Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Congratulação com o povo português..., de Tomás Antônio Gonzaga


Edição de Referência:

A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.

CONGRATULAÇÃO COM O POVO PORTUGUÊS NA FELIZ ACLAMAÇÃO DA MUITO ALTA E MUITO PODEROSA SOBERANA D. MARIA I, NOSSA SENHORA

Saepta arrais solioque alte subnixa, resedit.

Jura dabat legesque viris...

VIRGILIO, Eneida, LIV. I

Não são, Lusos, não são as falsas glórias

nascidas dos acasos das vitórias

que fazem os Impérios florescentes;

os sucessos de Marte, contingentes,

nos deixam igualmente destruídos

os povos vencedores e os vencidos;

as formosas campinas assolavadas

por ferozes ginetes, semeadas

de corpos e medonhos instrumentos;

exaustos os tesouros opulentos,

desertas as aldeias e as cidades;

infames, atrevidas liberdades,

estupros, roubos, opressões, delitos,

são certas conseqüências dos conflitos.

Celebrem pois embora os vãos Romanos,

esquecidos enfim dos próprios danos,

a dura sujeição, o triste estrago

da ilustre Grécia, da infeliz Cartago.

Vitórias e conquistas dilatadas, em

funestas campanhas alcançadas,

merecem, sim, ó Lusos, justo apreço,

mas são compradas por mui grande preço.

Um rei sábio, um rei justo, um rei prudente,

que com mão desvelada e providente

seus fiéis vassalos assegura

sossego, as riquezas e a fartura;

que, sustendo o equilíbrio da balança,

que Astréia lhe confia, reto alcança,

com prêmios e castigos regulados,

animar justos, enfrear culpados;

que o zelo da virtude lhes fomenta;

que os faustos e grandezas não sustenta

em suores e lágrimas sentidas;

que pesa tanto quanto vale suas vidas –

é este o bem, ó Lusos, verdadeiro,

que venturoso faz um povo inteiro.

Por isso, quando os deuses rigorosos

querem punir delitos horrorosos,

aos duros povos, da piedade indinos,

dão tiranos e tiram Micerinos.

Não celebremos pois, ó Lusitanos,

alheios infortúnios, próprios danos

debaixo de aparências de ventura.

Nós temos uma dita mais segura:

uma heroína sábia, pia e justa

com régia c'roa cinge a frente augusta.

Veremos outra vez com mais verdade

no mundo florescer aquela idade,

que d'ouro apelidaram; nem teremos

- a ser ainda certo quanto lemos –

Invejas dos ditosos, breves anos,

em que viveram Titos e Trajanos.

Eu não consulto, não, com falsos ritos,

nem os vôos das aves, nem os gritos;

não noto se os cordeiros imolados

expiram nos altares sossegados;

se têm o coração ileso e puro,

e as chamas ardem claras não procuro;

não indago também se o fumo leve,

sem ter estranho cheiro enfim se atreve

sereno encaminhar-se aos céus propícios:

mais nobres são, ó Lusos, meus auspícios.

dós inda não tivemos um só Nero,

um monstro desumano, injusto e fero,

que em sua própria corte (ação indina! )

dos Troianos visse a fatal ruína;

nem houve um só Mezêncio, que mandasse

que ao morto o vivo corpo se ligasse.

Se entre nós se guardasse aquele rito,

que longos anos se guardou no Egito,

dos mortos se julgarem, sem respeito

à régia dignidade do sujeito,

não, não terias, Portugal, a pena

de veres a funesta, indigna cena

de ser negada por sentença dura

às cinzas de um monarca sepultura.

Os reis que sempre em Lísia governaram,

como pais dos seus povos se portaram.

Aquele forte impulso, que mil vezes

pode mover os peitos portugueses

a verter tanto sangue em justo abono

do augusto cetro, do sublime trono,

foi, Luso, um efeito puro e reto

do nosso filial, ardente afeto.

As águias geram águias generosas,

não feras nem serpentes horrorosas.

Não será, Lusos, não, a vez primeira,

-- se a história nós julgarmos verdadeira --

que venere o mundo com maior respeito

virtude heróica no femíneo peito:

tu, Erifile, de valor armada,

cingiste, qual varão, cortante espada!

Tu, Débora, também com mão potente

fizeste a glóra da escolhida gente!

Outra Maria honrou a nossa idade:

mais prova não carece tal verdade.

Nem firmo as esperanças tão somente

em ser de tais monarcas descendente;

desta clara heroína os próprios feitos

são, Lusos, argumentos mais perfeitos.

Eu vejo que, movida da clemência,

tomando o justo amparo da inocência,

com suas mãos formosas, mas potentes,

desfez masmorras e quebrou correntes.

Eu vejo que, atendendo aos justos brados

e ilustres, abatidos magistrados,

outra vez os levanta à honra antiga,

da qual os despojou a infame intriga.

Eu vejo que, depois de perdoados

infames crimes, torpes atentados,

nem quer deixar dos réus a fama lesa.

Oh! quanto, Lusos, a virtude preza!

Eu vejo que, exercendo com prudência

á maneira dos deuses a clemência,

sem ludíbrio contudo da justiça,

aterra o monstro infame da cobiça.

Ah! tais feitos não são, não são auspícios:

são mais certeza do que são indícios.

Esses famosos reis, cuja memória

cobrindo os homens de uma justa glória

inda hoje faz correr saudoso pranto,

em breves dias não fizeram tanto.

Mas ah! que muito, ó Lusos venturosos,

vejamos tantos feitos gloriosos!

Virtudes santas do alto céu baixaram

no berço, que de rosas lhe adornaram:

umas os ternos membros lhe cobriram,

as outras desveladas a nutriram,

recebendo-as nos braços seus, perfeitos,

a puro leite de seus castos peitos.

De tão sublime, tão geral ventura

outra infalível prova nos segura

aquela mais que todas feliz sorte

de ter esta heroína um tal consorte.

Os deuses, que adorná-la procuraram,

já para seu esposo lhe criaram

este príncipe ilustre, esta alma bela,

em tudo, Lusos, semelhante à dela.

Aqueles mesmos deuses que o formaram,

de o verem tão perfeito se pasmaram.

Oh! Príncipe feliz, Monarca egrégio,

que tendo, como tem, o sangue régio

nos olhos dos mortais tão grande apreço,

é o bem que inda tens de menos preço!

Esposo de tais dotes adornado,

que só põe na virtude o seu cuidado,

ou falam contra nós princípios certos,

ou não pode influir senão acertos.

A serem os Impérios alcançados

por sólidas virtudes, não herdados,

vós, monarcas em tudo gloriosos,

seríeis na verdade os mais ditosos.

Não governaríeis só a lusa gente,

fechada num tão breve continente:

a ser pesado mando, a vós jucundo,

teríeis por Império o vasto mundo.

Longe, longe, ó Lusos, do meu peito

do vício da lisonja o vil defeito!

Longe, longe de mim! A Majestade,

não se honra do ludíbrio da verdade.

À vista destes fatos que proponho,

não é sem fundamento que suponho

que em tudo feliz seja um tal reinado,

apesar, Lusos, apesar do Fado.

Desde hoje as nossas frotas e as armadas,

cortando as crespas ondas afastadas,

cobrirão longas praias com os frutos,

tirados por comércio e tributos.

Os nossos justiceiros magistrados,

movidos por exemplos tão sagrados, j

á sem perigo, sem temor, sem susto,

não hão de conseguir que braço injusto

estrague o equilíbrio do Direito

com falso, aéreo peso do respeito.

Os nossos militares, sempre ousados,

da honra e da virtude estimulados,

vivas torres serão, serão muralhas,

ainda sem vestirem grossas malhas,

batidas, já não digo por Vulcano,

mas nem por forte mão de destro humano.

De tudo quanto espero, nada é novo:

quando o monarca é bom, é bom seu povo.

Ergamos pois, ó Lusos venturosos,

aos deuses mil altares respeitosos,

os quais banhemos repetidas vezes

com quente sangue de enfeitadas reses.

Ao céu benigno ingrato não sejamos;

e bem que o vil humano nunca possa

dar-lhe digno louvor, sequer façamos

o pouco que permite a esfera nossa.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística