Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

“Um desapontamento”, de Luiz José Pereira da Silva


Edição de referência:

Jornal das Famílias. Tomo 9, fevereiro de 1871, p. 45-48.

I

O Senhor Justino Lemos era um bom velho que morava havia seis meses em um sobrado da rua do Lavradio. Vivia estimado e frequentado por meia dúzia de moços bonitos, os quais todos confessavam as muito boas qualidades que ornavam o senhor Justino, entre as quais era a principal o ter uma filha linda como os amores.

Rosinda era morena; tinha as faces rosadas da cor do jambo, como dizem os poetas; tinha o colo sombreado por longas madeixas de ébano, capazes de prender de uma vez vinte adoradores, ao mesmo tempo que os olhinhos pretos e buliçosos prendiam outros tantos, e um sorriso feiticeiro recrutava o dobro.

Traquinas, esperta, maliciosa, a tal moreninha tinha tanto de engraçada como de esquiva. Não era um silfo, não era deidade, não era um anjo, como lhe chamavam os seus adoradores em linguagem poética; - era um demoninho, como lhe chamo eu na minha prosa rasteira.

Da roda dos velhos que cercava seu pai, ela escorregava disfarçando para junto dos moços que convidavam para o piano, que lhe falavam de flores, de fitas, de modas, de festas, de doces, de bailes, de moças e de mil outras miudezas... (quando falo em miudezas não me refiro ás moças) que todas enfastiavam os velhos; mas que por isso mesmo eram o tema escolhido para todas as conversações. O meio único e infalível de os conservar distraídos.

Joãozinho, também moreno, com vinte e quatro anos de idade, estudante de medicina, era do número dos moços que visitavam o senhor Justino com mais assiduidade. Nas suas visitas, foi estudando as baldas do velho, satisfazendo-as; foi sondando o coração da moça, e adorando-a.

Era uma empresa titânica! – Novo Jano, enrugava a testa e amortecia os olhos, namorando o velho; movia os lábios e acendia os olhos, namorando a moça! O lutador era esforçado, venceu.

Mas qual pensa a leitora ter sido o primeiro a render-se? O velho? A moça? Ambos juntos?

Glória ás armaduras de rendas que vestem o peito ás damas, e as tornam encouraçadas; gloria ao sexo dos perfumes, ao sexo fraco, ao belo sexo! Rosinda foi a última a ser vencida; mas não bastaram as escaramuças de Joãozinho; este fez aliança com o velho, e este acometia de flanco em marchas e contramarchas de conselhos, ao mesmo tempo que Joãozinho não diminuía pela frente o vigor do fogo das súplicas, acompanhando do bombardeio de olhares ternos expressivos.

Como resistir?

II

O namoro seguiu; os moços começaram a achar insipida a companhia de Rosinda, e retiraram-se; Joãozinho, pelo contrário, entendia que ela se tornava cada vez mais interessante, e amiudava suas visitas.

Chegou o tempo das férias; Joãozinho foi aprovado nos exames do 5º ano da academia e tinha de partir para Minas a visitar seus parentes. Foi despedir-se do senhor Justino, e pediu-lhe Rosinda em casamento.  O sim não demorou dois segundos; concordaram, porém, adiá-lo para o ano seguinte, por ocasião do regresso de Joãozinho.

Abraçaram-se, choraram, e Joãozinho partiu.

III

Meses depois voltou de Minas o estudante e correu a casa do senhor Justino; não o encontrando, nem a Rosinda, deixou-lhes a sua carta de visita.

No dia seguinte recebeu Joãozinho do seu futuro sogro o seguinte bilhete:

“Senhor estudante. – Chegou de Minas muito a propósito, e senti não me ter encontrado ontem, porque eu teria arrebentado as suas costelas com um furioso abraço.

Saiba que já sou avô; Rosinda tem uma linda filhinha, a qual vai ser batizada hoje á tarde porque faço anos; pediu-me com instancia que o convidasse para assistir à cerimônia, e por isso cá o esperamos sem falta.

A reunião é só de amigos íntimos e das amigas de Rosinda. – Justino Lemos”.

Joãozinho leu, e caiu das nuvens.

— E esta! O senhor Lemos é viúvo... minha noiva solteira, filha única, e o senhor Lemos tem uma netinha?... E festeja-lhe o batizado?... E convida-me para assistir a ele?... E esta!...

Mas eu aceito, senhor Lemos; quero ver de face a sua digna filha; quero perguntar-lhe pelo nome do papá da sua linda filhinha; quero dizer-lhe cousas amáveis; atirar-lhe nas faces uma risada de escárnio; e... e esquecê-la depois.

IV

Regurgitava de damas a sala de visitas do senhor Justino Lemos. Rostos, cinturas, toilettes, risos, conversas, tudo era bonito, tudo era perfumado. Damas, velhos, crianças, passeavam, riam, brincavam, quando entrou Joãozinho.

Vinha pálido, com as feições transtornadas e pisando brasas. Cortejou silencioso e sério.

— Como vem mudado, senhor João!

— Passou mal Em Minas?

— Esteve doente?

— Como está mudado?

A princípio um riso estranho contraíra os lábios de Joãozinho, depois ele falou:

— Creio que por cá tem havido maior mudança, sem ter produzido tamanho espanto.

— Como assim?

Joãozinho aproximou-se de Rosinda:

— V. Ex. quer ter a bondade de dizer-me como se chama o papá de sua filhinha?

— É cedo; na ocasião do batizado saberá seu nome.

— Quer ter a bondade ao menos de mostrar-me a sua linda filhinha?

— Está dormindo... mas se o senhor quiser tomar o incômodo de pisar sobre as pontas dos pés... ali, naquele gabinete... ela está no berço.

Joãozinho não esperou mais; empurrou a porta do gabinete, abriu as cortinas do leito, e...

Uma gargalhada geral, acompanhada de uma roda de palmas, recebeu-o ao reentrar na sala envergonhado e confuso.

A filhinha de Rosinda a linda menina que se ia batizar, a netinha do senhor Lemos, - era uma boneca!...