LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
“A monja”, de Sóror Amélia
Edição de referência:
Jornal das Famílias. Tomo 3, fevereiro de 1865, pp. 52-54.
Sou moça e diz-me o espelho que sou bela, e bela chamam-me as minhas companheiras de infortúnio.
Bela e moça, e na primavera da vida, e no viço da beleza, e ao desabrochar do coração, cinge-me o corpo o burel de monja, e condenam-me a passar a existência entre as paredes negras e solitárias do claustro!
E o coração me bate com força, e sinto em meio da penitência e dos cilícios, em meio do murmurar das preces e do ressoar do órgão essa ansiedade indefinível, essa aspiração ao gozo, essa sede de vida, que não m’a pode dar o claustro.
E quanta vez, quando as negras fileiras das monjas entoam cânticos harmoniosos, que de envolta com o incenso se elevam ao céu; quanta vez, assistindo aos mais augustos mistérios da religião santa, que foi firmada com o sangue da vítima divina, e prostrada ante as lajes frias do templo, não se ausenta o meu espirito e não percorre os espaços d’esse mundo, que entrevi apenas, e d’onde tão desumanamente me desterraram!
Oh! como felizes devem ser aqueles que podem aspirar o perfume das flores, ao ar livre, sob o céu de Deus, sem que lh’o impeçam e embaracem as altas e grossas muralhas que circulam o claustro?
Como invejo a vida do camponês, que descortina por entre as grades da minha cela, que passa o dia ao sol ardente do estio, e volta à noite à choupana em que o espera a meiga e amante companheira de sua vida!
Monja! Ai de mim! E lanço os olhos para o futuro e só vejo a monotonia do claustro, e só descortino o salmear das orações, o passeio solitário por sob as longas e sombrias arcadas, o silencio dos lábio, o palpitar violento do coração, tão cedo crestado, tão bruscamente sufocado!
Monja! E na primavera da vida, e ao desabrochar do coração, sinto a mortalha a me cingir os membros, o cilício a me apertar o corpo, e a vida tão triste como noite de finados ao cair violento da lousa!
Como longas me são as noites não dormidas, devorada pela febre, a passear pela cela estreita, ou a devorar, em segredo, as lagrimas que me molham o travesseiro!
Monja! Era eu bem criança, a doudejar nos campos, a aquecer-me aos raios do sol, a correr após a borboleta, e a colher as flores embalsamadas que pendiam das pedras....
Era ainda bem criança e descuidosa gozava a vida, como a bonina do prado o orvalho da manhã.
E um dia disseram-me: - Deves ser monja; e trouxeram-me para aqui, e os gonzos gemeram pesados, a porta fechou-se; então despiram-me as roupas brancas de criança, vestiram-me as roupas negras de monja, proferiram não sei que palavras, rezaram não sei que rezas, fizeram-me cair no chão as louras tranças de meus cabelos, o órgão ressoou melancólico pelas abobadas do templo, o pontífice pediu para mim a benção do céu, senti o apertar convulsivo de minha mãe que soluçava, e depois disseram-me:
— És monja!
E quem lhes deu a eles o direito de assim me sepultarem em vida! Quem lhes deu o direito de me arrancarem ao mundo, de me sufocarem o grito do coração!
Ah! Que o não sufocarão, não, que violenta me ruge dentro a tempestade, e tristes, como a solidão d’estas paredes, são os dias a que me condenaram, entregue ás lagrimas do desespero, que caem ardentes de meus olhos abrasados.
Mas sou monja, e o coração que se cale, e as lagrimas que sequem, e os lábios que emudeçam ou murmurem preces; mas quem me tirará d’aqui do peito o desalento e o desespero?
Quem me serenará a tempestade d’alma, quem me restituirá a calma e a tranquilidade?
Como sois felizes, vós que aí viveis ao ar livre, ao sol de Deus, em meio das flores, e sem que as altas e lúgubres muralhas do claustro vos embaracem ao passos! E eu! Monja! Na primavera da vida, no viço da beleza, ao desabrochar das flores do coração, quando ardente sinto o sangue a me girar nas veias, vejo a mortalha me cingir os membros, o cilício me apertar o corpo, e sinto a vida triste como noite de finados ao cair violento da lousa!
Sóror Amélia