Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Liras Perdidas, de Joaquim de Sousândrade


in Sousândrade: inéditos, de Joaquim de Sousândrade

Departamento de Cultura do Estado, São Luis, 1970.

BORBOLETA E RAIO DO SOL

FLORES LUXEMBURGUESAS

SOPA, ASSADO E SOBREMESA

AUGUSTA

GREEN-STAR

MINNIE

MINNIE

SOMBRAS DAS ÁRVORES

ALABASTRO

RECORDAÇÕES

ESPERANDO

CORAÇÃO

FORGET ME NOT

BEIJOS DE ANITA, SONHOS DE ANINHAS

ZELOS DE LALÁ

PARTINDO

LEONOR GARCIA

SEA SHORE BREAFAST

EM MEU PODER

QUI SUM

DESIDERIUM

CAROLINAS

ZELOS DE MIMA

LEMBRANÇAS DE CASTRO ALVES E DE ÁLVARES D'AZEVEDO

OUTRORA

OUVINDO

ANINHAS

CANÇONETA INTERROMPIDA

XXXX

SEMPRE BEATRIZ

XXXX

LOUCURAS ENTRE JASMINS

LEILA

XXXX

TALITA

MÚSICA

A NOIVA DO COMETA

ADEUS

CANÇÃO AO ALMOÇO

MINHA IRMÃ

FILHA ENFERMA

RISONHAS

VÉUS DE NOIVA

MIMA

ONDA VERDE

LEILA

FLIRTATIONS

HERO E LEANDRO

– 18 DE SETEMBRO –

BORBOLETA E RAIO DO SOL

Da selva frondosa

Na sombra acordou

Gentil pousalousa

Centelha, voou.

E as aves trinaram

E a brisa correu

E as ondas rolaram

De azul como céu:

Que doce harmonia!

Que amena soidão

Raiando do dia

A luz! E a visão

Do sol, que aparece

Dentre oiro e rubi,

Dos montes, e desce

Dos vales. Eu vi

Gentil pousalousa

Qual olhos de amor,

Turbada – encantada

No prado e na flor.

E os raios em molhos

sol s'ergue aos céus,

E a louca é qual olhos

Aos vãos escarcéus:

Nos bosques, agora,

Na várzea de luz,

No lago de aurora

Que a chama e seduz,

Dos bosques, perdida

No aroma, no amor,

Aos raios erguida

Balança-se a flor...

O aéreo amaranto

Quem viu? – Se perdeu.

Dizei dela o encanto:

Amou e... morreu.

Que sorte minguada!

Que triste existir

Da vida irradiada

De glória e de rir!

Mas – que nos importa

Ser onda ou ser Théos,

Se o mar não aporta

Pra fora dos céus?

(Paris, 1855)

FLORES LUXEMBURGUESAS

Não é, não é alegria,

Nem é tristeza sombria

Que sinto me atravessar.

Grato, grato sentimento

De um passado encantamento –

Por toda parte a lembrar!

Eram as roxas florestas,

As sagradas sombras mestas

Nossos berços da soidão:

Se deles tendes as flores, –

A saudade dos amores

Em vós reconheço estão.

(Paris, 1855)

SOPA, ASSADO E SOBREMESA

Sopa, uma gota d'orvalho

sobre uma folha de acácia;

assado, uma asa de borboleta

doirada pelo raio do sol;

sobremesa, uma pétala de rosa

meio-roída por uma abelha.

Catulle Mendès

(Banquete das fadas)

Bebo, bebo a sopa-orvalhos

Em prato de açucenal;

Colheradas beijos-hinos!

       Hinos! hinos!

– Comi mal-assada, em sal,

Asa bela ao sol doirada,

– E o doce virgíneo mel

Sobremesa-paraíso

       Riso! riso!

No dedo lhe pondo o anel.

Ai o prado d'alva acácia!

Brando – sonoro Bemol!

– Ai grelha a chiar do assado

       Tão doirado!

– Ai sobremesa do sol!

– Sala de jantar, natura,

Roseirais; relvas, abril,

Cantos, encantos, paraíso,

       Riso, riso,

Onda pura e céus de anil.

– Que as fadas dançando adiantes

Com vestes de oiro e de tul:

Em punho as taças-diamantes

Levantem, brindes, ovantes

(Dou o champanha) a Catulle.

AUGUSTA

– Ter vista custa aos dez anos...

sorte dos olhos humanos!

de chorar muito em pequena!...

       – Guesly! Guesly!

fulgurosos, soberanos, –

quão verdes-mares! É pena.

E assim trajada de rosa,

       desditosa?...

E nem s'explica linguagem?

       – Linda aragem

então; sobre os joelhos meus:

"earth" explique: e os dois dedinhos

torcendo-me a língua, Deus!

Th?... qual beijo entre carinho?...

       – Guesly! Guesly!

não têm vista os olhos teus.

Mas, se tens medo de Hortênsia –

bear a Augusta vem papar.

       – Quão doce tua inocência,

mesmo sem ter vista, a olhar!

(Nova York, 1873)

GREEN-STAR

– Como os céus formosos brilham!

venha ver a Ursa maior!

a Ursa menor –

       "Vinte trilham

Ursas nos céus! que terror!

Sei de um urso"...

       – Que inimigo!...

Mamã! mamã, quantas Ursas

há nos céus? –

       Duas.

                "Vos digo,

menina, três."

       – Oh Senhor!

"Tá! tá! tá!..."

       – Allright, e calo.

mas, aquela estrela é verde –

"Verde? girl?! eu, rose-opalo

vejo-lhe o lume tremer."

– Já começa... é verde! é verde! –

"É amarela, mulher!

verde há uma..."

       – Há vinte! há trinta!

toda a terra a enverdecer! –

"Que a vencedora não minta!

verde esp'rança! oh meu tesoiro

destes amplos firmamentos

Cheios qual dos pensamentos

desta bela terra em flor!

Quando frouxas meadas de oiro

se desatam, luminosos

teus cabelos gloriosos

são qual do astro o resplendor!

Na tua voz há luz, centelhas

destas rosas do Sarão:

verde estrela! verde estrela

tu, que me roubas a calma,

que nos olhos tens tua alma,

há, entre os céus e o horizonte

amor... tens amor?" – I dont't! –

(Nova York)

MINNIE

– Que umbrosos olhos!

– Que umbrosa trança!

N'alma a esperança

Temos tão jovem,

Que ouvidos ouvem

Dela o gritar...

Não ouves tu?

Deste daylily

O encanto eu tenho:

E eu, por ti, venho

Da infância ao jogo:

No olhar tens fogo,

Gênios no olhar...

E não vês tu?

Estavas lendo;

Lês como um sábio:

Que rubro lábio!

Que fino riso!

Já perco o siso,

De tanto amar...

Não amas tu?

..........................................

Daqui a um ano

Eu volto ainda,

Ver-te tão linda

E amar-te mais

Da sombra ao arcano,

Do amor aos ais...

E tu? e tu?

– Que firmamentos

Puros! quão leves

Brisas! E breves

Foram momentos

Over aos céus!

E lá sempre inda,

Minnie, a infinda

Glória de um Deus!

(Tarrytown, Nova York)

MINNIE

(Seu pai, um capitão do mar,

desaparecera com o navio em viagem

para a Austrália pelo Cabo Horn;

a filha, desde pequena, ainda o espera.

Esperará eternamente, diziam).

– Quão linda coses

       Na verde alfombra,

Da casa à sombra,

       Da sesta ao ardor!

Já toda grande,

       Dezesseis anos,

Oh! toda arcanos,

       Sons e fulgor!

Porém, mais linda

       Do que ser grande,

Ao Newfoundland

       Trazes o pão:

Jamais inferno

       Foi tão gemido

De anjo querido

       Qual o teu cão.

Deixaste os prados

       Da infância: agora

Tu és aurora,

       Do lar a luz

E o firmamento

       Na divindade

Que faz saudade

       Que a amar induz.

.........................................

Riso, ou silêncio

       Que à virgem pesa,

Tens a tristeza

       Que alma nos tem:

Do mar notícia

       Não veio a porto,

Se é vivo ou morto

       Teu pai, se vem.

Nem de ano a ano

       Mais voltaremos,

E mais nem temos

       De te ver. – Ai!

Que a alma se parte,

       Minnie! nem sejas

Triste, se o vejas

       Qual a teu pai.

(Tarrytown)

SOMBRAS DAS ÁRVORES

– Que divindade! sinto

Uma aura tão gentil

Me acariciando a fronte,

Céus, mares, terra abril!

Ao seio azul profundo

As palmas reluzindo

Auro verdor; urúbis

À imensidão subindo:

Meus bosques luminosos

Às calmas de meio-dia,

Um Deus por toda parte

E n'alma esta harmonia

Do amor! o amor de tudo

Quanto respira e sente,

Das minhas selvas puras

do meu sol candente!

– Que divindade! uma aura

Tão leve, tão gentil

Me acariciando a fronte,

Céus, mares, terra abril!

E as borboletas oiros,

em flor o roseiral,

Longe o mugir dos toiros;

este rubi-cristal.

Sempre no coração!

Esta saudade-serva!

Esta humildade-relva

De amor e exaltação!

Lazarus do sepulcro

A alevantei! a cruz –

Quebrei-lha! Um riso pulcro

Resta... Apagou-se a luz

(1890)

ALABASTRO

Eis um vaso de puro alabastro

Que é a imagem de quem longe está,

Que ao noivado meu dera-me um astro

E que encerra um mistério. Sinhá,

Tenho-o sempre florido na mesa

Do trabalho, ou de amor a canção,

Ou rapsódias cantando do Guesa –

Enche-o hoje tua flor-da-Paixão;

Ontem era a do luar, tão amada,

Que fenece do dia ante o albor;

Amanhã – diz tua carta encantada,

Porque vens, que não ponha outra flor.

(1861)

RECORDAÇÕES

Astros gentis da bela mocidade,

Vésper meiga, crescente feiticeiro,

Que lembranças trazeis e que saudade

Dos tempos da concórdia e o verde oiteiro!

Vos adorei dos campos e à cheirosa

Brisa que das estrelas recendia,

Vos adorei à luz de santa-rosa

Quando aos nove anos Beatriz sorria:

Mas, para que volver às doces eras,

Do coração aos cândidos martírios,

Se onde eternal renascem primaveras

Não finda amor porque não findam lírios?

Depois, que importa essa ilusão fagueira

Dos mentirosos céus, quando o tormento,

Quando a dor d'alma, a sempre-verdadeira

Aí fica? – astros gentis do firmamento,

Que importa, se das flores que se amaram,

Que redolentes foram, novas flores

Cada dia o bom Deus manda aos amores,

Porque s'esqueçam tristes que murcharam!

ESPERANDO

Junto ao fogo d'áureas brasas

Esperar – que solidão!

A temperatura em zero

Abaixou, co'o desespero

De um traído coração.

Nos ares fulgem as lâminas

Da neve e a brisa a cortar;

Cantam os pobres da rua,

Que pedindo a vida sua

Mãos estendem a chorar.

Certo, que ninguém lhes ouve

Canto importuno de dor;

Ou porque nos drawingrooms

Soam, da lareira aos lumes,

Canções melhores de amor.

Frias cinzas na lareira!

Vivas brasas de rubi –

Oh Saudade! e eu friorento,

Contigo meu pensamento

E sem ouvires?... ouvi!

E os pobres sempre cantando –

Miseráveis eles? não!

Lutam contra o céu selvagem;

E ela por mi sem coragem

Talvez, dando o coração...

Quase a bramir o ciúme,

Batem – oh! a doce voz!...

Crês? há mais profundo inferno

Que o dos pobres! no governo,

De Deus, de Deus, que é por nós.

De Prometeus tive o fígado,

De Aquiles o calcanhar:

Pela humanidade... o abutre!

Pela guerra... o eterno amar.

CORAÇÃO

Há meiga traidora –

Quem quer que ela for,

Tem dedos de aurora –

Oh! um beija-flor!

Uma borboleta!

Nas luzes do altar,

Na rosa violeta,

Nos lírios do campo, no alvor do luar!

Com lápis mui fino

E a mente afagada,

Talvez a chorar

Pintando destinos,

Traçou uma fada

O coração puro, em chamas no altar.

E em letras escritas

Ao redor – jasmim,

Camélia e nas fitas

Malmequer — e sim:

Dos lindos amores, das flores bonitas,

Mas onde os cultores estão do jardim?

Façamos negaça

Deixando a carteira:

Virá, feiticeira

Vestida de cassa

De amores perfeitos

Rever os seus feitos,

À bela visão...

– Oh, veio! tão alva

Tão alva! beijava,

Beijava, apagava

O seu coração,

E lá se ausentava

A bela visão.

(1864)

FORGET ME NOT

Tu, ouve-me, inofensa,

Forget-me-not – a flor

Que deste-me, recorda-me...

Que magnetismo-amor!

Que desnorteadas vagas,

Por mãos que eu reconheço,

Formosas merry-wives

um mau Jack e revesso!

E as doces Josefinas,

E as rubras dálias belas,

E as noites das insônias –

Ai quem dormir com elas!

Burglars! E envenenado

Eis-me revolto, triste,

O oásis, o paraíso

Perdidos meus, bem viste.

X, P, T, O & Co. –

Que firma infernal, may!

Então, viu-se a Josephus

Cumprir do Egito a lei.

BEIJOS DE ANITA, SONHOS DE ANINHAS

Há, qual mistério, risonho

Sempre-idílio: alma eu suponho

Da luz de cada manhã –

Sempre uma Aninhas! ao dia

De ao redor de ti, bem via

Em a atração d'outro imã.

Irradias – ai, os sonhos

Dos outros tempos risonhos

Da infância, do íris do albor

Nos formosos róseos mundos...

... ouvem teus risos jucundos;

Nos espreitam... foge, amor!

Co'o meu lusitano homônimo

Ligou-se Hortense – ai de mim

Pelo qüiproquó desse home...

Ela, Anita, tão bonita,

Florpungia o lábio assim.

Mas, se esta à Utie fez figa,

Leila não ta faz, que és pura

Tu, da caridade amiga.

Oh, Anita, que boquita!

Quão botão de rosa! Fura!

Dás-me uns ares d'Estrelinha:

Só por isso é já te amar:

Meu coração, tão sozinha,

Curou ela, que era estrela –

Mandou-te a enfermeira minha

Nobre?... curar com beijar?

Da amante Leila pardita

Acostumei-me a estes tratos

Carinhosos: Wellow fita,

Polígamos, 'scand'los-vand'los

De Salomão. Beijos castos

Neste de rosa botão

Qual o carbúnculo, Anita,

Com arras de Leila e pão.

ZELOS DE LALÁ

Abençoada a hora em que odiei-te

Tão vulgar! abençoada seja a hora

Em que, mais digna de ti mesma, amei-te,

E açoito-te ainda, pois – que linda agora!

Porém... aonde vai-se ela às noites, quando

Ao serão todos brincam reunidos?

Sua mãe enferma, a olhar, petrificando,

Olhos na escuridão e os lábios lívidos,

Olhava, olhava: sombras esgueiraram

Na treva que aos abismos assemelha.

Silenciou-se; estristeceu-se. Uivaram

Os bosques ao trovoar por noite velha.

Só, deserta na sala e sem vir nunca

Quem ajudava a triste a recolher,

Amanheceu qual fosse uma defunta

Que não pôde na campa adormecer.

PARTINDO

The first will be the last

Evangelho

– Já, Saudade?... de amores enfermos,

Ai a terra que vamos deixar!

De tão ledos, quão tristes os ermos

Da esplanada de alheio solar!

E das mágoas tão tuas, que eu sinto,

Eu não vejo, não vemos os termos –

Do áureo sonho nas sombras extinto,

Deus! quão pálido de hoje o acordar!

Sobre a relva doirada da tarde

Estenderam-se os raios do sol;

Há, da calma o fulgor, a saudade

De um mortuário formoso lençol:

Vês? – e a esp'rança não deixa-nos ainda

Do viver todos juntos, de que há-de

A nossa alma haver pátria d'infinda

Sempre-flor, sempre róseo arrebol.

(1875)

LEONOR GARCIA

–Vedes aquela menina

Tão isenta, tão divina

Que até parece infeliz?

Que tem d'órfãos a beleza,

Qual melodiosa tristeza

De um vago e doce matiz?

– Vedes? gênio de harmonia

No silêncio ou na alegria,

Oh, tão boa, que seduz?

Qual do mundo abandonada,

só do encanto rodeada,

Dos que têm dos céus a luz? –

E à filha mui formosa

De um cavalheiro, brioso

Alma valente e leal

Que a deixando consagrada,

Pôs-se à guerra malsangrada

D'independência – fatal.

"Filha, a pátria!" e então partira,

Qual um bravo que delira

Pela pátria, o grande amor!

E herói duas vezes grande,

Se à glória a fronte resplande,

No peito geme-lhe a dor:

E de sangue a estrela adiante,

E n'alma a estrela de luz,

Viu-se ao cubano arrogante

Que à morte a glória conduz.

(Em Sacred Heart, Nova York, 1875)

SEA SHORE BREAFAST

Lulu linda, tu mandas que espumem

Nossos copos de vinho doirado?

Antes – que dos sepulcros exumem

Quem, por nós, tem a eles baixado!

..............................................................

..............................................................

Eu e tu juntos dela – felizes

D'esperança raiavam-lhe os dias:

Sei, de ti quanto as doces meiguices

Podem! sê-lhe dos céus alegrias!

"Morning-glory" – e as nuvens obumbram

Oh! os burglars que ao faro nos vêm!

Nossos dons aos vampiros deslumbram –

Oh, são eles... mas donde? mas quem?...

(1882)

EM MEU PODER

Estás em meu poder. Sou vigilante;

Qual o cão velador guardo a muralha

Do meu rico tesoiro:

Venturoso às manhãs do alvo semblante,

Quem das nuvens não teme que aura espalha

Ante o seu astro de oiro?

Quero embeber-me, eu só, no olhar de sombras,

Na solidão da mágica brancura

Me atordoar de amor;

Recostada dos luares nas alfrombras

Toda sonora, o seio teu fulgura

Risonho, abrasador.

Estás em meu poder. Irradiante

Dessa vida de luzes e d'estrelas

       Quer-te o tirano teu,

D'açucenas maviosas, exuberante

De alvor e força – que nas formas belas

Exista o gênio seu.

(1858)

QUI SUM

Par droit de conquête et

par droit de naissance

Voltaire

Sou depredador das graças,

Rapinário das estrelas:

Onde florejem as belas,

Eu sou cidadão dali:

Aos meus pés quero o oiro em ondas,

Príncipe eu sou do Levante,

Tenho direito ao diamante,

Tenho-o à esmeralda, ao rubi:

Tenho-o às pérolas algentes,

A luz, ao fogo, às centelhas;

Vivo do mel das abelhas,

Vivo da glória e do amor:

Porque sou eu que em menino

Sofri todas as misérias,

E dos céus chovem etéreas

Bênçãos ao órfão de dor.

E sabereis, meus senhores,

Que é do grande sofrimento

Que se forma o sentimento

A que chamais sedução:

Nada fez, senão divino

Ser, o meigo da piedade,

Qual quem dos céus tem saudade.

– E como o culpar, então?

Eu sou o Americano sem títulos

Que derriba imperadores;

Sou o Guesa, e para amores

Tenho o meu do sol.

DESIDERIUM

Quero voltar ao meu ninho,

Onde não devo morrer

Das roseiras entre o espinho,

Nos destroços do moinho

Rolas ouvindo gemer;

Ao meu ninho, alevantado

Por mim mesmo à beira-mar,

Do vento aos sopros vibrado,

Da vaga aos sons embalado –

Oh, meu formoso solar!

Ao viver contemplativo

Do meu norte do equador –

Que saudades! que saudades!

Dos meus anjos vindo às tardes;

À Vitória toda em flor!

Às sombras dos tamarindos

Eu quero a sesta dormir

Sentus in umbra, aos infindos

Mistérios da calma e aos lindos

Sonhos da amante a sorrir.

E nas horas de paraíso

Aura divina a enrugar

Na praia da espuma o friso;

E dentre o medo e entre o riso

Vagando o gênio insular.

E a falua que alva abria

No rio a vela ao clarão

Ou dos céus, ou da ardentia

Que é das águas alegria,

Do nauta a bela canção –

Quando seu manto de glórias

Desdobrava o mago luar,

Que parecia a Vitória

Ressumando de memórias,

Saudoso encantado o lar,

O que ama profundamente

Sentia, feliz então,

Voz ignota, asa fremente

Revoando, vagamente

Qual dentro do coração...

Oh, voltar eu quero ao ninho

Que elevei co'o meu suor!

Das roseiras ao espinho

Aonde a rola no moinho

Geme às sombras do equador!

Aonde eu acordo aos olores

Da laranjeira e a romã,

Todos ramos tendo flores,

Borboletas, beija-flores,

Toda doirada a manhã.

(Nova York, 1875)

CAROLINAS

Ouve: quando contigo

       Eu sonho,

O céu é mais risonho

E divinal o amor.

Aos raios do levante,

       Olha, oh, olha!

Nem a romã s'esfolha,

E a terra é toda flor!

Oh, quando à tarde juntos

       Eu beijo

Os lábios teus e vejo

Que ficas a me olhar,

Aos céus então minha alma,

       Voa, voa

Qual canto que ressoa

E escutas dentro a amar.

Abelhas d'asas de oiro,

       O mel n'alma,

Tu és a doce palma

Pendente a viração:

Tu és a flor puríssima,

       Aurora

Os lábios teus enflora,

       (Coral) o coração.

(1870)

ZELOS DE MIMA

Oh, levem-me ao país do gelo e o fogo,

Sonhos selvagens meus e cópia dela,

Às longes pátrias das azuis raposas,

Do sol de noite e da polar estrela!

Levem-me à Terra-verde esperançosa,

Do Tugungato aos elevados cumes;

Com ela – abrasem-me os vulcões acesos –

Aos ribombos fatais destes ciúmes!

Com ela a sós nas gôndolas venetas,

Nos camarins olentes da odalisca,

As pátrias, doces pátrias das Julietas,

Ou onde aos beijos expirou Francisca!

Das mulheres d'outrora, essas heróicas

Que à vida e à morte presas aos maridos

(Não qual esta que eu amo) eternamente

Amavam, e ainda ao inferno iam-se unidos!

Esta reluz, qual em Paris Saturno

Ao telescópio vi da Ponte-Nova;

Mas, com tal perfidez a este cume,

Que há-de, certo, comigo dar na cova!

– Noite, sem sono... pesadelo. Esgrenha,

Punhal cingido e na cabeça a bela,

No capote s'embuça cor de muro

E trovejando os céus: Abre a janela!

Um coro genesíaco e profundo,

Ouve o retumbamento da soidão,

Os sapos pareciam prolongando

Destes ciúmes o infernal pregão!

O mar ao em torno em fósforos revolto,

Os céus toda a negrura dentro o cérebro,

E a terra o fermentar do úmido e o quente

Deste indômito amor-deus e vértebro!

E sonha co'um rival. Columbus, mares

De chuva afronta. Dom Quixote, sai

Engatilha o revólver. Dela à porta

Foge-lhe o pé num cogumelo e cai!

Ora, então acomoda; e de si mesmo

Envergonhado, as armas ajuntando,

Olha, e não vê ninguém... À casa volta

Sem boné, grandes frios, e espirrando!

No outro dia, contando, e entre risadas

A casta diva e o dom Pantaleão...

Eh! suador não conheço nem gemadas

Melhores que estas, pra constipação.

LEMBRANÇAS DE CASTRO ALVES E DE ÁLVARES D'AZEVEDO

Brilham no espaço as estrelas

       Grandes, belas

Qual olhos brilham a amor:

Noite; às sombras jaz deitado

Da mangueira, o namorado

       Trovador.

De cada aragem da brisa

       Que desliza

Ela escuta o segredar,

Passos ouve – são as vozes

       Meigas, doces,

Conhecidas. – E a sonhar

Vê a luz dela e o encanto

       Do amaranto

Dos puros vestidos seus;

Passam músicas nos cumes;

       Há ciúmes –

"Quem sabe, os astros dos céus..."

Sonha e não dorme, ou delira,

       Já suspira

E da brisa ao perpassar

Abraça um lírio, risonho

       Qual um sonho

Havido ao raio estelar –

– Eis que, das sombras, fantasma

       Surge, pasma,

Lampeja, vibra o punhal.

Ouviu-se, as flores roçando,

       S'elevando

O espírito celestial.

E veio a linda inconstante

       E do amante

Prendeu-se ao brutal furor;

Depois, ao corpo já frio

       Mal sorriu,

Passando, do Trovador.

(1861)

OUTRORA

Não vos fadigarei mais os ouvidos

Co'os meus cantos américos. Os dias

Gratos correr já sinto às harmonias

Dos climas tropicais. Os suspendidos

Rubros frutos desprendem-se do ramo

Nos quietos dias, ao gentil reclamo

Das formosas lembranças, nos ouvidos.

De um peito tão mavioso, onde encravada

Luzindo paz a estrela d'esperança,

O tempo, que em ruinar cansa e mais cansa,

Desvanecem o amor: a tão amada

Puros cabelos no ombro desparzia,

Cheios de gozo os braços estendia –

Qual não o pode fazer esta coitada.

Oh, que atração que há `i no abismo negro!

Roda-se à borda hiante, qual se fora

A algum destino oculto eterno – embora

Pressintas morte, a uns sons vagos de allegro

Desconhecido e sedutor, vais de hoje

Levado qual quem de ontem passa e foge

Em derrota: porém leal e íntegro.

Às carregadas sombras da espessura

Ledamente lá vão durante a sesta

Os grupos amorosos da floresta,

Ou descansam: que importa a formosura,

Quando este sol que educa-a dês que nasce

Não cessa de dar cor a cada face,

Tarde áurea agora, agora manhã pura?

Quando as tintas de luz, forte-animadas

Em tórrido fulgor, ou brandos raios,

Fixam-se em flor-abril, em frutos-maios?

– Das setas luminosas cintiladas

A fuga mais veloz, a alma resplande

Do universo, e na glória de Deus grande

Saem da noite as róseas alvoradas.

OUVINDO

Ouvindo a voz bela,

Da estrela, os fulgores

Diriam, tremiam

Nos seios do céu:

Seduzem aos sábios

Os lábios que as flores

De um canto d'encanto

Lhes dão, qual o teu.

(1861)

ANINHAS

Há de amor e de virtude

Lírio, o mais branco, o mais puro,

O lírio-esp'rança, o venturo

Lírio-luz, lírio-candor,

Por quem vida é o alaúde

De uma infância que não finda,

Renascendo sempre linda

Sempre d'alva o resplendor:

N'alma o guardo, o mais romântico

E nem eu vi outro assim:

Fronte branca, o olhar de cântico,

E de Natal, ou de mim,

A alegria – o preto-undoso

Olhar! o cabelo escuro

Da escuridão do futuro

Era o bugari glorioso

Da Vitória à noite, em fim.

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Contemplo a natureza das saudades –

Dirias, que no azul do firmamento

Vemos o nosso amor por estas tardes

Em que reflete a terra o pensamento,

Quando a colina longe além verdeja

Ao sol ocidental, que a doira e beija.

Suave luz crespuscular de agora

A que repoisa o plácido horizonte,

No estivo dia e a noite encantadora

Extremos de união, tarde bifronte,

Quando realçam vozes da espessura,

Etéreo amplo o ar aos seios de natura!

Destas sombras no berço vaporoso

Resplendecia o lírio d'inocência –

Foi quando a inveja contra o riso nosso

Pálida murmurou; da áurea existência

A corrente quebrada – um lírio incerto,

Lá resta; e aqui, um coração deserto. –

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CANÇONETA INTERROMPIDA

“Auras serenas;... fagueira

Claridade do luar;...

Largo mundo;..." a Brasileira

S'interrompendo a chorar.

E os belos olhos prendia

D'enlevos no azul dos céus,

Puras tranças na harmonia

Soltas da aura. "Adeus, adeus...

Adeus aos dias doirados,

À infância do coração;..."

Cantava, tão magoados

Tons, aos sons do ermo violão!

E dentre os prados brilhando

Diamantinos pirilampos,

E os seus cabelos cheirando

Das estreleiras dos campos:

"Embora... embora... vivamos!..."

E as cordas a arrebatar.

E as auras e os flóreos ramos

Tão a sós, dela ao chorar.

(1865)

XXXX

Look upon me! the grave

more than I am changed

for thee. Thou lovedest

me too much.

hath not changed thee

                Gordon Byron

Como as dores renascem! Fui a causa

Causa, inócua da tua perdição:

E em teu delírio, feminil e cega,

Esmagaste a teus pés meu coração!

Que a vingança da amante é qual o raio,

Que há de cair – oh! pouco importa aonde!

Se abismos há, se infernos há, se há morte,

Se de si mesma o seu amor a esconde!

Mas, recolhendo, no seu vivo túmulo,

Quão odienta!, vaidosa!, foragida!

Vê na mudez profunda, que a desgraça

Foi da louca a visão, da fementida!

Triste delito. Se do amor eterno

Miserável zombei, do mundo a presa

Eis-me! – Como inda a me reconheceres

S'erguem e esplendem-te os olhos de beleza!

SEMPRE BEATRIZ

Quando nos teus nove anos

Brincavas na existência,

Os anjos do teu rosto

Rindo-se de prazer;

Que eram as manhãs puras

E os hinos d'inocência

Cantavam róseos mundos,

Terras a florescer –

Foste desta alma a palma,

O onipotente ser!

Quando, musa d'infância,

Dos puros céus os astros

Teus olhos silenciosos

Olhavam-me a amar;

Que havias a fragrância

Das cândidas boninas,

Da alva todos rumores

E toda a luz do lar –

Foste a bonança-esp'rança

E a glória a s'elevar!

XXXX

Salve, meus dias das doiradas tardes,

Que de novo surgis em céus de azul!

Eu sentia de vós fundas saudades,

Qual às longínquas solidões do Sul.

Salve, salve os que voltam! mas, não sejam

As vãs passadas loucas ilusões;

Ora, à crença formosa, em que se beijam

A flor da boca os céus dos corações.

Verdes montes enfloram, resplendecem

De oiro amarelo ao sol ocidental,

Quando amores dos céus à terra descem

E sobe aos céus nossa alma divinal.

Serenidade da paixão ditosa!

Doce, meigo sentir d'íntimos céus!

Curvo-me eu diante desta doce rosa,

À influência edenal dos risos seus!

LOUCURAS ENTRE JASMINS

Que amor é terrível,

       Bem vejo

Quão vermelha fica a menina

       Co' um beijo! –

Iaiazinha linda

       Que é isso

No cinto travesso donoso,

       Feitiço?

Que às frechas de um olho

       Traidor

Aí reluzem lírios delírios

       De amor!

– Por que tão de mimos

       Zelosa?

Colibri brinca e ama às dúzias

       A rosa,

Cálices da mesa

       Do céu

Cristalinos – bebe e mais bebe,

       Deus meu!

E que ébrio se fica,

       Bem vejo,

Porém de mel puro e ambrosiado

       Desejo.

E ébrio cai, resvala

       Sozinho.

Sem veneno o áspide em flores

       O espinho.

Oh, não! toda afagos, –

       Tais gentes

Elas têm no colo brincando

       Contentes.

Alcide ora ao fuso

       "Seu bobo!"

Rugem! e estando, aí! nas gorjas

       Do lobo.

São alvas da lua,

       S'inflamam;

São raios do sol, e centelhas

       Derramam.

E trovejam todas

       Assim;

Mas, no fel, nas iras lhes sentes

       Jasmim:

Ou quando nos seios

       Co'a mão

Lhes tocas, que ringem, se alarmam:

       "Ladrão!"

(1857)

LEILA

Escuta ao arpejo, que a meiga criança

Constança inspirara num tempo feliz:

       Tu não me esqueceste

       Por isto, e celeste

De flor e de amor – o arpejo assim diz:

       "Tu serás a companheira

       Da minha triste existência:

       Te amostrarei das estrelas

       A harmoniosa cadência;

       Das harpas misteriosas

       A virginal confidência,

       E ouvirás os sons noturnos

       Da noite n'alta dormência."

Cumpriram-se todos destinos felizes;

Raízes prendidas em fundo amargor:

       Chegaram dos frutos,

       Dos prantos, dos lutos

Os tempos; passados os tempos da flor.

E as asas de fogo, quais tuas, dos ares

Nos mares reflexas em coroas, bem vês

XXXX

Perdão para a celeste Madalena,

Perdão, minha alma, para os meus amores –

Minha flor das manhãs, alva açucena,

Que eduquei para mim, não mais, não chores!

Matam-me esses teus olhos tão magoados,

Tão brancas as tuas faces de martírio

Turbando-me a razão! Longes passados

Stão do tormento os dias, do Delírio!

Revive a amor! Do andar perdido, errante

O lindo gênio meu, a causa havia

Para esta asa de luz soltar, brilhante

Da prisão, em que a sós resplendecia.

Eu quis abandonar meu pobre inseto:

então foi a loucura em que me acharam

No triste caminhar sombrio, inquieto

Neste manto de orgulho – dos que amaram:

Aquela a quem nós mesmos educamos

E a quem o mundo, o mundo aviltaria

E sempre aviltará, se abandonamos,

Fazendo-nos sofrer dupla agonia:

A agonia de vê-la desprezível

E ela inconsciente do desprezo seu,

Oh! quando a alma por ela é tão sensível

Ao vê-la que infeliz, feliz se creu!

Mas, revivamos, – eu rejuvenesço

À frescura edenal do ombro d'alvor

Das açucenas puras do meu berço,

Que formaste outra vez sorrindo a amor.

(1865)

TALITA

Sai das mortuárias sombras!

Levanta-te, Talita!

A luz é tão bonita

Do dia que raiou!

– Bem hajam, luz e as vozes

Que trêmulas cantavam

A doentinha e davam

Ao que desesperou

Esp'rança! e os que cercaram

Teu berço de afeições!

Bem hajam! os que choraram,

Dentro dos corações!

– E Deus seja bendito!

Bendito o escravo aflito!

Bendita a melhor flor

Da terra, o pranto e a dor.

(1868)

MÚSICA

"Menina e moça" ele a adorou: a esp'rança

Era-lhe o amor, a glória, a adoração;

Quando a tormenta em meio da bonança

A onda de luz quebrara, o coração.

O vi fugindo em busca de outras terras

Onde mais doces fossem as manhãs.

Volvidos anos, das formosas eras

Viram esp'ranças cândidas, louçãs!

E qual encontram-se ao romper do dia

Em céus de opala nuvens d'esplendor,

Paixão divina eterna os destruía

E os gozos eram delirar de amor.

Viram depois, caindo a flor celeste,

Pungir espinhos contra o coração:

Menina-infância, a moça que reveste

D'arte o ideal, a eterna adoração.

O vi fugindo em busca de outras terras

Qual, na esperança da primeira vez.

Porém, as nuvens das formosas eras

Não mais se viram, nem verão... talvez.

A NOIVA DO COMETA

Sobre a colina de malva

Dormindo branca donzela –

A flor d'enlevos, mais alva

Não brilha da alvura dela,

Carinhosa brisa bela

Faz-lhe adejos ao redor.

Ai da formosa dormindo

Sobre as camas de verdores!

Por quem abertas as flores

Estão velando luzindo,

Gênios dela e enlevos lindos

Que inspiram sonhos de amor!

Arfam-lhe os seios nevados,

Ardem-lhe as faces divinas

Qual os céus às matutinas

Cores, ópalos doirados

Os orientes. – Céus alados,

Dentre estrelas a visão

Dum libertino, um maldito

Dos céus viu-a!! Já, qual seta,

Sobre ela desce o cometa!

Ai dela, que o etéreo atito

Sente, sente! e o sono aflito

Perturbou-a! oh, compaixão!

Ei-lo, nos ares; da fronte

Agita a coma assanhada!

Ei-lo, pisou no horizonte;

Toda treme a namorada –

E as flores velando, esponte

Sendo guarda ao sono seu.

E de repente na terra

Salta o fantasma formoso!

Como a donzela de cera,

Fez-se ao clarão! Luminoso

A torna; no peito a encerra;

Voa com ela pra o céu!

– Desde essa noite uma estrela

Vês dela ao lado a luzir,

Todos afirmam ser ela,

Reconhecendo-a mais bela

Pelo saudoso sorrir.

– Sorrir, de quem não esquece

Da colina as companheiras

E manda quando amanhece

Croas, das noivas etéreas,

Da terra às noivas florir.

(Alcântara, 1861)

ADEUS

Escreveste-me ainda; mas, diferem

Os tons de agora, desses do passado

Hinos de um coração apaixonado

       Que ao meu vinham ecoar.

Os que viam-nos, hoje se nos verem,

Verão em mim do desespero o espectro,

Do reino das ficções quebrando o cetro,

Fixo no mundo o olhar.

Desiludido estou, co'a sombra n'alma,

Que um astro fora, a sombra desta morte

Que vem de ti pela mundana sorte

Que apagou-te o esplendor;

Apagar-se bem vês da glória a palma

Que eu criei-te. Oh, amei-te muito! E havias

De vir tu desfazer as harmonias

Do nosso eterno amor!

Ainda eu te amo – e t'imagino morta

Da paixão nossa e então, amo-te muito!

Evito da estrangeira o olhar e escuto

       Em mim somente a ti.

Se eu esqueço a verdade: vem, transporta

Nossa alma às ilusões: o que passou-se

De meiguices de amor era tão doce,

       Qual eu nunca mais vi.

Encadeando os fatos de memória,

Vejo a razão dos dias da ventura;

– Mas, ao porque se depravou natura,

Eu sinto-me infeliz;

Ao porque desfizeste tanta glória

Fazendo-te cadáver – da beleza

Descendo. Oh, sobe e volta à natureza

       Coroada de luz!

CANÇÃO AO ALMOÇO

Entre Gentil Homem e Tavares Bastos

"Minha mãe, ó Cidadãos, é a República,"

Hei-lhe o amor que em chamas arde ao coração!

Vejo além surgindo o sol da Liberdade –

Que o passado, só, recorde a escravidão!

Bela filha dos oceanos verdejantes,

Áureo mundo, jovem Pátria, edênea América,

Se tens vales todos flor, se todos hinos

Os teus montes, clamam alto à voz profética:

Punjam crenças ao porvir da humanidade

A este sol do mundo-novo, porque a Treva...

Cidadãos, à Inteligência erga-se o trono

Que o Homem-Deus ao nome moral indica e eleva!

– Que martírios que em Veneza não se passam!

Na Polônia dos heróis, Deus! que martírios!

– Ser o opróbrio! ser a pátria escrava!... estalam

Da alma os astros. Noite interna. E o rir-delírios.

Tenha Europa sempre armada, a monarquia;

Herdem povos, hajam cetros, seus dinastas;

– A nós moços, liberdade e o esforço ingente

Destas fases que o mar vence grandes, vastas!

"Minha mãe, ó Cidadãos, é a República:"

Dou-lhe o amor que me devora o coração:

Vede além surgindo o sol – De pé! bebamos!

Hip! harrah! – Pela ideal Revolução!

(Alcântara, 1865)

MINHA IRMÃ

Eu anoiteço; qual as flores morrem,

Meus dias correm para o fim da vida;

Sinto no peito o coração tão frio,

Em pleno estio, minha irmã querida!

Porém, que vale? de outro amor espero,

Melhor, sincero as c'oroas de saudade,

De ardente pranto, quando os olhos chorem

Dos que me forem visitar à tarde:

Eu sei que irás; e pela mão levando,

Deus! e brincando co'a filhinha-amor!

Dize-lhe: seja a filial ternura,

Alma e candura, em que descanse a dor!

(Vitória Nova, 1868)

FILHA ENFERMA

Eu quisera viver mais um dia,

Ainda e sempre contigo brincar,

Filha, e ver-te crescendo à harmonia

De que os céus te quiseram cercar:

Porém morres! e neste deserto

Vais deixar-me com Deus e sem ti!

Antes vá eu seguindo de perto

Quem das trevas tirava-me aqui!

E que os hinos à terra publiquem

Quanto a morte roubou-nos atroz:

Tantos sonhos de glória, que fiquem

Aos que são mais felizes que nós!

(1868)

RISONHAS

Quando eu chegava de França,

Dos bacharéis a esperança

       De Paris,

Onde o bom rei florescera

Que o nome à cidade dera

       De São Luís;

Quando, pois, cheguei de França,

De voltar, sem ter esp'rança,

       Um Deus quis

Que eu desse a costa na praia

Que ao luar alva desmaia

       De São Luís!

Que céus! que terra de amores

Em que à roda do ano há flores

       De verão,

Há raios no sol, diamantes

Na lua! mas, inconstantes...

       E se não:

Sem Helenitas, Terèses

Que amam Paris, cantam fraises,

       Há Paris?

Não há, nem nunca haveria!

Qual não há luz de Luzia,

       São Luís

Sem os foguetes-modinhas,

As dos ares andorinhas,

       E os sabiás!

– E haver terra (até faz medo)

Sem chansons e sem brinquedos

       Das sinhás;

E se houver? –que mais seria

do que um ninho das harpias

       Tal São Luís?

Mais que cancãs e que lamas;

Embora as tubas das famas,

       Tal Paris?

Em fugir primeiro eu fora

Das terras encantadoras

       Onde a amor

Prendes colos, quebras asas,

       Lírio ou brasas,

Grandée-candi ou rubra flor!

(1859)

VÉUS DE NOIVA

Flores – que já nem são flores,

       Tanto são aroma – exemplo:

Esta alva anágua de Vênus,

       Aéreo momentâneo templo

Das aragens, dos candores,

       Dos luares. Dêem-nos, dêem-nos

Asas de cisne platôneo,

       Leda nos alvóreos lagos,

Paganismo eterno jônio,

       Perfumes stelares – vagos;

Porém, conduzindo Magos

       As eras cristãs. "Favônio:

O crepúsculo ideando

       Dizer todo o amor que sente,

O faz por símbolos glórios,

       Baforadas exalando

Destes véus puros nitentes,

       Que estes mundos equatórios

Embriagaram!" Se diria

       Celeste imagem que enflora

Da anunciação de Maria,

       O angelus ave que a esta hora

Nesta terra encantadora

       Se apresenta em cada dia.

(1868)

MIMA

Galopem, ondas, galopem,

Sois o corcel que eu mais amo:

Nos oiteiros viridantes

Tão ledo não salta o gamo.

Puros céus, o sol radioso,

Claro mar todo e selvagem,

É bela a fúria dos ventos,

Belo o voar sobre a voragem.

Áurea poeira do oceano

Percorre os ares sem fim,

Lampejam esmaltes d'íris

Qual asas de querubim,

Como coroas de Lúcifer

Por sobre o abismo do mar,

Fúrias as vagas acesas

A luz dos céus cintilar

Agora nasce o crescente,

Das águas na solidão

Brisas saudosas suspiram,

Mágoa, mágoa ao coração.

E o pensamento não dorme,

Sempre a ouvir os prantos teus,

Amada amada criança

Que me formavas os céus!

Oh, que saudades que hei tuas,

Que hei dos dias meus queridos

Juntos da tua inocência!

E estão passados, perdidos:

E sempre de morte os sonhos,

Sempre, sempre o coração!

– Nunca venhas ter lembranças

Das águas na solidão:

Oh, nunca enxuguem-te os olhos

Os tristes beijos do vento,

Nunca veja-te o deserto

Qual estou neste momento,

Longe de ti, do meu anjo,

Do meu templo de oração

Onde, do mundo fugido,

Se abrigou meu coração!

(1858)

ONDA VERDE

Onda verde – o que quer ela

Que eu oiço falando? lá

Levanta-se toda bela

Dos mares. – Zeni, vem cá!

Nova Coelus! quando outrora

Vinhas... vem! tão sós! tão sós!

Sempre! sempre!... qual agora

As ondas tuas, tua voz!

LEILA

De Mirra corre o pranto:

Quão doce o incenso arábio,

Beijo o coral do lábio

A doce e rubra flor.

Do "Cântico dos Cânticos"

A de saudade louca,

Romã partida à boca

E o peito amor, amor.

Fora-me desviada –

Quase maldita, insana,

Do mundo a ser mundana

E pérfida mulher:

De novo a tomo a salvo

(Sempre náufraga!) e eis diante

A das manhãs galante

Rosas a me trazer.

Dos tempos misteriosos

Maga, mágica aos zelos

Grandes, dos dias belos

A torreal prisão –

Desfeitos os encantos,

Da morte às luzes brilha

Qual Sulamita filha

Do eterno Salomão

....................................................

Já Saudade?... de amores enfermos,

Ai a terra que vamos deixar!

De tão ledos, quão tristes os ermos

Da esplanada do alheio solar!

E das mágoas tão tuas, que eu sinto,

Eu não vejo, não vemos os termos. –

Do áureo sonho, nas sombras extinto,

Deus! quão pálido de hoje o acordar!

Sobre a relva doirada da tarde

Estenderam-se os raios do sol;

Há da calma o fulgor a saudade

De um mortuário formoso lençol:

Vês? e as crianças não deixam-nos ainda

(Nada, ou pouco, está feito) de que há-de

À nossa alma haver pátria de infinda

Tarde meiga e de róseo o arrebol.

(1875)

FLIRTATIONS

Ninguém ande à encruzilhada

Por noites de São João –

Vejam a mal-assombrada,

Meninas! "Oh, a visão!..."

– Cora, qual é tua sorte?

"Na Quinta Avenida, à corte,

       Casarei."

– Sempre never cada Fanny?

       "Morrerei."

– E tu, Augusta, rubores?

Vão ver, que sorte de amores...

       "Eu sonhei."

Pior do que encruzilhadas

De visões; portas e escadas

Destes céus de Manhattán

Com que aí stão-se aninhando

Alvoradas? matinando

Toda a noite até manhã?

"Fogo! fogo! é rato! é gato!"

– Matinada de Babel!

Meninas, mudem de quarto,

Há mais quem durma no hotel!

São as três; doirada tarde,

Vêm da escola e em risos ledos,

O olhar longínquo de que arde,

Atiram beijos co'os dedos.

Ora, estudando as lições:

"Diga, diga, as professoras

Deram tese – Os dois vulcões

Maiores – Belas senhoras,

Há crescenças... sobre os Andes

Que são da terra as mais grandes...

Rindo Fanny, Cora alada

E ar Augusta de graduada –

"Andes são serras: vulcões,

Sir! os maiores do mundo!?"

– Oh! que estão no céu profundo

Chamas lançando em festões?

       "Yes! Yes!"

– Que rugem? `strugem

Com lavas bravas?!

       "Yes! Yes!"

– São, my girl, dois corações...

       "Oh! oh! oh!"

(Manhattanville)

HERO E LEANDRO

Quando nas chamas dos teus pardos olhos

Adolescente Apolo eu me enleava,

Longe estava eu de crer – tantos abrolhos

Que a nós um Deus nos tempos preparava.

Na dor dos anjos tristes e a candura,

O ornamento feliz do desamparo,

Temente eu fui da altiva formosura

Tanto, quanto ora dela eu seu avaro.

Timidez do que amou na força eterna

Dessa de abismos atração e da onda,

Que a vida universal prende e prosterna

A humanidade... ou o mar, que ao largo estronda

Helesponto interposto, dos amantes

Em cada peito à esp'rança tendo o altar,

Quer de Sestos às luzes delirantes,

Quer às sombras do nosso áureo palmar.

................................................................

Oh, meu amor, a glória nos devora

Quando excedeu, qual um demôniio, o orgulho,

O fatal vencedor da guarda angélica

       Sempre-cândida esp'rança!

Separam-nos. Então, todas as luzes

Que iluminavam na ventura nossa

Apagam-se. E nas trevas penetramos

       Dos que o Éden perderam.

E as voltas de saudade à natureza;

E o mundo a rir-se dos delírios d'alma,

Do que chama delírios, – os saudosos,

       Os tempos dos amores.

Caímos quando toda em flor a terra,

Todos divinos corações nos amam,

A nós que os raios somos do infinito,

       Nós aspirando aos céus!

Ora – à mesa de Horácio! e pelos copos

Que prezenteiros tocam-se os convivas,

Nós pensamentos, namorados tropos

Troquemos! aos prazeres! Almas-vivas:

À amizade e ao amor! Todos s'erguendo:

A virar! a virar!... Cedo flutuam

Nuvens de luz, o espaço percorrendo,

Novos mundos colúmbicos... flutuam.

E vós, risonhas noivas d'harmonia,

De lírios corai, corai, formosas,

As frontes que embriagam-se na orgia

Sim, mas dos puros seios na onda e as rosas.

– A amizade e ao amor! a glória, a esp'rança

– Na alegria as canções de despedida!

Sabem, mais que a dos prantos, a lembrança

Dos risos duram mais, duram a vida:

"Brada o nauta – calma, calma:

       Sobre os mares o crescente

Dá notícia e diz que há gente

       Sem conforto; que ao adeus

"Ficou em terras da palma,

       Onde o sol é refulgente;

Mas, que a quem ‘stá descontente

       Não fulguram raios seus.

"Dê-lhe o crescente mensagem

       Dos saudosos tempos d'alma –

Boa viagem! boa viagem!

       Belo nauta, adeus! adeus!"

[FIM DE LIRAS PERDIDAS]

UM POEMA AVULSO / ANIVERSÁRIO CHILENO

– 18 DE SETEMBRO –

(E. De La Barra)

Dentre liras de amor e risos graios,

Contra os tronos de tênebra mortal

Faço a guerra de luz, dos belos raios,

De Brutus vibro o cívico punhal.

Se de Pórcia a saudade me acompanha,

A Roma eu devo, à Pátria, a gratidão;

Troco a paz dos jardins pela campanha

E pela Liberdade – o coração.

Oh, que inferno! que horríficos extremos

Que a cesárea ambição não nos impôs!

Caminha-se à miséria, em que nos vemos

Qual quem pra morte conduzisse o algoz!

Se qual Byron, qual Hugo, fui Mascotte

Vendendo as Harpas dos cantares meus:

Ora, empunho do Cristo o calabrote,

César, e dou a Deus o que é de Deus.

Enquanto nos confiscas a fazenda,

Destelhas-nos a casa – a nos render

Pela fome, acenou-nos co'a prebenda –

E é por armas que havemos de vencer.

Oh, eu sou qual o sol, que a luz de graça

Derrama sobre a terra em puro amor!

Qual Homero, terei meu pão da praça,

Dos céus a coroa e dos jardins a flor.

Educo o mundo nas mais belas formas!

Do eterno sentimento e a grande ação:

Quero o homem senhor; eu quero as normas

Do livre-arbítrio; ao lar, o coração:

A ti, oh Flor da América, oh formosa,

Oh minha Pátria e dos purpúreos céus

Do mar do Sul, da Cordilheira a rosa

E das glórias civis do homem, por Deus

Salve tu! que nos dás tanta saudade!

Tu, que a magia tens do coração

Áureo trono da tua Liberdade,

Salve! Salve! Na doce gratidão,

Lembranças mando aos Andes; Del Solar,

De Lastarria e Donoso, à luz, à ciência;

A todos esses mundos de existência

Que eu lá deixei, que eu vejo a me acenar!

Oh, eu sou qual o sol, que a luz de graça

Derrama sobre a terra em puro amor!

Qual o cego, terei meu pão da praça,

Dos céus a coroa e dos jardins a flor.

       Sousândrade

(Transcrito de O Globo, 19.9.1889, n. 11, p. 2)

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