Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

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BIBLIOTECA DIGITAL DE LITERATURA

NuPIL/LAPESD/nuLIME

Universidade Federal de Santa Catarina

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A vespa do Parnaso, de Xavier de Novais


Edição de Referência:

NOVAIS, Faustino Xavier de. A vespa do Parnaso. Porto:

Tipografia de J. A. de Freitas Júnior, 1854.

 

ÍNDICE

A vespa

O vento leste

Instruções dum barão novo, a um criado velho

A medicina

Carapuça

Necrológio

Ontem! hoje! amanhã!

O roubo da mitra

O barão e o doutor

Aos leitores

Edição preparada a partir da dissertação de mestrado de Eliana Petrillo Januzzi, A vespa do Parnaso, de Faustino Xavier de Novais [manuscrito]: edição e estudo, apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, em 2009, sob a orientação de José Américo de Miranda Barros. As notas e comentários são da autora da dissertação, a não ser quando expressamente indicado.

 

A VESPA.

Homens loucos! desgraçados,

Que em liberdade falais!

Viveis todos enganados;

Livre sou eu — ninguém mais!

Por todo o mundo girando

Me vereis sempre, voando,

Pica-aqui, pica-acolá;

Enquanto que algum ingrato,

Com a sola do sapato,

Crua morte me não dá!

Vós, ó homens, quantas vezes,

Malvados no coração,

Sois na aparência corteses,

Pra ocultardes a traição!...

Infâmia! cruel engano!

Eu — se em volta dum magano

Dou três giros, sem parar,

É que o julgo puro e honrado

Porém se o creio culpado

Hei de o por força picar.

Cuidareis vós que algum tolo,

De muitos que a gente vê —

Que não levam muito bolo[1]

Por não haver quem lhos dê —

Algum parvo d’excelência,[2]

Por vergonhosa influência,

Pode embotar-me o ferrão?

E, embora seja um maluco

Donde eu possa tirar suco,

Há de escapar-me?... pois não!..

Quando pilho um desses nobres,

Ricos só d’áureo metal;

Mas d’espírito tão pobres

Que não possuem real;

Não lhe saio do costado:

Sei que é trabalho baldado,

Porque a pele dura tem[3],

Mas eu fico satisfeita,

Que o meu ferrão só respeita

A virtude — mais ninguém!

Pois quando encontro uma dama

Que literata quer ser,

E por fim bespa[4] me chama,

Sem disso a causa saber?!...

Não só então a não poupo,

Mas sinto não ter um choupo[5],

Do meu ferrão em lugar;

Se quer desculpa das faltas,

Não se meta em danças altas,

Entretenha-se a fiar.

E há tantas dessas patetas,

Sempre filadas ao b,

E que tentam ser poetas,

Sem saberem o — abc — !

Tolas! nas horas perdidas,

Pegai nas FOLHAS CAÍDAS,

Boa lição achareis!

E se um conselho tão rico

 Desprezais... então... eu pico

E depois, não vos queixeis.

Quando encontro um rapazinho

Que se diz senhor doutor,

E anda muito encanadinho,

Deitando grande fedor;

E que inda, além do mau cheiro,

É nas leis tão estrangeiro,

Ou inda mais que um bedel;

Destes... se posso apanhá-los,

Que prazer sinto em picá-los!

São docinhos como mel!

Mesmo o médico homeopata,

Ou aquele que o não é;

Raspailista ou alopata,

Que nenhum pra mim tem fé;

Não fogem à minha agulha!

Não... que todos têm borbulha[6],

Onde se espete o ferrão;

Embora se fiquem rindo,

Às picadas resistindo,

Tão duros como um barão!

O poeta que juntando,

Brisas, fadas e condões

Vai tudo em linha formando

Com outros tais palavrões;

Esse irrita, coitadinho,

As iras cá do bichinho,

Que só aos tolos quer mal!

Fuja, pois, quem tem o sestro,

Quando não[7] pico-lhe o estro

Com picadela mortal.

Pra o gordo comerciante,

Que fidalgo exige ser;

E se torna um traficante,

Sem disso precisão ter;

E depois se finge beato

E nos mostra o seu retrato

Em todos os hospitais,

Meu ferrão não vale nada;

Para esse — espora — e aguilhada!

E não digam que é demais! —

Macho ou fêmea, velho ou novo,

Feio ou belo, sábio ou não,

Ou seja nobre, ou do povo,

Chega a todos meu ferrão:

Se mais do que isto desejas,

Mesmo em ti — quem quiser que sejas —[8]

Hei de ferrar-te, leitor!

Mas suspende o teu juizo!

Que me entendas é preciso;

Sou Vespa — não ferrador —!

 

O VENTO LESTE.

Um dia, em que o vento leste

Sibilava com furor,

A revolta em Rilhafoles

Ao mundo causava horror.

Um, soprando furibundo,

E correndo a casa inteira,

Gritava, com voz roufenha,

Ai que brisa tão fagueira!

Fitando os olhos no teto,

E pras moscas apontando,

Vinde ver — outro dizia —

As estrelas cintilando!

Outro, na cama estendido,

Alto bradava: “ó rapaz!”

Fecha a janela! — estou morto!

Só da campa quero a paz!

Dançando como um possesso,

Um bradava com furor:

Oh caramba! — Eu vim ao mundo

Pra ser vítima da dor!

Nisto ao longe orneia um burro!

Diz um, cheio de paixão:

Eis a voz meiga e sentida

Que me fala ao coração!

Um, pegando num bacio,

Diz, com voz sentimental:

Deixa-me depor um beijo

Nos teus lábios de coral!

Outro arreganhando a boca,

Dizia: olhem cá para mim!

Vejam quantos anos tenho,

Nestes dentes de marfim!

Em pelo, sob uma colcha,

Outro de bruços dormia,

Quando diz um, descobrindo-o:

Surge, ó astro da poesia!

Um, vendo outro com um vaso,

Diz: — não leves ao saguão:

Deita aqui nos seios d’alma,

No fundo do coração!

E vindo-lhe um grosso escarro

A um olho, diz ele agora:

Oh! Como é vivificante

O doce orvalho d’aurora!

E juntos, cada um dos doudos

Solta a própria inspiração,

Espalhando em toda a casa

Alarido e confusão!

Zé Povo, que era o porteiro,

Seu lugar deixa, espantado,

E correndo à enfermaria

Exclama, todo pasmado:

“Oh que gênios! — que talentos

Tem Portugal produzido!

Que pensamentos sublimes

Hoje tenho aqui ouvido!”

E a porta aberta pilhando

Fogem todos os patetas!

— Desde então, por toda a parte

Ninguém vê senão poetas! —

 

INSTRUÇÕES DUM BARÃO NOVO, A UM CRIADO VELHO.

Ó João!... anda cá, quero falar-te,

Pra ensinar-te a viver d’hoje em diante;

E nada tens depois pra desculpar-te,

Se um dia eu te chamar tolo ou tratante!

Ora olha se escutas bem!

Hem?...

No modo de tratar é mister que andes

Com mais delicadeza, e com cuidado:

Olha que já não sou Zé Fernandes,

Como sempre atequi me tens chamado!

Se não és homem capaz...

Zás!...

E não te queixes! — graças aos sob’ranos,

Sou hoje Sê Barão de cascas d’alhos:

Já servi, como tu — e há poucos anos

Que pra sempre deixei esses trabalhos! —

Inda tu serás barão,

João!

E não te rias! — olha que o dinheiro

É capaz de fazer virar-se o mundo!

Não hás de ser barão ou conselheiro,

Só porque outrora foi carreiro imundo

Teu pai ou teu avô?...

!...

Não chames a tua ama — Sêra Aninhas,

Que ela agora é também — Sê Baronesa;

Se vier a Maria das Soquinhas,

Ou outra minha irmã, Ana Teresa,

“’Stá cá o meu irmão?”

— Não! —

Que não saiba ninguém que essas mulheres

São irmãs dum fidalgo tão distinto;

E previne-as tu lá, como puderes,

Que ouvir delas um — tu — já não consinto!

Que elas o não saibam já,

Vá!

Carreiros todos são os meus parentes,

E não sabem tratar com gente nobre;

Mas quando traga algum roupas decentes,

E tu vejas que à porta se descobre,

E — “O sê Barão ‘stá cá?”

—  ‘Stá! —

Sempre à porta estarás — e tem paciência,

Que para outros serviços te não chamo:

Darás a toda a gente uma excelência,

Pra que saibam, assim, que a tem teu amo;

E se algum se rir de mau,

Pau!...

E quando no portal juntos estejam

À espera de teu amo, alguns sujeitos;

Embora malcriados eles sejam,

E conversem, notando-me defeitos,

Tu, como quem não ouviu,

Siu!...

Inda mesmo que algum mais atrevido

Diga que rico sou por ser tratante,

Que sou por grande parvo conhecido,

E, por minha conduta degradante,

Na nobreza um labéu,

Chéu!...

Não te esqueças, João, do que te digo,

Nem faltes ao programa um só momento;

Bem vês que hoje um Barão é grande amigo!

E atende a que o teu regulamento,

Sem falta começará

Já!

Se um bosmecê me dás, ou à tua ama,

Tomando contra ti, por mariola,

Vingança que esse crime atroz reclama,

Fecho-te... lanço mão duma pistola,

E sem ter pesar algum,

Pum!...

 

A MEDICINA.

Quando no Éden viviam

Adão e Eva, somente,

E boticas não haviam[9],

E, embora houvesse um doente,

Médicos não existiam;

Adão e a companheira

Tinham bem ditosa sorte;

Mas a mulher fez asneira,

E por isso veio a Morte

Dominar a terra inteira.

Ia a família crescendo,

A Morte ia-a dizimando;

E o braço cansado tendo,

Viu que podia, casando,

Ir seu poder estendendo.

E unida cum mariola

O seu empenho remata!

Cheia de ciência a bola[10],

Se a Esposa dizia: — mata!

Ele gritava: — degola!

E d’ambição dominado,

Pra ganhar nome, somente,

Fez-se o Médico um malvado;

Quando o chamasse um doente,

Era em seguida enterrado!

E negando à caridade

O culto que lhe é devido,

Pra aumentar a mortandade,

Fez quantos filhos tem tido

Algozes da humanidade!

Desde então os armadores[11]

Tornaram-se homens possantes!

De mãos dadas cos doutores,

São eles os imperantes

No mundo que geme em dores!

Quem ao boticário imputa

Parte do crime — não pensa! —

Eu ponho-o fora da luta —

O Doutor lavra a sentença,

O boticário executa.

E, para que o dote valha,

Um compõe sistema novo,

E contra os antigos ralha —

E se mais o adora o povo,

Mais o armador trabalha.

De ciência a bola pejada[12],

Homeopata ou Alopata

Têm a nossa vida em nada;

Que por fim todos têm — pata

Quem tem pata dá patada.

Pelo Raspail encantado,

Chupando cânfora imensa,

Um julga ter escapado;

Por fim é, quando o não pensa,

Um defunto alcanforado!

Outro a ventosa e a sangria,

Sofre, sem que o golpe tema;

Nem se lembra que hoje em dia

É cada novo sistema

Uma nova epidemia!

Um quer Hahnemann, sozinho!

D’Alopatia aos rigores

Tem medo... mas... coitadinho!

Vai sofrendo as mesmas dores,

Morre mais devagarinho!

Embora vendo exaltado

Um doutor, pelas gazetas,

Fique o povo embasbacado!

Quem quiser coma tais petas...

Eu... fico mais despeitado...

“Foi curado o sor Fulano,

Graças à Homeopatia,

Pelo Médico Beltrano,

Duma forte desint’ria

Que sofria há mais dum ano!”

“O Barão de Pamporrilhas

Sarou — c’o sistema antigo —

Duma indigestão d’ervilhas!

— Parabéns ao nosso amigo,

À Baroa e suas filhas!”

— DIFÍCIL OPERAÇÃO! —

“Foi felizmente operado

O nosso amigo Fuão![13]

— Seja o fato registrado,

Do grande cirurgião!”

.................

Medicina!... coisa minha

Espero em Deus que não tolhas,

Se a razão me não definha;

Que os elogios das folhas

Sei quanto custam por linha.

Lamento, com dó profundo,

Ver sobre alguns vossos atos

Esquecimento tão fundo,[14]

Por não virem, com tais fatos,

Gazetas do outro mundo...

Guardai a vossa esperteza!

O que a experiência me ensina,

Tem mais força e mais clareza:

“— Manda à fava a medicina,

Deixa obrar a natureza!”

 

CARAPUÇA.

Soneto.

Há um grande ratão[15], que na trapaça

Não encontra consigo quem se meça;

Mas não é nenhum pulha de tripeça;[16]

Se é pulha — figurando — o povo embaça!

Um irmão lhe morreu... e o tal caraça,

Sem que um conselho só a ninguém peça,

Principia a ensacar... porém tropeça,

Que toda a imprensa já lhe faz pirraça!...

Um reto Delegado já lhe atiça,

E se o pilão[17], por fim, não leva coça,

Contra o governo a língua, o povo aguça...

Caia sobre ele o peso da Justiça!...

P.S. — Aquele a quem servir, não faça troça...[18]

A mitra largue, e ponha a carapuça.

 

NECROLÓGIO.

À morte do jornal de Lisboa

— A ESPERANÇA. —

Não vou às plantas dos nobres

O vil incenso queimar;

Na campa venho duns pobres

Mas d’espírito — chorar!

De lisonjas não entendo,

Nem à impostura me rendo

Pra chamar bom ao que é mau!

Aqui o estilo não brilha!

Cá pela minha cartilha

Pedra é pedra e pau é pau!

Bem ou mal, neste cavaco[19]

Soube à moda obedecer:

Agora... tomem tabaco...

Assoem-se... e podem ler:

Oh! desonra ao peito humano

Que traga entupido o cano

Donde o pranto aos olhos vem!

Encerre hoje todo o mundo,

Negro véu de dó profundo...

(A coisa atequi vai bem.)

Lamento uma desditosa

Que na infância faleceu:

— Da idade na flor viçosa

Diria um vate, não eu! —

Com a fralda umedecida

Choro uma folha caída,

Que de podre se finou!

Caída ao peso d’asneira,

Que, durante a vida inteira,

Sobre a folha dominou!

A inocente, a linda Esperança

Tinha um meigo coração!

Curvava-se às leis da pança,

Como ao pau se curva um cão!

Era tão condescendente

Que, pra ter que dar ao dente,

Sempre ao mando obedeceu!

Mas, com fúria desumana,

Da Parca[20] a dura catana[21],

Deu-lhe um golpe — zás!... morreu!

Foi bem curta a sua vida,

Três cabeças teve, ou mais!

Cada uma, a peso vendida

Não dera cinco reais!

De dramaturgo e poeta

Uma foi; mas de pateta

Fez, por módica pensão!

Té lhe chamaram tapada;

Pois deu tanta cabeçada,

Que pedia um cabeção!

Doutra cabeça saíam

Artigos e folhetins,

De que alguns ratões se riam

Até rebentar-lhe[22] os rins!

Era Afonsinho de Castro,

E (pra rimar) d’alabastro

Tinha um crânio d’encantar!

Escrevia com tal siso,

Que, sério, movia o riso;

Chulo, fazia chorar!

A terceira... oh que mazela!

Era uma bola sem par!

Outra bola como aquela,

Dez mil réis a quem a achar!

Tinha a bossa de pateta,

Mas fingia de poeta;

Tinha um estro de marfim!

Era a cachola mais oca...

(Mau!... que se me escapa à boca,

Digo que era o Aboim!)

E morreu a Esperança bela,

Tão novinha se finou!

Maldita febre amarela

Que deste mundo a rapou!

Nem se lembrara o Moacho

Dar por sujo este capacho,

Que deixou negra infecção!

Lá foi pagar o que deve! —

— A terra lhe seja leve,

Como lhe foi a razão! —

 

ONTEM! HOJE! AMANHÃ!

I.

Feliz tempo era aquele em que d’aldeia

Em mangas de camisa um moço vinha;

Espetada num pau a saca cheia,

Na cabeça um farrapo sobre a tinha[23]:

Ao lado a Sêra Mãe, trazendo a teia[24]

Que fiara interessada coa[25] vizinha:

De maiata[26] na mão o pai adiante,

Que ia o rapaz fazer cegoniante[27].

De boca aberta, o moço, o Porto entrava,

Que uma grandeza assim jamais a vira;

Pra ver o mar, à Foz se encaminhava,

Onde a asneira de pau[28] hoje se admira;

De lá vinha ao patrão que já o esp’rava,

E de bancos a cama construíra,

E o rapaz que até i[29] jamais chorara,

Com lágrimas então lavava a cara.

Entre açúcar, arroz, feijão, toucinho,

O pobre do labroste[30] encarcerado,

O bico não abria, coitadinho,

Porque via o patrão, firme, a seu lado;

Havia à porta um nicho, cum santinho,

Com azeite da casa alumiado:

— Da loja era o sinal, e os bons fregueses

A esmolinha deixavam muitas vezes.

Ao almoço, ao jantar e à ceia havia

Bom caldo de feijões, sardinha assada;

E pra cada comida se partia

Bela broa, de côdea arreganhada;

E se água, em vez de vinho, se bebia,

Era sempre de fonte acreditada:

Às noites o rapaz, tocando o berço,

Coa[31] família e o patrão rezava o terço.

Assim passava um dia, um mês e um ano,

E chegando por fim a ser caixeiro,

O rapado chapéu, niza[32] de pano,

O seu fato compunham domingueiro:

Não consta algum haver, patrão insano,

Que pra o bolso lhe desse algum dinheiro,

Quando, alegre com tanta liberdade,

Ia ao Senhor ao Carmo ou à Trindade!

Era escravo o rapaz que assim vivia;

Mas se um dia pusesse loja sua,

O sistema era esse que seguia;

E não pondo à semana os pés na rua,

Saudava sempre o sol quando nascia,

Sem que visse jamais surgir a lua!

E alguns destes houveram,[33] sendo honrados,

Que chegaram a ter dez mil cruzados!

E se alguns, por negócio ou por herança,

Mais grossos cabedais amontoaram,

Ninguém na vida sua viu mudança!

De burel[34] os calções nunca os largaram;

Fazendo consistir a sua chança[35]

No rabicho que sempre conservaram:

Um rabicho dos tais (e não é graça)

Valia mais do que hoje toda a praça.

Não deixava d’haver algum vadio

Que, em vez deste viver seguir à risca,

Gostasse às vezes d’ir lavar-se ao rio,

Ou as noites passar jogando a bisca[36];

E no domingo à tarde, sendo estio,

Ir petiscar à tasca da Francisca!

E até me consta dum tão estouvado,

Que no teatro uma vez foi encontrado!!!

II.

Como vinham vêm hoje... isso é verdade!

Que os costumes não mudam lá n’aldeia;

Mas apenas se pilham na cidade,

Onde, sem freio, o vício audaz campeia,

Já querem, para si, mais liberdade,

E, seja como for, a bolsa cheia!

Um borrego[37] que chega a ser caixeiro

Já pensa dominar o mundo inteiro!

Fumando o cigarrinho, às escondidas,

Jogando, na espelunca, o seu sob’rano,

Mil prendas ofertando às pretendidas,

Aprendendo a dançar, com fogo insano,

Mais do que se ganhava em duas vidas,

Gasta agora um caixeiro, só num ano!

Mas na gaveta[38] faz grossa avaria,

Que inda há pouco o patrão também fazia!

Com tal educação, se pode em breve

Ser, ou chamar-se a si, negociante,

Com cara sem pudor, consciência leve,

Maroteira não há com que se espante;

Que se muito roubou, se muito deve,

Entre a gente do tom mais brilha ovante!

Quem dinheiro tiver, seu ou alheio,

D’honras e distinções se verá cheio!

Crescendo, com negócio de segredo,

Não teme o negociante uma falência;

O que outrora só deu longo degredo,

Rende hoje uma comenda, ou a excelência;

C’o governo contando, não tem medo,

Nem honra, nem vergonha, nem consciência!

E um pulha d’ontem, hoje proprietário,

Amanhã é barão e milionário!

Usuras de tremer, dolosas vendas,

Moeda falsa, firmas imitadas;

Corretagem d’empregos e comendas,

Gordas heranças, por dez réis compradas;

Roubados os direitos nas fazendas,

E outras coisas, nas lojas combinadas,

Eis a lisa vereda que hoje guia

Um pandilha[39] qualquer, à fidalguia!

E quantos magarefes[40] por aí vejo

Que em pouco tempo, assim, se engrandeceram

E d’olharem pra Cristo não têm pejo,

Se bem que, pondo-o em si, o escarneceram!

E nem de jejuar perdem o ensejo,

Quando até carne humana já venderam!

— Por vós, Santos Varões, quem for honrado,

Nem apenas consente ser tocado! —

A toda parte vão, fazem-se finos,

Os pobres papelões, nobres senhores!

E, soltando sem conto os desatinos,

Pretendem, inda assim, ser oradores;

Mas quem louco não é, de tais meninos

A amizade não quer, nem quer favores,

E chamando-lhes parvos, asnos, tolos,

Se lhes pilhasse as mãos, dava-lhes bolos!

III.

É este dos fidalgos o presente! —

Mas pensemos agora no futuro...

Aonde irá, por fim, parar tal gente?

Se o meu entendimento, já maduro,

Em tais heróis pensando, me não mente,

Serão por aí lançados ao monturo:

Ou, se do mundo regular a bola,

De cadeias aos pés irão pra Angola.

 

O ROUBO DA MITRA.

I.

Nos paroxismos estava

Dos meses o mais pequeno;

Corria o tempo sereno,

E alegre o Porto brincava:

Aos folguedos se entregava

Todo o mísero mortal;

Todos, sim, ou bem ou mal,

À asneira preito rendiam.

E — segundo alguns diziam —

Era aquilo — o Carnaval! —

E no acesso da loucura

Sofre o povo duro abalo,

Porque vem atroz badalo,

Deitando água na fervura,

Dizer-lhe que à sepultura

Um personagem descia!

Mas como reinar devia

Esse ardor, que esmorecera,

Enterrou-se quem morrera,

Divertiu-se quem vivia.

No entanto, em casa do morto,

Velho e gordo perdigão,

Arrastava a asa no chão,

Sem à dor achar conforto;

Mas se estava assim absorto,

Fraternal amor não era;

É que sem dor não pudera

A tal ave de rapina,

Ver entupir-se-lhe a mina

Que o papo tanto lhe enchera...

Pouco tempo era passado,

E a Justiça corre pronta,

Ao perdigão pedir conta

Do que deixara o finado!

Eis que o pobre, desasado,

De receio estremeceu!

Ao inventário só deu

Trastes roubados ao fogo!

Do mais, diz, cheio de gogo:

Cró... có... có... é tudo meu!

E à honra, ao dever contrário,

Nega as tochas que jaziam,

E à Justiça se escondiam

Em seguro, oculto armário!

Mas ao fazer do inventário,

Dando alguém pela melgueira[41],

Responde: — julgando asneira

Entregar, como devera —

São uns pauzinhos de cera

Para untar a cabeleira!

E alguém não há que se oponha,

Do gordo bicho à ambição,

Que na alheia habitação

Tudo tem... menos vergonha!

Que os limites não transponha

Da decência e cortesia,

Diz-lhe alguém que pretendia

Tanto cinismo evitar:

— Vai-se a Justiça deitar

E dorme até o outro dia!

II.

Corria a noite bem alta,

Tudo em sossego jazia,

Só da Sé no largo havia,

De galegos, grande malta!

Aqui corre, acolá salta,

Entre eles, o perdigão

A cada um picava[42] a mão

E com vinho os animava!

Dir-se-ia que preparava

Tremenda revolução!

“Amigos, haja cuidado!

Sempre alerta o povo nosso!

Que não venha o cônsul vosso,

Que é homem fino... atilado!”

Tendo aos seus assim falado

O coroado capataz,

E escolhendo o mais audaz,

Pra acompanhá-lo à trincheira,

Vedetas põe, de maneira

Que o não assaltem por trás.

E um velho que inculca, perto,

Criadas para servir,

Na cama se ergue, ao ouvir

Na rua o rumor incerto:

Dum postigo meio aberto

Um olho cego aplicando,

Põe-se em camisa, cucando[43]

Tão estranho movimento:

— Se há erro no seguimento,

É ele que o vai contando: —

Mas não se assustem com isto

Os meus nervosos leitores;

Nem temam negros horrores,

Mais negros que os que têm visto!

Não creiam também que insisto

Em livrá-los do quebranto,

Pra verem com valor tanto

Alguma cena vulpina;

Ou o roubo da Angelina,[44]

Que ao mundo causou espanto!

Essa honrosa ação reclama

Pra o herói alto louvor!

E há de ter, seja quem for,

Dez trombetadas da fama!

Se debalde o povo exclama

Contra um governo incapaz,

Esse cavaleiro audaz

Um forte dever lhe ensina;

Pois fez, levando a Angelina,

O que a polícia não faz!...

É bem que aos evos remonte

Desse bravo o nome augusto,

Que deu, com braço robusto,

A ajuda ao Conde da Ponte!

Venha o governo e confronte

Com este o seu proceder!

Aprenda aqui um dever!

Desangeline a cidade...

Faça um bem à humanidade!

(E perdoe quem se doer).

E aos heróis que nesse apuro

Prestaram braços valentes,

Perdoem-se os precedentes...

Se alguns têm... que eu não o juro...

Há por i[45] muito homem duro,

Que aos animais dá maus tratos!

Levam pancada os gatos,

Se às vezes sujam na escada;

Mas têm comida dobrada

Quando nos livram dos ratos...

Mas que importam reflexões?

Um devaneio que importa,

Se a história já vai mais torta

Que a estrada de Quebrantões?

Deixando, pois, distrações,

Voltando ao largo da Sé,

Sigamos, pé ante pé,

O sinistro movimento,

De que o velho rabugento,

Que inculca moças, deu fé:

Um postilhão[46], cauteloso Vem chamar a galegada...

Por meia hora marcada...

Tudo fica silencioso...

Sai um grupo, vagaroso,

E o perdigão, sem parar,

Seguindo-o, a cacarejar,

Asas abertas, e a boca,

Vem como a galinha choca

Que tenta os pintos guardar...

Quais farricocos cobertos,

Nos ombros o andor alçado,

Somente, tendo deixado

Aqueles sítios desertos!...

Ficou de braços abertos

O velho, olhando pra o céu!

Só da noite pelo véu,

Viu que o roubo, pobre ou rico,

Era uma coisa cum bico...

Que ou era mitra ou chapéu!...

III.

Bem alto o sol caminhava,

Quando, os olhos esfregando,

E os braços espreguiçando,

Dona Justiça acordava!

Dormiu bem... que não julgava

Capaz de tais indecências, Uma das altas potências

Que mais poder têm do que ela...

Pois errou! — tenha cautela

Com as novas excelências...

Coitada! — caiu na peta!

E quando salvar-se cria,

Da mitra... ninguém sabia...

Só existia a boceta!...

Nem armário, nem gaveta

Ao longo exame escapou!

Tudo, porém, se baldou;

E o perdigão todo inchado,

Deixou-se estar aninhado,

E nem buliu, nem chiou!...

Um auto lavra a Justiça

Contra o pássaro bravio;

Mas ele, sem dar um pio,

Cada vez mais se enchouriça!

Roçando a pança roliça

No soalho, como uma bola,

Pensa em nova corriola! —

— Cautela, pois, c’o bichinho!...

Eu cá, tirava-o do ninho,

E encaixava-o na gaiola...

IV.

Se ele fugir, olho vivo!

— Aqui vos dou os sinais:

É grosso como um arrais[47],

É para os homens esquivo;

Inda assim, d’amor cativo,

Vendo fêmea, ou nova ou velha,

Arqueando a sobrancelha,

Cioso logo o vereis,

Com loira poupa[48] d’anéis,

Com gorda perna vermelha.

No peito e ombros poisadas,

Já chochas, pouco peludas,

Segura as belfas[49] papudas,

Entre linho entrincheiradas;

E as muralhas engomadas

A que sempre as traz sujeitas,

Quando sejam mais estreitas

Do que uma vela estendida,

Regulam bem na medida,

Pelas bandeiras do Freitas.

Dividido em dois o rabo,

De casaquinha à feição,

Dá ao velho perdigão

Aparência de diabo;

E para levar ao cabo

Esta feia semelhança,

O perdigão também dança,

Fazendo trinta figuras,

Com que atenta as almas puras,

Que lhe vão cair na pança.

Mais teso do que um visconde

Anda lento como um sapo;

Que muito lhe pesa o papo,

Onde o que come se esconde;

Não há dia em que não sonde,

Pior na manha que um mico,

Onde meter possa o bico;

E sempre tirando suco,

Era dantes um maluco,

Tem excelência e está rico!

V.

Se fora um pobre pardal

Em vão buscara retiro;

Que em alçapão, ou a tiro,

Morria o triste animal;

Que não é o fado igual

Para toda a passarada;

Se é sempre mais procurada

A perdiz, a rola e o tordo,

Um perdigão velho e gordo

Escapa sempre à caçada...

Veremos... veremos...

Depois... falaremos...

 

O BARÃO E O DOUTOR.

B. — Senhor Doutor, dá licença? —

D. — Não sei quem é que está aí! —

B. — Seu criado — eu vou entrando...

D. — Oh! Vossência por aqui!

A Senhora Baronesa

Como passa? — Tem saúde?...

Quis ir ontem visitá-la...

Tive que fazer, não pude.

B. — Eu le[50] digo... vai andando;

Mas sempre com suas teimas,

Não quer tomar o remédio

Que le deu pras almorreimas![51]

Tem-se queixado do Omnibus[52],

Anda muito incomodada;

Mas tem lá seus carrapichos,[53]

E então, não quer tomar nada.

D. — Pois, Senhor, queira Vossência

Ver se pode resolvê-la

A entregar-se à Medicina,

Que eu amanhã irei vê-la.

Vá-lhe dando alguns passeios,

Roubando-a à meditação;

Que é sempre, nessas moléstias,

Proveitosa a distração.

B. — Ai... ... !... alguns passeios!...

Ela em casa nunca está;

Não há por i[54] uma festa

Onde eu com ela não vá!

Já foi à Foz ver o hydroppico,[55]

E onte[56] fomos ó triato[57];

E por sinal, que chegamos

No fim do purmeiro[58] ato.

A propósto,[59] meu amigo,

Que me diz à Companhia?

Aquela Lucrécia Borges[60]

Foi bem... apois[61] não iria?

Olhe qu’aquele... o... Finório,

Qu’é cunhado da Jordana,

Canta bem... é bô maritmo[62],

E nunca... nunca se engana!

E o outro tenor baixito,

Chamo-le o basso[63] profundo,

Tamém é [64]... e bem mostra

Que tem pratega[65] do mundo.

E a Jordana! Isso é que canta

Com’eu inda não ouvi!

Não sei por que esses janotas

Dão mais palmas à Ponti!

D. — A Ponti é como artista

Cousa muito sup’rior,

B. — O quê?... melhor qu’a Jordana?...

Nada... nada... não senhor!

A Ponti, não gosto dela;

— Não digo qu’é mau contralto;

Mas é muito presumida...

A outra canta mais alto.

Não faz uns tais gargarejos;[66]

Mas quem sabe o que ela foi?...

Tem um cantar grosso e forte,

Qu’as vezes parece um boi!

Quando, há dias, dava palmas

À Ponti, certo magote,

Enfim — pequenas misérias

Disse eu lá do cambarote.[67]

É gente que não entende,

Gosta duma bacatela;[68]

A Ponti se é boa dama,

Eu não engraço[69] com ela!

Diga-me — que livro é esse,

Que lia quando eu cheguei?

D. — Era o Hahnemann.[70] — B. — Conheço,

Grande poeta... bem sei!

O Senhor Doutor se lesse

A Fremosa Mangalona,[71]

Havia de gostar muito;

Olhe que é muito ratona!

E quando quiser bons livros

Faça favor d’ir por lá:

Também tenho o Calros Mano...[72]

Eu l’os[73] mandarei pra cá.

D. — São bons livros — eu conheço-o;

Fico obrigado a Vossência;

Mas o tempo que me resta

Emprego-o só na ciência.

B. — Na ciência?... e é bô livro?

E quantos balumes[74] tem?...

Ah!... já sei... eu ‘stava tolo...

São quatro... tenho-os tamém!

Olhe que eu sou dado às letras,

E gosto de me istruir:[75]

Pois de falar?... quando falo

Todos gostam de m’ouvir.

Mas passemos a oitra[76] coisa:

Estes retratos quem são?

Vamos cá dar volta à sala,

E faça-me a explicação.

Daquele estão-me a dar ares;

Não será um meu besinho?[77]

D. — É Lamennais[78]. — B. É o mesmo,

Já lhe merquei muito binho.[79]

Ora diga-me — e aquele

Que tem anéis no cabelo?

Aquele home[80] é estrangeiro,

Que eu não me lembro de vê-lo.

D. — De certo não, que é antigo,

Já não é dos tempos seus;

Nem é possível, Vossência

Ter visto o Rei dos Judeus.

B. — O Rei dos Judeus! — É este? —

Oh que soberbo tratante!

Não sei como quer em casa

Um retrato semelhante!...

Eu cá sou escrupuloso

Nisto de religião:

O Rei dos Judeus! — Arruda!

E na casa dum cristão!...

Este sim... não é o Bispo?...

O D. Jiromeno?[81]... é...

Morreu... coitado... era um home

Em que eu tinha muita fé.

E por via das exéquias...

Por se meter a pregar,

É que se foi... que era rijo,

Inda podia durar.

D. — Eu não sei que lhe viesse

Daí, moléstia de morte!

Com o estudo... a vigília...

Podia bem, que era forte!

B. — Mas olhe cá, meu amigo,

Aqui pra nós: — qu’ é vigília?...

D.                  — Falta de sono. — B. — Isso, isso...

Tudo por causa da Emília...

Um home que tem idade

E quer fazer de rapaz,

Metido nesses excessos,

Não sabe a asneira que faz!

Enfim, Doutor, vou-me à praça,

Que deve agora estar cheia:

— Até à noite, qu’ habemos[82]

De bêr-nos[83] na Sumboleia.[84]

 

AOS LEITORES.

Soneto

Já lestes? — Ora então que vos parece?

Não sou benigno, até, não sou prudente?

Quando tanto escritor vos ferra o dente,

Eu espeto o ferrão, que só aquece:

E qual é que, de vós, não agradece

Minha extrema bondade, tão patente?

Se algum se recusar é indecente,

E maior ferroada então merece:

Nunca injustiça tal alguém me faça!

Pois quando simpatias só requesto

Hei de ouvir-vos ralhar!... Ora... isso é graça!

Sois tolerantes, sois, não o contesto:

Seringuei-vos um pouco? — foi chalaça —

Perdão! — para outra vez irá o resto...



[1] Nas notas desta edição, os esclarecimentos quanto aos usos de vocábulos foram feitos com base em AULETE, 1958, FERREIRA, 1986, HOUAISS, 2001. “Bolo” tanto pode significar castigo com palmatória, como, em sentido figurado, logro, burla, engano — que, afinal, é o assunto do poema.

[2] Sobre a expressão “parvo d’excelência”, tem-se que parvo, do latim parvulu, diminutivo de parvus, significa pequeno, limitado, apoucado, tolo. Levando-se em conta o verso seguinte: “Por vergonhosa influência”, é possível inferir que a expressão signifique que são tolos aqueles que têm na origem da sua excelência — no sentido de título de nobreza —, a influência do dinheiro. Reforça essa inferência o fato de o uso da preposição “de”, “partícula de larguíssimo emprego em português”, prestar-se a relações de origem, qualidade e pertença. É bom lembrar que a aquisição de títulos — e não o merecimento ou a tradição — era prática corrente na época, e a crítica a essa situação está presente em toda a obra de Novais, tanto em prosa quanto em verso.

[3] Nesse verso, “tem”, no singular, sugere, à primeira vista, erro de concordância. Uma leitura cuidadosa de toda a estrofe, entretanto, demonstra que essa pode ter sido a escolha do poeta, apoiada em boas razões: (1)  a oração principal do período inicial da estrofe é "Não lhe saio do costado" - tudo o que vem antes são orações subordinadas, e a concordância dos versos 32, 33 e 34 é feita com “nobres”; (2) a estrutura da décima comporta o isolamento do quarteto inicial, o que torna natural a retomada, no primeiro verso da sextilha (v. 35), do pronome “um” (v. 31) — particularizando a imagem e, a partir daí, fazendo a concordância no singular. Caso a concordância com “um” tivesse se dado já no primeiro quarteto, “possuem” seria transformado em “possui”, o que não apenas reduziria o quarto verso a seis sílabas, como tornaria imperfeita a rima do primeiro com o terceiro verso.

[4] Variante popular de “vespa”. Ver item II.4.3.1 desta dissertação.

[5] O poeta usa, por metonímia, “choupo” — uma árvore também conhecida como álamo —, no sentido de galho dessa árvore, capaz de servir de instrumento de correção. Muito comum nas margens do Douro, o choupo aparece, com certa frequência, na mitologia.

[6] “Borbulha” tanto pode significar vesícula na epiderme, quanto, em sentido figurado, mácula, defeito.

[7] “Quando não” significa, aqui, “do contrário”.

[8] Leia-se: “Mesmo em ti — quem q’ser que sejas” — com pronúncia lusitana.

[9] Observe-se a forma verbal “haviam” — no plural. Sobre o assunto, ver nota 182, Capítulo II desta dissertação.

[10] Aqui, no sentido de “cabeça”.

[11] Agentes funerários.

[12] O verbo “pejar” significa encher, ocupar não deixando espaço ou tempo para outra coisa.

[13] Fulano.

[14] No texto-base: “esquecimento profundo”, corrigido em errata na página 51 — a penúltima do livro.

[15] Diz-se de um sujeito engraçado, cômico, extravagante: “Ratão! gosto dele... é divertido” (Castilho).

[16] “pulha de tripeça”: tripeça é o encontro de três indivíduos mancomunados; portanto, entenda-se: “pulha mancomunado com outros”.

[17] Em Trás-os-Montes, piadeiro; na Beira e Minho, pelintrão, miserável — que parece ser o caso aqui.

[18] O “P.S.” não deve ser lido; suas sílabas não contam no verso.

[19] Conversação ligeira, despretensiosa.

[20] “Parcas”, na mitologia, são as deusas que dobravam e cortavam os fios da vida humana.

[21] Espada, alfange.

[22] “Lhe” com valor de plural. Ver nota 237 do Capítulo II desta dissertação.

[23] Doenças da cabeça. Em sentido figurado, “tinha” significa vício, mácula, defeito.

[24] Tecido ou pano de linho.

[25] No texto-base: “c’o a”. Adotou-se a grafia atual, “coa”; o conjunto soa, no verso, como uma só sílaba.

[26] “Maiata”: algo que se leva na mão — maleta?

[27] Negociante. Nas edições de 1858 e de 1881, o poeta alterou “cegoniante” para “guenociante”.  324 É conhecida por Foz toda a zona do Porto Ocidental, que inclui, dentre outras, a Freguesia da Foz do Douro, cujo patrimônio é composto por vários monumentos e esculturas. É de se acreditar que a asneira de pau seja uma dessas tantas obras de arte, que não nos foi possível identificar — o que, aliás, não importa, já que o poeta mudou de ideia quanto a essa possível zombaria, tendo alterado esse verso 12, na edição de 1858, para: “Nos contos a pensar, que aos pais ouvira”.

[28] É conhecida por Foz toda a zona do Porto Ocidental, que inclui, dentre outras, a Freguesia da Foz do Douro, cujo patrimônio é composto por vários monumentos e esculturas. É de se acreditar que a asneira de pau seja uma dessas tantas obras de arte, que não nos foi possível identificar — o que, aliás, não importa, já que o poeta mudou de ideia quanto a essa possível zombaria, tendo alterado esse verso 12, na edição de 1858, para: “Nos contos a pensar, que aos pais ouvira”.

[29] No texto-base: “até’hi”. Trata-se de apóstrofo suprimido e “h” suprimido. O “i” tem autonomia de palavra, é forma aferética de “aí”.

[30] Diz-se de indivíduo rude e tosco.

[31] No texto-base: “C’o a”. Ver nota 320.

[32] Espécie de casaco curto, de lã preta, usado no Norte, pela gente do campo.

[33] Observe-se a forma verbal “houveram” — no plural. Sobre o assunto, ver nota 182, Capítulo II desta dissertação.

[34] Estofo grosseiro de lã.

[35] Jactância, vaidade.

[36] Jogo de cartas.

[37] “Borrego” tanto pode significar pessoa sossegada ou pacífica como um carneiro de até um ano de idade.

[38] “Gaveta” é o espaço onde o dinheiro é guardado — o equivalente, hoje, à caixa registradora.  Assim, “avaria na gaveta” significa “roubo”.

[39] Vadio.

[40] Termo pejorativo para cirurgião inábil. Na Beira e no Minho, significa tratante.

[41] Pecúlio, dinheiro que se tem oculto.

[42] Popularmente, diz-se de roubar.

[43] Cantando, cuculando — mas também pode significar “andando”, “retirando-se”.

[44] “Angelina”: um dos nomes da Virgem Maria, por ter recebido a Anunciação do Anjo Gabriel.

[45] No texto-base: “por’hi”. Trata-se de apóstrofo suprimido e “h” suprimido. Ver nota 324.  342 Mensageiro.

[46] Mensageiro.

[47] Mestre ou capitão de navio, guia, condutor.

[48] Nó de cabelo, no alto da cabeça; penacho que adorna a cabeça de algumas aves, formando uma espécie de toucado.

[49] Bochechas — em sentido figurado, basófias, prosápias.

[50] Vale por “lhe”.

[51] Almorreimas é dicionarizado, ainda hoje, como hemorróidas.

[52] Palavra de sentido não identificado, mas, seguramente, um órgão do corpo humano.

[53] Caprichos.

[54] No texto-base: “por’hi”. Ver nota 324.

[55] Possivelmente, hipódromo. Não faz parte da tradição portuguesa assistir a corridas de cavalos. A construção de alguns hipódromos em Portugal — poucos e de curta duração, dada a falta de entusiasmo dos portugueses — teve início na segunda metade do século XIX. Eça de Queirós viria a satirizar a mentalidade da burguesia de Lisboa, provincianos disfarçados de cosmopolitas, no episódio “Corridas no Hipódromo”, de Os maias, onde o requinte pretendido é apresentado como enfado total, uma “pasmaceira tristonha”. Cf. www.infopedia.pt$corridas-no-hipodromo-(os-maias). 352 Ontem.

[56] Ontem.

[57] Teatro.

[58] Primeiro.

[59] A propósito.

[60] O poeta refere-se a Lucrécia Bórgia (1480-1519), filha do papa Alexandre VI, que se casou três vezes para satisfazer a interesses políticos do pai. Pelo 3o. casamento, tornou-se duquesa de Ferrara e iniciou uma nova fase de vida, afastada da política e cercada de poetas, pintores e humanistas. Cf. ENCICLOPÉDIA Mirador (1994, v. 4, p. 1485). Lucrécia Bórgia, difamada pelo poeta Filofila — contratado pelo rival dos Bórgia —, mas reabilitada por Gregorovius, historiador do século XIX, é citada por Machado de Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas (1975, p. 103): “E tu, madama Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica, apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não vieste a lírio, também não ficaste pântano”.

[61] Pois.

[62] Bom barítono.

[63] Baixo, a mais grave das vozes masculinas.

[64] Também é bom.

[65] Prática.

[66] Gorjeios, trinados.

[67] Camarote.

[68] Bagatela.

[69] Engraçar tanto pode significar “agradar-se de” como “tomar confiança indevida”. Aqui, usado no sentido de “agradar”, o que se infere pelo verso 53, em que ele declara não gostar da Ponti.

[70] Christian Friedrich Samuel Hahnemann, médico alemão, fundador da homeopatia. Expôs o seu sistema no Organon der rationellen heilkunde, publicado em 1810. Cf. DICIONÁRIO Enciclopédico Brasileiro (1955, p.1056).

[71] Cf. item II.4.3.2. desta dissertação.

[72] Carlos Magno.

[73] “l’os”: vale por “lhos”.

[74] Volumes.

[75] Instruir.

[76] Outra.

[77] Vizinho.

[78] Félicité Robert de Lamennais. Filósofo francês. Seu livro L’Essai sur l’indifférence en matière de religion, publicado na década de 20 do século XIX, é um libelo contra o livre pensamento. Lamennais tomou o hábito religioso, mas rompeu com a Igreja que condenara o jornal L’Avenir. Cf. DICIONÁRIO Enciclopédico Brasileiro, 1955, p.1234.

[79] Vinho.

[80] Homem.

[81] Possivelmente, Jerônimo.

[82] Que havemos.

[83] Ver-nos.

[84] Assembleia.