A História de Elsa Morante
Por Helena Bressan Carminati
fevereiro/2025
A História, tradução do título italiano La Storia, foi um dos grandes casos literários do século XX italiano. Publicado em 20 de junho de 1974 é, ainda hoje, um dos romances mais lidos e conhecidos da produção literária de Elsa Morante, que nasceu em Roma em 1912, filha da professora Irma Poggibonsi e do siciliano Francesco Lo Monaco. Seu sobrenome vem de Augusto Morante, marido de sua mãe, que assumiu a paternidade da escritora, registrando-a e criando-a como filha. Elsa, desde pequena já manifestava certa intimidade com a escrita, aprendendo a ler e a escrever sozinha, antes mesmo de ir para a escola. Seu primeiro texto produzido foi um poema, escrito quando ainda não sabia escrever, aos 2 anos e meio de idade, como conta Jean-Noel Schifano em La divina barbara, texto consultado no Arquivo Elsa Morante (A.R.C. 52 VI 3) da Biblioteca Nacional Central de Roma. Nessas linhas, o autor rememora conversas dos dias 29 e 31 de outubro e 1 de novembro de 1984, na Clínica Margherita, em Roma, onde a autora esteve internada até a sua morte, que viria a acontecer no ano seguinte. O texto, que, a seu modo, é um relato desses seus encontros, revela que desde muito jovem, ainda menina, Elsa foi aprofundando sua relação com a escrita, tornando-se uma grande apreciadora das palavras, sobretudo, daquelas escritas.
Na juventude, passou a escrever contos, fábulas, entre outros textos que foram publicados em jornais e revistas, sob os pseudônimos masculinos Antonio Carrera e Lorenzo Deodati, que facilitavam sua aceitação. Sua primeira obra publicada foi Il gioco segreto, um livro de 20 contos escritos entre 1936 e 1941 e publicado em 1941, pela editora Garzanti, quando Morante ainda não tinha completado seus 30 anos de idade. No ano seguinte, publicou Le bellissime avventure di Caterì dalla Trecciolina, um livro para crianças, todo ilustrado por ela, que gostava muito de desenhar. Anos mais tarde, a mesma editora, Einaudi, publicou uma versão aumentada do livro, após passar por um processo de reescrita, com o título Le straordinarie avventure di Caterina. Em 1948 Morante publicou seu primeiro romance, Menzogna e Sortilegio, também pela editora Einaudi, que foi a editora responsável por praticamente todas as suas obras, incluindo a edição de La Storia.
Como colocado anteriormente, La Storia é ainda hoje considerado um dos grandes casos literários italianos e sua publicação causou tamanho burburinho, “[...] ao ponto de que se poderia fazer a história de ‘A História’ em quase outras tantas páginas” (BORGHESI, 2019, p. 725, tradução minha), como afirmou Angela Borghesi, pesquisadora da literatura moranteana.
Desejando ser lida por todos, as escolhas editoriais do livro foram todas pensadas por Elsa Morante: desde a imagem da capa, uma fotografia de Robert Capa, da Guerra Civil Espanhola, até o valor comercial do livro: 2 mil liras. E não à toa, as vendas foram um sucesso, “[...] 100 mil cópias em menos de um mês, portanto, um romance comprado como o pão e a massa” (GARBOLI, 1974, p. 78, tradução minha), escreve Cesare Garboli, crítico literário e amigo da autora, no artigo Lo scandalo è la poesia: “La Storia”: il libro che da quattro mesi fa discutere i critici. Uma obra de mais de 600 páginas, publicada em edição de bolso, em um valor praticamente irrisório, passou a ser lido por todas as camadas sociais da Itália, de intelectuais a operários, alcançando ampla variedade de público, o que parece ter incomodado certa elite intelectual italiana.
Com um número de vendas tão expressivo, o livro passou a ser traduzido para outros idiomas, chegando ao Brasil em 1976, com o seguinte anúncio na capa: “O maior best-seller de todos os tempos na Itália – 450.000 exemplares vendidos em três meses”. Assim, o primeiro contato com a literatura de Morante no país, foi justamente seu livro mais vendido na Itália que foi uma aposta da editora Record, considerando seu sucesso editorial.
A edição brasileira, com tradução de Wilma Freitas Ronald de Carvalho, a única até agora existente em nosso país, traz uma capa verde-água estampada com a imagem de uma mulher ao fundo, como se estivesse em movimento de fuga. O que chama a atenção, e não por acaso, é a escolha da frase que toma lugar de destaque e que evidencia, como já dito, uma tentativa de fazer chegar ao público brasileiro uma escritora estrangeira, até então desconhecida, transpondo o sucesso de vendas da Itália para o Brasil. E, por coincidência ou não, o livro também agradou o público brasileiro, sendo amplamente divulgado nos periódicos brasileiros e aparecendo frequentemente nas colunas dos “Livros mais vendidos” na categoria livros estrangeiros, em jornais como o Diário da Tarde e Diário do Paraná.
Em uma pesquisa na Hemeroteca Digital Brasileira, percebe-se uma circulação bastante ampla de Elsa Morante no Brasil, a partir dessa primeira tradução que ganharia uma nova edição, lançada em 1981, mantendo a mesma tradução de Wilma de Carvalho. E dessa vez, a responsável pela publicação foi o Círculo do Livro, editora e clube do livro que manteve suas atividades até 1996. Sendo criado a partir de uma parceria entre a editora Abril e a alemã Bertelsmann, o clube chegou a possuir mais de 800 mil assinantes por todo o Brasil. As vendas funcionavam por um sistema de clube e para ser associado, o leitor deveria pagar uma taxa de inscrição e escolher um livro no catálogo da publicação Revista do Livro, pertencente ao Círculo. As edições dos livros eram feitas com exclusividade ou em parceria com outras editoras, e tinham como proposta, apresentar um preço mais acessível em comparação aos livros vendidos em livrarias. Por coincidência, a editora alemã fundadora, havia procurado a editora Record (responsável pela primeira publicação de A História), mas por motivos desconhecidos, a editora não aceitou, e então a editora Abril se associou ao projeto de criação do Clube. Nas palavras de Jorge Amado no prefácio de uma das edições de Conspiração Telefone de Walter Wager, o Círculo do Livro foi uma impressionante realidade no mercado editorial brasileiro, pois foi um clube de livros que alcançou uma audiência jamais vista entre os leitores brasileiros” (WAGER, 1991, n.p.). Os livros do Círculo eram entregues a domicílio, por vendedores, ou pelos correios, e todos eram muito bem editados. Curioso pensar nessa proposta editorial, pois assim como o movimento feito por Elsa Morante para que seu livro fosse uma edição econômica que coubesse (literalmente) no bolso de todas as pessoas, aqui no Brasil, essa segunda tiragem tomou rumos semelhantes.
Atualmente, A História se tornou um livro de pouca circulação entre os leitores e leitoras brasileiros contemporâneos. Desde 1981, isto é, há mais de quatro décadas, não temos novas edições e os poucos exemplares que ainda restam podem ser encontrados apenas em sebos.
MORANTE, Elsa. A História. Translation from Wilma Freitas Ronald de Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 1976. ISBN: Obra anterior à instituição do ISBN.
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