Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

O estandarte auriverde, de Fagundes Varela


Edição de referência:

FAGUNDES VARELA. L. N. O estandarte auri-verde.

São Paulo: Tipografia Imparcial de J. R. de A. Marques, 1863.

O ESTANDARTE AURI-VERDE

CANTOS

SOBRE

A  QUESTÃO  ANGLO-BRASILEIRA

POR

L. N. Fagundes Varela

S. PAULO

TYP. IMPARCIAL, DE J. R. DE A. MARQUES

49 — Rua do Rosario — 49

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1863.

AOS BRASILEIROS.

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Creio que Deus é Deus e os homens livres!

 

Índice

A quem ler

Ao Brasil

Ao povo

A William Christie

A D. Pedro II

Hino

A S. Paulo

Canto do sertanejo

Canção

 

A QUEM LER

Não há coração brasileiro que não transborde de ódio e indignação, à leitura das exigências insultantes e continuadas do governo Inglês, para com esta bela terra da América!

Desde suas piratarias e saques nos mares territoriais, até o Bill Aberdeen que a reduziu à posição de uma máquina passiva, —a insolente Bretanha nada poupou para calcar aos pés esta plaga bendita, que, se tivesse um pouco mais de audácia e cobiça, ocuparia um dos primeiros lugares entre as potências do globo.

A infância passa depressa. — A despeito de número, — Deus colocou no peito de cada Brasileiro um coração que bate por cem!

A terra de Cabral aviventou-se num sagrado repouso como o leão à sombra das cavernas, — como o condor na grimpa das cordilheiras!

Cresceram-lhe hoje as penas e as garras, — hoje ela se levanta soberba, — ai! desse que se atrever a provocá-la.

Uma das mais tristes temeridades da Inglaterra, — a última, pensamos nós — e que fez conhecer que a plaga de Santa Cruz não é mais a criança frágil e medrosa que dorme à sombra de seus palmeirais, — entre as vivas demonstrações de patriotismo, — os eloquentes discursos, — as poesias comemoradoras da dignidade de nosso país; — deu lugar a este ramalhete inodoro de cantos que damos ao público.

Escritos ao correr da pena, — segundo a leitura dos acontecimentos do dia; — bebidos na exaltação geral, — na indignação de nosso coração de Brasileiro, — embora saibamos que seu mérito é pouco e seu sucesso nenhum, contudo arrojamo-los tranquilo à luz da publicidade, — restando-nos a consolação de que, se Deus não nos outorgou a divina centelha do gênio, ao menos gravou-nos no peito uma cega dedicação à justiça —e um amor sem limites à terra que nos viu nascer.

S. Paulo — janeiro de 1863.

O AUTOR.

 

AO BRASIL

Bela estrela de luz, — diamante fúlgido

Da coroa de Deus, — pérola fina

Dos mares do ocidente,

Oh! como altiva sobre nuvens de oiro

A fronte elevas afogando em chamas

O velho continente!

A Itália meiga que ressona lânguida

Nos coxins de veludo adormecida

Como a escrava indolente,

A França altiva que sacode as vestes

Entre o brilho das armas e as legendas

De um passado fulgente.

A Rússia fria, — Mastodonte eterno

Cuja cabeça sobre os gelos dorme,

E os pés ardem nas fráguas,

A Bretanha insolente que expelida

De seus planos estéreis, se arremessa

Mordendo-se nas águas.

A Espanha túrbida, — a Germânia em brumas,

A Grécia desolada, — a Holanda exposta

Das ondas ao furor,

Uma inveja teu céu, — outra teu gênio,

Esta riqueza, — a robustez aquela,

E todas o valor!

Oh! terra de meu berço, — oh pátria amada,

Ergue a fronte gentil ungida em glórias

De uma grande nação!

Quando sofre o Brasil, os Brasileiros

Lavam as manchas ou debaixo morrem

Do santo pavilhão!...

 

AO POVO

Não ouvis?... Além dos mares

Braveja ousado Bretão!

Vingai a pátria ou valentes

Da pátria tombai no chão!

Erguei-vos, povo de bravos,

Erguei-vos, Brasílio povo,

Não consintais que piratas

Na face cuspam de novo!

O que vos falta? Guerreiros?

Oh! que eles não faltam, não,

Aos prantos de nossa terra

Guerreiros brotam do chão!

Mostrai que as frontes sublimes

Os anjos cercam de luz,

E não há povo que vença

O povo de Santa Cruz!

Sofrestes ontem, — criança

Contra a força o que fazer?...

Se nada podeis, — agora

Podeis ao menos morrer!

Oh! morrei! — a morte é bela

Quando junto ao pavilhão

Se morre pisando escravos

Que insultam brava nação!

Quando nos templos da fama

Nas áureas folhas da história,

Gravado revive o nome

Por entre os hinos da glória!

Quando a turba que se agita

Saúda a campa adorada,

— Foi um herói que esvaiu-se

Nos braços da pátria amada!

 

A WILLIAM CHRISTIE

Diplomata insolente! — ave maldita

Entre as brumas do norte aviventada

A quem a pátria recusou bafejos

E o sol um raio que aquecesse o rosto!

Dize, filho da sombra, — onde aprendeste

A voar como as águias?... Em que terras

Te cresceram as penas borrifadas

Nas lagoas impuras da Bretanha?

Que céu dourado, — que estações benditas,

Que meigas flores, — que harmonias santas

Alentaram-te o cérebro? — Que sonhos

Te passaram na mente? — Que riquezas,

O teu berço natal mostrou-te aos olhos?

Que doce inspiração roçou-te n'alma

E deu-te crenças, te cobriu de orgulho,

Do santo orgulho que revela o mérito?

Pisaste uma nação, — nação tão grande

Que a loucura perdoa-te! — Cuspiste

Na face dessa que afogara em vagas,

Em rios de ouro teu país ingrato!

Procuraste lançar um véu de sombras

Sobre essa terra que fascina o globo

Ao clarão dos diamantes, e piedosa

Teus irmãos agasalha junto ao peito!

Basta de humilhações!... dize a teus amos

Que a terra de Cabral está cansada

De ultrajes suportar! — Que a seus clamores

No seio das florestas ressuscita

Um mundo de guerreiros que não teme

O troar dos canhões, — que um povo ardente

Se levanta inspirado à voz dos bardos

Do pendão auriverde à sombra amiga!

Quereis ouro e riqueza?... Ah! nós vos damos,

É em nome da Irlanda miserável

Que sucumbe de fome! — É por piedade

Dos filhos do Levante que se estorcem

Entre sangue e veneno! — É pelos tristes

Que soluçam nos ferros, — pelos gênios

Que morrem na miséria e no abandono,

Pela virtude sem defesa e amparo!...

Vai, — teu país é poderoso e ousado,

Teus vasos cobrem a amplidão dos mares,

Teus soldados são célebres e fortes,

Teus canhões são medonhos, — ferem certo.

A nós isto que importa? — se atrevidos

A nossas praias aportarem loucos,

Cada província é um povo de guerreiros,

Cada guerreiro uni destemido Anteu!

 

A D. PEDRO II

Tu és a estrela mais fulgente e bela

Que o solo aclara da Colúmbia terra,

A urna santa que de um povo inteiro

Arcanos fundos no sacrário encerra!

Tu és nos ermos a coluna ardente

Que os passos guia de uma tribo errante,

E ao longe mostras através das névoas

A plaga santa que sorri distante!...

Tu és o gênio benfazejo e grato

Poupando as vidas no calor das fráguas,

E à voz das turbas, — do rochedo em chamas

Desprende um jorro de benditas águas!

Tu és o nauta que através dos mares

O lenho imenso do porvir conduz,

Ao porto chega sossegado e calmo

De um astro santo acompanhando a luz!

Oh! não consintas que teu povo siga

Louco, — sem rumo, desonroso trilho!

Se és grande, — ingente, se dominas tudo,

Também das terras do Brasil és filho!

Abre-lhe os olhos, — o cantinho ensina

Aonde a glória em seu altar sorri,

Dize que vive e viverá tranquilo,

Dize que morra e morrerá por ti!

 

HINO

Soldados valentes, — soldados briosos,

Soldados da terra bendita da Cruz,

As armas! erguei-vos, a aurora desponta

Vertendo nos prados torrentes de luz!

A guerra não tarda! — já brilham nos campos

Espadas lustrosas do sol ao fulgor,

Misturam-se os brados ao som das cornetas

E ao rufo ruidoso de rouco tambor!

Não vedes? — ao longe na praia sem termos

Os lenhos aportam de horrendo pirata!

Às armas!... às armas! torrentes de sangue

Misturem-se às ondas raivosas do Prata!

O dia é dos grandes, — o dia é dos bravos

Que a pátria defendem ou tombam no chão!

Lavai as campinas da pátria querida

Das fundas pisadas de ousado Bretão!

Quem há que vos vença? quem há que atrevido

Vos roube a bandeira que ardente reluz,

Soldados valentes, soldados briosos,

Soldados da terra bendita da cruz!

Avante, guerreiros! o gênio das lutas

Seus cantos tremendos nos ares espalha,

Resvalam as balas, — relincham cavalos,

Retumbam, — ribombam bombarda e metralha!

O dia é dos grandes, o dia é dos bravos,

Que a pátria defendem ou morrem no chão!...

Soldados briosos, — soldados valentes,

Lavai as ofensas de ousado Bretão!

 

A S. PAULO

Terra da liberdade!

Pátria de heróis e berço de guerreiros,

Tu és o louro mais brilhante e puro,

O mais belo florão dos Brasileiros!

Foi no teu solo, em borbotões de sangue

Que a fronte ergueram destemidos bravos,

Gritando altivos ao quebrar dos ferros,

Antes a morte que um viver de escravos!

Foi nos teus campos de mimosas flores,

A voz das aves, ao soprar do norte,

Que um rei potente às multidões curvadas

Bradou soberbo — Independência ou morte!

Foi de teu seio que surgiu, sublime,

Trindade eterna de heroísmo e glória,

Cujas estátuas, — cada vez mais belas

Dormem nos templos da Brasília história!

Eu te saúdo, oh! majestosa plaga,

Filha dileta, — estrela da nação,

Que em brios santos carregaste os cílios

A voz cruenta de feroz Bretão!

Pejaste os ares de sagrados cantos,

Ergueste os braços e sorriste à guerra,

Mostrando ousada ao murmurar das turbas,

Bandeira imensa da Cabrália terra!

Eia! — Caminha, o Partenon da glória

Te guarda o louro que premia os bravos!

Voa ao combate repetindo a lenda,

— Morrer mil vezes que viver escravos!

 

CANTO DO SERTANEJO

Salve, oh florestas sombrias,

Salve, oh broncas penedias,

Onde as rijas ventanias

Murmuram fera canção,

Nas sombras deste deserto

Do norte ao rude concerto,

Sentado de Deus tão perto,

Quem é que teme o Bretão?

Cobre-se a selva de flores,

Brincam voláteis cantores

Bebendo os langues odores

Que passam na viração,

Rugem cavernas frementes,

Silvam medonhas serpentes,

Bradam raivosas torrentes,

Quem é que teme o Bretão?

Ah! correi filhos das matas,

Através das cataratas,

Entre suaves cantatas

Ao gênio da solidão,

Cuspi nos dias escassos,

Rompei os imigos laços.

Não tendes dous fortes braços,

Quem é que teme o Bretão?

Loucos! nas fundas clareiras,

Aos urros das cachoeiras

Nas brenhas das cordilheiras,

Feia morte encontrarão!

Quem tem do ermo as grandezas,

As serras por fortalezas

Não teme as loucas bravezas

Do temerário Bretão!

Daqui decide-se a sorte,

Daqui troveja-se a morte,

Daqui se extingue a coorte

Que insulta a brava nação!...

Gritos das selvas, — dos montes,

Dos matagais e das fontes

Retumbam nos horizontes.

Quem é que teme o Bretão?

Salve, oh florestas sombrias,

Salve, oh broncas penedias,

Onde as rijas ventanias

Perpassam varrendo o chão,

Neste profundo deserto

De negros antros coberto,

Sentado de Deus tão perto,

Quem é que teme o Bretão?

 

CANÇÃO

Nunca viste à madrugada,

De níveo manto através,

Uma linfa branca e pura

Saltando da serra escura

Qual um cabrito montês?

Em torno, tudo

São negras penhas,

Névoas ligeiras,

Grutas e brenhas.

E o sol despeja,

Rasgando as brumas,

Torrentes de oiro

No véu de espumas!

Eis uma garça alvejante

Que abandona as cordilheiras,

E vai molhada de orvalhos

Perder-se nos moles galhos

De uma selva de palmeiras!

Assim murmura

De manhãzinha

O viajante

Que além caminha,

Cravando os olhos

Na linfa pura

Que se despenha

Da selva escura.

— Nunca viste-a?.. Não importa,

Deixa os tristonhos palmares....

Vês agora esse gigante

Que se espreguiça arrogante

No leito imenso dos mares?

Em torno, tudo

São vozes, cantos,

Virgens florestas

De eternos mantos.

Plagas, — savanas,

Montes sombrios,

Curvam-se humildes

Ao rei dos rios!

Salve! Amazonas soberbo!

Salve! das águas Titão!

Teu povo brada arrogante:

— Quem vive ao pé de um gigante

Não tem receio ao Bretão!