeito, senhor, vosso muito humilde e obediente servo.

VENDEK

Em Montpellier, 5 de janeiro de 1787.

Senhora:

               Diz Joaquim José da Silva Xavier, Alferes da Cavalaria em Minas Gerais, que tendo algumas dependências da sua casa nessa Cidade nas quais estão cada vez mais deteriorando-se os seus bens por causa da falta da sua assistência, precisa que Vossa Majestade conceda licença por tempo de um ano para vir a essa Corte, findo o qual se recolhe logo a continuar a exercer o real serviço; portanto:

               Pede a Vossa Majestade seja servida facultar-lhe a licença por tempo de um ano, graça esta que Vossa Majestade tem concedido em iguais circunstâncias.

E. R. M.

               (Despachos) Por constar neste Conselho a justa precisão que o Suplicante tem da licença que pede, lhe concedem por um ano sem vencimento de tempo nem soldo. Lisboa, 4 de setembro de 1787.

               A Joaquim José da Silva Xavier, Alferes da Cavalaria em Minas Gerais, se há de passar provisão de licença por tempo de um ano para vir a esta Corte, e para pagar o direito que dever se lhe deu este bilhete. Lisboa, 8 de setembro de 1787.

Expedida por uma via em 8 de setembro de 1787.

NÎMES, França, 19-03-1787.

A José da Maia

Nîmes, 19 de março de 1787.

                Aproveito, senhor, o momento de minha chegada a Nîmes para avisá-lo. Ficarei aqui 3 ou 4 dias, depois dos quais partirei para Avinhão, Marselha etc.

                Ficaria encantado se sua proximidade me desse ocasião de vê-lo aqui. Neste caso, tenha a bondade de perguntar apenas pelo viajante estrangeiro que chegou hoje. É como simples particular que me anuncio e que me conhecem. Talvez o senhor ache mais cômodo alojar-se no mesmo hotel. Isto me seria tanto mais agradável, pois me colocaria mais em condições de conversar com o senhor e de externar-lhe os meus sentimentos.

THOMAS JEFFERSON

Senhor :

4 de maio de 1787.

                Na minha viagem a esta parte do país pude colher uma informação que tomarei a liberdade de comunicar ao Congresso. Em outubro próximo passado recebi uma carta datada de Montpellier a 2 de outubro de 1786, anunciando-me que o autor era um estrangeiro, que tinha assunto de muito grande importância para comunicar-me, e desejava que eu lhe indicasse o meio de levar avante o seu intento com segurança. Assim fiz. Pouco depois recebi uma carta que passo a transcrever, omitindo apenas as partes formais:

(Transcreve Documento 6 segunda carta de Vendek)

                Como àquele tempo me tinham aconselhado experimentar as águas de Aix, escrevi àquele cavalheiro comunicando-lhe a minha intenção e acrescentando que eu me desviaria do meu caminho até Nîmes, sob pretexto de ver as antiguidades daquela cidade, se ele quisesse vir encontrar-me ali. Ele veio, e o seguinte é o resumo das informações que me deu.

                O Brasil tem tantos habitantes quanto Portugal, que são: 1) portugueses; 2) brancos nativos; 3) escravos pretos e mulatos; 4) índios civilizados e selvagens.

                1) Os portugueses são poucos, casados ali pela maior parte; perderam de vista o país em que nasceram, assim como a esperança de tornar a vê-lo, e estão dispostos a tornar-se independentes. 2) Os brancos nativos formam o corpo da nação. 3) Os escravos são tão numerosos como a gente livre. 4) Os índios civilizados não têm energia, e os selvagens não se hão de intrometer. Há 20.000 homens de tropas regulares. A princípio eram portugueses; mas, à medida que foram morrendo, foram substituídos por naturais, de forma que estes compõem presentemente a massa das tropas, e o país pode contar com eles. Os oficiais são em parte portugueses, em parte brasileiros.

                Não se pode duvidar da sua bravura, e conhecem a formação em parada, mas não a ciência da sua profissão. Não têm inclinação por Portugal, nem ânimo para coisa alguma. O clero é metade português metade brasileiro e não se há de interessar muito. A nobreza é apenas conhecida como tal. Não se distingue do povo em cousa alguma.

                Os homens de letras são os que mais desejam uma revolução. O povo não se acha muito sob a influência dos seus padres; a maior parte sabe ler e escrever, possui armas e está acostumada a servir-se delas para caçar; os escravos tomarão o partido de seus senhores, pois efetivamente, em matéria de revolução, a opinião do país é unânime; mas não há quem seja capaz de conduzir uma revolução, ou quem queira arriscar-se à frente dela, sem o auxílio de alguma nação poderosa, visto que a gente do país pode falhar-lhe. Não há tipografias no Brasil. Consideram a revolução norte-americana como precursora da deles. Olham os Estados Unidos como o mais capaz de dar-lhes honesto apoio e, por uma variedade de considerações, nutrem a nosso favor as mais fortes suposições. O meu informante é natural do Rio de Janeiro, a presente metrópole, onde ele mora, e que conta 50000 habitantes. Ele conhece bem São Salvador, a antiga capital, assim como as minas de ouro que se acham no centro do país. Todas estas partes são favoráveis â revolução, e como formam o corpo da nação, as demais partes hão de acompanhá-las.

                O quinto real das minas produz 13 milhões de cruzados de meio dólar por ano. O rei tem privilégio exclusivo de lavrar as minas de diamantes e outras pedras preciosas, o que lhe dá cerca de metade daquele rendimento. Apenas o produto destas duas verbas rende-lhe por ano cerca de dez milhões de dólares; mas o resto da produção das minas, que orça por 26 milhões, deve considerar-se para efetuar a revolução.

                Além das armas que existem nas mãos do povo, há os arsenais. Os cavalos abundam, mas somente uma parte do terreno permite o emprego de cavalaria. Precisariam de artilharia, munições, navios, marinheiros e oficiais que estimariam receber dos Estados Unidos, ficando entendido que qualquer serviço ou fornecimento seria bem pago. O trigo custa cerca de 20 libras por quintal (100 litros). Têm carne fresca na maior abundância, a ponto que há lugares em que se matam os bois somente para aproveitar o couro. A pesca da baleia é toda feita por brasileiros, não por portugueses, mas em embarcações muito pequenas, de maneira que os pescadores não sabem manobrar navios grandes. A todo o tempo hão de precisar que lhes forneçamos embarcações, trigo e peixe salgado. Este peixe é um grande artigo, que recebem atualmente de Portugal.

                Como Portugal está desprovido de exército e marinha, não poderia tentar uma expedição antes de um ano. À vista dos meios exigidos por essas forças é provável que nunca Portugal tentasse segunda expedição. Na verdade, interceptada a fonte de sua riqueza, 'mal poderia tentar o primeiro esforço. A parte sensata da nação está tão persuadida disto que considera a separação inevitável no tempo.

                Reina entre brasileiros e portugueses ódio implacável. Para acalmá-lo um antigo ministro adotou o meio de nomear brasileiros para alguns empregos públicos; mas os gabinetes que se seguiram voltaram ao antigo costume de conservar a administração nas mãos dos portugueses.

                Existem ainda nos empregos públicos alguns nacionais anteriormente nomeados.

                Se a Espanha os invadisse pelas fronteiras do sul, estão estas tão distantes dos centros principais que não poderia atingi-los, além de um empreendimento espanhol nada ter de formidável.

                As minas de ouro acham-se no meio de montanhas inacessíveis a qualquer exército, e o Rio de Janeiro é tido como o porto mais forte do mundo, depois de Gibraltar. Se a revolução fosse bem sucedida, estabelecer-se-ia provavelmente um governo republicano unitário.

                Durante toda a nossa entrevista tive o cuidado de fazer ver ao meu interlocutor que eu não tinha instruções, nem autoridade, para dizer uma palavra a quem quer que fosse sobre este assunto, e que somente podia comunicar-lhe minhas ideias como simples particular. Disse-lhe que na minha opinião não estávamos presentemente em estado nacional de nos intrometer em uma guerra; que desejávamos particularmente cultivar a amizade de Portugal, com quem entretínhamos um comércio vantajoso. Todavia uma revolução bem sucedida no Brasil não podia deixar de interessar-nos; que as perspectivas do lucro poderiam atrair certo número de indivíduos em seu auxílio, assim como, guiados por motivos mais puros, oficiais nossos, entre os quais não faltavam militares excelentes; que os nossos concidadãos, tendo a faculdade de deixar individualmente o seu próprio país sem consentimento do governo, têm também a liberdade de ir para qualquer outra terra.

                Pouco antes de receber a primeira carta do brasileiro, um cavalheiro informou-me que havia em Paris um mexicano que desejava conversar comigo. Em seguida este procurou-me. A informação que colhi dele foi em substância como vou dizer. É natural do México, onde moram os seus pais. Deixou o seu país na idade de 17 anos e mostra ter agora 33 ou 34. Classifica e caracteriza os habitantes do México como se segue: l° os naturais da velha Espanha, detentores da maior parte dos empregos do governo, e que lhe são firmemente dedicados; 2° o clero igualmente dedicado ao governo; 3° os naturais do México, geralmente dispostos a revoltarem-se, mas sem instrução, sem ânimo e sob domínio dos seus padres; 4° os escravos, mulatos e negros, sendo os primeiros empreendedores e inteligentes, os segundos bravos e de máxima importância, qualquer que seja o lado a que se atirem, mas que ficarão provavelmente com seus senhores; 5° os índios conquistados, que é provável não tomem parte por ninguém covardemente; 6° os índios livres, bravos e formidáveis se interviessem, o que não é provável por se acharem em dissenção.

                Perguntei-lhe o número destas diferentes classes, mas não soube responder. Pensa que a primeira é pouco considerável; que a segunda forma a massa da gente livre; que a terceira é igual às primeiras; a quarta a todas três precedentes; e quanto à quinta, não pôde fazer ideia do seu número. Pareceu-me que as suas conjecturas não assentavam em base sólida. Disse-me saber de fonte segura que na Cidade do México havia 300000 habitantes.

                Mostrei-me ainda mais cauteloso com ele do que com o brasileiro.

                Disse-lhe que na minha opinião particular (sem estar autorizado a proferir palavra sobre o assunto) uma revolução bem sucedida no México ainda estava muito distante; que eu receava que primeiro que tudo fosse preciso esclarecer e emancipar intelectualmente o povo; que, quanto a nós, se a Espanha nos desse condições favoráveis ao nosso comércio e aplainasse outras dificuldades, não era provável que abandonássemos vantagens certas e presentes, ainda que pequenas, por outras incertas e futuras por grandes que fossem.

                Fui levado a ser cauteloso por saber que este cavalheiro era íntimo da casa do embaixador espanhol e que era então, em Paris, comissário da Espanha para ajustar os limites com a França nos Pirineus. Tinha ares de candura; mas esta podia ser fingida e não pude julgar por mim mesmo o que ele era.

               Levado pela associação de ideias e pelo desejo de dar ao Congresso uma apreciação geral dos nossos convizinhos do sul, tanto quanto posso, acrescentarei um assunto que, por velho e isolado, não julguei assaz importante para fazer dele menção quando o recebi.

               Está lembrado, Senhor, de que, durante a última guerra, os periódicos ingleses davam frequentemente pormenores da rebelião do Peru. A idoneidade dos referidos periódicos desacreditava a informação. Mas a verdade é que as insurreições eram tão generalizadas, que o acontecimento ficou muito tempo em destaque. Se o Comodoro Johnson, esperado então naquela costa, tivesse ali tocado e desembarcado 2.000 homens, estava acabado o domínio da Espanha naquele país. Os peruanos precisavam somente de um ponto de união, para formar corpo. Faltando-lhe este, obraram sem harmonia e foram subjugados separadamente, no decorrer do tempo.

               Esta conflagração foi liquidada em sangue. Morreram de ambos os lados 200.000 pessoas; mas o material que resta ainda é muito capaz de combustão. Obtive esta informação de pessoa que estava no cenário àquele tempo, e cuja boa fé, inteligência e meios informativos não deixam dúvida sobre os fatos.

               Observou, todavia, que o número de mortos acima referido se baseia apenas em conjecturas que ele pôde colher.

               Importuno o Congresso com estes pormenores porque, por mais afastados que estejamos (tanto em condição, como em disposições) de tomar parte ativa nas comoções daquele país, a natureza colocou-o tão perto de nós que os seus movimentos não podem ser indiferentes aos nossos interesses ou à nossa curiosidade.

                Consta-me que há outro arresto desta Corte aumentando os direitos sobre o bacalhau estrangeiro e estipendiando o próprio, importado das ilhas francesas; mas, não o tendo visto ainda, nada posso dizer de positivo a este respeito. Espero que o efeito desta política fique anulado na prática, pois me consta que, nos bancos da Terra Nova, passamos o nosso peixe para os pesqueiros franceses, gozando eles do incentivo, ao invés de nós pagarmos direitos. (...)

                Tenciono seguir amanhã para Bordéus (pelo Canal do Languedoc), Nantes, Lorient e Paris.

                Tenho a honra de ser, com os sentimentos da mais perfeita estima e consideração, senhor, seu mais obediente e humilde servo.

THOMAS JEFFERSON

Decreto alterando nomeações dos Ouvidores Francisco Luís Álvares da Rocha, Marcelino Pereira Cleto, e Joaquim Antônio Gonzaga.

                Por justos e particulares motivos que me foram presentes e se fizeram dignos da minha real consideração, HOUVE POR BEM fazer mercê: ao Bacharel Francisco Luís Álvares da Rocha, atual Ouvidor do Rio de Janeiro, do lugar de Ouvidor do Rio das Mortes, para o qual havia nomeado o Bacharel Manuel Joaquim Lopes Pereira Negrão, a quem tenho provido em outro lugar; ao Bacharel Marcelino Pereira Cleto, do lugar de Ouvidor do Rio de Janeiro em lugar do de Porto Seguro, para que se achava nomeado; e ao Bacharel Joaquim Antônio Gonzaga, do lugar de Ouvidor do Serro do Frio, em lugar do de Ouvidor de Goiás, em que se achava despachado; ficando sem efeito as outras mercês, que nestas ficam sub-rogadas. E servirão todos os referidos lugares, em que ora vão nomeados, por tempo de três anos, e o mais que decorrer enquanto Eu não mandar o contrário.

                O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido e laça executar pela parte que lhe toca.

                Vila das Caldas, em doze de julho de mil setecentos e oitenta e sete.

RAINHA

Requerimento do Visconde de Barbacena para obter uma botica para sua assistência em Minas.

Senhora:

                Diz o Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça, que tendo Vossa Majestade feito mercê de mandar dar uma botica a alguns dos Governadores das Capitanias de Ultramar que a têm requerido e ultimamente ao Governador de Pernambuco, Dom Tomás de Melo, e considerando-se o Suplicante nas mesmas circunstâncias, por se achar nomeado para o Governo da Capitania das Minas Gerais, ainda mais distante, onde por conseguinte são mais dificultosas e de maior despesa as coisas necessárias, recorre a Vossa Majestade para que seja servida fazer-lhe a mesma graça.

                P. a Vossa Majestade haja por bem mandar passar as ordens necessárias para se lhe dar a dita botica na forma que o Suplicante pretende.

E. R. M.

VISCONDE DE BARBACENA

                (Despacho:) Responda o Tesoureiro. Lisboa, 6 de outubro de 1787.

Requerimento do Visconde de Barbacena ao Ministro Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Domínios Ultramarinos, de um engenheiro para acompanliá-lo às Minas.

                Como Vossa Excelência me permitiu esta liberdade, sempre me aproveito dela para dizer a Vossa Excelência que os meus doentes achando-se com melhoria, presentemente se julga que poderão, com as precauções convenientes, embarcar sem maior risco no dia determinado.

                Eu tive a honra de representar a Vossa Excelência há tempo, que seria conveniente haver nas Minas uma verruma ou sonda de terra e agora aproveito também esta ocasião de por na lembrança de Vossa Excelência este negócio, assim como também a necessidade que considero naquela Capitania de um oficial engenheiro, o qual se fosse possível achar-se com talento e com bons princípios e lição, além da sua prática, poderia sobre o emprego e diligências, que lhe são próprias, também suprir a falta do arquiteto maquinista e mineiro que lá deveria haver para aperfeiçoar e reduzir a algum método aqueles trabalhos; mas torno a pedir instantemente a Vossa Excelência o favor de não fazer valer para este fim de qualquer modo a lembrança que fiz em outro tempo de um determinado sujeito, pois ainda que o fim principal que tive com ela foi a utilidade e bom serviço de Sua Majestade, como é crível que isto mesmo se possa conseguir com outros oficiais, convém muito agora esta cautela à minha delicadeza e ao verdadeiro motivo desta representação; além disto como ele perdeu toda a esperança de ser nomeado e não está há dias em Lisboa, poderia ter muito incômodo vendo-

-se obrigado a partir com tanta brevidade para tão longa jornada, ainda que entendo que o desejo que ele tinha de se empregar efetivamente no serviço de Sua Majestade será sempre o mesmo.

               Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos. Lisboa, 24 de janeiro de 1788.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro

De Vossa Excelência

Amigo muito obrigado e fiel cativo

Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça

Instrução para o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General nomeado para a Capitania de Minas Gerais, por Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Domínios Ultramarinos.

INSTRUÇÃO

I — Da Capitania de Minas Gerais

                1 — A Capitania de Minas Gerais, de que Sua Majestade confiou a Vossa Senhoria o governo, é, pela sua situação e pelas suas produções, uma das mais importantes de todas as outras capitanias de que se compõem os domínios do Brasil e América Portuguesa.

                2 — Acha-se a dita Capitania no centro daqueles domínios e, confinando ao mesmo tempo com as Capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, podem estas receber dela, particularmente a do Rio de Janeiro, os socorros e assistências que lhes são indispensavelmente necessários nos diversos acidentes a que se acham expostas todas as colônias que têm portos de mar, principalmente em tempo de guerra.

3 — Consistem as principais produções da referida Capitania de Minas em ouro e diamantes, estes consignados exclusivamente aos reais cofres mas estendendo-se aquele precioso metal pelas outras Capitanias, insensivelmente promove nelas a cultura de todo aquele continente, de que se tiram copiosos frutos que vêm ultimamente enriquecer os vassalos deste Reino, e igualmente o Real Erário.

               4 — Estas são, em parte, as vantagens (...) o comércio e o giro interior e externo, até que o mesmo ouro, diamantes e as mais produções de todos aqueles domínios se conduzam aos portos deste Reino por meio de um útil comércio e navegação nacional. De sorte que a Capitania de Minas, tomada como se deve tomar neste ponto de vista, é uma colônia portuguesa vantajosamente situada, a qual em tempo de guerra pode contribuir poderosamente para a defesa e segurança das outras Capitanias, muito particularmente da capital do Brasil, como já tem acontecido em algumas ocasiões. E, em tempo de paz, fertiliza com o seu ouro os campos e terras com que a natureza dotou a Capitania de Minas Gerais em nosso benefício; e elas bastam para se formar uma ideia da sua importância. O nosso descuido, porém, e negligência, e a relaxação e abusos que nela deixamos não só introduzir, mas radicar, nos têm privado, privam e privarão de quase todas elas, enquanto por meio de um sólido, ativo e prudente governo, qual é o que Sua Majestade espera e confia de Vossa Senhoria, se não corrigir os ditos abusos e relaxações, restabelecendo-se em lugar deles a ordem e regularidade nas partes mais importantes do mesmo governo, quais são as seguintes: cultura das terras, facilitando-lhes ao mesmo tempo a permutação dos seus frutos e produções, por meio de um comércio lícito e permitido, interior e externo; 5°) Que se tomem as cautelas que forem praticáveis para se evitarem os contrabandos e descaminhos; 6°) Que se tenha um vigilante cuidado na conservação e disciplina da tropa e forças da Capitania; Que, enfim, haja o maior cuidado e vigilância na boa e exata administração e arrecadação da Real Fazenda.

               5 — Estes são os pontos fundamentais que, sendo bem dirigidos, farão dentro de breves tempos florescer e prosperar aquela importantíssima colônia portuguesa, assim como os abusos e relaxações nela introduzidos a têm reduzido à maior decadência. E para que Vossa Senhoria os possa melhor conhecer e buscar os meios de os desterrar, lhe apontarei aqui, pela mesma ordem acima indicada, os que se fazem mais dignos de seu cuidado e vigilância.

I — Dos Eclesiásticos

               6 Quanto ao primeiro: é certo que a mais indispensável obrigação que a Igreja impôs aos seus ministros, principalmente aos que têm cura d’almas, é a de ensinar aos povos os preceitos da lei que professam, pregar-lhes o Evangelho, administrar-lhes os sacramentos, e conduzi-los com zelo, desinteresse e regular comportamento de um bom e exemplar pastor, ao grêmio da Igreja de quem são filhos.

               7 — Os párocos de Minas Gerais, porém, invertendo esta doutrina, a têm apropriado em grande parte aos seus reprovados e particulares interesses, dando ocasião a repetidas e multiplicadas queixas que, desde tempos anteriores até agora, têm sucessivamente chegado à Real presença: de insuportáveis e forçadas contribuições debaixo do pretexto de direitos paroquiais, benesses e pés de altar com que os mesmos párocos obrigavam e obrigam aos seus fregueses a lhes contribuir.

               8 — Sensível a estes clamores, ordenou o Senhor Rei Dom João V, em 1718, ao Bispo do Rio de Janeiro, Frei Francisco de São Jerônimo, que naquele tempo também o era de Minas Gerais, que os fizesse cessar. E para tirar aos ditos párocos todo o pretexto de vexarem os povos, lhes conferiu da sua Real Fazenda a côngrua, ou ordenado, de 200$00 réis por ano a cada um.

               9 — Em consequência da sobredita ordem, expediu o Bispo do Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1719 a provisão que Vossa Senhoria achará junto debaixo do número 1, da qual se vê que, sendo as vexações de que os povos se queixavam procedidas das extorsões que os párocos lhes faziam, não só com os escritos de desobrigação da quaresma, a que chamavam e ainda chamam conhecenças, mas também com as imposições extraordinárias que exigiam pelos casamentos, batismos, enterros, sepulturas, acompanhamentos, funerais, encomendações, missas cantadas ou rezadas, festivas ou de defuntos, ditas em altar privilegiado ou não-privilegiado, sem que houvesse sacramento, nem função ou cerimônia da Igreja, até os mesmos toques de sinos, sobre que não houvesse uma contribuição taxada a arbítrio dos ditos párocos e a cargo dos habitantes de Minas; o Bispo do Rio de Janeiro, contudo, passando em silêncio todas essas extorsões que, na mesma provisão, se diz montarem tanto como os quintos, somente trata na dita provisão de ocorrer ao imposto sobre as conhecenças, ou escritos de confissão, taxados pelos párocos a uma oitava de ouro, ou 1$500 réis, e reduzidos pelo Bispo à quinta parte da mesma oitava, ou 300 réis cada um, indistintamente pela comunhão, ou somente pela confissão.

               10 — Por este modo, ficaram aqueles povos muito mais oprimidos que precedentemente estavam, porque além de ser ainda muito onerosa a contribuição de 300 réis por cada escrito de comunhão ou somente de confissão, o silêncio, que o Prelado guardou a respeito de todas as outras imposições e taxas, foi reputado pelos párocos como um tácito consentimento ou aprovação sua. E nesta inteligência, entravam demandas que os arruinavam de todo, principalmente com espórtulas e outras exquisições não menos opressivas da Justiça Eclesiástica, Chancelaria e Câmara Episcopal, além de encontrarem sempre naquele Juízo uma decidida propensão a favor das injustas pretensões dos párocos.

               11 — Nesta consternação, continuaram as representações e clamores dos povos de Minas a subir à Real presença. E o Senhor Rei Dom João V, conhecendo o pouco que podia esperar do Bispo do Rio de Janeiro em semelhante matéria, mandou ao Conde de Galvêias, então Governador e Capitão-General de Minas Gerais, que convocasse uma junta de ministros seculares, com alguns eclesiásticos por comissão do Bispo, à qual junta ele, Governador, assistiria, para se tratar e determinar uma reforma geral, assim dos emolumentos dos párocos de Minas, como dos oficiais de justiça secular e eclesiástica, com o mais que consta da provisão expedida em 20 de janeiro de 1735, que vai debaixo do número 1 (também).

               12 — Não consta o que resultou da mencionada junta nem o que se determinou em consequência dela. Erigindo-se, porém, o novo Bispado de Minas Gerais e separando-se aquela Diocese da do Rio de Janeiro, foi nomeado para Bispo de Mariana o Frei Manuel da Cruz, religioso de São Bernardo. Este novo Prelado, levando, como era natural que levasse, ordens desta Corte para fazer cessar as vexações dos povos de Minas e a ambição dos párocos sobre os denominados direitos paroquiais, fez um regimento em 20 de outubro de 1749, que vai debaixo do número 2, no qual, ainda que pretende haver diminuído em grande parte os ditos direitos paroquiais em consideração das representações e queixas dos povos, basta a simples inspeção do dito regimento para se ver a exorbitância dos impostos que ainda ficaram a cargo dos mesmos povos.

                13 — Por cada missa cantada em todas as festividades do ano, manda que se deem ao pároco, diácono, sub-diácono e sacristão 9 oitavas de ouro, ou 13$500 réis, além da cera. Pela Semana Santa manda dar ao pároco, a dois acólitos e ao sacristão 62 oitavas, ou 93$000 réis, e além disto, ao que cantar o texto, o que se ajustar; e a cada padre assistente 4 oitavas, ou 6$000 réis, além da cera de toda a Semana Santa que toda deve ser do pároco. Havendo procissão, manda dar mais ao pároco e subdiácono 2 oitavas, ou réis, e havendo vésperas, mais ao pároco, diácono e subdiácono 4 oitavas e meia, ou 6$750 réis As mais funções da Igreja são taxadas nesta mesma proporção sem que se possa compreender qual seja o direito que têm os Bispos, ou os párocos, para imporem sobre os povos, a seu arbítrio, semelhantes contribuições que, ainda que lhes queiram dar, como dão, o título de esmolas — que são e devem ser voluntárias — o Bispo obriga os povos, no dito regimento, que as paguem debaixo da pena de excomunhão maior.

                14 — O que há de mais singular no dito regimento é que, depois de haver taxado o preço que os povos deviam dar por cada uma das sobreditas funções da Igreja, ainda o Bispo foi excogitar os pais de família, ou outros quaisquer fregueses que falecessem sem testamento, ou com ele, tendo bens de que lhes ficasse terça, para lhes impor a obrigação de se fazerem três ofícios até onde ela chegasse, e se darem ao pároco, por cada um dos ditos ofícios e missa 8 oitavas, ou 12$000 réis; ao diácono e subdiácono, outras oito; e aos mais sacerdotes assistentes, 2 oitavas a cada um, além de mais meia oitava pela missa.

               15 — Este foi o primeiro regimento da pretendida reforma do Bispo de Mariana sobre os abusos dos direitos paroquiais, o qual sendo apresentado ao Senhor Rei Dom José I, que Deus tem em glória, e vendo nele o excesso e exorbitância com que os povos ainda ficavam gravados, houve por bem mandar interinamente que se observasse o dito regimento enquanto não resolvia afinal o que se deveria praticar, reprovando porém, desde logo, a nova introdução dos três ofícios com que o Bispo queria gravar ainda mais os vassalos de Sua Majestade, como tudo se vê na Provisão com data de 29 de março de 1751 que vai no fim do dito regimento debaixo do número 3.

                16 — Sucedeu neste tempo abolir-se a Lei da Capitação em que a oitava de ouro corria no comércio pelo valor de 1$500 réis, e estabelecer-se a Lei do Quinto em que a oitava de ouro se mandou correr pelo valor de 1$200 réis, ficando a quinta parte da dita oitava para pagamento do quinto à Real Fazenda. E depois desta alteração, continuando os habitantes de Minas a pagar os direitos paroquiais em oitavas, que é e era em Minas a moeda corrente, se opuseram os párocos pretendendo ser indenizados pelos povos da quinta parte da oitava reservada pela Lei para a mesma Real Fazenda. E que, nesta conformidade, receberiam cada oitava de ouro pelo valor corrente de 1$200 réis, ou a quinta parte da mesma oitava para suprir a que a Fazenda Real se reservou.

                17 — Clamaram os povos contra esta nova extorsão, mas inutilmente. Porque, recorrendo ao Bispo, saiu este com outro regimento que tem a data de 13 de abril de 1752 e vai debaixo do número 4, no qual não se pode ocultar a arte com que foi feito a favor da pretensão dos párocos e em gravíssimo prejuízo dos mesmos povos, pois que, repetindo-se no dito posterior regimento os mesmos artigos do precedente, se faz neles a mudança de pagarem os povos em réis os direitos paroquiais que, no antecedente regimento, se mandava pagar em oitavas, estimando-se, porém, cada oitava não a 1$200 réis, mas como valia no tempo da capitação abolida. E, por esta forma, achando os povos taxados no anterior regimento, por exemplo, em 4 oitavas de ouro, que se mandavam dar ao pároco por uma missa festiva ou cantada, os povos com as ditas 4 oitavas não mais satisfaziam a dita imposição no posterior regimento, porém o Bispo os obriga a pagarem ao pároco, pela mesma missa cantada, o valor de 6$000 réis Os povos, que devem pagar em oitavas por ser o dinheiro corrente pela Lei do Quinto, não lhes bastam as 4 que anteriormente lhes eram impostas, mas é preciso darem cinco para satisfazer a imposição dos sobreditos 6$000 réis, o que é o mesmo no efeito que os párocos queriam. Donde resulta que os habitantes de Minas, em lugar do alívio que esperavam de seu Prelado, este os gravou, ao contrário, com uma quinta parte mais dos precedentes impostos não só a respeito das missas, mas de todos os mais artigos dos chamados direitos paroquiais.

               18 — O que, porém, há no dito posterior regimento ainda de mais extraordinário é que, depois de ter o Senhor Rei Dom José reprovado e proibido os três ofícios com que o Bispo quis ainda mais gravar os povos, como se vê da Provisão de 29 de março de 1751 acima indicada, o sobredito Bispo, não obstante o disposto na dita Provisão, tornou não só a excitar outra vez a obrigação de se fazerem os referidos três ofícios debaixo de graves penas, mas a impor, sobre o preço anteriormente taxado neles, mais a quinta parte, servindo-se do mesmo método acima referido.

               19 — Estes são, enfim, os meios e modos de que os párocos de Minas Gerais, auxiliados pelos seus Bispos, se têm servido para fazerem, à custa de repetidas violências e taxações, tão rendosas as suas Igrejas, como consta da relação junta debaixo do número 5. E ainda que seja certo que quem trabalha no altar é justo que viva do altar; que o operário deve tirar proveito do seu trabalho; que os povos devem contribuir para a cômoda e decente sustentação dos seus párocos; não é menos certo que eles não devem abusar, nem se lhes deve por modo algum permitir que abusem destes inegáveis princípios para lhes servirem de pretexto aos seus particulares e reprovados interesses.

                20 — Nestas circunstâncias, ordena Sua Majestade que Vossa Senhoria, tratando esta importante matéria com o atual Bispo de Mariana, lhe diga no seu Real Nome que, ainda que a gravidade do negócio de que se trata exigia que ele se examinasse e decidisse em uma Junta semelhante à que o Senhor Rei Dom João V mandou formar em 1735, Sua Majestade portanto confia na prudência, integridade e distinto conhecimento dele Bispo, que, de acordo e inteligência com Vossa Senhoria, se forme logo um regimento no qual, desterrando-se as excessivas e intoleráveis contribuições com que até agora se têm oprimido e vexado os povos debaixo do ocioso pretexto de direitos paroquiais, se reduzam estes a umas justas e moderadas prestações dos povos com que os párocos tenham precisamente o necessário para a sua cômoda e decente sustentação e para poderem cumprir com as obrigações de seu ministério, sem que seja preciso contribuir a Fazenda Real com duzentos mil réis por ano a cada pároco, como até agora tem feito, mas reduzindo-se a cinquenta mil réis por ano a cada um e ficando os restantes 150$000 réis para se consignarem a outras muitas igrejas e paróquias do Brasil, às quais, não tendo fregueses nem paroquianos em estado de poder contribuir com coisa alguma, é preciso que a real fazenda assista com todo o necessário, não só para sustento dos párocos das referidas igrejas e paróquias, mas para a fábrica, ornamentos e conservação delas. E logo que o dito regimento se achar concluído, será remetido à real presença, para que Sua Majestade, achando-o conforme com as suas reais intenções, o aprove e mande dar a sua devida execução, ou determine o que lhe parecer mais conveniente.

               21 — Também tem chegado ao conhecimento de Sua Majestade outro gênero de contribuições, não menos violento e opressivo, com que têm gravado notavelmente os seus vassalos de Minas, qual é o das excessivas somas que deles se exigem, e com que os fazem contribuir nas ocasiões de visitas e diligências que se mandam fazer pelo Bispado, e com todas as dependências dos que as têm na câmara e chancelaria episcopal, e no juízo eclesiástico do mesmo Bispado, não havendo despacho, ordem, processo, nem diligência alguma, para que não façam contribuir os povos com taxas consideráveis por conta das espórtulas, emolumentos, prós e percalços destinados a benefício da mitra e dos juízes e oficiais de cada uma das sobreditas três repartições.

               22 — Já no ano de 1735 chegaram os abusos nesta matéria a tal excesso que um dos motivos que houve para se mandar formar a junta dos ministros, que se formou naquele ano, foi não só a reforma geral dos emolumentos dos párocos, mas dos oficiais da justiça secular e eclesiástica; e em 1743, o Governador e Capitão-General de Minas Gerais, Gomes Freire de Andrada, em ofício dirigido a esta Corte tratando da mesma matéria, se explica nos termos seguintes: — “Os emolumentos de alguns ministros, como são os de missas e direitos paroquiais, levam de Minas tanto cabedal como a capitação”. — E daquele ano até hoje têm os mesmos abusos crescido, de sorte que deram ocasião às muitas e repetidas queixas que os habitantes de Minas puseram na real presença para os coibir. E nesta certeza também, Sua Majestade ordena que Vossa Senhoria o declare assim ,no seu real nome, ao Bispo atual, para que ele faça cessar as referidas vexações com a inteira e geral reforma dos mencionados abusos, dando conta individual e circunstanciada a Sua Majestade por onde conste de assim o haver praticado, confiando Sua Majestade nas virtudes e exemplar comportamento daquele prelado que, na reforma de que presentemente se trata e em tudo o mais que lhe for concernente, obre ele sempre de acordo com Vossa Senhoria, desterrando-se de uma e outra parte todas as contestações e conflitos de jurisdição, e estabelecendo-se entre o dito prelado e Vossa Senhoria a melhor inteligência e a mais perfeita harmonia, porque este é o único e suavíssimo meio de poderem contribuir reciprocamente para o bem e prosperidade da Igreja e do Estado.

II — Da Justiça

                23 — Quanto ao segundo ponto, como a administração da justiça se acha inteiramente cometida aos ministros a quem Sua Majestade conferiu e confere os lugares de letras e a autoridade de julgar com total independência dos Governadores, não devem estes por modo algum intrometer-se direta, nem indiretamente, nesta parte do poder supremo, delegado tão-somente aos referidos ministros para o exercitarem no seu real nome. Da mesma sorte não devem os ditos Governadores mandar suspender, prender, ou desterrar, nem proceder por meios alguns coativos, violentos, ou de força, contra os referidos ministros, nem o poderão praticar sem incorrer no real desagrado, arrogando-se um poder que Sua Majestade lhes não conferiu.

                24 — Devem porém os ditos ministros respeitar e conhecer os Governadores como seus legítimos superiores, obedecer e executar o que por eles lhes for determinado; e quando as ordens que lhes derem forem contrárias às leis, ou envolverem outros graves inconvenientes, os ministros os devem representar aos mesmos Governadores com a moderação e respeito com que os superiores devem ser tratados; e no caso que estes, não obstante as ditas representações, insistirem pela execução das suas ordens, os ministros as devem executar, sem entrar com eles em ulteriores disputas e contestações, dando porém logo conta a Sua Majestade, a quem os Governadores são responsáveis do seu bom ou mau comportamento.

               25 — Os mesmos Governadores devem ter um vigilante cuidado em administrarem pronta justiça aos povos; que os não oprimam prolongando os seus processos, ou exigindo deles espórtulas e contribuições que não sejam as taxadas pelas leis; sobretudo que não sejam flexíveis às tentações do vil interesse, nem se deixem dominar de uma feia e sórdida ambição, que é a fonte de todos os males e das maiores injustiças; e os ministros, que infelizmente caírem em semelhantes absurdos, devem ser com toda a circunspecção e severidade admoestados, advertidos e ainda repreendidos pelos seus respectivos Governadores; e quando estas correções não produzam o seu devido efeito, os mesmos Governadores, não só por uma indispensável obrigação dos lugares que ocupam, mas porque sua Majestade assim o determina e ordena, lhe devem logo dar uma individual e circunstanciada conta, debaixo da pena de incorrerem no seu real desagrado os que assim o não praticarem, para se ocorrer aos perniciosos danos que resultam de ministros tais que em lugar de administrarem justiça aos povos com retidão e integridade, fazem dela torcedor para os seus sórdidos e particulares interesses; devendo este importante negócio ocupar tanto mais o cuidado de Vossa Senhoria quanto é certo que uma grande parte dos abusos e prevaricações, que têm pervertido e pervertem a ordem e regularidade do governo de Minas, tem a sua origem nas violências e injustiças que os ministros praticam nas correições e outras diligências a que vão no interior da Capitania, de que se fazem pagar, e aos seus oficiais, grossos salários, emolumentos e outras contribuições, as mais delas a seu arbítrio; nos meios indiretos de que se servem, ou que deixam praticar os mesmos oficiais, letrados, procuradores e outros indivíduos que vivem de contendas forenses, para se multiplicarem os processos por conta da utilidade que deles lhes resulta, introduzindo no povo o espírito de chicana e de litígio que por todos os lados o conduz à sua total ruína; na omissão, indiferença e negligência dos intendentes, com as devassas gerais por conta dos contrabandos e extravios do ouro, as quais têm reduzido a uns procedimentos de forma e de chavão, sem que jamais apareçam culpados nas ditas devassas sendo tantos os contrabandistas e extraviadores, do que se conhece a absoluta inutilidade das intendências para os fins a que foram criadas; ultimamente, nas dilações e demoras com que os sobreditos ministros, por vistas ambiciosas e venais, eternizam muitas vezes os processos, não só para lhes serem mais rendosos os emolumentos e espórtulas que deles tiram, mas por contemplação dos que têm interesse em os retardar ou suspender, não sendo isentos destas prevaricações nem ainda os mesmos processos e execuções pertencentes à real fazenda, de que adiante se tratará mais amplamente para Vossa Senhoria, fazendo a este respeito todas as exatas e circunspectas averiguações, logo que chegar, tome aquelas providências que couberem nos limites da sua jurisdição, ou dê conta a Sua Majestade para os coibir.

III — Da Insubmissão Popular em Minas

               26 — Quanto ao terceiro ponto: entre todos os povos de que se compõem as diferentes capitanias do Brasil, nenhuns talvez custaram mais a sujeitar e reduzir à devida obediência e submissão de vassalos ao seu Soberano, como foram os de Minas Gerais. Os primeiros habitantes daquela Capitania foram uns aventureiros da Capitania de São Paulo, que penetrando os matos e sertões com o fim de descobrirem minas de ouro, as vieram achar nos sítios onde se estabeleceram e em que presentemente existem, conhecidos por Minas Gerais, nome que depois se estendeu a toda a capitania.

                27 — Com a notícia destes descobrimentos, sairam do Rio de Janeiro e de diversas partes outros semelhantes aventureiros, e vieram também estabelecer-se nos mesmos sítios; houve contendas e ataques entre uns e outros, e o mais poderoso era regularmente o que mais dominava. Os governadores de São Paulo, a cuja capitania pertenciam os primeiros descobridores, expediam ordens que, ou não eram obedecidas, ou pela grande distância e difícil passagem não chegavam àqueles a quem se dirigiam. Nomearam-se governadores para Minas Gerais, e o primeiro foi obrigado a retirar-se, deixando o governo ao levantado Manuel Nunes Viana que, depois de ter com os seus sequazes destroçado os paulistas de viva força, se arrogou despoticamente comandante de Minas, criou lugares, deu postos e procedeu a outros atos, nos mostrando não só que aspirava ao governo, mas ao domínio.

                28 — Nomearam-se outros governadores que, ainda que foram recebidos depois de um perdão geral acordado aos habitantes de Minas pelas desordens passadas, se viram ainda assim obrigados a condescender com os mais poderosos e régulos, disfarçando em umas ocasiões as suas iniquidades, porque, não tendo forças, não as podiam reprimir nem castigar, e em outras ocasiões servindo-se deles para os atrair e os ter contentes e propícios.

                29 — Quis-se dar método ao estabelecimento e cobrança dos direitos reais do quinto na forma determinada no regimento de 8 de agosto de 1618. E os habitantes de Minas iludiram as disposições daquela lei ao ponto que os paulistas, refugiados e estabelecidos em Pitangui depois de expulsos de outras partes por Manuel Viana, chegaram de sua própria autoridade e comum acordo a por pena de morte a quem pagasse o quinto; e efetivamente um Jerônimo Pedroso, que pretendeu cobrar, se salvou fugindo mortalmente ferido; e a seu irmão Valentim Pedroso, que veio em seu socorro, tiraram cruelmente a vida.

                30 — Dom Braz da Silveira ou, antes dele, Antônio de Albuquerque, com grande trabalho estabeleceu o pagamento do quinto pelo método chamado das bateias, que consistia em se avençarem os povos na quantia de um número de arrobas de ouro, que em tempo de Dom Braz chegou a vinte e cinco arrobas, pagando-se por cada escravo mineiro umas tantas oitavas, e o que faltasse para as vinte e cinco arrobas, haver-se por derrama. Clamaram os povos contra este método, chegando a levantar-se por conta dele nas minas de Ouro Preto; e seguindo-se depois o mesmo método com grandes desordens e perturbações e com pouco proveito da real fazenda, assim foi achar aquela capitania o Conde de Assumar, sucessor de Dom Braz da Silveira.

                31 — Todos, ou a maior parte dos régulos e levantados motores das precedentes desordens, se achavam em Minas Gerais à sombra do perdão geral que haviam obtido, e entre eles o maior de todos, Manuel Nunes Viana, associado com outro semelhante chamado Manuel Rodrigues Soares; e além destes, outros que, com o seu exemplo, não eram menos absolutos; e todos, cada um a seu modo, com maior ou menor influência nos povos e proporcionadamente com um grande número de escravatura, que conduziam a seu arbítrio; sendo o grande objeto dos referidos magnatas e potentados a independência das leis e do governo; e o mais favorecido sistema, assim deles como dos povos, a isenção de pagarem quinto e fraudarem a real fazenda por todos os modos possíveis, pretendendo persuadir, entre outros absurdos, que com os direitos das alfândegas e entradas de Minas satisfaziam a contribuição do quinto, e não deviam pagar outra do ouro extraído das minas, querendo por este modo limitar o poder e autoridade régia em por os direitos que bem lhe parecer naquelas colônias de que os Senhores Reis destes Reinos são absolutos senhores, muito particularmente das terras minerais, que sempre reservaram para o seu próprio e particular domínio, não sendo os que trabalham nelas mais que uns simples foreiros ou arrendatários.

                32 — Cuidou o Conde Governador, por meios suaves e brandos, em submeter os referidos magnatas, e fazê-los reconhecer a autoridade das leis e do governo, e à proporção que os obrigava, encontrava neles maior repugnância e resistência, principalmente em se avençarem os habitantes ao pagamento do quinto, que ainda assim pôde fazer subir a trinta arrobas de ouro, em lugar de vinte e cinco, em que precedentemente se tinha avençado.

                33 — Tendo chegado a Lisboa a notícia das inquietações dos povos de Minas, e representações dos mesmos povos, pois que se abolia o método de que se queixavam, saiu a lei de 11 de fevereiro de 1719, na qual se ordenava que, à publicação dela, se não procedesse mais pelo referido método, e que em lugar dele se erigissem casas de fundição, onde se levasse e fundisse o ouro e ali se pagasse o quinto, com o mais que consta da referida lei que vai debaixo do número 6.

                34 — Logo que a mesma lei, e ordens para a executar, chegaram a Minas Gerais, em lugar de se contentarem os povos, pois que se abolia o método de que se queixavam, ao contrário, se viu um levantamento repentino de todo o povo da Vila Rica, o qual, conduzido por alguns dos cabeças que disfarçadamente o inflamavam, depois de cometer várias desordens, particularmente na casa do Ouvidor que com a fuga salvou a vida, veio em tumulto à Vila do Carmo, onde o Conde Governador se achava, e junto das suas casas, e pelos seus procuradores que fez subir à presença do mesmo Conde, requereu e insistiu que se não erigissem casas de fundição, além de outras diferentes pretensões. E achando-se o Conde sem tropas nem forças suficientes com que pudesse rebater a fúria do tumulto, foi obrigado a condescender, não só com a promessa de que não haveria casas de fundição, mas em tudo o mais que os levantados pretendiam, sendo este o único meio que então houve para se salvar do iminente perigo que o ameaçava.

                35 — Sossegou o povo com a inteira condescendência e promessas do Governador, e por então se retirou satisfeito à Vila Rica; mas não cessaram logo depois as inquietações e tumultos sugeridos e fomentados pelos cabeças que dirigiam o mesmo povo a um dos dois fins, quais eram: ou a morte do Conde, ou obrigá-lo a retirar-se de Minas Gerais e largar o governo, para estabelecerem outro semelhante ao do levantado Manuel Nunes Viana.

                36 — Nesta extremidade, se resolveu o Conde Governador a mandar prender a todo o risco os ditos cabeças, o que habilmente conseguiu, fazendo-os conduzir à prisão da Vila do Carmo; e imediatamente os emissários dos ditos cabeças entraram com diferentes sugestões, e já sem algum disfarce, a inflamar novamente o povo de Vila Rica para os vir tirar da prisão. Enquanto, porém, se achavam nesta diligência, o Conde, sendo advertido dela e aproveitando aquele momento favorável, ajuntou uma companhia de dragões, que ali havia, e com algumas pessoas que o quiseram acompanhar com a sua escravatura, e habitantes da Vila do Carmo, repentinamente entrou armado em Vila Rica. Com a sua presença se retiraram os emissários, e um deles sendo colhido à mão e confessando que andava induzindo o povo para novamente se amotinar, foi logo enforcado e feito em quartos, e as casas dos cabeças que se achavam presos, umas foram arrasadas e outras reduzidas a cinzas.

                37 — Este golpe de surpresa e severidade, seguido imediatamente depois da prisão dos referidos cabeças, atemorizou de tal sorte os seus emissários e habitantes de Vila Rica, que os primeiros nunca mais apareceram, e os segundos se conservaram no maior sossego e tranquilidade cessando inteiramente os motins, que haviam durado dezoito dias.

                 38 — Deu conta o Conde a esta Corte, informando da sublevação dos povos de Minas por conta das casas de fundição, e do castigo que fora obrigado a praticar para os reduzir, como reduziu, à devida obediência, propondo ao mesmo tempo o estabelecimento da casa da moeda, o que lhe foi aprovado em carta de 19 de março de 1720. Estabeleceu-se com efeito a dita casa da moeda, sem violência, nem contradição, a qual continuou até o ano de 1734, em que, por súplica e escolha dos mesmos povos, se aboliu a casa da moeda, e se estabeleceram as casas de fundição, que precedentemente haviam rejeitado. Em 1735 foi ordem desta Corte para se suprimirem as ditas casas de fundição e estabelecer-se em lugar delas o método da capitação. E se tornou a estabelecer o das casas de fundição que continua até o presente, convindo os povos de Minas em todas estas mudanças e alterações, sem repugnância nem dificuldade que se fizesse reparável ou suspeitosa; o que tudo faz evidentemente conhecer que aqueles habitantes, depois do governo do Conde Assumar, reconhecendo o seu reprovado e criminoso comportamento, com que mereceram as severas demonstrações daquele hábil, ativo e determinado Governador, se resolveram, como deviam, a cumprir com as obrigações de leais vassalos. Não obstante, porém, esta metamorfose, sempre se faz indispensavelmente necessário que Vossa Senhoria, sem mostrar no exterior a menor desconfiança, tenha toda a vigilância em que os mesmos habitantes se conservem na devida obediência e sujeição a Sua Majestade; e que à vista dos acontecimentos anteriores, que ficam referidos, tome Vossa Senhoria sempre as providentes medidas, não só para ocorrer aos incidentes que possam sobrevir de presente, mas para acautelar os futuros.

               39 — Quanto ao quarto ponto: sendo certo, como ninguém duvida, que a primeira e principal riqueza dos Estados consiste no maior número de habitantes que fazem as riquezas dos Estados, estes são os úteis e laboriosos, e não os ociosos e vadios, que são a ruína dos mesmos Estados; e nesta certeza tanto os primeiros merecem ser animados e protegidos, quanto os segundos devem ser desterrados e proscritos. A exploração das minas e a cultura das terras são as duas fontes donde emanam as riquezas secundárias da Capitania de Minas Gerais, e os que se empregam nestes trabalhos são vassalos utilíssimos e dignos, por consequência, de toda a proteção. Com o ouro extraído das minas pelo mineiro, este paga ao lavrador os frutos e produções da terra de que necessita, e ambos compram com o mesmo ouro os gêneros e fazendas que entram de fora na Capitania, consistindo nesta laboração, giro e maneio, assim de frutos da terra como fazendas de fora, o comércio interior e externo; e os que se empregam nele também são muito úteis vassalos que merecem igualmente ser protegidos. Do referido resulta que, quanto maior número de habitantes se empregar na exploração das minas, na cultura das terras e no comércio interior e externo, tanto maior será a riqueza e a opulência daquela Capitania, porque se comporá de maior número de vassalos úteis, e diminuirá por consequência o dos vadios e ociosos que perturbam e inquietam; e nesta certeza, toda a cooperação e concurso da parte de Vossa Senhoria para promover e animar aqueles trabalhos e facilitar o referido comércio, redundam em conhecida vantagem daqueles habitantes. Os ditos habitantes, porém, não satisfeitos com os tesouros que a terra lhes oferece, nem com o útil comércio que deles lhes resulta, estendendo as suas vistas a outros objetos, se determinaram a estabelecer em Minas Gerais diferentes fábricas e manufaturas, levando-as a um tal adiantamento, como se vê de um parágrafo da carta do Governador e Capitão General daquela Capitania, Dom Antônio de Noronha, escrita em 1775, no qual se explica na forma seguinte: —

“Lembro-me que Vossa Excelência me falou a respeito das fábricas estabelecidas nesta Capitania, as quais eu encontrei em um aumento considerável que, se continuassem nele, dentro de muito pouco tempo ficariam os habitantes desta Capitania independentes das desse Reino, pela diversidade de gêneros que já nas suas fábricas se trabalhavam; e o expediente que tomei sobre esta importante matéria é o que ponho.

                40 — Consistiu o dito expediente em uma carta escrita a um dos ministros de Minas, para que ele fizesse cessar as sobreditas fábricas, sem que depois se soubesse qual foi o efeito desta determinação. Constando, porém, a Sua Majestade com positiva certeza que, não só em Minas Gerais, mas em outras partes do Estado do Brasil, se haviam erigido diferentes manufaturas e se procuravam estabelecer outras, com os gravíssimos prejuízos e perniciosas consequências que são manifestas, houve por bem mandar expedir o alvará da cópia junto debaixo do número 7, que no ano de 1785 se remeteu não só a Minas Gerais, mas às outras capitanias do Brasil; e nesta inteligência, logo que Vossa Senhoria chegar àquela Capitania, depois de se informar da execução que se deu ao dito alvará, o fará inviolavelmente observar, dando de tudo conta a Sua Majestade.

VI — Dos Extravios e Contrabandos

                41 — Quanto ao quinto ponto: é indisputável que o mal mais pernicioso, e o que tem crescido a um excesso como nunca se chegou em Minas Gerais, é o do extravio e contrabando do ouro; e não é menos constante que, enquanto se não aplicar o remédio conveniente à raiz do mesmo mal, ele há de continuar a fazer os mesmos progressos que até agora tem feito, com muito importante perda da real fazenda; nem é compreensível como alguém se possa capacitar que, mandando-se correr livremente o ouro em pó como se fosse moeda cunhada, pelas mãos dos habitantes de uma capitania tão populosa como a de Minas Gerais, contendo o dito ouro em pó 20 por cento a benefício de quem o exportar para fora da mesma Capitania, que haja, ou possa haver, cautelas bastantes para coibir este contrabando, principalmente em um país de sertões só conhecidos e penetrados dos que o fazem, e por outra parte com muitos e diferentes caminhos impraticáveis de guardar sem um considerável número de tropas.

               42 — A importância deste objeto, merecendo toda a consideração, adiante se tratará dele mais amplamente; enquanto porém Sua Majestade não resolve o que for servida, deve Vossa Senhoria mandar tomar todas as possíveis cautelas para evitar o mencionado contrabando, pondo em todo o seu vigor as leis que se acham promulgadas a este respeito, particularmente o alvará da cópia junta debaixo do número 8.

VII — Das Tropas e Forças da Capitania

               43 — Quanto ao sexto ponto, que trata da tropa e forças da Capitania de Minas: elas se compõem de um regimento pago de cavalaria, de regimentos de cavalaria, de infantaria e de terços de auxiliares; como também de algumas companhias soltas de pedestres.

               44 — Antes de se formar o regimento de dragões, havia em Minas Gerais tão somente três companhias soltas, denominadas também de dragões, com 242 praças, que na realidade não tinham de militar mais que o nome, e os soldos que anualmente percebiam montando em 38300$402 réis, além de outras despesas tão enormes e abusivas como a dos soldos. E conhecendo-se a indispensável necessidade de haver naquela Capitania uma tropa regular e disciplinada para guardas, registros, patrulhas, destacamentos e diferentes outros serviços; e, sobretudo, para conter e fazer respeitar as leis e a autoridade do governo ao grande concurso de gente de todas as qualidades, bons, maus e péssimos, além dos habitantes do país que de todas as partes concorrem a ele levados da ambição do ouro; e para marchar enfim, em tempo de guerra, àquela parte do continente da América em que este socorro se fizesse preciso; determinou o Senhor Rei Dom José, que Deus tem em glória, com estes pungentes motivos, que das referidas três companhias dos denominados dragões se formasse um regimento, evitando-se os abusos que por conta delas se tinham introduzido.

               45 — Assim se praticou, expedindo-se a este respeito as ordens necessárias ao Governador e Capitão General Dom Antônio de Noronha, o qual, formando o sobredito regimento de oito companhias e 476 praças, isto é, de dobrado número menos oito praças, regulou os soldos que ficaram montando por ano, dos que tinham as sobreditas três companhias, em trinta e sete contos, cento e dezenove mil e trezentos réis, isto é, um conto cento e oitenta e um mil cento e dois réis menos que os que as ditas três companhias custavam à real fazenda; e as outras despesas pertencentes ao armamento, selas, arreios e outros petrechos, se reduziram: umas à metade, outras a duas partes menos do que anteriormente custavam, como se mostra nas duas relações juntas debaixo dos números 9 e 10, remetidas pelos mesmo Governador e Capitão General; do que se vê que não é a tropa a que faz o maior peso ao real erário, principalmente na consideração de que o serviço que dela se tira e os importantíssimos objetos a que é destinada, valem muito mais que a despesa que com ela se faz; mas são as abomináveis extorsões, latrocínios e outros abusos que se praticam, e deixam praticar debaixo do pretexto da dita tropa, os que fazem a maior brecha no mesmo real erário; e são estes os que se devem cortar pelas suas raízes, e logo a fazenda real terá superabundantemente com que sustentar a mesma tropa, como se vê na Capitania de Minas, em que os soldos de um regimento de cavalaria regular de quatrocentas e setenta e seis praças importam em menos que os de três companhias irregulares de duzentas e quarenta e duas; e ainda assim os ditos soldos, e o mais que se abonou ao dito regimento foi com mão tão larga que se faz preciso a este respeito alguma reforma, como direi a Vossa Senhoria em carta separada.

                46 — Além do regimento de dragões, há mais em Minas Gerais vários regimentos de cavalaria auxiliar e terços ou corpos irregulares de homens pardos e pretos; e sobre esta tropa devo dizer a Vossa Senhoria que, pela Carta Régia de 22 de março de 1766 escrita ao Governador e Capitão General que então era da Capitania de Minas, se levantaram os referidos corpos, que o dito Governador assegurou que montavam em treze regimentos; e sendo esta Corte informada da desordenada irregularidade com que muitos ou a maior parte dos mesmos corpos auxiliares se formavam, não só em Minas Gerais, mas nas outras Capitanias do Brasil, ordenou ao Governador e Capitão General da referida Capitania de Minas, Dom Antônio de Noronha que, vendo e examinando os mencionados corpos, os reduzisse a estado de poderem ser úteis, ou dentro, ou ainda fora da Capitania, segundo a exigência dos casos e a necessidade do serviço. Os importantes motivos em que se fundou a dita Carta Régia, para o que nela se determinou sobre os corpos auxiliares, é o que Vossa Senhoria achará do § l° até o § 4°, e do parágrafo 15 até o fim da instrução que daqui levou Dom Antônio de Noronha, constante da cópia junta debaixo do número 11.

47 — Logo que o dito Governador chegou a Minas, informou do estado em que achara aquela tropa e do pé em que ficava, no qual se conservou até que ultimamente o atual Governador e Capitão General Luís da Cunha e Meneses, a quem Vossa Senhoria vai suceder, informa em carta de lº de fevereiro do ano passado que, querendo regular os ditos auxiliares, formara, além da tropa que já havia, mais onze regimentos de cavalaria, e oito de infantaria auxiliar. Não diz, porém, o dito Governador, as disposições que fez, nem as providências que deu, ou as medidas que tomou para levantar tão grande número de tropas, nem os oficiais de préstimo e capacidade que empregou nos exames, alistamentos e formaturas dos ditos corpos, nem os lugares de parada e reunião em que depois de alistados os mandara ajuntar com os seus respectivos comandantes e mais oficiais, para o mesmo Governador os ir ver e passar em revista, ou mandar oficiais de inteligência e confiança que as fossem passar, porque só por esta forma, e depois das sobreditas providências e exames, é que o referido Governador poderia afirmar que os ditos corpos se achavam formados.

               48 — Nada porém do que fica referido consta que se praticasse; mas antes, todas as aparências indicam que os mencionados corpos se levantaram pelo mesmo método abusivo praticado em outras capitanias do Estado do Brasil, nas quais, em lugar das providências acima indicadas, se fizeram apresentar aos Governadores, encarregados da formatura dos ditos corpos, as listas defeituosas dos párocos e outras relações; sem outro exame, nem averiguação ou providência, se delinearam os regimentos e terços, que logo se deram por completos e prontos, nomeando-se para eles o grande número de oficiais que inundam presentemente as capitanias do Brasil, cujos corpos, porém, só existem nas listas paroquiais, ou em outras semelhantes relações das mesmas capitanias.

               49 — Além do que fica referido, também é certo que o predecessor de Vossa Senhoria não podia, sem primeiro dar parte a Sua Majestade e esperar a sua real resolução, levantar os referidos corpos auxiliares, nem nomear para eles os Coronéis, Mestres de Campo, Tenentes-Coronéis, Sargentos-Mores e mais oficiais que nomeou. Nem a Carta Régia de 1766, que alega, dirigida aos Governadores e Capitães Generais então existentes, se estendeu, nem podia se estender a autorizar os sucessivos Governadores para levantarem a seu arbítrio todos os corpos que bem lhes parecesse; e praticarem, com a mal entendida interpretação que se tem pretendido dar à referida Carta Régia, os inumeráveis abusos que têm chegado à real presença de Sua Majestade.

               50 — Em consequência de tudo o referido, ordena Sua Majestade que, logo que Vossa Senhoria chegar à Capitania de Minas, declare no seu real nome nula e de nenhum efeito a ereção e formatura dos supraditos corpos novamente criados, e da mesma sorte a promoção de todos os oficiais que para eles foram nomeados. E quanto aos regimentos e terços de cavalaria e infantaria auxiliar anteriormente existentes, Vossa Senhoria praticará com eles o que lhe determina a Carta Régia que Sua Majestade manda dirigir a todas as capitanias do Brasil; tendo Vossa Senhoria entendido que, assim as disposições da referida Carta Régia, como tudo o que deixo acima referido, tem por único fim desterrar os perniciosos abusos com que os corpos auxiliares foram criados ou formados desde a sua origem, e reduzi-los a uma forma e disciplina regular, sem a qual não podem ser úteis ao real serviço.

               51 — Os pedestres, conforme a relação que deles dá o predecessor de Vossa Senhoria, se compõem de três companhias irregulares, duas pertencentes à Intendência dos Diamantes e independentes do governo de Minas, as quais companhias se compõem cada uma de um Capitão-Mor, um Alferes, um Cabo e cinquenta praças, custando à real fazenda quatro contos duzentos e sessenta e um mil setecentos e cinquenta réis; e ambas: oito contos quinhentos e vinte e três mil e quinhentos réis. A terceira, que pertence ao governo de Minas, se compõe de cinquenta e três praças, que custam à real fazenda dois contos novecentos e setenta mil duzentos e trinta e cinco réis, e se ocupa por destacamentos em diferentes distritos; o que porém afirma o seu predecessor, de serem os denominados soldados das duas companhias da Intendência pela maior parte escravos dos caixas da mesma Intendência e dos seus protegidos, de se reputarem os soldos da referida tropa como jornais pertencentes aos senhores dela, e de não servirem, nas poucas patrulhas que fazem, para outra coisa que não seja a de encobrir e concorrer para o extravio dos diamantes; a gravidade destes fatos é digna de que Vossa Senhoria se informe com toda a individuação e dê conta a Sua Majestade, por esta Secretaria de Estado, de tudo o que achar ao dito respeito, como também sobre o plano proposto pelo mesmo seu predecessor, constante da cópia junta ao número 12.

Quanto ao sétimo e último ponto, que consiste na boa e exata administração e arrecadação da real fazenda e de tudo o que é relativo a este importante artigo, se reduz a dois únicos' objetos, que são: primeiro, o da receita; segundo, o da despesa da mesma real fazenda, na qual não pode haver boa, nem exata administração ou arrecadação, sem que os incumbidos dela tenham o maior cuidado e vigilância nos meios e modos com que a receita, isto é, os rendimentos reais se aumentem, debaixo porém de princípios e regras adequadas e competentes; e a despesa diminua, por meio de uma bem entendida e de nenhuma sorte mesquinha e perniciosa economia.

                53 — Em Minas Gerais é a Junta da Fazenda a que se acha encarregada da administração da mesma real fazenda, debaixo da inspeção do Erário Régio; e por consequência é a Junta a que deve responder da sua boa ou má administração, como talvez ela tenha feito. Para se poder, porém, formar juízo sobre este importante negócio, é preciso saber quais são as partes ou os ramos de que se compõem os rendimentos da real fazenda em Minas Gerais, e o estado em que cada um deles presentemente se acha, como também quais são as despesas da mesma real fazenda e o estado a que elas se acham reduzidas.

                54 — Os rendimentos da real fazenda em Minas Gerais se compõem de cinco ramos; convém saber: 1) o quinto do ouro; 2) o contrato das entradas; 3) o contrato dos dízimos; 4) o donativo e terças partes dos ofícios; e 5) a extração dos diamantes, este último ramo pertencendo a diversa repartição que não é a Junta da Fazenda.

IX — Dos Quintos do Ouro

               55 — O rendimento do quinto tem tido diferentes alterações sobre a forma de o cobrar, e todos os métodos, que até o ano de 1734 se estabeleceram ou quiseram estabelecer, todos ou quase todos se iludiram pelos habitantes de Minas, tais como foram o de se avençarem os povos em certo número de arrobas de ouro que depois se haviam por derrama; o chamado das bateias, que era uma capitação limitada de certo número de oitavas de ouro impostas tão-somente sobre cada escravo mineiro; o das casas da fundição, mandado estabelecer pelo alvará de 11 de fevereiro de 1719, que deu motivo ao levantamento acontecido no governo do Marquês de Alorna, então Conde de Assumar, e que por este motivo não teve efeito; e ultimamente, o da casa da moeda, que durou até o ano de 1734.

               56 — Os meios e modos de que os habitantes de Minas se serviram para iludir todos e cada um dos referidos métodos, foram não só o levantamento acima indicado, mas o de adotar por sistema o extravio do ouro, fazendo-o, não transportar clandestinamente para fora da capitania, mas estabelecendo nos sertões dela casas de moeda falsa, como foram as de Inácio de Sousa e de João Ferreira dos Santos, além de outras de menos porte; e ao mesmo tempo que com estes criminosos artifícios fraudavam a real fazenda, se queixavam a esta Corte das violências que sofriam com os métodos estabelecidos, asseverando igualmente e fazendo crer que a diminuição do rendimento do quinto procedia da decadência das Minas.

                57 — Tão antiga é a prática destes enganos naqueles habitantes, que Gomes Freire de Andrada, depois Conde de Bobadela, governando Minas e respondendo ao Cardeal da Mota, no ano de 1743, sobre queixas semelhantes, se explicou nos termos seguintes: — “Os horrorosos casos que Vossa Excelência me diz que lhe referem, tomara ouvi-los para, com a pura verdade que professo, informar a Vossa Excelência da afetação ou certeza com que os representam; e também que houvesse pessoa que fizesse um plano para a cobrança do quinto, sem ser casa de moeda ou capitação, porque os discursos que aqui fazem os moradores do Brasil é mais largo campo à apetecida fraude da real fazenda, que meio à segurança dela.

                “As minas ainda dão ouro, e ainda em maior quantidade da que paga o quinto; mas por serem tantas as mãos por que se reparte, e ficar muita na dos escravos, padecem os senhores; o que há muitos anos é costume, pois nos livros da secretaria acho um decreto em que a real benevolência de Sua Majestade, há mais de vinte e dois anos, declarou estava informado e certo da decadência em que as minas se achavam, e ser preciso dar forma à sua conservação, pelo que mandou dar providências na venda dos escravos, para pagamento dos credores que o fossem dos mineiros. Veja Vossa Excelência o número de milhões que depois deste tempo têm passado ao Reino e aos estrangeiros”.

                58 — Continuaram, portanto, os ditos habitantes no mesmo sistema, sendo tal o extravio do ouro que, não obstante o importantíssimo cabedal que anualmente extraíam de Minas, não consta que o rendimento do quinto fosse maior, até o ano de 1734, que o de trinta arrobas de ouro, havendo dois anos que não chegou a quinze. Neste ano se viram claramente em Portugal as prevaricações que se praticavam em Minas, e os enormes prejuízos da real fazenda com os extravios do ouro; e querendo-os evitar na sua origem, se formou o método da capitação, o qual por mão de Martinho de Mendonça se dirigiu ao Conde das Galvêias, então Governador e Capitão General de Minas Gerais, para que o propusesse às câmaras e procuradores daqueles povos, e os persuadisse de o aceitar. Não convieram as ditas câmaras e procuradores, por então, no referido método, como sempre acontecerá enquanto a recepção dele ou de outro qualquer se fizer dependente das suas vontades e arbítrios. Receosos porém de que os obrigassem, como depois aconteceu, a aceitar um plano que lhes cortava pelas raízes todos os seus artifícios, propuseram, em lugar da dita capitação, o método já de antes rejeitado pelos mesmos povos, das casas de fundição, obrigando-se nele a segurar à fazenda real, pelo rendimento do quinto, cem arrobas de ouro pagas nas mesmas casas de fundição, livres de despesas e seguras de tal sorte que, não chegando o produto do quinto às ditas cem arrobas, se inteiraria esta quantia pelos povos por via de derrama; e excedendo, seria o acréscimo para a real fazenda.

                59 — Aceitou o Conde de Galvêias a proposta das Câmaras e procuradores, de que se lavrou termo e assento tomado e registrado em Vila Rica a 24 de março de 1734, ficando suspenso o plano ou método da capitação; e executando-se o das casas de fundição o qual, no ano que decorreu até o seguinte de 1735, rendeu 137 arrobas de ouro sem ser preciso alguma derrama, o que demonstrativamente faz ver não só os enormíssimos desvios precedentemente praticados, que reduziam o quinto ao diminuto cômputo de 15 até 30 arrobas de ouro, mas que a quantidade do mesmo ouro, que anualmente se extraiu das minas, se podia prudentemente computar para acima de 500 arrobas, porque, se assim não fora, nem aqueles habitantes se obrigariam voluntariamente às ditas cem arrobas do quinto, nem ao modo com que as seguraram sujeitando-se às desigualdades arbitrárias da derrama; nem o mesmo quinto, sem recorrer a ela, renderia como rendeu, no decurso de um ano, as sobreditas 137 arrobas.

                60 — Chegando, porém, a esta Corte a notícia do que se havia passado em Minas Gerais, foi ordem a Gomes Freire de Andrada, Governador e Capitão General do Rio de Janeiro, para que passasse à dita Capitania das Minas e que, fazendo cessar o método das casas de fundição, estabelecesse o da capitação, como assim se executou, continuando depois o dito método por tempo de 16 anos, isto é, desde 1736 até 1751, no qual tempo, computada a totalidade do rendimento do quinto, montou este, em ano comum, a 125 arrobas de ouro, como se vê da relação junta debaixo do n° 13; e, enquanto durou este método da capitação, é certo que os descaminhos e extravios do ouro cessaram inteiramente por não haver interesses alguns, nos habitantes das Minas, em os perpetrar, sendo também o dito rendimento outra prova das prevaricações precedentemente praticadas e do importante cabedal que anualmente se extraía de Minas.

                61 — Entraram porém os ditos habitantes com as suas usuais reclamações, querendo persuadir que as minas se achavam exaustas, reduzidas a faisqueiras, sem haver quem se atrevesse à fazer novos descobertos, nem serviços largos, e a queixar-se igualmente de algumas durezas que a lei da capitação continha; em lugar, porém, de se mandar ver e examinar com toda a circunspeção a dita lei, e se corrigirem aquelas referidas durezas de que os povos se queixassem com justiça, conservando-se porém, em todo o caso, o mesmo método da capitação depois de moderado em tudo o mais em que ele era útil e vantajoso, por ser o único em que se desterraram e podiam desterrar de Minas Gerais os extravios e contrabandos, o que se praticou em lugar disto foi abolir-se de um golpe o referido método da capitação, e tornar outra vez a se restabelecer o das casas de fundição pelo Alvará de 3 de dezembro de 1750, que vai debaixo do número 14, o qual começou a se executar em Minas Gerais no ano de 1752.

                62 — Como pelo dito Alvará se manda correr o ouro em pó, dentro de Minas, como se fosse moeda cunhada e pelo valor de mil e duzentos réis a oitava, tendo ela mil e quinhentos de valor intrínseco, bem se podia certamente esperar o extravio do mesmo ouro para fora de Minas, dando ele, como dava e dá, vinte por cento de ganho ao exportador; isto mesmo, porém, é muito natural que se ponderasse quando se formou o dito Alvará, e por isso se tomaram nele tantas cautelas para prevenir o referido extravio, entre as quais foram a nomeação de quatro intendentes e quatro fiscais nas quatro casas de fundição, e mais dois intendentes e dois fiscais na Bahia e Rio de Janeiro, todos com os seus oficiais competentes, para que, assim no interior de Minas como nos portos de mar, houvesse todo o cuidado e vigilância nos mencionados extravios, abrindo-se devassas contra os transgressores, e conservando-se sempre abertas pelos intendentes, nas suas respectivas repartições, permitindo-se denúncias em segredo, e dando-se aos denunciantes metade do que se apreendesse em consequência das mesmas denúncias. A maior cautela, porém, de todas as que se tomaram foi a da derrama, e ainda as mesmas durezas que ela continha, porque os habitantes, para se livrarem delas, se haviam de abster do extravio do ouro; e além disto, haviam de igualmente vigiar sobre os de fora que o quisessem praticar, não só pelo mesmo motivo de evitar as derramas, mas por conta do prêmio e benefício que lhes resultava das denúncias.

               63 — Com estas cautelas, além de outras que se omitem determinadas no sobredito Alvará, começaram a laborar as casas de fundição em 1752, e nos primeiros onze anos, isto é, até o fim de 1762, rendeu o quinto nas ditas casas, por ano comum, cento e quatro arrobas de ouro, como se vê da cópia junta debaixo do número 15; o qual rendimento, comparado com o anterior do tempo da capitação, bem se vê, na diferença de vinte e uma arrobas de ouro por ano, a perda que teve a real fazenda com a extinção do referido método da capitação.

               64 — Tendo-se, porém, os povos obrigado a fazer boas nas casas de fundição tão-somente cem arrobas de ouro, e rendendo o quinto nas mesmas casas cento e quatro, é evidente que assim os povos satisfizeram de sua parte ao que se obrigaram, como os ministros e oficiais, encarregados de vigiar sobre os extravios, cumpriram com a sua obrigação; porque, ainda que não evitassem, como não era possível evitar, todos os referidos extravios pelos motivos acima indicados, sempre os coibiram, de sorte que nos sobreditos onze anos entraram nas casas de fundição, uns anos por outros, as importâncias correspondentes à soma anual de quinhentos e vinte arrobas de ouro, das quais se pagou o quinto, montado em cento e quatro arrobas na forma acima indicada.

                65 — O que também faz uma demonstrativa prova contra as afetadas e sinistras asseverações e declamações daqueles habitantes em quererem persuadir que as minas se achavam exaustas ou cansadas, segundo as suas frases, e que, por isso, não vinha ouro às casas de fundição, porque sendo este o seu antigo e inveterado costume, já Gomes Freire de Andrada fez conhecer toda a duplicidade dele, asseverando ao Cardei da Mota na resposta que lhe fez em 1743, quando o rendimento do quinto montava por menos em cento e vinte e cinco arrobas de ouro, que as minas davam ouro em maior quantidade que o que pagava o quinto, como acima fica referido nos parágrafos 56 e 57; verificando-se depois, isto é, desde 1762, nos quais sempre o rendimento do mesmo quinto excedeu consideravelmente as cem arrobas em que ele se fixou, como também fica demonstrado nos parágrafos 59, 60 e 63. Resultando de tudo que, ainda que se não possa determinar com positiva certeza qual seja a quantidade de ouro que anualmente se extrai das minas, pela variedade que se experimenta naqueles trabalhos, bem se pode contudo crer, depois de bem combinados os fatos que ficam acima referidos, que a quantidade de ouro que anualmente se extrai das minas monta, uns anos por outros, em mais de quinhentas arrobas, e que, se o quinto das casas de fundição não render também, uns anos por outros, mais de cem arrobas, como rendeu por tempo de vinte e sete anos, isto não é porque as minas se achem exaustas por cansadas, como astuciosamente se quer persuadir, mas procede de uma grande relaxação nos que têm a seu cargo a inviolável observância das leis, e que, não as fazendo executar, dão lugar a se facilitarem e multiplicarem os extravios, de que os efeitos se hão de necessariamente sentir nas casas de fundição, como aconteceu nos anos sucessivos ao de 1762, na forma seguinte.

                66 — Continuou o método das ditas casas de fundição no ano de 1763, e faltando neste ano algumas arrobas de ouro para completar as do quinto, ainda o Governador e Capitão General de Minas Gerais, Luís Diogo Lobo, mandou proceder à derrama, em conformidade do Alvará de 3 de dezembro de 1750, fazendo entrar nela assim os eclesiásticos, como os seculares, sem exceção de pessoas; e sendo que, ele próprio, também quis ser compreendido na mesma derrama, do que resultou completarem-se as cem arrobas do quinto no ano seguinte em 1764.

               67 — Continuando, porém, nos mais anos a mesma falta, não houve o mesmo zelo a respeito das derramas, de sorte que, mandando-se lançar outra no ano de 1769, se procedeu com tanta frouxidão que no ano de 1771 é que se concluiu o lançamento; e até o presente se não tem ainda completado o embolso. A mesma frouxidão e falta de zelo se observou nos intendentes e fiscais encarregados de vigiar e proceder contra os extraviadores do ouro, de que resultou que nos onze anos que decorreram desde 1763 até 1773, importou o rendimento do quinto, por ano médio e comum, em oitenta e seis arrobas, como se vê da cópia junta debaixo do número 16, faltando para completar as cem, a que os povos se obrigam, a quantia de quatorze arrobas por ano, e nos onze acima indicados montou em cento e cinquenta e quatro arrobas de ouro, ou 946:176f000 a perda efetiva que a fazenda real teve no mencionado tempo.

               68 — Para se ocorrer, não só a esta, mas a outras muitas desordens que havia na administração da real fazenda, confiada tão somente até aquele tempo a um provedor e seus oficiais, se estabeleceu no sobredito ano de 1773 a Junta da mesma fazenda, que hoje subsiste, composta do Governador e Capitão General presidente, quatro deputados e diferentes outros oficiais, em número ao todo de vinte e tantas pessoas, e parece que com esta nova providência se corrigiram os abusos, pondo-se o alvará de 3 de dezembro na sua inviolável observância, e evitando-se por este adequado meio a continuação da considerável perda que a real fazenda tinha sofri do nos onze anos anteriores; mas tudo sucedeu pelo contrário, porque no ano de 1774 e nos que se lhe foram continuando, diminuiu cada vez o rendimento do quinto; nem uma só palavra se proferiu mais sobre derrama, que era e é o modo legal de se repararem semelhantes faltas. E sendo os contrabandos e extravios, que por toda a parte se faziam e fazem sem que alguém deixasse, ou deixe de o saber, pela frequência e facilidade com que se praticavam e praticam, a origem de não ir ouro às casas de fundição, os intendentes e fiscais encarregados de os evitar e coibir se achavam e continuam a estar tão ignorantes destas transgressões que, nas devassas que lhes mandaram ter sempre abertas, nunca apareceram culpados nelas; e se houve algum, foi por acaso e grande raridade, de sorte que ultimamente as ditas devassas e todas as mais diligências dos referidos intendentes e seus adjuntos, sobre o importantíssimo artigo dos extravios do ouro, não obstante haverem-lhes sido as mais recomendadas no sobredito alvará de 3 de dezembro, se reduziram a uns procedimentos de aparência e de chavão, sem nenhuma outra utilidade que não seja a que resulta aos mesmos intendentes e fiscais, das ajudas de custo e ordenados que percebem por elas, seguindo-se deste desamparo a que se reduziram os interesses da real fazenda, que, nos sobreditos doze anos de 1774 até 1785, o rendimento do quinto importou por ano médio ou comum em sessenta e oito arrobas de ouro, como se vê da cópia junta debaixo do número 17, faltando para completar as cem, a que os povos se obrigaram, a quantia de trinta e duas arrobas por ano, e nos doze anos acima indicados montou em trezentas e oitenta e quatro arrobas de ouro, ou em 2359296$000 a perda que a fazenda real teve no mencionado tempo. E por esta forma, assim se irá gradualmente diminuindo de ano em ano o mesmo rendimento, até se reduzir a nada, que é o grande objeto dos habitantes de Minas, desde o momento em que ali se estabeleceu a contribuição do quinto do ouro, na forma acima referida.

               69 — Nestas circunstâncias, ordena Sua Majestade que, logo que Vossa Senhoria chegar àquela capitania, mande convocar a Junta da Real Fazenda, e lendo aos deputados dela o Alvará de 3 de dezembro de 1750, lhes faça observar no preâmbulo dele, que achando-se estabelecido em Minas Gerais o método da capitação para a cobrança do quinto, pela qual percebia a real fazenda o melhor de cento e vinte e cinco arrobas de ouro por ano, na forma acima indicada no § 60, o Senhor Rei Dom José I, que Deus tem em glória, com grave prejuízo da mesma real fazenda, atendendo às repetidas queixas e súplicas dos povos de Minas contra o referido método, mandou em lugar dele que se estabelecesse o que os procuradores dos mesmos povos propuseram e ofereceram em 24 de março de 1734 ao Conde das Galvêias, André de Melo, Governador e Capitão General de Minas Gerais, e que este método então proposto e oferecido pelos referidos povos, aceito e mandado executar pelo sobredito Conde Governador, se restabelecesse novamente, e repusesse no mesmo estado em que precedentemente se achava, modificado ainda contudo a benefício dos mesmos povos que o ofereceram .

               70 — Depois do referido preâmbulo, fará Vossa Senhoria igualmente observar aos ditos deputados o capítulo I° do mesmo Alvará, em que se vê que o método de que nele se trata, é o das casas de fundição, que hoje continua, o qual substancialmente se compõe de três partes essenciais, sem as quais, ou na falta de qualquer delas, nem o dito método, nem as casas de fundição em que ele se funda, nem o Alvará que o estabeleceu, podem subsistir; são as ditas partes essenciais as seguintes: l°) a de se obrigarem os povos de Minas a assegurar, como asseguraram à real fazenda, a quota de cem arrobas de ouro, com que anualmente devem entrar nas sobreditas casas de fundição; e foi por esta segurança, e na certeza do inalterável cumprimento dela, que o Senhor Rei Dom José aboliu o método da capitação a benefício e solicitações dos mesmos povos, e com os prejuízos da sua fazenda que ficam acima indicados; 2°) que um dos modos com que os referidos povos devem satisfazer as sobreditas cem arrobas de ouro, a que se obrigaram, é o de levar às casas de fundição todo o que se extrair das minas, e pagar dele o quinto nas mesmas casas; 3°) que não chegando o produto do mesmo quinto a preencher as ditas cem arrobas, tomarem os mesmos povos, como tomaram sobre si, o encargo de as completar por via de derrama; e sendo esta última parte a que mais essencialmente assegura o efetivo cumprimento da primeira, e a que mais pode contribuir para que a segunda não venha a ser ilusória, pelos descaminhos e extravios de ouro, na forma acima indicada no § 62, esta terceira parte, isto é a derrama, é o ponto mais importante, que sempre deveria e deve ter a sua exata e inviolável observância nos casos em que ela se manda lançar, não só pelos motivos que ficam referidos, mas porque Sua Majestade declara, e positivamente assim o determina no mesmo capítulo l°, concebido nos termos seguintes: “Logo que principiarem a laborar as casas de fundição, que restabeleço, todo o ouro que nelas ficar, pelo direito dos quintos, se acumule em cada um ano, reduzindo-se à totalidade de uma só soma o que se achar nos cofres de todas as respectivas comarcas, para assim se concluir se há excesso ou diminuição na quota das cem arrobas de ouro, que os sobreditos povos de Minas Gerais se obrigaram a assegurar anualmente ã minha fazenda, tomando sobre si o encargo de que, não chegando o produto dos quintos a completar as mesmas cem arrobas, as completariam eles povos por via de derrama”.

               71 — Debaixo destes princípios, e depois que a Junta se achar bem capacitada deles, como também de que é a mesma Junta, a quem Sua Majestade confiou os interesses da sua real fazenda, e que todos e cada um dos membros, de que ela se compõe, são responsáveis nas suas pessoas e bens dos descaminhos ou perdas da mesma real fazenda, principalmente sendo causados por omissão, descuido ou negligência, Vossa Senhoria fará ver à dita Junta, ou aos deputados de que ela se compõe, as duas relações acima indicadas debaixo dos números 10 e 17, e a perda que houve na primeira, a qual Junta, depois de completamente estabelecida em 1773, devia ter procurado cobrar como dívida pretérita; em lugar, porém, disto, não só não cuidou do embolso de tão considerável alcance, mas viu acumular-se a ele anualmente outro muito maior em mais do dobro, qual é o da relação número 17; não viu, ou não quis ver que depois do ano de 1763 para o de 1764, em que cessaram as derramas por culpável omissão dos que administravam a real fazenda, nunca mais os habitantes de Minas cuidaram nem uma só vez em entrar nas casas de fundição com a quota das cem arrobas de ouro, como precedentemente praticavam, e a que se tinham obrigado; mas antes pelo contrário, logo que se observam os alcances das sobreditas duas relações, e se compara o da primeira com o da segunda, claramente se conhece o modo extraordinário com que os ditos habitantes foram sucessivamente diminuindo o direito real do quinto, havendo-o reduzido na primeira relação a oitenta e seis arrobas, com a falta de quatorze por ano, e na segunda a sessenta e oito, com a falta de trinta e duas também por ano. Não viu, ou não quis ver a dita Junta que, ainda que na segunda relação monta a falta em ano comum a trinta e duas arrobas por ano, a menor reflexão que se faça nas entradas anuais e efetivas, que constam da mesma relação, ainda se percebe mais claramente o premeditado desígnio dos ditos habitantes, em irem progressivamente abatendo cada vez mais o referido direito; porque no ano de 1774, montando as entradas nas casas de fundição em setenta e cinco arrobas de ouro e trinta e sete marcos, foram entrelaçando as mesmas entradas, umas vezes mais, outras menos, nos anos sucessivos até o de 1781, em que as reduziram a setenta e duas arrobas e doze marcos; e, deste ano até o de 1785, não guardando já medidas, nem disfarces, as foram gradualmente abatendo sem interrupção até cinquenta e sete arrobas e quatro marcos, em que ficaram no referido ano, faltando nele para se completarem as cem arrobas quarenta e três arrobas menos quatro marcos.

E a Junta da Fazenda, feita indolente testemunha destas palpáveis extorsões, e vendo em todo o sossego e tranquilidade um dos mais importantes ramos do patrimônio régio reduzido a quase metade do seu anual rendimento, sem fazer a menor demonstração para evitar os rápidos progressos com que os habitantes de Minas o iam conduzindo à sua total extinção, faltando a mesma Junta por esta forma à indispensável obrigação, que lhe impõe o alvará de 3 de dezembro de 1750, para se proceder à derrama logo que se experimentassem semelhantes faltas, sendo este o único remédio com que elas se podiam e podem evitar; e sendo igualmente certo que sem a inviolável observância da dita providência, que os mesmos povos de Minas julgaram indispensavelmente necessária, e por isso eles mesmos a propuseram e tomaram sobre si o encargo dela, nem o método das casas de fundição, nem o sobredito Alvará que o estabeleceu, ficam sendo outra coisa mais que umas disposições precárias, ilusórias e tão falíveis, como mostra a importante quantia de quinhentas e trinta e oito arrobas de ouro, ou 3.305:472$000, em que os povos de Minas se acham alcançados pelo rendimento do quinto, em que se avençaram e não satisfizeram, como consta da sobredita duas relações debaixo dos números 16 e 17.

                72 — Nestas circunstâncias é Sua Majestade servida que, no seu real nome ordene Vossa Senhoria aos deputados da Junta da Fazenda, que à vista do que fica referido, examinando os registros, contas, ordens, e todos os mais papéis que param na mesma Junta e Contadoria dela, deem conta por escrito não só do inesperado comportamento da Junta atual, mas também das que precederam desde o ano de 1773, quais foram as diligências que fizeram, os passos que deram, ou as medidas que tomaram para evitar, ou ao menos suspender os prejuízos da real fazenda; e com que autoridade, ordem, ou poder, iludiram e deixaram iludir o Alvará de 3 de dezembro de 1750, pelos estranhos modos que ficam acima indicados, de que resultou o enormíssimo alcance que também fica referido. E logo, que a dita conta estiver concluída, Vossa Senhoria a dirigirá à real presença de Sua Majestade, para à vista dela determinar o que for servida.

XI — Das Intendências do Ouro

                73 — Depois de concluída esta diligência com os deputados da Junta da Fazenda, Vossa Senhoria mandará vir à sua presença o Intendente e o Fiscal de Vila Rica, e lhes fará ler os capítulos 3°, 7°, 8° e 10° do sobredito Alvará, em que se vê os lugares de intendentes e fiscais foram estabelecidos principalmente para obviarem os descaminhos e contrabandos do ouro; que, com este fim, se mandaram residir nas cabeças das comarcas e casas de fundição, e se lhes conferiram os oficiais competentes, além do auxílio militar que sempre tinham pronto, particularmente o Intendente de Vila-Rica, logo que o requeresse ao Governador; como também a cooperação de todos os mais ministros de justiça da Capitania, aos quais eram cumulativas e muito recomendadas as diligências e vigilância dos descaminhos do ouro e da real fazenda.

                74 — Que além dos quatro intendentes da Capitania de Minas, se criaram mais dois, da Bahia e Rio de Janeiro, para que os primeiros, obrando de acordo e inteligência com os segundos, pudessem por meio de uma mútua correspondência e recíproca comunicação regular as diligências, combinando-as de uma e outra parte segundo a exigência dos casos, e em consequência das notícias adquiridas por meio das devassas, que a este fim se lhes mandaram ter sempre abertas, ou ainda de espias, e dos mesmos contrabandistas, que não são difíceis de ganhar para que descubram os outros, e de que os ministros diligentes, ativos e zelosos, se costumam servir a bem das suas comissões.

                75 — Que sendo estes os meios e modos de que não só o Intendente de Vila Rica, mas os das outras comarcas se deviam servir, fazendo com eles os possíveis esforços para evitar em todo, ou ainda em parte, os extravios do ouro, quando eles não bastassem o deviam assim representar à Junta da Fazenda, requerendo-lhe ao mesmo tempo, ou o lançamento da derrama como único meio mais eficaz para conter a perniciosa relaxação dos ditos extravios, ou dar-se por extinto e acabado o método atual da percepção do quinto e o Alvará que o estabeleceu; porque, consistindo essencialmente o dito método e Alvará, em pagarem anualmente os povos de Minas, nas casas de fundição, cem arrobas de ouro, preenchendo as que faltassem por via de derrama, era evidente que não pagando os ditos povos, como não tinham pago, as referidas cem arrobas, e subtraindo à Junta, como se tinha subtraído, o lançamento das derramas, o método atual da percepção do quinto, e o Alvará que, o estabeleceu, se deviam reputar em consequência por extintos e acabados, e que assim se deviam representar a esta Corte, para dar as providências que julgasse convenientes.

                76 — Sendo estas em geral as obrigações inerentes aos lugares de intendentes do ouro, elas ligavam e ligam muito mais, ao de Vila-Rica, não só como intendente do mesmo ouro, mas como procurador da coroa e fazenda, e deputado da Junta da mesma fazenda. E nesta inteligência, é Sua Majestade servida que Vossa Senhoria ordene, não só ao sobredito Intendente da Vila Rica, mas aos que se acham nas outras comarcas de Minas (que mandará vir à presença, se o julgar necessário), que digam e ponham por escrito quais são as obrigações que eles entendem que são anexas e inseparáveis dos lugares com que Sua Majestade os condecorou, e como têm satisfeito e cumprido com essas mesmas obrigações, à vista do desamparo a que têm deixado chegar o direito senhorial do quinto, confiado ao seu cuidado e vigilância, vendo-o reduzido no ano de 1785 a pouco mais de metade do seu anual rendimento, além das falências anteriores, e caminhando aceleradamente para a sua total ruína. E não tendo, como é natural que não tenham, os ditos intendentes mais que frívolas e inconsistentes razões que alegar, tais como as fantásticas e irrisórias devassas, a que anualmente têm procedido e procedem para nunca acharem culpados, sendo infinitos e cada vez maiores os extravios e contrabando do ouro, Vossa Senhoria poderá facilmente julgar por estes fatos, que lhe hão de ser manifestos, a inutilidade e prejuízo que resultam à real fazenda da conservação dos ditos lugares de intendentes. E nesta certeza, Sua Majestade o autoriza para dar logo por extintos e acabados, não só os referidos lugares de intendentes, mas igualmente os de fiscais das quatro comarcas de Minas; quando, porém, Vossa Senhoria ache que antes da referida extinção tem que representar a Sua Majestade, neste caso é a mesma Senhora servida que, suspendendo o dito procedimento, dê conta e espere pela sua real determinação.

XII — Das Câmaras

                77 — Depois dos intendentes e fiscais, Vossa Senhoria mandará da mesma sorte vir à sua presença a Câmara de Vila Rica e alguns dos procuradores das outras câmaras ou vilas que bem lhe parecer, e lhes mostrará em termos claros e concisos os dolos e prevaricações com que os povos de Minas se têm conduzido, de que resultou a enormíssima soma em que os mesmos povos se acham alcançados e de que são devedores à real fazenda; que a mesma real fazenda deve ser indenizada do que se lhe deve; mas que enquanto Sua Majestade não estabelece e determina o modo deste pagamento, Vossa Senhoria terá grande cuidado em que a dívida se não aumente, pondo na sua devida observância o alvará de 3 de dezembro de 1750, muito particularmente pelo que respeita às derramas, as quais começarão desde logo a se por na sua inviolável observância, nos casos em que elas se mandam lançar, praticando-se porém as ditas derramas com as cautelas apontadas no § 3° do capítulo l° do referido alvará. E assim o fará Vossa Senhoria observar, enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, ou tomar sobre este importante negócio a resolução que lhe parecer mais conveniente .

               78 — É sem dúvida que a dita Câmara e procuradores se hão de servir de todas as astúcias e representações.

com que tantas e tão repetidas vezes têm surpreendido os predecessores de Vossa Senhoria igualmente a esta Corte, querendo atribuir à decadência e estagnação das minas as faltas que têm havido na contribuição do quinto; as reflexões, porém, que ficam acima indicadas, principalmente nos §§ 56 e 57, fazem bastantemente conhecer o crédito que se lhes pode dar.

                79 — É igualmente certo que, logo que aqueles habitantes tiverem a certeza que Vossa Senhoria se acha na firme resolução de não tolerar diminuição alguma na quota das cem arrobas, e que, ou as hão de levar às casas de fundição completas, ou pagar por derramas as faltas que houver, também lhe hão de representar os inconvenientes, desigualdades e durezas das ditas derramas. E ainda que nesta parte não deixarão de ser fundadas as suas representações, Vossa Senhoria se limitará em lhes mostrar que a autoridade e o poder que Sua Majestade lhe conferiu não se estende por modo algum a conhecer das suas leis, nem do que elas estabelecem, mas que tão somente se limita a ser um exato e fiel executor das mesmas leis; que o alvará de 3 de dezembro de 1750 é a lei que estabeleceu o método atual da contribuição do quinto e o lançamento das derramas, na mesma forma que os povos de Minas o requereram e tomaram sobre si o encargo das ditas derramas, e que nesta demonstrativa certeza se constituiria Vossa Senhoria um transgressor da dita lei se não tivesse o mais vigilante cuidado na inviolável observância de todas e cada uma das suas partes.

                80 — Com este desengano, também não deixarão de recorrer ao seu antigo e inveterado costume de proporem outros métodos para a cobrança do quinto, principalmente algum, ou alguns, dos doze apontados no preâmbulo do sobredito alvará de 3 de dezembro; não espere Vossa Senhoria porém, que entre eles lhe lembrem o da capitação, nem o da casa da moeda, mas antes a respeito destes sempre lhe mostrarão a maior repugnância, não porque deixem de ser entre os mais que contenham maiores vantagens e menos inconvenientes, assim para a real fazenda, como para os povos de Minas, mas porque aqueles povos resistem quanto podem a tudo o que é ou pode ser útil ao patrimônio régio, ainda quando se lhes sigam consideráveis benefícios, porque todo o seu sistema consiste em se conservarem, quanto podem, os meios e modos de fraudar a fazenda real com extravios e contrabandos; e como o método da capitação os corta pelas raízes, e o da casa da moeda, ainda que os não corte totalmente, sempre lhes faz mais difícil a prática deles, por isso, sempre que se tratar de qualquer dos referidos dois métodos, os hão de representar com as cores mais odiosas, e só obrigados e constrangidos se submeterão a qualquer deles, particularmente ao da capitação que, com algumas precisas modificações, é indisputavelmente o melhor de todos os que até agora têm aparecido.

                81 — Nesta inteligência, que Vossa Senhoria poderá melhor verificar com o que vir e observar naquela capitania, não deve rejeitar algum dos métodos ou planos, que lhe propuserem sobre a contribuição do quinto, mas remetê-los a esta Corte, com as observações que lhe parecer preciso fazer a respeito de cada um deles, para maior clareza e mais exato conhecimento do seu conteúdo; no mesmo tempo porém, se faz indispensavelmente necessário que na secretaria daquele governo examine Vossa Senhoria se além do decreto da cópia junta debaixo do número 18, existe algum plano que se formasse para o estabelecimento do sobredito método da capitação, e assim dele, como de todas as ordens, regulações, cartas e mais papéis, que daqui se mandassem, ou que de lá viessem, relativos ao referido estabelecimento e método; e além disto, todas as mais notícias e clarezas que a respeito dela puder conseguir, como também do modo com que foi executado, assim pelo que respeita à capitação, como ao censo; e igualmente dos efeitos que dele resultaram em todo o tempo da sua duração Vossa Senhoria remeterá tudo a esta Corte, para ser presente a Sua Majestade. E o mesmo executará a respeito do outro método da casa da moeda, sem suspender porém por modo algum a exata observância do que se acha atualmente estabelecido na forma acima indicada, enquanto Sua Majestade o não der por extinto e abolido, ou não mandar substituir por outro que lhe parecer mais conveniente.

XIII — Das Entradas e Seu Sistema

                82 — Depois da contribuição do quinto do ouro, o segundo ramo do rendimento da real fazenda é o do contrato das entradas, o qual consiste nos direitos que pagam os gêneros, efeitos e fazendas que se introduzem de fora na Capitania de Minas, para uso e consumo dos seus habitantes.

                83 — Estas remessas porém, nos primeiros descobrimentos daquela capitania, é natural que se limitassem tão somente a instrumentos de ferro, aço e outros semelhantes, próprios e necessários para a escavação das minas, abertura de caminhos e rompimento de matos, e para comestíveis também precisos ao sustento daqueles primeiros povoadores em um sertão inculto; e daqui vem provavelmente que, para se determinarem os direitos que haviam de pagar os referidos efeitos e gêneros na sua entrada para Minas Gerais, todos eles se reduziram a duas denominações, ou classes, de secos e molhados. Na classe dos secos se compreendeu tudo o que não era comestível, e se lhe impôs o direito de 1$125 réis por arroba; na classe dos molhados se compreendeu tudo o que podia servir para comida e bebida, e se lhe impôs o direito de 750 réis por cada carga, computada pelo peso de duas até três arrobas.

                84 — Como naqueles princípios não se cuidava mais que em promover e animar o descobrimento, população e exploração daquelas terras e seus minerais, não é de admirar que se desse muito pouca ou nenhuma atenção à irregularidade e aos inconvenientes do método acima indicado para a cobrança dos direitos das entradas; continuaram porém os tempos, aumentou-se a população, multiplicaram-se os trabalhos, assim da cultura como da mineração, cresceram os habitantes de Minas em riqueza e opulência, e nesta mesma proporção se multiplicou o consumo, não só do que era necessário para os trabalhos rústicos e sustento da vida, mas estendeu-se a tudo o que podia servir para o cômodo, fausto e luxo; de sorte que as entradas para Minas Gerais de toda a sorte de gêneros, efeitos e fazenda fazem hoje o importante comércio que se vê estabelecido entre aquela capitania e as outras do Estado do Brasil, particularmente a do Rio de Janeiro.

               85 — À vista desta grande e vantajosa mudança, era evidente que também a devia haver na percepção dos direitos, regulando-os segundo a qualidade, variedade e valor dos gêneros, efeitos e fazendas que se introduziam em Minas; não o entenderam porém assim os que tinham e têm a seu cargo a administração e arrecadação da fazenda real; e conservando os ditos direitos sem alteração, na mesma forma e método com que foram estabelecidos desde o seu princípio, resultou disto o seguinte.

               86 — QUANTO AOS COMESTÍVEIS E MOLHADOS.

Que um alqueire de sal, gênero da produção de Portugal, e tão necessário em Minas Gerais que não só os habitantes, mas até os mesmos animais não podem passar sem ele, e que por estes motivos se devia animar o seu maior consumo por uma proporcionada e moderada imposição de direitos, este gênero, que no Rio de Janeiro se compra ao contrato pelo dito preço de 800 réis o alqueire, paga de entrada em Minas 750 réis, ou 93-3/4 por cento, com o qual direito, sobre as mais despesas de avarias, demoras, conduções a grandes distâncias e outros gastos, fica o sal tão excessivamente carregado que o seu preço naquela capitania é de 3$600 réis o alqueire, e só a grande precisão dele é que o faz ter algum consumo. O vinho, o vinagre, o azeite, as aguardentes e outros diferentes gêneros que entram na sobredita classe de comestíveis e molhados, todos ou a maior parte da produção de Portugal, e que por esta razão se deviam aliviar quanto fosse possível de direitos para promover o seu maior consumo, estes gêneros são proporcionadamente tão carregados como o sal, do que resulta que os habitantes de Minas, valendo-se do azeite, ainda que inferior, fabricado na terra, e de bebidas destiladas ou extraídas da cana-de-açúcar e de outras frutas e sementes, suprem com elas as que lhes vão deste reino, e que por caras, só os ricos e poderosos as podem comprar, e ainda estes em porções insignificantes.

               87 — QUANTO AOS GÊNEROS, EFEITOS E FAZENDAS QUE ENTRAM NA CLASSE DOS SECOS. — Todos os instrumentos de ferro, tais como alavancas, picaretas, alviões, enxadas, foices e toda a mais obra do mesmo ferro, própria para a escavação e abertura das minas, trabalho dos campos e do sertão, e que por este único motivo devia haver o maior cuidado nos meios de se poder introduzir naquela capitania a maior quantidade dos ditos instrumentos, a preços os mais módicos que fosse possível, começando por uma diminuição de direitos proporcionada à grande utilidade que resulta, assim à real fazenda, como aos habitantes de Minas, dos trabalhos rústicos a que os ditos instrumentos se destinam, sucede tudo pelo contrário, porque, valendo no Rio de Janeiro um quintal de ferro manufaturado nas referidas obras e instrumentos entre 4$800 e 6$000 réis, paga de entrada em Minas Gerais 4$500, isto é, 93-1/3 ou 75%; e acrescentando-se ao primeiro custo e direitos, os transportes, conduções, demoras e outras despesas, vem a montar o preço por que se vende naquela capitania em 14$400 réis. E que capital não é preciso a um mineiro somente para compras e consertos dos instrumentos necessários para sua lavra? E quantos serviços e novas descobertas deixarão de se empreender e prosseguir, e quantos matos e terras ficarão impenetráveis e incultos pela carestia dos ditos instrumentos, próprios e únicos para estes trabalhos? O mesmo que acontece com as obras e instrumentos de ferro, sucede igualmente com as de aço, estanho e chumbo, de que muita parte se emprega nos ditos serviços rústicos.

               88 — Não sucede assim com os panos e baetas de diferentes qualidades e preços; nem com os durantes, baetas, serafinas, camelões, bolandas cruas, aniagens e outras sortes de fazendas, as quais, servindo umas para o cômodo e algumas para o luxo, e avaliando-se igualmente a peso pela regra das fazendas secas, num quintal destas fazendas, e que poderá valer cem moedas, não se paga mais de entrada que 4$500, isto é, menos de meio por cento. E sendo enfim das brancas e mais finas, tais com esguiões, holandas, cassas, cambraias, veludos, sedas e outras desta qualidade, as quais também entram como as mais na classe das secas, e pagam igualmente à razão de 4$500 o quintal, bem se pode ver que o direito que paga a qualidade de fazendas, considerado o seu valor, se reduz a uma parte tão mínima que equivale a uma entrada franca e livre.

XIV — Crítica das Pautas. Sua Revisão. Abusos e Fraudes

               89 — Em consequência de todo o referido, é demonstrativamente claro que a forma e método atualmente estabelecidos para a percepção dos direitos de entrada em Minas Gerais são os mais absurdos e mais diametralmente opostos aos interesses da real fazenda, e à prosperidade dos habitantes na extração do ouro das minas e na cultura e produções da terra; os que se não podem conseguir sem os instrumentos, são os que se acham tão carregados de direitos que equivalem a proibições indiretas, ao mesmo tempo que os efeitos e fazendas que só servem para cômodo, fausto e luxo, se acham tão aliviados delas como se fossem gêneros da primeira necessidade.

               90 — Para ocorrer a tão nocivo método e a suas perniciosas consequências, ordena Sua Majestade que, logo que Vossa Senhoria chegar ao Rio de Janeiro, comunicando este importante negócio ao Vice-Rei do Estado do Brasil, de acordo com ele, procurem informar-se com toda a individuação das diferentes qualidades e, se for possível, quantidades de gêneros, efeitos e fazendas que anualmente se introduzem em Minas Gerais, e dos seus preços correntes na Capital do Rio de Janeiro, formando de todos e todas uma pauta com os seus diferentes nomes, e adiante três colunas, uma em que se lancem os ditos preços correntes no Rio de Janeiro, outra os preços também correntes das vendas em Minas Gerais, que Vossa Senhoria verificará depois de chegar à dita capitania, e na terceira os direitos que julgarem que cada um dos ditos gêneros, efeitos a fazendas pode pagar, segundo o seu primeiro custo e preço corrente no Rio de Janeiro, tendo sempre atenção a que todos os instrumentos, e mais gêneros e efeitos que servem para a exploração das minas, cultura das terras, e para outros trabalhos rústicos, e igualmente para vestuário dos negros e gente pobre, devem ser sempre os mais favorecidos nos direitos de entrada, e os que forem destinados para outros usos os devem gradualmente pagar maiores, principalmente os de luxo e os que mais se aproximarem dele.

                91 — Para se evitarem quanto for possível os abusos, fraudes e outros inconvenientes que podem acontecer na passagem de uma a outra Capitania, se deve estabelecer no Rio de Janeiro um registro com os seus oficiais competentes, no qual não só se manifestem todas as fazendas, gêneros e efeitos destinados a Minas Gerais, tomando-se por assento e lembrança os direitos que devem pagar nesta capitania, em conformidade dos que se acharem estabelecidos na referida pauta, mas se pesem e ponham marcas e selos em todos os fardos, caixas, embrulhos e barris, ou outros quaisquer volumes de que cada carga se compuser, formando-se de tudo faturas ou relações em que se declarem as ditas marcas, selos e pesos, e igualmente se especifique o que cada um dos mesmos fardos, caixas, embrulhos, barris ou outros volumes contêm, e o que devem pagar de direitos.

                92 — Destas relações ou faturas se deve sempre mandar uma em carta fechada aos oficiais do registro de Minas Gerais, e outra entregar-se ao comboieiro que conduzir as fazendas, para que, dando entrada delas no referido registro, e fazendo-se ali os exames, averiguações e confrontações necessárias, em que se veja que os ditos fardos, caixas, embrulhos, barris ou outros volumes conferem em marcas, pesos e selos com a faturas do Rio de Janeiro, sem que neles se encontre ou descubra indício ou suspeita de haver sido abertos, ou de algum outro abuso ou fraude, se deem os despachos do estilo, e percebam os direitos pelas ditas faturas; havendo porém indício ou suspeita de prevaricação, se abram os volumes, e verificando-se a fraude, se proceda contra os infratores na conformidade das leis. Com este método parece que se poderão conseguir os dois fins de se evitarem ao menos em grande parte os descaminhos da real fazenda, facilitando-se ao mesmo tempo as entradas para Minas Gerais, sem grave incômodo nem demoras no registro daquela capitania. Como porém na execução do dito método poderá haver inconvenientes qué desta distância se não podem prever, e que em lugar dele se possa lembrar outro mais próprio e adequado aos fins acima referidos, este em tal caso deverá preferir.

               93 — Feitas estas diligências, e ajustado com o Vice-Rei do Brasil o sobredito plano, pelo que respeita às remessas do Rio de Janeiro, logo que Vossa Senhoria sair daquela capital para o seu governo de Minas Gerais, e chegar ao registro que se acha na extremidade da dita Capitania de Minas, se demorará aqui o tempo que lhe parecer necessário para se informar pessoalmente de tudo o que se pratica nele, concernente às entradas das fazendas que ali se vão despachar, os direitos que pagam, quais eles são, e o modo de os cobrar; se os pagamentos são à vista ou a crédito, a que termo, e com que segurança; e se de tudo se fazem assentos com legalidade, exatidão e clareza, em livros próprios e destinados para este efeito, e neles se acham as contas, e toda a mais escrituração metodicamente estabelecida. Deste exame, e de tudo o que Vossa Senhoria observar que se pratica no dito registro, de que dará conta a Sua Majestade, conhecerá melhor as providências que ali se fazem precisas para mais exata arrecadação da real fazenda e se evitarem abusos e prevaricações.

               94 — Concluída esta diligência e prosseguindo a sua jornada, tanto que Vossa Senhoria chegar a Vila Rica e tomar posse do seu governo, procurará informar-se com a possível exatidão dos preços correntes por que ali se vendem os gêneros, efeitos e fazendas que vêm da Capital do Rio de Janeiro, e da diminuição que poderão ter depois de estabelecido o novo método, combinando Vossa Senhoria à vista de uns e outros, se os direitos estabelecidos na nova pauta correspondem aos dois principais fins de se facilitarem aos mineiros e lavradores, por preços cômodos, os instrumentos e mais efeitos necessários para as suas lavras e trabalhos rústicos, indenizando-se a real fazenda nos que são próprios para o cômodo e luxo, ou se será preciso fazer alguma mudança na dita pauta para melhor se conseguirem os referidos fins.

                95 — Igualmente se informará Vossa Senhoria de tudo o mais que entra em Minas Gerais que não vem do Rio de Janeiro, mas das outras capitanias, e que paga e deve pagar direitos de entrada; e determinará os que devem ficar pagando debaixo dos mesmos princípios acima indicados.

XV — Tributação

                96 — Da mesma sorte será preciso que Vossa Senhoria examine com particular reflexão os gêneros e efeitos da produção e manufatura da Capitania de Minas que são idênticos ou análogos aos que entram de fora, da produção e manufatura das outras capitanias, tais como quadrúpedes de toda a qualidade, aguardentes fabricadas na terra, açúcar, sal, azeite e outros semelhantes; porque, achando-se os de fora sujeitos a pagar direitos, não há razão alguma para que os de dentro fiquem totalmente isentos deles; nem a razão de virem de fora é suficiente, sendo os de dentro da mesma qualidade, antes ao contrário, com os de fora se deveria ter mais alguma contemplação, atenta as despesas dos transportes e conduções.

                97 — Menos os pode isentar a razão de haverem pago dízimo, porque os de fora também os pagam nos seus respectivos lugares. E além de tudo o que fica referido, é indispensavelmente necessário que a Capitania de Minas se conserve em alguma dependência das outras capitanias, pelo que respeita ao seu consumo e giro do seu comércio, porque de outra sorte se acabaria a comunicação entre elas e se extinguiriam as mútuas vantagens que reciprocamente se podem prestar umas às outras. Uma das vantagens que o Rio Grande de São Pedro tirava, e creio que ainda tira, posto que em muito menor quantidade, de Minas Gerais, é a da introdução das bestas muares; e bem se vê o quanto aquela fronteira é digna da nossa atenção e cuidado, para ali lhe procurarmos todo o benefício e socorro; estabeleceu-se porém em Minas, depois de alguns anos, a criação das bestas muares, que de nenhuma sorte se devia ter consentido, e se estas, por serem do país, não pagam direitos, e as do Rio Grande, por serem de fora, os pagam, além das mais despesas da condução e passagens, o resultado será que, não podendo estas entrar em concorrência com aquelas, dentro de breve tempo se acabará este ramo de comércio entre as duas capitanias, com grave prejuízo da do Rio Grande e igualmente da real fazenda. E o mesmo acontecerá com os mais gêneros e efeitos acima indicados, se entre os do país e os de fora se não estabelecer, quanto for praticável, uma igualdade de concorrência por meio de uma proporcionada contribuição de direitos.

                98 — Nesta inteligência, logo que Vossa Senhoria tiver feito as especulações e combinações que lhe parecerem necessárias sobre o que fica referido, ajuntará à pauta formada no Rio de Janeiro as fazendas, gêneros e efeitos que entram das outras capitanias, como também os da produção e manufatura de Minas, análogos e da mesma qualidade dos de fora, e os respectivos direitos que devem pagar, ficando a dita pauta com este acréscimo formada debaixo de três divisões: primeira, das fazendas, gêneros e efeitos que pelo porto e Capital do Rio de Janeiro entram em Minas Gerais; segunda, dos que vêm das outras capitanias e que entram da mesma sorte em Minas; terceira, dos que são produzidos ou manufaturados dentro da Capitania de Minas, análogos ou da mesma qualidade dos que vêm de fora.

99 — Formada a dita pauta, e ajuntando-lhe Vossa Senhoria as reflexões que lhe parecerem convenientes, remeterá logo um exemplar a esta Corte, e outro ao Vice-Rei e Capitão-General do Estado do Brasil, e concordando ambos em que ela se ponha logo em execução, assim o mandará Vossa Senhoria praticar por tempo de um ano, enquanto lhe chegam as reais ordens; quando porém entendam que há inconveniente nesta antecipação, Vossa Senhoria esperará a última determinação de Sua Majestade sobre este importante objeto.

                100 — Concluída esta diligência que respeita aos direitos de que se forma o rendimento conhecido pelo nome de contrato das entradas, é preciso examinar como se tem administrado este importante plano do real patrimônio, e para Vossa Senhoria sem grande trabalho formar uma justa ideia do que se tem passado a este respeito, basta que mande vir à sua presença os contratos celebrados desde o ano de 1754 em diante.

XVI — Da Arrematação dos Contratos e seu Rendimento

                101 — O primeiro, que teve princípio no l° de outubro do referido ano de 1751, e findou no último de setembro de 1754, foi arrematado a José Ferreira da Veiga, no referido triénio, em preço de 591:718$802 réis; o segundo que teve princípio em outubro de 1754, e findou em outubro de 1757, foi arrematado ao mesmo José Ferreira da Veiga, no referido triénio, em preço de 617:999$000 réis; o terceiro, que teve princípio em janeiro de 1759, e findou no último de dezembro de 1761, foi arrematado a Domingos Ferreira da Veiga, no referido triénio, em preço de 593:067$150 réis; o quarto, que teve princípio no l° de janeiro de 1762, e findou no último de dezembro de 1764, foi arrematado a João de Sousa Lisboa, no referido triénio, em preço de 589242$000 réis: montam os sobreditos quatro triénios em 2.392?026$952 réis, e sai o preço comum de cada triénio a 598006$740.

                102 — No ano de 1765, não havendo quem chegasse aos preços antecedentes, se mandou administrar o dito contrato por conta da real fazenda, e no triênio que decorreu de janeiro de 1765 até o último de dezembro de 1767 rendeu 568031$303 réis; esta diferença, porém, procede de se haver compreendido nas arrematações dos quatro contratos anteriores, não só as entradas do distrito e território de Minas Gerais, mas igualmente as de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Jacobina e Bahia, ao mesmo tempo que no triénio administrado por conta da real fazenda somente se compreenderam as entradas do sobredito território e distrito de Minas Gerais, e nada mais.

                103 — Dos fatos acima indicados evidentemente se ve que as quatro precedentes arrematações do contrato das entradas, e o rendimento do mesmo contrato no triénio em que foi administrado por conta da real fazenda, deviam servir de regra à Junta da mesma fazenda para que, quando se tratasse de dar, ou arrematar por contrato este importante ramo do real patrimônio, tivesse sempre em vista os preços que ele conservou por tempo de doze anos, em quatro diferentes e sucessivos triénios; e quando não houvesse quem chegasse aos ditos preços, ou os procurasse deprimir e abater, que a mesma Junta da Fazenda se lembrasse igualmente do rendimento deste contrato no triénio em que foi administrado por conta da real fazenda, para recorrer sem hesitação a este utilíssimo expediente, incomparavelmente melhor que o das arrematações, quando é dirigido com zelo, vigilância e dexteridade. Estas são enfim as regras que a dita Junta da Fazenda devia seguir, e de que nunca se deveria apartar, por serem em tudo conformes com uma boa e regular administração e arrecadação da real fazenda, de que a mesma Junta se acha incumbida. O que porém ela praticou mostrarão os seguintes fatos.

                104 — Desde o ano de 1767, em que findou a sobredita administração do contrato das entradas por conta da real fazenda, na forma acima referida, até o ano de 1775, não consta com clareza nesta Secretaria de Estado o que se praticou com o dito contrato, ainda que há muita probabilidade que ele desde então principiou a abater consideravelmente, como Vossa Senhoria poderá examinar na contadoria da Junta da Fazenda em Vila Rica. Consta porém com toda a evidência que em janeiro de 1776 se arrematou o mesmo contrato a João Rodrigues de Macedo por dois triénios, que findaram no último de dezembro de 1781, por preço de 766726$612 réis, isto é, 383363$306 cada triénio. Em janeiro de 1782 se arrematou o mesmo contrato a Joaquim Silvério dos Reis por um triénio, que findou no último de dezembro de 1784, por preço de 355:612$000 réis. E em 1785 se arrematou o mesmo contrato a José Pereira Marques, por um triénio, que findou no último de dezembro de 1787, por preço de 375:812f000. Montam os sobreditos quatro triénios em 1498150$612, e sai o preço comum de cada triênio a 374537$653 réis.

                105 — Do referido resulta que, montando os quatro triénios que decorreram de 1751 a 1764 em 2392026$952 réis e não montando os outros quatro, que decorreram de 1776 até 1787, mais que em 1498150$612 réis, veio a Junta da Fazenda a dar, ou arrematar, o contrato das entradas nos últimos quatro triénios, com um abatimento de 893876$340 réis ou 223469$085 réis em cada triénio; e tendo toda a autoridade e poder para evitar o dito abatimento e as perniciosas consequências dele, pelo adequado meio de administrar o sobredito contrato por conta da real fazenda, como ultimamente se havia praticado no triénio que findou em 1767, e constantemente se observa e deve observar em casos semelhantes a fim de prevenir a ruinosa decadência dos contratos, que dificilmente ou raríssimas vezes se tornam a elevar depois que uma vez decaíram, entendeu a dita Junta que antes devia consentir nesta importante perda da real fazenda que procurar-lhe o remédio acima indicado em ao menos administrar o contrato por tempo de um ano, e dar conta a Sua Majestade da situação em que ele se achava, pedindo e esperando sua real determinação.

XVII — Das Dívidas Pretéritas

                106 — Não param aqui os enormes abusos com que a real fazenda se tem administrado e administra naquela capitania; porque, sendo uma das mais recomendadas obrigações da Junta da Fazenda a cobrança das dívidas pretéritas e o pronto pagamento dos rendimentos correntes,- a dita Junta o fez e faz tanto pelo contrário que, sem falar neste lugar de total soma que se está devendo à mesma fazenda, como adiante se verá, mas tratando tão somente do que ainda se acha por pagar dos contratos acima referidos, celebrados desde o ano de 1751, consta que do contrato feito com José Ferreira da Veiga, que findou em 1754, ainda se estão devendo 145005$529; do contrato feito com o mesmo José Ferreira da Veiga que findou em 1761, ainda se estão devendo 85402$592: e do contrato feito com João de Sousa Lisboa, que findou em 1764, ainda se estão devendo 2587570$487; montando a dívida destes quatro contratos em 6543730$304.

               107 — Poderia esperar-se que os seguintes contratos, havendo sido arrematados por quase metade menos que os acima referidos, esta inesperada contemplação que houve com os arrematantes, em grave prejuízo da fazenda real, determinaria ao menos a Junta a cumprir com a sua obrigação, obrigando os ditos contratadores a serem exatos e prontos nos pagamentos dos seus contratos; mas nada disto aconteceu, porque do contrato feito com João Rodrigues de Macedo por dois triénios que findaram em 1781, ainda se estão devendo 466454$480; do contrato feito com Joaquim Silvério dos Reis, que findou em 1784, ainda se estão devendo 220423$149; e do contrato feito com José Pereira Marques, que findou em 1787, ainda se estão devendo 360897$638; montando a dívida destes quatro triênios em 1017775$627, que é maior que a dos quatro triênios anteriores de 393402$323: e ambas as ditas dívidas dos oito triénios montam em um total de 1702148$931 réis como Vossa Senhoria verá do resumo junto debaixo do número 19.

XVIII — Dos Dízimos

               108 — Com o contrato dos dízimos, que é outro importante rendimento do patrimônio régio, aconteceram e atualmente se praticam os mesmíssimos abusos com que tem sido administrado o contrato das entradas; porque no ano de 1747 foi arrematado o dito contrato a João de Sousa Lisboa, por um triénio, que findou em julho de 1759, por preço de 214010$040. Em julho de 1762 foi arrematado ao mesmo João de Sousa Lisboa, por outro triénio, que findou em 1765, por preço de 231635$040 réis. Não consta nesta Secretaria de Estado o que se praticou com o dito contrato dos dízimos nos anos intermédios aos que ficam acima referidos; consta porém que desde o mês de julho de 1765 até julho de 1768, sendo o dito contrato administrado neste triénio por conta da real fazenda, rendeu 261300$665 réis; montando os sobreditos quatro triénios, três contratados e um administrado, em 983059$745, e saindo o preço comum de cada triénio em 245764$936.

               109 — Os rendimentos acima indicados dos três triénios contratados, e do último triênio administrado por conta da real fazenda, faziam bem ver à Junta da mesma fazenda o justo valor do contrato dos dízimos, para não admitir lanço algum que lhe fosse inferior; e quando não o houvesse pelo menos igual, tinha diante dos olhos o que rendeu o dito contrato no triénio em que foi administrado, para recorrer a este utilíssimo meio, da mesma forma e pelos mesmos motivos que ficam acima indicados a respeito de contrato das entradas; tendo porém a Junta da Fazenda no dito contrato das entradas adotado o sistema de sacrificar os rendimentos da Coroa à insaciável ambição dos contratadores, não podia no dos dízimos deixar de seguir o mesmo plano, como mostram as arrematações seguintes:

               110 — No primeiro de agosto de 1768 foi o dito contrato arrematado a Ventura Fernandes de Oliveira, por um triénio, que findou no último de julho de 1770, em preço de 186777$600 réis. Em julho de 1774 foi o mesmo contrato arrematado a Pedro Luís Pacheco, por um triénio, que findou em julho de 1777, em preço de 190$235$541. Em agosto do dito ano de 1777 foi o mesmo contrato arrematado a João Rodrigues de Macedo, por preço de 395378$957, que corresponde cada triénio a 197689$478 réis. E em janeiro de 1784 foi o dito contrato arrematado a Domingos de Abreu Vieira, por um triénio, que findou em dezembro de 1786, por preço de 197867|375, montando os sobreditos quatro contratos em 772569$994, e saindo o preço comum de cada triénio a 193142$498 réis.

                111 — Do referido resulta que, montando os primeiros quatro triénios em 983059$745 réis, e não montando os outros quatro mais que em 772569$994 réis, veio a Junta da Fazenda a arrematar o contrato dos dízimos nos últimos quatro triénios com um abatimento de 210489$751, ou com uma diminuição por triénio de 52622$438 réis.

                112 — Não param ainda aqui os prejuízos da real fazenda em benefício e vantagens dos abusivos interesses dos contratadores; porque não se contentando estes do abatimento com que o dito contrato dos dízimos lhes foi sucessivamente arrematado pela Junta da Fazenda, têm conseguido dela a oficiosa condescendência de os deixar desfrutar com sossego e segurança da soma de 717906$758 réis, que em tanto monta o que ainda estão devendo do contrato dos dízimos, a qual dívida junta à dos contratadores do contrato das entradas, com os quais a dita Junta teve e tem a mesma contemplação na forma acima indicada (sendo esta tanto mais escandalosa, quanto é mais importante o alcance deste ou daquele contrato), monta o que se está devendo de um e outro à real fazenda em 2420055$689, como Vossa Senhoria verá do resumo junto debaixo do número 20.

XIX — Da Junta da Real Fazenda e o Caso de José Pereira Marques

                113 — Não se pode ver sem indignação que Sua Majestade mandasse estabelecer em Minas Gerais uma Junta, com a qual faz uma importante despesa sem outro fim mais que o de cuidar da boa administração e arrecadação da sua real fazenda, e que, em lugar desta impreterível obrigação, só cuide a dita Junta dos particulares interesses dos seus afilhados, sem se embaraçar dos irreparáveis prejuízos que tem causado e causa à mesma real fazenda, com as suas repreensíveis e criminosas proteções, como mostram, não só os fatos acima referidos, mas outros semelhantes ao que se passou na mesma Junta, quando ali se deliberou sobre se arrematar o contrato das entradas no triénio que teve princípio em janeiro de 1785 e findou no último de dezembro de 1787.

                114 — Determinado o dia para esta arrematação, apareceram a lançar várias pessoas no dito contrato, e entre elas o Capitão de Cavalaria Auxiliar José Pereira Marques, e o Capitão de Ordenanças Antônio Ferreira da Silva; o primeiro publicamente, e sem o menor rebuço, protegido pelo Governador e Capitão General, presidente da Junta; e o segundo, protegido com a mesma publicidade pelo procurador da fazenda Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira e pelo ouvidor da comarca Tomás Antônio Gonzaga, ambos deputados da mesma Junta. Logo depois dos primeiros lanços, se retiraram os concorrentes de maior abonação e crédito, outros nem quiseram vir lançar, porque uns e outros sabiam, e ninguém ignorava, que o dito contrato se havia de dar a um dos dois afilhados.

                115 — Desamparada a praça dos principais homens de crédito e abonação, ficaram tão somente os dois protegidos a lançar no contrato, levando-o o afilhado dos ministros até o lanço de 369:100$000 réis, e o do Governador Presidente a 370:000$000, propondo o segundo ao mesmo tempo que, se o contrato se lhe desse por dois triénios, oferecia por cada um 380:000$000 réis.

                116 — Achando-se o dito contrato nesta figura, entraram os dois partidos a disputar com a maior acrimônia sobre qual dos protegidos havia de ter a preferência; pugnava o Governador por José Pereira Marques, em razão do seu maior lanço; opunham-se os ministros asseverando que ele, não tendo fundos, nem crédito, nem fianças tão idôneas como as de Antônio Ferreira da Silva, a este por consequência se devia arrematar o contrato, ainda que o seu lanço fosse inferior. E a fazenda real no meio destas escandalosas contestações, órfã e abandonada, servindo tão somente de pretexto a cada um dos dois partidos para promoverem os interesses dos seus afilhados.

                117 — Neste desamparo se levantou o honrado, zeloso e inteligente escrivão e deputado da Junta, Carlos José da Silva, e representou à mesma Junta a perda que sofria a real fazenda se o contrato se arrematasse a qualquer dos dois pretendentes; fez-lhe ver por um cálculo demonstrativo o avultado rendimento do dito contrato nos dois triénios de 1765 a 1767, e de 1772 a 1775, em que foi administrado por conta da fazenda real, quais foram as despesas do seu custeamento, e o seu líquido produto; e comparando este com os preços dos lanços oferecidos, lhe mostrou com toda a evidência o enorme prejuízo que resultava à mesma real fazenda, se arrematasse e não administrasse o referido contrato, sendo além disto indubitavelmente certo que das ditas arrematações, principalmente das mais modernas, o que havia resultado era, não só o considerável abatimento do mesmo contrato, mas ficarem os contratadores com uma grande parte do seu rendimento, ao mesmo tempo que das administrações do dito contrato, por conta da real fazenda, o resultado sempre foi, não só a conservação do justo preço e valor do referido contrato, mas ter-se embolsado a mesma real fazenda de tudo quanto ele rendeu.

                118 — Foram porém inúteis os esforços do deputado Carlos José da Silva, porque todos os mais votos, de que se compunha a Junta, rejeitaram o acertadíssimo arbítrio da administração; uns porque preferiam conhecidamente as utilidades particulares dos seus afilhados aos interesses da fazenda real, e todos porque não queriam privar-se dos emolumentos e propinas que percebiam do dito contrato sendo arrematado, e que perderiam, sendo administrado; e nesta determinação, continuando as contestações entre os dois partidos, ultimamente determinou o governador presidente, de sua própria e particular autoridade, que o contrato se desse a seu afilhado José Pereira Marques, de que resultaram os produtos e mais procedimentos que constam da cópia junta debaixo do número 21.

                119 — Esta é enfim, a forma e o método com que se administra a real fazenda na Junta daquela capitania; não são os interesses da mesma fazenda os que ali se promovem, são os particulares em que tão somente se cuida; não são os homens abonados, de crédito e segurança, os que se preferem para os contratos, são os afilhados os que regularmente os levam; o respeito dos protetores afugenta os idôneos, e não tendo os protegidos concorrentes, conseguem os ditos contratos por diminutos preços, e depois de os obter, confiados nas mesmas proteções, por outros ocultos canais cuidam do modo de os não pagar, e o conseguem.

                120 — Sendo estas as fontes nocivas donde emana todo o mal, delas resultam, não só os enormes alcances acima indicados, que se estão devendo à real fazenda pelos contratos das entradas e dízimos, mas de todos os outros contratos, por mínimos que sejam, como Vossa Senhoria verá da relação junta debaixo do número 22, na qual, contando-se trinta e um contratos, entre grandes e pequenos, ou arrematações deles, não há um só em que a fazenda real não seja credora; de sorte que o encargo de se dever à mesma fazenda real, e não se lhe pagar o que se lhe deve, já ali se não reputa por uma falta, mas por um costume a que todos têm direito; e daqui vem que a totalidade da dívida somente pelo que respeita ao artigo dos contratos, monta em sete milhões. Deveria porém o dito ministro certificar ao mesmo tempo quais eram as diligências que tinha feito em cumprimento da obrigação do lugar que ocupava, para que esta dívida se fosse gradualmente satisfazendo; e devia da mesma sorte mostrar, pelas entradas nos reais cofres, que as ditas diligências não eram aparentes, nem fantásticas, como geralmente se costuma praticar naquela capitania, mas reais e efetivas; isto porém, que o dito ministro não declarou nem declararia, o fez conhecer por termos bem claros e positivos o Governador e Capitão General de Minas, em carta de 5 de janeiro de 1785, com uma certidão autêntica a ela junta, da qual consta que, de noventa execuções feitas pelo juízo dos feitos e o contencioso da real fazenda em todo o ano de 1784, não entrou nos reais cofres um só real, e todo o benefício e utilidade recaiu no juiz e seu escrivão, em custas, espórtulas e emolumentos, como Vossa Senhoria verá do papel junto debaixo do numero 23.

XX — Da Administração dos Contratos e sua Reforma

                121 — À vista deste desamparo e sendo demonstrativamente certo, pela sucessiva série de fatos acima referidos, que os contratos somente se concedem em Minas Gerais para que os contratadores os desfrutem, e que estes os arrematam na certeza de não os satisfazer ao menos em grande parte: ordena Sua Majestade que, logo que Vossa Senhoria chegar a Vila Rica, e souber que o contrato das entradas se acha arrematado, procure examinar se o contratador tem cumprido, e cumpre, com as condições a que se obrigou na escritura do seu arrendamento; e achando, como certamente há de achar, que tem faltado a elas, principalmente a de entrar nos reais cofres, de três em três meses, com tudo quanto tiver rendido o dito contrato, Vossa Senhoria mandará imediatamente proceder contra ele na forma das referidas condições, e segundo as mesmas, dar-lhe o dito contrato por acabado, o que feito, ordenará que o mesmo contrato fique por administração um triénio, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, praticando isto mesmo com o contrato dos dízimos, no caso de achar o contratador, como também há de certamente achar, em iguais circunstâncias ao das entradas, e determinando que se tomem todas as cautelas, deem todas as providências e executem todas as mais disposições, que precedentemente se praticaram com os referidos dois contratos quando foram administrados por conta da real fazenda, ajuntando-lhe Vossa Senhoria igualmente as que lhe parecerem mais concernentes e adequadas aos estabelecimentos de uma sólida, regular e útil administração.

                122 — No caso porém não esperado, e dificílimo de crer, em que Vossa Senhoria ache que os ditos contratadores atuais, ou alguns deles, não tenham cometido falta ou prevaricação para serem expulsos, nem por isso deixará de lhes dar por acabados os seus respectivos contratos, indenizando-os do prejuízo que poderão ter, como se tem praticado em outras semelhantes ocasiões, pondo logo de administração os sobreditos dois contratos na forma acima determinada, e estabelecendo ao mesmo tempo a nova pauta, a qual não poderia ter lugar, enquanto eles se não administrassem por conta da real fazenda.

XXI — Do Alcance à Fazenda Real. Conclusão

                123 — Quanto ao pagamento do enormíssimo alcance do que se está devendo à mesma real fazenda, os interessados neste importante artigo, socorridos pelos seus protetores, o têm querido confundir com o estado decadente em que representam a Capitania de Minas; e tomando por pretexto a dita decadência, insinuam ao mesmo tempo, não só a impossibilidade de se poder conseguir o referido embolso, mas adiantam as suas dissimuladas ideias até o ponto de pedirem a Sua Majestade uma enorme finta; à menor reflexão porém que se faça sobre os fatos particulares acima indicados, eles dão bem a conhecer toda a malícia destas astuciosas pretensões, porque, ou a Capitania de Minas se ache em uma situação abatida, ou florescente, certo é que José Pereira Marques, arrematando o contrato das entradas em 1785 por 375812f$000 réis, o conseguiu por um preço muito mais inferior que o seu ordinário rendimento, e que consequentemente se há de ter embolsado dele, como constará dos seus livros de razão, se eles são feitos sem fraude nem prevaricação; donde resulta que, se ainda deve, como está devendo, 360897$638 réis, é porque os seus protetores o têm querido deixar desfrutar esta soma em seu particular benefício, e não porque deixe de ter com que pagar. Joaquim Silvério dos Reis, também arrematando o dito contrato em 1782 com igual vantagem, se ainda está devendo 220423$149 réis, é porque querem que ele se utilize deste dinheiro, e não porque o contrato deixasse de lhe render com que satisfizesse o seu alcance. Ultimamente João Rodrigues de Macedo, não satisfeito com um só contrato, nem por três anos, arrematando o das entradas e dízimos por dois triénios em 1776 pelos mesmos ínfimos preços, se embolsou das somas consideráveis dos seus rendimentos, e se ainda se acha devedor de mais de milhão e meio, é porque querem que a fazenda real o perca, e não porque deixe de ter com que pague, assim ele como os seus fiadores. Se do ano de 1776, enfim, se remontar aos contratos anteriores, se hão de achar em todos eles, com exceção de muito poucos, os mesmos abusos; e nesta certeza, o único meio de os desterrar e reparar ao mesmo tempo os prejuízos da real fazenda, é tendo Vossa Senhoria o mais vigilante cuidado em que as leis, ordens e disposições contra os devedores da mesma real fazenda, de qualquer qualidade que sejam, se ponham na sua devida e inviolável observância, e que os ministros incumbidos destas diligências administrem uma justiça igual, reta, pronta e imparcial, fazendo-lhes Vossa Senhoria conhecer o justo castigo e severidade com que Sua Majestade mandará proceder contra aquele, ou aqueles dos ditos ministros, que deixarem de cumprir com as indispensáveis obrigações dos lugares que Sua Majestade lhes confiou, muito principalmente em um ponto tão importante como o de se indenizar a sua real fazenda, a qual, pelas omissões, negligências, empenhos, proteções e talvez por um sórdido, vil e abominável interesse dos que a deviam zelar e não zelaram, se acha reduzida à deplorável situação em que presentemente a vemos na Capitania de Minas.

                Deus guarde a Vossa Senhoria Salvaterra de Magos, em 29 de janeiro de 1788.

(a) Martinho de Melo e Castro.

Requerimento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier ao Conselho Ultramarino, para revalidação da licença de ir ao Reino.

Senhora:

                Diz Joaquim José da Silva Xavier, Alferes da Cavalaria em Minas Gerais, que Vossa Majestade foi servida conceder-lhe um ano de licença, por provisão passada por esse Régio Tribunal de 7 de setembro do ano próximo passado, para o Suplicante vir a essa Corte tratar de negócio muito interessante à sua casa de que se lhe pode seguir ruína com a falta de sua assistência; e como por moléstia maior não pôde o Suplicante utilizar-se da graça que Vossa Majestade lhe liberalizou, pretende novamente que tenha o seu devido efeito mandando-lhe Vossa Majestade passar a mesma por segunda via para poder transportar-se a essa Cidade, como tanto se lhe faz preciso.

                Pede a Vossa Majestade seja servida mandar se lhe passe a dita provisão na forma requerida.

E. R. M.

(Despacho em Lisboa, pelo Conselho Ultramarino:) Expedida por segunda via em 22 de agosto de 1788.

Carta do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, dando notícias da viagem em curso na nau Nossa Senhora de Belém.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

                Espero que Vossa Excelência leve a bem que eu tome esta liberdade, para não perder a primeira ocasião que tenho de me por aos pés de Vossa Excelência depois de minha partida. Achamo-nos perto da costa da Bahia falando a um navio que diz ter saído de lá há três dias. A nossa jornada tem sido demorada porque contamos sessenta e cinco dias, mas muito bem sucedida. Tanto eu como meus companheiros de viagem e as nossas famílias, temos passado muito bem; só a Viscondessa tem sofrido muito pelo incômodo continuado do enjoo e pela debilidade e mau estado de saúde em que se achava, de modo que tem chegado algumas vezes a dar-me cuidado, especialmente lembrando-me da segunda e terceira jornadas que ainda me restam para chegar ao meu destino.

Entretanto e em toda a parte, estimarei ter ocasiões de servir e agradar a Vossa Excelência como

                De Vossa Excelência.

Amigo muito obrigado e fiel cativo, Visconde de Barbacena

Requerimento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier ao Desembargador Marcelino Pereira Cleto, Ouvidor Geral, para que informe sobre plano de construção de moinhos.

                Diz o Alferes Joaquim José da Silva Xavier que, pedindo a Sua Majestade a faculdade de poder tirar água do Córrego Catete ou Laranjeiras e do Rio Andaraí ou Maracanã, para moinhos que podia edificar onde lhe fosse mais conveniente, se passou provisão para Vossa Mercê informar sobre o requerido, ouvida a Câmara, Nobreza e Povo.

                E porque tem notícia que este tumultuosamente anda dizendo que é prejudicial ao público e ao particular a pretensão do Suplicante, sem indagar qual é a intenção dele para que possam responder com acerto, quer o Suplicante lhes faça Vossa Mercê patente a presente súplica em que declara: que ele, no que pede, não pretende ofender nem o público nem o particular; o público, porque, utilizando águas em que hajam moinhos, não se ofende com a construção dos que o Suplicante quer fazer; o particular, porque suposto naqueles rio e córrego hajam moinhos, ou o Suplicante tire água por cima ou por baixo dos existentes, não pretende ofendê-los: se por cima, por lhes ficar a água necessária para moerem; se por baixo, porque em nada os ofende. Assim como aqueles que, em uma e outra parte, os edificaram, não ofenderam com a sua construção, não é nem pode o Suplicante ser de pior condição por pedir a Sua Majestade a concessão deles.

                Pede a Vossa Mercê se digne propor à Câmara estas razões para que, em vista delas, dêem a informação ou resposta que lhes parecer conveniente.

E. R. M.

                Remetida à Câmara, que a fará junto ao requerimento do Suplicante.

(a) Pereira Cleto.

                Nada mais se continha no dito requerimento, e eu, Felipe Cordovil de Siqueira e Melo, Escrivão da Câmara desta Cidade, bem e fielmente copiei e se há de registrar e fica sem cousa que dúvida faça, e com ele este conferi, subscrevi e assinei nesta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, aos dezenove dias do mes de junho de mil setecentos e oitenta e oito anos. E eu, Felipe Cordovil de Siqueira e Melo, Escrivão da Câmara que a subscrevi e assinei.

VILA RICA, 11-07-1788.

Ofício de Luís da Cunha Meneses a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, comunicando ter passado o governo da Capitania de Minas ao sucessor.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

                Em consequência da ordem que recebi de Sua Majestade pela respeitável mão de Vossa Excelência, datada de 5 de outubro de 1787, dei posse do governo desta Capitania ao Visconde de Barbacena no dia 11 de julho do corrente ano, por ter chegado a esta Capital e apresentando-me a patente pela qual Sua Majestade lhe havia feito a sobredita mercê.

                E especialmente lhe comuniquei o atual estado desta mesma Capitania, todas as Ordens Reais por donde me tenho sempre dirigido, e todos os mais Generais desta mesma Capitania, e que são a base fundamental da felicidade destes povos.

                Deus guarde a Vossa Excelência por muitos anos.

                Vila Rica, 11 de julho de 1788.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro.

Luís da Cunha Meneses

Ofício do Visconde de Barbacena ao Secretário da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, comunicando sua posse no governo da Capitania de Minas.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Tendo chegado ao porto do Rio de Janeiro, depois da escala na Bahia e de uma demorada viagem, no dia 24 de maio deste ano, e feitas as averiguações e conferências que Sua Majestade foi servida ordenar-me, pus-me em caminho para esta Capital, onde tomei posse do governo da Capitania com as formalidades do costume no dia 11 do corrente mês de julho.

Fico cuidando, com todas as minhas forças e os poucos talentos que tenho, em me instruir nos negócios e nos interesses da Real Fazenda para poder empregar-me, com o acerto que desejo, no serviço de Sua Majestade e para a melhor e mais breve execução das ordens que me foram particularmente recomendadas.

                Peço a Vossa Excelência queira permitir-me a liberdade de certificar também nesta ocasião, a Vossa Excelência, da minha constante veneração e dos sinceros votos que faço pela saúde e larga vida de Vossa Excelência, tão conveniente para a felicidade pública e particular deste continente.

                Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

                Vila Rica, 14 de julho de 1788.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro.

Visconde de Barbacena

Carta Régia de Dona Maria I ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, determinando opine sobre projetos de Tiradentes.

                DONA MARIA etc., FAÇO SABER a vós, Vice-Rei e Capitão-General de Mar e Terra do Estado do Brasil, que Joaquim José da Silva Xavier me fez a petição de que se vos remete cópia assinada pelo Secretário de meu Conselho Ultramarino, pedindo-me licença para poder tirar das cabeceiras do Catete e Andaraí, ou Maracanã, as águas, com faculdade de dispor delas a seu arbítrio, o que redundava em utilidade do público.

                E sendo visto seu requerimento, e ouvido sobre ele o Provedor de minha Fazenda, sou servida ordcnar-vos informeis com o vosso parecer.

                A Rainha Nossa Senhora o mandou pelos Conselheiros de seu Conselho Ultramarino abaixo assinados. Caetano de Brito Macedo a fez em Lisboa, a 25 de agosto de 1788. O Conselheiro Francisco da Silva Corte Real a fez escrever.

João Batista Vaz Pereira Francisco da Silva Corte Real

                Por despacho do Conselho Ultramarino de 22 do dito mês e ano.

Último recibo de soldos no Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais (6ª Companhia), do Alferes Joaquim José da Silva Xavier.

                Recebi do Tesoureiro da Real Fazenda, o Senhor Sargento-Mor Teotônio Maurício de Miranda Ribeiro, setenta e dois mil réis, importância dos meus soldos vencidos no IV trimestre do ano de 1788, dos meses de outubro a dezembro, cujos venci como Alferes que sou da Tropa Paga de que é Coronel o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena, e pelos ter recebido passo o presente recibo por mim assinado.

Joaquim José da Silva Xavier

Ofício-circular do Visconde de Barbacena às Câmaras participando a suspensão da derrama.

Senhores Juízes e Oficiais da Câmara de Vila Rica:

               A considerável diminuição que tem tido a quota das cem arrobas de ouro que esta Capitania paga anualmente de quinto à Sua Majestade pede as mais eficazes averiguações e providências.

               A primeira de todas devia ser a derrama, tanto em observância da lei como pela suavidade com que a mesma Senhora foi servida estranhar o esquecimento dela; porém, conhecendo eu as diversas circunstâncias em que hoje se acha a Capitania, e que este ramo da Real Fazenda é susceptível de melhoramento, não só em benefício do Régio Erário, mas dos povos cuja conservação e prosperidade são o objeto principal do iluminado governo da Rainha Nossa Senhora; e não tanto pela afeição particular com que me ocupo em procurar aos desta Capitania toda a sorte de felicidade, que sempre preferiria à minha própria, como pela confiança que devemos ter na piedade e grandeza de Sua Majestade, que são bem notórias, tomo sobre mim a suspensão da dita derrama que a Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda é obrigada a promover, até chegar a decisão da conta que terei a honra de por na augusta presença de Sua Majestade sobre os meios que parecerem mais proporcionados ao bem da mesma administração nesta parte, e ao de seus leais vassalos.

                E para me haver com o conhecimento e acerto que desejo e me é necessário neste importante negócio, recomendo a Vossas Mercês. que hajam de fazer sobre ele com toda a brevidade as mais sérias reflexões e exames, e me enviem, pela Secretaria deste Governo, a sua informação e parecer.

                E com isto espero também que Vossas Mercês concorram comigo, tanto assim pelo reconhecimento a que ficam obrigados, como por conveniência para o descobrimento e extirpação dos contrabandistas e extraviadores, que são e têm sido a principal causa da referida diminuição.

                Deus guarde a Vossas Mercês.

                Vila Rica, 14 de março de 1789.

Visconde de Barbacena

Carla elo Visconde de Barbacena ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, relatando a denúncia recebida de Joaquim Silvério dos Reis.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

               Ainda que o objeto desta carta é inteiramente do serviço de Sua Majestade, como o fim dela é comunicar-te o importante negócio que vou referir, prefiro, à toda formalidade, a confiança com que estou acostumado a escrever-te, porque me dará também uma liberdade e desembaraço úteis à mesma comunicação e à presteza de que ela necessita.

               É o caso: um homem, dos principais desta Capitania ao modo dela, veio dizer-me um destes dias, cheio de susto e de cautelas, que estava tramada uma forte e ampla conjuração e sublevação entre os poderosos e magnatas do país, entrando também os dessa Capital, para o subtrair ao domínio e senhorio de Sua Majestade e reduzi-lo à independência de um estado livre e absoluto, cujo cabeça e legislador era Tomás Antônio Gonzaga, Ouvidor que foi desta Comarca e Desembargador que está para ser na Relação da Bahia. O que ele (denunciante), por lealdade de vassalo e pelo risco que estava correndo a minha vida, se resolvera a logo vir delatar-me.

                2 — Apesar de tudo isto, não me liei logo no homem, nem desconfiei da verdade do negócio, e recebendo a notícia com toda a circunspecção que merecia, e com o maior acordo e sangue frio que eu podia desejar, ouvi o que me disse a montão, fiz algumas reflexões e perguntas, e postas as coisas em seu lugar, vem a ser pouco mais ou menos a sua história na forma seguinte.

3 — Que vindo ele de assistir a revista que mandei passar ao seu Regimento de Auxiliares (que é um dos que Sua Majestade mandou extinguir), sucedera queixar-se desta extinção diante de alguns oficiais feridos do mesmo mal. E que o Sargento-Mor do Regimento de São João Del-Rei. Luís Vaz de Toledo Piza, lhe puxara pela casaca e depois, falando-lhe só e aproveitando-se do descontentamento que havia observado nele (e de outras circunstâncias pelas quais o devia julgar interessado no partido patriótico, acrescendo a de ser ele da sua amizade), lhe descobrira a sobredita trama. E fora com ele à casa de seu irmão (do Sargento-Mor), o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, com que estiveram (os três somente) a porta fechada até altas horas da noite.

                4 — Que neste tempo lhe contara o Vigário que Gonzaga tinha empreendido esta boa obra, e por causa dela o movera a não partir para Lisboa como pretendia. E lhe mostrou o ouro que estava junto para a jornada, embrulhado ou ensacado da mesma forma com que se tinha preparado, declarando-lhe que se determinara a esperar o sucesso, visto que lhe tinha prometido coisa que de outra forma não poderia conseguir.

                5 — Que as leis e constituição do novo Estado se tinham já começado a ordenar, e ele, Vigário, lhe recitara a primeira arenga que havia de fazer-se ao povo no dia de sua liberdade. E desta, me repetiu ele (denunciante) várias coisas que não me pareceram fora do escólio, assim como as reflexões que fez sobre elas, muito impróprias da sua cabeça para poderem considerar-se levantadas por ele, mas muito proporcionadas à do tal Vigário e de Gonzaga.

                6 — Que auxiliava esta empresa, Inácio José de Alvarenga, que foi Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, parente e amigo de Gonzaga, e que se acha há meses por seu hóspede em Vila Rica, o qual tinha à sua parte grande número de gente armada (o que é muito possível por ter grande estabelecimento na Campanha do Rio Verde, com grande número de escravos e agregados, e por ser Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar).

                7 — Que um clérigo de má reputação, chamado (segundo me parece) José da Silva e Oliveira Rolim, filho de um Caixa do Serro e expulso de lá pelo Senhor Luís da Cunha por notícias ou suspeitas de traficância de escravos e diamantes, e que.me tem feito debalde requerimentos com grandes empenhos para ser restituído, era outro aliado importante pelo seu cabedal, que dizem ser considerável, e pelos amigos e sociedades que se lhe supõem.

                8 — Que, em Vila Rica, tinham mais a seu benefício o Contratador dos Dízimos anterior, Domingos de Abreu Vieira. E, na Comarca do Rio das Mortes, algumas quarenta pessoas das principais, mas não soube repetir-me os nomes, porque a máxima estabelecida era não saberem, quanto pudesse ser, uns dos outros.

                9 — Enfim, que se esperavam respostas dessa Cidade e que se lançasse a derrama, para se por em obra o premeditado desígnio. E que se haviam de avisar os partidistas com esta senha: A tantos de tal mês é o dia do batizado. Isto pelo que toca ao Vigário.

10 — Depois, disse-me mais o denunciante que, vindo de caminho a procurar-me, encontrara o Alferes do Regimento de Cavalaria Regular, Joaquim José da Silva Xavier (que foi com licença minha a negócios seus ao Rio de Janeiro, e levou uma carta de favor para ti), o qual Alferes, perguntando-lhe se trazia dinheiro para o cofre da Fazenda Real, lhe dissera e recomendara muito que não entregasse coisa alguma, que não fosse tolo, e que ele andava trabalhando para todos. E acrescentou o denunciante que, por ser encontro na estrada e com pressa, não tirara dele mais, porém sabia que ele era portador de correspondências desta com essa Capitania, e que ia certificar-se da assistência que esperavam ter dela. Mas que, na sua vinda, averiguaria tudo, porque ele era seu particular amigo e não lhe havia de ocultar nada.

                11 — Com isto ou pouco mais, se despediu e foi a Vila Rica, donde voltou passados três dias, recolhendo-se para sua casa, sem mais novidade do que ter falado com o Abreu e que este estava muito compadecido de mim. E lhe dissera que se tinha escusado de mandar vir pela Bahia uma grande partida de pólvora; que o obrigavam a ir a Minas Novas, onde tem muitos conhecidos e dependentes; e que tinha logo parado com umas obras que fazia nas suas casas, porque Gonzaga lhe tinha dito que a nova Capital havia de ser em São João del-Rei. E repetiu-me que se esperava, para conclusão do negócio, a vinda do Alferes.

12 — Perguntei com especialidade por algumas pessoas que eu sabia lhe eram pouco afeiçoadas (ou ele tinha por suas inimigas), para o experimentar. Disse que não, a respeito de outras, por assim o ter ouvido aos parciais. E só em consequência destas perguntas, declarou de mais por cúmplice ao Fiscal dos Diamantes, Luís Beltrão de Gouveia.

13 - E despediu-se oferecendo-me mandar vir pólvora, ajuntar gente etc.; mas nada aceitei. Antes lhe disse que não fizesse movimento de espécie alguma.

                14 — Fiquei fazendo as minhas reflexões e foram as seguintes: em primeiro lugar, pareceu-me que tudo podia ser como ele contou, porque os sujeitos nomeados (à exceção do Abreu, que sempre tive por um homem sossegado) são os mais capazes e próprios que aqui conheço para tão grande maldade. E têm relações entre si que fazem muito crível este conceito. Concorrem também, além disto, as circunstâncias seguintes.

15 — Que Gonzaga, tendo acabado há muitos meses o seu lugar, se tem demorado por cá só com o pretexto de esperar uma licença para casar que já lhe devia ter chegado há muito; e de uma monção que já chegou. E não fala uma palavra ainda de retirada. Que se tem metido a valedor geral, ainda de pessoas que antes aborrecia. Que quis fazer neste ano os principais oficiais da Câmara com pessoas de sua facção, e só por acaso o não levou a cabo. E, nisto mesmo, se quis meter o sogro do Alvarenga no Rio das Mortes. Que me pediu, com o maior empenho, que nomeasse para a escolta (que ultimamente foi conduzir o ouro para a permuta) a um soldado que é de uma família que ele muito particularmente proteje, do qual se poderá ter servido para portador de cartas importantes que não fiaria de outro qualquer próprio. Uma visita que me fez, a qual referirei logo no lugar competente. Que é brasileiro de nascimento ou, ao menos, de criação; e não tem o que perder em Portugal.

                16 — Assim como também Alvarenga, o qual, de mais a mais, tendo muito nesta terra, não tem nada porque tudo deve, especialmente à Fazenda Real; e só desta forma poderá pagar e ter bens para seus filhos. Que ele, Alvarenga, sempre que veio a Vila Rica foi para obsequiar os Governadores e conseguir a maior entrada e familiaridade possível em casa deles; e, agora, não se empenha nisso, nem mesmo me faz os obséquios que naturalmente eu devia esperar, ao mesmo tempo que o tenho tratado muito bem e servido em algumas coisas, de forma que (me faz lembrar agora) que isto poderá ser um efeito de confusão ou de receio.

                17 — Que o Vigário de São José é amigo particular de Gonzaga e ao mesmo tempo do denunciante. E é verdade que ele, há muito tempo, se dispôs a ir para Lisboa e depois não tratou mais de tal coisa.

18 — Que o denunciante não meteu na sua conta pessoa alguma daquelas de que tem alguma razão de queixa, e falou com muita coerência e probabilidade. Finalmente, que as pessoas de alguma importância, ou maior representação nesta Capitania, são quase todas devedoras de tudo quanto possuem a Sua Majestade; e só uma revolução destas lhes pode ajustar as contas (no conceito delas), além da vaidade e liberdade, que é também a mania de quase todos. Por outra parte, lembrou-me também que o denunciante é representado por um homem de mau coração, e capaz de usar, para a sua conveniência, de meios violentos. Que está, tanto ou mais que qualquer outro, no estado de dívida e responsabilidade à Real Fazenda que acima ponderei, e que, mesmo agora, estava sendo apertado com alguma força. E que, por estes motivos, tomaria a resolução de vir fazer-se importante e benemérito pela declaração dos fatos referidos, os quais, sendo falsos e de dificultosa prova, lhe pareceria que eu me contentaria com cautelas somente. Ou que, ainda no caso de se tomar algum conhecimento, sempre ficaria muito recomendado o seu zelo, fiando-se talvez que depois o tempo, ou ele mesmo, daria saída a toda suspeita ou dificuldade em contrário. E que poderia também eu ter já alguma notícia e, na verdade, por duas vezes me perguntou se eu ainda não tinha sabido de nada. Mas parece-me que se pode por de parte esta desconfiança à vista do mais.

                IX — Feitas estas reflexões e levando-se a partes opostas, achei-me sem forças e sem conselho, porque além de serem os oficiais do único Regimento que tenho, pela maior parte, interessados na mesma revolução (ainda que não tenham concorrido para ela), e ter-me dito o denunciante que alguns, segundo ouvira, estavam convidados, é certo que não tinha na praça senão até setenta soldados prontos, porque os mais, ou andam em diligências de cobranças, ou se acham destacados nos Registros e nas Guardas diamantinas, posto que eu, sem presumir tão grande novidade, tinha já mandado recolher os licenciados e dar baixa a alguns incapazes. Considerei que a dificuldade não estava em prender essas poucas pessoas indiciadas, mas sim em me fazer senhor de todas (ou ao menos da maior parte) e em segurá-las depois de presas, porque é provável que, no caso de terem séquito, quaisquer sessenta ou setenta homens de pé rapado (como chamam por cá) os pudessem soltar com qualquer auxílio do povo, que ordinariamente ama a novidade. E talvez os levariam ao seu partido até, com entusiasmo de acudir aos seus libertadores. E muito principalmente sendo também a Cadeia de Vila Rica pouco proporcionada para tais prisões e seguranças, e não havendo nenhuma outra casa forte na capitania.

                19 — E enfim: que um tão grande rompimento merecia as mais acertadas medidas e a maior circunspecção ate pelo mau exemplo que pode dar; e vir ainda a ser funesto em outra ocasião — que Deus não permita. E sobretudo que, enquanto pudesse ser, eu não devia obrar senão de acordo contigo, não só pela vizinhança da Capitania, mas por se ter dito que algumas pessoas dela eram sabedoras e interessadas, ou intentariam fazer por lá o mesmo. Com isto tomei a resolução de dissimular e de fazer de alguma forma o meu partido melhor, enquanto te escrevia e chegava a tua resposta. Neste conceito, tendo-se proposto na Junta da Fazenda o lançamento da derrama, e havendo declarado o Procurador da Coroa que era obrigado a requerê-la formalmente, posto que todos conheçam a impossibilidade de sua cobrança e o prejuízo que dela se seguiria procedendo-se à risca, declarei que tomava sobre mim a demora ou suspensão do lançamento, até que Sua Majestade resolvesse sobre a conta que ia dar-lhe por este motivo. E assim o escrevi logo as Câmaras, da forma que verás na cópia que remeto, e ao mesmo tempo, aproveitando-me também da boa disposição que havia, tanto no Regimento Regular como ainda na opinião de muitos particulares, a favor do estabelecimento de uma Legião em lugar do dito Regimento, mandei escrever o bando que também verás, que ainda se não deitou mas é já público, e que ainda assim veio a contribuir melhor para a dissimulação que afeto, mostrando que não era necessário fazer bulha com pressa.

                20 — Sucedeu, depois disto, vir Gonzaga visitar-me a esta casa onde me acho, três léguas fora de Vila Rica. E logo depois dos primeiros cumprimentos, contou-me que o povo daquela Vila estava na maior satisfação e que até, se, lhe fosse possível, me levantaria uma estátua. Eu respondi a isto do modo que devia e era conveniente. E ele tornou a carregar na mesma asseveração e, ainda não satisfeito, com uma mais ampla inteligência que versava sobre a mudança de alguns mineiros para outras Capitanias (e outros excessos deste gênero que se podiam recear). Tornou ainda a fortificar a mesma asserção e pareceu querer explicá-la, mas chegamos à casa e tive boa ocasião de remover a conversação. Tratei-o com a civilidade costumada e, pela sua demora, suspeitei que queria dizer-me alguma coisa em particular: e perguntei-lhe se tinha negócio (para mandar sair Francisco Antônio que tinha vindo tomar chá e ficado conversando na mesma casa). E ele respondeu que não, porém demorou-se até se achar só e tornou a mover a conversação para o mesmo objeto, dizendo-me depois de várias antecedências que ele considerava a Capitania em tais circunstâncias que só lhe faltavam duas cabeças. E escapando-me eu ainda desta com boa arte, tornou ainda depois a procurar ocasião de dizer-me que esta Capitania devia estar na menina dos olhos do Ministério, porque era a que mais facilmente se podia levantar, ainda sem dependência de outras, tanto pela sua situação e defesa natural, como pelas suas produções e riqueza de letras (de cuja confidência, ou conversação, me fiei também, desviando com a maior arte e dissimulação que podia ocorrer). E como tornasse a entrar na casa Francisco Antônio, e fosse já tarde, tomou o partido de despedir-se. E ainda que prometeu tornar-me a ver com brevidade, tenho estimado muito que até agora lhe não fosse possível.

               21 — Não me demoro a tirar as consequências desta visita porque não tendo mais fundamentos que os referidos, tu poderás tirá-las ainda mais prováveis e acertadas do que eu. Mas entendo que, se o seu ânimo era vir sondar o meu, foi bem logrado. Assim também me parecia desnecessário dizer-te coisa alguma a respeito do caso que deve fazer-se destas notícias e reflexões, porque estou antes determinado a esperar, podendo ser, pela tua resposta. Porém, para adiantares as tuas, direi algumas das minhas lembranças.

              22 — Como sabes que não tenho força em que me fie, talvez quererás auxiliar-me com alguma parte das dessa Capitania, quando aches que o caso assim o pede. Então, não só espero que me avises logo, mas que a faças entrar com alguma dissimulação (que poderia ser o fingimento de alguma ordem ou insinuação da Corte, para aquartelar por fora algum Regimento, e ainda mesmo para aliviar essa Capitania da grande despesa que tem) e mandá-la logo aquartelar interinamente em diferentes partes desta para menor incômodo do povo. Até que, chegando-me o teu ofício de formalidade, pudesse eu dar as providências que fossem convenientes. Os quartéis mais necessitados de força (sem fazer maior suspeita por ficarem no caminho para a Capital do Governo) são os seguintes: as fazendas que ficam desde a Paraibuna até o Registro de Matias Barbosa; o arraial da Igreja Nova, onde pode ficar muito bom uma companhia junto, ou mais; a Vila de São João del-Rei e a de São José, que lhe é vizinha mas mais pequena; as fazendas da Ressaca e Paraopeba; o arraial de Carijós; a Cachoeira (onde estou) e Vila Rica.

                23 — Sendo a principal circunstância desta expedição, no caso que te pareça que deve ter lugar, ser a gente escolhida e os oficiais de confiança (ainda que por todo não chegue a um Regimento), e que venham logo municiados, porque Sua Majestade não tem aqui de seu um só barril de pólvora (a qual achei de costume comprar-se quando é necessária e, pelo pouco tempo que tenho tido do governo, não tinha ainda dado remédio a este inconveniente), posto que, sem o saber, requeri em Lisboa que viesse pólvora diretamente por conta da fábrica, até mesmo para o uso dos particulares que a comprariam no Armazém Real.

               24 — Lembrou-me também que podia ser mais conveniente fazer as prisões debaixo do título de outra culpa (ou fingindo denúncia de diamantes, ou ainda melhor, ordem do Santo Ofício) e fazê-la encarregar a algum comissário que fosse na boa fé assistir a elas e selar os papéis; porque se indisporia talvez o povo, desta forma, contra os presos em benefício da segurança e condução deles, se eu ainda não tivesse forças para obrar declaradamente, ou parecesse conveniente ocultar ao mesmo povo e às nações estrangeiras este pernicioso exemplo.

                25 — Porém, tudo isto, assim como também a conta que se deve dar a Sua Majestade, depende muito das averiguações e combinações que tu poderás fazer em consequência destas notícias; e das buscas que talvez te resolvas a mandar dar ao mesmo Alferes a título de diamantes. Ou prendendo-o por alguma fingida desordem, para o mesmo fim, que seja bem manifesta (para não se espantarem os sócios antes que os ponha em estado de não lhes chegar esta novidade). Assim como também, a respeito do soldado afilhado do Gonzaga que vai na escolta, a qual toda pode muito bem ser buscada e examinada com o pretexto de alguma passagem de ouro em pó, antes de entrar no seu quartel, no que espero sempre que hajas de recomendar o melhor modo e decoro para a dita escolta, quando determines por em prática esta indagação.

                26 — Tenho escrito ao correr da pena e, talvez, com prolixidade. Porém, como o negócio se estende e a sua gravidade seja notória, estou desculpado para contigo. E com mais razão, repito a satisfação com que comecei, porque se verificaram os motivos dela. Fiei-me deste Furriel, mas ainda assim vai enganado, cuidando que o negócio é de Francisco Antônio Rebelo; e tu poderás servir-te, na resposta, de quem melhor te parecer; ou dele mesmo, ainda que poderá fazer-se na volta suspeitoso aos interessados, se eles são tantos como se supõem.

               27 — Este grave cuidado apanhou-me com fraca saúde já de tempo, e sobre uma queda de que sinto ainda os efeitos. Mas tem-me Deus socorrido com o maior sossego de ânimo e sangue frio que podia desejar em tal ocasião. Porém, como sempre conheço que a minha vida corre grande risco (não tanto pelo que me disse o denunciante, como pela natureza da empresa mesma), resolvi-me ontem a comunicar tudo ao Bispo desta diocese, a quem toca o primeiro lugar do governo na minha falta; e também ao Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, a quem se deverá dar o que compete ao oficial militar, não só pelas qualidades em que excede aos mais, porém especialmente por concorrerem em Francisco de Paula Freire de Andrada, tenente-coronel do Regimento, veementes motivos de suspeita, os mesmos motivos (me esquecia dizer-te) que tenho de outras pessoas, e entre elas muito principalmente, do Ouvidor da Vila do Príncipe, Joaquim Antônio Gonzaga, pelo seu gênio altivo e inquieto, por ser brasileiro e particular amigo e parente do recomendável sujeito do seu nome que nos inquieta, sobre o qual também necessito o teu parecer, quando for tempo de proceder com o rigor necessário.

                Deus te guarde muito anos.

                Cachoeira do Campo, vinte e cinco de março de mil setecentos e oitenta e nove.

                Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, recomendando a prisão de Tiradentes e participando envio de Joaquim Silvério dos Reis.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Meu Tio, Amigo e Senhor do Coração:

               Como este portador poderá chegar a essa cidade, aproveito esta ocasião para dizer-te que há muitos dias espero novas tuas e as desejo. Recebi cartas de Lisboa, e as notícias em que falava na última que te escrevi vão se verificando e, com isto mesmo, acresce o motivo de tornar a recomendar-te o oficial para quem pedi o teu favor, e também porque já outra pessoa me falou a respeito dele. E ainda que da sua capacidade não devam esperar-se grandes coisas, nem pareça capaz de se lhe confiarem, sempre o julgo nas circunstâncias de ser atendido sem escrúpulo algum.

               2 — E, quando aches melhor que eu lhe faça cá algum benefício, com o teu aviso ficarei nesta certeza, assim como resolvido a fazer a outros que se achem em semelhantes circunstâncias.

               3 — Fico na diligência de satisfazer a tua curiosidade, mandando-te o homem, que não sei agora como se chama, o qual, não me tendo aparecido mais, vem-me à lembrança, e receio que queira pregar-me alguma logração, porque não deixa de ter capacidade para isto. Mas ele sempre há de ir: ou logrado, ou por bem, ou por mal. E se o primeiro método tiver execução, eu te avisarei logo que ele daqui partir para que tu lá o mandes também logo chamar, ou conduzir à tua presença.

                4 — Posto que ignoro se ainda necessitas de recrutas, como tenho por aqui alguns sujeitos que convém à tranquilidade pública deitar para fora, hei-de brevemente remetê-los, advertindo já daqui (como fiz a respeito de outros, que não são dos que podem ficar na cidade), para que tu lhes tenhas recomendado toda a segurança, enquanto os imo mandares.

                5 — Tenho acrescentado a tropa desta Capitania com alguns soldados de Infantaria para o serviço da praça, mas antes que se consiga discipliná-los, como é necessário, de pouco me servem. E poderei, talvez, requerer-te alguns soldados dos Regimentos da Europa, para este fim e ainda para ficarem por oficiais inferiores (permitindo-me Vossa Excelência esta liberdade), assim como um tambor que seja bom e toque pífano igualmente.

                6 — Eu tenho passado estes dias com mais algum sossego (que torno já a perder), mas de saúde não me queixo mais do que costumo. Espero que tenhas adiantado alguma coisa o negócio de Francisco Antônio, o qual está impaciente também por saber o favor que lhe terás feito; e muito mais agora, porque lhe tornaram a meter na cabeça coisas que apoiam de alguma forma os seus primeiros receios e conferem com eles.

                7 — Aceita muitos recados de tua Comadre que fica boa; e ainda melhor fica a tua afilhadinha que está muito crescida, muito galante, e com muita boa saúde.

                Deus te guarde muitos anos.

         Cachoeira do Campo, quinze de abril de mil setecentos e oitenta e nove anos.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa.

Teu sobrinho amigo e fiel cativo,

Luís.

               27 — CACHOEIRA DO CAMPO, 19-04-1789.

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, apresentando Joaquim Silvério dos Reis.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Meu lio e Amigo muito do coração:

               Suponho que terás recebido a minha carta de 25 do mês passado, posto que não tenho ainda tido resposta, mas sempre a falta dela me dá grande cuidado pelo receio de que pudesse desencaminhar-se.

               2 — O Coronel Joaquim Silvério dos Reis, portador desta, é a pessoa que te disse em outra de 15 do corrente devia ir falar-te, ao que ele condescendeu com a melhor vontade, não só a bem do negócio que tem de comunicar-te, mas pelo desejo que tinha e tenção que já fazia de ir despedir-se, porque se te confessa muito obrigado. E, se minha recomendação pode acrescentar alguma coisa a seu favor, peço-te que lhe faças tudo o que ele merece.

                3 — Uma dor de dentes que me tem perseguido há três dias, e agora me está molestando bem, é causa de eu não acrescentar nesta alguma coisa que o dito Coronel suprirá de palavra. E fico esperando as tuas notícias com o maior desejo.

                Deus te guarde muitos anos.

                Cachoeira do Campo, dezenove de abril de mil setecentos e oitenta e nove anos.

                Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa.

                Teu sobrinho e fiel cativo,

Luís.

Ofício da Junta da Real Fazenda de Minas Gerais ao Conselho Ultramarino sobre as razões da suspensão da derrama na Capitania.

Senhora:

               Determina Vossa Majestade, por ordem participada pelo Excelentíssimo Presidente desta Junta expedida pela Secretaria de Estado, que ponhamos na sua real presença as razões porque se tem suspendido o lançamento da derrama para se inteirar a quota (ias cem arrobas de ouro anuais, a que se obrigaram os habitantes desta Capitania, em virtude do que se fez o termo constante da cópia junta com o número primeiro.

               2 — É certo, Senhora, que os Deputados desta Junta, que nos precederam, não continuaram a lançar a respectiva derrama depois do ano de mil setecentos e setenta e um, cuja suspensão parece que se firmou em uma representação feita pelo Procurador da Fazenda, que então servia, em que mostrava que a continuação era sumamente nociva aos mais rendimentos desta Capitania. E pondo esta Junta esta representação na presença de Vossa Majestade pelo seu Real Erário em conta datada de dezenove de agosto de mil setecentos e setenta e três, como se vê da cópia junta com o número segundo, não foi Vossa Majestade servida decidir coisa alguma sobre este importante negócio, com o que ficou talvez entendendo a mesma Junta que Vossa Majestade se linha deixado persuadir das razões que nela se expendiam para a suspensão deste tributo.

                3 — Suspenderam os Deputados daquele tempo, junto com o seu Presidente, a derrama; pareceu um negócio útil aos interesses de Vossa Majestade, como mostrou o Procurador da Fazenda, que fez a representação para este fim; e não continuarmos nós no mesmo lançamento não só nos pareceu útil mas necessário, pois que subsistiam as razões, que naquele tempo se ponderaram, e acrescia nova razão: da maior decadência do país e a impossibilidade de se cobrar por junto uma dívida que tem chegado a uma tão exorbitante quantia de quinhentas e oitenta e duas arrobas, quarenta marcos, cinquenta e quatro grãos e um quinto; e como a defesa que oferecemos toda se firma na impossibilidade dos povos e no próprio interesse do Real Erário, nós vamos mostrar estes dois princípios.

                4 — O método da derrama foi aprovado por Vossa Majestade em tempo que esta Capitania se achava florescente, pela riqueza das minas que estavam descobertas e pela frequência dos novos descobertos que todos os dias se faziam; mas esta Capitania chegou ao estado da sua total decadência, chegou ao estado de não poderem as Casas de Intendência render as cem arrobas, nem os povos responder pela diminuição na forma do seu ajuste.

                5 — A primeira causa da decadência do rendimento do quinto é a falta da extração do ouro, que é visível não só pela diminuição do mesmo quinto, mas pela suma pobreza a que se acham reduzidos os povos desta Capitania; o que não sucederia se estivesse em toda a sua grandeza a extração do ouro que é o sangue dela. A falta da extração prova-se bastantemente, pois que os mineiros se vêm obrigados a tornar a lavrar os mesmos lavrados que já deixaram por inúteis os seus antepossuidores, o que não fariam se tivessem descoberto novos que lhes dessem utilidades maiores do que lhes dão uns serviços que em outros tempos se reputaram inúteis; eles, sim, têm ainda alguns morros por trabalhar, mas a falta de águas por cima deles e a dificuldade e grande despesa de as conduzir de longe, o muito ferro, aço e pólvora que os mesmos serviços requerem, os fazem inúteis ou, ao menos, superiores às forças dos mineiros, que não podem com tão avultadas despesas.

               6 — A segunda causa da diminuição do quinto consiste na falta de terras minerais desta Comarca, da do Rio das Mortes e da do Rio das Velhas, pois se acham extintas; e as terras minerais da Comarca do Serro do Frio, que são hoje as mais abundantes, se acham proibidas por causa da extração dos diamantes.

               7 — A terceira causa consiste em se repartir o pouco ouro que se extrai por maior número de habitantes, pois havendo em outro tempo menos famílias brancas, girava entre elas menos quantia de ouro em pó das suas diárias despesas, e entrava, por consequência, mais ouro nas Casas das Intendências, onde só se funde o que sobra das despesas ordinárias e entra no giro do negócio que não fica no país; o que, sem dúvida, não sucederia se o país estivesse abundante e rico, pois que então consumiria mais gêneros do que consumia no tempo antigo em que era menor a sua população.

               8 — Estando, Senhora, o país na decadência ponderada, nos pareceu alheio das piedosas intenções de Vossa Majestade o fazermos lançar sobre o povo uma derrama com que não pode e muito mais depois de ter subido a tão excessiva quantia. Esta exação não só redundava em total destruição dos vassalos de Vossa Majestade, cuja felicidade faz o único objeto do seu felicíssimo reinado, mas também causava um grave dano aos mais tributos com que devem contribuir os mesmos povos para a sua real fazenda por diferentes Repartições. Uns reduzidos à maior pobreza por causa desta exação, não dariam consumo às poucas fazendas que ainda hoje gastam, e aqui se arruinariam mais os direitos do Contrato das Entradas, do Consulado e Alfândegas. Outros, por lhes tirarem os escravos, não trabalhariam na cultura das terras e na extração do ouro, e aqui se arruinaria o Contrato dos Dízimos pertencente a Vossa Majestade; e o tributo dos mesmos quintos, que hoje se acha tão diminuto, totalmente acabaria e em consequência destes danos, viriam outros igualmente nocivos.

                9 — Estas sem dúvida seriam as razões porque os Excelentíssimos Generais desta Capitania, trazendo nas suas instruções ordens para o lançamento da derrama, as não puseram em execução; e serão talvez as mesmas por que o Excelentíssimo General Presidente atual desta Junta se animou a suspender a execução desta nova ordem, tomando até sobre si o ser responsável a Vossa Majestade da falta do seu cumprimento; e este zelo do maior interesse das rendas de Vossa Majestade, que moveu a tantos e tão sábios e zelosos Generais, foi o mesmo que guiou o espírito desta Junta que tem os mesmos desejos de servir a Vossa Majestade com igual fidelidade, préstimo, fervor e zelo.

                É o que podemos responder a Vossa Majestade que determinará o que for servida.

                Vila Rica, a dois de maio de mil setecentos e oitenta e nove anos.

Afonso Dias Pereira Carlos José da Silva Francisco Gregário Pires Bandeira Pedro José Araújo de Saldanha

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, pedindo tropas para reforço da Capitania e sugerindo sua distribuição.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa

                Há poucos dias tive parte de se ter achado, entre as Serras da Canastra e da Marcela, um descoberto abundante de ouro e diamantes, para onde tinham concorrido logo mais de 100 pessoas. E como esta notícia é já pública, concorrerão em breve tempo muitas mais, se não se lhes impedir o passo.

                2 — Tanto para este fim como para conter a ordem, ou fazer despejar o povo que se acha junto tumultuosamente no dito território, é necessário destacar o pequeno resto do Regimento de Cavalaria que está no Quartel, e talvez será insuficiente, ficando ainda por completar um novo destacamento que, pelo mesmo motivo, tinha posto no sertão de Paracatu, para guarda dos Rios de Santo Antônio, do Abaeté, e do Sono, impraticáveis alguns, outros de menos força — que tinha determinado para segurança dos direitos e cobro dos extravios.

                3 — Nestas circunstâncias, havendo urgente precisão de mais alguma tropa e não sendo já compatível o acréscimo que procurava dando ao Regimento desta Capitania nova forma (com a economia da regulação que tinha projetado); e, ao mesmo tempo, com as presentes necessidades, requeiro a Vossa Excelência (enquanto não chegam as ordens de Sua Majestade) que seja servido mandar para esta Capitania, com a brevidade possível, duas Companhias de Infantaria: uma das quais deverá marchar em direitura para Vila Rica, para fazer o serviço e guarnição da Capital; e, da outra, poderá logo a maior parte encaminhar-se à estrada do novo descoberto, ficando o resto aquartelado no Caminho, especialmente no arraial da Igreja Nova, até se lhe determinar o destino que for conveniente.

                4 — No caso que Vossa Excelência condescenda neste auxílio, como espero, necessito que Vossa Excelência me avise logo, para dar as providências necessárias ao fornecimento de víveres; e que determine se o pagamento da referida tropa será feito, daí por diante, pela Fazenda Real desta Capitania, enquanto nela permanecer.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa. Cachoeira do Campo, 6 de maio de 1789 anos.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Laís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, confirmando ofício da mesma data e referindo-se ao Doutor José Álvares Maciel.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Meu Tio, Amigo e Senhor muito do meu coração:

                Recebi a tua carta de 27-04 com a notícia da breve chegada da fragata que vem buscar os quintos, e do teu sucessor. E não respondo pelo teu portador, que vai daqui um destes dias, por ser muito conveniente adiantar com brevidade a carta de ofício que agora te dirijo, à qual tenho de acrescentar que, no caso de anuíres ao requerimento que nela te faço, hajas de mandar tropa escolhida dos regimentos da Europa, especialmente a respeito dos oficiais, vista a qualidade do serviço para que te peço. E que resolvas, ou insinues, no caso de lhes haverem de ser pagos os soldos por esta Capitania, se deverão estes ter algum acrescentamento proporcionado ao que nela têm todos os mais soldos (e também a maior parte dos ordenados e emolumentos), ou se te parece melhor alguma espécie de ração, a título de estar destacada, porque na verdade muitas coisas necessárias são mais caras nesta Capitania do que nessa.

                2 — Por outro portador que te mandei (e que convém demores ainda por lá), terás tido certeza de haver chegado também a tua carta de 19-04. E que sou também retratista, pois que não equivocaste a minha pintura com outro sujeito. Ele pode servir-te para averiguar os sócios do autor do contrabando já recomendado por mim, porque é certo ter ele espalhado que os tinha nessa Capitania, por esta ou outra forma que vale o mesmo.

               3 — José Álvares Maciel, que se acha comigo nesta residência, tem dobrado de ardor e diligência, desde certo tempo, na indagação de minas (especialmente de cobre e de ferro, que ensaia repetidas vezes, por sua curiosidade e até com despesa própria), e anda com grande desejo de salitre, de forma que, se as minhas ocupações me não tivessem afastado deste gênero de aplicação, teria ele já fundido em grande e adiantado muito mais os seus conhecimentos nesta parte. E suponho também que este será o motivo de não ter ido a essa Cidade, como te prometeu e que tenho persuadido. Nem me parece que já o fará, se tu de lá não fizeres alguma instância.

               4 — As novidades têm-se verificado pela maior parte, e os meus discursos e combinações não deixaram de conferir e ajustar-se bem com as primeiras noticias.

               5 — Tua Comadre tem passado hoje com muita dor de cabeça, e fica na cama esperando curá-la, por defluxo ou constipação. Estimarei continuar a ter boas notícias tuas, e que me dês muitas ocasiões de te agradar e servir como

               Teu sobrinho e fiel cativo,

Luís

               Cachoeira, 6 de maio de 1789 anos.

F.S. — Lembro que, vindo a tropa por divisões de 20 até 40 homens, poderá facilitar-se a comodidade da marcha.

Ofício do Visconde de Barbacena a Bernardo José de Lorena, Governador Capitão-General de São Paulo, pedindo a prisão de Claro José da Mota.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

                Chegou à minha notícia que várias pessoas, nesta Capitania, têm espalhado rumores sediciosos e formado conselhos e projetos da mesma natureza; e que, para eles, contam com o auxílio também dessa Capitania, donde se diz que têm correspondência e séquito.

                2 — Não posso individual’ por ora sujeito algum, mas é necessário que Vossa Excelência se acautele com todo o segredo e que proceda desde logo aos exames e averiguações que julgar mais convenientes, não obstante qualquer aparência que esta notícia possa ter de inverossimilhança, ou impossibilidade.

                3 — Disseram-me que, na Vila de Taubaté, reside, ou se acha presentemente, um fulano Claro, ou Claro de tal, sobrinho do Vigário da Vila de São José da Comarca do Rio das Mortes, Carlos Correia de Toledo, o qual, estando em Vila Rica há poucos meses, ouvira ou assistira a uma das sobreditas sediciosas conversações em casa de um advogado muito conhecido, Cláudio Manuel da Costa. E por isto, convém muito que ele se não perca de vista e que seja inquirido tão brevemente como Vossa Excelência julgar a propósito, a bem das indagações de Vossa Excelência e das minhas, e de forma que se não rompa o segredo, ou possa ele mesmo comunicá-lo aos interessados.

                4 — Espero que Vossa Excelência me certifique de ter recebido este ofício e me avise também, depois, das consequências e resultado dele.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Cachoeira do Campo, 6 de maio de 1789 anos.

                Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Bernardo José.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, remetendo cartas-denúncias de Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago e Inácio Correia Pamplona.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Meu Tio, Amigo e Senhor muito do meu coração:

                No dia 4 do corrente, chegou o anspeçada com a tua carta de 27 do mês passado, que me pareceu resposta à minha de 15 do mesmo mês. Esta não teve por objeto persuadir-te já a procedimento algum rigoroso contra o Alteres e o recomendado, mas tão somente prevenir-te contra a enganosa aparência do negócio. E principalmente procurar a certeza de teres recebido a carta antecedente, cuja tardança me dava cuidado.

                2 — Como a vinda do dito anspeçada tem sido causa de grandes especulações, me resolvi a demorá-lo estes poucos dias; e avisei-te da sua chegada em carta de 6 deste mês, expedida pelos moradores da estrada. » E aproveitei-me de um famoso descoberto, de que tive parte e que fez grande expectação e balela antes que a fama diminuísse, para pedir-te por este motivo duas companhias de Infantaria, de cuja necessidade tu julgarás pelo estado do caso e pelos papéis que remeto. E pedi só duas, não só para fazer crível o dito pretexto e remover a suspeita de maior precisão, mas porque, na verdade, entendo que é força suficiente para a cautela e segurança que pede o mesmo caso, visto ter dito o Vigário que tinham de sua parte o Regimento, o que não acredito geralmente (ainda que sendo a maior parte dos oficiais filhos do país sempre se deve desconfiar deles, porque se não estiverem determinados a promover uma semelhante revolução, estou certo que hão de estimá-la quase todos). Além disto, a tropa da Capitania tem um só comandante (2) que está abocanhado também; e, se for certa a imputação (o que não espero), pode facilitar-se muito a desordem.

                3 — Não obstante o que fica ponderado, tu resolverás se outras circunstancias mais atendíveis devem dispensar esta cautela, porque então não demorarei mais o procedimento — no qual, porém, não só desejo e necessito obrar de acordo contigo, mas esperar o teu parecer e resposta — não havendo, entretanto, novidade que me obrigue a antecipá-lo.

                4 — Passados alguns dias, depois que te escrevi a minha primeira carta de 25 de março, resolvi-me a mandar chamar o C.D. (coronel derrubado) cuja pintura reconheceste, tanto para perguntar-lhe o que sabia de novo, como para sondar outra vez a sua verdade e intenção. Veio com alguma tardança da qual se tinha mandado desculpar, no dia 15 ou 16 de abril, e somente que contou de novo que, queixando-se do aperto que eu lhe fazia (para cobrança do que está devendo à Real Fazenda), diante do Coronel do Regimento de Auxiliares da Vila de São João del-Rei, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, tio da mulher com quem está para casar, ele lhe dissera batendo-lhe no ombro: — “Deixa estar que brevemente te hás de ver livre desse flagelo”. E que isto se passara diante do Padre José Lopes, irmão do mesmo Coronel, e do outro clérigo chamado Francisco Vidal, irmão do Sargento-Mor José Vidal Barbosa, do novo Regimento Auxiliar da Borda do Campo, entre os quais notara alguns sinais de inteligência.

               5 — Tendo-o achado bem lembrado e constante em tudo o mais, disse-lhe que era conveniente escrever o que me tinha contado, ou fazer depoimento de tudo formalmente, ao que não pôs dúvida. E tendo sido, então, a minha vontade e intento sondar unicamente a sua resolução, antecipou-se ele a comunicar tudo ao Ouvidor desta Comarca, que entendeu seria o juiz da dita inquirição. E ainda que esta facilidade me desgostou, não receio que tenha consequência.

               6 — Não obstante isto, não me resolvi a ordenar auto algum, ou conhecimento judicial; e me contentei com mandar-lhe escrever o que me tinha contado (cuja cópia é a de nº 1), que acharás diminuta tanto no fato acima referido, como de alguns mais. E determinar-lhe que partisse logo a essa Cidade, para te participar tudo e servir-te no exame do Alferes e averiguação dos amigos que nela lhe supunha. E ao mesmo tempo, para que tu o observasse e entretivesses a ele mesmo, até se deslindar o enredo (porque não duvido que seja capaz de jogar à primeira das duas). Porém, antes de tudo, lhe fiz as reflexões que me pareceram justas sobre o crédito e combinação dos referidos fatos, com os mesmos argumentos e discursos prováveis que depois achei na tua carta, tirados das presentes circunstâncias da Capitania, e até mesmo do que se tinha passado comigo; mas o achei firme e coerente.

                7 — Ele ignora que sabes tudo, porque só lhe disse que te tinha acautelado com generalidades. E assim poderás melhor combinar e avaliar as suas asserções que, pela maior parte, estão referidas no depoimento de Pamplona e apoiadas com as vagas notícias do Basílio, sendo certo que nem o caráter dos três rima entre si, nem eles se unem ou convivem de forma alguma. O mesmo Joaquim Silvério te dirá também o modo porque teve notícia da concorrência do F. do S. (Fulano do Serro) — que tu supões incapaz de semelhantes desvarios. E talvez se ache ainda nessa Cidade o sujeito que ele disse lho participara, chamado, segundo minha lembrança, João ou Francisco Manuel Romão. E como por ora não há contra ele outra prova ou testemunha, poderá ser este exame muito conveniente à sua honra. Eu não duvido do seu brio, mas conheço-lhe uma verdade e leveza capazes de o alucinarem; e tu bem sabes que os homens insensivelmente se depravam, especialmente quando se entregam às paixões e intrigas, e a companhias corrompidas que se esforçam por corrompê-los. Isto, pelo que toca ao Coronel Derrubado. Agora saberás das mais diligências que, por conta do segredo que guardo o da ignorância que afeto, se não têm adiantado muito.

                8 — Com as notícias de Joaquim Silvério, lembrou-se logo Francisco Antônio Rebelo de umas palavras misteriosas do Tenente-Coronel Basílio de Brito, que não foram tão expressivas como ele refere no seu papel (cuja cópia é a do nº 2 — das quais se não havia feito muito caso por esse motivo, e por se atribuírem a outra parte e a outros fins. Pareceu conveniente examiná-lo e deu-se-lhe jeito para mais declarar: o que ele fez de palavra muito sinceramente e de boa fé, sem lhes dar a grande importância que depois lhe deu por escrito (talvez porque não tinha considerado e combinado bem as coisas; ou para fazer mais relevante e de mais consequência a sua participação). Mas os fatos são os mesmos e têm um caráter de verdade tal que de nenhuma forma duvido deles, acrescendo ser o dito Basílio um homem de quem os maliciosos nunca se fiariam, porque é tido por adoidado; e se não se acautelaram inteiramente, é porque o julgam descontente e queixoso de mim a respeito dos seus negócios e requerimentos. Eu recebi as notícias e o papel como um testemunho do seu zelo e fidelidade, e não porque necessitasse dele para uso algum, persuadindo-lhe que: nem me capacitava dos seus receios, nem os tinha, porque já conhecia a terra e sabia que sempre tinha havido a mesma liberdade de linguagem (mas não o fiquei entendendo assim).

               9 — Com isto já me pareceu necessário tomar algumas cautelas e medidas mais apropriadas ao caso (para não me acharem desapercebido, e de tal modo que não me percebessem) . Continuei nas investigações que eram oportunas, não perdendo de vista os indiciados e seguindo-os em todos os seus passos, movimentos e amizades. Por meio delas, veio-me à mão no dia 2 de maio uma carta do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona ao Deputado da Junta da Fazenda, Carlos José da Silva — que é um dos homens de maior honra, fidelidade e préstimo que servem a Sua Majestade nesta Capitania — na qual se achava a seguinte pós-data, da própria letra do Mestre de Campo: “Eu não posso ir à Vila; Vossa Mercê veja o modo onde havemos de conversar pelo que ouço há 3 dias. Nem Vossa Mercê se descuide de meus avisos.” Carlos José teve moléstia, ou que fazer, e meteu-se Francisco Antônio, amigo de um e de outro, a satisfazer ao aviso, partindo daqui com carta dele à Capela do Senhor de Matozinhos, nas Congonhas, onde havia festa e jubileu e se devia achar o Mestre de Campo.

                10 — Lá se houve com ele; soube que o objeto da recomendação era o tal caso; e, finalmente, trouxe-o aqui com o pretexto que já tinha dado para esse fim, tendo-lhe escrito que viesse pessoalmente dar-me a conta que me remetera sobre o novo descoberto da Serra da Canastra (que começou a desencantar-se nesses dias). Chegando aqui, disse-me o que consta do seu papel nº 3 com muito boa vontade e zelo, à exceção do que respeita ao Vigário — que custou alguns preâmbulos, por ser muito seu amigo. E sempre fiquei entendendo que, nesse ponto, não contou tudo, omitindo as circunstâncias que podiam ser mais agravantes contra o dito Vigário e que, ele Pamplona, tora formalmente convidado e persuadido para a empresa. Porém isto é só desconfiança minha. O que tenho por certo é ser o Mestre de Campo um homem sério, e que tudo quanto disse e escreveu há de ser indubitável verdade. Ele chegou muito assustado do caso e pareceu-me que foi daqui com medo dos amigos. Levou ordens para ir examinar a novidade do descoberto e, de caminho, sondar o ânimo do seu Tenente-Coronel, João Pinto Caldeira, que é poderoso na paragem e creio que não deixariam de o ter convidado. E me fiquei servindo do tal descoberto para outras medidas e providências, ainda que tive já parte de terem sido mais as vozes e a fama, do que a concorrência e riqueza que se figurava.

                11 — Enfim, meu Amigo, este é o estado do grande negócio, não falando em notícias e investigações miúdas e avulsas — que julgo desnecessário amontoar nesta carta, dentre as quais faço menção somente das seguintes (por serem úteis aos teus exames e combinações, ou dizerem respeito ao louco entusiasmo ou frenesi do Alferes): que, quando ele chegou a Vila Rica no principio do meu governo, já contava que havia nessa Cidade pessoas que se queriam levantar, ou promoviam levantamento. Que, tendo eu averiguado a notícia do clérigo que passou nas Lavrinhas do Lourenço (referida no papel do Pamplona), soube que um oficial do Regimento Pago desta Capitania, indo de jornada para o Rio e pousando ali, repetira diante de várias pessoas (entre as quais estava o tal clérigo que não conheço ainda bem) as mesmas expressões que o Basílio conta do Alferes Joaquim José, das quais o repreendera o mesmo clérigo, contra quem se voltara enfurecido individuando ordens fantásticas e opressões com que a nossa Corte tratava o Brasil. E que parecendo, então, o clérigo convencer-se e dar-lhe razão, expendendo doutrinas sobre os príncipes e governos tiranos, exclamara o Alferes que tinha ganho mais um, porque além do povo, contava já com ele 18 pessoas das principais da Capitania. Que Manuel Pereira Chaves, referido também no papel do Mestre de Campo, voltou para o Rio de Janeiro (e poderá achar-se, ou saber-se dele, em casa de Manuel Vaz Carneiro, porque tinha vindo a cobranças ou negócios dele). Que o moço das Congonhas do Campo que andou em Coimbra (referido no papel de Basílio), partiu de cá para essa Cidade, há 2 ou 3 meses, com o fim de passar a Portugal a ler no Desembargo do Paço, ou procurar despacho, e chama-se Lucas Antônio Monteiro de Barros. Que, da inimizade dos dois primos de que estás persuadido, não apareceram cá os menores vestígios, e se a houve em algum tempo, logo fizeram as pazes — assim como se têm feito outras que pareciam impraticáveis na melhor política.

                12 — Enfim, por mais que saiba, reconheço que toda a aparência do negócio é extravagante; mas, por isto mesmo é que te disse desde o princípio que o tinha achado muito próprio e proporcionado às cabeças que o dirigiam. É certo que eles esperavam grande auxílio do lançamento da derrama e que, ou seja pela suspensão dela ou por outras causas, pareceram desde logo enfraquecer muito os seus conselhos e projetos. Agora, considero-os dissuadidos (ou muito disfarçados), porque uns afastam-se; outros obsequiam-me; e outros tomam cautelas e reservas que poderiam servir-lhes de desculpa para o futuro. Porém, se o disfarce for o partido que tenham tomado, pode bem acender-se a desordem de repente, que será muito grande ainda quando se consiga por tempos remediar-se e não venham a lograr o intento — que, nas circunstâncias em que está a Capitania, julgo dificultoso, principalmente não fazendo as duas vizinhas, de São Paulo e Rio de Janeiro, causa comum.

                13 — Nestes termos, acho conveniente dar logo parte a Sua Majestade para ocorrer com as providências necessárias e ordenar o que for servida, remediando-nos, entretanto, e acudindo com os meios interinos que estiverem na nossa mão. E tirar daqui e do Brasil os cabeças do motim que se puderem descobrir, sem maior aparato, dando a entender causa ou culpa diversa, ou não dizendo o porque. E sobretudo, isto te asseguro: que se as ditas providências não forem eficazes, será infalível a desordem mais ano, menos ano, pela liberdade e má criação em que está este povo, e pela implicância que têm os negócios públicos e particulares com a sua vaidade.

                14 — Ainda que me fio muito do teu anspeçada (porque o abonas), como desconfio sempre dos meus patriotas entusiastas e os julgo capazes de toda a baixeza, mandei levar, por cautela e segurança, estas cartas à Paraibuna por outro portador — que as entregará da sua mão ao mesmo anspeçada. Ele fica demorado por lá 10 dias cuidando do concerto da estrada e com instruções particulares para assistir à marcha da tropa, se tu resolveres mandá-la. Ou receber e executar qualquer aviso ou carta, que tu lhe envies para mim, ou sobre a dita expedição. E chama-se Antônio José Coelho, sargento-mor das ordenanças e comandante deste arraial e distrito da Cachoeira.

Deus te guarde muitos anos.

Cachoeira do Campo, 11 de maio de 1789 anos. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa

Teu sobrinho amigo e fiel cativo,

Luís

Ofício do Visconde de Barbacena ao Sargento-Mor Antônio José Coelho, sobre correios e tropas do Rio.

Senhor Sargento-Mor Antônio José Coelho :

               Se, no espaço de dez ou doze dias que Vmcê. se demorar nessa Estrada (2), lhe remeter o Senhor Vice-Rei deste Estado alguma parada ou carta para mim, recomendo a Vmcê. que, deixando tudo o mais, ma venha logo entregar pessoalmente sem perda de tempo. E se o dito Senhor avisar a Vmcê. da marcha de uma companhia de infantaria que lhe pedi por conta do novo descoberto da Serra da Canastra, ou se lhe constar dela, Vmcê. Dará por minha ordem as providências que forem convenientes para que lhe não faltem as comodidades necessárias na dita marcha e Estrada.

Deus guarde Vossa Mercê.

Cachoeira do Campo, 12 de maio de 1780 anos

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre já saberem em Minas que Tiradentes era vigiado no Rio de Janeiro.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Meu Tio, Amigo e Senhor muito do meu coração:

               Já terás recebido as minhas cartas de 6 a 11 deste mês, a primeira remetida pelos moradores da estrada, e a segunda pelo anspeçada do Esquadrão, das quais fico desejando a resposta. Por cá tem havido novidade, tendo-se divulgado a notícia de se achar o Alteres, do Regimento desta Capitania, Joaquim José da Silva (Xavier) seguido continuamente nessa Cidade, observado por dois soldados em traje de paisano e que, pretendendo ele retirar-se, o linhas feito demorar — a qual tem causado grande soçobro nos seus amigos e me tem devido alguma atenção e cuidado.

               Aceita recados da Viscondessa que tem agora passado melhor, de modo que ficamos de retirada para Vila Rica, onde vou dar princípio as Juntas de Justiça e a outras diligências, que me persuado não poderão ter a demora que eu pretendia.

               Estimarei que estejas muito bom e que me dês muitas ocasiões de te agradar e servir, como

               Teu sobrinho e fiel cativo,

Luís

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa Cachoeira, 17 de maio de 1789 anos.

              CACHOEIRA DO CAMPO, 20-05-1789.

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre prisão e remessa para o Rio dos Inconfidentes: Vigário Carlos Correia de Toledo, Alvarenga Peixoto e Luís Vaz de Toledo Piza.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

              Em consequência do ofício que dirigi a Vossa Excelência com data de 11 do corrente, mandei prender o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, o Coronel Inácio José de Alvarenga, e o Sargento-Mor Luiz Vaz de Toledo Piza, os quais, por falta de prisões suficientes e outros motivos, determinei que fossem conduzidos a essa Cidade, para que Vossa Excelência, por serviço de Sua Majestade, mandasse proceder com a brevidade possível aos exames e inquirições necessárias, com as cautelas que lhe parecerem justas.

               Desta diligência foi encarregado o Tenente Antônio José Dias Coelho, que terá a honra de dar conta dela a Vossa Excelência e de receber as suas ordens.

               Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

               Cachoeira do Campo, 20 de maio de 1789 anos.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, participando ordem de prisão contra Tomás Antônio Gonzaga e sua remessa para o Rio.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Luís de Vasconcelos e Sousa:

               Em consequência do ofício que dirigi a Vossa Excelência em data de 11 do corrente, mandei prender o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, o qual, por falta de prisão suficiente e por outros motivos, determinei que fosse logo conduzido a essa Cidade para que Vossa Excelência, por serviço de Sua Majestade, mandasse proceder aos exames e inquirições necessárias, com as cautelas que lhe parecerem justas.

               Desta diligência foi encarregado o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, que terá a honra de dar a Vossa Excelência conta dela e outras informações conducentes ao mesmo negócio.

               Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

               Cachoeira do Campo, 21 de maio de 1789 anos.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre início da repressão em Minas.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Meu Tio, Amigo e Senhor do coração:

               O soldado do Esquadrão (Antônio Ferreira), por quem me participaste as prisões do Alferes (Joaquim José da Silva Xavier) e de Joaquim Silvério (dos Reis), chegou a esta Vila no dia 20 do corrente, e, logo nessa noite, se me deu parte que tinham chegado cartas particulares com as mesmas novidades, que se espalharam (acrescentando-se as de outras prisões, que não tive ainda por certas vista a tua carta).

               2 — Logo também se me disse que o motivo da prisão do Alferes tinha sido falar coisas más; e, no dia seguinte, já cada um (por assim dizer) se lembrava de lhe ter ouvido alguma coisa, o que mostra bem o estado de corrupção em que está a Capitania, se a moléstia é só de cá, porque foi necessário esse remédio forte (e os mais que se seguiram) para os tirar de sua insensibilidade, que em uns poderia ser verdadeira e em outros maliciosa.

               3 — Na Comarca do Rio das Mortes aconteceu o mesmo, porque tive parte, datada do dia 21, que me certificava haverem lá chegado semelhantes notícias; e também de que ficavam a entrar 5 esquadras para esta Capitania E a mesma parte tive também do Caminho do Mato, mas para eu me certificar, fico esperando o aviso que me prometeste, ainda que, não obstante ele, há muitos dias estão dadas as providências particulares pelas quais não haverá falta.

               4 — Tudo isto podia desarranjar em alguma coisa os procedimentos que se faziam necessários, mas como havia toda a cautela e prevenção, tudo se executou e, com efeito, foram logo presos e se acham já em jornada para essa Capital: o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, de Vila Rica; o Coronel Inácio José de Alvarenga, de São João del-Rei; e o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo. E creio que o mesmo sucederá ao irmão dele, mas ainda não sei, porque assiste 5 léguas distante da dita Vila.

               5 — Além desses, mandei logo também prender o Padre José da Silva e Oliveira Rolim e o inglês Nicolau Jorge, ambos residentes no Tejuco; e tenho preso em segredo o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira.

               6 Como estes são os compreendidos na denúncia original (que se acha apoiada com as outras), pareceu-me Antônio de Oliveira Lopes e Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, porque ambos vieram também denunciar antecipadamente o que sabiam. A denúncia do primeiro inverte a de Joaquim Silvério na parte que diz respeito ao Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, porque diz que lhe contara ter sido Joaquim Silvério quem o convidara a ele, dito Sargento-Mor, e que, tendo-o repreendido por esse motivo, lhe pedira segredo com as mãos postas. E a do segundo confirma a maldade do Alferes e tira a dúvida ao negócio, se pudesse ainda haver alguma. E não tas remeti com as outras cópias, porque se fizeram depois delas; mas irão também brevemente.

               7 — Entretanto, ficarás na certeza dos hóspedes que te envio, em esperando a tua resposta às minhas cartas. Persuado-me que todo o disfarce e segredo será já inútil, porque todos sabem das opiniões e pregação do Alferes, e creem que se lhe começa a pagar os sermões. E consta-me que o mesmo Gonzaga dissera, quando chegou a notícia da prisão do dito oficial, que havia denúncias de Inconfidência e que ele se temia, nesta ocasião, dos seus inimigos. Porém, não obstante isso, não mandei começar ainda devassa nem outros procedimentos mais amplos, por querer obrar de acordo contigo e com o teu parecer, na inteligência de que, a levá-los à risca prendendo todos os que constar tinham ouvido alguma coisa e não vieram delatar, receio a perdição de inumeráveis pessoas e grande inquietação para a Capitania.

                Eu fico bom e todos os meus, desejando sempre muito boas novas tuas, com saudades de ti e de Lisboa, que apertam cada vez mais.

                Vila Rica, 25 de maio de 1789 anos.

                Teu sobrinho, amigo e fiel cativo,

Luís

PS. — Deves ter recebido a minha carta de 11 do corrente, porque sei foi entregue ao anspeçada do Esquadrão e passou o Paraibuna no dia 18 do corrente.

               RIO DE JANEIRO, 29-05-1789.

Ofício de Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, a Antônio José Coelho, sobre portagem da correspondência ao Visconde de Barbacena.

Ilustríssimo Senhor

Sargento-Mor Antônio José Coelho:

               Logo que Vossa Mercê. receber esta, remeterá o maço de cartas que lhe há de entregar o portador, com a maior segurança e brevidade, ao seu General, o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena. E quando Vossa Mercê não tenha de quem se fie para essa diligência, o mesmo portador é muito capaz de a fazer, dando-lhe Vossa Mercê o auxílio necessário.

               Se não for o portador, Vossa Mercê ou o conservará aí, para voltar com a resposta, ou parecendo-lhe melhor, mo remeterá com a sua, em que me dê a certeza da entrega e das suas disposições — que espero sejam tão acertadas como convém ao serviço de Sua Majestade.

               Deus guarde a Vossa Mercê

               Rio, 29 de maio de 1789.

Luís de Vasconcelos e Sousa

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, justificando-se e criticando a conduta da repressão no Rio.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Meu Tio, Amigo e Senhor do coração:

               Tenho estado esperando todos os dias o teu aviso sobre a entrada do auxílio que me anunciaste, com o qual contei muito para o procedimento a que me julguei obrigado — e que, pelas circunstâncias da prisão do Alferes (1) e de Joaquim Silvério, ia sendo malogrado (se não me achasse preparado e não tomasse logo este partido, que já demorava somente para obrar de acordo contigo, como sempre te disse). E para que pudesses, entretanto, por meio de Joaquim Silvério que lá te mandei, averiguar os amigos e sócios do dito Alferes nessa cidade, e a conversação que nela teria feito a sua perniciosa palavra, continuando o meu disfarce com as cautelas devidas, o qual tem sido de forma que, ainda hoje, cuidam que todo o mal lhes adveio de ti e pelo soldado do Esquadrão que trouxe a última carta.

               2 — O Vigário de São José tinha recebido notícias das prisões ao mesmo tempo que eu e me consta se espalharam logo pelos outros. E como se lhe não achou papel nem coisa que prestasse (e até os colchões tinha despejado) crê-se que estava de fugida. E o mesmo sucedeu a respeito do irmão, mas com melhor fortuna para este, porque não esperou tanto. O Alvarenga parece que foi avisado ainda antes do Vigário, com cópia da mesma carta, porém julgo, pelo modo com que se portou na prisão e por uma muito bem feita que me escreveu na mesma ocasião, que se resolveu a esperar o sucesso para não se constituir criminoso.

               3 — Os do Serro do Frio devem estar presos a este tempo, mas ainda não é possível ter certeza disto. E não me tenho determinado, por ora, a outras prisões e exames, esperando as tuas respostas e o teu auxílio para que, com o medo dele (porque já o supõem a caminho e com a aparência de que não vai o caso a mais e de que não sou eu quem está instruído nos mistérios do negócio, e que nem ele se conhece bem ou se averigue) não se atrevam a algum desatino, visto haver também confessado o Domingos de Abreu, além do mais sabido, que o Alferes lhe nomeara cinco ou seis oficiais do Regimento que estavam falados e dispostos para a empresa. E persuadir-me eu que, não obstante termos segurado os chefes e autores dela, faltam ainda os parciais — posto que tenha a satisfação de achar o povo incontaminado.

               4 — Parece muito conveniente que tu determines partir para a Corte algum navio, com toda a brevidade, porque é necessário dar-se conta a Sua Majestade — e fico já escrevendo para este fim.

               5 — Peço-te que faças concluir o troco do ouro que leva o Furriel, portador desta, com a menor demora possível, para a permuta dos Registros. E ele entregará também bolsas, com ofícios da Junta da Fazenda desta Capitania, para serem remetidas a Lisboa.

               Deus te guarde muitos anos.

               Vila Rica, 29 de maio de 1789.

               Teu sobrinho amigo e fiel cativo,

Luís

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa. Vice-Rei, acusando recebimento de notícias e relatando providências.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Meu Tio, Amigo e Senhor do coração:

               As tuas cartas de 20, 26, 28 e 29 de maio chegaram a esta Vila ontem, segunda-feira, pelas onze horas da noite pouco mais ou menos, tendo sido recebidas à entrada da Capitania.na manhã do dia antecedente.

               2 — E fico muito desvanecido de saber prevenir as tuas recomendações, porque os cabedais régios, cuja remessa tu pedes com brevidade, acham-se já a caminho.

               3 — E a respeito dos presos, não só tinha procedido à segurança deles, apreensão de papéis e sequestro de bens, mas os principais deles passaram já a Paraibuna de jornada para essa Capital. Além dos nomeados na tua carta, mandei prender também o inglês Nicolau Jorge e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira. O primeiro, por me constar que tinham sido certas as expressões referidas pelo Basílio de Brito e por ser estrangeiro de muita esperteza, muito apto para o tal negócio — assim como se entende que é para outros. E o segundo, porque pressenti que havia de confessar logo tudo o que soubesse, como assim sucedeu, verificando com o seu depoimento o dito de Joaquim Silvério, não obstante tê-lo omitido em seu papel. E com estas e outras diligências, têm ido por cá as minhas averiguações sempre a mais e melhor.

               4 — Nomeei o Ouvidor de Sabará para escrivão da devassa e mais procedimentos que fossem necessários, por julgar suspeitoso e incapaz, para a diligência, o Intendente de Vila Rica (com perdão de Vossa Excelência). E pareceram-me muito bem os ministros que tu escolheste nessa cidade para a mesma diligência.

               5 — Brevemente torno a escrever-te com a atestação que me pedes e as cópias das últimas denúncias. E como ouço dizer que um dos presos nessa Capital é irmão do coronel do Regimento Auxiliar de São João del-Rei, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, devo participar-te que é voz pública e tenho sido informado que o dito coronel e outro irmão clérigo, chamado José Lopes, fugiram tanto que se soube das prisões do Alferes e de Joaquim Silvério — cuja notícia chegou logo àquela Comarca — mas deste fato estou ainda esperando certeza.

               6 — O Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo ainda foi possível ser descoberto e preso. E, por isto, vai de menos a respeito a carta que te escrevi pelo Tenente Antônio José Dias — que conduz o Vigário e Alvarenga. E como o dito oficial é um dos mais exatos e ativos que tenho, será bom que o mandes recolher passados alguns dias de descanso, ainda que fique o furriel para vir mais devagar com a partida.

               7 — Bem conheço e me persuado da grande comodidade que se te permitia para a retirada, mas também acho muito convenicnte a resolução que tens tomado. E da minha parte concorrerei com toda a brevidade que for possível.

               Tenho passado hoje com defluxo e muita dor de cabeça, que me obriga a não ser mais extenso. Aceita os recados da Viscondessa, que está boa, e da tua afilhadinha que vai medrando em todo o sentido.

               Deus te guarde muitos anos.

               Vila Bica, 2 de junho de 1789.

               Teu sobrinho, amigo e fiel cativo,

Luís

PS. — Fico certo da vinda da Tropa, com que me auxilias,

e entrega dos mapas e roteiros.

               41 VILA RICA, 6-06-1789.

Ordem do Capitão (RCR) Maximiano de Oliveira Leite ao Tenente (RCR) Bernardo Teixeira Alves, para captura do Padre José da Silva e Oliveira Rolim.

Tenente Bernardo Teixeira Alves:

               O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde General ordena que, com a maior vigilância e cautela, seja preso o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, fazendo-se igualmente apreensão em todos os papéis que se lhe acharem.

               E tendo-se feito essa diligência no Tejuco, me avisa o Capitão Comandante daquele continente que se supõe ter o dito padre seguido para a Bahia. E por isto encarrego a Vossa Mercê desta importante diligência, tão recomendada por Sua Excelência, para que siga o dito padre até o prender, tendo a certeza de que ele passou para a Bahia ou se acho refugiado em distritos desta Capitania.

Deus guarde a Vossa Mercê, muitos anos.

Quartel General, a 6 de junho de 1789.

Maximiano de Oliveira Leite, Capitão Comandante

Ordem do Visconde de Barbacena ao Mestre de Campo

Inácio Correia Pamplona, para captura do Padre José da Silva e Oliveira Rolim e de Luís Vaz de Toledo Piza.

Senhor Mestre de Campo Regente Inácio Correia Pamplona:

                Logo que Vossa Mercê receber esta, passará as ordens necessárias e praticará as mais diligências que lhe parecerem convenientes para que sejam presos, nos distritos de sua regência, o Padre José da Silva e Oliveira Rolim e o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, com os criados ou escravos que os acompanharem: não só pelos seus oficiais e capitães, ou soldados, do mato, mas ainda por cada um do povo, porque lhe dou autoridade para esse fim; o que Vossa Mercê fará constar nos mesmos distritos para que assim se execute e para que nenhuma pessoa, qualquer que seja, lhes dê asilo, nem deixe de os delatar ou prender, sendo possível, sob pena de incorrer em severo castigo.

                Advirto a Vossa Mercê que, para esta diligência se conseguir, não bastará cumprir esta ordem somente segundo o teor dela, mas devem todos, os que têm a honra de servir a Sua Majestade, empenhar-se com verdadeiro zelo, avisar-me quando for necessário, e auxiliar-me eficazmente. E por ser muito importante ao real serviço, não só hei de castigar as omissões que nela houver, mas será atendido por mim, ou recomendado, quem fizer alguma das ditas prisões, segundo a sua qualidade e condição.

Deus guarde a Vossa Mercê

Vila Rica, 10 de junho de 1789.

Visconde de Barbacena

Ofício de Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, ao Visconde de Barbacena, sobre viagem a Minas dos Ministros da Devassa – RJ.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena:

                Tendo nomeado Juiz o Desembargador desta Relação, José Pedro Machado Coelho Torres, para com o Ouvidor desta Comarca, por Escrivão, proceder à devassa sobre o importantíssimo caso que deu motivo à prisão do Alferes do Regimento dessa Capitania, Joaquim José da Silva Xavier, e dos demais presos que Vossa Excelência me tem remetido, me pareceu que, para continuar a mesma diligência com o acerto que desejamos, era indispensável mandar os mesmos Ministros a essa Capitania — onde, só, se podem bem indagar fatos aí sucedidos e a verdadeira origem deles.

                Ao referido Desembargador recomendo que comunique a Vossa Excelência tudo, obrando na conformidade das instruções que Vossa Excelência lhe participar, e procurando voltar com toda a brevidade possível para concluir a mesma Devassa.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio, 23 de junho de 1789.

Luís de Vasconcelos e Sousa

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre providências para a chegada dos Ministros da Devassa – RJ.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Meu Tio, Amigo e Senhor do coração:

                Quando chegou Francisco Antônio Rebelo estava eu para remeter-te papéis e presos, segundo o estado em que se achava nesse tempo a diligência, porém, à notícia que me deste de ficarem a partir para esta Vila os Ministros que tinhas nomeado, fiz suspender a dita remessa, julgando que durante a sua ausência eram lá inúteis uns e outros, querendo aproveitar a ocasião que me davas de conferir com eles e adiantar melhor, se fosse possível, os prévios exames e averiguações a que mandei proceder nos sobreditos presos, para conhecimento do estado das coisas e para a segurança e cautela necessárias. Com esta demora, acho-me nos termos de poder avisar-te que o negócio está quase apurado pelo que toca a esta Capitania, mas que depende ainda de grande investigação a respeito dessa, porque há toda a probabilidade de haver nela parciais e sequazes da mesma seita, além de muitos iniciados, porque o Alferes tinha pregado por lá da mesma forma. Ou talvez, segundo alguns, que de lá saísse com a missão.

               2 — Fico concluindo o ofício para a Corte, com a verificação de unia notícia que muito importava e que é o principal objeto desta carta. Seguindo a leve notícia, que já também comuniquei, de haver ou ter havido alguma correspondência para França, veio ultimamente a confessar um dos réus que a ele contara Domingos Vidal Barbosa, vindo há pouco tempo de Montpellier onde estudou medicina, que na mesma cidade se achava um estudante do Rio de Janeiro, assistente na Lapa, que se inculcava por enviado dos seus compatriotas para tratar com o Ministro da América Setentrional. E que assim o fizera, resultando das suas conferências os seguintes fatos: que o Ministro escrevera à sua Corte e tivera, em resposta, que ela estava disposta a dar todo o auxílio, contanto que lhe prometessem tomar exclusivamente o trigo e bacalhau e pagassem à sua gente. Que discorrendo-se entre o mesmo Ministro e o suposto enviado sobre a melhor ocasião de intentar o rompimento, e julgando este que era mais conveniente esperar alguma nova imposição, perguntara aquele se não conduziam os quintos, ou cabedais régios, de uma para outra terra, e que, respondendo-lhe que sim, acrescentara ele: pois é tomá-los e está começado o levantamento. Que o mesmo Ministro se encarregara de alcançar a proteção do rei de França, e que não temessem os espanhóis, porque era uma nação surda.

                E finalmente, que dissera que não tivessem susto, que não olhassem para a lei do Papa, que tendo cem balas ardentes nada entraria no Rio de Janeiro.

                3 — Para me certificar deste importante referimento, mandei logo conduzir à minha presença o sobredito Domingos Vidal que, por negar expressamente os últimos artigos, certificando somente o que consta do seu papel incluso, fica para ser interrogado judicialmente e acareado com Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que sustenta todas as asserções acima referidas, impróprias, assim mesmo como são, da sua cabeça e indiferentes para ele. Mas como Domingos Vidal, não obstante o que diz no seu papel a respeito de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, tinha-me respondido ontem à noite logo que chegou, sem hesitação nem dúvida alguma, que contara isso mesmo, no Rio de Janeiro, ao dito Alvarenga, tenho desconfiança que queira agora acautelar-se para que ele não seja também perguntado. E pareceu-me muito conveniente adiantar esta notícia a alguma prevenção que ele lhe possa ter feito, para que hajas de mandar sem demora perguntar e examinar Manuel Inácio Alvarenga, a ver se concorda com algum dos dois, que é o meio que se apresenta neste caso de averiguar a verdade. E também será conveniente perguntar acerca dele, com individuação, o primeiro sujeito que deu a leve notícia, porque já talvez estará mais bem lembrado, ou para que diga, ao menos, de quem a ouviu.

                4 — A Companhia do Esquadrão chegou no dia vinte e quatro com boa jornada, e a Infantaria vem dormir hoje a esta Vila e traz somente dois soldados doentes de bexigas, dos quais um vem já convalescendo.

                O Irmão do Vigário está preso, e tem confessado a verdade segundo parece, verificando o que sabíamos.

                Lembra-me também dizer-te que uma das pessoas de quem se pode desconfiar é Simão Pires Sardinha, não só pelo seu caráter e princípios, mas pela grande amizade que tinha com um dos dois de quem tu muito desconfiavas e com razão julgaste suspeitosos, por meio do qual me pediu há muito tempo uma licença com pressa e instância para ir a Lisboa, sem contudo se ter aproveitado dela, e só agora ouço dizer que intenta partir. E, além disto, jurou uma testemunha fidedigna que ele dizia pouco antes da prisão do Alferes, que fugissem dele, porque estava louco.

                Deus te guarde por muitos anos.

                Vila Rica, 3 de julho de 1789.

                Teu sobrinho amigo e fiel cativo,

Luís

Relatório do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre a Inconfidência Mineira.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                A mão do Onipotente que regula o justo e feliz governo de Sua Majestade acaba de defender este país, se não da sua ruína ou perdição total, ao menos de um gravíssimo estrago irreparável por muitos anos. E tem encaminhado as minhas diligências de tal forma que tenho a glória de poder, ao mesmo tempo, dar parte a Vossa Excelência do grande perigo com que lhe ameaçou o sacrílego atrevimento de alguns perversos homens, e da completa vitória com que se acha rebatido e descoberto, pela maior parte, o infame sistema da sua maldade.

I — A Denúncia

                2 — Logo que cheguei a esta Capitania, reconheci as delicadas circunstâncias em que me achava. E tenho presentemente a maior satisfação possível de ter usado de tal arte e moderação que, sem faltar às obrigações do meu lugar nem às ordens que por Vossa Excelência me foram dirigidas e recomendadas, pude contentar o povo e benquistar-me até com os mesmos atuais delinquentes, que estou certo não se atreverão a alegar fato algum meu, por desculpa ou motivo da sua sempre indesculpável infidelidade. Mas nunca receei que ela chegasse no meu tempo a tal excesso, senão depois que Joaquim Silvério dos Reis, coronel de um dos novos Regimentos que Sua Majestade mandava extinguir, e contratador das Entradas nos anos de 1782 a 1784, me veio participar que se achava tratada e ajustada uma ampla conjuração e sublevação, contra o legítimo domínio da mesma Senhora e da sua Real Coroa, pela maior parte das pessoas consideráveis desta Capitania, as quais tinham a seu favor a tropa regular e contavam com o auxílio e aliança do Rio de Janeiro, para onde tinha partido já o Alferes do Regimento, Joaquim José da Silva Xavier, a tratar deste negócio e convocar maior número de sequazes para se concluir depois da sua vinda e na ocasião do lançamento da derrama que esperavam tivesse lugar neste ano.

                3 — Ainda que o caráter do denunciante, tido por homem orgulhoso e de mau coração, perseguido atualmente de inimigos que de alguma forma lhe havia granjeado o seu gênio e algum abuso, ou emulação, das proteções que tivera, e apertado pelas contas e pagamentos do contrato em que entendo se acha muito alcançado, diminuía o crédito da notícia ou a fazia suspeita, sempre a tratei, desde logo, com o cuidado que ela merecia, praticando todo o exame e cautela que foi compatível com o segredo e disfarce que me pareceu necessário, e comunicando-a particularmente sem demora ao Vice-Rei do Estado, não só em razão do seu cargo e superiores luzes, mas por se achar no Rio de Janeiro o sobredito Alferes, e principalmente pela atrevida e perigosa comissão que se lhe imputava, para cujo exame e investigação mandei também logo o dito Coronel.

II — Primeiras Prisões

                4 — Continuei esta correspondência da forma que a distância nos permitia, com a maior individuação e exação de fatos, combinações e reflexões, e com o mesmo segredo e disfarce, até que tendo me certificado, pelas minhas diligências particulares, e conseguido algumas provas, escrevi com elas de ofício ao mesmo Vice-Rei, para convirmos de acordo e mão comum na apreensão dos réus, e nos mais procedimentos e medidas que fossem convenientes ao serviço de Sua Majestade. Porém, o inesperado comportamento do referido Alferes na cidade do Rio de Janeiro, desaparecendo repentinamente prevenido de armas e sem os despachos necessários, fez antecipar a sua prisão e segurança, assim como a dos principais sócios do seu delito nesta Capitania, à qual mandei proceder logo que tive aquela notícia, porque tudo estava prevenido para esse fim no momento em que eu julgasse a propósito ordená-la. Destes foram conduzidos sem a menor demora, ao Rio de Janeiro: o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, que tinha acabado de exercer o cargo, proximamente, de Ouvidor desta Comarca; o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo; e o Coronel de Auxiliares Inácio José de Alvarenga, que antes tinha sido Ouvidor do Rio das Mortes, — os quais julguei por cabeças e mais zelosos e acérrimos autores da Conjuração, para os por em segura custódia antes que os seus amigos e sequazes pudessem saber da sua infelicidade, nem o povo conhecer ou suspeitar a causa dela, como assim sucedeu, correspondendo muito bem ao meu intento o efeito desta cautela, que me pareceu conveniente até pela falta que havia de prisões suficientes e de guarda necessária para elas.

                5 — Além desses, estão nas prisões desta Vila: o Sargento-Mor de Auxiliares Luís Vaz de Toledo Piza, irmão do Vigário de São José; o Cônego da Sé de Mariana, Luís Vieira; o Bacharel Cláudio Manuel da Costa, advogado nos Auditórios desta Vila; o Tenente-Coronel de Auxiliares Domingos de Abreu Vieira, contratador dos Dízimos no triénio passado; e o Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de São João Del-Rei, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os quais retive e demorei até agora, com algumas pessoas das suas famílias e outras de menor consideração, para: as averiguações prontas que eram necessárias; certificar-me de suspeitas; e outras diligências que têm tido excelente sucesso à medida do empenho, exação e vigilância com que têm sido intentadas e prosseguidas. Mas de todas elas, nenhuma teve, à proporção, mais acertado êxito que as prisões dos dois últimos acima mencionados, que determinei mais por um antecipado pressentimento que por alguma rigorosa consequência das primeiras averiguações e notícias ou do processo. Fundada também a esperança, que tive das suas confissões, no conhecimento do caráter de cada um deles que, pela franqueza e sujeição com que se houveram e pela importância dos fatos que comunicaram, confiados na grande bondade de Sua Majestade, poderão obter, em comparação dos mais réus, alguma piedade, especialmente se a prova da sua culpa resultar das próprias condições, e não se conhecer que eles aconselharam ou cooperaram para a atrocíssima maldade que os seus infames e falsos amigos premeditavam.

III — A Devassa – MG

                6 — Para as referidas averiguações e diligências particulares, me tenho servido principalmente, nos primeiros tempos, do Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, Ajudante de Ordens deste Governo. E depois, do Ouvidor desta Comarca, Pedro José Araújo de Saldanha, e do Ouvidor do Sabará, José Caetano César Manitti, o qual nomeei também para Escrivão da Devassa, que mandei começar logo que tive notícia de estar aberta a do Rio de Janeiro. E todos eles têm desempenhado o conceito que fiz do seu préstimo com muita fidelidade, acerto, segredo e zelo do real serviço.

IV — Tiradentes e Gonzaga

                7 — Todos os presos acima nomeados estão mais ou menos culpados na devassa, sumários e prévios interrogatórios dos corréus que se acham ainda nas prisões desta Vila — principalmente o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, cujo delito tem já abundante prova, constando geralmente, de uns e outros processos, que ele era o principal motor da projetada sublevação, o que mostrava o maior empenho e eficácia na execução dela, e o que amotinava o povo e pretendia corromper a tropa já com sacrílegas doutrinas, já com falsas ou maliciosas notícias, e já com enganosas esperanças, adequadas aos interesses de cada um e do público, no que se portava com um ardil muito proporcionado ao objeto das suas diligências e superior aos talentos que se lhe reconheciam. Mas fica ainda incerto se ele foi também o autor do mesmo projeto e maldade, ou se esta infame preeminência toca ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga (como o primeiro denunciante lhe atribui), ou se a algum dos outros, ou enfim, se ao ajuntamento, palestra e conventículo de vários e à ocorrência e conformidade das suas máximas, sentimentos e desejos, como me parece mais provável.

V — Toledo, Alvarenga e Réus Menores

               8 — Há também já grande prova contra o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, a quem seu mesmo irmão imputa com muitas lágrimas e queixas a sua atual desgraça, confessando que ele o persuadira, ou obrigara, a este horroroso crime, sendo-lhe em tudo subordinado pela sua pobreza e necessidade. Ele foi quem falou ao segundo denunciante, o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, com ânimo, segundo deve presumir-se, de o atrair ao seu partido, declarando que entrava nele o sobredito Desembargador Gonzaga, e quem falou ou convidou o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que refere dele os mais escandalosos atrevimentos, animando sempre a conjuração, incitando os que pareciam frouxos; e chegando, na última desesperação, a promover e determinar o insulto, até com os próprios escravos e os seus amigos, quando soube das prisões do Alferes e de Joaquim Silvério, já bem próximo ao momento em que ele também foi preso. O Coronel Inácio José de Alvarenga parece que desejava ardentemente a mesma revolução e era um dos três, com Gonzaga e o Vigário (conforme refere Cláudio Manuel da Costa nas suas respostas), que punham algum interesse nesta ação. E posto que se lhe conhecem, por ora, menos diligências que ao dito Vigário e ao Alferes, é constante que se. tinha fintado com duzentos homens para ela. E atribui-se-lhe, além de outras coisas, a escolha e determinação da legenda Libertas, quae sera tamen para os estandartes da República. Gonzaga era mais acautelado que estes, e por isso todos os que falam nele vêm sempre a referir-se originalmente, em quase tudo, ao Vigário ou Alvarenga, que ainda não foram perguntados. Do mesmo Vigário provêm algumas passagens tendentes mais particularmente ao caso, que fazem culpa ao Côn. Luís Vieira, além das doutrinas e notícias vagas que lhe imputam algumas testemunhas da devassa, muito próprias a fomentar o partido sedicioso, as quais deram motivo justo à sua prisão e à do sobredito advogado Cláudio Manuel da Costa, em cuja casa dizem que se tiveram conversações e conselhos, que ele mesmo não pôde negar, ainda que lhe deu a melhor cor e moderação possível. Do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, convidado pelo Vigário e fintado em vinte ou cinquenta homens, suspeito mal (ainda que não estava envolvido na denúncia de Joaquim Silvério) por uma assaz diminuta comunicação que me fez nas vésperas das prisões. E não me enganei, porque logo que foi preso a continuou e estendeu tão largamente como eu esperava dos seus conhecimentos e caráter, tendo sabido tudo pelo mesmo Vigário, e conversado na matéria com o irmão dele e com Alvarenga.

VI — Fuga do Padre Rolim

                9 — Não pôde ser preso o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, filho do Caixa atual da Administração dos Diamantes, José da Silva e Oliveira, culpado também na primeira denúncia e nos sumários dos corréus. Ou porque se achava homiziado no Tejuco e precavido, tendo sido mandado despejar da Demarcação Diamantina com ordem do meu antecessor; ou por menos vigilância e exação do Oficial Comandante do Destacamento a quem encarreguei a diligência, aliás bem reputado até então; ou pelo auxílio dos muitos amigos que tinha e dependentes de seu pai; ou dos mesmos sequazes do seu delito, que se supõe serem muitos naquela Comarca, e todos grangeados e convidados por ele. Mas tem-se feito (e continuam a fazer-se) as diligências mais eficazes para a sua apreensão e segurança, e para o conhecimento da culpa ou negligência que pudesse ter o referido oficial, que desde logo me ficou sendo também suspeitoso. E como me constou que este mau clérigo estivera hospedado em casa do Tenente-Coronel Domingos de Abreu pelo tempo que se demorou em Vila Rica, foi esta a principal razão que tive para determinar também logo a prisão deste. E com efeito, achou-se sabedor de toda a maldade, e foi esta a primeira porta por onde se entrou no labirinto dela, depois das primeiras notícias.

VII — Andrada e Maciel

                10 — Com bem confusão e com mágoa, digo a Vossa Excelência que fica também nos termos de ser preso o Tenente-Coronel e Comandante do Regimento Regular, Francisco de Paula Freire de Andrada, não obstante uma espécie de denúncia que me fez de conversações que tiveram em sua casa os sobreditos Alferes, Vigário, Alvarenga e Padre José da Silva por duas vezes, e de uma carta sem nome com que pretenderam, ou talvez premeditavam, começar a movê-lo nos últimos tempos ao desatino e traição, porque, além da tardança, parece diminuta a dita participação. E começa a conhecer-se que houve da sua parte, se não um indigno consentimento e aceitação, ao menos uma tola condescendência, e é certo que contavam com o seu favor e poder. E nos mesmos termos fica o cunhado dele, José Álvares Maciel, que chegou de Portugal haverá um ano, depois de ter-se formado em Coimbra na Faculdade de Filosofia e viajado em Inglaterra, onde se aplicou muito às artes e manufaturas, sendo por isso em quem os seus compatriotas se fiavam para o estabelecimento delas no princípio da revolução, especialmente da pólvora, para a qual dizem que tinha asseverado haver no país os ingredientes necessários.

VIII — Suspeitos

               11 — Estas são as pessoas que figuram ate agora neste negócio e se comprometiam nele; mas o número, principalmente dos convidados e espectadores, deve ser muito maior. Além dos que se atribuem ao Padre José da Silva, que dizem que prometera todo o Serro do Frio (expressão que eu acho excessiva), consta que o Alferes fazia conta com muitos outros desta e das mais Capitanias, e também com oficiais do Regimento cujos nomes, segundo vão aparecendo, são os seguintes: o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, o Capitão Manuel da Silva Brandão, o Capitão Antônio José de Araújo, o Tenente Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira, o Tenente José Antônio de Melo, o Alferes Antônio Gomes Meireles e o Alferes Matias Sanches. Porém, com isto não os dou ainda por culpados, porque ainda quando o fato e referimento sejam verdadeiros, é bem possível que ele contasse com alguns deles só por lhe terem ouvido com mais paciência as suas invectivas ou discursos gerais de mera probabilidade. Assim como não tenho ainda por tais a outros sujeitos nomeados também na devassa, ou sumários, singularmente, como são: Claro José da Mota, sobrinho do Vigário de São José; Manuel Francisco, feitor dele; um Capitão de Auxiliares, Domingos Barbosa; outro de Baependi, cuja nome ainda se ignora; e Francisco José de Mesquita — todos amigos do mesmo Vigário.

               12 — O Padre José Correia, Vigário Geral do Sabará, um Doutor da mesma Comarca vindo há pouco de Portugal, que parece ser José de Sá Bittencourt, outro Doutor de Minas Novas, que se entende será José Vieira de Moura, cunhado do Padre José da Silva e Oliveira Rolim; e finalmente Joaquim Antônio Gonzaga, Ouvidor da Comarca do

Serro do Frio, natural do Rio de Janeiro, a quem (declara o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira), convidara ou escrevera nesta matéria seu primo Tomás Antônio Gonzaga, sendo portador o dito Padre José da Silva. Mas não sabe se a carta foi entregue, ou que resposta houve da parte dele.

Nem conto igualmente no número dos réus as testemunhas da devassa que depuseram algumas coisas e as não tinham delatado. Antes tomei a resolução de não proceder contra elas com o rigor de direito, para não impedir a averiguação e os conhecimentos que se pretendem. E vista a boa fé dos seus depoimentos, e a inocência em que se consideram, tico nesta inteligência até receber as ordens de Sua Majestade, mas somente no caso em que, dos próprios depoimentos ou de outros, lhes não resulte maior culpa que os constitua verdadeiros réus.

IX — Antecedentes

                13 — Quanto ao tempo em que principiou a tratar-se, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes conta, por ter ouvido ao Vigário, que havia oito anos que o Cônego Luís Vieira lhe deitava as linhas. E refere também, da mesma origem, que doze estudantes brasileiros se tinham ajustado em Coimbra e dado as mãos para procurarem a independência da sua pátria, mas que destes só cá se achavam três. E para melhor averiguação deste fato, remeto a Vossa Excelência as cartas inclusas do Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara e de sua prima Dona Joana de Meneses, religiosa em Coimbra, a quem talvez servisse de motivo, para a suposição que faz de se tumultuarem estes povos, alguma notícia que tivesse, ou conversações que ouvisse àqueles mesmos. O dito Coronel e alguma das testemunhas da devassa dizem que o Alferes Joaquim José da Silva viera do Rio de Janeiro, onde estava (quando eu cheguei) havia muito tempo, falando na pretendida sublevação como de uma coisa já tratada. Uma testemunha da devassa, referindo outra que ainda se não pôde inquirir por não se achar na Capitania, imputa ao Alvarenga que se trabalhava para ela, ou nas leis do novo governo, havia já dois anos. Porém, o que se colhe mais geralmente da devassa e sumários, é que tivera princípio, ou ao menos tomara corpo e formalidade, nas conversações de Vila Rica, depois da chegada do Alferes e do Padre José da Silva (que também se achava antes no Rio de Janeiro), e no tempo em que tinham concorrido a ela o Vigário, Alvarenga e outras pessoas, o qual, segundo me lembra, foi próximo à minha vinda. E é provável que ela desse a ocasião e o motivo para a dita concorrência.

               14 — Eu, porém, não duvido que as primeiras lembranças viessem do Rio de Janeiro pela ocasião que tiveram naquela cidade o dito Padre e Alferes, ambos refugiados e descontentes, onde se encontraram com Joaquim Silvério, quando acompanhou daqui o meu antecessor, e que estava igualmente descontente da mudança de governo e pela notícia, que então lhe deram, da extinção dos novos Regimentos Auxiliares, nos quais era Coronel, devendo ficar gravemente ofendida com ela a sua vaidade e dependência. Aos quais pode acrescentar-se o Doutor José Álvares Maciel, chegado igualmente nesse tempo de Lisboa e de Inglaterra, se acaso é certo que ele fosse um dos estudantes confederados em Coimbra: um dos sócios de mais préstimo, como acima fica referido. Também não deixo de crer que as ditas lembranças viessem de Coimbra, seja certo ou não o ajuste dos estudantes, porque sempre nesta matéria achei muito arriscados os sentimentos, opiniões e influência dos bacharéis brasileiros que têm voltado à sua pátria, especialmente depois que se julgam instruídos nos direitos públicos e das gentes, nos interesses da Europa e no conhecimento das produções da natureza; e muito mais depois que passaram a estudar nas Universidades estrangeiras, como têm feito alguns sem razão suficiente. E para abono e comprovação deste conceito, remeto a Vossa Excelência por cópia

o sumário incluso, cujo original fica para se completar com os depoimentos que faltam e que hão de ser tirados no Rio de Janeiro. E estes são também os únicos vestígios que, até agora, tenho podido descobrir de alguma correspondência para fora, ou de auxílio estranho em que se fiassem, posto que desde o primeiro dia não perdi de vista esta averiguação. E por conta dela, principalmente, fiz também prender com os primeiros denunciados a um inglês, que se achava no Tejuco, chamado Nicolau Jorge, e mandei apreender-lhe os papéis, tendo-se feito suspeito não tanto pela qualidade de estrangeiro, como por ter dito algumas expressões mais livres que podiam bem aplicar-se ao caso presente, mas em nenhuma das duas coisas se tem achado culpado, nem me parece que nas ditas expressões fosse malicioso.

X — Suspensão da Derrama

                15 — í: porém constante e considero provado, que o lançamento da derrama, que esperavam com brevidade, era o apoio principal do seu atrevimento, e o tempo designado para a revolução projetada; mas para que ela tivesse melhor efeito, antecipavam-se em espalhar pelo povo a certeza e injustiça da mesma derrama, pintada com cores feias e, sobre outras inventadas ou exageradas vexações. E suponho que às suas ocultas diligências e maliciosas insinuações se deve atribuir o silêncio do mesmo povo e das Câmaras neste negócio, porque não é crível de outra forma que deixassem de ocorrer a esse mal que proximamente temiam, com representações ou requerimentos, como fizeram depois que os tirei da alucinação e proscrevi os causadores dela.

                16 — Assim é que veio também a justificar-se a primeira providência que julguei conveniente neste caso, que foi a de participar logo à Câmara de Vila Rica a resolução que tinha tomado de suspender o lançamento da derrama até à decisão de Sua Majestade, e depois às mais Câmaras da Capitania, com a carta cuja cópia remeto a Vossa Excelência inclusa, a qual acomodei às circunstâncias particulares que a promoveram, e a fiz servir do melhor modo que me pareceu ao intento que me propus, aproveitando-me, contra os meus inimigos e do Estado, das mesmas armas com que eles tinham contado atacar-me. E fiz esta diligência sem perda de um só dia, depois da primeira notícia ainda pouco crível do atentado, não só para dar tempo conveniente ao remédio que aplicava, mas porque, tardando, poderia ser recebida como uma deliberação forçada; e perderiam também os motivos e as palavras da minha carta toda a unção e virtude necessárias. Não me esqueci, porém, de contemplar os inconvenientes que teria a minha determinação, se a referida notícia fosse falsa ou afetada, mas assentei que ainda nesse caso seria muito prudente pelas circunstâncias da Capitania, e que sempre deveria ter lugar, se não do mesmo modo e formalidade, ao menos enquanto ao efeito. E demais, que eram superiores as vantagens que podiam esperar-se, ao risco imaginário da sobredita incerteza, aliás remediável por ser interina a providência que, dentro do mesmo ano, podia terminar-se com a resolução de Sua Majestade. E serviu-me de motivo aparente para ela a permissão que me tinha pedido o Procurador da Fazenda para requerer da Junta, em virtude do seu ofício, a derrama competente, acerca da execução da qual estou certo que ele próprio reconhecia graves dificuldades. E não pareceu estranho que chegando eu a capacitar-me das razões que se opunham ao lançamento dela, e a querer tomar sobre mim a suspensão, me antecipasse com alguma brevidade ao seu requerimento e à deliberação da Junta, que se julgava que não podia ser favorável depois das últimas recomendações da Corte.

XI — Visita cie Gonzaga

                17 — Com esta barreira separei muito os interesses do povo ainda submisso e incontaminado dos particulares dos seus amotinadores, que desde então começaram a parecer esmorecidos e cuidadosos em remover qualquer suspeita que tivesse dado o seu anterior procedimento, buscando cautelas e salvos condutos para o futuro, arrependidos talvez da sua precipitação e indiscrição. E, ou seja deste comportamento ou do desarranjo que a minha determinação causou às suas medidas, tive a maior prova em uma, ao que parece, atrevida conversação de Gonzaga comigo mesmo, indo visitar-me ao Arraial da Cachoeira onde eu estava, na qual começou a insinuar-se por me exagerar a obrigação em que me estava o povo de Vila Rica pela suspensão da derrama, acrescentando que queria levantar-me uma estátua. E tendo-lhe respondido como devera, passou a dizer-me que eu não sabia todo o bem que tinha feito, dando-me a entender que o mesmo povo estava disposto a uma sublevação, e concluindo, depois de ser por vezes interrompido por mim com outras matérias, que para se efetuar a dita disposição entendia que só lhe faltavam duas cabeças, falando sempre geralmente. E como pude desviar ainda com bom disfarce a conversação que julgava inteiramente maliciosa, e por isso arriscada para as minhas disposições e medidas, foi ainda suscitá-la, para me encarecer a superioridade das circunstâncias desta Capitania para a sua independência, defesa e subsistência, pela sua riqueza e situação natural, e que merecia estar sempre nas meninas dos olhos do Ministério. Até que foi de alguma forma obrigado a retirar-se, por ser já muito tarde, com promessa de voltar com brevidade, tendo-me sido necessária toda a arte para não mostrar qualquer reserva ou disfarce que me fizesse suspeitoso, nem receio que o animasse, nem dar ao mesmo tempo a confiança e ocasião que lhe facilitasse algum novo atentado, o que poderia ser causa de precipitar o rompimento em prejuízo da apreensão dos outros réus, e talvez da segurança e tranquilidade do Estado.

XII — Preparo da Repressão

                18 — Não obstante, porém, a eficácia daquela primeira providência, que reconheci por esse e outros meios, ainda assim não era possível esperar com esta prevenção e remédio somente, porque os ânimos pervertidos eram já muitos; os interesses, sentimentos e desejos eram os mesmos; e o intento seria público brevemente pelas sementes que o Alferes tinha espalhado nesta Vila e na estrada do Rio de Janeiro, e o Vigário nas Vilas de São José e de São João del-Rei, as quais certamente haviam de vegetar e produzir a seu tempo. E finalmente, porque o mesmo recurso e temor deles era perigoso, e com bem razão se fosse certo que o Comandante e alguns Oficiais do Regimento estivessem também compreendidos nele.

                19 — Por estes motivos e pela pouca tropa que restava dos Destacamentos, aumentados presentemente com um de maior força que guarda o sertão dos Rios Abaeté, de Santo Antônio e do Sono (cujos diamantes começavam a ser roubados por grande número de garimpeiros), e com algumas outras Guardas mais pequenas em caminhos e picadas por onde se encaminhavam os extravios, julguei conveniente pedir ao Vice-Rei do Estado duas Companhias de Infantaria, as quais se acham guarnecendo esta Capital e também a Vila de São João del-Rei e o Arraial da Igreja Nova, que fica na estrada do Rio de Janeiro à saída do mato, a título e com o pretexto de marcharem para a Serra da Canastra, onde correu fama de se ter descoberto ouro e diamantes, se as averiguações que mandei fazer pedissem semelhante providência. Mas só tem sido uma cautela necessária para remover qualquer receio, e para fazer respeitar as ordens e executar as diligências e averiguações convenientes, as quais todas têm sido praticadas com o maior sossego e obediência que podia ter lugar em semelhante caso, de forma que, a não serem as continuadas blasfêmias do Alferes, as persuasões do Vigário e alguns ditos de Joaquim Silvério, assento que, até aos poucos sujeitos que pudessem suspeitar o motivo delas, pareceria incrível — pelo modo que se tem guardado e pela tranquilidade em que está a Capitania. O Vice-Rei aumentou este auxílio com uma Companhia do Esquadrão da sua Guarda, que veio a propósito para conduzir os mais presos, e porque pôde chegar alguns dias primeiro que a Infantaria, a qual unicamente conservo até receber as ordens de Sua Majestade, pela esperança em que estou de que uma das providências que a mesma Senhora será servida ordenar é o estabelecimento de algum corpo de tropa independente do Regimento próprio e nacional desta Capitania, que guarneça ao menos a Capital do Governo. E também para que ele se empregue melhor nas guardas dos registros, nas patrulhas e escoltas necessárias, e nos mais Destacamentos, que tem sido e é ainda muito útil que se estabeleçam, até para fazer respeitar a Justiça, iludida comumente e ineficaz em todas as partes que ficam muito distantes da influência do governo.

                20 — Não só devo à Providência ter-me destinado a glória deste importante serviço, com o feliz acerto de todos os meus passos e diligências, mas até a ocorrência de ocasiões muito oportunas para elas, de que sempre me aproveitei com grande vantagem, dentre as quais podem especificar-se as seguintes para maior clareza desta informação. Quase todos entendiam que era muito conveniente dar ao Regimento de Cavalaria a forma de uma legião composta também de Infantaria, e que se tinha já proposto a Sua Majestade este projeto, assim como era sabido o que tinha feito o meu predecessor acerca da regulação dos pedestres que servem nos Destacamentos. E de tudo isto se tinha falado proximamente e se esperava ainda que eu tivesse ordem para se executar. De cujas circunstâncias, lançando mão, pude com esse pretexto começar desde logo a fazer alguns soldados para a Infantaria e recolher ao Quartel do Regimento os sobreditos pedestres que havia em Vila Rica e em alguns destacamentos vizinhos, sujeitando-os à disciplina regular; o que se fez com tal moderação e de tal forma que não se deu a menor suspeita, não se prejudicou o serviço importante dos Destacamentos, e custou muito pouco à Real Fazenda o pequeno aumento de tropa com que me achei, na ocasião, para fazer as prisões e guardar os presos. Mas esse mesmo tornei a diminuir insensivelmente, logo que chegou a Infantaria do Rio de Janeiro, permanecendo porém sempre a nova regulação dos pedestres, unidos em uma Companhia, a que chamei de Caçadores, agregada ao Regimento, por me parecer muito conveniente ao real serviço, como farei presente a Vossa Excelência em caria separada. O novo Descoberto da Serra da Canastra que muito se decantou nesse meio tempo, mas que segundo as informações entendo que não prestará para mais nada, serviu-me excelentemente para algumas prevenções, mas especialmente para ter pronto e municiado um Piquete de Cavalaria debaixo de um Oficial ativo e de confiança para ser empregado à primeira ordem, como veio a suceder nas prisões da Comarca do Rio das Mortes, que de outra forma poderiam ser malogradas naquela ocasião, pela vigilância em que estavam e pela suspeita que daria qualquer movimento extraordinário. E finalmente, para pedir o auxílio do Rio de Janeiro, que proporcionei ao estado público da minha necessidade para não me fazer suspeitoso, nem ao mesmo tempo demasiadamente temido ou também receoso, quando se descobrissem outros motivos.

                Terem-se visto alguns índios na vizinhança da estrada do Rio de Janeiro foi motivo muito suficiente para aguardar e segurar melhor, dobrando as patrulhas tanto em número como na força de cada uma, e municiando-as de pólvora e bala, sem que até hoje tenham suspeitado que foi outra a causa dessa prevenção.

                21 — As minhas poucas forças e a ignorância das que tinham os meus inimigos, que podiam ser muitos (e dos mesmos que eu não devesse reputar por tais), pediam toda esta manha e disfarce de que usei geralmente em todas as minhas diligências tendentes às averiguações, cautelas e disposições que se faziam necessárias, para cuja execução até valeu admiravelmente o retiro em que me achava, numa Fazenda de Sua Majestade onde os Governadores têm cômoda residência no Arraial da Cachoeira, cuja situação não podia ser mais conveniente para o intento, por ficar em moderada distância da Capital, e ao mesmo tempo junto às estradas que vêm do Serro do Frio, do Sabará e do Rio das Mortes, e achar-se edificado na mesma paragem o novo Quartel que se fez na criação do Regimento, o qual tem nele e nos campos vizinhos os cavalos desocupados, e os recrutas para a sua remonta em um Destacamento de soldados proporcionados àquele serviço, que eu tinha aumentado também nesse tempo para o da minha Guarda.

XIII — A Devassa – RJ

                22 — Este é o resumo e sustância do importante negócio que tenho a honra de pôr na presença de Sua Majestade, para cuja averiguação, que se acha mais adiantada do que podia esperar-se com tão pouco tempo em tal matéria, empreguei todo o cuidado e exação que couberam na minha capacidade, contemplando sempre as consequências (à proporção das circunstâncias que ocorriam no progresso da mesma averiguação, e incerteza da aprovação que poderia ter o maior ou menor rigor e publicidade dos meios empregados) segundo as intenções de Sua Majestade, e a determinação e aparência que a sua alta sabedoria houvesse de escolher em tão grave e delicado acontecimento. Porém, como a próxima chegada do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres e do Ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro, Marcelino Pereira Cleto, mandados pelo Vice-Rei a esta Capital para a mesma averiguação, dá motivo a cessarem as diligências ordinárias que nela se praticavam por minha ordem, brevemente remeterei a Vossa Excelência, por cópia autêntica, os documentos delas para melhor, mais segura e individual informação de Sua Majestade. E como fundamento desta primeira, que ponho na real presença, enquanto as mesmas diligências, que poderão ter demora, se ficam continuando e concluem inteiramente com mais acerto, debaixo das ordens e instruções do dito Vice-Rei, e de todo o auxílio e cooperação que forem necessários da minha parte. E também, enquanto ele mesmo não pode informar pessoalmente com toda a extensão, miudeza e conhecimento que delas tiver resultado e com o que ele tem das coisas da América, especialmente do Rio de Janeiro e desta Capitania (pela grande relação, comércio e comunicação que há entre ambas), o que dará uma ocasião muito oportuna não só para a deliberação de Sua Majestade, mas para as providências futuras.

XIV — Conclusão

                23 — Tenho determinado confiai a remessa dos sobreditos documentos ao Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, Ajudante de Ordens deste governo, não só pela importância dos mesmos papéis, mas porque, tendo sido ele o Oficial de quem me fiei também para o expediente que houve desde o princípio neste negócio, poderá responder a muitas coisas, aclarar outras, contar o nexo de algumas diligências e passos que se deram, dizer o caráter dos sujeitos interessados ou compreendidos nele, e tanto as suas relações entre si como as dos seus interesses particulares com os do Estado, ou com as circunstâncias da Capitania.

Deus guarde a Vossa Excelência

Vila Rica, 11 de julho de 1789.

Visconde de Barbacena

                46 — VILA RICA, 15-07-1789.

Ofício do Visconde cie Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, ciando parte da morte de Cláudio Manuel da Costa.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Passados alguns dias depois de ser preso o Doutor Cláudio Manuel da Costa, pela culpa que consta da minha carta de 11 do corrente, sucedeu achar-se morto na prisão, tendo-se enforcado com as ligas das meias em uma prateleira que havia num pequeno vão, ou armário, da casa que servia de segredo, o que participo a Vossa Excelência como suprimento do mesmo ofício.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 15 de julho de 1780.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre a fuga do Padre José da Silva e Oliveira Rolim.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Ainda que me parece que o Padre José da Silva e Oliveira Rolim não terá saído desta Capitania, como é possível ter conseguido fugir por alguma parte menos conhecida e guardada, ou com tal presteza que se antecipasse às ordens apertadas e às exatas providências que tenho dado, remeto a Vossa Excelência a relação dos sinais e confrontações pelas quais poderá ser reconhecido, no caso que se atreva a transportar-se para a Europa.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 15 de julho de 1789.

Visconde de Barbacena

CONFRONTAÇÕES E SINAIS DO PADRE JOSÉ DA SILVA E OLIVEIRA ROLIM, FILHO DE JOSÉ DA SILVA E OLIVEIRA, CAIXA DA REAL ADMINISTRAÇÃO DOS

DIAMANTES DO ARRAIAL DO TEJUCO

               É de estatura alta ou mais que ordinária, magro e muito direito. Tem o rosto comprido, claro tirando a macilento, seco, com um sinal de golpe ou cicatriz em uma das faces (que parece ser a direita), e feio. A testa alta, os olhos pardos com as sobrancelhas alguma coisa arqueadas, nariz mediano e algum tanto arrebitado; os beiços grossos e a boca comprida; dentes grandes, acavalgados uns sobre os outros principalmente da parte esquerda, e amarelos. O cabelo é castanho escuro com alguns brancos, e, da mesma sorte, a barba com algumas pintas brancas. Tem as canelas finas e os pés pequenos e secos. É de 35 para 40 anos, tido por bom cavaleiro, e não tem boa pronúncia quando fala. Costumava andar acompanhado de dois escravos mulatos, ambos alfaiates: um, por nome Alexandre, de estatura ordinária, grosso do corpo, claro, cabelo atado; e outro, por nome Caetano, que terá 16 anos de idade, aguarapado, magro, e também com cabelo atado.

               Dizem que fugira em trajes de secular, com cabeleira e farda da Cavalaria.

                48 — VILA RICA, 30-07-1789.

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre a normalidade da Capitania e enviando 2ª via do Ofício.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Depois que tive a honra de escrever a Vossa Excelência não tem ocorrido novidade alguma que mereça acrescentar-se ao meu ofício de 11 do corrente, do qual remeto nesta ocasião a 2ª via.

                E para maior brevidade, vista a sua extensão, me dispensei de o copiar eu mesmo, escolhendo para esse fim (e também para uma das cópias da Devassa que está quase feita), ao Escrivão da Junta da Real Fazenda, Carlos José da Silva, por ter pleno conhecimento da sua honra, fidelidade e segredo.

                A Capitania conserva-se em todo o sossego e obediência devida, como participei a Vossa Excelência no mesmo ofício. E já agora não espero também novidade nesta parte, nem receio alteração alguma nos rendimentos de Sua Majestade, como facilmente podia acontecer, se não tivesse havido a este respeito uma particular vigilância e cuidado.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 30 de julho de 1789.

Visconde de Barbacena

Ofício da Câmara de Vila Rica ao Visconde de Barbacena sobre a suspensão da derrama, em resposta ao ofício do Governador e Capitão-General datado de 14-03-1789 (Documento 24).

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

                À vista do respeitável ofício que nos anunciou a suspensão da derrama necessária para complemento da quota das cem arrobas, pedia a obrigação que, no mesmo instante prostrados por terra, rendêssemos a Vossa Excelência as graças pelo relevante benefício que de tão benigno, ajustado e maduro procedimento, recebe esta Capitania, — cujo vacilante estabelecimento contradiz toda a vantagem da imposição daquela pensão a que os povos de Minas tanto estão obrigados, quanto impossibilitados de exibir.

I — Atraso da Resposta

                1 — Seria ousadia, e mesmo rusticidade, supor que escape à perspicácia e agudo discernimento de Vossa Excelência alguma das circunstâncias que estão clamando a favor dos interesses da Coroa e do bem comum desta Capitania que, em certas relações, marcham unidas: providências alheias das atuais. Pois que se pode asseverar com alguma generalidade que, quaisquer que elas sejam, de novo dando outra face aos negócios, desfazendo abusos e desfigurando as traças excogitadas para iludir o plano existente, reforçarão o interesse real, tão aniquilado em consequência da desordem, ignorância e pobreza dos povos, e maldade de alguns indivíduos.

               Mas é só por obediência ao respeitável ofício de Vossa Excelência, que se dignou honrar-nos (chamando-nos) a conselho, que explanamos algum tanto esta gravíssima matéria (tão importante e embaraçada que desconcerta e confunde a quem sobre' ela tem de dar parecer).

               Este o motivo da dilação da resposta, apesar de conhecermos quanto ela instava. Todas as nossas ideias, nesta ocasião quase vulgares e emprestadas, despidas de vãos ornatos (a que comumente recorrem os paradoxistas para abonarem falsidades), destituídas da exação e polidez de que carecem os nossos espíritos, nós as julgamos, se não as mais praticáveis, ao menos as mais proveitosas e acomodadas à conjuntura.

               Parece-nos intempestivo e nada a propósito gastar tempo a descobrir, desde a remota antiguidade, a alternativa das diversas administrações; e esquadrinhar as causas de que finalmente resultou a este país a obrigação das cem arrobas. Uma miúda discussão deste ponto, de mais ostentação que proveito, sobre que não fomos perguntados, se entrevia fastidiosamente a quem — com facilidade, acerto e individuação superior ao nosso alcance — pode (supri-la), cumprindo instruir-se de tudo quanto ao mesmo caso respeita.

II — A Capitação

               2 — Antes do estabelecimento do quinto, existia como arrendamento e direito ao Senhor de todas as minas a chamada capitação, paga por cabeça dos escravos (existentes) neste país, que (já) incluía dentro dos seus atuais limites todo (o território) que neles se contém.

                Quando os povos, a troco de se remirem deste tributo, ofertaram a Sua Majestade cem arrobas anuais, perpetuadas no quinto do ouro, que a diligência e o acaso lhes grangeassem, este ônus (hoje incomportável e cuja sustentação, já nesse tempo, se podia bem prever que viriam a não bastar as forças deste país) figurou-se aparentemente suave pelo copioso ouro que abundava em frequentes descobertos, custando sua extração pouca ou quase nenhuma despesa aos mineiros.

                E é de razão entrar em linha de conta que depois, correndo o tempo, até os seus próprios limites (territoriais) internamente lhes foram restritos e vedados: pelo que abrangeu a Demarcação Diamantina de uma das mais ricas comarcas, inutilizando-a deste modo para a mineração. E estas restrições, como é constante, se vão fazendo frequentes e indispensáveis em inúmeros outros lugares que, semelhantemente contagiados (seja lícito ao povo dizê-lo assim) pela aparição de diamantes, se não podem penetrar e envolver nas buscas do ouro.

                Esta observação, de que transitoriamente nos recordamos, não se dirige ao fim de nos apadrinharmos e pretendermos que Sua Majestade sofra irremediavelmente tanto prejuízo. Tal intento seria um vergonhoso e repreensível desserviço. Por ela, não queremos nos desobrigar da satisfação, mas de algum modo (sermos) desculpados e (nos tornarmos) dignos de um proporcional alívio na solução.

III — O Quinto

                3 — Sucedeu à capitação o direito do quinto do ouro, de tão fácil arrecadação, na verdade, quanto susceptível e, por si mesmo, aliciador de enormíssimos abusos. Afiançaram os povos o imposto deste direito até cem arrobas, persuadidos de que o produto do ouro, anualmente extraído, seria tal que o quinto perfizesse aquela quantia. Mas semelhante promessa a respeito de um gênero que não goza de reprodução periódica, mais parece um desvario do que pensamento sério de cabeças bem organizadas. Quem afiançou à Real Fazenda a possível falência, se os bens dos mesmos falidos só consistem na própria espécie que falta?

                Uma província de comércio inteiramente passivo, cujo gênero único — o ouro, de incertíssima aquisição — não chega para saldar anualmente a sua balança, devia logo parecer incapaz de manter com satisfação a observância do contrato. Assim o mostrou a triste experiência. A diminuição constante e indubitável da anual extração do ouro que, exauridos os mais férteis e menos dispendiosos mananciais, já agora não aparece senão escasso e em sítios quase inacessíveis aos meios de extração que inventou a ambição, diminuição favorecida pelas frequentíssimas veredas que facilitam a clandestina transitação desta imensa Capitania. Estas duas causas têm impedido consideravelmente a prefação da quota das cem arrobas, mas da exata indagação da preponderância de cada uma delas é que se deve tomar conselho e deliberação, para obstar a tanto prejuízo da Real Fazenda. Se porque não se tira o ouro, segundo uns, ou se porque se extravia a maior parte e não vai às fundições, segundo outros, faz grande diferença.

IV — A Decadência das Minas

                4 — Sem que se possa negar a existência de um pesado extravio, é preciso confessar que a falta da extração do ouro é a origem primordial de avultar tão pouco este direito do quinto. Expontaneamente se descobrem documentos muito sobejos desta verdade:

                I — Logo que se estabeleceu o quinto, tempo em que as Minas pareciam universais e eram dobradamente ricas, e em que, já pela novidade, já pelo embaraço das poucas saídas franqueadas, ou pela falta de correspondência e de traços bem delineados no extravio, se não pôde avaliar grande sucesso além das cem arrobas a que mostrou este rendimento. Que admira o abaixar {ele) agora metade?

                II — Nesse tempo, devendo computar-se a população de Minas em pouco mais de metade em comparação da atual, o imposto do direito das entradas excedia de quase o dobro o que agora rende. E não é este um irrefragável, posto que indireto, testemunho da notável diminuição do ouro?

                0 que, fundamentalmente, derriba o afetado e gratuito argumento de que à escassez do ouro deve suprir a multiplicidade dos braços que se ocupam a extraí-lo.

                III — Convencidos os homens pela experiência do pouco proveito da mineração que, por ventura, não lhes suministra (recursos) com que, sem contrair novas dívidas, procurem mais temperado alimento, vão eles pouco a pouco desamparando este penoso e (para os agentes) infrutífero exercício, que substituem pelo da lavoura por onde, não aspirando a grandes opulências, ao menos se eximem de perecer de fome. Logo, pode acreditar-se com muita verossimilhança na falta de ouro. Não o há, porque a terra se tem deparado avara em possuí-lo. A influência desta causa geral e contínua se agregou à outra (acidental e transitória, mas muito atendível) que cessou pela feliz intervenção da Augustíssima Soberana, cuja clemência e alta sabedoria parece destinara e reservara o Onipotente para, oportunamente, afrontar os tempos mais calamitosos desta Capitania — a qual deve grande parte, ou ao menos a celebridade de sua ruína e deterioração, às sucessivas inquietações que, a contar do princípio

do ano de 1774, a consternaram com a necessidade dos recrutas, saída de tropa regular e auxiliar, aprestos públicos, crescendo gradualmente o desassocego até 1777, em que já igualava a 7 mil o número de recrutados e destacados para os portos de mar e fronteiras do sul.

                Incapacitado o resto de poder trabalhar, ou por escondido, a fim de evitar a sorte dos outros, ou por desamparado de diretores e feitores que fizessem correr os trabalhos. Golpe fatal, cujo efeito agora aparece mais visível na diminuição do ouro e que, se não se fez sentir tanto nos anos imediatos, porquanto o que anteriormente se extraíra ainda enchia os vazios, (mas) que a frouxa e quase interrompida corrente se deixa bem conhecer depois de esgotado o resto.

                Qualquer pé-de-vento arruína um edifício de mal seguros alicerces, quanto mais um furacão reproduzido de tantas partes.

                Na presença de tanto mal, pois, que remédios se acharão mais adequados?

V — Medidas Inaceitáveis

                5 — Multiplicar as guardas ao extravio e as diligências e averiguações para se conhecerem e punirem, como é de razão, os autores dele?

                Além de uma quase impossibilidade, e da pouca esperança de sucesso do primeiro meio, custando ele já tanta despesa a Sua Majestade, o aumento deste (ainda no caso de obter-se o desejado fim) anularia o proveito.

                Do segundo arbítrio, mostra a experiência em todas as partes do mundo a sua pouca eficácia, ainda tratando-se de contrabandos, tanto mais apreensíveis quanto mais volumosos. O interesse, crescendo com a raridade do gênero, escurece o horror do castigo, persuade ao crime e depressa o vulgariza. Será também expediente o apertar com violência os homens de todo outro emprego que não seja minerar?

                É impraticável, vendo-se iminente o perigo de faltarem os gêneros de primeira necessidade.

                6 — Haverá recurso à derrama? Este extraordinário arbítrio inculca também tenuíssima vantagem, como se colige da última, lançada há tanto tempo e em tempo mais florente, de objeto incomparavelmente menor e ainda não cobrada por inteiro.

                Encerra (a derrama) desigualdades de justiça muito austeras e irreparáveis, a saber:

                Sendo certo que as várias possessões deste país se reduzem a algumas valiosas fazendas, lavras e escravos, porque o ouro se há com exclusão (de tudo o mais) neste país?

           Sua Majestade, pagando-se naquelas fracas espécies que logo deveria alienar (neste ato embolsando pouco ou nada), só lucraria o mudar de devedores.

                E havendo a derrama de ser o justo castigo dos extraviadores, todo o seu rigor vem a cair sobre os inocentes mineiros que, sós e exatos, pagam este tributo. Pequena porção tocaria ao corpo dos negociantes (ou melhor, dos traficantes que envolvem, como comércio do país, o extravio do ouro), cujas riquezas, por incompreensíveis a toda estimação ainda que aproximada, só admitem uma insignificante multa, enquanto que as aparentes possessões dos outros sofreriam todo o peso do tributo, na distribuição dele.

VI — Reforma Tributária

                7 — Logo, nada mais resta do que cortar tudo pela raiz, mudando-se inteiramente o sistema de percepção deste rendimento real, reduzindo-se o ouro ao seu justo valor de 1$500 réis nesta Capitania.

                O proveito consecutivo da cessação das despesas por ele (o quinto do ouro) motivadas e, fazendo mudar a pensão e recair em muitos outros artigos, Sua Majestade poderá não só indenizar-se do que perde soltando o ouro, mas ainda por ventura tirar avultado interesse, e de mais bem esperançado crescimento.

                O que lembra em primeiro lugar é o aumento do direito das entradas dos gêneros e escravos.

               Aqueles, com uma parte mais sobre o que pagam (à reserva do ferro que não admite nem opressão além de 3$000 réis por quintal, e dos gêneros de luxo, como sedas, cambraias, que por motivos contrários podem, sem lesão, carregar direito triplicado).

               Os escravos, regulados pelo preço médio que custam neste país, (seriam) pensionados tanto quanto cresce o valor do ouro (ie., de 25%, sendo o acréscimo de 1$200 réis para 1$500 réis. por oitava). Deste modo, o direito anual das entradas, que passa agora de 120 contos de réis, subiria ao menos para o dobro desta quantia, fora de toda a dúvida; pois, constando, por um cálculo diminuto, que entram anualmente 4 mil escravos, cujo preço médio se pode avaliar em cem oitavas, quando se aumentar 24$000 réis. de direito sobre cada um, (ainda) custará menos de cem oitavas (ao entrar na Capitania).

               E só este ramo de entradas crescerá 20 mil moedas, ou 240 mil cruzados, que somados com o acréscimo dos direitos sobre outros gêneros, produzirá pelo menos 400 mil cruzados.

               8 — Uma capitação moderada e pessoal também parece admissível, (sendo) pouco sensível aos povos e de muita conta para o nosso cálculo. A povoação deste país, sem receio de errar por excesso, pode-se computar em 350 mil pessoas para mais, que, pagando com severidade a 400 réis por cabeça, forneceriam a soma de trezentos e cinquenta mil cruzados.

               Vários gêneros do país (que nele se consomem) também sofrem alguma imposição de direito: as aguardentes e as carnes. Daquelas, calcula-se com ótimos fundamentos que se gastam anualmente 80 mil barris, os quais, carregados com 1200 réis. cada um, farão o produto de 240 mil cruzados.

                Menor deverá ser a proporção do tributo das earnes, por serem de primeira necessidade, mas sempre algum, atendendo o aumento do valor do ouro.

                Estas somas, calculadas pelo grosso, já montam a perto de um milhão (de cruzados). E o resto, para complemento das 100 arrobas, parece muito bem de se esperar de um novo imposto que se estabeleça neste país, à maneira e pela formalidade das cizas em Portugal.

                A venda de bens de raiz e móveis, de certo valor para cima, dos escravos (exceto os de primeira mão), pensionada com o quinto do valor dos couros vendidos, ainda assim custarão o mesmo que agora (... ilegível...). Daqui, necessariamente, deve provir uma considerável quantia, se se atende a que a constituição deste país exige contínuas vendas, (pois) assim o fazem crer as frequentes emigrações — que se não efetuam sem que os emigrantes disponham do que possuem.

                As heranças pertencentes a ausentes, que de necessidade hão de passá-las a outros possuidores para embolsarem os seus valores, (também serão de considerar no cálculo do tributo acima).

                9 — Este quadro, ainda que apenas traçado como em borrão, já mostra a real importância de seu objeto, e ganhará a última perfeição com as restrições, excessos, modificações e formalidades que só em um mais escrupuloso exame destes pontos se lhe podem apropriar.

                Mas é incontestável que deste novo e, por agora, sonhado plano, dignando-se Sua Majestade anuir-lhe, emanarão grandes fertilidades à Real Coroa e aos vassalos desta Capitania. Àquela, por firmar o seu crédito em artigos perenes e de provável aumento, abandonando o atual sistema (insubsistente e ruinoso por sua natureza e pelo artifício), para evitar grossas despesas, quais as das Fundições e Registros, com perdas de permutas, sendo supérfluas em tal caso, e as da tropa regular que então, não havendo de empregar-se senão no serviço propriamente militar, disposta e economizada ao modo das outras do Reino, virá a fazer muito menor despesa — o que é, por ora, incompatível com o seu exercício atual.

VII — Conclusão

                10 — Os povos, fechadas as portas ao delito do extravio, gozarão de sossego, pagando todos com igualdade a Sua Majestade o que por todos os títulos lhe devemos: e subirá de pronto a prosperidade se a tudo isto se associar o estabelecimento da moeda provincial para facilitar o giro do comércio.

                Do estado de miséria e desordem que tem sufocado esta Capitania, só à força destes e de outros semelhantes meios assentamos que ela poderá ressurgir, a cujo respeito só a mediação de Vossa Excelência será poderosa a fazer valer as nossas humildes instâncias como dignas de toda atenção na presença de Sua Majestade.

                E de que assim haja de acontecer, nos prometemos da reconhecida benignidade e provada circunspecção de Vossa Excelência, que nos tem empossado de confiarmos em sua eficaz interposição, cuidado e meditações, para a nossa possível felicidade, da qual contamos desde já, como certo princípio e faustíssimo agouro, a suspensão da derramação, que despertando toda a nossa sensibilidade e igualmente a de todos os povos, nos encaminha, possuídos do mais terno agradecimento e profundíssimo respeito, a beijar as benfeitoras mãos de Vossa Excelência, por cuja saúde e vida, preciosa à Coroa e ao Estado, serão incessantes os nossos votos.

                Vila Rica, em Câmara de cinco de agosto de mil setecentos e oitenta e nove anos.

                De Vossa Excelência

                Reverentes Súditos.

              Manuel Joaquim Marreiros Teotônio Maurício de Miranda Ribeiro Floriano Gonçalves da Silva – Mateus Alberto de Sousa e Castro Luís Pinto da Fonseca Ribeiro

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, remetendo os presos Luís Vaz de Toledo Piza, Cônego Luís Vieira da Silva e Domingos de Abreu Vieira.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                O Tenente Miguel Nunes Vidigal conduz a essa Cidade o Cônego Luís Vieira da Silva, o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, e o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, que foram presos nesta Vila à minha ordem, por ter convindo com o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres que assim fazia a bem da diligência que lhe foi encarregada por Vossa Excelência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 7 de setembro de 1789.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, remetendo os presos Francisco de Paula Freire de Andrada e José Álvares Maciel.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                Em consequência das diligências a que procederam nesta Vila o Desembargador Ouvidor Geral da Comarca e, depois, o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, mandei prender o Tenente Coronel do Regimento Regular desta Capitania, Francisco de Paula Freire de Andrada, e José Álvares Maciel.

                E por me ter representado o dito Desembargador que a condução deles a essa Capital se fazia a bem da diligência que lhe tinha sido encarregada por Vossa Excelência, os mandei entregar para esse fim ao Capitão José Botelho de Lacerda que marcha com eles no dia de hoje, e com o resto da Companhia de seu comando, a qual foi paga de soldos e munições, na conformidade das guias que se lhe passaram na Tesouraria desta Vila.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 9 de setembro de 1789.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, remetendo Francisco Antônio de Oliveira Lopes sob escolta do Capitão José Botelho de Lacerda.

Ilustríssimo e Excelentíssimo. Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                O Capitão José Botelho de Lacerda conduz às prisões dessa Cidade o Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São João del-Rei, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que se achava nas desta Vila, por me ter representado o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres que assim fazia a bem da averiguação que por Vossa Excelência lhe tinha sido encarregada.

                Para melhor desembaraço desta diligência e em serviço da mesma, que Vossa Excelência tem auxiliado, determinei que ficasse nos armazéns desta Capital a munição e mais petrechos com que tinha marchado a ela, da forma que consta do conhecimento do Tesoureiro que lhe foi entregue.

                Certifico a Vossa Excelência que tanto o referido Capitão, como os seus Oficiais, se comportaram nesta Capitania não só com muito exata disciplina militar, mas com a maior prontidão e fidelidade, executando sempre as minhas ordens, em observância das que tinham recebido de Vossa Excelência, com grande acerto e zelo do real serviço, e desempenhando completamente toda a confiança de Vossa Excelência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 20 de setembro de 1789.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, informando ter substituído no comando da escolta de Francisco Antônio de Oliveira Lopes o Capitão José Botelho de Lacerda.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                Tendo incumbido a condução de Francisco Antônio de Oliveira Lopes ao Capitão José Botelho de Lacerda, pareceu-me depois conveniente informar-me dele pessoalmente sobre alguns ditos muito atrevidos e maliciosos do mesmo preso, que poderão merecer alguma pronta providência pelo escândalo que têm dado, além de outras consequências mais graves, que não são impossíveis. Por este motivo, mandei o Alferes da mesma Companhia, Joaquim José Ferreira, alcançá-lo no caminho, com ordem ao dito Capitão para vir falar-me, e para continuar a marcha com a mesma escolta em lugar dele, da forma que estava determinado, até essa cidade, onde dará parte de tudo e receberá as ordens de Vossa Excelência.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 23 de setembro de 1789

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena ao Tenente Antônio José Dias Coelho, dando-lhe a patente de capitão e cumprimentos pela prisão do Padre José da Silva e Oliveira Rolim.

Senhor Capitão Antônio José Dias Coelho:

                Com toda a satisfação que Vossa Mercê pode supor, recebi as suas cartas em que me participou a prisão dos escravos do Padre José da Silva, e depois a do mesmo padre. A prontidão da notícia, o zelo do real serviço com que Vossa Mercê se prestou a esta diligência, as medidas que tomou desde que lhe foi incumbida, e o calor que ela recebeu com a sua chegada a esta Comarca, devem desvanecer todo o desgosto que teria de não ser Vossa Mercê quem fizesse pessoalmente a dita prisão, e mereceram ser contempladas igualmente no agradecimento e demonstração que ela pedia. Por este motivo e pelo acerto, vigilância e fidelidade com que Vossa Mercê tinha executado pouco antes, na Comarca do Rio das Mortes, outras prisões não menos importantes e diligências de confiança que lhe encarreguei, não somente o tenho proposto a Sua Majestade para o primeiro posto de Capitão que vagar no Regimento em que tem a honra de servir, mas além desta antecipação e especialidade, mandei declarar logo a mesma proposta para se verificar interinamente, na conformidade do Decreto de 27 de setembro de 1789 em que Sua Majestade, por sua grandeza, tem generosamente atendido aos oficiais deste Continente.

Deus guarde a Vossa Mercê.

Vila Rica, 11 de outubro de 1789.

Visconde de Barbacena

Portaria do Visconde de Barbacena ao Escrivão da Matrícula Geral da Gente de Guerra, determinando prêmios aos prendedores do Padre José da Silva e Oliveira Rolim.

               O Escrivão da Matricula Geral da Gente de Guerra desta Capitania assentará praça de soldados pedestres, com soldo de cem réis por dia: a José Duarte, José Machado e Manuel Rodrigues, para servirem debaixo das ordens e comando do Sargento-Mor das Ordenanças Domingos Rodrigues de Abreu, Comandante do Arraial e Distrito do Itambé do Termo da Vila do Príncipe, e com vencimento desde o dia 5 do corrente, em que se executou pelo mesmo Sargento-Mor a prisão do Padre José da Silva e Oliveira Rolim, em que eles se portaram com exemplar fidelidade e honra; sem que esta graça, devida unicamente às circunstancias referidas, sirva de exemplo para outros Distritos, nem para outros pedestres das Esquadras deles.

               Vila Rica, 22 de outubro de 1789.

Visconde de Barbacena

Relatório do Desembargador Antônio Joaquim de Pina Manique, Intendente Auxiliar de Polícia da Corte, a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar (cumulando interinamente o da Guerra e Estrangeiros), sobre notícias da Inconfidência Mineira.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Na conformidade das reais ordens de Sua Majestade dei a visita do ouro ao navio Conceição e São José e Fama, de que é Capitão Antônio de Oliveira Guedes, que chega do Rio de Janeiro com 115 dias de viagem.

                Conduz o Capitão, para ser entregue à ordem de Vossa Excelência um caixão com mapas das Fortalezas do Rio de Janeiro; um saco com algumas pedras para o Gabinete de História Natural; 3 marinheiros fugidos da esquadra inglesa de que era comandante Guilherme Cornuailles, chamados Raimundo Coutinho, Eduardo Bovus e Pedro Smith, os quais ficarão a bordo até o destino que Vossa Excelência for servido dar-lhes, visto que a Portaria do Governador recomenda se entreguem à ordem de Vossa Excelência.

                Dá a certeza de terem vindo de Minas vários presos, em que entram 2 Coronéis auxiliares e o Ouvidor Gonzaga, tendo ficado outros muitos em Minas, todos presos em segredos incomunicáveis.

                Corre a notícia de alguns terem perdido o juízo, chegando um deles, Cláudio Manuel da Costa, a ter-se dado uma morte violenta na mesma prisão; porém a Capitania se acha em sossego, tendo contudo ido do Rio de Janeiro 3 companhias militares, 2 de Infantaria e 1 de Cavalaria.

                A relação dos passageiros que vieram a bordo deste navio, remeto inclusa com o resumo da carga; e as cartas que se me entregaram são as que ponho na presença de Vossa Excelência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Lisboa, 6 de dezembro de 1789.

                O Desembargador dos Agravos,

Antônio Joaquim de Pina Manique

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, enviado por mão de Francisco Antônio Rebelo, com a cópia dos Autos da Devassa – MG.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Para verificação da conta que dirigi a Vossa Excelência em data de onze de julho do ano passado, tenho a honra de remeter nesta ocasião a cópia dos Autos que se processaram nesta Capitania, dos quais é portador o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, Ajudante de Ordens deste Governo, pelos motivos que participei a Vossa Excelência no sobredito Ofício.

                1 — Teve esta remessa alguma demora, não só porque desejei fazer mais completa a informação que por meio dela ponho na presença de Sua Majestade, mas porque, tendo tido a satisfação de conseguir a única prisão que restava dos principais réus denunciados, na pessoa do Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que todos julgavam dificultosa pela largueza do País que ele conhecia muito bem e pelos meios e proteções que tinha para escapar às minhas diligências, foi necessário proceder a novos exames e inquirições; e também por outras circunstâncias que ocorreram e bem constarão a Vossa Excelência do mesmo processo.

                2 — Os Ministros do Rio de Janeiro, tendo dado por concluída a sua averiguação nesta Capitania, onde foram tratados com toda a condescendência, auxílio e estimação que era conveniente para certificar o povo da intimidade, acordo e boa inteligência com que se tratava e investigava este negócio, entre mim e o Vice-Rei, retiraram-se àquela Cidade sem adiantamento algum dele no dia nove de setembro, e foram continuando de caminho e na Comarca do Rio das Mortes, com a mesma fortuna, outras insignificantes diligências que serviram somente de fazer mais público ou solene este funesto e escandaloso acontecimento, tendo-me deixado por toda a forma pouco satisfeito da sua vinda e só com o único desvanecimento: que, apesar da ilimitada assistência que tiveram e da facilidade que há em aumentar as coisas já tratadas e descobertas, não alcançaram novidade alguma atendível, deixando aliás exuberantemente verificados e justificados os meus procedimentos e diligências.

                3 — Falando a Vossa Excelência com esta franqueza, não devo também disfarçar que esta diligência e alçada extraordinária, não tendo sido ordenada por Sua Majestade nem requerida por mim, só me pareceu que poderia ter lugar com algum acerto depois de conhecidas e examinadas pelo Vice-Rei as diligências ordinárias que por minha ordem se praticavam exatamente nesta Capitania, cujo governo Sua Majestade por sua benignidade confiou de mim, dado que ao mesmo Vice-Rei compita semelhante conhecimento, e que obrando o contrário como fez, não somente ofendeu de alguma forma a benigna confiança com que a mesma Senhora me tinha honrado, e a superabundante prova que eu lhe tinha dado até aquele tempo da minha exação e zelo do Real Serviço neste negócio, junto a uma excessiva contemplação com o seu cargo e pessoa, como tenho a honra de mostrar a Vossa Excelência na cópia das minhas cartas assim particulares como de ofício, mas sujeitou a mesma diligência a alguns inconvenientes que eu atalhei sempre, e remediei quanto estava em mim, cortando por todas as considerações pessoais e atendendo unicamente ao Real Serviço, cujo exercício, especialmente em tão relevante ocasião, me honra sumamente, seja como governador ou como simples soldado.

                 4 — Logo que os sobreditos Ministros saíram desta Vila, fiz conduzir ao Rio de Janeiro todos os presos que eles entenderam que seriam precisos, pelas confissões que já tinham feito para o exame e convencimento dos que foram primeiro, cuja inquirição haviam sem causa suficiente até então abandonado, regulando-se neste caso, indevidamente e contra toda a experiência, pelas formalidades ordinárias.

                 5 — Entre os referidos presos, que eram os mesmos que participei a Vossa Excelência no meu Ofício de onze de julho, que ficavam retidos nesta Vila para as averiguações necessárias, foram demais o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada e seu cunhado José Álvares Maciel, como já tinha anunciado a Vossa Excelência na mesma carta, cujos motivos, especialmente a respeito do primeiro, vieram cada vez mais a justificar-se.

                 6 — Não obstante toda essa diligência da minha parte, não se me tem comunicado novidade alguma do Rio de Janeiro, ou para me decidir sobre as diligências e procedimentos que ficaram duvidosos e dependentes de verificação, ou para adiantar os mais que fossem necessários, e somente posso contar até agora com o conhecimento que acaba de me dar a carta inclusa do primeiro denunciante Joaquim Silvério dos Heis, que remeto por cópia, sendo também esta a única participação que tive da soltura dele.

                7 — Nesta ocasião remeto também ao Vice-Rei do Estado os autos originais da Devassa processada nesta Capitania, porque mos pediu a bem da mesma diligência, não tendo tido ainda efeito a união determinada, mas como a minha opinião e sistema é que este importante negócio seja examinado completamente, sem limite de tempo, nem preterição de pessoa ou de circunstância, não me pareceu cessar inteiramente nas averiguações, usando porém de toda a circunspecção e prudência que elas requerem pela sua delicadeza, gravidade e consequências, ao mesmo tempo que ninguém, no seu particular, se compadece mais de todos aqueles infelizes que em razão do meu cargo, da minha honra, e do desvelo e afeto com que me emprego no serviço de Sua Majestade, me vi obrigado a perder, nunca sem mágoa, e algumas vezes com sacrifícios bem duros do meu coração.

                8 — No meio de todos estes sentimentos, os que me consolam são a certeza que tenho na consciência de ter obrado sempre com justiça à face da lei, e a satisfação de ver atalhado este sucesso tão oportuna, tranquila e felizmente como se podia desejar, especialmente na melindrosa conjuntura que sobreveio; podendo assegurar a Vossa Excelência que este povo continua a merecer e gozar, em sujeição e obediência, da saudável proteção das leis de Sua Majestade e do sossego e felicidade que elas lhe procuram, e que a mesma Senhora lhe aumentará, por esse meio, cada vez mais.

                9 — Não obstante o conceito que faço do estado do povo e da Capitania em geral, não afirmo que estejam descobertos todos os sujeitos corrompidos ou, ao menos, que não haja ainda alguns muito dispostos a semelhante corrupção. Porém este mal, solapado, já não é de recear presentemente, no meu conceito, senão na Capitania do Rio de Janeiro, porque não sei que até agora se tenha dado nela qualquer providência, contra todos os indícios e probabilidades. Estou certo que Sua Majestade a tudo dará o remédio mais justo e proporcionado, mas sempre tomo a liberdade, por bem de seu serviço, de representar a Vossa Excelência que uma das melhores providências para o futuro será a escrupulosa escolha das pessoas empregadas neste Continente, especialmente dos Ministros, não só pela literatura correspondente ao seu cargo, mas pela prudência, gravidade e bons costumes, porque de outra forma perturbam a justiça, malquistam as leis, inquietam o governo e vexam o povo até a desesperação. Além disto, a sua fidelidade e vigilância serão os melhores garantes da segurança do Estado, e a perversão delas a circunstância mais temível para semelhantes revoluções.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 10 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

                VILA RICA, 11-02-1790.

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, recomendando prêmios a colaboradores na repressão da Inconfidência Mineira.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Depois de ter informado a Vossa Excelência de todas as diligências que tenho feito para a segurança desta Capitania, e para exame e conhecimento da infame conjuração que nela se tinha sacrilegamente suscitado, e do bom êxito delas, com os documentos que remeto nesta ocasião ponho-me aos pés de Sua Majestade para pedir-lhe pela maior mercê, interessando, em primeiro lugar, à Sua Augusta Grandeza, e depois também a seu Real Serviço, que haja de atender quanto antes aos poucos fiéis servidores da mesma Senhora com que me achei nesta importante ocasião, e que, cheios de um verdadeiro zelo e amor ao seu Nome Sagrado e à sua Coroa, abominando todas as considerações e motivos particulares que vergonhosamente iludiram ou entibiaram a maior parte das outras, empregaram todo o seu talento e fadiga para ajudar-me e obedecer-me, e vieram a desempenhar dignamente a delicada confiança que fiz do seu préstimo, honra e atividade, sempre ambiciosos de maiores sacrifícios quando fossem necessários. A relação inclusa contém os nomes deles com a qualificação e informações que me pareceram convenientes, cuja imparcialidade e pureza afirmo debaixo de juramento, e protesto a Vossa Excelência que receberei como própria toda a mercê que Sua Majestade for servida fazer-lhes, e que tanto eu, como os governadores que me sucederem, teremos sempre que agradecê-la à mesma Senhora e ao judicioso Ministério de Vossa Excelência, ainda que não venham a achar-se nunca, como Deus permita, em tão dificultosas ações como a Providência me destinou.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 11 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

Relação, pelo Visconde de Barbacena, de propostos a agraciamento, anexa ao ofício anterior, com despachos marginais, em Lisboa, de Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar— O Tenente Coronel Francisco Antônio Rebelo, ajudante de ordens deste Governo, foi sabedor de todo o segredo desde o princípio. Ajudou-me consideravelmente e serviu com muito acerto, atividade, honra e zelo, nas diligências de maior confiança e que melhor concorreram para as averiguações e cautelas necessárias. Fez a primeira prisão, que se julgava pela mais importante, na pessoa do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, que conduziu incomunicável ao Rio de Janeiro. E ultimamente é o portador dos autos originais à mesma Cidade, e da cópia deles — com outras mais informações — à Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos. Tem servido a Sua Majestade há muitos anos, sempre com muita distinção, e ninguém mais que ele mostra zelar e amar o serviço da mesma Senhora.

                1 — Antônio José Dias Coelho, oficial deste Regimento, muito ativo, honrado e de grande préstimo, sempre pronto com a maior eficácia e vontade para o Real Serviço.

Tinha sido nomeado para estabelecer um novo destacamento e as guardas necessárias nos Rios Abaeté, de Santo Antônio, e do Sono, mas depois, com o pretexto de ser mudado para outro da mesma natureza, que pareceu necessário junto à Serra da Canastra, veio a servir com a partida do seu comando para as primeiras prisões da Comarca do Rio das Mortes — que executou muito bem e de forma que se pode certificar se terem devido à sua vigilância. Depois, passou a comandar os destacamentos do Serro do Frio, com o fim principal de fazer descobrir e prender o Padre José da Silva e Oliveira Rolim — como se prendeu, com efeito, logo que chegou e, ainda que não foi ele quem fez diretamente a diligência, sempre assento que se deve em grande parte à sua chegada àquela Comarca, à nova atividade que deu às minhas ordens, e ao receio que o dito Padre tomou logo (tele. Ultimamente tem servido na mesma Comarca para outras diligências e averiguações particulares — que tem executado muito bem e com muita fidelidade e zelo do Real Serviço. De tal modo julguei conveniente e justa alguma demonstração a seu favor, especialmente na ocasião em que se prendeu o Padre José da Silva, que declarei tê-lo proposto a Sua Majestade para o primeiro posto de Capitão que vagasse no Regimento, o qual posto ele tinha, já de antes, bom merecido pela sua antiguidade e serviço, principalmente na avultada cobrança que fez na Comarca do Rio das Mortes, por ordem do meu antecessor.

                2 — O Bacharel José Caetano César Manitti, Ouvidor da Comarca do Sabará, foi o ministro que considerei mais hábil e idôneo para servir de escrivão nesta importante diligência, cuja comissão tem executado com muita fidelidade e zelo do Real Serviço, de forma que, a ele, entendo que se deve na maior parte o bom sucesso das averiguações judiciais. Tem tido grande trabalho, assim no processo dos autos originais como numa cópia que fez. E também grande prejuízo, achando-se fora do seu lugar e residência há muitos meses. E o que mais é: tem sofrido muito penosas invectivas, das quais Sua Majestade o poderá desagravar e ressarcir, dando-lhe — como espero — algum generoso testemunho da sua aprovação, o qual merece ainda mais pela prudência, imparcialidade e justiça com que se tem portado, e pelo seu desinteresse a respeito de todas as considerações e cômodos pessoais.

                Pode ficar Intendente de Vila Rica em lugar do que o é, Francisco Gregário Pires Bandeira, que está nos termos de ir Desembargador para a Bahia.

                3 — Carlos José da Silva, Escrivão e Deputado da Junta da Real Fazenda desta Capitania, foi também sabedor do negócio algum tempo antes dos procedimentos. E serviu de muito, a bem dele (negócio), esta confidência — da qual nenhuma outra pessoa era mais digna, tanto pela sua honra e fidelidade, como pelo manifesto zelo que tem pelo serviço de Sua Majestade, em que está sempre pronto a se ocupar com a melhor vontade e com excessivo e exemplaríssimo desinteresse. E nesta ocasião, deu a conhecer ainda mais um ardor e paixão que acreditam sumamente a sua lealdade. Além disto, e de algumas diligências particulares de que também o encarreguei, serviu-me de muito e com muito trabalho seu, que todo lhe parecia pouco nesta ocasião, para me escrever os papéis e cartas de segredo. E tirou duas cópias completas da Devassa, uma das quais vai remetida por 2ª via, e outra fica na Secretaria deste Governo. Não falo no seu préstimo e serviços do seu emprego, porque são bem conhecidos e já mereceram muito honrosos testemunhos. É casado, tem 9 filhos (dos quais 4 ou 5 filhas), vive dos seus ordenados e está pobríssimo.

               4 — O Bacharel Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor desta Comarca, tem sido Juiz da Devassa e mais procedimentos judiciais, com muita honra, segredo e prudência. E tem se portado em toda essa ocasião e diligência, como um fiel servidor da Rainha Nossa Senhora.

Acha-se nos termos de vir para o Porto, segundo alega na sua carta. (MMC)

               5 — Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente-Coronel do Regimento de Infantaria Auxiliar de Paracatu, foi denunciante de muitos fatos e muito oportunamente, como consta da Devassa. E depois continuou a ser um exato e zeloso pesquisador a bem do mesmo negócio, mostrando-se sempre empenhado com verdadeiro zelo do Real Serviço em prestar-se, nessa ocasião, para tudo em que me parecesse ocupá-lo, com muitas demonstrações de honra e lealdade.

               6 — O Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona foi o terceiro denunciante, da forma que consta também da Devassa. E continuou depois, igualmente, a informar-me exatamente de todas as notícias que pôde alcançar, vindo a servir-me, por este modo, de muito grande auxílio e a ter boa parte no feliz êxito das minhas averiguações.

               7 — Domingos Rodrigues de Abreu, Capitão da Ordenança do Distrito de Itambé, Comarca do Serro do Frio. Foi quem prendeu o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; e, na mesma ocasião, se distinguiram também 3 ou 4 pedestres do mesmo Distrito (por serem os que detiveram e impediram o passo ao referido Padre, que pretendeu romper pelo sítio onde estavam e, até, segundo eles dizem, suborná-los). Ao dito Capitão dei uma portaria para ser proposto em Sargento-Mor das Ordenanças do Termo quando vagasse, adiantando-lhe logo as honras competentes. E também lhe dei uma carta de insinuação para a Câmara da Vila do Príncipe, para ser nomeado tesoureiro da Intendência na primeira ocasião — que vem a ser daqui a dois anos, se antes desse tempo não suceder a extinção dela pela sua pouca ou nenhuma utilidade, ou o estabelecimento de outro método que a faça desnecessária.

               Aprovada e confirmada a disposição do Visconde.

               8 — O Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende que foi prender, à cidade de Mariana, o Côn. Luís Vieira da Silva, além de outras diligências que ocorreram pelo seu expediente, ou nas semanas em que estava de serviço.

               9 — O Sargento-Mor graduado, com exercício de Capitão no mesmo Regimento, José de Sousa Lobo, que tem estado incumbido da segurança e incomunicação dos presos que estiveram, ou se acham nos segredos da Cadeia desta Vila, e vai conduzir agora ao Rio de Janeiro o Padre José da Silva e Oliveira Rolim. Pela sua falta, tenho determinado encarregar o cuidado e guarda dos presos que ficam, ao Quartel-Mestre do Regimento, Manuel Antônio de Magalhães, oficial também muito capaz e digno desta confiança.

               Fazer-se-lhe boa a patente, por graça especial.

               10 — O Sargento-Mor graduado, com exercício de Capitão no mesmo Regimento, José de Vasconcelos Parada e Sousa, que prendeu o Bach. Cláudio Manuel da Costa.

               11 — O Tenente do mesmo Regimento, Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa, que conduziu por duas vezes outros presos do Tejuco, tendo ido na última delas ainda mais longe, buscar em custódia e incomunicação os irmãos do sobredito Padre José da Silva.

               12 — Os oficiais da Companhia do Esquadrão da Guarda do Vice-Rei que vieram destacados, por sua ordem, a esta Capitania, e conduziram dela os presos que mandei ultimamente para o Rio de Janeiro; e são os seguintes: Capitão José Botelho de Lacerda, Tenente Miguel Nunes Vidigal, e Alferes Joaquim José Ferreira.

               13 — Os oficiais das Companhias de Infantaria que vieram do Rio e se acham destacados nesta Capitania — que têm feito guarda aos referidos presos, além dos mais serviços da praça; e vêm a ser: Capitão Vicente Ferreira de Portugal e Vasconcelos, Tenente Francisco Xavier Inácio, e Alferes André Lobo da Rosa, do Regimento de Moura; e Capitão André Dias Sobrinho Carvalhais, Tenente José Carlos de Morais Pimentel, e Alferes João Manuel dos Santos, do Regimento de Bragança.

               14 — No caso que a graça e a generosidade de Sua Majestade se hajam de estender a tanto, não posso deixar de lembrar também, para ter algum lugar entre os que vão qualificados na segunda classe, ao Ajudante de Ordens deste Governo, João Carlos Xavier da Silva Ferrão, pois ainda que não foi encarregado de nenhuma diligência especial do gênero de que se trata, assistiu efetivamente na minha sala e mostrou-se sempre muito pronto, dando muito bom expediente e execução a todas as ordens que lhe coube distribuir. E, sobretudo, porque acho algum inconveniente que, havendo essa contemplação geral e sendo compreendidos ambos os seus camaradas, fique ele excluído de tudo — visto que é natural desta Capitania onde tem servido com exação e préstimo.

               15 — Não compreendo nesta Relação alguns dos oficiais inferiores do Regimento, que são na maior parte muito bons e serviram muito bem em algumas diligências, porque espero poder contemplá-los nas promoções e que obtenham, pelo mesmo motivo, a aprovação de Sua Majestade.

               Vila Rica, 11 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

Relação da Oficialidade do Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais, feita por Carlos José da Silva, Escrivão da Junta da Real Fazenda, com anotações marginais do Visconde de Barbacena, anexa ao Ofício deste a Martinho

de Melo e Castro de 11-02-1790.

(RELAÇÃO)

ESTADO MAIOR: Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada Rio de Janeiro

Sargento-Mor Pedro Afonso Galvão de

São Martinho

Ajudante Filipe José da Cunha. Reino

Quartel-Mestre Manuel Antônio de Magalhães Reino

Picador Gervásio de Sousa Lobo. Reino

Capelão Padre João Rodrigues do Paço Reino

Cir.-Mor Antônio José Vieira de Carvalho Reino

CAPITÃES:

Com seu efetivo,

muito suspeito Manuel da Silva Brandão Minas Gerais

Luís Antônio Saião

Tomás Joaquim de Almeida Trant Rio de Janeiro

Suspeito Maximiano de Oliveira Leite  Minas Gerais

José de Vasconcelos Parada e Sousa, graduado em Major . Reino

José de Sousa Lobo, dito

Antônio José de Araújo

José Joaquim da Silva Brum e Ataíde

Suspeito José Antônio de Melo

Indiciado suspeito Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira Minas Gerais

Irmão do Capitão Antônio da Silva Brandão

Brandão; é hábil

Também irmão do José da Silva Brandão

Capitão

Carlos Caetano Monteiro

Valeriano Manso da Costa Reis . Minas Gerais

É cunhado do sarg.-Mor Pedro Afonso; é bom

Bernardo Teixeira Alves

É o melhor para Antônio José Dias Coelho, está

Sargento-Mor nomeado Capitão Reino

Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa Reino

ALFERES:

Pedro Gomes Barbosa

João de Oliveira Silva

João Raimundo Alves

Suspeito Antônio Gomes de Oliveira Meireles Minas Gerais

Joaquim José da Silva Xavier . Minas Gerais

Suspeito Matias Sanches Brandão

Jerônimo Xavier de Sousa

Bento Joaquim de Almeida Trant

Rio de Janeiro

FURRIÉIS: João Rodrigues Monteiro

Manuel José Dias

Antônio Pedro Pereira Palha

João Pedro Soares Landim

José Sá Dias

Domingos Antônio de Barbosa Laje Minas Gerais

Eusébio Pinheiro de Faria

Eugênio Pereira da Silva

Rio de Janeiro

- (Agregado) Pantaleão Silva

PORTA-ESTANDARTES

Francisco Xavier Machado

Vicente José

Silvério de Abreu Lobato

José Teixeira de Carvalho

(Agregado) Pedro José da Silva . Goiás

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena:

               Ordena Vossa Excelência que eu acompanhe o traslado da Devassa de Inconfidência — que Vossa Excelência foi servido mandar proceder nesta Capital pelo Desembargador Ouvidor da Comarca Pedro José Araújo de Saldanha, e para a qual me fez a honra de nomear Escrivão — com um breve resumo de todo o seu resultado até o ponto em que a mesma se acha. Em consequência do que farei quanto couber na estreiteza do prazo que Vossa Excelência foi servido, para este fim, prescrever-me.

I — Do Corpo de Delito

               2 — Consiste o corpo de delito, que deu fundamento à Devassa, nas 6 cartas de denúncia com os mais documentos que oferecem os Autos desde fls. 2v. até 22v. E segundo deles se conclui, mostra-se que as primeiras noções que houveram da execranda maldade que se projetava nesta Capitania derivaram da denúncia que pôs nas mãos de Vossa Excelência o Coronel de Cavalaria Auxiliar, Joaquim Silvério dos Reis, datada de 11 de abril pretérito. Sucessivamente se corroboraram estas primeiras notícias: pela segunda, que a Vossa Excelência apresentou o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, escrita a 15 do dito mês e ano; concorreu logo depois a do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, datada de do referido mês, cuja delatação foi posteriormente ampliada e ratificada pelo termo de fls. 11; seguiu-se a do Tenente-Coronel do Regimento Regular desta Capitania, Francisco de Paula Freire de Andrada, em 17 de maio do mesmo ano, à qual sucedeu a do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, datada do dia 19. E finalmente a representação escrita pelo Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, já depois de se achar preso na Cadeia Pública desta Vila, no dia 28 do mesmo mês.

              3 — Com estes motivos, mandou Vossa Excelência proceder logo à prisão contra os principais denunciados, ordenando juntamente a apreensão de todos os seus papéis e correspondências, de cujo exame resultou acharem-se as duas cartas que constam dos Autos a fls. 18, e os papéis de que também faz menção o outro de fls. 20. São estes os documentos que acompanharam a Portaria de Vossa Excelência, a de junho, em cumprimento da qual se autuaram, procedendo-se sobretudo à Inquirição Devassa que os Autos manifestam.

II — Dos Réus Principais

               4 — Das mesmas e referidas denúncias, se reconhece em grande o sistema e progresso da sedição que pretenderam concitar nesta Capitania: o Alferes do Regimento Regular, Joaquim José da Silva Xavier; o Tenente-Coronel do mesmo, Francisco de Paula Freire de Andrada; o Coronel Inácio José de Alvarenga; o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo; seu irmão Luís Vaz de Toledo Piza; o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; o Padre José da Silva e Oliveira Rolim; José Álvares Maciel; o Coronel Joaquim Silvério dos Reis; o Doutor Cláudio Manuel da Costa; e o Côn. Luís Vieira da Silva; além de outros sabedores do mesmo detestável projeto e indiciados nele.

II — Origens da Sedição

               5 — E bem que se não possa fixar o tempo certo em que o mesmo teve princípio (atenta a diversidade com que falam algumas das testemunhas, como são as de números 23, 33 e 35), confessando o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes ter ouvido ao Vigário de São José, dito Carlos Correia, que o Côn. Luís Vieira havia oito anos tinha já deitado as linhas a este negócio e examinado o modo porque este país podia ficar independente. Jura também a testemunha Francisco Xavier Machado (número 44) ter ouvido que o Coronel Alvarenga havia três anos trabalhava, do mesmo modo, na fatura das leis — como se evidencia de seu referimento. Contudo, é muito verossímil que ele tomasse maior calor desde os fins do ano 1788 e, especialmente, pelos subsequentes meses de janeiro e fevereiro do ano pretérito, em que se chegaram a juntar nesta Capital a maior parte dos Chefes denunciados.

II – Da Propaganda e do Plano

                6 — Não admite a menor contestação, segundo o que se deduz de todo o processo e seus apensos, que o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, era um dos mais empenhados e atrevidos em promover a intentada sublevação, para cujo fim agenciava o maior séquito possível, persuadindo e exagerando a uns a beleza, comodidades e riquezas deste país, que podia ser independente; a outros, as opressões dos governos e ministros; afetando a todos o abatimento e indigência em que jaziam, entretanto que estavam presenciando saírem todos os anos para a Europa os tesouros da América; excitando o povo com a dureza e impossibilidade do pagamento da derrama que estava iminente; e odiando, finalmente, o nome e feliz governo de Vossa Excelência com as capciosas invectivas que dos Autos se depreendem, adaptadas todas ao detestável fim que se propunha.

                8 — Verifica-se das próprias confissões do Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, das do Padre José da Silva e Oliveira e de José Álvares Maciel (constantes dos apensos 1, 15 e 16) e até da mesma denúncia do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada que, na casa deste, assim como na do dito Abreu, se praticavam os conventinhos onde se dispunham os meios para a conclusão do temerário arrojo que projetavam, e para o qual se achavam encarregados de agregar o maior número possível de gente armada e pronta tanto o Coronel Inácio José de Alvarenga, como o Padre José da Silva e o Coronel Francisco Antônio Lopes, incumbindo-se o Vigário de São José, Carlos Correia, de prestar qualquer socorro que fosse necessário e conveniente para aquela ação, das partes de São Paulo, afiançado o principal auxílio da tropa regular na pessoa do seu respectivo comandante, dito Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada.

                10 — Do sistema, porém, de legislação para o regimento da nova República, que se imputa aos Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, Doutor Cláudio Manuel da Costa e Coronel Inácio José de Alvarenga, posto que nenhuns fragmentos apareçam por escrito, contudo (combinados os ditos de várias testemunhas com o que também se colhe de algumas confissões transcritas nos Autos de Perguntas), após se deixa ver: que eles se propunham a estabelecer sete parlamentos; que, passados os primeiros três anos em que governariam o dito Desembargador Gonzaga e outros, seriam sucessivamente as eleições anuais; que tudo quanto se devesse à Fazenda Real ficaria perdoado; que o uso dos cetins ou sedas seria permitido à ínfima plebe; que se levantaria Casa da Moeda pondo-se o ouro a 1500 réis; que os diamantes ficariam francos; que se transferiria a capital para a Vila de São João Del-Rei; e que nesta (Vila Rica) se erigiria uma Universidade como em Coimbra. E finalmente, que os Vigários cobrariam os dízimos com a condição de sustentarem certos mestres, hospitais, e outros estabelecimentos de piedade.

VI — Das Provas e Culpas

                11 — Pelo que pertence às provas que resultam dos Autos e seus apensos contra os denunciados: deles, em primeiro lugar, se evidencia a animosidade e criminosos procedimentos daquele Alferes Joaquim José da Silva Xavier; não só pelo que juram quase todas as testemunhas da Devassa (e com especialidade as de fls. 23, 25, 29v., 35, 38, 41v 44, 49, 52, 58v., 62, 69v. e 79v.), como também pelo que se recolhe dos Autos de Perguntas apensos à mesma (números 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 14, 15 e 16).

               12 — Pelo que respeita ao Tenente-Coronel Francisco de Paula, além do que falam a testemunha presencial Domingos de Abreu Vieira (fls. 23) e as outras (fls. 44, 71 e 72), também se acha gravemente culpado pelo que se deduz das confissões estampadas nos apensos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 15 e 16.

               13 — Quanto ao Coronel Alvarenga, mostra-se ser também um dos mais interessados naquela sublevação, não só pelo que juram as testemunhas (fls. 23, 25, 41v., 44, 45v., 54v., 71 v., e 72v.), mas também pelo que se conclui dos apensos números 1, 2, 3, 4, 15 e 16.

               14 — Do mesmo modo, igual prova resulta contra o Vigário de São José, dito Carlos Correia de Toledo, assim pelo juramento das testemunhas (fls. 23, 44, 45v., 50, 71 v. e 72v.), como igualmente pelo que se clarifica dos apensos números 1, 2, 3, 4, 15 e 16.

               15 — Contra o irmão do dito, Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, além do que consta do apenso 2, verificado pela sua própria confissão estampada no apenso 3, também juram as testemunhas (fls. 50, 71 v. e 72v.).

               16 — Com a mesma evidência se mostra ser um dos principais interessados naquele projeto o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, não só pelo que se depreende dos apensos números 3, 6 e 7, e melhor pelas suas amplas confissões transcritas no apenso 2, como também pelos juramentos das testemunhas (fls. 44, 45v., 50, 54v., 71 v. e 72v., com as quais coincide a de fls. 53v.).

               17 — Com toda a indubiedade, se realiza também a concorrência do Padre José da Silva e Oliveira na referida sedição, tanto pelo que se conclui dos apensos números 1, 2, 3, 6 e 15, e melhor pelas suas próprias confissões constantes do apenso 16, como pelo que se alcança das testemunhas (fls. 23, 71 v. e 72v.).

                18 — Não menos se acha compreendido por um dos sectários, e ainda mesmo dos principais motores de tão abominável projeto, José Álvares Maciel, assim pelo que se qualifica dos apensos números 2, 3, 4 e 16, o que mais se corrobora pela sua própria confissão constante do apenso 15, como pelo que igualmente juram algumas testemunhas (como as de fls. 54v. e 71v.).

                19 — Também, sem a menor hesitação, se verifica ser um dos vogais daquele sinédrio o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira, tanto pelo que se convence dos apensos 1, 4 e 16, vigorizado tudo pelas suas plenas confissões escritas no apenso 1, como também pelo que juram as testemunhas (fls. 54v. e 72v.).

                20 — Pelo que pertence ao Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, aparecem na Devassa as testemunhas (fls. 23, 50, 54v., 71v. e 72v.) além do que oferecem os apensos 1, 2, 4 e 16.

                21 — Quanto ao Doutor Cláudio Manuel da Costa, além do que se mostra dos apensos 2 e 3, e melhor de suas respostas constantes do apenso 4, também juram as testemunhas (fls. 52v., 54v., 71 e 72v.).

                22 — Do mesmo modo, pelo que diz respeito ao Côn. Luís Vieira da Silva, além do apenso 5 que consta de suas respostas, aparecem as testemunhas de fls. 25v., 29v. e 54v.

                23 — E pelo que pertence ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, também, se encontram as testemunhas de fls. 50, 57v. e 72v., além do que depreende dos apensos 1, 2 e 3.

                24 — Examinados finalmente o processo e os apensos, também deles se manifesta fazer-se menção em confuso dos oficiais da tropa regular. E só o Tenente-Coronel Domingos de Abreu denuncia positivamente, por sabedores e prontos para auxiliarem o partido dos confederados, aos Capitães Maximiano de Oliveira Leite e Manuel da Silva Brandão; e aos Alferes Antônio Gomes Meireles e Matias Sanches. Isto não só no seu juramento (fls. 23), como nas respostas do apenso 1, mas referindo-se ao que ouvira neste assunto ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier e ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim. Perguntado este aos sobreditos referimentos, totalmente os negou — como bem se manifesta do apenso 16.

VII — Dos Sabedores e Cautelas

                25 — É também constante do mesmo processo terem notícia da intentada confederação e dos seus fautores algumas das testemunhas que nele juraram, resultando veementes indícios de igual ciência contra outras, apesar dos subterfúgios com que afetaram a sua ignorância e do resultado das acareações e confrontações que constam dos respectivos apensos.

                26 — E sendo certo que nada se encontra por escrito sobre o objeto da sedição projetada, contudo também o é que uma das cautelas com que se promovia este desígnio (como afirma o Coronel Francisco Antônio de Oliveira lhe relatara o Vigário de São José, Carlos Correia, sem a menor hesitação dos sócios capitais daqueles conventículos) era a de não se escrever absolutamente coisa alguma relativa àquele assunto, o que melhor se verifica da resposta que dera o Coronel Inácio José de Alvarenga ao Vigário, sobre a instância que este lhe fizera para que o referido Alvarenga lhe escrevesse a inscrição ou letra que devia lavrar-se nas bandeiras, como indicado fica e se manifesta do apenso 2.

VIII — Da Devassa – RJ

                27 — Todo o expendido vem a ser resumidamente quanto se deduz das testemunhas da Devassa e das confissões nos apensos, o que ainda, contudo, depende para a sua qualificação das que tiverem feito os outros chefes denunciados que existem no Rio de Janeiro, para onde Vossa Excelência julgou conveniente que, logo depois de presos e antes de qualquer judicial procedimento, fossem remetidos; assim como dos juramentos, também, das demais testemunhas da Inquirição Devassa que, naquela Cidade, se abriu; e averiguações competentes.

Vila Rica, 12 de fevereiro de 1790.

O Ouvidor da Comarca do Sabará,

José Caetano César Manitti

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, dando parte da viagem ao Reino de Francisco Antônio Rebelo,

Ajudante de Ordens.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                Participo a Vossa Excelência que o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo vai por ordem minha a Lisboa em diligência do Real Serviço, para que Vossa Excelência seja servido mandar-lhe dar os despachos necessários e as providências que puderem concorrer para o efeito dela, no cômodo e brevidade de sua viagem, depois de receber as ordens de Vossa Excelência.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 14 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

VILA RICA, 14-02-1790.

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, pedindo se manifeste sobre sua conduta na repressão da Inconfidência.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Em nenhuma ocasião me será mais precisa a amizade com que Vossa Excelência me honrou, do que na presente conjuntura do meu governo, se Vossa Excelência por efeito dela se dignar certificar-me do conceito particular e aprovação que lhe mereceu o meu comportamento, e me quiser honrar ainda mais com as suas insinuações, para me haver na execução das ordens de Sua Majestade com o acerto que desejo.

                2 — Espero dever a Vossa Excelência esta mercê, que peço com toda a sinceridade e empenho, que corresponde ao importante negócio que tenho comunicado a Vossa Excelência de ofício, porque reconheço a insuficiência dos meus talentos e experiência, a não serem auxiliados por um tão poderoso meio.

                3 — Dou a Vossa Excelência o parabém da nova distinção e dignidade com que Sua Majestade tornou a reconhecer os relevantes serviços de Vossa Excelência, dos quais o público conceito da Nação e o reconhecimento que ela tem das obrigações que deve a Vossa Excelência será sempre a mais equivalente glória.

                4 — Queira Vossa Excelência aceitar este cumprimento todo puro (2) e de expressões as mais verdadeiras, como procedido não só do obséquio com que devo tratar a Vossa Excelência, mas da minha particular veneração e agradecimento. Desejo a Vossa Excelência a mais perfeita saúde, e que me queira honrar com as suas ordens para ter a satisfação de empregar-me no serviço de Vossa Excelência com toda a prontidão e eficácia como devo.

                Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

                Vila Rica, 14 de fevereiro de 1790.

                Muito obrigado venerador e fiel cativo, de Vossa Excelência.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, propondo confirmação de promoções feitas a António José Dias Coelho e Francisco Xavier Machado.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Como pela prisão e culpa assaz verificada do Tenente-Coronel do Regimento de Cavalaria Regular desta Capitania, Francisco de Paula Freire de Andrada, veio a vagar um posto no mesmo Regimento, e me pareceu conveniente promover a boa execução das minhas ordens com pronta recompensa, nomeei Capitão, na forma do Decreto de vinte e sete de setembro de mil setecentos e oitenta e sete, para a primeira Companhia que vagasse, ao Tenente do mesmo Regimento Antônio José Dias Coelho, pelos motivos declarados na cópia inclusa, habilitando-o com esta promoção para alguma outra maior com que espero que Sua Majestade haja de distinguir e premiar o seu bom serviço, sem prejuízo dos oficiais que deverem competir aos postos superiores do seu Regimento. E procedi nesta formalidade porque me pareceu ainda intempestivo declarar por vago o sobredito posto de Tenente-Coronel.

                             Nesta ocasião proponho, também, para o poslo de Alferes da Sexta Companhia, que ocupava Joaquim José da Silva Xavier, réu do mesmo execrando delito, ao Porta-Estandarte Francisco Xavier Machado, cujo préstimo e serviço é já conhecido de Vossa Excelência, e porque além de outras diligências de que o tenho encarregado depois, é o portador que escolhi para levar à cidade da Bahia a cópia da Devassa e mais papéis que remeto agora por segunda via.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 20 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visoondc de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, remetendo 2.“ via da Devassa-MG pela Bahia.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Tendo expedido o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo para o Rio de Janeiro com a cópia da Devassa de Inconfidência que se tem processado nesta Capitania, e outros papéis pertencentes ao mesmo negócio, pareceu-me conveniente fazer logo esta repetição de tudo por segunda via, para evitar quanto está da minha parte qualquer futuro acontecimento, sem demorar a importante informação que por meio deles ponho mais completamente na presença de Sua Majestade.

                Como poderia suceder que não houvesse logo naquele Porto dois navios prontos a partir, de bom conceito, faço esta remessa pela Bahia de Todos os Santos, para onde a mando conduzir desta Vila diretamente, com recomendação ao Governador para ser transportada e dirigida logo a Vossa Excelência com toda a segurança necessária.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 20 de fevereiro de 1790.

Visconde de Barbacena

Ofício de Camilo Maria Tonelet, Ajudante de Ordens do Vice-Rei, no impedimento deste, a Martinho de Melo e Castro, remetendo cópia da Devassa – RJ.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

Tendo dado a Vossa Excelência, em carta de 25 de janeiro próximo, noticia da grave moléstia do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei deste Estado, de que já nesse dia aparecia alguma esperança de melhora pela declinação que mostravam ter alguns sintomas (até então bem contrários aos primeiros que o punham em bastante desconfiança a sua vida), devo certificar a Vossa Excelência que presentemente se acha o mesmo Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei livre daquele perigoso ataque, mas por conselho dos Professores que o assistem e ainda lhe proíbem toda e qualquer ação, retirou-se, no dia 21, da mesma moléstia, para uma chácara duas léguas distante desta cidade, para com o ar livre do campo e por meio do uso de banhos de água corrente, conseguir outro melhor e mais breve restabelecimento.

                Achando o mesmo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei que não devia demorar a remessa da cópia da Devassa (o original está em poder dos ministros da diligência), de que tratou no ofício de 8 de janeiro do presente ano, a qual vai completa por se não poder dar aqui mais um só passo pela falta da que se lhe devia remeter de Minas Gerais, me ordenou e[iie a dirigisse a Vossa Excelência entregando a esse fim o caixote em que vai encerrada a mesma Devassa ao mestre deste navio “Viriato”, Higino José Ferreira, de que passou o recibo junto, com positiva recomendação de o entregar à ordem de Vossa Excelência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio, 24 de fevereiro de 1790.

                O Coronel Ajudante de Ordens do Ilustríssimo e Excelentíssimo Vice-Rei deste Estado:

Camilo Maria Tonelet

Ofício de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General de Minas, sobre reforço da guarnição militar da Capitania.

Ilustríssimo Senhor Visconde de Barbacena

                Levei à Real Presença da Rainha Nossa Senhora os ofícios que Vossa Senhoria me tem dirigido até a data de 30 de julho do ano pp. E entre eles, o mais importante com data de 11 do referido mês, que trata da fermentação sedic iosa que nessa Capitania se ia tramando e que felizmente se descobriu e acautelou antes que tomasse maior corpo.

                2 — Não cabendo no tempo tratar deste importante negócio com a reflexão que a gravidade dele pede (por se achar Sua Majestade em Salvaterra), na ocasião da partida da nau Belém que leva o novo Vice-Rei e Capitão-General do Estado do Brasil, Conde de Resende, espero a saída de um navio (que se acha a partir para o Rio de Janeiro e talvez que chegue primeiro), para escrever a Vossa Senhoria mais largamente, reduzindo-me presentemente a que parece muito diminuto o número de tropas com que Vossa Senhoria se acha.

                3 — E sendo ela a que sustenta a autoridade a respeito dos governos e que contém os povos na devida obediência e submissão, (achando Vossa Senhoria necessário, como aqui se acha), em lugar das duas Companhias de Infantaria que Luís de Vasconcelos (que acaba de Vice-Rei) lhe remeteu, siga se for preciso um Regimento da Europa — dos que guarnecem o Rio de Janeiro. Vossa Senhoria o poderá requerer, para logo se lhe mandar.

                4 — Entretanto fico aqui na impaciência da remessa da Devassa, que no ofício de 30 de julho diz Vossa Senhoria achar-se quase feita, por se não saber coisa alguma — exceto as primeiras noções que Vossa Senhoria deu no sobredito ofício de 11 de julho.

                Deus guarde a Vossa Senhoria

                Salvaterra de Magos, 9 de março de 1790.

Martinho de Melo e Castro

                68 — VILA RICA, 24-03-1790.

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre remessa de escolta com m presos Padre José da Si lua e Oliveira Rolim e seu escravo Alexandre da Silva.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                O Sargento-Mor José de Sousa Lobo conduz presos e incomunicáveis o Padre José da Silva e Oliveira Rolim e um mulato, escravo dele e confidente, os quais entregará nessa Cidade à ordem de Vossa Excelência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 24 de março de 1790.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Sousa, Vice-Rei, sobre remessa sob escolta dos presos Padre José Lopes de Oliveira e Domingos Vidal de Barbosa Laje.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís de Vasconcelos e Sousa:

                Pelo Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, mando conduzir a essa Cidade o Padre José Lopes de Oliveira e Domingos Vidal de Barbosa (Laje), para serem entregues à ordem de Vossa Excelência, na conformidade do ofício que acabo de receber.

               Ele mesmo poderá certificar a Vossa Excelência da brevidade com que foi expedida e do que recomendei até a respeito da sua marcha, a qual se regulou com o menor número de dias que foi possível.

               Deus guarde a Vossa Excelência.

               Vila Rica, 21 de maio de 1790.

Visconde de Barbacena

Ofício do Visconde de Barbacena a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, prevenindo-se das censuras de Luís de Vasconcelos e Sousa, ex-Vice-Rei.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                O Vice-Rei que foi deste Estado, Luís de Vasconcelos e. Sousa, e que se recolhe à Corte presentemente, deverá informar a Vossa Excelência do êxito e conclusão das diligências que se praticaram nesta Capitania e na do Rio de Janeiro, para exame e conhecimento da grave desordem que nelas se tinha maquinado e promovido; porque, da combinação dos processos que há dois meses se acha efetuada, da inquirição dos principais réus que não foram cá perguntados, e das acareações dos mais, que prontamente tenho remetido depois das preliminares averiguações que eram indispensáveis, é que pode ter resultado algum aumento ou, ao menos, a completa verificação dos fatos constantes dos documentos da diligência que deram causa e justificação aos meus procedimentos, cujas cópias espero que tenham chegado muito antecipadamente á presença de Vossa Excelência, no estado em que mandei os originais para o Rio de Janeiro.

                2 — A Capitania parece-me assaz sossegada, e a julgaria muito mais se não soubesse que algumas pessoas ainda pouco conhecidas têm feito esforço para caluniarem e fazerem odiosos ao povo os meus procedimentos, até ao ponto de espalharem que tinha merecido o desagrado de Sua Majestade, chegando a introduzir com bastante certeza a notícia de que eu tinha já sucessor nomeado para vir apressadamente render-me, como poderá ter informado a Vossa Excelência o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo que se achou nessa ocasião no Rio de Janeiro, onde estas balelas e outras semelhantes invectivas se têm comumente originado e transmitido a esta Capitania. E se não for também a liberdade, individuação e franqueza com que o primeiro denunciante, Joaquim Silvério dos Reis, conta na mesma Cidade quanto fez e quanto sabe deste negócio, o que tem dado ocasião a falar-se e saber-se dele muito mais do que era conveniente por ora.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 12 de junho de 1790.

Visconde de Barbacena

DECRETO nomeando o Desembargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho para Chanceler da Relação do Rio de Janeiro.

                Tendo consideração às letras, merecimentos e serviços do Doutor Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação: Houve por bem fazer-lhe mercê do lugar de Chanceler da Relação do Rio de Janeiro, que exercitará por tempo de três anos e pelo mais que Eu for servida. O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido.

                Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em 13 de junho de 1790.

Rainha

CARTA RÉGIA ao Conde de Resende, Vice-Rei do Estado do Brasil, sobre a Alçada para julgamento dos Inconfidentes de Minas Gerais.

Conde de Resende, Dom José de Castro, do Meu Conselho, Vice-Rei e Capitão-General de Mar e Terra do Estado do Brasil»

                Eu, .Rainha, vos envio muito saudar. Com o motivo das Devassas e Contas que dirigiram à minha Real Presença o Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, vosso predecessor, e o Governador e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais, Visconde de Barbacena, da Conjuração maquinada na dita Capitania de Minas, fui servida ordenar ao Doutor Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, que nomeei Chanceler dessa Relação, para que, passando logo a essa Capital, conheça nela privativamente de tudo que pertencer à dita Conjuração e de todos os seus incidentes e dependências, sendo ele o Relator e fazendo sumários os Autos das ditas Devassas, sentenciando-as com os Adjuntos que daqui lhe vão nomeados, e com os que ele vos propuser e vós lhe nomeardes em conformidade da CARTA RÉGIA que fui servida mandar-lhe expedir, que é a da cópia junta, a qual faz parte desta, para acrescentardes e fazerdes o disposto na mesma Carta em tudo que vos pertence.

               2 — Requerendo-me o dito Chanceler a convocação de outros Ministros, ou sejam de Minas Gerais ou de qualquer das outras Capitanias do Brasil, vós os pedireis no meu Real Nome ao Governador e Capitão-General daquela, ou aos das outras Capitanias, recomendando-lhes a pronta expedição dos ditos Ministros. Ou entendendo o dito Chanceler que, para bem de sua comissão, se faz preciso expedirem-se ordens aos sobreditos Ministros, ou a qualquer deles, incumbindo-os das diligências que lhe parecerem convenientes e necessárias, as ditas ordens irão acompanhadas de cartas vossas, escritas ao Governador ou Governadores das Capitanias respectivas, intimando-lhes no meu Real Nome de prestarem aos referidos Ministros todos os socorros e auxílios de que precisarem e concorrendo com eles em causa comum, se for necessário para a mais pronta e mais eficaz execução de tudo o de que o referido Chanceler os incumbir; ou quando a ele lhe pareça que, em lugar dos Ministros existentes nas referidas Capitanias, devem ir outros expedidos do Rio de Janeiro encarregados das mesmas diligências, os ditos Ministros irão da mesma sorte munidos de cartas vossas concebidas nos termos acima indicados, dirigidas aos respectivos Governadores, para que eles também cooperem da sua parte, promovam e auxiliem os referidos Ministros em tudo o que for a bem das suas comissões.

                3 — Havendo em Minas alguns réus reclusos nas prisões daquela Capitania, os quais deverão passar às do Rio de Janeiro, da mesma sorte os pedireis no meu Real Nome do Governador e Capitão-General da dita Capitania, para que ele os faça conduzir a essa Capital com todos os documentos, provas e papéis relativos às suas culpas, ou que digam respeito à Conjuração de que se trata.

                4 — Achando-se, enfim, o sobredito Chanceler privativamente encarregado desta importante comissão, que lhe confiei pela certeza que tenho de sua literatura, integridade e zelo do meu Real Serviço, ele deverá dirigir todas as diligências judiciais que houverem de se fazer, assim nessa como em qualquer das outras Capitanias do Brasil, expedindo os ordens e dando as instruções que lhe parecerem as mais próprias aos Ministros encarregados delas.

                5 — E vós coadjuvareis as mesmas diligências, auxiliando, sustentando e protegendo os referidos Ministros com o poder e autoridade inerentes ao vosso lugar e que presentemente vos confiro para fazerdes praticar o mesmo aos Governadores e Capitães-Generais das outras Capitanias, na forma que acima vos vai determinado.

                6 — No caso de impedimento do dito Chanceler e de ser preciso quem o substitua, nomeareis em primeiro lugar ao Doutor Antônio Gomes Ribeiro e, no impedimento dele ao Doutor Antônio Diniz da Cruz e Silva, com os quais, nos casos ocorrentes, praticareis e fareis praticar o mesmo que com o atual Chanceler, tendo grande cuidado e cautela em prevenir todo e qualquer conflito de competência, ou de jurisdição, como diametralmente oposto ao bom êxito desta importante diligência e aos úteis fins a que ela se dirige — que são o justo castigo dos réus incursos no abominável crime de rebelião e o descobrimento das infectas sementes que ainda poderão restar do mesmo crime para que, conhecidas elas, se lhes possam aplicar proporcionados remédios, até as extinguir de todo.

Escrita em Lisboa, em 17 de julho de 1790.

Rainha

Ofício do Visconde de Barbacena ao Conde de Resende, Vice-Rei, sobre viagem de Nicolau Jorge Gwerck para o Rio de Janeiro.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

             Para melhor efeito das importantes averiguações que se têm executado nesta Capitania, a respeito da sediciosa fermentação que nela se descobriu, das quais Vossa Excelência se há de achar muito exatamente informado, assim pelos próprios Autos, como pelo seu antecessor e ministros da mesma diligência, foi preso à minha ordem o inglês Nicolau Jorge, então residente no Arraial do Tejuco da Comarca do Serro Frio e Demarcação Diamantina.

                2 — Tendo-se feito as sobreditas averiguações que a ele pertenciam e que se acham especialmente indicadas na segunda denúncia de que se formou o Auto de Corpo de Delito para a Devassa que mandei tirar pelo Desembargador Ouvidor desta Comarca, e concluídas também as que veio fazer naquele negócio o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, foi solto o sobredito Nicolau Jorge, com o parecer deles e dos ministros que lhes serviram de Escrivães, conformemente por conferência que tive com todos eles e à vista dos processos. Mas não me parecendo conveniente que ele se restituísse à sua antiga residência, nem que ficasse logo a seu arbítrio o poder sair deste continente, cujos interesses públicos e particulares conhece assaz, e também para o não perder de vista no tempo em que durasse a referida dependência, ou menos em que estivesse afeita a Sua Majestade, como se tem praticado a respeito de alguns outros em semelhantes circunstâncias, mandei-lhe assinar termo na Secretaria do Governo para aquele fim, com as condições e cautelas necessárias.

                3 — Como esta detenção se tem demorado, representou-me ultimamente o sobredito Nicolau Jorge que ela lhe prejudicaria gravemente se não lhe permitisse ir a essa cidade a seus negócios, no que não pude ter dúvida, assim porque debaixo das ordens de Vossa Excelência se conseguiriam os mesmos fins, parecendo necessários, como porque, tendo sido a referida causa e dependência avocada de alguma forma ao seu cargo pelo antecessor de Vossa Excelência sabendo da inspeção, se ultimaram os exames precisos de que os antecedentes dependem. Poderá Vossa Excelência julgar da necessidade das mesmas providências ou de outras, muito melhor do que eu que ignoro o progresso e resultado delas.

                4 — Nestas circunstâncias, resolvi-me a dar licença interinamente ao sobredito inglês Nicolau Jorge para ter a honra de chegar à presença de Vossa Excelência, da forma que consta na cópia inclusa do termo que assinou novamente para esse fim, e que remeto a Vossa Excelência participando-lhe ao mesmo tempo tudo o referido para determinar o que for servido, na certeza que não só a este respeito, mas em tudo o que for a bem das mencionadas diligências, se executarão as ordens da Vossa Excelência com a mesma prontidão com que foram satisfeitas sempre até as menores recomendações de seu antecessor.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 9 de setembro de 1790.

Visconde de Barbacena

                LISBOA, 15-09-1790.

                CARTA RÉGIA ao Desembargador Sebastião Xavier cle Vasconcelos Coutinhot Chanceler da Alçada, sobre presos cavaleiros das Ordens Militares.

                Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Meu Conselho e do da Minha Real Fazenda e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro. Eu a Rainha vos envio muito saudar.

                Tendo-vos determinado pela outra Carta Régia, que nesta ocasião vos mando expedir, que sentencieis na Relação do Rio de Janeiro com os Adjuntos declarados na mesma Carta Régia os réus da conjuração maquinada em Minas Gerais, e porque pode acontecer que alguns dos ditos réus sejam Cavaleiros das Ordens Militares, neste caso: sou servida ordenar que todos os Juízes, que houverem de sentenciar os réus que tiverem a sobredita qualidade, sejam também cavaleiros das Ordens Militares, os quais chegando a proferir sentença, pela qual seja necessário que para a sua execução hajam os réus de serem degradados das Ordens, os mesmos Juízes poderão proceder a esta formalidade, para o que, como Rainha e Grã-Mestra das ditas Ordens, lhes confiro para este caso todo o poder e jurisdição que tem a Mesa das Ordens, como se fossem ministros dela.

                Escrita no Palácio de Queluz, em 15 de setembro de 1790.

Rainha

Ofício de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena, Governador Capitão-General de Minas.

Senhor Visconde de Barbacena:

               A Sua Majestade foi presente o Ofício de Vossa Senhoria, com data de 10 de fevereiro do presente ano, que acompanhou a Devassa mandada tirar nessa Capitania por ordem de Vossa Senhoria em consequência das denúncias que lhe fizeram e mais notícias que teve da conspiração que aí se tratava e dispunha, com as odiosas circunstâncias que constam da mesma Devassa.

               2 — O Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa também remeteu à Real Presença a outra Devassa que mandou tirar no Rio de Janeiro. E achando-se ali, assim, as duas Devassas originais, como a maior parte dos Réus e, entre eles, os principais Chefes da Conjuração, entendeu Sua Majestade que na Relação da mesma Capital deviam ser processados e sentenciados os ditos Réus. E com este fim, nomeou os Ministros e expediu as ordens que manda comunicar a Vossa Senhoria com a Carta Régia que lhe vai dirigida, não sendo preciso à vista dela dizer eu a Vossa Senhoria que o seu comportamento não desmereceu a Sua Majestade a sua Real Aprovação, atendidas as circunstâncias deste inaudito acontecimento e as em que Vossa Senhoria se viu, como refere na sua carta anterior de 11 de julho do ano próximo precedente.

                3 — Considerando a mesma Senhora, em consequência do referido, que o Regimento de Cavalaria dessa guarnição nem é a tropa que baste, nem alguns dos seus Oficiais deram provas de se poder contar com eles, mas antes pelo contrário (como aconteceu com o Tenente-Coronel do mesmo Regimento), ordenou Sua Majestade que o Regimento de Extremoz, que guarnece a Capital do Rio de Janeiro, fosse guarnecer a Capital de Minas, nomeando para Chefe do mesmo Regimento ao Brigadeiro Pedro Álvares de Andrade, que se acha próximo a embarcar com os Ministros acima indicados e leva na sua companhia alguns Oficiais para servirem na Cavalaria de Minas e no dito Regimento de Extremoz.

                O referido Brigadeiro poderá ter alguma pequena demora no Rio de Janeiro, e neste meio tempo Vossa Senhoria ajustará com o Vice-Rei o modo mais cômodo à tropa e menos dispendioso ao Erário, com que se faça a sua passagem a essa Capital. E que possa ficar servindo de regra para as marchas futuras da guarnição de Minas Gerais, principalmente do Regimento de Infantaria, que poderá ser mudado de três em três anos, ou como a Sua Majestade melhor parecer.

                4 — Com esta providência, se entende aqui que fica suficientemente acautelado qualquer acontecimento futuro; porque ainda que (olhando para as vastas medidas de que os fautores da Conjuração se lembraram e para tudo o que se tratou nas suas assembleias) pareça que as contaminações sediciosas abranjam grande parte da Capitania de Minas, ou quase toda ela, e que já se estendia a outras tais como as do Rio de Janeiro e São Paulo (e neste caso seriam precisas precauções mais poderosas para conter esses povos) r certo é que, examinados atentamente os precisos termos das duas Devassas, combinados com a devida reflexão os ditos dos que depuseram nelas com separação do que é verdadeiro do que é fantástico, e comparados os mesmos ditos com os fatos realmente existentes ao tempo em que Vossa Senhoria foi informado da criminosa maldade que se tramava, tudo o que se descobre com evidência é:

II — Proporções da Sedição

(1) Que alguns habitantes dessa Capitania, da classe daqueles que pelo seu estado, empregos e cabedais se consideravam e eram reputados dos mais distintos dela, intentaram fazer um levante, e com este fim formaram diferentes assembleias e conventículos em que largamente trataram dos meios e modos de o praticar;

(2) Que estes primeiros fautores do dito levante comunicaram o seu intento a outros seus semelhantes, que julgaram mais aptos e dispostos ao mesmo fim, e destes, alguns assentiram e convieram no referido levante declarando-se consócios (os quais juntos aos primeiros não excederam o número de dez ou doze) que falando e convidando outros, alguns destes, ainda que não desaprovaram o referido levante, não quiseram contudo ter parte nele; outros ficaram indiferentes; e outros o julgaram quimérico e impraticável;

(3) Que durando esta fermentação, e tendo-se as ditas assembleias e conventículos, sem grandes cautelas, nessa Capital de Vila Rica por tempo de quatro ou cinco meses (sem que Vossa Senhoria tivesse deles, nem do que se tramava, o menor conhecimento, nem a mais leve suspeita), ultimamente o veio a saber por deposição do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que sendo ao princípio um dos mais acérrimos instigadores da conjuração, tomou o mais seguro partido, ainda que tarde, de a vir denunciar. E participando Vossa Senhoria esta notícia ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, e mandando passar ao Rio de Janeiro o coronel denunciante para informar de viva voz ao dito Vice-Rei, resultou daqui a prisão, por cautela, do mesmo Coronel, e a de outro dos conjurados que se achava no Rio. E logo que a notícia destas prisões chegou a Minas Gerais, julgando por ela os outros conjurados que se achavam descobertos, todas as fantásticas medidas e sedicioso plano traçado e disposto por eles nas suas assembleias e conventículos, e forjado nas suas agitadas imaginações: 1) de terem prontos para entrar no levante: uns, cinquenta; outros, cem; outros, duzentos e mais homens; 2) de se acharem igualmente prontos todos ou parte dos habitantes do Tejuco e Distrito dos Diamantes; 3) de se dever contar com a gente que havia de vir do Rio de Janeiro em socorro dos conjurados de Minas; 4) de se ter avisado a São Paulo para que ali também se levantassem; 5) de se fabricar pólvora com os mistos do próprio país, ou de se mandar vir de fora; 6) de se mandarem emboscar seiscentos homens armados de espingardas e facões junto a essa Capital, para entrarem nela imprevistamente ao primeiro sinal que para isto se lhes desse; e 7) de se extinguir enfim nessa Capitania o domínio de Portugal, formando-se de toda ela uma República à imitação do que praticaram as Colônias Inglesas; — todas estas vãs e sediciosas disposições com que os ditos conjurados reciprocamente se lisonjeavam e ao mesmo tempo enganavam uns aos outros, representando-as como certas, seguras e prontas a se executarem enquanto não foram descobertos, logo que o foram, repentinamente desapareceram, reduzidas efetivamente a nada, sem delas existir o menor vestígio. E o que somente apareceu foram os mesmos conjurados sós e desamparados, abatidos e confusos, preocupados de um terror pânico, destituídos de todo o auxílio ou esperanças dele, e só acompanhados e oprimidos de confusão e do opróbio da sua abominável perfídia.

               5 — O Tenente-Coronel de Cavalaria de Minas Francisco de Paula Freire de Andrada, que nas assembleias e conventículos mostrava ter certo e seguro todo o seu Regimento para auxiliar e fortificar a sublevação, logo que se viu descoberto não recorreu ao mesmo Regimento, de cujo comando até por inerte se fazia indigno. Mas tendo-se retirado à sua Fazenda dos Caldeirões, dali procurou dar uma 1‘alsa cor à sua conhecida perfídia, por meio de uma intempestiva, afetada e diminuta deposição que veio fazer a Vossa Senhoria E exceto ele e alguns oficiais que a Vossa Senhoria se fizeram suspeitos (e que nomeia na sua carta de 11 de julho), todo o mais corpo do mesmo Regimento, principalmente soldados, com o seu honrado Sargento-Mor à testa, Pedro Afonso Galvão de São Martinho, se mostraram tão isentos de toda a suspeita, que ao dito Sargento-Mor incumbiu Vossa Senhoria da prisão que fez do seu perverso Tenente-Coronel, e, aos outros oficiais e soldados, das mais diligências que constam da mesma carta, e que desempenharam com toda a prontidão e indispensável fidelidade.

               6 — O Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo, que entre os seus consócios se considerava o mais poderoso em ter grande número de habitantes do Rio das Mortes à sua devoção (e do qual se asseverava nas assembleias e conventículos que assim ele, como seu irmão o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo, haviam falado a muita gente da Freguesia de São José, da Borda do Campo, e do Distrito do Tamanduá, e que toda estava pronta a entrar no levante), este mesmo Vigário achando-se hóspede em casa do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona em 20 de maio, e recebendo ali pela meia-noite um bilhete de aviso em que os conjurados comunicavam uns aos outros de se acharem descobertos, concebido o dito bilhete nos termos seguintes: “Que na cidade do Rio de Janeiro se achavam presos o Alferes de Cavalaria de Minas Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, e o Coronel de Auxiliares Joaquim Silvério dos Reis; que em tais circunstâncias se acautelassem, mas que em todo o caso cumpria antes morrer com honra, e quem não era capaz das empresas, se não devia meter nelas, o dito Vigário, logo que recebeu o referido aviso, em lugar de se ir unir ao grande número de gente que antes asseverava ter pronta, ao contrário, o foi achar o referido Pamplona no seu quarto, aflito e como fora de si, fazendo-lhe ver no bilhete acima indicado, que lhe deu a 1er , o motivo da sua consternação. E tomando o mesmo Vigário o partido da fuga, se foi encontrar com o outro conjurado, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, a quem se atribui o mencionado bilhete, no sítio ao pé da serra. E dizendo-lhe o dito Coronel: — “Que já agora sempre se havia de fazer a conjuração”, lhe perguntara o Vigário: “Com que gente?" E não lhe dando o Coronel resposta, continuou o Vigário a dizer: “Que se houvesse alguns brancos, poderia cada um destes levar um negro”. Porém ainda tornou a perguntar ao Coronel: “Quem havia de ir com esta gente?” Ao que ele respondeu: Que podia ir com ela o irmão do dito Vigário, o Sargento-Mor LUÍS Vaz de Toledo”. Ao que respondeu o mesmo Vigário: “Que seu irmão, não; mas que fosse ele, dito Coronel". Ao que este disse: “Pois irei”, mas com uma frieza tal que ele, Vigário, ficou entendendo que não ia dar princípio à conjuração, nem podia ir porque não havia gente alguma. Pois ainda que ele, Vigário, ficou de aprontar a da Vila de São José, a ninguém falou em termos claros, e só a alguns tinha falado com disfarce, dizendo o que podia ser para sondar os seus ânimos.

               Prosseguiu o dito Vigário a sua fuga, mas com tal desalento e perturbação que, assim como os outros corréus em diferentes partes, foi preso sem a menor resistência e sem que alma viva se apresentasse ou aparecesse em seu socorro. E o povo tão ignorante e alheio da verdadeira causa das ditas prisões que, logo no princípio, as atribuiu a extravios de ouro e diamantes, supondo por consequência que os ditos réus até eram capazes de ter cometido semelhante crime.

                7 — Dos fatos acima indicados, claramente se vê que, não passando de dez ou doze os principais autores da dita conjuração e trabalhando eles livremente, sem o menor obstáculo nem receio, por tempo de quatro ou cinco meses para atrair gente ao seu partido, e deixando correr com o mesmo fim e com a mais desenfreada soltura o Alferes de Cavalaria de Minas, Joaquim José da Silva Xavier, a clamar pelas casas de Vila Rica, pelas ruas, estradas e estalagens do caminho do Rio de Janeiro e por aquela Capital, proferindo em toda a parte as mais sediciosas imposturas dirigidas a sublevar os povos sem haver quem o contivesse, nada mais puderam conseguir os ditos conjurados que o que acima fica referido.

                8 — Vê-se igualmente que não podendo os mesmos conjurados engrossar o seu partido e vendo frustradas todas as suas diligências, recorreram ao arbítrio de esperar pelo lançamento da derrama (que montava em cinquenta e oito arrobas de ouro, ou ainda mais) entendendo que esta era a ocasião mais favorável de induzir os povos a se levantarem.

               São porém bem remarcáveis a este respeito, e dignas de toda a atenção, as duas circunstâncias seguintes: (I) o abandono e desamparo a que a Administração da Fazenda Real se acha reduzida em Minas Gerais, vendo-se o mais importante rendimento desta Coroa, qual é o quinto do ouro (que deve ser de cem arrobas por ano ou de seiscentos e quatorze contos e quatrocentos mil réis) diminuindo gradualmente de ano em ano, até o reduzirem, como têm reduzido, a quarenta e duas arrobas ou duzentos e cinquenta e oito contos e quarenta e oito mil réis (ou talvez ainda menos) em que presentemente se acha. (II) Que faltando para o complemento do quinto cinquenta e oito arrobas, ou trezentos e cinquenta e seis contos, trezentos e cinquenta e dois mil réis, essa soma era verdadeiramente excessiva para se lançar de uma vez sobre esses habitantes, bastando esta consideração para Vossa Senhoria mandar suspender interinamente a dita derrama, enquanto dava conta a Sua Majestade.

               9 — Vê-se da mesma sorte que, além da razão acima indicada que Vossa Senhoria teve para a dita suspensão, acresceu mais ser Vossa Senhoria improvisamente surpreendido com a denúncia que lhe fez o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, concebida nos termos que Vossa Senhoria refere na sua carta de 11 de julho, e são os seguintes: “Que se achava tratada e ajustadas uma ampla conjuração e sublevação contra o legitimo domínio de Sua Majestade e da Real Coroa, pela maior parte das pessoas consideráveis desta Capitania, as quais tinham a seu favor a tropa regular e contavam com o auxílio e aliança do Rio de Janeiro, para onde tinha partido já o Alferes do Regimento Joaquim José da Silva Xavier a tratar deste negócio e convocar maior número de sequazes, para se concluir depois da sua vinda e na ocasião do lançamento da derrama, que esperavam tivesse lugar neste ano.

               Vê-se porém, nesta denúncia, a duplicidade e malícia com que o denunciante, ainda que substancialmente dissesse a verdade, a desfigurou e alterou com exagerações e circunstâncias que certamente não havia. Disse o denunciante que se achava tratada e ajustada uma conjuração e sublevação, e nisto disse a verdade. E acrescentou porém, que entrava nela a maior parte das pessoas consideráveis da Capitania, e o que consta das Devassas é que os que entravam na conjuração eram tão somente dez ou doze, um dos quais tinha sido o mesmo denunciante. Disse mais: que os conjurados tinham a seu favor a tropa regular, e o que tão somente tinham era o Tenente-Coronel da mesma tropa e alguns oficiais que somente se fizeram suspeitos; todo o mais corpo do Regimento, com o seu Sargento-Mor, se achavam inteiramente alheios às perniciosas intenções do seu Comandante e de nenhuma sorte dispostos a segui-las. Disse enfim o denunciante, que também contavam com o auxílio e aliança do Rio de Janeiro. Das Devassas, porém, não consta (muito particularmente da que se tirou naquela Capital) que ali houvesse alguém que entrasse na dita conjuração ou se declarasse parcial dela, nem que desse ouvidos às sediosas declamações do Alferes Joaquim José da Silva. Antes, regularmente o evitavam reputando-o por louco e furioso.

IV — Da Suspensão da Derrama

               10 — Não sabendo Vossa Senhoria, nem podendo saber algumas destas circunstâncias no repente com que se lhe fez a sobredita denúncia, não podia ela deixar de o pôr no maior desassossego e inquietação; porque, a ser certo quanto nela se dizia, não restava a Vossa Senhoria, para sustentar a autoridade do seu governo, mais que o fraco socorro dos seus Ajudantes de Ordens, representando-se-lhe revoltada toda a mais Capitania. E nesta consternação, assegurando-se-lhe na mesma denúncia que os autores da Conjuração, para a porem em prática, somente esperavam o lançamento da Derrama, se determinou Vossa Senhoria não só a mandar suspendê-la, mas a declarar, por carta com data de 23 de março de 1789 assinada por Vossa Senhoria, assim à Câmara de Vila Rica como às mais Câmaras da Capitania, que a dita derrama ficava suspensa, enquanto dava conta a Sua Majestade.

V — Da Visita de Gonzaga

               11 — É certo que, com esta providência, tirou Vossa Senhoria aos conjurados a ocasião que eles entendiam a mais favorável para induzir o povo a se sublevar; mas também é certo que a mesma providência não foi bastante para os desanimar e deixarem de continuar nos seus sediciosos intentos; antes pelo contrário, logo que virão a carta de Vossa Senhoria escrita às Câmaras, em que lhes declarava e assegurava a suspensão da derrama sem que elas tivessem feito a Vossa Senhoria algum requerimento ou representação prévia a este respeito (sobre que houvesse de recair a dita declaração e segurança), o que entenderam os ditos conjurados, como não podiam deixar de ficar entendendo, foi que Vossa Senhoria não daria este passo sem ser obrigado por alguma notícia que lhe houvessem dado do levantamento de que se tratava. E para se tirarem desta dúvida, encarregaram ao audaz Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, ou ele mesmo se encarregou, de o saber da própria pessoa de Vossa Senhoria Este, e não outro, foi o fim da conversação a que Vossa Senhoria chama “ao parecer atrevida”, sendo na realidade cavilosa, insolente e sediciosa prática ou conferência, que o dito Gonzaga procurou ter com Vossa Senhoria em sua casa, logo depois da suspensão da derrama, e que Vossa Senhoria refere na sua carta de 11 de julho.

               12 — Começa o referido Gonzaga “exagerando a Vossa Senhoria a obrigação em que lhe estava o povo de Vila Rica pela suspensão da mesma derrama, acrescentando que queria levantar-lhe uma estátua.” É porém de advertir que, se a suspensão da derrama causou no povo o alvoroço e contentamento que Gonzaga inculcou, não era ele, mas a Câmara de Vila Rica a que devia mostrar-se agradecida em nome do mesmo povo, por ser ela quem o representa e a quem Vossa Senhoria escreveu fazendo-lhe saber a suspensão da dita derrama. Não constando, porém, que ela fizesse alguma demonstração, (e guardando ao contrário um profundo silêncio), é evidente que o contentamento e alvoroço não foi do povo, mas dos corréus de Gonzaga e seus aderentes que, sendo dos mais abastados da Capitania, sobre eles caía o maior peso da contribuição. E, ou por este motivo, ou por ter Vossa Senhoria já bastante conhecimento do perverso ânimo do dito Gonzaga, não lhe dando resposta concernente a prosseguir ele no mesmo discurso, mas desviando-o para outras matérias, passou logo o mesmo Gonzaga insolentemente a fazer-lhe o bem claro ameaço, dando-lhe a entender, que “Com a suspensão da derrama tinha Vossa Senhoria evitado uma sublevação a que o povo se achava disposto, e que para ela se efetuar só lhe faltavam duas cabeças.” Tornou Vossa Senhoria a desviar com inimitável prudência esta sediciosa prática, falando em diverso assunto, e mostrando-lhe assim que não a queria ouvir. Ele porém, com inaudito atrevimento insistindo na mesma prática, a prosseguiu encarecendo a Vossa Senhoria “a superior vantagem dessa Capitania para a sua independência, defesa e subsistência, pela sua riqueza e situação natural; e que merecia estar sempre nas meninas dos olhos do Ministério.” E não conseguindo, com estes sediciosos rodeios, tirar de Vossa Senhoria o que procurava saber (e sendo já muito tarde), foi obrigado a retirar-se com promessa de voltar brevemente, como Vossa Senhoria refere na mesma carta.

               13 — Depois deste encontro, prosseguiram os conjurados nos seus perniciosos intentos até que, chegando a Minas Gerais em 20 de maio a notícia de se acharem presos no Rio de Janeiro o Coronel Joaquim Silvério dos Reis e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, e que também vinha tropa mandada pelo Vice-Rei à ordem de Vossa Senhoria, todos os conjurados se consternaram e abateram. E todos foram sucessivamente presos sem a menor resistência, na forma acima indicada.

VI — Do Método de Gonzaga ao Defender-se

               14 — Deles, remeteu Vossa Senhoria logo para o Rio de Janeiro ao sobredito Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, ao Coronel de Auxiliares Inácio José de Alvarenga, que antes tinha sido Ouvidor no Rio das Mortes, e ao Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, reputados todos três, em diferentes passagens das devassas, pelos principais autores e primeiros chefes entre todos os da conjuração. Procedendo-se à Devassa no Rio de Janeiro e vindo a perguntas os referidos três conjurados, os dois últimos confessaram de plano, e o primeiro se pôs em uma tenaz negativa. É porém digno de muito particular reflexão o sistema que adotou este astuto réu, as declarações que fez, e os meios de que se serviu para se figurar inocente.

               Nas primeiras perguntas, querendo mostrar o referido réu que não só não contribuíra para a conjuração, mas que, ao contrário, sempre indicara e mostrara os meios de a evitar, se explica nos termos seguintes: “Que tendo chegado ordem de Sua Majestade para se lançar a derrama, ele Respondente disse ao Intendente de Vila Rica, Procurador da Coroa, que o tributo era grande e que temia alguma revolução no povo. E respondendo-lhe ele que não a requereria, lhe tornou o réu que, “como Procurador da Coroa, o devia requerer; mas que não sabia se a Junta obraria bem em o executar sem dar parte a Sua Majestade, o que mostra,” continua o mesmo réu, “que quem inspira semelhantes ideias de quietação não se interessa no motim do povo”.

                15 — Imediatamente depois continua o mesmo réu dizendo: “Que sempre que falara com o seu Excelentíssimo General, lhe dissera que não se podiam cobrar as dívidas da Coroa, por serem muitas e estar o povo muito pobre; e que se devia representar a Sua Majestade o estado da Capitania para as perdoar, o que não faz (diz o mesmo réu) quem quer ser rebelde, que procura a vexação do povo”.

                16 — Em outra parte diz o seguinte: “Que estando o Doutor Intendente de Vila Rica, Francisco Gregário Pires Bandeira, para requerer a imposição da derrama, ele lhe tornou a repetir que esta derrama podia causar algum desassossego no povo”. E respondendo-lhe o dito Doutor Intendente que “então a não requeria”, ele lhe tornou a dizer que “como Procurador da Coroa a devia requerer; mas que não sabia se a Junta da Fazenda obraria bem na sua execução sem primeiro dar parte a Sua Majestade

                Que dizendo-lhe em outra ocasião, o dito Doutor Intendente, que requeria unicamente o lançamento da derrama de um ano, lhe respondeu o réu que ele, “se fosse Procurador da Coroa, a requereria por todo o tempo, porque o lançamento de um ano não tinha razão para suspender-se e bastava para vexar o povo, e que o lançamento inteiro tinha para se suspender: primeiro, o achar-se a quantia de nove milhões, com que não pode toda a Capitania de Minas; segundo, que os devedores pelos anos passados não existiam, porque uns estavam mortos, outros se tinham retirado para Portugal, e que a maior parte do resto estava falida; e que podia servir de bom pretexto à execução do dito lançamento a liquidação da mesma dívida”.

                Que em outra ocasião disputou muito com o dito Doutor Intendente sobre a quantia do mesmo débito porque, obrigando-se o povo de Minas à cota das cem arrobas, “ficando senhor de todas as minas de ouro, lhe parecia que Sua Majestade havia de mandar que se abatesse na dita cota o valor das minas sitas no Distrito Diamantino, que lhe tinha tirado. Que tendo o Excelentíssimo General suspendido o mesmo lançamento, lhe disse o dito Doutor Intendente que queria despacho público da Junta. Ao que o réu lhe tornou, que ele o não pediria, porque a dita suspensão era muito útil ao sossego público. E um vassalo, reflete o mesmo réu, que inspira estas ideias a um Ministro zeloso, e que tem grande parte na administração da Real Fazenda, não interessa senão na fidelidade e zelo a que se dirigiam semelhantes práticas.”

               17 — Em outra parte diz enfim: “Que ele, réu Respondente, em todo o tempo, antes e depois de Excelentíssimo General sustentar a dita derrama, sempre lhe disse que o povo não podia com ela pela sua pobreza; e que nem se podia cobrar o outro resto da dívida fiscal sem destruição total do país; e que por isso seria muito útil que o mesmo Excelentíssimo General representasse a Sua Majestade a necessidade e utilidade do perdão de toda a dívida, o que não faria, continua o mesmo réu, se se interessasse na dita rebelião, porque não mostraria sentimentos contrários ã vexação do povo, em que se poderia afiançar. Que de tudo o referido já tinha pedido documentos e atestações por esse Juízo, e que quando não tenham chegado, novamente requer que outra vez se peçam e se apensem a esta resposta; e que protesta que a falta lhe não sirva de prejuízo, antes se julgue provada esta defesa por não ser de acreditar que um réu peça documentos falsos a um Excelentíssimo General e a um Ministro. que vindo contrários lhe serviriam de maior dano ã sua defesa”.

                18 — Estas são as frases e o sistema com que o dito Gonzaga se explicou e que seguiu constantemente, e as declarações que fez nas suas deposições, pretendendo com elas mostrar a sua inocência. E deixando o valor que elas merecem, pelo que respeita à sua culpa, ao juízo dos Ministros que o hão de julgar, pelo que pertence porém ao Governo dessa Capitania, que Sua Majestade confiou ao cuidado de Vossa Senhoria, se fazem dignas das seguintes observações:

                Primeiro, a duplicidade com que o dito Gonzaga representa a Capitania de Minas, não segundo o seu verdadeiro estado, mas conforme lhe parece que as circunstâncias pedem que a represente. Na conferência que teve com Vossa Senhoria, logo depois da suspensão da derrama, de que assim se faz menção, supondo o referido Gonzaga que Vossa Senhoria se achava inquieto e assustado com a notícia (que entendia que já tinha da sublevação que se meditava), tratou artificiosamente de lhe aumentar o receio, representando-lhe esses povos dispostos e em estado de se poderem sublevar logo que tivessem duas cabeças. E que, para defenderem e sustentarem a sua independência, tinham não só a superior vantagem da sua situação, mas da sua riqueza. E esta é também a linguagem e máximas adotadas por esses habitantes, ou pelos magnatas que os dirigem, quando convém aos seus fins incutir terror aos que governam, para que eles, informando à Corte, esta também se intimide. E que o receio e o temor a obriguem a convir em quanto de lá lhe requererem ou propuserem, seja ou não em prejuízo do real patrimônio.

                Logo porém que o mesmo Gonzaga se viu preso e desenganado, sem que as suas astúcias e ameaços, anteriormente praticados com Vossa Senhoria, produzissem o efeito que ele se propôs; e sendo-lhe preciso para se defender do crime por que estava preso, tratar do que se deve à Real Fazenda, e do que se lhe tem extorquido e continua a extorquir do rendimento do quinto, o mesmo Gonzaga, que antes representava a Capitania de Minas como um país opulento, em estado de sacudir o domínio de Portugal e de sustentar a sua independência pela sua vantajosa situação e a sua riqueza, o representa agora como o mais miserável, e os seus povos e habitantes reduzidos à maior indigência e na maior parte falidos, dignos por consequência da real comiseração para lhes perdoar todas as dívidas. E estas também são as frases e o sistema desses habitantes, ou dos seus magnatas quando entendem que a altivez, a arrogância e os ameaços de levantamentos não são de sezão. De sorte que, ou incutindo terror, comovendo à compaixão, sempre venham a conseguir o seu fim, que é de não pagar o que devem satisfazer ao quinto, na forma que eles mesmos o pediram e se obrigaram, de sua própria vontade, ao seu inteiro complemento.

               19 — A segunda observação é que o dito Gonzaga funda toda a farsa da sua defesa em asseverar que ele, tanto não contribuiu nem teve parte na sublevação de que se tratava, que, antes pelo contrário, aconselhando e persuadindo sempre ao Intendente de Vila Rica e a Vossa Senhoria que não se lançasse a derrama, que se não exigisse a dívida fiscal, e que os inconvenientes de uma e outra coisa se pusessem na real presença para Sua Majestade perdoar tudo, precisamente aconselhava e persuadia o meio mais eficaz e próprio de se evitar a dita sublevação (tão certo e tão seguro, o dito Gonzaga, de ser este o único modo com que ela se podia evitar). E de o ter assim aconselhado a Vossa Senhoria e ao Intendente de Vila Rica sempre que as ocasiões se apresentavam, de tudo requereu certidões autênticas passadas pelo mesmo Intendente e por Vossa Senhoria, para se apensarem ao Auto da sua culpa.

VII — Dos Objetivos Adversários

               20 — A consequência demonstrativa porém, que se deduz das sobreditas declarações, é: Que se a suspensão do lançamento da derrama, e (depois dela) o perdão da mesma derrama e de toda a dívida fiscal, era o meio próprio e eficaz de se evitar a sublevação, como Gonzaga assevera, é evidente que o fim que o mesmo Gonzaga e os outros conjurados, seus aderentes, tiveram para tramar a referida conjuração foi conseguirem, por este sedicioso meio, o dito perdão da derrama e dívidas, quando por outro modo o não obtivessem. E debaixo deste mesmo artifício, foram traçados os sinistros conselhos e capciosas persuasões que o mesmo Gonzaga diz que fizera ao Intendente e a Vossa Senhoria, de sorte que, tendo o rendimento do quinto diminuído tanto que apenas chegava a quarenta e duas arrobas de ouro, devendo ser de cem; e que, faltando cinquenta e oito arrobas, estas se haviam de reintegrar por meio da derrama; o que os ditos conjurados queriam, por boca de Gonzaga era que se não lançasse a dita derrama, e que Vossa Senhoria desse parte a Sua Majestade para a perdoar, por ser este o meio de evitar um levante em Minas. E que, quando se não perdoasse, sempre a Fazenda Real a perderia por ocasião do mesmo levante.

               21 — Que montando a parte da dívida fiscal, que pertence às falências do quinto, em mais de nove milhões; e a outra parte, que pertence aos rendimentos dos contratos, em mais de seis milhões, como Vossa Senhoria poderá ver mais exatamente da liquidação das ditas dívidas, também queriam os ditos conjurados, por boca do referido Gonzaga, que se não exigisse coisa alguma destas dívidas, dando Vossa Senhoria igualmente parte delas a Sua Majestade para da mesma sorte as perdoar, por ser também este o meio de evitar um levante. E que, quando Sua Majestade não as perdoasse, a Fazenda Real sempre as perderia por ocasião do mesmo levante.

               Estas foram efetivamente as vistas dos conjurados. E este o único fim a que se dirigiam todos os estrondosos discursos e ajustes feitos nas suas sediciosas assembleias. Nem é novo em Minas Gerais que, pelo criminoso meio de sedições, procurassem os magnatas dessa Capitania iludir as leis e ordens régias, principalmente sobre objetos da Real Fazenda, e muito particularmente a respeito da contribuição do quinto.

               Nem este pernicioso abuso deixou de se lembrar aqui e de se advertir a Vossa Senhoria, para se prevenir com tempo no caso de acontecer, como Vossa Senhoria verá da cópia junta, extraída das Instruções que levou, desde o § 38.

               VIII — Dos Corretivos à Inépcia Administrativa

               22 — Acham-se enfim presos e nos termos de serem processados e punidos, segundo a disposição das leis, os réus principais autores e chefes da premeditada conjuração que se dispunha em Vila Rica. E além desta providência e das mais que constam das Cartas Régias de que a Vossa Senhoria se remetem cópias, manda Sua Majestade guarnecer essa Capital com o Regimento de Infantaria de Extremoz, tudo na forma declarada no princípio desta Carta. E ordena, quanto ao Regimento de Cavalaria de Minas, que Vossa Senhoria mande dar baixa ou escusar do serviço aqueles oficiais que direta ou indiretamente se tiverem feito suspeitos, fazendo-os sair de Minas Gerais, se assim for preciso; ou remetendo ao Rio de Janeiro, para serem processados, os que estiverem neste caso. Nos lugares vagos proverá Vossa Senhoria aqueles oficiais de mais conhecido merecimento e fidelidade, escolhendo entre todos o mais digno, que há de ocupar o posto de Sargento-Mor em lugar do que o era, que Sua Majestade nomeou Tenente-Coronel Comandante do dito Regimento. E por esta forma, fica Vossa Senhoria com os meios necessários, como nunca houve em Minas, para sustentar dignamente a autoridade do lugar que Sua Majestade lhe confiou.

                23 — Será porém muito conveniente que Vossa Senhoria mude para Vila Rica a sua residência, deixando a casa de campo da Cachoeira para os dias de recreio, que é o uso que tão somente se costuma dar e para que servem semelhantes retiros. E isto mesmo devem igualmente ter praticado as antecessores de Vossa Senhoria. A presença e residência dos Governadores na dita Vila é de indispensável necessidade, não só em razão do grave incômodo que resulta às partes irem requerer a maiores distâncias, e por conta da mais pronta expedição dos negócios, mas porque as desordens e todos os mais acidentes que perturbam, ou podem perturbar, a tranquilidade e segurança pública, mais facilmente se conhecem, mais brevemente se descobrem, e mais prontamente se evitam antes de tomarem maior corpo, com a residência dos mesmos Governadores na dita Vila, e não fora dela. E o caso de que presentemente se trata é a mais demonstrativa prova, bastando a curta distância de três para quatro léguas, que se contam de Vila Rica à Cachoeira, para se formar ali um corpo de conjurados, com assembleias e conventículos que se tinham nas casas de uns e outros sem reserva nem cautela, de que já se sentia um rumor vago por toda a parte, e que dava toda a força e calor à desenfreada soltura do Alferes Joaquim José da Silva. E só na Cachoeira inteiramente se ignorava o que se passava em Vila Rica, o que certamente não aconteceria se Vossa Senhoria ali tivesse a sua residência.

                24 — Depois destas providências, que são presentemente as que se julgam mais indispensavelmente necessárias não só para sustentar dignamente a autoridade desse governo, mas para por a Vossa Senhoria em estado de executar, sem obstáculos que o inquietem, as reais ordens, será preciso que Vossa Senhoria em observância das que lhe foram expedidas nas Instruções que se lhe deram com data de 29 de janeiro de 1788, quando partiu para Minas, observe que, enquanto subsistirem os abusos e relaxações declaradas nos diferentes pontos que formam todo o corpo das ditas Instruções, sempre o sossego desses habitantes será precário e sujeito a alterações e distúrbios, que poderão ter por fim perniciosas e funestas consequências.

                25 — Enquanto os Párocos e o Clero procederem nessa Capitania na forma que os representam diferentes queixas desses povos, que têm chegado à Real Presença, e que se declararam a Vossa Senhoria nas referidas Instruções desde o § 7 até o § 22, não é de admirar que dos mesmos Párocos e Clero saíssem monstros tais como o Vigário da Vila de São José, Carlos Correia de Toledo, o Cônego Luís Vieira, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim. Enquanto os Ministros de Justiça, a quem Sua Majestade confia que devem administrar os povos e os interesses da sua Real Fazenda, procederem na forma indicada no § 25 das mesmas Instruções e nos mais que a eles se referem, sem haver quem os coíba e vigie sobre eles, não é de admirar que da corporação dos mesmos Ministros saíssem criminosos tais como Tomás Antônio Gonzaga, que acabando de exercer o cargo de Ouvidor de Vila Rica e se achava nomeado Desembargador da Bahia; Inácio José de Alvarenga, que tendo sido Ouvidor do Rio das Mortes, passou a Coronel de um Regimento de Auxiliares (e outros Ministros que se acham indiciados nas Devassas); como também os bacharéis Cláudio Manuel da Costa, que por suas próprias mãos expiou o seu crime, e José Álvares Maciel, ambos sectários das doutrinas dos referidos Ministros, e o último sócio e ao mesmo tempo pérfido espia dos conjurados, com assistência na própria casa de Vossa Senhoria

               26 — Enquanto para os postos militares da tropa paga, se não propuserem e destinarem os sujeitos mais dignos, sem respeito algum a motivos e razões particulares, e enquanto se não corrigirem os absurdos praticados com a tropa auxiliar, na forma exposta nas referidas Instruções desde o § 43 até o § 51, não é de admirar que os mesmos corpos abortassem monstros tais como o Tenente-Coronel de Cavalaria de Minas, Francisco de Paula Freire de Andrada; o Alferes da mesma Cavalaria, Joaquim José da Silva Xavier; os Coronéis de Auxiliares, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Inácio José de Alvarenga e Joaquim Silvério dos Reis, o Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira e o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo. Enquanto, enfim, a administração e arrecadação da Real Fazenda forem regidas com os descuidos e negligências, e com os enormíssimos abusos que largamente se apontam nas mesmas Instruções desde o § 52 até o § 123 e último, também não é de admirar que nesta Repartição apareçam enormidades tais como a de se estar devendo à Real Fazenda mais de quinze milhões. E ter-se visto, com o maior sossego e indiferença, não só acumular-se esta grande dívida, mas aumentar-se anualmente cada vez mais. E ver-se igualmente e no mesmo tempo, com igual sossego e indiferença, diminuir da mesma sorte o direito senhorial do quinto até se reduzir a quarenta e duas arrobas de ouro ou ainda a menos, em que presentemente se acha, devendo ser de cem o seu anual rendimento, sem haver quem olhasse para esta ruína; e pondo esse governo em situação que, dentro de breve tempo, a sua renda anual talvez nem chegue para a ordinária despesa da Capitania, principalmente acrescendo a do Regimento com que Sua Majestade manda fortificar a guarnição dessa Capital. Por isso se faz indispensavelmente necessário que tomando Vossa Senhoria na mais séria consideração, assim todos e cada um dos pontos acima indicados e os mais que constam das referidas Instruções, e igualmente as providências que nelas se apontam, execute e faça executar as que, segundo o estado e circunstâncias presentes dessa Capitania, não tiverem implicância, ou ainda inconvenientes graves a que se deva atender antes de se porem em prática. E dê conta individual e circunstanciada a Sua Majestade das que os tiverem ou que precisarem de outras disposições, para a mesma Senhora determinar o que for servida.

                27 — Entre as providências que se apontam nas sobreditas Instruções, é uma delas: que sendo o alvará de 3 de dezembro de 1750 uma lei que se acha em toda a sua força e vigor, sem que Sua Majestade a tenha derrogado em alguma das partes de que ela se compõe; e estabelecendo-se na dita lei o método da contribuição do quinto e o da derrama, como parte essencial da mesma lei, a fizesse Vossa Senhoria executar sem omitir o lançamento da dita derrama no caso de haver falência na contribuição do quinto, como clara, precisa e expressamente se dispõe na mesma lei. “E continuando Vossa Senhoria a fazer observá-la, enquanto Sua Majestade não a desse por extinta e abolida, ou ordenasse ao dito respeito o que lhe parecesse mais conveniente. Também se disse a Vossa Senhoria que, ouvindo as Câmaras, não rejeitasse os métodos ou planos que lhe propusessem sobre a contribuição do quinto, remetendo-os Vossa Senhoria a esta Corte com as observações que lhe parecessem precisas, para maior clareza e mais exato conhecimento do que eles continham.

X — Do Ludíbrio à Derrama

                28 — Avisa Vossa Senhoria, porém, na sua carta de 11 de julho de 1789, que sendo informado de uma ampla conjuração que se achava tratada e ajustada com as mais circunstâncias com que lha expôs o denunciante Joaquim Silvério dos Reis, e que para ela ter efeito se esperava pelo lançamento da derrama, Vossa Senhoria imediatamente depois desta notícia e sem a perda de um só dia, participara à Câmara de Vila Rica em carta de 23 de março, de que remeteu cópias às mais Câmaras dessa Capitania, a determinação em que estava de suspender o lançamento da dita derrama enquanto dava conta a Sua Majestade. E a este respeito nada mais há que dizer a Vossa Senhoria que o que acima fica referido desde o § 12 até o § 17 inclusivamente.

               29 — Acrescenta Vossa Senhoria na mesma carta, que, ainda que a referida notícia fosse falsa ou afetada, sempre teria lugar a dita suspensão pelas circunstâncias da Capitania. E como Vossa Senhoria não declara quais sejam estas circunstâncias, o que aqui se pode entender é o que também acima fica referido no § 11, isto é, que faltando para completar o quinto cinquenta e oito arrobas de ouro (ou trezentos e cinquenta e seis contos trezentos e cinquenta e dois mil réis), e devendo montar nesta quantia o lançamento da derrama, ela era na realidade excessiva para se lançar de uma vez sobre esses habitantes. E nesta consideração, não desaprova Sua Majestade que Vossa Senhoria a mandasse interinamente suspender. Ao mesmo tempo porém, deve Vossa Senhoria advertir que quanto maior é a soma em que monta o lançamento da dita derrama, tanto maior é o descaminho e extravio que se faz ao direito senhorial do quinto. E logo que esses habitantes conhecerem, como não deixarão de ter conhecido, que a grande soma em que montava a dita derrama foi a causa de Vossa Senhoria a suspender, eles terão grande cuidado em levar às Casas da Fundição a menor quantidade de ouro que lhes for possível, na certeza que, quanto menos levarem às ditas Casas, menos haverá de que se tire o quinto. E sendo por consequência maior a importância em que há de montar a derrama, sempre o mesmo motivo servirá para que ela se não lance. E ficará servindo, a dita suspensão e a continuação dela, em um novo meio ou incentivo para que, na solução do quinto, não só se cometam as mesmas fraudes até agora praticadas, mas se aumentem cada vez a mais.

                30 — Deve Vossa Senhoria igualmente advertir que a providência da derrama, estabelecida no alvará de 1750, não teve somente por objeto reintegrar a Real Fazenda das faltas que houvesse na contribuição do quinto, mas foi igualmente estabelecida para evitar que houvesse as ditas faltas, ou os extravios e descaminhos que são a causa delas. Porque os habitantes de Minas, obrigados a pagar por derrama o que faltasse no quinto, não deixariam de se abster dos extravios do ouro que, depois, viriam sempre a pagar por meio da derrama. E não menos vigiariam sobre os extraviadores de fora, não só pelo mesmo motivo de evitar a derrama mas para se utilizarem de metade de todo o ouro desencaminhado que aprendessem ou denunciassem, que no referido alvará se lhes acorda. E se Vossa Senhoria passar pelos olhos o que a este respeito se lhes disse nas Instruções que daqui levou desde o § 55 até o § 81, muito particularmente desde o § 62 até o § 81 inclusive, achará bastantemente demonstrado, por uma sucessiva série de fatos, que enquanto os habitantes de Minas tiveram a certeza, ou se persuadiram que as faltas que houvesse no quinto as haviam infalivelmente de pagar por derrama, nunca nas Casas da Fundição faltou ouro de que se extraísse não só o mesmo quinto, mas ainda muito mais das cem arrobas em que ele monta. E só quando viram que a referida derrama insensivelmente se esquecia (e visivelmente se abandonava por quem a devia promover), desde então é que nas mesmas Casas de Fundição se começaram a sentir as faltas de ouro, que sucessivamente foram cada vez a mais até chegarem ao ponto em que Vossa Senhoria as está presenciando.

XI — Conclusão

               31 — Nesta inteligência, ainda que foi muito prudente que Vossa Senhoria mandasse suspender o lançamento da derrama em atenção ao grave incômodo que a quantia, em que ela montava, causaria a esses habitantes, não era menos prudente, mas antes muito necessário, que no mesmo tempo se procurasse outro expediente para que a Real Fazenda fosse indenizada da dívida procedida da falência do quinto. E que acautelasse igualmente os extravios e descaminhos do ouro, que são e sempre foram a causa da dita falência. Porque, de outra sorte, o resultado da suspensão da derrama será que a Fazenda Real não só perderá a mesma quantia em que ela montava e que se lhe deve pela falência do quinto, mas ficará exposta aos mesmos e ainda maiores extravios e descaminhos que os que a têm dilacerado e reduzido ao abatimento a que tem chegado, sem alguma esperança de melhoramento. Como Vossa Senhoria porém, na sobredita carta de 11 de julho, somente avisa da suspensão efetiva da mencionada derrama pelas circunstâncias da Capitania, sem declarar quais sejam as ditas circunstâncias, nem se deu alguma providência, ou tomou alguma cautela para a segurança da Fazenda Real, o que só resta em tal caso a dizer a Vossa Senhoria é insinuar-lhe as reflexões acima indicadas e esperar o êxito das diligências que Vossa Senhoria terá feito, e das medidas que terá tomado sobre este importante negócio.

Deus guarde a Vossa Senhoria

Palácio de Queluz, em 29 de setembro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

CARTA RÉGIA ao Desembargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Chanceler da Alçada, sobre o julgamento dos eclesiásticos.

                Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Meu Conselho e da Minha Real Fazenda, e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro. Eu a Rainha vos envio muito saudar.

                Tendo-vos ordenado pela Carta Régia seguida com esta que, havendo entre os réus de que tratam as Devassas que vos mando sentenciar, alguns eclesiásticos, separeis dela a parte que lhes tocar para em auto separado, com a cópia das suas culpas, serem por vós com os Adjuntos, sentenciados como for de justiça, por lhes não pertencer privilégio algum de isenção nos crimes excetos, dos quais o de lesa-majestade é o primeiro; e para que não entre em dúvida que os ditos eclesiásticos possam ser sentenciados sem preceder degradação, vos ordeno na mesma Carta que à sentença condenatória que contra eles for proferida se não dê a execução, mas antes fique em segredo e se Me faça presente, para que, no caso de ser a pena tal que seja necessário serem os réus degradados das ordens que tiverem, o que só se pode saber e deve ter lugar depois de proferida a sentença e constar a pena que lhes é imposta, Eu haja de resolver nesta matéria o que for servida. Escrita no Palácio de Queluz, no primeiro de outubro de mil setecentos e noventa.

Rainha

Ofício de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General de Minas, homologando a suspensão da derrama até que apresente novo sistema de arrecadação dos quintos do ouro.

Senhor Visconde de Barbacena:

                Depois da carta que acabei de escrever a Vossa Senhoria sobre o juízo que aqui se fez dos diferentes sucessos acontecidos nessa Capitania, à vista das Devassas que aí e no Rio de Janeiro se tiraram e dos ofícios que Vossa Senhoria me dirigiu, considerando-se na Real Presença a carta que Vossa Senhoria escreveu à Câmara de Vila Rica e às mais Câmaras dessa Capitania, com data de 23 de março do ano p.p. na qual lhes diz:

                “Que Vossa Senhoria tomava sobre si suspender o lançamento da derrama que a Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda era obrigada a promover, até chegar a decisão da conta que teria a honra de por na augusta presença de Sua Majestade sobre os meios que lhe pareciam mais proporcionados ao bem da mesma Administração nesta parte, e ao dos seus leais vassalos.

                “E que, para Vossa Senhoria se haver com o conhecimento e acerto que desejava, lhe era necessário — neste importante negócio — recomendar às Câmaras que houvessem de fazer sobre ele com toda a brevidade as mais sérias reflexões e exame, e lhe enviassem por seus procuradores até meado de junho os seus requerimentos, informação e parecer.

                “E, com isto, esperava também que as mesmas Câmaras concorressem com Vossa Senhoria entretanto, assim pelo reconhecimento a que ficam obrigadas como por conveniência própria, para o descobrimento e extirpação dos contrabandistas e extraviadores — que são e têm sido a principal causa da referida diminuição.”

                2 — Na inteligência do que fica referido que Vossa Senhoria dirigiu às mencionadas Câmaras, ordena Sua Majestade que Vossa Senhoria não altere coisa alguma a respeito da suspensão da dita derrama enquanto não tiver ordem em contrário.

                3 — E pelo que pertence à conta que Vossa Senhoria deve por na Real Presença, com os requerimentos, informação e parecer das Câmaras, tendo-se já passado mais de ano e meio sem aqui aparecer coisa alguma a este respeito, parece que é tempo de Vossa Senhoria abreviar um negócio de tanta importância e dirigi-lo à mesma Real Presença.

                Deus guarde a Vossa Senhoria

                Palácio de Queluz, em 15 de outubro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

Ofício cie Martinho de Melo e Castro ao Conde de Resende, Vice-Rei, sobre a Alçada nomeada por Carta Régia de 17-07-1790.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende, Dom José de Castro:

                Serve esta de coberta à Carta Régia que Vossa Excelência achará junta. E como nela ordena Sua Majestade a Vossa Excelência tudo o que deve praticar sobre o importante negócio de que trata a mesma Carta, só me resta dizer a Vossa Excelência que o Desembargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho vai completamente instruído não só do que pertence à sua comissão, mas do que é relativo às instruções que Vossa Excelência daqui levou e que foi preciso comunicar-lhe, para que, à vista do incidente acontecido em Minas e dos procedimentos judiciais que se vão praticar nessa Capital, possa ele informar a Vossa Excelência de algumas reflexões que aqui se lhe fizeram ao dito respeito e que o tempo não permite reduzirem-se a escrita. Vossa Excelência achará no dito Ministro todas as circunstâncias de literatura, probidade, retidão e desinteresse que caracterizam um homem de bem e o pode ouvir com toda a segurança nas ocasiões (frequentíssimas em quem governa) em que precisar do seu voto e parecer, ou ainda do seu conselho.

                2 — Os dois Ministros, Antônio Gomes Ribeiro e Antônio Diniz da Cruz e Silva, têm igualmente adquirido aqui o mais distinto conceito pela sua literatura e probidade, tendo o último, além disto, um grande conhecimento dessa Capital e Capitania, e não menor do Tejuco e Distrito dos Diamantes, que precisam de uma completa reforma que arranque pelas raízes os inveterados abusos da sua desconcertada administração .

                3 — A graduação enfim, e a escolha destes três magistrados que devem merecer toda a contemplação de Vossa Excelência, porão, com o seu exemplo, essa Relação em um tal regime e regularidade que ela, em lugar de incomodar o governo de Vossa Excelência, como muitas vezes acontece, ao contrário o coadjuve e fortifique em todas as ocasiões em que o mesmo governo precise de auxílio e socorro da Magistratura. Por estes motivos, ainda que na dita Relação não haja lugares vagos em que os sobreditos dois Ministros possam entrar, Vossa Excelência os fará admitir como supranumerários, com o vencimento dos ordenados que lhes são devidos, e ali se conservarão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário .

                4 — Sendo mandado algum dos ditos Ministros, ou qualquer outro da Relação, ou ainda de fora dela, a alguma diligência, Vossa Excelência o mandará assistir com o que se arbitrar que lhe é necessário, assim para as despesas da jornada, como para a sua decente sustentação enquanto se não recolher, depois de concluída a diligência de que foi encarregado; e sendo da Relação, será sempre contado como se estivesse presente.

                5 — O Chanceler que acabou de o ser da mesma Relação, José Luís França, e os mais Ministros que tiverem acabado o seu tempo, Vossa Excelência os fará recolher a esta Corte, muito particularmente o Chanceler que acabou, que deve vir servir o seu lugar de Conselheiro da Fazenda.

                6 — Considerando Sua Majestade que a guarnição de Minas Gerais, composta tão somente de um Regimento de Cavalaria, precisava ser reforçada, foi servida ordenar que para aquela Capitania passasse o Regimento de Infantaria de Extremoz, nomeando para Comandante do dito Regimento o Brigadeiro Pedro Álvares de Andrade, oficial de préstimo e de merecimento, de muito desembaraço e de toda a segurança, e além dele os mais oficiais de que tratarei em carta separada. A falta de prática e de método que há no Brasil para a marcha de tropas de umas para outras Capitanias faz com que seja necessário, antes de partir o dito Regimento, que Vossa Excelência ajuste e convenha com o Governador de Minas Gerais o modo mais cômodo e menos dispendioso de se fazer a referida passagem, e que possa servir de regra para o caso de Sua Majestade querer que, de ano em ano, se mude o mesmo Regimento.

                 7 — Devendo, neste meio tempo, demorar-se o dito Brigadeiro nessa Capital, será conveniente que assim ele como o seu Regimento não partam para Minas senão depois de sentenciados os réus da conjuração tramada naquela Capitania, que aí se acham presos, e depois de concluída esta importante diligência. E enquanto aí se detiver o mesmo Brigadeiro, não será inútil, mas antes necessário, que Vossa Excelência o empregue na inspeção da tropa dessa guarnição e no exame de sua disciplina interior e externa, como também nos exercícios e manobras dos Regimentos comandados pelo dito Brigadeiro na presença de Vossa Excelência, porque indo este oficial de novo (e por consequência sem relações, amizades, nem contemplações) e sendo, como é, muito hábil na sua profissão, particularmente da Infantaria, dele poderá Vossa Excelência tirar todo o partido para formar um juízo seguro sobre o estado atual dessa guarnição e aproveitar os restos que Vossa Excelência informa que ainda conserva da sua antiga disciplina, aplicando-lhe os meios convenientes para que ela se restabeleça e se tire do letargo em que se achava.

                 Deus guarde a Vossa Excelência.

                 Palácio de Queluz, em 23 de outubro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

LISBOA, 23-10-1790.

Ofício de Martinho ae Melo e Castro ao Conde de Resende, Vice-Rei, remetendo cópias de cartas ao Chanceler Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Conde de Resende, Dom José de Castro:

               Depois da Carta que acabo de escrever a Vossa Excelência, que serve de coberta à Carta Régia que lhe vai dirigida e à cópia da que igualmente se dirigiu ao Desembargador Chanceler dessa Relação, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, remeto a Vossa Excelência mais três cópias de outras cartas que foram ao mesmo Desembargador Chanceler sobre os assuntos de que elas tratam. O conteúdo nas ditas cartas, muito particularmente a que trata da comutação das penas dos réus que se hão de sentenciar, se deve guardar no mais inviolável segredo, tendo Vossa Excelência a certeza de que esta determinação da real benignidade somente ao dito Chanceler se participou, para ele usar dela no momento em que lhe vai determinado, o que Sua Majestade manda também participar a Vossa Excelência.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Palácio de Queluz, 23 de outubro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

               79 — LISBOA, 23-10-1790.

Ofício de Martinho de Melo e Castro ao Conde de Resende, Vice-Rei, encaminhando relação dos agraciados por sua atuação na repressão da Inconfidência.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende, Dom José de Castro:

               Remeto a Vossa Excelência a relação inclusa dos oficiais da tropa dessa Capitania e da de Minas Gerais que Sua Majestade foi servida promover, em atenção ao bem que desempenharam a comissão de que foram encarregados na dita Capitania de Minas Gerais.

               Igualmente remeto a Vossa Excelência outra relação, debaixo do número 2, de alguns ministros que foram despachados entre os quais vão compreendidos os que foram empregados na mesma comissão em Minas Gerais.

               Deus guarde a Vossa Excelência.

               Palácio de Queluz, 23 de outubro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

LISBOA, 24-10-1790.

Carta de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General de Minas, sobre prêmios aos adjuvantes da repressão da Inconfidência.

Senhor Visconde de Barbacena:

                Sua Majestade em atenção ao que Vossa Senhoria expõe na sua carta de 11 de fevereiro do presente ano, foi servido despachar os sujeitos recomendados por Vossa Senhoria pelo modo seguinte:

                1 — O Tenente-Coronel Cav., e Ajudante de Ordens desse Governo, Francisco Antônio Rebelo: com a patente de Coronel de Cavalaria e o mesmo exercício de Ajudante de Ordens, com praça assentada na Primeira Plana da Corte, para ser conservado no mesmo posto de Coronel com o seu correspondente soldo quando voltar a este Reino. E a tença de 200$000 réis. com faculdade de a poder renunciar.

                2 — O Senhor Major do Regimento de Cavalaria de Minas, Pedro Afonso Galvão de São Martinho: para Tenente-Coronel Comandante do mesmo Regimento.

                3 — O Tenente do Regimento de Cavalaria de Minas, Antônio José Dias Coelho: para Capitão do mesmo Regimento e, se não houver outro oficial mais capaz de ser S.-Maior. Vossa Senhoria o nomeará para este posto pela faculdade que Sua Majestade lhe confere por esta vez somente para o dito efeito.

                4 — O Tenente-Coronel de Auxiliares do Paracatu, Basílio de Brito Malheiro (Domingo): por Carta Régia que nesta ocasião se expede a Vossa Senhoria, se dá uma providência para que se concluam breve e sumariamente as dependências que o dito Basílio de Brito tem com sua mulher e enteados. Além disto Vossa Senhoria o nomeará para uma Tesouraria ou Escrivania na Casa de Fundição de Vila Rica ou de Sabará.

         5 — O Capitão de Ordenanças do Distrito do Itambé, Domingos Rodrigues de Abreu: vai provido em Sargento-Maior das Ordenanças do mesmo Distrito. E Vossa Senhoria o nomeará Tesoureiro da Intendência da Vila do Príncipe logo que esta vagar; e no caso de se extinguir a dita Intendência, se lhe dará outra ocupação equivalente à dita Tesouraria.

                6 — Além dos referidos, devem ser recompensados os pedestres que detiveram o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, aos quais mandará Vossa Senhoria dar uma gratificação em dinheiro que Vossa Senhoria regulará como lhe parecer que eles merecem.

                7 — Quanto ao Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona: atendidas as circunstâncias da Devassa, não se julga digno de alguma contemplação. E bastante graça se lhe faz de não ser contado entre o número dos culpados, não obstante a sua denúncia excessivamente morosa.

                8 — Vão igualmente despachados os outros oficiais do Regimento de Cavalaria de Minas e os da Infantaria do Rio de Janeiro que Vossa Senhoria recomendou, a saber:

José de Sousa Lobo e José de Vasconcelos Parada e Souza, Capitães efetivos do Regimento de Minas com graduação de Sargentos-Maiores: Sua Majestade há por bem de lhes confirmar, por graça especial que não poderá servir de exemplo, os referidos postos de Sargentos-Maiores Agregados. Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa, Tenente do Regimento de Minas: para Capitão do mesmo Regimento.

                9 — Os oficiais do Esquadrão do Vice-Rei, a saber: Capitão José Botelho de Lacerda, para Sargento-Maior, Tenente Miguel Nunes Vidigal, para Capitão; e Alferes Joaquim José Ferreira, para Tenente.

                10 — Os oficiais do Regimento de Infantaria de Moura, a saber: Capitão Vicente Ferreira Portugal de Vasconcelos, para Sargento-Maior; Tenente Francisco Xavier Inácio, para Capitão; e Alferes André Lobo da Rosa, para Tenente.

                11 — Os oficiais do Regimento de Infantaria de Bragança, a saber: Capitão André Dias Sobrinho Carvalhais, para Sargento-Maior; Tenente José Carlos de Morais Pimentel, para Capitão; Alferes João Manuel dos Santos, para Tenente.

                12 — O Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende: foi despachado para Capitão de Cavalos de um dos Regimentos desta Corte e deve Vossa Senhoria ordenar-lhe que venha para este Reino a exercitar o seu posto.

                13 — Acrescento aqui a lista dos despachos que tiveram os Ministros, entre os quais se acham os recomendados por Vossa Senhoria

                14 — E quanto ao honrado Escrivão e Deputado da Junta da Fazenda, Carlos José da Silva, Sua Majestade lhe fez mercê por Decreto de 14 do corrente, de uma pensão de 400$000 réis por ano pagos pelo Real Erário, para se repartirem por sua mulher e filhas enquanto vivas forem, com -sobrevivência de umas para as outras.

                Deus guarde a Vossa Senhoria

                Palácio de Queluz, em 24 de outubro de 1790.

Martinho de Melo e Castro

Ofício do Visconde de Barbacena ao Conde de Resende, Vice-Rei, ilibando de suspeita maior e solicitando manifestação da Alçada sobre oficiais do Regimento de Cavalaria Regular de Minas.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

                Além da carta que tenho escrito a Vossa Excelência na data de ontem, devo comunicar também com a mesma brevidade a Vossa Excelência que, nas Ordens que se me dirigiram, foi Sua Majestade servida ordenar-me, quanto ao Regimento de Cavalaria de Minas, que mandasse dar baixa ou escusar do serviço aqueles oficiais que direta ou indiretamente se tiverem feito suspeitos na projetada rebelião, fazendo-os sair de Minas Gerais, se assim for preciso, ou remetendo ao Rio de Janeiro para serem processados os que estiverem neste caso.

                Como não tenho contra nenhum deles outra suspeita, senão a que resulta dos processos que se fizeram nesta Capitania, os quais foram presentes à mesma Senhora, especialmente nos depoimentos ou inquirições de Domingos de Abreu Vieira e de Francisco Antônio de Oliveira Lopes, de ver que Sua Majestade não tendo reconhecido nem declarado nomeadamente algum dos ditos oficiais, faz depender este procedimento ou das diligências e averiguações ulteriores que se fizessem, ou do mesmo conhecimento e juízo que determinou para a conclusão daquele negócio e, acrescendo nestas razoes, que os depoimentos e inquirições aeiina mencionados se referem nesta parte a Joaquim José da Silva Xavier e Inácio José de Alvarenga, que não foram cá perguntados e ao Padre José da Silva e Oliveira Rolim, que havendo negado essas circunstâncias não pode já ser acareado competentemente com o dito Domingos de Abreu, por ter sido conduzido às prisões dessa cidade, onde todos eles existem, requeiro a Sua Excelência que, ouvindo os Ministros da Alçada à vista de uns e outros processos e mandando proceder às referidas inquirições e acareações, que forem necessárias, ou da melhor forma que lhe parecer justo, haja de avisar-me quais são os oficiais que se acham incursos no sobredito procedimento, que Sua Majestade foi servida ordenar, com a individuação e qualificações correspondentes aos termos expressos da mesma ordem, para que tenha muito exata observância.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Vila Rica, 17 de janeiro de 1791.

Visconde de Barbacena

Ofício de Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, dando conta de suas atuações.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                A minha obrigação e a honra e favor que a Vossa Excelência devo me conduzem deste modo à presença de Vossa Excelência, desejando que Vossa Excelência goze de vigorosa e feliz saúde.

                2 — Véspera de Natal cheguei com os companheiros a esta Cidade com bom sucesso, em 55 dias. E por serem férias até dia de Reis, deixei de tomar posse do lugar de Chanceler; e depois as ocupações do Vice-Rei o embaraçaram até ontem, 17 deste mês, para me dar a posse que tomei e, juntamente, a entrega das Devassas.

                3 — Logo se passou ordem para a Capitania de Minas para virem os presos e papéis que lá se achassem, tocantes à comissão de que estou encarregado, enquanto se irão separando as culpas dos eclesiásticos — para entrar nas diligências necessárias quando vier de Minas o que lá espero. Isto é quanto tenho que dizer a Vossa Excelência sobre a minha comissão nestes poucos dias depois de minha chegada a esta terra.

                4 — Ouço que alguma coisa tem sofrido o comércio desta Cidade com a Capitania de Minas, temendo os comerciantes fazer remessas de fazendas a sujeitos que talvez, pelo que resultar da diligência, possam vir a ser sequestrados.

E ainda que sobre esta matéria não posso ter de Minas informação exata, contudo creio que seria útil livrar os povos dos temores e desconfianças: ou oferecendo a todos, por editais, perdão geral em nome de Sua Majestade, denunciando-se em certo termo perante os' Ministros competentes (o que eu já tinha ponderado a Vossa Excelência nessa Corte e, então, me pareceu que Vossa Excelência não desaprovava), ou por outro qualquer modo que Sua Majestade julgar mais próprio e conveniente.

                5 — Como ontem é que tomei posse, ainda não fui à Junta da Fazenda, nem posso dizer a Vossa Excelência coisa alguma sobre este artigo. Mas tendo-me oferecido ao Vice-Rei para o ajudar sobre os pontos das suas instruções que Vossa Excelência me comunicou, me disse que a tudo havia de satisfazer. E creio, segundo me diz o Ministro que serve de Juiz de Alfândega, que agora chegará a Vossa Excelência uma pauta da mesma Alfândega com clareza do estado atual e reforma que pode admitir. E suposto que entendo me comunicará o dito Juiz da Alfândega o que há nesta matéria, contudo, por ora, só posso fazer conceito da exatidão com que Vossa Excelência será informado pela inteligência e zelo que tem o Ministro que serve de Juiz.

                6 — O objeto mais digno da consideração de Vossa Excelência seria providenciar para que se evitassem os escandalosos contrabandos que se fazem nesta Capitania pela extração e introdução de mercadorias o que sem dúvida faria um aumento considerável nos direitos da Alfândega.

                Dê-me Vossa Excelência as suas ordens e Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

                Cidade de São Sebastião do Rio, 18 de janeiro de 1791.

De Vossa Excelência, o mais alento venerador e criado, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

Ofício do Conde Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre chegada ao Rio dos Ministros da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                 No dia 24 de dezembro do ano próximo passado, entrou neste porto a charrua de Sua Majestade que conduziu o Desembargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho e mais Ministros nomeados para conhecerem das Devassas e Processos da Conjuração da Capitania de Minas Gerais. E ficando capacitado das ordens que Sua Majestade me dirigiu, como também daquelas que respeitam ao mesmo Sebastião Xavier de Vasconcelos, expedi logo cartas ao Capitão-General de Minas Gerais nas quais fazia constar o fim da chegada dos mesmos Ministros, para que remetesse a esta cidade, com a brevidade possível, os réus que pela mesma culpa de conspiração se achassem presos na sua Capitania, por ser mais fácil a acareação juntos do que separados. Igualmente lhe insinuava me instruísse das famílias dos mesmos réus, os seus estabelecimentos e os seus estados. E até o dia de hoje, que se contam 24, não tenho recebido a resposta da qual se depende para o adiantamento deste negócio, conforme o meu juízo e o do novo Chanceler.

                 Deus guarde a Vossa Excelência.

                 Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1791.

Conde de Resende

Ofício de Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre Nicolau Jorge Gwerck, irlandês.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Pelo navio Borda Amassada, que foi o primeiro que saiu deste porto depois de minha chegada a esta Cidade, escrevi a Vossa Excelência. Agora vou segunda vez tomar as ordens de Vossa Excelência desejando que Vossa Excelência goze da mais feliz saúde e vigorosa disposição.

                2 — Sobre a minha comissão só tenho a dizer a Vossa Excelência que, no dia 4 deste mês de fevereiro, chegaram a esta Cidade o resto dos presos que ainda se conservavam em Minas. E ainda espero alguns papéis e clarezas que de lá devem vir. Mas as chuvas agora são contínuas; dizem que os caminhos (estão imprestáveis).

                3 — (Trecho ilegível, presumivelmente relativo a achar-se Nicolau Jorge com passaporte para viajar ao Reino no navio acima referido, em véspera da) saída do navio; contudo, como o tempo estava mau para a saída, ainda o dito inglês estava em terra com parte de seu fato. Assim foi conduzido à minha presença com o fato que se pôde descobrir que era seu.

                4 — O dito inglês, Nicolau Jorge, tinha sido perguntado e acareado em Minas com o sobredito Vicente Vieira da Mota sobre a conversação que tiveram, e o Governador de Minas não achou fundamento para o reter. Antes, persuadido de sua inocência, escreveu ao Vice-Rei para que o deixasse embarcar livremente, segundo este me disse, porque não tinha embaraço algum.

               5 — Porém, como as perguntas feitas em Minas ao dito inglês me pareceram bastantemente sucintas e inconcludentes, lhe fiz as perguntas que a Vossa Excelência remeto. É verdade que, a respeito da Conjuração de Minas não há coisa que baste para formar culpa ao dito inglês, porque a dita prática com Vicente Vieira da Mota podia ser casual, à qual o mesmo Vicente Vieira da Mota deu motivo inquirindo as causas do levantamento das Américas Inglesas, ao mesmo tempo que não consta que o dito inglês tivesse amizade com nenhum dos réus da Conjuração, nem que tivesse alguma outra prática com outra pessoa sobre o levante de Minas Gerais. Porém, como vejo um inglês inteligente e esperto que assistiu desde 1785 nas minas de ouro e diamantes, que conhece e vai instruído de todo o continente daquele país, e — nos seus papéis — lhe achei cartas do Intendente Luís Beltrão em que lhe recomenda a grande cautela que o dito inglês deve ter sobre si, porque o não dá por seguro enquanto não estiver embarcado, e o dito inglês me não satisfez bastantemente nas perguntas que lhe fiz sobre o motivo que podia haver para se fazerem aquelas recomendações de cautela a um homem inocente, sempre me fica alguma suspeita. Especialmente não se tendo feito a diligência do seu fato e papéis (como eu tinha justo e projetado).

               6 — A ver, o dito inglês em conversação que com ele tive, me falava com incerteza: umas vezes dizendo que ia com tenção de voltar a este Estado depois de se naturalizar português; outras vezes, que ia com tenção de passar à Inglaterra e de lá à índia; outras, finalmente, que determinava ficar nessa Corte. Pelo que me pareceu dar de tudo conta a Vossa Excelência e de que o dito inglês está disposto a ir neste navio Pedra — para que Vossa Excelência, antes que ele saia de bordo com o seu fato, possa dispor o que lhe parecer mais conveniente.

                Dê-me Vossa Excelência as suas ordens para que possa obrar com acerto.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1791.

                De Vossa Excelência o maior venerador e criado,

Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre os trabalhos da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                 Logo que o Chanceler tomou posse, mandei vir os presos que ainda se achavam em Minas.

                 2 — E com os adjuntos certos que vieram de Lisboa, mandou o dito Chanceler, por acórdão, trasladar as culpas dos eclesiásticos — para se lhes fazer o seu processo separado, na conformidade da Carta Régia. E para concluir esse traslado e fazer mais algumas perguntas aos réus, que se não devam omitir sendo interessantes, poderá haver mais alguma demora, assim como até agora a tem havido esperando a vinda daqueles presos — que chegaram no dia 14 do presente mês — por poderem ter alguma dependência as perguntas que se lhes façam com as dos outros que aqui já se achavam.

                 Deus guarde a Vossa Excelência.

                 Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1791.

Conde de Resende

Ofício do Visconde de Barbacena ao Conde de Resende, Vice-Rei, sobre a dívida de Joaquim Silvério dos Reis à Real Fazenda.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

                Pelos motivos que constam do ofício que a Junta da Real Fazenda dirige nesta ocasião à mesma Junta dessa Capitania, pareceram necessárias as providências que são objeto dele, para segurança da Real Fazenda no Contrato das Entradas de que foi arrematante e caixa Joaquim Silvério dos Reis — atendidas também a sua próxima ausência deste continente (participada por ele) e as negociações, ou alienações, que se pretenderam fazer (ou talvez fizeram proximamente) em seu nome e por sua ordem nesta Capitania com os seus bens, alguns dos quais consta agora terem sido transportados para o Rio de Janeiro repentinamente e sem licença competente.

                2 — É certo que, não obstante as circunstâncias em que ele se achou, se considere a respeito da causa que o detém nessa Cidade; e não deve eximir-se nem julgar-se isento de dar conta com toda a brevidade e exação do estado e administração do referido Contrato. Mas enquanto ao modo, não sendo essas circunstâncias do conhecimento da Junta só pode tocar a Vossa Excelência e a mim dar-lhe a atenção devida — para que do procedimento recomendado não resulte inconveniente ao Real Serviço, ou ao importante negócio em que o sobredito Joaquim Silvério está envolvido.

                 3 — Como Vossa Excelência preside a ele e pode ouvir o Ministro que tem a comissão e as instruções imediatas de Sua Majestade, para o conhecimento do mesmo negócio, e saber melhor na sua Relação o que ele terá presentemente com este de que se trata na carta mencionada, ou o justo valor das circunstâncias assim referidas, tenho satisfeito a elas pondo na mão de Vossa Excelência (com a cópia dele que também remeto inclusa) para Vossa Excelência tomar as medidas e a deliberação que for justa.

                 Deus guarde a Vossa Excelência.

                 Vila Rica, 21 de março de 1791.

Visconde de Barbacena

Carta do Visconde de Barbacena a José da Silva Brandão, Tenente comissionado em Campanha.

                Recebi a carta de Vossa Mercê de 20 do mês passado, em que me dá parte da notícia que tivera de haver alguma correspondência, por escrito, de Inácio José de Alvarenga Peixoto, preso em rigoroso segredo na cidade do Rio de Janeiro, para sua mulher — residente no arraial de São Gonçalo dessa Campanha.

                2 — Pareceu-me muito bem que Vossa Mercê me fizesse essa participação tanto que a teve, e acho muito conveniente que Vossa Mercê prossiga na mesma diligência — fazendo particularmente as averiguações mais eficazes que lhe forem possíveis — a fim de conseguir notícia mais certa e individual da referida correspondência, por meio de algumas cartas que possa alcançar (ou cópia delas) ou, ao menos, dos fatos e circunstâncias que continham.

                 3 — Fico esperando que Vossa Mercê empregue nesta diligência toda a sua atividade para me dar conta de tudo com brevidade. E assim lhe determino e recomendo muito, ficando Vossa Mercê na certeza que pode a bem deste negócio fazer qualquer despesa particular que for conveniente, porque será este o meio mais fácil (e talvez único que seja proveitoso) .

                 Deus guarde a Vossa Mercê.

                 Vila Rica, 8 de abril de 1791.

Visconde de Barbacena

Ofício de Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho a José Caetano César Manitti, Escrivão da Devassa – MG (nomeado Intendente do Ouro em Vila Rica), incumbindo-lhe providências e viagem ao Rio.

Senhor

José Caetano César Manitti:

                Em observância da Carta Régia de que a Vossa Mercê remeto cópia, e por bem das diligências de que por ela estou encarregado, recomendo a Vossa Mercê que faça prender à minha ordem:

José de Resende Costa (pai);

José de Resende Costa (filho);

Capitão Vicente Vieira da Mota;

Padre Manuel Rodrigues da Costa, do Registro Velho; e José Aires Gomes,

procedendo logo a sequestro em todos os seus bens e examinando os seus papéis, apreendendo somente aqueles que possam ter alguma conexão, ou dizer algum respeito à sublevação que se pretendia fazer nessa Capitania.

                2 — Tanto que forem presos, serão logo conduzidos a esta Cidade com segurança; e Vossa Mercê os acompanhará, por me ser aqui precisa alguns dias a sua assistência.

                3 — Por bem do serviço de Sua Majestade, também Vossa Mercê fará notificar Inácio Correia Pamplona e Basílio de Brito Malheiro (do Lago) para se acharem nesta Cidade e virem à minha presença no mesmo tempo em que aqui Vossa Mercê chegar com os presos.

                4 — E a execução e brevidade destas diligências, hei a Vossa Mercê por muito recomendadas, esperando que Vossa Mercê se empregue nelas com o mesmo zelo com que até agora o fez. Esta ordem comunicará Vossa Mercê ao Senhor Governador dessa Capitania, não só para que dela seja sabedor, mas também para prestar a Vossa Mercê o auxílio que Vossa Mercê lhe pedir e entender que lhe é necessário.

Deus guarde a Vossa Mercê.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 1791.

Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, noticiando providências solicitadas pelo Chanceler da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Já dei parte a Vossa Excelência de que tinham chegado, depois da vinda do Chanceler, alguns presos que ainda se achavam em Minas e que se mandou separar a culpa dos eclesiásticos em traslado — do qual dependia o mais progresso da diligência.

                2 — Agora me entregou o Chanceler dois ofícios: um para o Ouvidor de São Paulo prender, em Taubaté, da sua Comarca, Claro José da Mota, sobrinho do Vigário da Vila de São José; e outro, para o Manitti, novo Intendente nomeado de Vila Rica, prender e conduzir aqui os réus:

                Coronel José Aires Gomes;

                Capitão Vicente Vieira da Mota;

                Capitão José de Resende Costa e seu filho do mesmo nome; e o Padre Manuel Rodrigues da Costa;

fazendo vir também, juntamente consigo para serem ouvidos, o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona e o Tenente-Coronel Basilio de Brito Malheiro do Lago.

                 3 — Eu remeti estes ofícios aos respectivos Governadores, bem recomendados da pronta expedição, porque desta fica agora dependendo o adiantamento do processo dos réus.

                 Deus guarde a Vossa Excelência.

                 Rio de Janeiro, 19 de abril de 1791.

Conde de Resende

Ofício do Visconde de Barbacena ao Sargento-Mor (Ord.) Antônio José Coelho, Comandante do Distrito de Cachoeira do Campo, ordenando a detenção de José de Resende Costa (pai) e de seu filho homônimo.

Ao Sargento-Mor das Ordenanças

Antônio José Coelho:

               Em auxílio da diligência de que está encarregado o Desembargador José Caetano César Manitti por especial ordem do Desembargador Chanceler da Relação do Rio de Janeiro, expedida em virtude da comissão real com que se acha autorizado, mando a Vossa Mercê que, depois de ter do sobredito Ministro comunicação da referida ordem que tem para fazer prender o Capitão José de Resende Costa e um seu filho do mesmo nome, passe logo diretamente, sem demora alguma, ao arraial da Laje — onde eles residem — e usando das instruções que leva para certificar-se da efetiva execução desta diligência, os prenda e conduza à Vila de São João del-Rei, onde os entregará ao Capitão Francisco Xavier Inácio, comandante do Destacamento, com a carta inclusa.

               2 — E tendo Vossa Mercê deixado os papéis que se acharem aos presos em toda a segurança e boa guarda, seladas as gavetas e as portas da casa em que ficarem durante a ausência de Vossa Mercê, tornará logo para a mesma paragem e residência — onde se demorará até à chegada do Desembargador José Caetano César Manitti, a quem dará conta de tudo o que tiver obrado, retirando-se quando ele der por dispensada a sua assistência.

               Deus guarde a Vossa Mercê.

               Vila Rica, 7 de maio de 1791

Visconde de Barbacena

                SÀO JOÃO DEL-REI, 18-05-1791.

Recibo pelo Capitão Francisco Xavier Inácio ao Sargento-Mor Antônio José Coelho, por entrega dos presos Capitão José de Resende Costa e seu filho homônimo.

                Recebi do Senhor Sargento-Mor Antônio José Coelho, das cinco para as seis horas da tarde, neste Quartel, o Capitão José de Resende Costa, e seu filho, Senhor José de Resende Costa, que foram presos e conduzidos pelo dito Sargento-Mor Coelho.

                Para constar o referido, passei este por mim somente assinado.

                Vila de São João, aos 18 de maio de 1791.

Francisco Xavier Inácio

Capitão

Ofício de José Caetano César Manitti a Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Chanceler da Alçada, reportando cumprimento das diligências que lhe foram cometidas.

Senhor

Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho:

                Tenho a honra de fazer certo a Vossa Senhoria acharem-se já efetivamente presos e conservados na mais escrupulosa incomunicabilidade o Coronel José Aires Gomes, o Padre Manuel Rodrigues da Costa, o Capitão Vicente Vieira da Mota, o Capitão José de Resende Costa e outro deste nome, seu filho, cujas prisões — aliás não pouco difíceis pelas correntes circunstâncias — se devem inteiramente às acertadas medidas e prudentes cautelas do Excelentíssimo Visconde de Barbacena, General desta Capitania, a quem pedi (e me prestou imediatamente) todo o auxílio militar e civil que se considerou necessário para o progresso desta diligência.

                2 — Consecutivamente, tenho dado princípio ao determinado exame de papéis e sequestros — que vou adiantando quanto pode ser compatível com o atual estado da minha saúde. E logo que forem concluídos, me proponho a seguir com os ditos presos, bem escoltados, para essa Cidade, na forma das ordens de Vossa Senhoria

                3 — E computando o tempo que me será necessário empregar, me persuado que poderei chegar à presença de Vossa Senhoria até o dia 10 ou 12 de junho, pouco mais ou menos.

                Deus guarde a Vossa Senhoria

                Engenho Velho, 20 de maio de 1791.

José Caetano César Manitti

Ofício do Visconde de Barbacena ao Conde de Resende, Vice-Rei, dando fé das notificações determinadas pela Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

                O portador desta carta é o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, que foi notificado — por ordem do Desembargador Chanceler da Relação — para ir à sua presença.

                2 — Assim também o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, que já partiu de sua residência em observância da referida ordem, e se achará nessa Cidade ao mesmo tempo.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 28 de maio de 1791.

Visconde de Barbacena

Ofício de Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, relatando andamento dos trabalhos da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                No dia 30 de abril recebi a continuação da devassa a que se procedeu na Capitania de Minas por ordem do Governador Capitão-General, o Visconde de Barbacena. Não obstante ter pedido estes papéis logo que aqui cheguei, mas a distância e maus caminhos (por conta de chuvas e inundações, que dizem os habitantes deste país que nunca houve outro ano igual a este), creio que foram causa da demora, que talvez continuará a haver no mais que da dita Capitania de Minas ainda deve vir.

                2 — Os papéis que se remeteram em continuação da sobredita devassa fazem um processo quase tão volumoso como a mesma devassa, porém substancialmente, nada contêm de novo sobre a infame conjuração, só sim algumas circunstâncias a respeito dos mesmos réus. Eu não remeto a Vossa Excelência agora a cópia porque, além de não caber no tempo fazer-se o traslado, também me pareceu mais útil não divertir o escrivão que foi nomeado para as devassas, o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, do traslado das culpas dos eclesiásticos, para formar-lhes o processo, o que ainda não está concluído.

                3 — Só me pareceu necessário remeter a Vossa Excelência sem demora a cópia de um sumário que vem apenso à continuação da dita devassa, e de tudo o mais respectivo à mesma matéria, porque contém particularidades sobre que Sua Majestade talvez se dignará de prover. Um Fernando José Ribeiro, que se diz fora tenente no Reino e que viera à Vila do Príncipe cobrar certa herança e ali ficou assistindo, deu uma denúncia de João de Almeida e Sousa por uma carta escrita pelo Padre João Batista de Araújo, a qual ambos assinaram, dizendo nela que o dito João de Almeida proferira estas palavras: “Não hão de chegar ao fundo, porque a trempe é muito grande”, referindo do dito João de Almeida e Sousa qualidades que podiam fazê-lo suspeito de ser um dos conjurados, ou ao menos de ser sabedor da conjuração.

                4 — Esta denúncia parece falsa e fantástica: l°) porque, de quatro testemunhas que se diz estavam presentes quando João de Almeida proferiu aquelas palavras, só José Martins Borges disse que tinha ouvido ao dito João de Almeida estas palavras — “O Alvarenga está preso e a trempe é de quarenta, ou quarenta e tantos" — em que se deve já notar a variedade e diferença das primeiras. E as três testemunhas, Joaquim Dutra Pereira, Leandro Marques Andrés e João de Sousa Pacheco, que se diz estavam presentes na mesma ocasião, depõem que o dito João de Almeida tal não dissera, nem falara cousa alguma da respectiva conjuração aos presos, vindo deste modo a ficar para prova da denúncia uma única testemunha, que é o dito José Martins Borges.

Porque ainda essa mesma testemunha, José Martins Borges, se retratou depondo que tinha jurado falso, sendo para isto induzido pelo denunciante Fernando José Ribeiro. E nesta retratação persistiu sempre firme nas perguntas e acareações, ainda na que teve com o mesmo Fernando José Ribeiro.

Porque as ditas testemunhas, Joaquim Dutra Pereira e Leandro Marques, vindo presos com o dito José Martins Borges para Vila Rica acompanhados pelo soldado Joaquim José de Freitas, depuseram juntamente com este que no caminho, pousando todos na Estalagem do Morro, aí confessara o dito José Martins Borges que o Tenente Fernando José Ribeiro o induzira para que jurasse ter ouvido a João de Almeida as sobreditas palavras, o que depois da retratação, confessou o mesmo José Martins Borges nas perguntas que se lhe fizeram.

Porque consta que o denunciante Fernando José Ribeiro tinha trato ilícito com uma filha do dito José Martins Borges e é inimigo do denunciado João de Almeida.

Porque, tendo declarado o dito José Martins Borges que tinha ouvido aquelas palavras ao dito João de Almeida em um dos dias do mês de agosto, na ocasião em que o dito Almeida estava assistindo à abertura de um caminho para uma sua roça, sendo acareado com o mesmo Almeida, disse este que não era possível ser verdade o que declarava o dito Borges porque a abertura do caminho principiara em dias do mês de outubro, e que dias antes do mês de agosto estava ele no Rio de Santo Antônio. Ao que respondeu o dito que poderia ser, que não estava bem lembrado, como se fosse crível que umas palavras que recomendou à memória, lhe esquecesse o tempo em que as ouvira com diferença de dois meses.

Porque, sendo o denunciante Fernando José Ribeiro perguntado pela razão porque, estando presentes mais pessoas quando João de Almeida proferiu as ditas palavras, ele apontara só para testemunha na sua denúncia a José Martins Borges, claramente se contradiz: umas vezes, dizendo que não nomeara as mais por lhe haverem esquecido; outras vezes, dizendo que, suposto dissesse os nomes das mais pessoas ao Padre João Batista, quando este escreveu a carta de denúncia, não sabe a razão porque ele não as declarara; outras vezes, dizendo que, suposto dissera ao dito Padre que havia mais pessoas presentes quando se proferiram as ditas palavras, contudo, como o dito Padre lhe não procurara os nomes, também ele os não declarara, e que quando dissera o contrário devia estar alienado.

               5 — A falsidade de denúncias de semelhante natureza merece um castigo exemplar, não só nas testemunhas falsas, mas também nos denunciantes, porque com elas estão expostos os inocentes a poderem ser castigados como culpados e os vassalos leais de Sua Majestade a serem confundidos com os traidores. Em Minas, conservaram presa a testemunha José Martins Borges, porém soltaram o denunciante Fernando José Ribeiro, o qual assento que devo mandar prender para ser sentenciado com os mais réus, por ser este negócio conexo com as devassas do crime da conjuração .

               6 — Quanto ao Padre João Batista de Araújo, que escreveu e assinou a carta de denúncia, é presumível que se ajustou com Fernando José Ribeiro para acusarem o dito João de Almeida, a quem as testemunhas abonam como homem honrado, porque, na segunda carta que escreveu ao Governador de Minas, tomou tanto a si a defesa do dito Fernando José Ribeiro como se fosse sua própria. Além de que dizem que este Padre nunca fora formado, porém meteu-se a advogar, e ouço que é um rábula disposto a fomentar intrigas. E como sobre esta matéria tenho mandado tomar mais exata informação, se achar por ela que é útil ao sossego público tirar da Vila do Príncipe aquele Padre, ou lhe ordenar que se apresente a Vossa Excelência nessa Corte, ou que saia da Capitania de Minas, quando Sua Majestade assim o haja por bem, o farei, pois esta matéria admite a demora de esperar as ordens de Vossa Excelência.

               7 — Além da cópia do sumário sobre a dita denúncia, remeto a Vossa Excelência o traslado de outro apenso que contém, entre outras, a cópia de uma carta anônima com outros mais papéis, de que formo o conceito que, em uma ocasião em que se procura averiguar os verdadeiros cúmplices da conjuração. aproveitaram-se os homens malévolos para se vingarem dos seus inimigos com acusações fantásticas. E considerando que as denúncias se não desprezam, deixando de se proceder à averiguação delas, porém, assim como pelas verdadeiras se merecem prêmios, assim também pelas falsas (quando se descobrir alguma) é justo haver um castigo rigoroso, para animar os bons vassalos de Sua Majestade e coibir os maus.

                8 — Quanto ao estado da minha comissão, respectivamente ao processo dos réus, tenho feito perguntas a alguns sobre pontos e circunstâncias que achei incompletos e com pouca clareza. E espero concluir em chegando a esta terra Basílio de Brito Malheiro e Inácio Correia Pamplona, que mandei vir, e juntamente José Caetano César Manitti, que determinei que acompanhasse uns réus que mandei prender, porque os acho mais culpados do que muitos dos que estão presos. E remeto a Vossa Excelência a cópia da ordem expedida ao dito Manitti, e da sua resposta.

                9 — Mandei vir a esta terra o dito Manitti, porque, como morreu Pedro José Araújo de Saldanha, que foi ouvidor daquela Comarca e Juiz da Devassa tirada por ordem do Governador da Capitania de Minas, o dito Manitti, como Escrivão, era o único que me podia responder e informar sobre alguns pontos que acho sem a explicação necessária, e tanto que tudo estiver concluído remeterei a Vossa Excelência cópia do que acrescer.

                10 — Todas estas diligências e averiguações feitas no Rio de Janeiro sobre um fato acontecido em Minas, onde é necessário recorrer para tirar qualquer dúvida, levam mais tempo do que aquele com que eu desejava expedir este negócio.

                Mas a tanto, parece-me que posso assegurar a Vossa Excelência que ao povo desta cidade se não tinha comunicado o contágio da conjuração de Minas; porém sempre é prudente que Sua Majestade use das cautelas e providências mais próprias para que, nos empregos que podem ter influência nos povos, haja pessoas de inteira fidelidade, porque geralmente o caráter dos brasileiros é terem oposição aos vassalos de Sua Majestade europeus; porque se persuadem que os nacionais do país têm mais talento e são mais dignos de governarem; e que os europeus lhes levam as riquezas que são devidas aos filhos deste continente (e que eles desejam insaciavelmente, para sustentar o luxo e vaidade que entre eles è sem limite).

                 11 — Sobre as instruções que trouxe o Vice-Rei, as quais tive a lionra de Vossa Excelência me comunicar, tenho por vezes tocado ao mesmo Vice-Rei, oferecendo-me para trabalhar e para o ajudar, e sempre me ouviu friamente. Ultimamente disse-me que estava tudo feito e que tinha remetido a Vossa Excelência todos esses papéis. Creio que tem ciúme de que eu me intrometa em coisa alguma, porque julga que diminui a sua autoridade, o que fez que eu lhe não falasse mais em nada. E deste modo conservo até agora com ele uma perfeita harmonia que espero levar ao fim. Pareceu-me que devia dar a Vossa Excelência esta satisfação por conta das recomendações que Vossa Excelência me fez, das quais devo mostrar que não me esqueço.

                 Dê-me Vossa Excelência as suas ordens e Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

                 Rio de Janeiro, 30 de maio de 1791.

De Vossa Excelência, o mais atento venerador e criado, Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

RIO DE JANEIRO, 5-06-1791.

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinlia e Ultramar, relatando andamento dos trabalhos da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Depois do que ultimamente participei a Vossa Excelência sobre a diligência de Minas, unicamente acresce ter chegado a esta cidade, como foi mandado, o Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, e virem em caminho os presos que se mandaram remeter, e na sua condução o Intendente Manitti com Basílio de Brito Malheiro, também chamado.

                O Governador de Minas remeteu há dias a continuação que fez na Devassa, depois da cópia que dirigiu a essa Corte, e mais alguns apensos, de que não resulta maior novidade que a denúncia de um seu convencido de falsidade, cujo traslado me remete o Chanceler com o de outra denúncia ou carta anônima, e outros papéis da mesma natureza.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 5 de junho de 1791.

Conde de Resende

VILA RICA, 12-07-1791.

Ordem do Visconde de Barbacena ao Escrivão (JRF) José Pereira Lima de Velasco Molina, ordenando prêmio aos pedestres que prenderam o Padre José da Silva e Oliveira Rolim.

Senhor Escrivão da Matrícula Geral da Gente de Guerra, José Pereira Lima de Velasco Molina:

                Porquanto Sua Majestade foi servida determinar, por sua Real grandeza e mercê, outra sorte de gratificação aos Pedestres que detiveram e prenderam o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, para a qual se passaram já as ordens necessárias. E deve ficar, por esta causa, sem efeito algum a que eu lhe tinha determinado pelo mesmo motivo na minha Portaria de 23 de outubro de 1789. Ordeno a Vossa Mercê que, nesta conformidade, averbe o registro dela com a sobredita declaração e quaisquer assentos que tenha formado em sua observância nos Livros da Matrícula, remetendo-me certidão de assim o haver cumprido.

                Deus guarde a Vossa Mercê.

                Vila Rica, 12 de julho de 1791.

Visconde de Barbacena

Ofício de Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, relatando andamento das trabalhos da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Pelos navios Borda Amassada, Pedra, e Aurora, escrevi a Vossa Excelência. E agora devo dar conta a Vossa Excelência de que estão concluídas as perguntas que novamente fiz aos réus, com bastante trabalho, e algumas averiguações mais conducentes à conclusão deste negócio. E como também está concluído o traslado das culpas dos eclesiásticos e formado o seu processo separado, trato de que sejam sentenciados todos os réus com a brevidade possível, se me não embaraçar a moléstia que atualmente me embaraça. Para adiantar a expedição das perguntas, deixei de prender os autos com o traslado do que ia acrescendo, que hei de remeter a Vossa Excelência, segurando a Vossa Excelência que, por ora, não tem acrescido coisa essencial que faça alterar o conceito que Vossa Excelência formou pelas devassas; nem seria fácil, pois pelo que alcancei, não deixaram os réus de ter meio de se comunicarem, talvez pelas mesmas sentinelas.

                2 — Vossa Excelência me determinará se, tanto que forem sentenciados os réus seculares, hei de remeter o próprio processo com a sentença que se proferir, ou se hei de remeter somente a cópia da sentença e do que tiver acrescido nos autos, visto estar já em poder de Vossa Excelência cópia de tudo o que estava feito até à minha partida dessa Corte.

No caso que Vossa Excelência determine que aqui fique sempre existindo o próprio processo (ou o seu traslado), Vossa Excelência me determinará a forma da sua arrecadação, por ser o escrivão dos autos um Desembargador desta Relação, que se há de ausentar (e não tem cartório onde os mesmos autos fiquem e se conservem), não havendo, neste caso, outro modo mais próprio do que ficarem na Relação, ou na Câmara.

                Quanto ao processo formado para serem sentenciados os eclesiásticos, como as suas culpas estão nos autos originais, e a sentença deve conservar-se em segredo na forma da ordem de Sua Majestade, creio que nem do processo, nem da sentença, aqui devo deixar cópia alguma; mas como em tudo desejo acertar, Vossa Excelência me comunicará o que é do agrado da mesma Senhora.

                Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.

                Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1791.

                De Vossa Excelência o mais atento venerador e criado,

Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho

                VILA RICA, 24-09-1791.

Ofício do Visconde de Barbacena ao Conde de Resende, Vice-Rei, apresentando preso a Fernando José Ribeiro, e solto a Faustino Soares de Araújo.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

                O Tenente Florêncio Guedes Pinto de Sousa Carvalho conduz a essa Cidade, preso, o Tenente de Auxiliares Fernando José Ribeiro, em consequência da carta de Vossa Excelência de 23 do mês passado, que acompanhava outra do Conselheiro Chanceler escrita a este fim.

                2 — E apresento-lhe também, na sala de Vossa Excelência, a Faustino Soares de Araújo, compreendido nas ditas cartas, o qual — ainda que solto — parte na mesma ocasião e há de chegar ao mesmo tempo.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Vila Rica, 24 de setembro de 1791.

Visconde de Barbacena

               RIO DE JANEIRO, 2-10-1791.

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, relatando andamento dos trabalhos da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

               Depois das últimas notícias da diligência de Minas que participei a Vossa Excelência, de se ter mandado vir preso Fernando José Ribeiro e de serem aqui apresentados o Capitão João Dias da Mota, Faustino Soares de Araújo e Joaquim Ferreira dos Santos, este foi apresentado nesta sala hoje, e mandado por ora recolher ao segredo.

                            Esperam-se os mais. E depois da sua chegada e feitas com eles as competentes averiguações (que não serão talvez de muita demora), se farão ainda neste mês os autos sumários, como me consta, do Chanceler — se o restabelecimento da saúde deste continuar.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1701.

Conde de Resende

Ofício do Vice-Rei Conde de Resende ao Ajudante de Ordens Capitão Luís Benedito de Castro, seu filho, sobre dispositivo militar na execução de Tiradentes.

                O Regimento de Extremoz, l° e o 2° do Rio, estarão prontos a marchar para o lugar que lhes destine o brigadeiro Pedro Álvares de Andrade que, por minha ordem, deve comandar a ação que no dia sábado — que se contam 21 do corrente — se há de executar em um dos campos fora da cidade, advertindo que os referidos regimentos devem ir municiados com 12 tiros de bala. Advirto mais que os mesmos regimentos não pegarão em armas nos seus respectivos quartéis antes de receberem ordem para marcharem, etc.

                2 — O Regimento de Artilharia, comandado por seu Coronel, se postará no largo de São Francisco de Paula, ficando ao arbítrio do chefe destacar dele diferentes corpos comandados por oficiais subalternos pelo centro da cidade, para não incomodar os moradores dela, mas para conter em respeito e sossego a mesma povoação, advertindo também que o resto do regimento deve ficar postado no terreno que se lhe destine para dar as providências que, por qualquer incidente, possam ocorrer.

                 3 — O Regimento de Moura, que deve postar-se na Praça do Palácio, antes que marche do seu quartel a este destino fará — com a tropa que julgue necessário — guarnecer a Rua da Cadeia, Largo da Carioca, a Rua do Piolho até o princípio do Campo. E logo que receba ordem para retirar-se virá incorporar-se ao seu regimento que se achará postado na frente do Palácio.

                 4 — O Esquadrão de Cavalaria que faz guarda aos Vice-Reis se achará pronto a montar a cavalo à primeira voz e marchará a postar-se na Praça do Palácio, aonde se ordenará ao comandante o que deve executar tanto no Campo como na marcha.

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, recomendando prêmio ao Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                O Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha que, na conformidade da Carta Régia, nomeei Escrivão da Alçada, se houve neste emprego de sorte que não devo nesta ocasião deixar de o recomendar à lembrança de Vossa Excelência, para que Sua Majestade — por efeitos de sua incomparável grandeza — se digne premiar-lhe o grande trabalho que teve e a melhor satisfação que deu de tudo quanto se lhe encarregou a bem desta diligência.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 29 de maio de 1792.

Conde de Resende

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, louvando a Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, Chanceler da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Ainda que não presidisse na Relação desta Cidade às últimas conferências que decidiram as sentenças dos réus da Conjuração premeditada na Capitania de Minas Gerais, eu louvaria com ingenuidade as distintas luzes e relevante talento do Desembargador Conselheiro e Chanceler da Relação quando se fizesse público o seu acerto.

                  Porém, como na minha preseuça se trataram os negócios mais graves desse assunto, fiquei ainda mais capacitado de que este distinto magistrado tem a fortuna de ornar o seu caráter com literatura, imparcialidade e retidão — fundamentos estes que fazem indubitável a honra e o nascimento.

                  As minhas vozes concordam com os fatos referidos e com o conceito que ele justamente terá merecido a Vossa Excelência.

                  Deus guarde a Vossa Excelência.

                  Rio de Janeiro, 29 de maio de 1792.

Conde de Resende

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre execução das sentenças da Alçada.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                No dia 18 de abril, em conferência que durou até às duas horas da noite, foram sentenciados em relação os réus da Conjuração de Minas Gerais.

                2 — Sustentaram os Juízes os seus votos até à decisão dos segundos embargos. E sendo então apresentada na Mesa a Carta Régia de 15 de outubro de 1790, julgaram somente o réu Joaquim José da Silva Xavier em execução da pena última — que mandei executar.

                3 — Como o Chanceler remete o traslado de todo o processo sumário, por evitar extensão não repito a mudança e última decisão que, pela dita Carta Régia, houve nos degredos — para os quais, em seu cumprimento, se vão expedindo os réus à medida que se oferece ocasião de embarcações.

                4 — E já fiz partir para Angola os quatro réus: Inácio José de Alvarenga, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, José Alvares Maciel e Luís Vaz de Toledo Piza.

                5 — E para Moçambique e Rio de Sena pelo navio da Índia Nossa Senhora da Conceição — Princesa de Portugal, os 7 réus: Tomás Antônio Gonzaga, José Aires Gomes, Vicente Vieira da Mota, João da Costa Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes, Vitoriano Gonçalves Veloso, e Salvador Carvalho do Amaral Gurgel.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 29 de maio de 1792.

Conde de Resende

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre remessa para Minas do Regimento de Infantaria de Extremoz.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho do Melo e Castro:

                 Em ofício na data de 23 de outubro de 1790, ordena Vossa Excelência passe o Regimento de Infantaria de Extremoz para a Capitania de Minas Gerais, concluídas que sejam as execuções dos réus da premeditada conjuração. Logo dei princípio à disposição da marcha deste corpo, comunicando ao General das Minas o meu projeto (que se fundava na conservação dos oficiais e soldados durante o tempo da referida marcha, para evitar parte do trabalho que todos possam experimentar em uma viagem dilatada e por caminhos agrestes) para que, passando o limite desta Capitania, o referido General, na parte que lhe tocava, providenciasse tudo o que fosse necessário para o sustento diário do mesmo Regimento, à imitação do que eu fiz executar nesta Capitania, mandando consertar caminhos, repartindo ao mesmo tempo com a igualdade possível as distanciais do Porto da Estrela até o Rio Paraibuna, para que as marchas fossem com pouca diferença umas de outras, e se fizessem com o melhor método as provisões naqueles lugares em que os soldados fossem pernoitar.

                2 — Devo dizer mais a Vossa Excelência que o Regimento não marcha junto, mas por Companhias, sucedendo umas a outras, porque, nos pequenos cômodos que há na estrada, ainda duvido que uma só Companhia se possa acomodar bem.

                3 — O General de Minas nada tem respondido à minha participação, mas, ainda assim, devo supor da sua grande exação a pronta execução da ordem de Sua Majestade. Ao referido General requeri que as duas Companhias que se acham destacadas em Minas se recolhessem a esta cidade quando o Regimento de Extremoz chegasse a Vila Rica, por me parecer que ficando aquela Capitania com sete Companhias era justo e indispensável para o serviço desta praça unirem-se aos seus Corpos as que lá se acham.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 1 de junho de 1792.

Conde de Resende

RIO DE JANEIRO, 5-06-1792.

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre execução do degredo em mais quatro réus seculares e remessa dos cinco eclesiásticos para homologação de suas sentenças pela Rainha.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Na fragata denominada Golfinho, de que é comandante o Capitão-de-Mar-e-Guerra Manuel da Cunha Souto-Maior, remeto os eclesiásticos Carlos Correia de Toledo, Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa, e José Lopes de Oliveira — réus da Conjuração da Capitania de Minas Gerais — em observância da Carta Régia de 15 de outubro de 1790 (que determina que eles sejam conduzidos a essa Corte juntamente com suas sentenças, para Sua Majestade decidir o que for servida).

                2 — Igualmente faço embarcar na mesma fragata os réus da referida Conjuração: José de Resende Costa e seu filho do mesmo nome, Domingos Vidal de Barbosa, e João Dias da Mota — sentenciados a degredo para Cabo Verde e mais ilhas adjacentes, porque não sendo praticável a navegação deste para aquele porto, só pela via de Lisboa poderão ser transportados aos seus destinos.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Rio de Janeiro, 5 de junho de 1792.

Conde de Resende

Ofício do Visconde de Barbacena, opinando sobre autorização a Joaquim Silvério dos Reis para ir ao Reino.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Resende:

                Joaquim Silvério dos Reis, certificado ou persuadido de que Vossa Excelência e o Conselheiro Chanceler dessa Relação convêm na sua retirada para a Corte, e que só a falta de minha licença lha obsta presentemente, a tem requerido há tempo e novamente insta por ela nesta ocasião. Na inteligência de serem verdadeiras, naquela parte, as asserções dele e de seu sogro e procurador, e aceitando que Vossa Excelência terá tomado em consideração os motivos da sua detenção nessa cidade e da sua ida a Lisboa (que me pede na qualidade de oficial que é, em quanto me pode tocar, na (sua) qualidade de contratador e devedor de avultada quantia à Real Fazenda), tenho dúvida na minha competência para a dita licença, ainda que atendidas as circunstâncias em que se acha a dívida e o contrato, me parece que não será útil a sua ausência.

                2 — Mas no caso de Vossa Excelência haver por bem conceder-lhe os despachos necessários para a sua viagem, será indispensável que ele jure se tem mais alguns créditos ou papéis importantes à arrecadação e administração do mesmo contrato (além dos que se lhe apreenderam), se sabe quem os tenha, ou alguma coisa que seja conveniente acrescentar-se às declarações que se lhe pediram; e deixe procuradores legitimamente autorizados e competentemente instruídos para poderem ajustar contas com a Fazenda Real, ou com os devedores e administradores, ou cobradores do contrato, e responder em Juízo ou fora dele, a esse respeito, como for necessário.

Tenho a honra de participar a Vossa Excelência todo o referido, em deferimento às circunstâncias do sobredito Joaquim Silvério dos Reis, para que Vossa Excelência possa resolver nessa matéria como lhe parecer justo.

               3 — A mesma representação me fez o Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, por carta que me remeteu da sala de Vossa Excelência, sobre a qual respondo da mesma forma em quanto for a ele aplicável.

               Deus guarde a Vossa Excelência.

               Vila Rica, 8 de junho de 1792.

Visconde de Barbacena

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, sobre incidente havido com o Comandante da fragata Golfinho, concernente à guarda dos réus eclesiásticas e civis embarcados para Lisboa.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Remetendo na presente ocasião, pela fragata de guerra que se acha neste porto, os réus da Conjuração da Capitania de Minas Gerais, em observância da Carta Régia de 15 de outubro de 1790 (que determina sejam transportados a essa Corte com as suas sentenças para Sua Majestade decidir o que for servida), me pareceu muito próprio e até de justiça confiar a João Pereira Duarte, Capitão de Granadeiros do 2° Regimento desta Praça, a vigilância que merecem estes réus; porque, tendo sido nomeado para guarda do grande número não só daqueles em quem se verificou a graça de Sua Majestade, perdoando-lhes a pena última a que estavam sentenciados como cabeças da Conjuração, mas também dos que, na forma das ordens da mesma Senhora, devem ser remetidos para essa Corte, vinha a ser esta distinção uma prova do meu reconhecimento pela honra, atividade, inteligência, acerto com que este oficial desempenhou uma comissão que unicamente se dirigia ao Real Serviço.

               2 — Nas ordens que expedi ao comandante da fragata, Manuel da Cunha Souto Maior, contemplava aquele oficial com uma escolta de oito soldados que servissem igualmente de guarda aos mesmos réus, pelas razões que ficam referidas e também pelas que passo a expor a Vossa Excelência.

               3 — Na viagem que fiz na nau Belém, quando Sua Majestade assim o determinou, conheci a necessidade, porque em alguns casos se viu obrigado o Comandante a servir-se dos soldados da guarnição para ajudarem os marinheiros, quando a mudança do tempo ou algum outro incidente pedisse uma pronta providência para evitar o risco da nau, ou para lhe dar mais facilmente a verdadeira direção do seu caminho. Também me lembra que as moléstias diminuíam a força da guarnição. E ultimamente o grande número de sentinelas indispensáveis para se evitar em toda a parte o fogo e também para guardarem o depósito de mantimentos, munições e mais petrechos da mesma nau, vinham a reduzir o corpo geral da tropa a pequeno número de combatentes. Esta experiência me fez considerar a fragata Golfinho no mesmo caso, quando se oferecessem no mar circunstâncias semelhantes, confiando da atenção de Vossa Excelência me fizesse a justiça de aprovar a deliberação que eu tomava, ainda que com inovação, de mandar o referido Capitão de Granadeiros a essa Corte, sendo o meu fim a maior cautela a respeito dos mesmos réus, tão recomendáveis pelos seus abomináveis crimes, porque fosse qual fosse a revolução que houvesse no mar, sempre ficavam na maior segurança. E passando a tratar este particular de viva voz com o dito comandante da fragata, não me fez então representação alguma que se opusesse ao que eu lhe comunicava, nem também se formalizou quando por carta lhe ordenei.

               4 — Passados alguns dias, me disse que os seus oficiais julgavam a sua reputação ofendida, quando fossem excluídos de guardarem os presos. A esta delicada imaginação respondi que, ficando o Capitão debaixo da sua ordem durante a viagem, lhe desse o destino que quisesse no mesmo serviço da fragata (que compete aos oficiais que a guarnecem), de forma que a todos pertencesse parte da comissão de que eu encarregava ao referido Capitão de Granadeiros. Não foi, porém, suficiente a igualdade com que eu contemplava a todos para fazer cessar esta questão; porque o mesmo Manuel da Cunha se julgou também agravado, quando antecedentemente o não entendia assim, pois tratando comigo este assunto, só se lembrava dos seus oficiais. Mas agora se considera nas mesmas circunstâncias, pelo interesse que lhe deve a restituição do crédito da sua guarnição. Este oficial, com louvável zelo a respeito do serviço, mas com uma constância imprópria, extranha e excessiva, de disputar comigo em um negócio em que dependia do meu arbítrio a sua decisão, esqueceu-se de ser o artigo da subordinação um preceito inviolável que não admite a mais leve dissimulação, de modo que, difundindo estas semelhantes impressões em outros, insistem na sua desacordada porfia, quando os súditos cegamente devem obedecer aos superiores, ainda reconhecendo o desacerto da ordem, conservando o seu direito para o reparo da injustiça que lhes façam, porém depois de executada a mésma ordem. E como a maior patente que há nesta Capitania é aquela com que Sua Majestade me honrou tanto, me parece que os referidos oficiais só deviam nessa Corte representar a ofensa que eu lhes fazia, para que Sua Majestade fosse servida resolver o mais justo, ou a uma parte ou a outra.

                5 — Respeitando profundissimamente em toda a distancia o serviço de Sua Majestade, e tendo, devido à grandeza da mesma Senhora, a autoridade que me compete no lugar que estou ocupando, talvez me animaria a deliberar-me, porque não é próprio nem decente ceder um superior a um súdito quando o negócio é de arbítrio, e só quem o resolve é que fica responsável do sucesso.

                6 — Porém, dando um grande valor, como o tenho provado, ao zelo que merece a Fazenda Real, e vendo que esta expedição de oito soldados e um oficial faria alguma despesa (ainda que insignificante), fui obrigado a dissimular para fazer um direito inegável à satisfação que devo esperar da influência de Vossa Excelência, quando me queira fazer a honra de levar à presença de Sua Majestade esta minha representação, para que a mesma Senhora pela sua justiça e igualdade se digne deferir-me, como eu o possa merecer.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 21 de junho de 1792.

Conde de Resende

Ofício do Conde de Resende a Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Ultramar, enviando anexa a Relação das sentenças, locais de degredo, e navios em que embarcaram os Inconfidentes de Minas Gerais.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro:

                Ponho na presença de Vossa Excelência a relação junta, dos réus da Conjuração da Capitania de Minas Gerais, a qual mostra os diferentes destinos que tiveram segundo suas sentenças, o tempo em que partiram desta cidade, e as embarcações que os transportaram, restando finalmente um que deve ser remetido para Benguela, na primeira embarcação que sair deste para aquele porto.

                Deus guarde a Vossa Excelência.

                Rio de Janeiro, 24 de junho de 1792.

Conde de Resende

ANEXO:

RELAÇÃO DOS PRESOS DA INCONFIDÊNCIA QUE TÊM SIDO REMETIDOS PARA OS SEUS DESTINOS

1 — Inácio José de Alvarenga — Para Ambaca por toda a vida.

2 — Luís Vaz de Toledo (Piza) — Para Cambembe por toda a vida.

3 — José Álvares Maciel — Para Massangano por toda a vida.

4 — Francisco Antônio de Oliveira Lopes — Para o Bié por toda a vida.

Os 4 acima embarcaram para Angola em 5 de maio de 1792 na corveta Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora de Brotas.

5 — Tomás Antônio Gonzaga — Para Moçambique por 10 anos.

6 — Vicente Vieira da Mota — Para Rio de Sene por 10 anos.

7 — José Aires Gomes — Para Inhambane por 8 anos.

8 — João da Costa Rodrigues — Para Mossuril por 10 anos

9 — Antônio de Oliveira Lopes — Para Mucuá por 10 anos

10 — Vitoriano Gonçalves Veloso — Para Cabeceira Grande por 10 anos.

11 — Salvador Carvalho do Amaral Gurgel — Para Catala por toda a vida.

Embarcaram os sete presos que se declaram, para Moçambique, em 22 de maio de 1792, no navio Nossa Senhora da Conceição — Princesa de Portugal.

12 — José Martins Borges — Foi para galés em 16 de maio de 1792.

13 — José de Resende Costa, pai — Para Bissau por toda a vida.

14 — José de Resende Costa, filho — Para Cabo Verde por toda a vida.

15 — Domingos Vidal de Barbosa — Para a Ilha de Santiago por toda a vida.

16 — João Dias da Mota — Para Cachéu por 10 anos.

Embarcaram para Lisboa os presos acima referidos na fragata Golfinho de Sua Majestade, em 24 de junho de 1792.

17 — Domingos de Abreu Vieira — Para Muxima por toda a vida.

18 — Francisco de Paula Freire de Andrada — Para Pedra do Encoje por toda a vida. Embarcaram estes dois na corveta Nossa Senhora da Conceição e Santa Rita em 25 de junho de 1792. 19 — Fernando José Ribeiro — Para Benguela por 10 anos.

Fica na Cadeia por faltar ainda embarcação em que seja transportado.

Traslado de Carta Régia sobre bens confiscados aos Inconfidentes, feito por José Caetano César Manitti como Escrivão interino da Junta da Real Fazenda, enviado pelo Visconde de Barbacena a Antônio Ramos da Silva Nogueira, Ouvidor Geral e Juiz dos Feitos da Real Fazenda.

                Dona MARIA, por graça de Deus Rainha de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém-Mar, em África, Senhora da Guiné e da Conquista e Navegação da Etiópia, Arábia, Pérsia e da índia etc.

                Faço saber a vós, Ouvidor dessa Comarca e Juiz dos Feitos da minha Real Fazenda, que inclusa se vos remete a Executória contra os bens dos réus compreendidos na infame rebelião que se projetava nessa Capitania — os quais se acham sentenciados na forma dos acórdãos insertos na mesma Executória — que fareis cumprir como nela se contém, e liquidar aquela parte dos ditos bens que nos mencionados acórdãos se acha aplicada ao Fisco e Câmara Real, recolhendo-a com toda a brevidade que este negócio requer aos cofres da minha Real Fazenda, e dando-me — logo que se finalize essa diligência — conta da sua conclusão. Assim o executareis como vos recomendo.

Rainha

               A Rainha Nossa Senhora o mandou pelo Visconde de Barbacena, do seu Conselho, Governador e Capitão-General desta Capitania de Minas Gerais, e Presidente da Junta da Real Fazenda da mesma Vila Rica, a 24 de abril de 1793. E eu, José Caetano César Manitti, que sirvo no impedimento do Deputado Escrirão, a subscrevi.

Visconde de Barbacena

Ilustríssimo Senhor Antônio Ramos da Silva Nogueira.

Ofício de Antônio Ramos da Silva Nogueira, Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica, ao Visconde de Barbacena, Governador e Capitão General de Minas, solicitando precatória à Comarca de São João del-Rei relativa a sequestros de Inconfidentes.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Visconde de Barbacena:

                Diz o Procurador da Coroa, Real Fazenda e Fisco desta Capitania que, para se cumprir a executória expedida da Alçada do Rio de Janeiro contra os réus de inconfidência, se faz necessário que, da Ouvidoria do Rio das Mortes, se remetam a este Juízo os sequestros que ali se fizeram aos que eram moradores na dita Comarca (à exceção dos eclesiásticos).

2 — E para esse fim, pede a Vossa Excelência se sirva mandar passar precatória dirigida ao Desembargador Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, para que remeta os próprios sequestros – sem dependência de traslado — pois nas executórias que se expedirem deste Juízo hão de ir incluídos traslados dos mesmos sequestros, evitando-se assim as maiores custas (que vêm agravar não só a Real Fazenda, mas os credores dos executados).

               Vila Rica, 7 de agosto de 1793.

E.R.M.

Silva Nogueira

l°) Que os eclesiásticos e ministros da Igreja cumpram com as obrigações que a mesma Igreja lhes prescreve;

2°) Que os ministros da Justiça cumpram igualmente com

as obrigações dos seus lugares, administrando justiça com prontidão, imparcialidade e desinteresse; 3°) Que os povos não se apartem da obediência e submissão devidas a Sua Majestade, de quem são vassalos, nem da inviolável observância das suas leis; 4°) Que se promovam e animem por todos os modos possíveis os habitantes de Minas ao trabalho e exploração das mesmas minas e, igualmente, ao da

                5 — O Senhor Dom Luís Benedito de Castro, ajudante de minhas ordens, distribuirá esta no círculo.

Rio, 18 de abril de 1792.

Conde de Resende