LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
“Um juramento”, de José Nicolau Vergueiro
Edição de referência:
Jornal das Famílias. Tomo 5, dezembro de 1867, pp. 362-370.
Die schönen Tage von Aranjuez
sind vorüber.
SCHILLER
O morno cair da tarde, é meigo cismar, o espírito dilata-se com prazer; tudo arrobora-se de beleza, a natureza é um místico poema, que vai de envolta com os esbranquiçados vapores que se levantam vagarosos.
O céu é puro e transparente, uma barra de purpura e ouro orla o ocidente, onde, há momentos, o sol reclinara-se entre nuvens tintas de sangue.
As andorinhas chilram, cruzam-se, libram-se, fendem o espaço, cansadas do inocente folguedo baixam à terra para de novo altearem-se em voo gracioso. Raras estrelas, receosas quiçá da claridade do dia a expirar cintilam a furto.
Tênue viração derrama-se pelas campinas, as selvas ressoam com infinitas melodias, a folhagem dos arbustos agita-se em brando cicio; os nenúfares, os lilases, as açucenas, balouçam-se entornando aromas, os arroios serpeiam em fios de prata com alegre murmúrio.
O pequeno sino do campanário vizinho, tangido suavemente, anuncia o Angelus em sons argentinos que ondulam pelos ares e vão-se perder ao longe.
Os campônios que vão a caminho do lar descobrem-se, encostando-se à fouce ou à enxada, põem as mãos e dizem com fervor aquela prece ungida da despedida do dia.
É a hora da suprema poesia!
Eu passava ao lado de uma menina, dessa beleza perfumada e rociada dos dezesseis anos. Suas falas, repassadas de meiguice, vinham despertar-me n’alma um mundo de sensações inefáveis.
— Espero que me concederá um favor, disse-me de improviso.
Surpreso ergui os olhos. Ela ali estava de pé, a sorrir com aquele faceiro sorriso que lhe era habitual. Não sei porque, temi que tramasse alguma travessura nos refolhos daquele pensamento; porém o que fazer? dizer que não a quem nos fita com uns olhos admiráveis de luz e de encanto? Crime de lesa-polidez, não poderia perdoar-mo-lo por toda a minha vida, precisaria não viver sob um céu como o nosso, não sentir bater o coração.
— Muito feliz me considero, exclamei inclinando-me, por merecer-lhe uma lembrança. Permita-me que acrescente, a senhora não pede, ordena.
— Não é tanto assim.
— A beleza e o espírito terão sempre um culto; jamais deixarei de ser um dos seus adeptos, embora o mais obscuro.
Seu olhar, escoando-se sereno através dos longos cílios, fixou-se sobre mim.
— Tem acaso ciúmes, continuei sorrindo por meu turno, do brilho de vivida estrela e quer apagá-lo apertando-a nas mãos, da cândida alvura de delgada nuvem e quer dissipá-la ao embalsamado sopro? Tudo tentarei, tudo ousarei.
— Entretanto desejava mais do que uma palavra, desejava um juramento. Que quer! os homens esquecem tão facilmente...
— A senhora é injusta. Como porém exige:
“Eu juro sobre esta trança,
E pelas chamas que lança
Desses seus olhos divinos.”
Bem vê o juramento é sagrado.
A minha voz levemente tremula revelou talvez o fundo segredo que meu peito ocultava, pois súbito rubor assomou-lhe ao rosto.
Assim se tinge de carmim o vapor diáfano que paira lá na extrema do horizonte aos albores da manhã.
— Ouça-me! sei de uma dessas histórias, singelas e inocentes, que por aí vagão perdidas. Ao recordar-me que ela, quem sabe! se bem cedo, se apagará da memória de poucos que a conhecem sinto que torno-me triste e pensativa. Se a quisesse escrever...
— Mas...
— Posso esperar, prosseguiu fixando-me brandamente, que se sujeitará a esse infantil capricho, a essa loucura dos dezesseis anos?
Todo entregue às ideias que de chofre assaltavam-me o espírito, não pude responder-lhe.
Voltei a mim quando se mi dizia maliciosamente:
— Nem uma palavra ao menos! Como era sincero ainda há pouco, como era sagrado aquele juramento. — Não acredita? balbuciei.
— E o seu silencio? Que explicação terá?
— Perguntava a mim mesmo se poderia reproduzir o que seus lábios quisessem confiar-me; perguntava a mim mesmo se poderia esboçar o quadro que traçasse-me à imaginação.
— Lisonjas! Sempre lisonjas a me embalar!
— Seja! exclamei tomando uma resolução extrema. Ia alta a noite.
____
Raras nuvens balouçando-se voluptuosamente no ar recortavam com as franjas irregulares o chão do céu, que alastravam milhares de estrelas. A lua cingida de um círculo alvacento, alevantava-se por trás das colinas; seus raios azuis resvalavam trêmulos pela face da terra.
A natureza, sublime de languidez, repousava das fadigas do dia, a fronte oculta nos espessos bosques, que assombreiam a encosta de elevada serra, cujos cimos dentados se prolongam além. Um silencio melancólico aninhava-se-lhe no regaço florido interrompido a espaços por vagos e subtis sussurros, brandos suspiros de virgem adormecida em sonhos de amor!
A atmosfera era tépida e suave.
A cidade de Santos, garça de níveas plumas, que há vindo pousar sobre a areia dourada, deixava retratar a graciosa imagem o espelho prateado das aguas. As ondas acariciavam-na rumorejando e se retiravam de manso.
À pouca distância, no seio verdejante dos arvoredos, esquiva aos olhares indiscretos, entre ondas de fragrâncias, elevava-se uma pequena morada, tão alegre e faceira como a mansão do anjo dos risos e venturas. Do chão lançavam-se pelas paredes, ocultando-as no apertado abraço, belas trepadeiras, a mimosa folhagem entressachada de florinhas; nas corolas tremulavam límpidas gotas de orvalho, perolas que espalhara o cofre das joias da noite. Janelas espaçosas recortavam a elegante fachada. Em uma delas, poética moldura de um quadro surpreendente de beleza e inocência, desenhava-se em pé o vulto de uma mulher. A tez era aveludada e branca como o manto espumoso do oceano, que ia gemer saudoso sobre próximas plagas; seus grandes olhos guarneciam franjas compridas e negras, seus lábios úmidos tinham a cor do nácar, ao meigo sorriso que os entreabria entreviam-se-lhe duas linhas de madrepérola.
Os cabelos, bastos e lustrosos, caíam em ondas sobre o colo, cujo esmero se debuxava através da alva roupagem que cingia-lhe as formas.
Ao contemplá-la absorto, cuidava-se ver celeste visão, a velar sozinha sobre míseros mortais, que no brando sonhar olvidavam glorias e martírios, esperanças e descrenças, ilusões e mentiras.
A fronte elevada anuviava-lhe um pensamento triste, era como que um vago receio, que destilando-se-lhe n’alma, viesse turvar-lhe a suave harmonia das feições.
Aquela mulher reclinava-se por vezes sobre a balaustrada, prestava ouvido atento aos rumores os mais subtis, aos sussurros os mais imperceptíveis, alongava os olhos pelas alamedas que se estendiam em frente, por entre os arbustos que desenhavam sobre a relva figuras estranhas, pelas moitas de verdura dispostas em pitoresca desordem. Então parecia que esperava ver despontar alguma cousa, que visivelmente a interessava.
Momentos havia em que deixava-se cair par trás, opressa por agitação dorida, a tristeza espelhava-se no olhar, os seios arfavam veementes agitando a fina cassa que os envolvia, e suspiro partido do fundo d’alma expirava-lhe nos lábios.
Chamava-se Alzira.
De súbito o rosto da moça iluminou-se por uma luz interior, ela não pôde reprimir uma expressão de alegria.
A causa de semelhante mudança era um mancebo, que se dirigia para ali, fitando-a com indizível expressão de ternura. Passados alguns instantes achava-se a seu lado.
— Enfim! exclamou a moça procurando vencer a emoção que lhe travara d’alma; tardaste tanto.
O mancebo que chegara tinha na fronte estampado o palor, realçado pelo traje negro que vestia.
— Ingrata! replicou em tom de brando queixume ao passo que seu olhar envolvia Alzira em um raio de amor.
Recriminações apenas chego. Estrela cheia de luz, que me iluminas as trevas do viver, poderia esquecer-te?
E ele não mentia.
Ao avistar Alzira pela primeira vez, parou extático ante tanta formosura e singeleza; num rápido sentimento de atração para com ela adivinhou que ia amá-la.
Esse afeto imenso não nascera ao som vibrante da música, ao clarão dos círios, no turbilhão das valsas, no meio das atavios da multidão.
Esse afeto imenso não se assemelhava àquelas rosas que se expandem belas de viço e frescor por uma rósea manhã de estio, e que à tarde rolam no pó já murchas e sem pétalas. Flor delicada, lançara raízes naquele coração, alimentava-se de esperanças e desvelos; mimosa violeta, desabrochava pura, à sombra do segredo, aromatizando-lhe a existência.
— Perdoa-me, Alberto! As horas iam tão lentas que havia quase desesperado de tua vinda. A incerteza, a dúvida tem-me tornado bem dolorosa a tua separação!
— Sempre a mesma! Sempre cercada desse ambiente balsâmico e fulgente que faz duvidar da tua natureza terrena! Anjo de bondade e consolação, que estendes a tua mão salvadora ao pobre naufrago perdido por noite de inverno, a soçobrar nas vagas. Que tuas palavras são doces! Elas calam-me a ferida do coração a gotejar.
Assim falando o mancebo deixava-se cair ajoelhado aos pés de Alzira, e estreitava brandamente as mãos da donzela entre as suas. Imóvel, naquela posição, Alberto fixava-a embevecido, insensível a tudo que o cercava.
A lua estremecia-lhes na fronte a tíbia luz.
Que intima e suave poesia a transudar daquela cena! Jamais poeta nos loucos devaneios a sonhara tão linda!
Decorreram muito desses momentos que resumem toda uma vida, que não se descrevem, que voam rápidos deixando n’alma um traço luminoso, sem que uma só palavra viesse quebrar-lhes a doce majestade do silencio.
Alzira enrubesceu por fim ante aquele magico enlevo, aquele êxtase sublime que arrebatara o mancebo, e confusa balbuciou:
— Louca que sou! Estes instantes que passão tão suaves vão tornar-me indiferente ao porvir; feliz hoje, o serei amanhã?
Alberto, ao ouvi-la, devorava apaixonado as suas palavras; quando a moça concluiu, porém, uma revolução se havia passado no mancebo; o olhar tornara-se esgazeado, os nobres traços contraíram-se convulsos, o desalento pintou-se-lhe na fronte, que deixou pender sobre o peito. Quis responder, mas a dor que o feria embargou-lhe a voz.
A alma de Alzira assombreou-se, num cruel pressagio, de toda a indecisa tristeza de uma grande desgraça.
— A esperança me houvera mentido? meu pai teria coração para quebrar essa cadeia que me tem presa a ti, para sacrificar sua filha, sua pobre filha, sempre obediente, sempre a lhe prodigalizar carinhos? Ele próprio viria derramar o luto sobre uma vida que começa? Oh! não imaginas quanto sofro.
O pranto veio orvalhar-lhe a face.
Triste, bem triste era a revelação que Alberto tinha a fazer-lhe. Dias de mais dura provança iam raiar para aqueles dous seres, que a natureza ligara pelas harmonias misteriosas do amor.
O fulgor vivo e límpido daquela afeição mutua havia sido embaciado pelo sopro gelado da fatalidade que por cima dele passará.
Mas dizê-lo sem ter desfeito as ilusões que falavam à incauta menina, sem ter desvanecido os formosos sonhos que ferviam-lhe na mente, sem ter dissipado os esplendidos castelos que tantas vezes juntos haviam planejado ao brando luar?! A delicada compleição da moça sucumbiria.
Como predispor aquele animo ingênuo e cheio de fé, como fazê-lo compreender as maravilhosas convenções, as preciosas conveniências que o orgulho do homem inventou na sociedade moderna, nessa sociedade de cifras?
As palavras de Alzira, que ainda soavam sombrias ao ouvido do mancebo, chamaram-no das esferas etéreas em que pairava e lembraram-lhe a vida real, aquela entrevista e os seus espinhos.
Urgia a resposta.
— Quem poderia supô-lo?
— Dizes…. Mas então o destino nos sorri, o céu abençoa este amor que é todo dele, e Alzira tinha a alegria no olhar, o paraíso dentro d’alma. Meu coração não me havia enganado. Como estou contente, e batia uma mãozinha contra a outra. Bom pai, devia aceder aos nossos desejos, aos desejos de seus dous filhos. Oh! juncaremos de flores os seus passos, tornaremos bem alegres os seus dias.
Ela continuou falando, deixando-se levar arrebatada pelas ideias as mais fagueiras.
Entre ela e o mancebo o contraste era completo.
Um sorriso desfolhava-se nos lábios deste, mas era aquele amargo sorriso que traduz aflições e fundas angustias; lágrimas borbulhavam-lhe nos olhos, empanando-lhes o brilho, ao presenciar aquela expansão tão sincera, tão suave, tão cheia de graça infantil.
— Sim, Alzira! disse com voz que desprendia do imo do peito, pausada e lenta, qual o pai que não deseja o bem do anjo que tem por filha? Lembra-te porém, que os anos embranquecendo-lhe os anéis dos cabelos, legaram-lhe a experiência. A vida, ele a encara calmo e impassível, o prisma multicolor dos vinte anos não vem turbar-lhe a vista. A ventura habitando uma mísera choça, onde dous corações batem uníssonos, onde duas almas se confundem?! Irrisão! não vem ela sempre acompanhada com o seu cortejo de sedas e veludos, de joias e ouropéis? A aureola que lhe transluz da fronte, não lhe empresta um diadema cintilante de pedrarias?
— Mas então... murmurou Alzira passando a pequena mão pelos cabelos, que entre eles se perdia, como quem tenta dissipar um sonho horrível.
— O que pretendes pois, e mau grado seu o mancebo misturava o fel da ironia nas palavras, quem tem por única herança um nome sem macula e essa centelha de fogo divino que Deus, em sua infinita bondade, não nega aos desfavorecidos da fortuna?
O mancebo roja-se aos pés do ancião, pede, insta, roga, suplica, a voz é entrecortada por soluços, os olhos marejam lágrimas, o semblante é lívido; que importa.
Quase espectro, quase cadáver, presa de torturas, devorado pelos tormentos, espera pela resposta augusta, sentença soberana que vai decidir de sua vida talvez; mas a vida de um homem que importa!
As suas palavras são sentidas, são eloquentes; os gestos desordenados, o olhar sem tino, a agitação febril, aquela veemência, estão a protestar que tudo aquilo é uma mentira; que importa:
Alberto tinha razão. É inútil tentar comover o pai, que solicito zela da sorte de sua filha, a quem quer fazer rainha pela posição como a natureza a fez pela beleza.
As falas poderão ser muito veementes, muito sonoras, muito angustiadas, muito eloquentes; cuidais que a compaixão vai penetrar-lhe nos arcanos do coração? escutai, que ele vos responde friamente com Hamleto: palavras! palavras! palavras!
O ancião deixa de ser homem para tornar-se estatua, e debalde esforçar-vos-íeis, no auge do desespero, no desvario da dor, no entorpecer da angustia, animá-la ao calor das paixões que vos tumultuam n’alma.
Os Pigmaliões não são do nosso tempo.
Sua filha? essa esquecer-vos-á breve, para só pensar no escolhido por ele.
O amor é como a fênix, enfraquece-se, morre para renascer.
À intensidade de vosso afeto, ele sorrirá de dúvidas; quem acredita no amor de um moço pobre por uma rica herdeira? Não se divisa através dessa máscara o interesse sórdido? A nossa sociedade é assim, os interesses mais nobres, mais puros, mais elevados, deturpam-se, maculam-se a seus olhos. E o que há nisso para causar espanto? Não é ela coerente consigo? O matrimonio não é um contrato como tantos outros, um negócio mais ou menos vantajoso conforme as circunstâncias?...
O mancebo continuou:
— O que era natural que se realizasse, realizou-se. Não deixarei porém de empenhar a luta com o destino; não esmorecerei, não cansarei. Em terras longínquas os fados ser-me-ão vários. Roga aos céus por mim, e tuas preces de anjo se farão ao ouvir. Serei feliz, muito feliz; o coração mo diz.
Ele forçava os lábios a sorrirem enquanto que a alma só tinha prantos.
— Ondas de luz nos banharão, a felicidade nos afagará com as suas brancas azas...
O mancebo interrompeu-se para amparar Alzira que caía desfalecida. Aquela ruim alternativa do sumo prazer à dor mais intensa, havia-lhe exaurido as débeis forças. Ela fizera-se pálida, e tão pálida que o mimoso semblante rivalizava com a lençaria que enfeitava-lhe o colo, os olhos estavam cerrados, os membros enregelados, o coração pulsava apenas. Era a bonina que açoutado pelo cruento norte, que se desencadeia dos cimos da serra, pende murcha para o chão.
Alberto a contemplou com ternura e tristeza.
— Eis a felicidade qual o mundo a compreende! disse com voz tão sumida que parecia articular as palavras com o sopro.
Seus lábios colaram-se aos lábios em flor da donzela.
À esse primeiro beijo de amor, longo e ardente, o jaspe estremeceu, as fôrmas palpitaram, as cores da vida volveram às faces desmaiadas.
Alberto partiu.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois de acalmar a paixão que lhe entumecia o seio, disse-me aquela menina, estendendo o braço alvo e torneado:
— Vê alvejar aquela lapida?
—Flores agrestes a adornam, o chorão plantado à cabeceira verga-se sobre ela, seus ramos delgados e nus de folhagem dir-se-iam fios de lágrimas com que pranteia uma morte prematura.
— É um jazigo.
— Mas que relação tem com o que acaba de narrar-me?
— Não adivinha?... O mármore encerra o epilogo dessa pequena história. A crisálide, em sua metamorfose, abandonou o involucro que a abafava, criou azas e adejou às infindas.
— Alzira é morta?
— Di-lo a simples inscrição ali gravada.
Emudecemos. Em seguida aventurei:
— E Alberto?
— Dele não há notícias.
— Que triste noivado o seu! Aquele corpo que deve prezar tanto, não poderá aquecê-lo ao fogo de suas lágrimas, aos seus fervidos beijos, não poderá despertá-lo ao som plangente de suas vozes; quedo e frio permanecerá. A mística coroa substituir-lhe-á para sempre a capela de flores brancas na fronte, as vestes virginais serão a mortalha, o leito nupcial um sepulcro.
— Crê na sua volta? Não a julgo possível.
— Então sabe o que lhe sucedeu? disse vivamente.
— Sei que há seres que se completam, se identificam, se unem, se carecem; para esses há um só pensamento, bate-lhes um só coração, vivem de uma só vida. As serras, os mares, as distancias não podem separá-los; a natureza os há vinculado por harmonias ocultas, um fluido misterioso os conserva em doce convivência, o presságio está a entretê-los do objeto amado. Luzes e sombras eles as partilham com igualdade; quando um se parte o outro não lhe sobrevive. Acredite-me! Alzira e Alberto estão juntos. Aquele amor puro e santo de mais para a terra, viceja e completa-se no imenso seio da eternidade!
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Cumpri o juramento.
Reli o que deixo escrito, e o meu pensamento avocou do passado aquela tarde amena.
A minha gentil companheira apoiava-se indolente sobre o meu braço, fitava o infinito; uma madeixa de seus cabelos, impregnada de aromas, levado pela aragem, brincava-me na fronte.
Que diferença!
O estilo poderá dar-lhe as palavras, mas aquela voz de suave magia, aquele rosto em que se pintavam brilhantes os sentimentos, aquela alma a trasvasar de emoções?!
Tudo parecia animar-se, respirar e viver.
Este quadro em morte-cor tenha um colorido vivo e fulgente.
Ouso apenas dizer que o que vos ofereço, leitor, é um reflexo descorado do que escutava ansioso; flor cheia de frescura e fragrâncias, ressecou-se e desfolhou-se ao contato de minha mão.
José Nicolau Vergueiro.
Ela Á