Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Outros Poemas, de Tomás Antônio Gonzaga


Edição de Referência:

A Poesia dos Inconfidentes, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1996.

[DÊS QUE VI, FORMOSA ELVIRA,]

Dês que vi, formosa Elvira,

os teus divinos cabelos,

esses vivos olhos belos,

que inveja dos astros são,

foi-se, Elvira, foi-se embora

toda a paz do coração.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Enquanto, Elvira, se oculta

a meus olhos teu semblante,

um minuto, um breve instante

parece que fim não tem.

Se alcanço de ver-te a glória,

então voa o tempo bem.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando te ris por acaso

para outro qualquer sujeito,

estala dentro do peito

de ciúme o coração;

se me pões os olhos,

julgo que zombas de mim então.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando há brinco na floresta,

e a divina Olaria canta,

o mesmo gado levanta

a cabeça para ouvir.

Só, por mais que Alceu forceje,

não pode o prazer fingir.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando levo à clara fonte

o rebanho do meu gado,

cai-me da mão o cajado,

e com ela à testa vou:

fico pasmado, e ignoro

o lugar onde estou.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando vou segar o trigo,

(olha bem como ando cego!)

numa parte nele pego,

meto noutra a fouce em vão;

dos que vêm, alguns se riem,

outros mostram compaixão.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando me deito no colmo,

sempre sonho que te vejo,

que te falo, que te beijo

a branca, nevada mão.

Acordo, pastora, e foges:

eu fico mais triste, então.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando alguém meu mal pergunta,

bem que seja a vez primeira,

rompo, ainda que não queira,

o segredo, sem saber:

o teu nome, Elvira, te digo,

quando devo o seu dizer.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Fujo ao trato dos pastores,

para um bosque me retiro;

com desafogo suspiro,

e chamo por ti, meu bem.

Os vales, que se enternecem,

chamam-te ao longe também.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Quando escuto o triste mocho

a gemer no meu telhado,

qualquer mal excogitado

não me deve algum temor:

só receio que me agoure

mau sucesso ao meu amor.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

Os pastores que me avistam,

com o dedo já me apontam,

e à roda do fogo contam

da maneira que me vêm.

Sou o exemplo dos amantes,

que esta nossa aldeia tem.

E talvez, talvez que Elvira

nem se lembre de que Alceu,

se suspira,

se delira,

é só por motivo seu.

[CHEGOU-SE O DIA MAIS TRISTE]

Chegou-se o dia mais triste

que o dia da morte feia;

caí do trono, Dircéia,

dos tronos dos braços teus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Ímpio Fado, que não pode

os doces laços quebrar-me,

por vingança quer levar-me

diante dos olhos teus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Parto, enfim, e vou sem ver-te,

que neste fatal instante

há de ser o teu semblante

mui funesto aos olhos meus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

E crês, Dircéia, que devem

ver meus olhos penduradas

tristes lágrimas salgadas

correrem dos olhos teus?

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

De teus olhos engraçados,

que puderam, piedosos,

de tristes em venturosos

inverter os dias meus?

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Desses teus olhos divinos,

que ternos e sossegados,

enchem de flores os prados

enchem de luzes os céus?

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Desses teus olhos, enfim,

que domam tigres valentes,

que nem rígidas serpentes

resistem aos tiros seus?

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Da maneira que seriam

em não ver-te criminosos,

enquanto foram ditosos,

agora seriam réus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Parto, enfim, Dircéia bela,

rasgando os ares cinzentos;

virão nas asas dos ventos

buscar-te os suspiros meus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Talvez, Dircéia adorada,

que os duros fados me neguem

a glória de que eles cheguem

aos ternos ouvidos teus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Mas se ditosos chegarem,

pois os solto a teu respeito,

dá-lhes abrigo no peito,

junta-os cos suspiros teus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

E quando tornar a ver-te,

ajuntando rosto a rosto,

entre o que dermos de gosto,

restitui-me então os meus.

Ah! não posso, não, não posso

dizer-te, meu bem, adeus!

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística