LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Livro de Sóror Saudade, de Florbela Espanca
Edição de referência:
http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/FlorbelaEspanca/SororSaudade.htm
Irmã; Sóror
Saudade, ah! se eu pudesse
Tocar de aspiração a nossa vida,
Fazer do mundo a Terra Prometida
Que ainda em sonho às vezes me aparece!
Américo Durão
II n'a pas à se
plaindre celui qui attend
Un sentiment plus ardent et plus généreux.
II n'a pas à se plaindre celui qui attend
Le désir d'un peu plus de bonbeur, d'un
Peu plus de beauté, d'un peu plus de justice.
Maeterlinck - La Sagesse et la Destinée
ÍNDICE
A Américo Durão
Irmã, Sóror
Saudade me chamaste...
E na minh'alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.
Numa tarde de
Outono o murmuraste,
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,
Jamais me hão de chamar outro mais doce.
Com ele bem mais triste me tornaste...
E baixinho, na
alma da minh'alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,
Como se fossem
pétalas caindo
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."
A A.G.
Livro do meu
amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.
Olha que eu
outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!
Livro de mais
ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!
Ah, meu Amor!
Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos, só de nós os dois!..."
És Aquela que
tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.
Aquela que o
sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!
Mar-Morto sem
marés nem ondas largas,
A rastejar no chão como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!
És ano que não
teve Primavera...
Ah! Não seres como as outras raparigas
Ó Princesa Encantada da Quimera!...
Minh'alma, de
sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada
assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...
"Tudo no
mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos
em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
À Buja
Deu agora
meio-dia; o sol é quente
Beijando a urze triste dos outeiros.
Nas ravinas do monte andam ceifeiros,
Na faina, alegres, desde o sol nascente.
Cantam as
raparigas meigamente.
Brilham os olhos negros, feiticeiros.
E há perfis delicados e trigueiros
Entre as altas espigas d'oiro ardente.
A terra prende
aos dedos sensuais
A cabeleira loira dos trigais
Sob a bênção dulcíssima dos céus.
Há gritos
arrastados de cantigas...
E eu sou uma daquelas raparigas...
E tu passas e dizes: "Salve-os Deus!"
QUE IMPORTA?...
Eu era a
desdenhosa, a indif'rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.
Agora, olhas-me
tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.
Minh'alma, a
pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!
Nela refresca a
boca um só instante...
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...
FUMO
Longe de ti são
ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas;
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são
dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces plenas de carinhos!
Os dias são
Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso
sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu amor pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos...
O MEU ORGULHO
Lembro-me o que
fui dantes. Quem me dera
Não me lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a Primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!
As minhas mãos
outrora carinhosas
Pairavam como pombas... Quem soubera
Porque tudo passou e foi quimera,
E porque os muros velhos não dão rosas!
O que eu mais
amo é que mais me esquece...
E eu sonho: "Quem olvida não merece...
E já não fico tão abandonada!
Sinto que valho
mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha,
E também é nobreza não ter nada!
Deixa dizer-te
os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolências
de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor,
eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E
nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
FRIEZA
Os teus olhos
são frios como as espadas,
E claros como os trágicos punhais,
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.
Vejo neles
imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!
Mas não te
invejo, Amor, essa indif'rença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!
Tu invejas a
dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
"Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...
MEU MAL
A meu irmão
Eu tenho lido
em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!
Fui tudo que no
mundo há de maior:
Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou. um cínico riso de Chamfort...
Fui a heráldica
flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mãos aroma aos nardos...
Deu cor ao eloendro a minha boca...
Ah! de Boabdil
fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
A NOITE DESCE...
Como pálpebras
roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de
bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em
sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!
E a noite vai
descendo, sempre calma...
Meu doce Amor tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!
CARAVELAS
Cheguei a meio
da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho
aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre
fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.
Caravelas
doiradas a bailar...
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
INCONSTÂNCIA
Procurei o amor
que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão
nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a
amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que
assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...
O NOSSO MUNDO
Eu bebo a Vida,
a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu amor eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos...
Os meus sonhos
agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!
A vida, meu
Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!
Que importa o
mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!...
PRINCE CHARMANT
A Raul Proença
No lânguido
esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas
Das noites da
minh'alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente...
Olhos postos num sonho, humildemente...
Mãos cheias de violetas e de rosas...
E nunca O
encontrei!... Prince Charmant
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!
Ah! Toda a
nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas...
— Nunca se encontra Aquele que se espera!...
ANOITECER
A luz desmaia
num fulgor d'aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu, que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...
Não sei o que
em mim ri, o que em mim chora
Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tão dolente
No amargo infinito desta hora!
Horas tristes
que são o meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!
E a esta hora
tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
Sou filha da
charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d'oiro, p'los caminhos,
Desta minh'alma ardente são a imagem.
Embalo em mim
um sonho vão, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!
E à noite, à
hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade...
E à tua espera,
enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar...
Esfinge olhando a planície enorme...
TARDE DEMAIS...
Quando chegaste
enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...
Chegaste enfim!
Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!
Beijando a
areia d'oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!
E há cem anos
que eu fui nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
"Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!..."
NOTURNO
Amor! Anda o
luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!
E eu ponho-me a
pensar... Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!
Minh'alma, que
eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenúfar dum lago
'Stendendo as asas brancas sobre as águas!
Poisa as mãos
nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho...
Poeiras de
crepúsculos cinzentos,
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços
Como brancos fantasmas, sonolentos...
Monges soturnos
deslizando lentos,
Devagarinho, em mist'riosos passos...
Perde-se a luz em lânguidos cansaços...
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!
Poeiras de
crepúsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!
Hora em que o
teu olhar me deslumbrou...
Hora em que a tua boca me beijou...
Hora em que fumo e névoa te tornaste...
Maria das
Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P'las flores d'oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.
Maria das
Quimeras me ficou;
Com elas na minh'alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh'alma, Alguém, tudo levou!
Maria das
Quimeras, que fim deste
Às flores d'oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?
Pelo mundo, na
vida, o que é que esperas?...
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?...
SAUDADES
Saudades! Sim..
talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para
quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.
Quantas vezes,
Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!
E quem dera que
fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
O QUE ALGUÉM DISSE
"Refugia-te
na Arte" diz-me Alguém
"Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.
Só é grande e
perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"
No poente
doirado como a chama
Estas palavras morrem... E n'Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar...
O poente tem
alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d'Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar...
RUÍNAS
Se é sempre
Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!
E deixa sobre
as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!
Deixa tombar
meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!
Sonhos que
tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.
CREPÚSCULO
Teus olhos,
borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...
E os lírios
fecham... Meu Amor, não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...
O Silencio abre
as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...
E a tua boca
rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando...
ÓDIO?
A Aurora Aboim
Ódio por Ele?
Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,
Que importa se
mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!
Nunca mais o
amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!
Ódio seria em
mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a pena...
RENÚNCIA
A minha
mocidade há muito pus
No tranqüilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz...
Lá fora, a
Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza...
E como um beijo ardente a Natureza...
A minha cela é como um rio de luz...
Fecha os teus
olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!
Gela ainda a
mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!
A VIDA
É vão o amor, o
ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Todos somos no
mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!
A mais nobre
ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...
Amar-te a vida
inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!...
HORAS RUBRAS
Horas
profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Oiço olaias em
flor às gargalhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...
Os meus lábios
são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e
neve e branca e mist'riosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
SUAVIDADE
Poisa a tua
cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.
Hás de
contar-me nessa voz tão q'rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.
E hás de
adormecer nos meus joelhos...
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves...
Hão de
poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d'aves...
PRINCESA DESALENTO
Minh'alma é a
Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!
É frágil como o
sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh'alma é a Princesa Desalento...
Altas horas da
noite ela vagueia...
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!
O luar ouve a
minh'alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta...
SOMBRA
De olheiras
roxas, roxas, quase pretas,
De olhos límpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas...
De mãos
esguias, finas hastes quietas,
Que o vento não baloiça em noites quentes...
Nocturno de Chopin... risos dolentes...
Versos tristes em sonhos de Poetas...
Beijo doce de
aromas perturbantes...
Rosal bendito que dá rosas... Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!...
Ah, cinzas
mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguém que dobra a curva duma estrada...
HORA QUE PASSA
Vejo-me triste,
abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!
Judeu Errante
que a ninguém faz dó!
Minh'alma triste, dolorida, escura,
Minh'alma sem amor é cinza, é pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!
Que tragédia
tão funda no meu peito!...
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!
Deus! Como é
triste a hora quando morre...
O instante que foge, voa, e passa...
Fiozinho d'água triste... a vida corre...
DA MINHA JANELA
Mar alto! Ondas
quebradas e vencidas
Num soluçar aflito, murmurado...
Vôo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!
Sol! Ave a
tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!
Meu verso de
Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como um branco lilás que se desfaça!
Amor! Teu
coração traga-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...
SOL POENTE
Tardinha...
"Ave-Maria, Mãe de Deus..."
E reza a voz dos sinos e das noras...
O sol que morre tem clarões d'auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!
Horas que têm a
cor dos olhos teus...
Horas evocadoras doutras horas...
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!
Horas em que as
saudades, p'las estradas,
Inclinam as cabeças mart'rizadas
E ficam pensativas... meditando...
Morrem verbenas
silenciosamente...
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando...
EXALTAÇÃO
viver! Beber o
vento e o sol! Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!
A chama, sempre
rubra, ao alto a arder!
Asas sempre perdidas a pairar!
Mais alto até estrelas desprender!
A glória! A fama! Orgulho de criar!
Da vida tenho o
mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!
Trago na boca o
coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas,
Com eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística