Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Losango cáqui ou afetos militares de mistura com os porquês de eu saber Alemão, de Mário de Andrade


Edição de Referência:

Losango Cáqui. São Paulo: Livraria Martins, 1966.

a Anita Malfatti

 

ÍNDICE

Advertência

I

II

III

IV

V

VI

VII

VIII

IX

X

XI

XII

XIII

XIV

XV

XVI

XVII

XVIII

XIX

XX

XXI

XXII

XXIII

XXIV

XXV

XXVI

XXVII

XXVIII

XXIX

XXX

XXXI

XXXII

XXXIII

XXXIII (*)

XXXIV

XXXV

XXXVI

XXXVII

XXXVIII

XXXIX

XL

XLI

XLII

XLIII

XLIV

XLV

 

ADVERTÊNCIA

Me resolvo a publicar este livro assim como foi composto em 1922. É um diário de três meses a que ajuntei uns poucos trechos de outras épocas que o completam e esclarecem. Sensações, ideias, alucinações, brincadeiras, liricamente anotadas. Raro tive a intenção de poema quando escrevi os versos sem título deste livro.

Aliás o que mais me perturba nesta feição artística a que me levaram minhas opiniões estéticas é que todo lirismo realizado conforme tal orientação se torna poesia-de-circunstância. E se restringe por isso a uma existência pessoal por demais. Lhe falta aquela característica de universalidade que deve ser um dos principais aspectos da obra-de-arte. Vivo parafusando, repensando e hesito em chamar estas poesias de poesias. Prefiro antes apresentá-las como anotações líricas de momentos de vida e movimentos subconscientes aonde vai com gosto o meu sentimento possivelmente pau-brasil e romântico.

Hoje estou convencido que a Poesia não pode ficar nisso. Tem de ir além. Prá que aléns não sei não e a gente nunca deve querer passar adiante de si mesmo.

Porém peço que este livro seja tomado como pergunta, não como solução que eu acredite siquer momentânea. A existência admirável que levo consagrei-a toda a procurar. Deus queira que não ache nunca... Porque seria então o descanso em vida, parar mais detestável que a morte. Minhas obras todas na significação verdadeira delas eu as mostro nem mesmo como soluções possíveis e transitórias. São procuras. Consagram e perpetuam esta inquietação gostosa de procurar. Eis o que é, o que imagino será toda a minha obra: uma curiosidade em via de satisfação.

Rapazes, não confundam a calma destas linhas preparatórias com a melancolia comum. Não tem melancolia aqui. Sou feliz. Estou convencido que cumpro o destino que deviam ter meu corpo em sua transformação, minha alma em sua finalidade.

E passo bem, muito obrigado.

M. de A.

S. Paulo, 1924

I

Meu coração estrala.

Esse lugar-comum inesperado: Amor.

        Na trajetória rápida do bonde...

            De Sant’Ana à cidade.

               Da Terra à Lua

                   Júlio Verne

               Atravessei o núcleo dum cometa?

 Me sinto vestido de luzes estranhas

 E da inquietação fulgurante da felicidade.

Aqueles olhos matinais sem nuvens...

Meu coração estrala.

No entanto dia intenso apertado.

Fui buscar minha farda.

Choveu.

Visita espanto

Discussões estéticas.

Automóvel confidencial.

Os cariocas perderam o matche.

Eta paulistas!

Mas aqueles olhos matinais sem nuvens...

Meu refrão!

E penso nela, unicamente penso em mim.

Amo todos os amores de S. Paulo... do Brasil.

Eu sou a Fama de cem bocas

Prá beijar todas as mulheres do mundo!

Hoje é Suburra nos meus braços abraços frementes amor!

Minha Loucura, acalma-te.

...Muitos dias de exercidos militares...

 Previsões tenebrosas...

 Revoluções futuras...

Perspectiva de escravo cáqui, pardacento, fardacento...

Meu coração estrala.

Amor!...

 

MÁQUINA-DE-ESCREVER

II

B D G Z, Reminton.

Prá todas as cartas da gente.

Eco mecânico

De sentimentos rápidos batidos.

Pressa, muita pressa.

Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano.

Isso também entra na poesia

Por que ele não tinha dinheiro prá comprar outra.

Igualdade maquinal,

Amor ódio tristeza...

E os sorrisos da ironia

Prá todas as cartas da gente...

Os malévolos e os presidentes da Republica

Escrevendo com a mesma letra...

                          Igualdade

                   Liberdade

           Fraternité, point.

Unificação de todas as mãos...

Todos os amores

Começando por uns AA que se parecem...

O marido que engana a mulher,

A mulher que engana o marido,

Os amantes os filhos os namorados...

“Pêsames”.

“Situação difícil.

Querido amigo... (E os 50 mil-réis.)

                   Subscrevo-me

Adm”.

obg.”

           E a assinatura manuscrita.

Trique... Estrago!

Ê na letra O.

Privação de espantos

Prá s almas especulas diante da vida!

Todas as ânsias perturbadas!

Não poder contar meu êxtase

Diante dos teus cabelos fogaréu!

A interjeição saiu com o ponto fora de lugar!

Minha comoção

Se esqueceu de bater o retrocesso.

Ficou um fio

Tal e qual uma lágrima que cai

E o ponto final depois da lágrima.

Porém não tive lágrimas, fiz “Oh!”

Diante dos teus cabelos fogaréu.

A máquina mentiu!

Sabes que sou muito alegre

E gosto de beijar teus olhos matinais.

Até quarta, heim,ll.

Bato dois LL minúsculos.

E a assinatura manuscrita.

 

III

— Mário de Andrade!

— Ah...

Me lembrava daquela cara olhos cabelos,

Daquelas mãos um dia cheias de amizades prá mim...

No entanto era um desconhecido.

— Faz tantos anos, Mário...

— Meia-dúzia, foi em 1916.

— Tive notícias de você... Pelos jornais. Tenho seguido.

— Ahn ...

— Você mudou bastante.

— Estou mais forte.

— Os insultos foram por demais...

— Um pouco... Mas, você?

— Ora eu... Mas não acreditei, Mário de Andrade.

— E as manobras no Rio, se lembra!... Bom tempinho!

— Nosso tempo...

E quis me cercar daqueles braços caídos!...

Então, falando muito baixo prá mim mesmo,

Veríamos juntos si estou certo no que sou...

NO ENTANTO ERA UM DESCONHECIDO.

Convidou:

— Sigo prá Caçapava.

— Não pede transferência? É requerer do general. Eu fico aqui.

Me olhou rápido como envergonhado de procurar alguém.

Depois poisou o olhar nos horizontes curtos da rua Conselheiro Crispiniano.

Depois deixou ele cair nas mãos encardidas pela companhia das sombras burocráticas.

Depois me fitou. Fixamente.

— Não. Vou prá Caçapava. Adeus, Mário de Andrade.

— Passe bem.

Que alívio!

Detesto os mortos que voltam.

São tão mais nossas as imagens!

IV

Soldado-raso da República.

Quarto batalhão de Caçadores aquartelado em Sant’Ana.

                                                            Rogai por nós!

                                                     Valha-me Deus!

                   Todo vibro de ignorâncias militares.

               ... O calcanhar direito se levanta,

               Corpo inclinado prá frente...

        A marcha rompe.

Marcha, soldado,

Cabeça de papel,

Soldado relaxado

Vai preso pro quartel...

 

V

“Escola! Sen...tido!”

        E a manhã

           Noiva

Invernal

umedecida,

Nevoas

Ventos

Gotas de água,

        Se desenrola que nem novelo de fofa lã.

                                          Que frio!...

        Quatro carreiras de menhires humanos.

IMOBILIDADE ABSOLUTA.

Porém as almas tremem retransidas.

— “Cabeças levantadas! Ninguém se mexa!”

E a neblina envereda ver garças batendo asas brancas

Pelos alinhamentos de Carnac.

 

VI

Queda pedrenta da ladeira.

Calcei botinas de febre.

Meus pés são duas sarças ardentes.

           Queima-se o bruxo!

                          Inquisição!

Topada,

Turtuveio,

Desfaleço...

                   ... um-dois, um-dois...

Mário, coragem!

Tão atrás dos companheiros... Avance!

Olhe à direita o alinhamento.

E continuo: um-dois, um-dois...

Mas como eu marcharia,

                          Taratá!

                       Bandeiras

               Centenário

           Exposição Universal

        Torre-das-Joias dos meus beijos,

Si ela fosse soldado!

Si marchasse a meu lado

Com a sarça ardente dos cabelos

Labaredando sob o quépi...

Que linda então a barulheira dos tacões

Batendo macanudos no chão:

                          UM-DOIS, UM-DOIS...

E nem marcha!

Desembestava maluco por essas pedras queridas,

Si ela fosse meu rancho,

Si ela fosse meu soldo!

                                                                Meu amor...

Mário, cuidado, se alinhe!

Tão na frente dos companheiros...

Contenha esse ardor patriótico,

Essa baita paixão pelo Brasil!

 

VII

Que sono!

Todo dia,

Quatro e meia,

Madrugada...

               Tácito hoje não veio.

               Que seria?

        Inquietação.

A neblina se senta a meu lado bonde.

Estou doente.

RUA DOS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA.

 

VIII

— “Escola! Alto!”

               Pararraáaaa...

— “Não prestou! Escola!...”

Escola prá quem, tenente?

        O poeta vai na escola...

Vai soletrar marchas altos esporas...

O apito mandachuva chicoteia o lombo dele.

O tenente é um cow-boy da Paramount.

O potro corcoveia

           Prisca,

Relinchos surdos,

Tine tiririca esporeado no orgulho,

Mas parou porque o cow-boy fê-lo parar.

A fita continua.

E Pauliceia em frente

Recostada espigão do horizonte

Aplaude o domador doiradamente

Batendo a mão do Sol na mão da Terra.

 

IX

Careço de marchar cabeça levantada

Olhar altivo prá frente...

Mas eu queria olhar à esquerda...

                              Bonita casa colonial

                              Cheinha mesmo de paisagem!

— “Olhar altivo prá frente!”

O meu tenente

Não aprecia as casas coloniais.

Porém o meu olhar blefa o tenente.

Olhou altivo prá frente

E batendo no quépi do soldado da frente

Fez esquerda-volver

E meigamente espiou a casa colonial.

 

X

TABATINGUERA

Mas a taba cresceu... Tigueras agressivas,

Prá trás! Agora o asfalto anda em Tabatinguera.

Mal se esgueira um pajé entre locomotivas

E o forde assusta os manes lentos do Anhanguera.

Anhanga fantasmal, feito de tabatinga

Guincha, entrou pelo chão como o Anhangabaú.

E a alvura se tornou cimento-armado, é cinza,

Tinge a garoa Borba Gato Engaguassu...

Nada de ajuntamento! Os polícias dirigem

O “Circulez”. Meu Deus! É a marquesa de Santos!

Está pálida... O olhar fuzilando coragem

Faísca da cadeirinha atapetada de anjos.

Segue prá forca da Tabatinguera. Lento

O cortejo acompanha a rubra cadeirinha

Pro Ipiranga. Será que em tão pequeno assento

A marquesa botou sua imperial bundinha!...

 

XI

O sargento com esses acelerados

No campo de futebol...

Que avançadas vencedoras de paulistas

Contra uruguaios fugitivos invisíveis...

Vencemos facilmente.

Como sempre...

E o descanso feliz.

Gosto de mim esta manhã.

Minhas narinas esvoaçam,

Me levam os olhos prá festa do longe.

Boca trêmula de gostoso sorrir.

E chupo a taça da aurora

Cujo vinho é mais cor-de-rosa

Que um rubai de Omar Khayam.

 

XII

Aquele bonde...

Sensação primavera de jardim.

Aleias regulares francesas coroadas de rosas,

Chiados de insetos de metálicas asas,

Cheiro claro esgarçado rosado de rosas abertas,

De rosas nos ares na grama nos caminhos,

Milhares de rosas nos ares na grama nos caminhos,

De rosas se rindo...

                           Vontade de amar!...

No entanto é já bem corriqueira

Esta comparação de flores e mulheres.

 

XIII

Seis horas lá em S. Bento.

Os lampiões fecham os olhos de repente

A voz de comando do sino.

A madrugada imensamente escura

Abafa as arquiteturas da praça.

E a estátua de Verdi também, graças a Deus!

Mãos nos bolsos

Grupinhos entanguidos

Encafuados nas socavas dos andaimes

Os reservistas que nem malfeitores.

                                      Dlem! Dlem!...

                                      “SANTANA”

           Vem vindo a procissão com tocheiros e luzes.

E principia o assalto sem vozes.

                   Anticlericais!

               Fora estandartes andores!

           Desaparecem os padres da noite.

        As filhas-de-Maria das neblinas

        Espavoridas pelo Anhangabaú...

Assaltantes equilibrados nos estribos.

Estilhaço me fere nos olhos o sangue da aurora.

Risadas.

               Chamados.

                                  Cigarros acesos.

Incêndio!

               Extermínio!

                                      Vitória completa...

Faz frio de geada esta manhã...

A gente se encosta nos outros, pedindo uma esmolinha de calor.

E o bonde abala sapateando nos trilhos

Em busca das casernas sinistras cor-de-chumbo.

 

XIV

O “ALTO"

Tudo esquecido na cerração.

... um-dois, um-dois, um-dois, um-dois, um-dois,

um-dois, um-dois, um-dois

                          ÁRVORE

um-dois, um-dois, um-dois, um-dois,

um-dois

        ÁRVORE

               um-dois, um-dois, um-

                                      ÁRVORE

                                             dois,

um-dois, um-dois, um-dois, um-dois, um-dois

        PRIMEIRO APITO um-dois,

                       um-dois,

                              um:

                                      — prraá.

— Cutuba!

 

XV

Abro tua porta inda todo úmido do orvalho da manhã.

Estávamos tão bonitos hoje...

Os filhos dos fazendeiros

Os filhos dos italianos...

Tinha também alguns com a pele morena por demais

Como deve ser ridículo um negro passeando em Versalhes!

Detestável Paris!

Porém nós fazíamos a mesma raça,

Grande gente nova sem ódios,

Povo de trabalho e de aventura...

Novo-Continente, novo centro do mundo!...

Então vim, prá que me visses de farda.

Preguiçosa!

A estas horas amante de soldado já esqueceu o toucador!

Teus beijos serelepes novo orvalho sobre mim.

Teus olhos palpitantes e risadas

As tuas palmas infantis...

Me entristeci.

Vejo no espelho a medalha dos teus cabelos no meu peito.

O bonde grita engasgado nos trilhos da esquina.

Não ficarei.

Quando a primeira vez apareci fardado,

Duas lágrimas ariscas nos olhos de minha mãe...

 

XVI

Conversavam

Serenos pacholas fortes.

               Que planos estratégicos...

                          Balística.

                                  Tenentes.

                                          Um galão.

                                             Dois galões.

                          A galinhada!

               Apito em grãos de milho no ar.

Escola prá um! Escola prá todos!

Mande, tenente!

Meus braços minhas pernas olhos

Apite que eles obedecerão!

Mas porém da caserna dum corpo que eu sei

Sai o exército desordenado meu sublime...

Assombrações

                          Tristezas

                                      Pecados

                                             Versos-livres

                                                            Sarcasmos...

E o universo inteirinho em continência!

... Vai passando

No seu cavalo alazão

O marechal das tropas desvairadas

Do país de Mim-Mesmo...

 

XVII

    Mário de Andrade, intransigente pacifista, internacionalista amador, comunica aos camaradas que bem contra-vontade, apesar da simpatia dele por todos os homens da Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é atualmente soldado da República, defensor interino do Brasil.

E marcho tempestuoso noturno.

Minha alma cidade das greves sangrentas,

Inferno fogo INFERNO em meu peito,

Insolências blasfêmias bocagens na língua.

Meus olhos navalhando a vida detestada.

A vista renasce na manhã bonita.

Pauliceia lá em baixo epiderme áspera

Ambarizada pelo Sol vigoroso,

Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas,

Fumaça bandeirinha.

Torres.

Cheiros.

Barulhos E fábricas...

Naquela casa mora,

Mora, ponhamos: Guaraciaba...

A dos cabelos fogaréu!...

Os bondes meus amigos íntimos

Que diariamente me acompanham pro trabalho...

Minha casa...

Tudo caído de novo!

           É tão grande a manhã!

        É tão bom respirar!

É tão gostoso gostar da vida!...

A própria dor é uma felicidade!

 

XVIII

Cabo Alceu é um manguari guassu

Com espinhas de todas as cores na cara,

Talqualmente uma coleção de turmalinas.

Acredita nas energias sem delicadeza

E nas graças vagamente eruditas.

— “Na minha esquadra ninguém se mexe. La donna é immobile!”

 

XIX

Marchamos certos em reta prá frente.

Asa especula freme vagueia a luz do Sol.

Faça do seu espírito na marcha de soldado,

Das suas sensações um voo de andorinha.

 

XX

Cadência ondulada suave regular.

Névoa grossa pesada que nem som de trompa longe.

O Sol colhe algodão nas praias do Tietê.

...um-dois, um-dois.

                   NA REDE.

A cadência me embalança.

Que gostosura!

Ela devia estar aqui

Com os seus cabelos...

 

XXI

A MENINA E A CANTIGA

... trarilarára... traríla...

    A meninota esganiçada magriça com a saia voejando por cima dos joelhos em nó vinha meia dançando cantando no crepúsculo escuro. Batia compasso com a varinha na poeira da calçada.

... trarilarára... traríla...

    De repente voltou-se prá negra velha que vinha trôpega atrás, enorme trouxa de roupas na cabeça:

— Qué mi dá, vó?

— Naão.

... trarilarára... traríla...

 

XXII

A manhã roda macia a meu lado

Entre arranha-céus de luz

Construídos pelo milhor engenheiro da Terra.

Como ele deixou longe as renascenças do snr. dr. Ramos de Azevedo!

De que valem a Escola Normal o Théâtre Municipal de l’Opéra

E o sinuoso edifício dos Correios-e-Telégrafos

Com aquele relógio-diadema made inexpressively?

Na Pauliceia desvairada das minhas sensações

O Sol é o snr. engenheiro oficial.

 

XXIII

De nada vale inteligência.

Tempo perdido odiar os que devia odiar.

Saudei-o muito sorrindo.

Amor cantou por minha continência...

Ele no entanto foi mesquinho.

                       Na Semana de Arte Moderna teve um número de programa que quase ninguém viu:

                       “A REVELAÇÃO DOS TAMANDUÁS”.

Saudei-o muito sorrindo...

E nem é influência do clima.

Está quente.

Vai chover.

Nuvens danadas.

E cansaço faz calor dentro de mim.

Saudei-o muito sorrindo...

Meu Deus, perdoai-me!

Creio bem que amo os homens por amor dos homens!

Não escreveria mais “Ode ao Burguês”

Nem muitos outros versos de “Pauliceia Desvairada”.

Tenho todo um Mapa-múndi de estados-de-alma. “Pauliceia”, passagem do Equador...

Fazia frio no Parnasianismo...

Ara! prá quê voltar nas paisagens de dantes!

                              Dez quilômetros...

                       Quatro quilômetros...

               Treze quilômetros...

O trem continua rápido.

Para em cada estação.

Me penteio no espelho.

— Você mudou bastante.

— Estou mais forte.

NO ENTANTO ERA DESCONHECIDO. Desço.

Mas o sargento apita.

                       Aviso.

Torna a apitar.

                   Subo de novo.

Trem em marcha...

Onde irá dar a mobilização da vida!

 

XXIV

A ESCRIVANINHA

Meu pai com seu nariz judeu...

Eu vivia quase sem ruído.

Dumas Terrail Zola escondidos,

Si ele souber... Meu pai? Meu Deus?

Duas pessoas num só terror.

Meus quatorze anos sorrateiros:

Leituras pobres, vícios feios,

Quanto passado sem valor!

Eu não vivi no meu país.

Zola Terrail Dumas franceses...

Que gramáticas portuguesas

Pro miserável de Paris!

Depois a Vida me ensinou

A vida. Meu pai morreu.

Quando órfão me vi, chora-chorando,

Minha miséria se acabou.

Anjo-da-Guarda, Solidão!

Zola voltou prá escrivaninha

De meu pai. Que grandeza estranha

Pôs esse gesto em minha mão?...

           Não sei.

 

XXV

Sou o “base”.

Primeiro homem da 4.a Companhia.

Primeiro homem de S. Paulo!

Ela devia estar aqui

Com o seu “bom-dia”...

Tem dois soldados inda mais compridos que eu.

E a bizarria?

E a nitidez dos gestos militares?

Finalmente o sargento compreendeu que eu era o Exemplo,

Me deu o lugar supremo!

Sou o generalíssimo das tropas de terra-e-mar da humanidade!

Ela devia estar aqui

Com a sua vaidade.

Tu em mim são ângulos, retas.

Maquinismo inflexível.

        Corpo metrônomo,

               Allegro ma non troppo.

                       Abaixo as músicas românticas!

               Sou uma fuga de João Sebastião Bach!

Porém os pés sarcásticos satíricos

Grita-gritam riso fino de picadas.

Cobras,

Espinhos,

Dores,

Cacos no caminho.

Calcei botinas de febre!

Lamentações humilhações físicas insuportáveis!

Meus pobres pés martirizados!

Ah, os bálsamos deliciosos refrigerantes!

Perfumes raríssimos bíblicos!

Madalenas de mãos finas lentas imperiais!

Ela devia estar aqui

Com as suas mãos lentas...

 

XXVI

— “Escola, olhe essa palestra!”

                       — Olhe o Paulistano

 

XXVII

A MENINA E A CABRA

A menina peleja prá puxar a cabra

Que toda se espaventa escorregando no asfalto

Entre as campainhadas dos bondes

E a velocidade poenta dos automóveis.

... Todo um rebanho de cabra...

As cabras pastam o capim do meio-dia...

E na solidão morta da serra

Nem um toque só de buzina.

Cachorro feio de olhos grandes entocaiados nos pelos.

Junto das pedras movidas pelas lagartixas,

Aonde o Solão chapinha na água agitada

Afinca os dentes no queijo doirado

Lícias, pastor.

 

XXVIII

FLAMINGO

Rígido a levantar no blau a flama rósea,

Flamingo... Além na sombra o mistério de Flandres...

Sinos de coros polifônicos se expandem

Em cinza em amplidão nítida e crua ardósia.

Quimera viva! Vlan! Lança pelo infinito

O bico em curva e o voo arca sobre o deserto.

Desce no areai. Heraldo o alto perfil inquieto

Real... E a ridiculez do passo de Carlito.

Passam autos. Mulheres vão e vêm. Dengosa

A tarde grande bate as asas do flamingo.

Marés-altas de luxo. E o Flamengo domingo

Abre nos céus o que não tem no Rio: rosas!...

 

XXIX

Enfim no bonde prá casa.

O coronel não gostou do alinhamento das armas.

Sargento Vitoriano ordenou dez minutos de acelerado.

No entanto era tão moço o nosso desalinho...

        Sou brasileiro ou alemão?

                                  Imperialismo...

                   Na certa que Dom Pedro II

Havia de se rir do nosso desalinho...

O bonde nada no Tietê.

Havia nas manhãs cheias de Sol do entusiasmo

As monções da ambição...

Gigânteas vitórias...

        Ninguém se amolava com o alinhamento das armas!

Ninguém mandava acelerados!

E nas madrugadas bonitas

Do ouro da luz mexendo na neblina

As bandeiras e as monções enveredavam prá aventura!...

Porém o hoje das turmalinas falsas baratíssimas!

Vida besta infame odiada!

Eu trago a raiva engatilhada...

   

 

XXX 

JOROBABEL

Um choro aberto sobre o universo desaba

A badalar... Um choro aberto sobre a Terra

Em bandos de ais... Guaiar profético se expande...

Anda franco no mundo o agoiro da miséria...

Job abúlico baba o fel que o devora... Hirta

A multidão que desapareceu Abel...

Um choro... E a vida excessivamente infinita!...

Clamor! Ninguém se entende! Um Deus não vem!... Babel!...

Babel! Um choro aberto sobre a confusão

Das raças! Babel! Os sinos em arremessos

Bélicos! Badalar dos sinos! Multidão

Hirta! Jerusalém incendiada... Rebate!

Babel! Jerusalém! Jorobabel! Babel!

Batem os bronzes bimbalhando! Pobre Job

Sem ouro, multidão devora e baba o fel!...

Um choro aberto de entes misérrimos...

 

XXXI

CABO MACHADO

Cabo Machado é cor de jambo,

Pequenino que nem todo brasileiro que se preza.

Cabo Machado é moço bem bonito.

É como si a madrugada andasse na minha frente.

Entreabre a boca encarnada num sorriso perpétuo

Adonde alumia o Sol de oiro dos dentes

Obturados com um luxo oriental.

Cabo Machado marchando

É muito pouco marcial.

Cabo Machado é dançarino, sincopado,

Marcha vem-cá-mulata.

Cabo Machado traz a cabeça levantada

Olhar dengoso pros lados.

Segue todo rico de joias olhares quebrados

Que se enrabicharam pelo posto dele

E pela cor-de-jambo.

Cabo Machado é delicado gentil.

Educação francesa mesureira.

Cabo Machado é doce que nem mel

E polido que nem manga-rosa.

Cabo Machado é bem o representante duma terra

Cuja Constituição proíbe as guerras de conquista

E recomenda cuidadosamente o arbitramento.

Só não bulam com ele!

Mais amor menos confiança!

Cabo Machado toma um jeito de rasteira...

Mas traz unhas bem tratadas

Mãos transparentes frias,

Não rejeita o bom-tom do pó-de-arroz.

Se vê bem que prefere o arbitramento.

E tudo acaba em dança!

Por isso cabo Machado anda maxixe.

Cabo Machado... bandeira nacional!

 

XXXII

AS MOÇAS

Cinco ou seis...

E me senti mais só no meio delas.

Rostos de luas coloridas,

Conversas fiadas de mulheres...

Mas a cidade continua...

           PALMA DE MÃO...

        E li nas linhas ruas

        O destino daquela mocidade.

— É fatal: deixai-me a rir

 E sorrindo parti!

Ela se fechará prá vos prender.

Antes se rir.

Vamos! mais rouge riso pros lábios,

Os sapatinhos de verniz,

Sedas e coração!

E é aguentar o cinema quotidiano!

Cow-boys predestinados

Raptos elétricos...

    E tudo acaba mal.

Sofrei!

... A própria dor é uma felicidade.

E ei-las partindo.

Longe de mim.

                   Voo de moças!

           Voo de moscas assustadas...

    E vão se debater ansiosas na vidraça...

E A MÃO QUE AS VAI PEGAR!

E fiquei a me rir...

Rindo das moças,

das moscas,

da vida...

           das lágrimas nos olhos pequeninos.

XXXIII

“Prazeres e dores prendem a alma no corpo como com um prego. Tomam-na corporal... Consequentemente é impossível prá ela chegar pura nos Infernos.”

PLATÃO

Meu gozo profundo ante a manhã Sol

                       A vida carnaval...

                   Amigos

               Amores

        Risadas

Os piás imigrantes me rodeiam pedindo retratinhos de artistas de cinema, desses que vêm nos maços de cigarros.

Me sinto a Assunção de Murillo!

Já estou livre da dor...

Mas todo vibro da alegria de viver.

Eis porque minha alma inda é impura.

 

XXXIII bis (*)

PLATÃO

Platão! por te seguir como eu quisera

Da alegria da dor me libertando

Ser puro, igual aos deuses que a Quimera

Andou além da vida arquitetando!

Mas como não gozar alegre quando

Brilha esta alva manhã de primavera

— Mulher sensual que junto a mim passando

Meu desejo de gozos exaspera!

A vida é bela! Inúteis as teorias!

Mil vezes a nudeza em que resplendo

A clâmide da ciência, austera e calma!

E caminho entre aromas e harmonias

Amaldiçoando os sábios, bendizendo

A divina impureza de minha alma.

 

XXXIV

LOUVAÇÃO DA EMBOABA TORDILHA

Eu irei na Inglaterra

E direi prá todas as moças da Inglaterra

Que não careço delas

Porque te possuo.

Irei na Itália

E direi prá todas as moças da Itália

Que não careço delas

Porque te possuo.

Irei nos Estados-Unidos

E direi prá todas as moças dos Estados-Unidos

Que não tenho nada com elas

Porque te possuo.

Depois irei na Espanha e direi prá todas as ninas da Espanha

Que não tenho nada com elas porque te possuo

(etc.)

Quando voltar pro Brasil

Te mostrarei a irmã dos teus cabelos,

Minha constância triunfante.

Será bonito enxergar as irmãs abraçadas na rua!

E inda terei de ir numa terra que eu sei...

Mas não será prá lhe gritar minha felicidade fanfarrã...

Será numa comovida silenciosa romaria

De amor, de reconhecimento.

 

XXXV

“Meu coração estrala”...

Que imagem sem verdade.

...Porém não tive ideia de mentir...

Foram os nervos, a alma?

Que quer dizer estralo!

Nem ao menos sou padre Vieira...

Oh dicionário pequitito!...

 

XXXVI

Como sempre, escondi minha paixão.

Ninguém soube do primeiro beijo que te dei.

Ninguém não é a inteira verdade

Mas são tão relativos os desconhecidos...

           S. Paulo é já uma grande capital.

Não porque tenha milhares de habitantes

Porém a curiosidade já não passa mais dos olhos prás línguas.

        E quanto é mais intenso amar sem comentários!

Mas eu sonho que vai agarradinha no meu braço

Numa rua toda cheia de amigos, de soldados, conhecidos...

 

XXXVII

Te gozo!...

E bem humanamente, rapazmente.

Mas agora esta insistência em fazer versos sobre ti...

 

XXXVIII

Manhã veraneja, manhã que dá sustância,

Toda lisa sem nuvens

                       Sem cuidados

                                  cansaços...

Adiante o morro sacode o ombro indiferente.

                   Curiosidade de viver!

Cadência bem batida, regular.

Porém o sargento embirrou com o alinhamento das armas.

— “Alinhem essas armas, senhores!”

O sargento ignora a influência do sangue latino.

                                      Impaciência.

                              Mocidade.

                       Verso-livre...

               Alegria grita em mim.

               Curiosidade de viver!

— “Senhores, as armas!"

               ... e os barões assinalados

Que da ocidental praia lusitana...

Marco a cadência com versos de Camões.

Ineses fugitivas nas janelas e portas.

Amo todas as moças brancaranas ou louras

E a manhã despenteando nos telhados seus cabelos fogaréu...

Curiosidade do viver!

Sargento Vitoriano,

Sapeque o seu jamegão latino

Nesta desalinhada Companhia brasileira!

 

XXXIX

PARADA

(7 de Setembro de 1922)

— “Colunas de pelotões por quatro!”

O DESFILE PRINCIPIA.

O refle rombudo da soldadesca marchando

Mansamente se embainha na Avenida.

— “Olhe a conversão!”

                   Conversão de S. Paulo...

Todos convergem prá esquerda.

Lá está Bilac estreando a fatiota de bronze.

Pátria latejo em ti...

           Meu Brasilzinho do coração!

    A alma da gente drapeja no espaço cinzento.

Os mil milhões de rosas paulistanas.

Moça bonita!

Muitas moças.

Conhecidos.

— “Troque o passo!”

Gi, Taco, Maria, que lindo os três!

Maquinas cinematográficas.

                          My Boy.

               Não posso me rir.

Olhar altivo prá frente...

Na minha frente

O cabo mais descabido deste mundo.

Rua Augusta curiosa.

Todas as ruas transversais espiando curiosas

Trepadas em trincheiras de automóveis.

Sorveteiro.

Moça bonita!

Palmas.

Grade dos escoteiros perfilados.

Cunhãs, velhas corocas debruçadas...

                                                     Brutas!

No parapeito das cabeças infantis.

As famílias dos mitras nos castelos roqueiros

Apresentam armas em négligé.

                              Zero uniforme.

Este cabo caminha em contratempo,

Cinco por quatro,

               Tal e qual Boieldieu na Dama Branca

           “Viens, gentille dame”...

        Zortzico de Albeniz...

        Esculhamba toda a marcha!

Moça bonita!

— “Olhe o Mário de Andrade!”

Se enganou, moça.

Onde estarei?

Ela não veio com certeza...

Que bem me importa!

Saiba a cidade de S. Paulo

Que nela vive um homem feliz!

— “Olhe a cadência!”

               O TRIANON VAI PASSAR

Palmas.

O tenente gesticula com a espada

E todos olham prá direita em continência.

Músicas.

Ovação.

Trinta carinhas adoráveis.

Esta família sorocaba...

Tudo procissiona em meus olhos um-dois...

Árvores,

O preto,

Beiço vermelho tapa o resto.

Moça bonita!

Músicas.

Cornetas.

                          Cornacas.

                       Bengalós.

        No alto dum palanquim

        Sua Excia. o Marajá de Khajurao.

O snr. presidente do Estado não gosta de Modernismo...

Olha prá mim!

— “Fora de forma!

Quarenta dias de prisão!...”

Oh, minhas alucinações!

Moça bonita!

Palmas.

Passou o palanquim.

Serenamente continuou sua jornada

Sua Excia. o marajá de Khajurao.

E os diademas de pérolas luzentes

Nos risos das favoritas.

Toneladas de moças bonitas!

               — “Viva o Brasil!”

                   — “Viva o Quarto Batalhão de Caçadores”

Risos.

Sorveteiro-sorveteiro.

Acerte o passo, cabo!

Um senhor três filhas gordas,

                                      Colares falsos,

                                  Terra-roxa,

                           Guaratinguetá,

                   Tabatinguera,

           Oblivion!

    Oblivion...

Está acabando a preocupação.

Braço dói.

A Avenida escampou.

Não tem mais moça bonita.

Que dê as palmas?

Não existo.

Não marcho.

Muito longe

Nos cafundós penumbristas de Santo Amaro

O vácuo badalando...

Eco dentro de mim.

Não tem mais Independência do Brasil.

Olhos defuntos.

Ninguém.

Nada.

Prá que tanto tambor?

O braço nem dói mais.

Cheiros de almoços mayonnaises.

Sol crestado nas nuvens que nem PÃO.

               Kennst du das Land

               Wo die Zitronen blühen?...

                           Assombrações desaparecidas.

                                  O mundo não existe.

                                      Não existo.

                                      Não sou.

                          CICLIZAÇÃO

                                  Alô?...

Dava dez mil-réis por um copo de leite.

 

XL

Não devia falar “meu coração estrala”.

Lembro todos os estralos do mundo...

Os boleeiros guasqueiam os burros...

O pneu arrebentou quando íamos duas horas da manhã...

Balas-de-estralo pelo Ano-Bom...

— Eu peno todas as dores

Com este amor que Deus me deu,

Quem achou os seus amores

A si mesmo se perdeu.

Só falta música.

Si fosse rico havia de ter uma farda de gala.

Não devia falar “meu coração estrala"...

Esta preocupação de sentimento que passou...

 

XLI

TOADA SEM ÁLCOL

Certeza de ser nesta vida

Fingimento de alguém nas artes,

Antes fraco inerme covarde,

Covarde diante desta vida.

Chuçadas e lapos berrantes,

Klaxon, terror! sem automóvel...

Antes triste traste covarde

Diante dos morros desta vida.

Ninguém sabe da solitude

Que enche o meu peito sem emprego,

O qual comunga todo dia

Na missa-baixa do abandono.

Mas, rapazes, não tenho a culpa

De ter faltado em minha vida

O amigo que me defendesse,

Aquela que eu defenderia.

 

XLII

RONDO DAS TARDANÇAS

— “Volte amanhã.”

Como tarda a desincorporação!

Não tem mais formaturas,

Não tem mais acelerados...

CALMARIA

Desejo de tempestades

Adoece meus membros parados.

Quero ir de novo pro batuque público da vida!

Que engraçado!

Também quando trato dos meus negócios com a vida

Ela sempre me diz com o ar distraído dela:

— "Volte amanhã.”

 

XLIII

Desincorporados.

Previsões tenebrosas,

Outra parada,

Revoluções futuras...

O snr. presidente da República

Acredita na fidelidade dos seus súbditos.

        E TUDO ACABA EM DANÇA!

                       Por isso cabo Machado anda maxixe...

Nem sodade nem prazer.

Me inebriei de manhãs e de imprevistos.

Bebedeiras sentimentais...

Meu vício original.

Recordamos esquerdas-volver e meias-voltas...

                                                 Volta e meia vamos dar.

É certo que me alegra

Não ser obrigado a fingir mais olhar altivo prá frente.

Secretamente eu preferia o olhar quebrado do amor.

E a gente tem mais coisas que fazer.

Não sou desses pros quais a segunda-feira é igualzinha ao domingo.

Trabalho como jeteí

Quando é florada na fruteira.

Corro minha vida com a velocidade dos elétrons

Mas porém sei parar diante das vistas pensativas

E nos portais das tupanarocas sagradas.

    Eis a vida.

        V’lá Paris...

           pan-bataclan...

    — Ordinário, marche,

        Pros meus vinte-e-nove anos maravilhosos!

Afinal,

Este mês de exercícios militares:

Losango cáqui em minha vida.

                   ... Arlequinal ...

 

XLIV

RONDÓ DO TEMPO PRESENTE

Noite de music-hall...

Não, faz Sol. É meio-dia.

Hora das fábricas estufadas digerindo.

A rua elástica estica-se talqual clown desengonçado

Farfalhando neblinas irônicas paulistas.

O Sol nem se reconhece mais de empoado

Ver padeiro que a gente encontra manhãzinha

Quando das farras vai na padaria comer pão.

Noite de music-hall...

Cantoras bem pernudas.

O olhar piscapisca dos homens aplaudindo.

Como se canta bem nas ruas de S. Paulo! 

O passadista se enganou.

Não era desafinação

Era pluritonalidade moderníssima.

Em seguida o imitador,

        Tenores bolchevistas,

           Tarantelas do Fascio...

                          Ibsen! Ibsen!

           Peer Gynt vai pro escritório

           Com o rubim falso na unha legítima.

        Empregados públicos virginais

           Deslumbrados com o jazz dos automóveis.

        Os cadetes mexicanos marcham que nem cavalos ensinados,

Está repleto o music-hall!

Mulheres-da-vida perfiladas nas frisas.

— Olhar à direita!

— Olhar à esquerda!

                          Taratá!

               Olhar especula prá todos os lados!

Mas as continências livres do meu chapéu

Não se esperdiçarão mais com galões desconhecidos!

Prefiro mil vezes saudar os curumins!

Os meninos-prodígios caminham século-vinte

Sem esbarrão na confusão da multidão.

               Bravíssimo!

                          Taratá!

Século Broadway de gigolôs, boxistas e pansexualidade!

Que palcos imprevistos!

Programas originais!

Permitido fumar.

Esteja a gosto.

                          Faz Sol.

                              É meio-dia...

                                  Noite de music-hall...

 

XLV

TOADA DA ESQUINA

Pouco antes de meio-dia

Senti que vinha. Esperei.

Veio. Passou. Foi assim

Como si a Lua passasse

Por essa picada estranha

Que viajo desde nascer.

A redoma toda verde

Do meu peito escureceu.

Noite de maio bondoso.

Lá vai a Lua passando.

Ha mesmo essa refração

Que me bota no pescoço

O cache-col da Via-Láctea

E a Lua na minha mão.

Mas quando quero gozar

O belo táctil do luar,

E passo a mão sobre os dedos...

Tenho de desiludir-me.

Foi mentira dos sentidos,

Foi o orvalho. Nada mais.

Veio. Passou. Foi assim

Como si a Lua...

Suspiro talqual na infância.

— Que queres, Mário? — Mamãi,

Quero a Lua! — Hoje é impossível,

Já vai longe. Tem paciência,

Te dou a Lua amanhã.

E espero. Esperas... Espera...

— Pinhões!