Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico

 Trovas do Bandarra


Edição de base:
Biblioteca Nacional – setor de obras digitalizadas

Dedicatória

a Dom João de Portugal, bispo da Guarda

ÍNDICE

SENTE BANDARRA AS MALDADES DO MUNDO E PARTICULARMENTE AS DE PORTUGAL

SONHO PRIMEIRO

SONHO SEGUNDO

SONHO TERCEIRO

SENTE BANDARRA AS MALDADES DO MUNDO E PARTICULARMENTE AS DE PORTUGAL

I

Como nas Alcaçarias

Andam os couros às voltas,

Assim vejo grandes revoltas

Agora nas Cleresias.

II

Porque usam de Simonias

E adoram os dinheiros,

As Igrejas, pardieiros,

Os corporais por mais vias.

III

O sumagre com a cal

Faz os couros ser mociços,

Ah! quantos há maus noviços

Nessa Ordem Episcopal.

  

IV

Porque vai de mal a mal

Sem ordem nem regimento,

Quebrantam o mandamento,

Cumprem o mais venial.

V

Também sou oficial

Sei um pouco de cortiça

Não vejo fazer justiça

A todo o mundo em geral.

VI

Que agora a cada qual

Sem letras fazem Doutores,

Vejo muitos julgadores,

Que não sabem bem, nem mal.

VII

Borzeguins para calçar

Hão-de ser de cordovães.

Notários. Tabaliães

Tem o tento em apanhar.

VIII

Vê-los-eis a porfiar

Sobre um pobre ceitil,

E rapar-vos por um mil

Se vo-los podem rapar.

IX

Também sei algo brunir

Quaisquer laços de lavores:

Bacharéis, Procuradores

Aí vai o perseguir.

X

E quando lhe vão pedir

Conselho os demandões,

Como lhe faltam tostões,

Não os querem mais ouvir.

XI

Há-de ser bem assentada

A obra dos chapins largos,

A linhagem dos Fidalgos

Por dinheiro é trocada.

XII

Vejo tanta misturada

Sem haver chefe que mande;

Como quereis, que a cura ande,

Se a ferida está danada?

XIII

Tenho uma gentil sovela,

Com que coso mui direito:

Se a mulher não desse jeito,

Não olhariam para ela.

XIV

Em que seja uma donzela

Nobre, casta e oradora

Ela é a causadora,

Do que acontecer por ela.

XV

Sei também mui bem coser

Uns borzeguins Cordoveses;

Todos os trajos Franceses

Quem quer os quer já trazer.

XVI

Os que não têm que comer

Fazem trajos mui prezados,

Ficam pobres, Lazarados

Por outros enriquecer.

SONHO PRIMEIRO QUE FINGE A MODO PASTORIL

XVII

Vejo, vejo, direi, vejo

Agora que estou sonhando,

Semente d'El-Rei Fernando

Fazer um grande despejo.

XVIII

E seguir com grão desejo,

E deixar a sua vinha,

E dizer esta casa é minha

Agora que cá me vejo.

XIX

A cerca dos Grecianos

Corrê-la-ão os Latinos,

Serão contrários os signos

A todos os Arrianos.

XX

Também os Venezianos

Com as riquezas que tem,

Virá o Rei de Salem

Julgá-los-á por mundanos.

XXI

os lobos são ajuntados

D'alcateia na montanha,

Os gados tem degolados,

E muitos alobejados

Fazendo grande façanha.

XXII

O Pastor Mor se assanha:

Já ajunta seus ovelheiros

E esperta sua companha

Com muita força, e manha

Correrá os pegureiros.

XXIII

Depois já de apercebidos,

E as montanhas salteadas

Por homens muito sabidos,

E pastores mui escolhidos,

Que sabem as pisadas.

XXIV

Armar-lhe-ão nas passadas

Trampas, cepos de azeiros,

Atalaias nas estradas.

E béstas nas ameijoadas

Com tiros muito ligeiros.

FIGURAS DO SONHO

XXV

Virá o Grande Pastor,

Que se erguerá primeiro,

E Fernando tangedor,

E Pedro bom bailador,

E João bom ovelheiro.

XXVI

E depois um estrangeiro,

E Rodoão que esquecia,

E o nobre pastor Garcia,

E André mui verdadeiro

Entrarão com alegria.

PASTOR MOR

XXVII

Aquela vaca, que berra,

Porque está assim berrando?

ANDRÉ

XXVIII

É porque desce da serra,

Não conhece bem a terra,

E por isso está bramando.

XXIX

Esta é a vaca, Fernando,

Mais do grão touro fuscado,

Que não se acha reste bando,

Tem razão de estar berrando,

Que não sabe onde é lançado.

PASTOR MOR

XXX

Ajunte-se o vacum

Aqui neste verde prado,

E também o ovelhum,

E conte o seu cada um,

Ver-se-á a quem falta gado.

PEDRO

XXXI

Todo já tendes contado,

Do vacum achamos menos:

Um touro esmadrigado,

E um fuso, que era rosado;

Do ovelhum nada sabemos.

PASTOR MOR

XXXII

Oh! que dor do coração!

Oh! que dor! Oh! que pesar!

Oh! que grão tribulação!

Arredemos a paixão,

Pois se não pode cobrar.

XXXIII

Seus filhos devemos criar,

Os quais mui bem guardaremos,

Ficarão em seu lugar,

Tudo lhe havemos de dar

Pelo bem, que lhe queremos.

XXXIV

Por honra de tal memória

Não haja aqui mais tristura,

Antes cantemos com glória,

Que fique sempre em memória

Aprovando a Escritura.

XXXV

Pois se cumpra a figura,

E nós outros bem o vemos:

Pois que já tudo se apura,

Ao Senhor da altura

Com prazer mil graças demos.

XXXVI

Tanja-se a frauta maior

Ajunte-se todo o rebanho,

E eu como vosso Pastor,

Com mui grão sobra de amor

Vamos partir o ganho.

XXXVII

Tudo nos é sufraganho

Montes, vales e pastores,

E repunham os bailadores,

Que não entre aqui estranho.

XXXVIII

Fernando tanja a guitarra,

Tu, João, o arrabil,

Pousa teu Burrão, e vara,

Alegra bem tua cara,

Em tal bailo pastoril.

XXXIX

E Pedro, que é mais subtil

Entre, e baile com Florença,

Já que é dama gentil,

E mui bem que lhe pertença.

XL

André baile com Pasquala,

E venha após a primeira,

Antes de meter mais fala

Entre, e baile esta zagala,

Em que sempre é referteira.

XLI

Sempre foi mui agoureira

Com os estranhos dançar

E pois está tão cantadeira,

Não seja ela a derradeira,

Venha logo a bailar.

XLII

Há-de ser mui de louvar

Este auto, que aqui temos,

E a todo que bailar

Hão-lhe muito bem de pagar

E assim lho prometemos.

XLIII

Sus! antes de mais extremos

Baile Fernando, e Constança,

E pois que tudo já vemos,

Pelo bem que lhe queremos

Seja ele o mestre de dança.

XLIV

João, o bom ovelheiro,

Sempre foi nobre Pastor,

Não se conte derradeiro,

Pois é igual ao primeiro,

Este baile com Leonor.

XLV

Sempre foi bom guardador

Do gado, que lhe entregaram,

Mui grande acometedor,

E mui grande corredor

Dos lobos, que o acoçaram.

XLVI

Por não ficar em olvido

E nobre Pastor Garcia,

Que sempre foi atrevido,

E de nós muito querido,

Este baile com Mecia.

XLVII

Pois é de alta valia,

Dêmos-lhe outro montado,

O monte que reluzia,

Aonde faça a bailia,

E paste bem o seu gado.

RODOÃO

XLVIII

Todos já tendes partido,

Todos os montados dais,

Eu que fui de vós querido,

E dos lobos mui ferido,

De mim já vos não lembrais?

PASTOR MOR

XLIX

Ainda fica mais, e mais,

Vossos gados pastarão

Ficam terras de chão tais

Os vales, e piornais,

Tudo vos dou, Rodoão.

L

Também ficam umas ladeiras

De ervas mui saboridas

Donde saem umas ribeiras

Que regam muitas lameiras

Com águas esclarecidas.

LI

Aquelas serras erguidas,

Onde está a nobre montanha,

Pois por nós foram havidas

E até agora perdidas,

Fiquem a toda a companha.

LII

Aquele vale de além

É o vale de Salem,

Onde acho que muitos tem

Grande virtude, e valor.

GARCIA

LIII

Já mataram o grão Pastor,

Por inveja o mataram:

Porque era bom guardador

Das ovelhas bom criador;

Por cobiça o acabaram.

FERNANDO

LIV

Os bailos são acabados,

Senhor, vamos a jantar.

Que dos trabalhos passados

Muitos há aqui desmaiados,

Que convém de repousar.

LV

Se algo lhe quereis dar,

Sobre mesa lhe daremos,

Onde bem pode mandar,

E o seu gado bem pastar,

Que assim por bem o temos.

Cai no bailo de João.

PEDRO

LVI

Também lá naquela altura

Está um lobo uivando,

E no meio da espessura

Um bufo está bufando,

E um mocho está cantando,

E André está sentindo

Não bailar como Fernando.

JOÃO

LVII

Também Pedro, por quem procuro,

É um barão singular,

Que no claro, e no escuro

Sempre bailou mui seguro,

E há-de ficar sem lhe dar?

PASTOR MOR

LVIII

Pois vá o ele cercar,

E far-lhe-ão grandes danos;

I-lo-emos ajudar,

Até poder sujeitar

Os cavalos Marianos.

LIX

Ao redor da grão cabana

Naqueles montes erguidos,

No vale que se diz Cana,

Ouvimos esta semana,

Lobos que andam fugidos,

Dando grandes alaridos,

Fazendo grande agonia,

Muitos mortos, e feridos,

E outros andam perdidos.

Caem no bailo de Garcia.

PASTOR MOR

LX

Quem mete ao estrangeiro

Cá no meu nobre assento,

Pois o defendi primeiro,

Pois que do meu vencimento

Lhe pesa mui por inteiro?

ESTRANGEIRO

LXI

Em que vos hei ofendido

E de mim sois anojado?

PASTOR MOR

LXII

E porque te hei requerido,

Mil vezes cometido,

E tu sempre desmandado

E porque estás abraçado

Com os meus competidores,

E com eles aliado,

Não mereces ter montado

Com estes nobres Pastores.

LXIII

Tu me hás sido revel

Contra os meus ovelheiros,

Abraçado com Babel

Mui descrido e cruel,

Contra os meus pegureiros.

Minhas ovelhas, carneiros,

Não lhe tinhas lealdade

Degolavas meus cordeiros,

Derrubavas meus chiqueiros,

Negavas-me a verdade.

ANDRÉ

LXIV

Ide-vos, Pastor, mui embora,

Grande mercê nos fareis,

Que vos vades logo essa hora,

E depois que fordes fora,

Alguma razão tereis.

JOÃO

LXV

Para aqui vos saireis,

Mentes o Pastor dá volta,

Que depois não podereis

E quiçais nos metereis

Nalguma grande revolta.

FERNANDO

LXVI

Não te queiras mais deter,

Busca jogos, e harmonias,

Por onde tomes alegrias

Antes que hajam de volver.

Oh! Senhor, tomei prazer

Que o grão Porco selvagem

E vem já de seu querer,

Meter em vosso poder

Com seus portos, se passagem.

LXVII

Em os campos de Tropé

Vossa frauta tangereis

E nas terras de Tomé

E nas terras de Tomé,

Todos nelas bailareis,

Com os filhos de Ulisse,

Que gostam nosso tanger.

Nenhum porco roncará,

Nenhum lobo uivará

Senão por vosso querer.

PROGNOSTICA O AUTOR OS MALES DE PORTUGAL, CANTA SUAS GLÓRIAS COM A ACLAMAÇÃO DO REI ENCOBERTO

LXVIII

Forte nome é Portugal,

Um nome tão excelente,

É Rei do cabo poente,

Sobre todos principal.

Não se acha vosso igual

Rei de tal merecimento

Não se acha, segundo sento,

Do Poente ao Oriental.

LXIX

Portugal é nome inteiro,

Nome de macho, se queres:

Os outros Reinos mulheres,

Com ferro sem azeiro;

E senão olha primeiro,

Portugal tem a fronteira,

Todos mudam a carreira

Com medo do seu rafeiro.

LXX

Portugal tem a bandeira

Com cinco Quinas no meio,

E segundo vejo, e creio,

Este é a cabeceira,

E porá sua cimeira,

Que em Calvário lhe foi dada,

E será Rei de manada

Que vem de longa carreira.

LXXI

Este Rei tem tal nobreza,

Qual eu nunca vi em Rei:

Este guarda bem a lei

Da justiça, e da grandeza.

Senhoreia Sua Alteza

Todos os portos, e viagens,

Porque é Rei das passagens

Do Mar, e sua riqueza.

LXXII

Este Rei tão excelente,

De quem tomei minha teima,

Não é de casta Goleima,

Mas de Reis primo, e parente.

Vem de mui alta semente

De todos quatro costados,

Todos Reis de primos grados

De Levante até ao Poente.

LXXIII

Serão os Reis concorrentes,

Quatro serão, e não mais;

Todos quatro principais

Do Levante ao Poente.

Os outros Reis mui contentes

De o verem Imperador,

E havido por Senhor

Não por dádivas, nem presentes.

LXXIV

Comendadores, Prelados,

Que as Igrejas comeis,

Traçareis, e volvereis

Por honra dos Três Estados.

E os mais serão taxados;

Todos contribuirão

E haverá grão confusão

Em toda a sorte de estados.

LXXV

Já o Leão é experto

Mui alerto.

Já acordou, anda caminho.

Tirará cedo do ninho

O porco, e é mui certo.

Fugirá para o deserto,

Do Leão, e seu bramido,

Demonstra que vai ferido

Desse bom Rei Encoberto.

LXXVI

Uma porta se abrirá

Num dos Reinos Africanos,

Contrária aos Arrianos,

Que nunca se cerrará.

A vaca receberá

A nova gente que vem,

Com prazer de tanto bem

Seu leite derramará.

LXXVII

A lua dará grão baixa,

Segundo o que se vê nela,

E os que têm lei com ela

Porque se acaba a taixa.

Abrir-se-á aquela caixa,

Que até agora foi cerrada,

Entregar-se-á à forçada

Envolta na sua faixa.

LXXVIII

Um grão Leão se erguerá,

E dará grandes bramidos:

Seus brados serão ouvidos,

E a todos assombrará;

Correrá, e morderá

E fará mui grandes danos,

E nos Reinos Africanos

A todos sujeitará.

LXXIX

Passará, e dará bocado

Na terra da Promissão,

Prenderá o velho Cão,

Que anda mui desmandado.

LXXX

De perdões, e orações

Irá fortemente armado,

Dará neles S. Tiago,

Na volta que faz depois.

LXXXI

Entrará com dois pendões

Entre os porcos sedeúdos,

Com fortes braços, e escudos

De seus nobres infanções.

INTRODUZ O AUTOR POETICAMENTE DOIS JUDEUS, QUE VÊM BUSCAR O PASTOR MOR, UM CHAMADO FRAIM E OUTRO DÃO, E ACHAM FERNANDO OVELHEIRO À PORTA

FRAIM

LXXXII

Dizei, Senhor, poderemos

Com o grão Pastor falar?

E daqui lhe prometemos

Ricas jóias que trazemos

Se no-las quiser tomar.

FERNANDO

Judeus que lhe haveis de dar?

JUDEUS

LXXXIII

Dar-lhe-emos grande tesouro

Muita prata, muito ouro,

Que trazemos de além-mar.

Far-nos-eis grande mercê

De nos dardes vista dele.

FERNANDO

LXXXIV

Entrai, Judeus, se quereis,

Bem podeis falar com ele,

Que lá dentro o achareis.

LXXXV

Tomará com seu poder,

E grão saber,

Todos os portos de além,

Marrocos, e Tremecem,

E Fez também

Fará tudo a seu querer,

Vê-lo-ão a cometer

Pelo deter,

Que querem ser tributários,

E lhe querem dar dinheiros,

Lisonjeiros

Os quais não deve querer.

LXXXVI

E depois da Embaixada

Declarada,

Antes que cerrem quarenta,

Erguer-se-á a grão tormenta,

Do que intenta,

E logo será amansada,

E tomarão a estrada

De calada,

Não terão quem os afoite,

Dar-lhe-ão aquela noite

Tal açoite,

Que a Fé seja exalçada.

LXXXVII

Já o tempo desejado

É chegado,

Segundo o firmal assenta:

Já se cerram os quarenta,

Que se ementa,

Por um Doutor já passado.

E Rei novo é alevantado,

Já dá brado;

Já assoma a sua bandeira

Contra a Grifa parideira,

Lá gomeira,

Que tais prados tem gostado.

LXXXVIII

Saia, saia esse infante

Bem andante,

O seu nome é D. João,

Tire, e leve o pendão,

E o guião

Poderoso, e triunfante.

Vir-lhe-ão novas num instante

Daquelas terras prezadas,

As quais estão declaradas,

E afirmadas

Pelo Rei dali em diante.

LXXXIX

Não acho ser deteúdo

O agudo,

Sendo ele o instrumento,

Não acho, segundo sento

O excelento

Ser falso no seu Escudo.

Mas acho, que o Lanudo

Mui sezudo,

Que arrepelará o gato,

E far-lhe-á murar o rato,

De seu fato

Leixando o todo desnudo.

XC

Não tema o Turco, não

Nesta sezão,

Nem o seu grande Mourismo,

Que não recebeu bautismo,

Nem o crismo,

É gado de confusão.

Firmal põe declaração

Nesta tenção,

Chama-lhes animais sedentos

Que não têm os mandamentos,

Nem sacramentos;

Bestiais são, sem razão.

XCI

Em que venham mais, e mais,

Dos bestiais,

Pelo que mostra a figura,

Haverão a sepultura

Da amargura

Como brutos animais.

Que se o texto bem olhais,

E declarais

Com fundas serão feridos,

Todos mortos, confundidos

Nos abismos infernais.

XCII

As chagas do rendentor,

E salvador

São as armas de nosso Rei

Porque guarda bem a Lei,

E assim a grei

Do mui alto criador,

Nenhum Rei, e Imperador,

Nem grão Senhor

Nunca teve tal sinal,

Como este por leal,

E das gentes guardador.

XCIII

As armas, e o pendão,

E o guião

Foram dadas por vitória

Daquele alto Rei da Glória

Por memória

A um Santo Rei barão.

Sucedeu a El-Rei João,

Em possessão

O Calvário por bandeira,

Levá-lo-á por cimeira,

Alimpará a carreira

De toda a terra do Cão.

SONHO SEGUNDO

XCIV

Oh! quem tivera poder

Para dizer,

Os sonhos que o homem sonha!

Mas hei medo, que me ponha

Grão vergonha

De mos não quererem crer.

Vi um grão Leão correr

Sem se deter

Levar sua viagem,

Tomar o porco selvagem

Na passagem,

Sem nada lho defender.

XCV

Tirará toda a escória

Será paz em todo o Mundo,

De quatro Reis o segundo

Haverá toda a vitória.

XCVI

Será dele tal memória

Por ser guardador da lei,

Polas armas deste Rei

Lhe darão triunfo, e glória.

XCVII 

Trinta e dois anos e meio

Haverá sinais na terra;

A Escritura não erra;

Que aqui faz o conto cheio.

XCVIII

Um dos três que vão arreio

Demonstra ser grão perigo;

Haverá açoite, e castigo

Em gente que não nomeio.

XCIX 

Já o tempo desejado

É chegado

Segundo o firmal assenta

Já se passam os quarenta

Que se ementa

Por um Doutor já passado.

O Rei novo é acordado

Já dá brado:

Já arressoa o seu pregão.

Já Levi lhe dá a mão

Contra Sichem desmandado.

E segundo tenho ouvido,

E bem sabido,

Agora se cumprirá:

A desonra de Dina

Se vingará

Como está prometido.

C

O Rei novo é escolhido,

E elegido,

Já alevanta a bandeira

Contra a Grifa parideira

Que tais pastos tem comido;

Porque haveis de notar,

E assentar

Aprazendo ao Rei dos Céus

Trará por ambas as Leis

E nestes seis

Vereis coisas de espantar.

CI 

O néscio que afirmar

E declarar

Desde seis até setenta

Que se ementa,

Do Rei que irá livrar.

Louvemos este Barão

Do coração,

Porque é Rei de Direito;

Deus o fez todo perfeito

Dotado de perfeição.

CII

Este Rei tem um irmão,

Bom capitão.

Não se sabe a irmandade?

Todo é nobre, em bondade;

E na verdade

Que sairá com o pendão.

CIII

Muitos estão desejando,

E altercando,

Se o meu dito será certo,

Se de longe, se de perto?

E sobre o tal praticando.

Aquele grão Patriarca

No-lo mostra, e está falando,

E declara o grão Monarca:

Ser das terras, e comarca,

Semente del Rei Fernando.

CIV

Este Rei de grão primor,

Com furor,

Passará o mar salgado

Em um cavalo enfreado,

E não selado,

Com gente de grão valor.

CV

Este diz, socorrerá,

E tirará,

Aos que estão em tristura,

Desde, conta a Escritura,

Que o campo despejará,

Os Fidalgos estimados,

E desprezados,

Que até agora são corridos,

Com o tal serão erguidos,

E mui queridos,

E com os Reis estimados.

CVI

Se lerdes as Profecias

De Jeremias,

Irão dos cabos da terra

Tomar os Vales, e Serra,

Pondo guerra,

E tirar as heresias,

Derrubar as Monarquias,

E fantasias

Serão bem apontoadas,

Serão todas derrubadas,

Desconsoladas

Fora das possentadorias.

CVII

Ainda mais profetizando,

E declarando

Seus pequenos das manadas,

Derrubar-lhe-ão as moradas

Bem entradas,

E assim o vai mostrando.

Já o Leão vai bradando,

E desejando

Correr o porco selvagem,

E tomá-lo-á na passagem

Assim o vai declarando.

CVIII

Muitos podem responder,

E dizer:

Com que prova o sapateiro

Fazer isto verdadeiro,

Ou como isto pode ser?

Logo quero responder

Sem me deter.

Se lerdes as Profecias

De Daniel e Jeremias

Por Esdras o podeis ver.

SONHO TERCEIRO 

CIX

Oh! quem pudera dizer,

Os sonhos que o homem sonha!

Mas eu hei grão vergonha

De nos não quererem crer.

CX

Sonhava com grão prazer,

Que os mortos ressuscitavam,

E todos se alevantavam,

E tornavam a renascer.

CXI

E que via aos que estão

Trás os rios escondidos;

Sonhava, que eram saídos

Fora daquela prisão.

CXII

Vi ao Tribu de Dão

Com os dentes arreganhados,

E muitos despedaçados

Da Serpente, e do Dragão.

CXIII

E também vi a Rubem

Com grão voz de muita gente,

O qual vinha mui contente

Cantando, Jerusalém.

CXIV

Oh! quem vira já Belém

E esse monte de Sião

E visse o Rio Jordão

Para se lavar mui bem!

CXV

Vi também a Simeão

Que cercava, todas as partes

Com bandeiras, e estandartes

Nephtalim, e Zabulão.

CXVI

Gad vinha por capitão

Desta gente que vos falo

Todos vinham a cavalo,

Sem haver um só pião.

CXVII

Eu por mais me afirmar,

E ver se estava acordado

Vi um velho mui honrado,

Que me vinha a perguntar.

CXVIII

Dize-me, tu és de Agar,

Ou como falas Cananeu?

Ou és porventura Hebreu

Dos que nós vimos buscar?

CXIX

Tudo o que me perguntais

(Respondi assim dormente)

Senhor, não sou dessa gente,

Nem conheço esses tais.

CXX

Mas segundo os sinais

Vós sois do povo cerrado,

Que dizem estar ajuntado

Nessas partes Orientais.

CXXI

Muitos estão desejando

Serem os povos juntados:

Outros muito avisados

O estão arreceando.

CXXII

Arreceiam vir no bando

Esse Gigante Golias

Mas por ver Henoch, e Elias

Doutra parte estão folgando.

CXXIII

Dizei-me, nobre Barão,

Pergunto, se sois contente,

Dizer-me vossa semente

Se é da casa de Abraão?

CXXIV 

Que eu sam dessa geração

Saí da Tribu de Levi,

Sacerdote como Heli,

O meu nome é Arão.

CXXV 

Eu quisera-lhe responder,

E tocar-lhe em a Lei,

Senão nisso acordei

E tomei grande prazer.

CXXVI 

E depois de acordado

Fui ver as escrituras,

E achei muitas pinturas

E o sonho afigurado.

CXXVII

Em Esdras o vi pintado,

E também vi Isaías,

Que nos mostra nestes dias

Sair o povo cerrado.

CXXVIII

O qual logo fui buscar

A Got, Magot, e Ezequiel,

As Domas de Daniel

Comecei de as olhar;

E achei no seu cantar

Segundo o que representa;

E assim Gad, como Agar,

Que tudo se há-de acabar

Dizendo: cerra os setenta.

RESPOSTA DO BANDARRA A ALGUMAS PERGUNTAS QUE LHE FIZERAM, E DA RESPOSTA DELAS SE CONHECEM QUAIS FORAM

CXXIX

Os tempos que já se vem

Porque, Senhor, perguntais,

Mui brande segredo tem,

Que muitos dizem Amen,

Mais se calam mais e mais.

CXXX

O mais está por cumprir,

E que a minha conta soma:

Porque de partir a vir

O texto se há-de cumprir

Primeiro, Senhor, em Roma.

  

CXXXI

E nestes trezentos dias,

Senhor, que agora contamos

Se contem as Profecias

De Daniel, e Jeremias,

Nas quais agora entramos.

CXXXII

E depois de eles entrarem

Tudo será já sabido,

Aqueles que aos seis chegarem,

Terão quanto desejarem,

E um só Deus será conhecido.

CXXXIII

Convosco falo estas cousas,

Como com um grande letrado,

As umas são perigosas,

E as outras duvidosas

Ainda não hão começado.

CXXXIV

Antes destas cousas serem

Desta era que dizemos,

Muitas grandes cousas veremos,

Quais não viram os que viveram,

Nem vimos, nem ouviremos.

CXXXV

Sairá o prisioneiro

Da nova gente que vem

Dessa Tribu de Rubem,

Filho de Jacob primeiro

Com tudo o mais que tem.

CXXXVI

O mocho está assobiando,

Dizendo e chamando bois,

E com medo de depois,

Tudo se está arreceando.

CXXXVII

Os dois bois estão berrando,

Pelo tirar da barroca,

Que não entre na sua toca

O Bufo, que está bufando.

CXXXVIII

Acho em as Profecias

Que a terra tremerá

E como abóbada soará

Quando faz harmonias.

CXXXIX

Dizem, que nos últimos dias,

Que aquestas cousas serão,

A vinte e quatro acharão

Este dito de Isaías.

CXL

Vejo os lobos comer

As ovelhas degoladas

E as vacas mortas montadas

E os cordeiros gemer.

CXLI

Não deve a terra tremer

Mas fundir-se sem tardança,

Pois os que têm a governança

Os não querem defender.

CXLII

Vejo o mundo em perigo

Vejo gentes contra gentes;

Já a terra não dá sementes

Senão favacas por trigo.

CXLIII

Já não nenhum amigo,

Nenhum tem o ventre são,

Somos já vento soão

Que não tem nenhum abrigo.

CXLIV

Vejo quarenta e um ano

Pelo correr do cometa,

Pelo ferir do planeta

Que demonstra ser grão dano.

CXLV

Vejo um grão Rei humano

Alevantar sua bandeira.

Vejo como por peneira

A Grifa morrer no cano.

CXLVI

Vejo o lobo faminto

Concertado c´os rafeiros:

Os pastores, e ovelheiros

São de um consentimento.

CXLVII

Acho cá no instrumento,

Que virá um contador

Tomar conta ao pastor

E pagará um por cento.

CXLVIII

Resolvi o meu canhenho

Sobre este forte barão

Não lhe acho nenhum senão;

Dizer dele muito tenho.

CXLIX

Vejo um alto engenho

Em uma roda triunfante,

Vejo subir um Infante

No alto de todo lenho.

CL

Vejo erguer um grão Rei

Todo bem aventurado,

E será tão prosperado,

Que defenderá a grei.

CLI

Este guardará a Lei

De todas as heresias,

Derrubará as fantasias

Dos que guardam, o que não sei.

CLII

Vejo sair um fronteiro

Do Reino detrás da serra,

Desejoso de pôr guerra

Esforçado cavaleiro.

CLIII

Este será o primeiro,

Que porá o seu pendão

Na cabeça do Dragão,

Derrubá-lo-á por inteiro.

CLIV

Acho, que depois virá

As ovelhas dum pastor

Mui manso, e bom guardador,

Que o fato reformará.

CLV

Este pastor lhe dará

A comer erva mui sã,

E de suas ovelhas, e lã

Ao mesmo Deus vestirá.

CLVI

Todos terão um amor,

Gentios como pagãos,

os Judeus serão Cristãos,

Sem jamais haver error.

CLVII

Servirão um só Senhor

Jesus Cristo, que nomeio,

Todos crerão, que já veio

O Ungido Salvador.

CLVIII

Tudo quanto aqui se diz,

Olhem bem as Profecias

De Daniel, e Jeremias,

Ponderem-nas de raiz.

CLIX

Acharão, que nestes dias

Serão grandes novidades,

Novas leis, e variedades,

Mil contendas, e porfias.

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